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Guia de Laboratórios

TRABALHO Nº 2A

SOLUBIDADE E MISCIBILIDADE

OBJECTIVOS

1) Familiarização com compostos químicos e suas propriedades.

2) Relação entre as propriedades mais correntes e a estrutura electrónica, geometria molecular e


características dos grupos funcionais existentes na molécula.

3) Propriedades decorrentes das forças intermoleculares. Miscibilidade e solubilidade.

1. SOLUÇÕES E MISTURAS DE LÍQUIDOS. COMPOSTOS IÓNICOS E


MOLECULARES

Quando dissolvemos uma substância, soluto, separamos as suas moléculas ou iões, que se
introduzem entre as moléculas do solvente. Assim, é do senso comum que uma dissolução só terá
lugar quando o cômputo das energias postas em jogo:

1 - Energia de ligação entre moléculas ou iões de soluto − consumida,


2 - Energia de ligação entre moléculas de solvente − consumida,
3 - Energia de ligação soluto−solvente − libertada,

for favorável à dissolução. Porém, o mecanismo de dissolução difere conforme as características do


composto.

No caso de compostos moleculares, as moléculas de soluto, coesas devido às interacções inter-


moleculares de Keesom, Debye, London e/ou Ligações de Hidrogénio, separam-se no solvente, mas
mantêm a sua individualidade química.

Pelo contrário, os compostos iónicos em solventes polares, como a água, dissociam-se nos seus iões
constituintes. Os iões em solução ficam envolvidos por uma gaiola de solvente, constituída por
dipolos moleculares que estabilizam as cargas eléctricas, como se mostra esquematicamente na
Figura 1 para o solvente água.

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Figura 1: Solvatação de iões pelos dipolos eléctricos das moléculas de solvente (água).

Estas soluções apresentam características diferentes das de compostos moleculares. Uma solução
iónica pode conduzir corrente eléctrica (pelo menos corrente alterna) enquanto que uma solução
molecular não o faz, a menos que se dê oxidação e redução dos seus componentes no ânodo e no
cátodo, respectivamente. Note-se que os iões podem ser átomos electricamente carregados, mas
também iões moleculares, como por exemplo o ião sulfato, SO42−. Neste caso, a dissolução tem
lugar tal como se apresenta no esquema reaccional seguinte, para o sulfato de sódio:

No caso de compostos iónicos a sua solubilidade deve ser analisada em termos termodinâmicos
mais complexos (ver secção 2, adiante).

Quando se trata de compostos moleculares a sua solubilidade ou miscibilidade deve ser sempre
avaliada através das energias postas em jogo no processo de dissolução (ver início da secção 1).
Para levar à prática esta avaliação é necessário:

1º Desenhar correctamente a estrutura das moléculas em estudo, com especial atenção à geometria
e pares de electrões em orbitais não ligantes, propícios à formação de ligações de hidrogénio.
2º Avaliar os momentos dipolares de forma qualitativa, adicionando vectorialmente os momentos
dipolares parciais das ligações.
3º Avaliar as suas polarizabilidades relativas, usando o número total de electrões como uma
“medida” aproximada do seu volume.
4º Analisar as interacções intermoleculares em jogo entre moléculas de soluto e entre moléculas
de solvente, e a sua energia relativa.
5º Decidir se no processo de mistura se perdeu uma quantidade apreciável de ligações
intermoleculares, ou não. Se sim, provavelmente a solubilidade será diminuta; se não, é
espectável que se dê dissolução (ou mistura, no caso de dois líquidos).

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Vamos exemplificar para os compostos n-hexano, C6H14, e metanol, CH3OH. No quadro abaixo, N
(não) representa ausência de ligação intermolecular do tipo em causa e S (sim) indica que existe; e
será S+ ou S− se contribuir para a coesão molecular, respectivamente, de uma forma importante ou
pouco relevante (nas folhas da cadeira encontrará o suporte teórico para estas análises).

1º Estrutura das moléculas:

HH HH HH
HH
C C C H C O
H C C C
H H
HH HH HH
n-hexano metanol
2º Polaridade:

O n-hexano é apolar (pelo menos na conformação apresentada, a mais estável) e o metanol


claramente polar devido à diferença de electronegatividades entre os seus átomos: χ C = 2,55,
χ H = 2,20, e χ O = 3,44.

H H CO pi
C O
HO
H HC H
3º Polarizabilidade:

O n-hexano tem 50 electrões e o metanol 18 (cerca de 3 vezes menos).

4º Interacções intermoleculares:

Moléculas Keesom Debye London Ligações de hidrogénio


n-hexano N N S+ N
metanol S S− S− S+
n-hexano − metanol N S− S N

5º Conclusão sobre a miscibilidade:

Nas misturas perderam-se as interacções de Keesom e ligações de hidrogénio do metanol e


parte das ligações de London do n-hexano. Provavelmente não serão miscíveis.

Experimentalmente observa-se que são parcialmente miscíveis: qualquer deles se mistura com
cerca de 25% em volume do outro.

