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Teste de avaliação – Sequência 3

Crónica de D. Pedro I, Fernão Lopes

GRUPO I

Lê, com atenção, o excerto do capítulo XLIII da Crónica de D. Pedro I, de Fernão Lopes,
abaixo transcrito.

Como Dom Joham, Filho Delrei Dom Pedro De Purtugal, Foi


Feito Mestre Davis
Vos ouvistes no primeiro capitollo desta estoria, como depois da morte de Dona Enes, elRei
seemdo Iffamte, numca mais quis casar, nem depois que reinou quis reçeber molher, mas ouve
huum filho dhuuma dona, a que chamarom Dom Joham. Deste moço deu elRei carrego 1 a Dom
Nuno Freire, meestre de Christus, que o criava e tiinha em seu poder, e que criamdoo, el assi
5 seemdo em hidade ataa sete annos, veosse a finar o meestre Davis, Dom Martim do Avelal. O
mestre de Christus como isto soube, foisse logo a elRei Dom Pedro, que estomçe pousava na
Chamusca, e pediolhe aquel meestrado pera o dito seu filho, que levava em sua companha, e
elRei foi mui ledo do requerimento, e muito mais ledo de lho outorgar. Entom tomou o moço o
meestre nos braços, e teemdoo em elles, lhe cimgeo 2 elRei a espada e ho armou cavalleiro, e
10 beijouho na boca lamçamdolhe a beemçom, dizendo que Deos o acreçentasse de bem em
melhor, e lhe desse tanta homrra em feitos de cavallaria, como dera a seus avoos; a qual
beemçom foi em el bem comprida, como adeamte ouvirees. E disse estomçe elRei comtra o
meestre: “Tenha este moço isto por agora, ca sei que mais alto hade montar, se este he o meu
filho Joane de que me a mim alguumas vezes fallarom, como quer que eu quiria ante que se
15 comprisse no Iffamte Dom Joham meu filho que nelle; ca a mim disserom que eu tenho huum
filho Joanne, que ade montar muito alto, e per que o reino de Purtugal adaver mui gramde
homra. E por que eu nom sei qual destes Johanes hade seer, nem o podem saber em çerto, eu
aazarei como sempre acompanhem ambos estes meus filhos, pois que ambos som de huum
nome, e escolha Deos huum delles pera esto, qual sua mercee for. Como quer que muito me
20 sospeita a voontade que este hade seer, e outro nenhuum nom, por que eu sonhava huuma
noite o mais estranho sonho que vos vistes: a mim pareçia em dormimdo, que eu viia todo
Portugal arder em fogo, de guisa que todo o reino pareçia huuma fogueira; e estamdo assi
espamtado veemdo tal cousa, viinha este meu filho Johanne com huuma vara na maão, e com
ella apagava aquelle fogo todo. E eu comtei esto a alguuns que razom tem dentemder em
25 taaes cousas, e disseromme que nom podia seer, salvo que alguuns gramdes feitos lhe aviam
de sahir damtre as maãos.” […] E esto assi feito, foi el levado pera a hordem de Davis domde
era meestre, e alli se criou alguuns anos, ataa que veo a tempo que começou de florecer em
manhas e bomdades e autos de cavallaria, segumdo a estoria adeamte dira, contamdo cada
huumas em seu logar. E se alguuns quiserem dizer que os poucos anos de sua hidade e não
30 legitima naçença embargavom3 de poder ser meestre, ataes se responde, que o papa
despensou com elle, que posto que prouvehudo4 fosse ante do tempo e nado de nom legitimo
matrimonio, que seus boons costumes, e homrroso proveito que del viinha aa hordem,
corregia5 todo esto, e que o confirmava em elle.
LOPES, Fernão – Crónica de D. Pedro I. Livraria Civilização, 1994.

1. encargo; 2. aproximou junto à cabeça; 3. impediam; 4. provido; 5. corrigia.


Apresenta, de forma bem estruturada, as tuas respostas aos itens.
1. Localiza o excerto no relato histórico que constitui a matéria da Crónica de D. Pedro I, de Fernão
Lopes.
2. Destaca o efeito de sentido produzido com o uso do discurso direto na reprodução das palavras de
D. Pedro.
3. Interpreta o sonho do rei, relacionando-o com a predestinação de D. João I a que alude
anteriormente.
4. Comenta a funcionalidade discursiva das expressões “Vos ouvistes” (l. 1), “como adeamte ouvires”
(l. 12) e “a estoria adeamte dira, contamdo cada huumas em seu logar” (ll. 28-29).

