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Joiío Fragoso

Maria Fernanda Bicalho


Maria de Fátima Gouvéa
Organizadores

O Antigo Regime
nos trópicos
A dinamica imperial
portuguesa
(séculos XVI-XVIII)

-
CI VILIZA(,:,\O IHIA S ILEIHA

Río de Janeiro
2001
BIBLIOTECA DIGITAL

TEXTOS SOBRE BOLIVIA

LOS VIRREYES DE AMÉRICA DEL NORTE, HISTORIA DE LOS INDÍGENAS


NORTEAMERICANOS, LA INFLUENCIA INGLESA EN LOS ESTADOS UNIDOS DE
NORTEAMÉRICA, ALEXIS DE TOCQUEVILLE, EL REINO UNIDO Y LA AMÉRICA
COLONIAL Y EN LAS EDADES MODERNA Y CONTEMPORÁNEA, LA INFLUENCIA
HISPANA EN LOS ESTADOS UNIDOS DE NORTEAMÉRICA, LA HISTORIA DE LAS
COLONIAS NORTEAMERICANAS DESDE FINALES DE LA ÉPOCA MODERNA Y
PRINCIPIOS DE LA CONTEMPORÁNEA, LAS DIFERENCIAS ENTRE LA AMÉRICA
ESPAÑOLA, LA INGLESA Y LA PORTUGUESA

FICHA DEL TEXTO

Número de identificación del texto en clasificación filosofía: 2701


Número del texto en clasificación por autores: 16280
Título del libro: O Antigo Regime nos trópicos. A dinámica imperial portuguesa
(séculos XVI-XVIII)
Autor (es): Joao Fragoso, María Fernanda Bicalho y María de Fátima Gouvéa
(Organizadores)
Editor: Editora Civilizaçao Brasileira
Derechos de autor: ISBN: 85-200-0564-0
Año: 2001
Ciudad y País: Rio de Janeiro – Brasil
Número total de páginas: 227
Fuente: https://es.scribd.com/document/289685788/O-Antigo-Regime-Nos-Tropicos-A-dinamica-
portuguesa-seculos-XVI-XVIII
Temática: Las diferencias entre la América española, la inglesa y la portuguesa
COPYRIGHT © Jo:io Fragoso, Mario Fernando Baptism Bicolho e
Maria de Fátimo Silva Gouvca, 2001

CAPA
Evclyn Grumach

PROJETO GRÁFICO
Evclyn Grumach e ]oiio Je Souza Lcicc

lmagcm de capa: "Configura~iio que mostra a Entrada do Rio de Ianeiro em


distancia de meya lcgoa do mar. No. 6, Na. Sa. De Copacabana, No. 7, Pao de
Assucar, No. Fortaleza de Sa. Cruz", de CarlosJuliiio, Gabinete de Esrudos
Arqueológicos de Engenharia Militar, Lisboa

A C. R. Boxer e J. R. do Amara! Lapa


QP-BRASILCATALOGA<;:ÁO-NA-FONTE
SINDICATO NACIONAL DOS EDITORF.S DE LIVROS, RJ INMEMORIAM

A634 O Amigo Regime nos trópicos: a din5mica imperial portuguesa


(séculos XVI-XVlll) / Joiio Fragoso, Maria Fernanda Baptista
Bicalho e Maria de F:ítima Si lva Gouvea, organizadores. - Rio
de Janciro: Civilizai¡iio Brasileira, 2001.

Incluí bibliografía
ISBN 85-200-0564-0

J. Brasil - História - Período colonial, 1500-1822. 2. Brasil -


História - lmpério, 1822-1889. 3. Portugal - Colónias - Brasil
- Hisrória. 4. Portugal - Colónias - Hisrória. l. Fragoso, Joiio.
11. Bicalho, Maria Fernanda Baptista. IIJ. Gouvca, Maria de
F:írima Silva.