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2. TERMODINÂMICA DA DISSOLUÇÃO MOLECULAR

Na análise da solubilidade efectuada considerámos exclusivamente os aspectos energéticos e


desprezámos os aspectos estatísticos. Qual será o estado mais provável? Aquele em que as
moléculas estão separadas, umas arrumadas num cristal e outras na semi-desarrumação que
caracteriza o estado líquido, ou umas dispersas no meio de outras? É evidente que o número de
diferentes posições relativas possível em solução é muito superior àquele em que as moléculas se
encontram em posições bem definidas num cristal ou semi-desarrumadas num líquido puro.

Embora o senso comum nos diga que qualquer sistema tende obrigatoriamente para uma menor
energia, isto não é totalmente verdade. Na realidade, os sistemas tendem não só para um estado de
menor energia como também para um estado mais provável, isto é, um estado em que possam
existir de mais maneiras diferentes, ou seja, num maior número de configurações. A função
termodinâmica entropia, S, mede o número de configurações possíveis de um sistema.

Na realidade, numa transformação física ou química os sistemas evoluem espontaneamente no


sentido de diminuir a sua energia livre de Gibbs, ∆G (∆G < 0). A variação desta função
termodinâmica numa transformação tem que ter em conta duas contribuições, a entálpica (ou
energética), ∆H, e a entrópica, ∆S, esta última pesada com a temperatura absoluta, T (já que um
sistema a 0 K, em que os movimentos moleculares estão congelados, não tem nenhuma
possibilidade de aproveitar as diferentes configurações possíveis):

∆G = ∆H − T ∆S

Numa dissolução a variação de entropia do sistema soluto−solvente é positiva (∆S > 0) devido à
dispersão das moléculas do soluto no solvente relativamente aos compostos puros separados. Sendo
assim, uma dissolução pode dar-se espontaneamente (isto é, com ∆G < 0) mesmo que seja com
consumo de energia. Portanto, dissoluções endotérmicas (ou endoentálpicas, ∆H > 0) são
frequentes, embora, em princípio, menos favoráveis do que as exotérmicas (exoentálpicas, ∆H < 0).

Podemos então concluir que uma análise baseada apenas na energia libertada ou consumida numa
dissolução, como a apresentada acima para o n-hexano e o metanol, só nos indica se a contribuição
entálpica (∆H) é ou não favorável à dissolução, nada nos dizendo se a variação de entropia (∆S)
pode ou não compensar aquela. É fácil concluir que não há substâncias insolúveis noutras, o que há
é substâncias cuja solubilidade é tão desfavorável do ponto de vista entálpico (energético) que, na
prática, se pode considerar inexistente.

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3. REALIZAÇÃO EXPERIMENTAL

3.1 – Material e reagentes

− 11 tubos de ensaio
− 2 espátulas de cana
− Cloreto de amónio
− Cloreto de cálcio anidro
− Água destilada
− Metanol
− Tolueno
− Soluções mistério: X, Y, Z.

3.2 - Dissoluções endo- e exoentálpicas

Coloque num tubo de ensaio um pouco de cloreto de amónio (NH4Cl) e noutro um pouco de cloreto
de cálcio anidro (CaCl2). Adicione água destilada a cada um deles e agite ligeiramente para ajudar a
dissolver os sais. (Nota: na ausência de agitação a dissolução também se dá −pois é espontânea−,
mas o processo é mais lento.)

Observe qualitativamente a variação de temperatura associada a cada uma das disoluções. Comente
a validade dos raciocínios feitos com base no senso comum e nos conhecimentos de termodinâmica.

3.3 - Miscibilidades

Usando um conjunto de 9 tubos de ensaio e os solventes água, metanol e tolueno, teste as


miscibilidades dos compostos desconhecidos, X, Y e Z. Anote o resultado na Tabela:

Tabela de miscibilidades

Composto 1 / Composto 2 X Y Z
Água
Metanol
Tolueno

Sabendo que os 3 compostos desconhecidos são o n-hexano (C6H14), o éter dietílico


(CH3CH2OCH2CH3) e o etilenoglicol ou 1,2-etanodiol (CH2(OH)CH2OH), identifique X, Y e Z.

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EXERCÍCIOS

1. Explique a dissolução dos metais em mercúrio (soluções usualmente denominadas amálgamas).

2. Desenhe uma molécula de metanol tendo em conta a sua estrutura e geometria. Em torno desta
coloque outras moléculas de metanol formando todas as possíveis ligações de hidrogénio
metanol−metanol.

3. Analise a miscibilidade do acetonitrilo, CH3CN, em água. Note que esta é uma das inúmeras
excepções à regra “semelhante dissolve semelhante”. Explique por que razão esta regra não é
observada neste caso.

4. As soluções de sais iónicos são condutoras de corrente alternada, mas quando a diferença de
potencial é pequena não conduzem corrente contínua senão durante um breve período inicial.
Explique porquê.

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