GRUPO II

Faz a leitura atenta do excerto de uma crónica de António Lobo Antunes, intitulada
“Recordações da Casa Amarela”.

Os meus pais que naquilo que respeitava à educação dos filhos tinham ideias esclarecidas
e firmes mandaram-me fazer a instrução primária na Escola do Senhor André, na Avenida
Gomes Pereira no tempo em que a fábrica Simões trabalhava ainda, a sede do Benfica se
situava onde é agora a Junta de Freguesia
5 (e espantava-me que um clube desportivo fossem apenas duas salas escuras onde
cavalheiros de idade cheios de tosse fumavam cigarros de mortalha e jogavam ao bilhar e à
sueca)
e damas de roupão e rolos na cabeça conversavam à janela a lamentar o reumático dos
maridos.
10 A escola do Senhor André compunha-se de quatro elementos fundamentais que eram, por
ordem decrescente de importância, o próprio Senhor André, a Senhora, a Mãe da Senhora e o
cão de todos eles. O cão, chamado Pirata por um desses requintes de humor em que o Senhor
André sempre foi fértil, possuía uma coleira vermelha com um guizo que não se ouvia
(a utilidade de um guizo mudo constituía um mistério para mim)
15 não ladrava
(era tão mudo como o guizo)
passeava pelos canteiros uma melancolia crónica e além de ser feio e obeso tinha cara de
estudante-trabalhador ou de delegado sindical, o que não é muito diferente. A Mãe da Senhora,
a quem também jamais escutei um som
20 (não desesperem que os barulhos vêm a seguir)
levava o ano letivo a fazer crochet num banquinho de lona sob a macieira, e a sua função
consistia em deixar-me sonhar que se morresse não haveria escola durante uma semana.
Enquanto lá andei infelizmente nunca morreu, apesar de uma bronquitezinha cujos progressos
eu acompanhava com desvelo e esperança, e aposto que continua a fazer crochet em qualquer
25 escola de arrabalde e a sofrer de uma bronquite que se não decide para desespero dos alunos.
A Senhora, filha desta perversa tartaruga centenária, casada com o Senhor André, tinha
bexigas
(uma desgraça nunca vem só)
ensinava a primeira e a segunda classes e não me ligava peva: só por isso, na minha
30 opinião, merecia o marido e as borbulhas. O Senhor André ocupava-se da terceira e da quarta,
era careca, sovava-nos com abundância e método ao estalo, à reguada, a pontapé, e enfiava-
nos a tabefe pela cabeça adentro as serras do sistema Galaico-Duriense, o ramal da Beira
Baixa e os rios de Moçambique. Exemplo: Peneda (estalo), Suajo (estalo), Larouco (estalo),
Gerês (estalo), e assim sucessivamente
(“assim sucessivamente” era uma das suas expressões favoritas)
como quem crava pregos na parede à martelada.
As aulas deste pedagogo iniciavam-se de acordo com um rito imutável: o Senhor André
chegava, nós levantávamo-nos, o Senhor André sentava-se, nós sentávamo-nos, o Senhor
André tirava pelos do nariz, nós não
(o Senhor André era a criatura com mais pelos no nariz que imaginar se pode, e eu
supunha que em lugar de miolos possuía no interior do crânio um piaçaba que não parava de
crescer) […]
Os meus pais, que não tinham a admiração fácil, consideravam o Senhor André um
educador excelente: em geral com um braço quebrado eu sossegava um pouco e com um
dente a menos comia menos carne.
ANTUNES, António Lobo – Livro de Crónicas. Dom Quixote (5.ª ed.), 2002.

Apresenta, de forma bem estruturada, as tuas respostas ao questionário.


1. Divide o texto nas suas partes constitutivas, justificando a tua resposta.
2. Esclarece a relevância do discurso parentético utilizado ao longo da crónica.
3. Analisa a expressividade do paralelismo sintático no décimo quinto parágrafo (ll. 37-39).
4. Caracteriza uma das figuras humanas referidas ao longo do texto, fundamentando a resposta em
elementos do texto.