CDD - 981.03
01 -0918 CDU - 981 "1500/1889"

Todos os direiros reservados. Proibida a reprodu~iio, armazenamento ou


transmissiio de parres desre livro, através de quaisquer meios, sem prévia
autoriza~iio por escriro.

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EDITORA CIVlLIZA<;AO BRASILEIRA
um selo da
DISTRIBUIDORA RECORD DE SERVI<;OS DE IMPRENSA S.A.
Rua Argentina 171 - Rio de Janeiro, RJ, Brasil, 20921-380 - Tel.: 2585-2000

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Caixa Postal 23.052, Rio de Janeiro, RJ - 20922-970

Impresso no Brasil
2001
Sumário

ABREVIATURAS 9

PREFÁCIO 11

INTRODUc;ÁO 21

PRIMEIRA MRTE
,· As conjunturas do Mare Lusitano 27

CAPÍTULO 1
A forma~áo da economia colonial no Rio de Janeiro e de sua primeira elite >t

senhorial (séculos XVI e XVII), por J oáo Fragoso 29

CAPÍTULO 2
Os homens de negócio do Rio de J aneiro e sua atua<;áo nos quadros do
Império portugues (1701-1750) , por Antonio Carlos jucá de Sampaio 73

CAPÍTULO 3
As elites económicas e a arremata~o dos contratos reais: o exemplo do Río
Grande do Sul (século XVIII), por Helen Osório 107

SEGUNDA PARTE
Poderes e hierarquias no Ultramar 139

CAPÍTULO 4
A escravidáo moderna nos quadros do Império portugues: o Antigo Regime
em perspectiva atlantica, por H ebe Maria M attos 141 A--

CAPÍTULO 5
A constitui~áo do Império portugues. Revisáo de alguns enviesamentos
correntes, por António Manuel H espanha 163 ,,-

CAPÍTULO 6
As camaras ultramarinas e o governo do Império, por Maria Fernanda Baptista
Bicalho 189

7
""UlnlMIYll' -.N. lfYtrr.n•"~, ..,,... _ _ _ _ .., , .
SUMARIO Q ANTIGQ KtúlMt: NU> l11Ul""I\..U>

TERCEIRA PARTE Abreviat uras


As geografías políticas do Império 223

CAPÍTULO 7

Império da fé: Ensaio sobre os portugueses no Congo, Brasi l e Japiío, por


Ronald Raminelli 225

CAPÍTULO 8

Trajetórias,sociais e governo das conquistas: Notas preliminares sobre os vice-


reis e governadores-gerais do Brasil e da Índia nos séculas XVII e XVIII, por AAHRS - Anais do Arquivo do Estado do Rio Grande do Sul
Nuno Gon~alo F. Monteiro 249
AHfyiOP -Arquivo Histórico do Ministério de Obras Públicas
CAPÍTULO 9 AHN - Arquivo Histórico Nacional (Luanda)
AHRS -Arquiv o do Estado do Rio Grande do Sul
Poder político e administra~áo na forma~iío do complexo atlantico portugues
(1645-180 8), por Maria de Fátima Silva Gouvea 285 AHTC - Arquivo Histórico do Tribunal de Con tas de Lisboa
AHU -Arquiv o Histórico Ultramari no
QUARTA PARTE
AMSB -Arquivo do Mosteiro de Sáo Ben to (Rio de Janeiro)
As conexóes imperiais 317 AN -Arquiv o Nacional do Rio de Janeiro
ANTT - Arquivo Nacional da Torre do Tambo
CAPÍTULO 10 APF -Arquivo s da Propaganda Fide (Roma) - scriture riferite nei congressi.
A no~áo de economia colonial tardia no Rio de Janeiro e as conexc5es Series Africa, Angola, Congo, Senegal. Isole debl'Ocea no Atlantico (1645-168 5)
económicas do Império portugues: 1790-1820 , por Joáo Fragoso 319 ,1s arr. - Escritura Pública de Arrendam ento
av. - Document os avulsos
CAPÍTULO 11
Banhos - Banhos de Casamentos (documenta~áo depositada nas Cúrias metro-
Dinamica do comércio intracolonial: Geribitas, panos asiáticos e guerra no politanas)
tráfico angolano de escravos (século XVIII), por Roquinald o Ferreira 339 BCU - Boletim do Conselho Ultramarin ho
CAPÍTULO 12 BML- Biblioteca Municipal de Luanda
Texteis e metais preciosos: novas vínculos do comércio indo-brasileiro (1808- BN - Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro
1820), por Luís Frederico Dias Antunes 379 BNL - Biblioteca Nacional de Lisboa
AP~DICE MAPAS 421
ca - Cole~áo Castro Almeida do AHU
cap. - Capítulo
AUTORES 433
cat. - Catálogo
REF~CIA S BIBLIOGRÁFICAS 439 CCU - Correspon dencia do Conselho Ultramari nho
CU - Conselho Ultramari nho
Ch - Chancelar ia
CL - Carta de Lei
cód. - Códices
contrato - Escritura Pública de contrato
CR - Carta Régia

9
CPON - Cartório do Primeiro Ofício de Notas (documenta<;áo depositada no Prefácio
AN)
CSON - Cartório do Segundo Ofício de Notas (documenta<;:áo depositada no A. J. R. Russell-Wood
AN)
Cúria Niterói - Cúria Metropolitana de Niterói
Cúria RJ - Cúria Metropolitana do Rio deJaneiro
cv. - Escritura Pública de Compra e Venda
ex. -Caixa
DC - Documentos Históricos da BN
doc. - Documento
Emp. - Escrituras Públicas de Empréstimos
EP - Escrituras Públicas O presente conjunto de ensaios apresenta o estado atual da pesquisa
obrig. - Escritura Pública de Obrigar;áo historiográfica sobre o Brasil colonial, bem como o papel da presen!j:a
Ord. Fil. - Ordenar;óes Filipinas brasileira no império portugues e no mundo de forma mais ampla. Trata-
part. - Escrituras Públicas de partido de cana se do ápice de um processo historiográfico iniciado na década de 1970. É
PH - Publicar;óes Históricas do AN válido, portante, rever seus antecedentes no sentido de calcular a rele-
proc. - Escritura Pública de Procu rar;áo vancia do trabalho em questáo.
prov. - Provisao
Este volume reflete dois movimentos paralelos observados na escrita
RG - Río Grande do Sul
da história do Brasil colonial, especialmente aquela produzida pelos bra-
RJ - Río de Janeiro
sileiros. Através da consulta de fontes depositadas em bibliotecas e arqui-
reg. - Regi mento
vos na África, Europa e Américas, seus autores tem reconhecido a
res. - Resolur;áo
vol. - Volume
importancia do componente internacional na pesquisa histórica sobre o
Brasil. O Arquivo e a Biblioteca Nacional do Río de Janeiro apresentam-
se como repositórios de cole!j:óes cuja grande diversidade e riqueza de
informa~óes permanecem sem equivalentes. Entretanto, hoje em dia os
historiadores estáo consultando cada vez mais os arquivos de Luanda, Ma-
puto, Goa; assim como os de Roma, Lisboa, Londres, París, Haia, Sevilha
e Simancas, além das ricas cole~óes cartográficas e de manuscritos da Bi-
blioteca John Carter Brown, em Providence, Estados Unidos.
A dimensáo cosmopolita do investimento empreendido por tais pes-
quisadores deve ser avaliada sob a perspectiva de um desenvolvimento
paralelo. Os ensaios desta coletanea atestam a importancia atualmente
atribuída pelos historiadores no Brasil a documenta~áo municipal e regi-
onal, aos registros eclesiásticos e, especialmente, aos manuscritos e fontes
impressas nas cúrias metropolitanas e nos arquivos dos cartoriais. Urna
nova gera~áo tem "espremido" a documenta~áo primária no desenvolví-