GRUPO III

Num texto bem estruturado, de cem a duzentas palavras, descreve as tuas impressões de leitura
de excertos de uma crónica de Fernão Lopes – Crónica de Pedro ou Crónica de D. João I –,
destacando o episódio que consideres mais impressivo.
(Adaptado de Exame Nacional de Literatura Portuguesa, 2010, 1.ª fase)

Cotações
Questões Cotação
OCL*
Grupo I Conteúdo Total por questão Total do grupo
Org.** CL***
1. 12 4 4 20
2. 12 4 4 20
80 pontos
3. 12 4 4 20
4. 12 4 4 20
OCL*
Grupo II Conteúdo **
Total por questão Total do grupo
Org. CL***
1. 12 4 4 20
2. 12 4 4 20
80 pontos
3. 12 4 4 20
4. 12 4 4 20
OCL*
Conteúdo Total por questão
Grupo III Org.** CL*** 40 pontos
24 8 8 40
200 pontos
(20 valores)
* Organização e correção linguística
** Coerência na organização das ideias e na estruturação do texto
*** Correção linguística (sintaxe e morfologia; léxico; pontuação; ortografia)
Sugestões de resposta

Grupo I
1. O excerto da Crónica de D. Pedro I situa-se no final Grupo II
da obra, já depois do relato da morte e trasladação de 1. É possível delimitar dois momentos na crónica. O
D. Inês de Castro. Anuncia a existência de um filho primeiro ocupa os três primeiros parágrafos e
bastardo do rei, que chegará a monarca do país como corresponde à apresentação das circunstâncias da
D. João I, a quem Fernão Lopes dedicará igualmente infância do narrador que determinam a evocação. A
obra cronística. segunda parte do texto estende-se desde o quarto
2. Com o recurso ao discurso direto, as palavras de D. parágrafo até ao final e nela o cronista recorda a
Pedro ganham maior vivacidade e Fernão Lopes “escola do Senhor André” em termos de instalações e
confere ao seu relato um tom coloquial e atribui aos de recursos humanos.
acontecimentos apresentados maior credibilidade. 2. Os excertos discursivos colocados entre parênteses
3. O sonho de D. Pedro possui um carácter correspondem a passagens que o narrador isola da
premonitório, destacando a ideia de que o infante D. matéria narrativa. Não integram a matéria diegética e
João viria a exercer um papel de relevo numa constituem observações e comentários subjetivos aos
contenda, como acontecerá, de facto, na crise de 1383- factos e situações que vai apresentando, por vezes
1385. Com a apresentação da visão do filho bastardo funcionando mesmo como as didascálias de um texto
do rei a apagar o fogo que destrói Portugal, Fernão dramático ao anunciar os gestos de um personagem (ll.
Lopes atribui desde logo ao futuro rei D. João I, cujo 33-34).
reinado se preocupará em legitimar na crónica que lhe 3. O paralelismo apresenta as ações simultâneas do
dedica, um papel messiânico, anunciando-o, através “Senhor André” e do “nós” de que o narrador fazia
das palavras do próprio pai, como concretizador de parte, destacando a reação quase programada dos
“gramdes feitos” (l. 28) futuros. garotos aos ritos do professor. Por outro lado, o
4. As expressões aproximam o discurso da oralidade, paralelismo prepara a comicidade associada à última
estabelecendo uma relação mais próxima entre o situação descrita, pois, ao contrário do que sucedia
narrador e os leitores/ouvintes, cativados através do com as anteriores, quando “o Senhor André tirava
tom coloquial assim aproveitado. Por outro lado, as pelos do nariz”, os estudantes não reagiam de forma
expressões organizam a matéria relatada, delimitando idêntica e não seguiam o modelo do professor.
os momentos enunciativos e estruturando o discurso 4. Resposta pessoal.
em termos de factos já contados e de circunstâncias a
narrar futuramente, o que permite uma melhor É possível caracterizar os “pais” do narrador a partir
compreensão da sucessão cronológica dos dos primeiro e último parágrafos da crónica, a “Mãe da
acontecimentos. Senhora” com as informações das linhas 18 a 26, a
“Senhora” através da descrição oferecida nas linhas 26
a 30, e o “Senhor André” com base no relato das linhas
30 a 42.

Grupo III
Resposta pessoal.

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