1 O 1 1
PREFÁCIO o ANTI GO REGIME NOS TRÓP I COS : A DINÁM I CA IMPERIAL PORTUGUESA

mento de estudos sobre urna variedade de temas até entáo nunca vislum- dos mecanismos de representa~áo local - tais como os Senados da Ca-
brados por seus compiladores originais. As atas do Senado da Ca.mara tem mara no império portugues - e da maneira pela qua! os colonos conse-
fornecido informa~óes sobre saúde pública e estrutura de pre~os; regis- guiam negociar as políticas e práticas da coroa no sentido de torná-las
tros fiscais tem sido utilizados por profissionais da história social; docu- menos opressivas e/ou mais de acordo com as prioridades, necessidades e
mentos eclesiásticos tem possibilitado urna nova compreensáo sobre práticas da sociedade colonial. A recente historiografia acerca da América
história da família, sele~áo de cónjuges no matrimonio, comportamento espanhola e da presen~a inglesa na América do Norte e no Caribe tem
sexual, pobreza e pequeno comércio; registros inquisitoriais tem favore- focalizado aquilo que vem sendo referido como "crioliza~áo" (ou, algu-
cido a pesquisa sobre sexualidade e bruxaria; e arquivos das irmandades, mas vezes, "americaniza~áo"), nomeadamente a mudan~a de status dos
sobre práticas de heran~a, música e músicos, epidemiologia e farmacopéia. indivíduos nascidos nas Américas, a cria~áo das elites criolas e o grau a
Os autores dos ensaios apresentados neste volume transitam, cada um que puderam ascender em termos sociais e económicos, chegando a ocu-
deles, na fronteira da pesquisa histórica sobre o Brasil colonial. Coletiva- par cargos públicos a nível municipal, regional, e mais elevados na hierar-
mente, fornecem um testemunho da for~a excepcional da produ~áo con- quia colonial. 3 O processo de forma~áo de urna elite e o surgimento de
temporanea sobre o tema, especialmente aquela desenvolvida pela gera~áo urna "nobreza da terra" ("gentry" no caso ingles, ou "burger" no caso
de academicos brasileiros que concluíram seus doutorados desde 1989. holandes) nas colonias européias no ultramar tem recebido tratamento
Sendo plenamente versados nas tendencias mais recentes da produ~áo extensivo por parte dos estudiosos da América espanhola, inglesa, do
historiográfica, eles tem reconhecido, igualmente, a importancia de con- Caribe, e da colonia holandesa no cabo de Boa Esperan~a. Em alguns casos,
ceitos e metodologias correntes na Europa e nas Américas. Vários deles tais elites investiram pesadamente no acesso ao governo local, tornando-
evocam o modelo centro-periferia proposto por Edward Shils enguanto se grupos ativamente envolvidos no encaminhamento das questóes muni-
estratégia de análise das rela~óes entre metrópole e colonia; assim como é cipais e regionais. Em outras instancias, sua relutancia em acionar forte
sensível, embora náo explícitamente mencionada, a influencia da no~áo a~áo política em defesa do bem comum revelou de forma bastante clara
de "sistemas mundiais" desenvolvida por Immanuel Wallerstein. 1 Tais que tais cargos públicos eram prioritariamente almejados enguanto urna
modelos náo foram, no entanto, aceitos de forma acrítica. Historiadores marca de prestigio social. 4 Estes sáo apenas tres tópicos e perspectivas
tem demonstrado reservas no que diz respeito a sua aplica~áo ao estudo passíveis de serem discutidas, atualmente, em qualquer grande conferen-
do lmpério portugues sem o devido refinamento e, sobretudo, sem o re- cia internacional de História. Os autores dos ensaios aquí reunidos apre-
conhecimento de urna contínua formula~áo e reformula~áo das rela~óes, sentam urna abalizada contribui~áo portuguesa e brasileira para este debate.
quer entre metrópole e colonia, quer das diferentes colonias entre si, além Chamam igualmente a aten~áo para a original globalidade do império
de admitirem a possibilidade da existencia de variados graus de domina- portugues; para a singular situa~áo caracterizada pela existencia con-
~áo ou subordina~áo e de urna cronologia assimétrica entre processos comitante de vice-reinados ou governos-gerais nos hemisférios oriental e
observados em diferentes regióes <leste vasto império. O conceito de "au- ocidental; para a diversidade das formas de governo náo-européias, dos
toridades negociadas" desenvolvido por Jack P. Greene sustenta, em grande povos, das religióes e dos sistemas de valores encontrados pelos portu-
medida, o debate no qua! os historiadores dos impérios vem reinter- gueses; para o papel da religiáo e do comércio enguanto for~as de
pretando aquilo que até entáo era considerado como um dualismo rígido integra~áo, assim como de hostilidade. Portugueses e brasileiros achavam-
e inflexível entre metrópole e colonia, favorecendo a percep~áo de que se profundamente envolvidos no comércio de produtos que podem ape-
havia um elevado potencial para a negocia~áo entre os representantes da nas ser estudados em urna perspectiva mais global: especiarias, metais e
coroa no ultramar e os colonos. 2 Isso tem concorrido para urna reavalia~áo texteis.

1 2 1 3
O ANTIGO REGIME NOS TRÓPICO S A DINÁMIC A IMPERIAL PORTUGU ESA

Vários destes ensaios tocam no terna do "pacto colonial" e ilustram constituindo-se no eixo de articula~áo entre o comércio oceanico e intra-
de que forma a dinamica da pesquisa histórica tern levado a colocar;áo de oceanico e a economia doméstica e interiora na do Brasil. Muito tem se
hipóteses, a formula~áo e subseqüente reformular;áo de teses, ao desen- escrito sobre o "comércio regional" ("country trade"), particul armente
volvimento de novos caminhos de conceitua~áo das rcla~óes entre metró- sobre O comércio intra-asiático e o que vem sendo caracterizado como
pole e colonia. Se, por um lado, os emigrados para o "Novo" Mundo urna "era de parceria" nas relar;óes comerciais euro-asiáticas. Embora a
oriundo s da Fran~a, Espanha e Portugal possuíam urna compreensáo com- validade da no~áo de urna "era de parceria" possa ser question ada a luz
partilha da acerca dos Estados nacionais, da monarquia, dos privilégios e daquilo que evidentemente se tratava de urna feroz competi~áo entre
das obriga~óes da realeza, da sociedade caracterizada pela rígida hierar- mercadores europeu s e entre estes e os náo-europeus; a no~áo de country
quizar;áo e das responsabilidades dos vassalos para com seus respectivos trade apresenta-se como um termo útil para descrever o co~érci o i?~ª~
monarcas; por outro, os contextos social, económico e político prevale- asiático sem um mercado europeu , e cujos lucros permanec1am na Asia.
centes em Montreal ou na Martinica, na Nova Espanha ou em Nova Gra- Tenho defendido a necessidade de se relativizar a excepcional importa n-
nada, em Salvador, Sáo Paulo e no Rio de Janeiro concorr iam para a cia conferid a a metrópo le na historio grafia do "primei ro" império eu-
altera~áo das prioridades, dos relacionamentos e das oportun idades ine- ropeu, encaixa ndo-se naquilo a que me refiro como urna "h~s~ória
rentes a essa relar;áo. A instituir;áo da escravidáo era radicalmente dife- compensatória" . Em resumo, um exame das rela~óes intercoloma1s na
rente no Velho e no Novo Mundo e, em suas práticas nas Américas, ausencia de um componente metropolitano. Ensaios neste volume (nota-
revelava grande complexidade e diversidade, como a represen tada pelo velmente aqueles de Joáo Fragoso, Antonio Carlos Jucá Sampaio, Ro-
fenómeno da "escravidáo condicional" (ou "liberdade condicional") e suas quinaldo Ferreira e Luís Frederico Dias Antunes) adicionam dimensó~s
variantes dependendo do período e do lugar no Brasil colonial. Os Esta- novas e poderosas a esta perspectiva em suas discussóes sobre as comum-
dos nacionais europeu s possuíram colonias para além daquelas localiza- dades de mercadores e o comércio envolvendo os portos brasileiros e o
das nas Américas: os franceses na África, no oceano Índico e na Índia; os rio da Prata, Angola, Costa da Mina, Mo~ambique, Goa e Macau. Os
espanhóis nas Filipinas; e os portugueses na África e na Ásia. O que os
ensaios aqui reunidos discutem o Brasil em um contexto mais ~plo, q~e
historiadores tem demonstrado é que a visáo de pacto colonial, baseada
eu qualificaria como o da "proje~áo brasileira" na África e no Onente ale~
em nor;óes dualistas, polarizadas, ou mesmo bipolarizadas, necessita ser do Cabo da Boa Esperan~a, especialmente em Mo~ambique, na costa oc1-
recolocada a partir de urna perspectiva mais aberta, mais holista e flexí- dental da Índia, nas costas do Coromandel e de Bengala, e na China. Deve-
vel, que seja mais sensível a fluidez, permcabilidade e porosidade dos re- se enfatizar que os portos brasileiros náo se apresentavam como meras
lacionam entos pessoais, do comércio, da sociedade e do governo dos escalas para os navíos retornad os da Índia em direr;áo a Lisboa, nem que
impérios, assim como da variedade e nuan~a de práticas e crenr;as religi-
0 Brasil era um simples receptor de influencias asiáticas, especiarias e flo-
osas. O termo chiaroscuro vem a mente no ato de descrever náo apenas ra, mas que, na verdade, havia urna dinamica ativa na presenr;a brasileira
tais relacionamentos, mas também como parte do oficio do historiador.
no Índico e no Oriente. 6
A transferencia da família real de Lisboa para o Rio 9e Janeiro repre- As páginas deste livro trazem também um poderos o corretiv o a
sentou o exemplo mais dramático do realinhamento observado neste re- historiografia imperial , freqüentemente bifurcada. A história do império
lacionam ento. Testemu nhamos o Rio de Janeiro controv ertidam ente ultramarino portugues compartilha esta característica com as histórias dos
desalojando Lisboa da posi~áo de principal empório, tornando-se o pon-
impérios britanico, frances e holandes. Historiadores da América ingl.e~a
to fulera! de urna rede de relar;óes comerciais no Atlantico, no mar Arábi- - continental e cariben ha- náo tem dedicado atenr;áo a presenr;a bnta-
co, no oceano Índico, expandi do-se até a baía de Bengala e Macau, nica na Ásia; raramen te os historiadores da Compan hia Holande sa Ori-

1 4
, 5
PREFA C IO O ANTI GO REGIME N OS T ROPICO S . A O INAM IC A IMPER I AL l'UHIU<.JU~>A

ental e debrm;am sobre as atividades da Companhia Holandesa Ociden- nopolistas, concessáo de privilégios a indivíduos e grupos corporativos e
tal. Os dois historiadores a quem este livro é dedicado representam duas isen9óes a outros setores. Enguanto estes favores régios podiam aumen-
grandes exce9óes: Charles R. Boxer e José Roberto do Amara! Lapa.7 Em tar o status quo através do refor90 da grandeza e da nobreza, eles contri-
geral os historiadores tém focalizado seja o Brasil e a presen<;a portuguesa buíam para a reprodur;áo de urna sociedade altamente hierarquizada e
nos dois lados do Atlantico, seja o Estado da Índia. Hebe Maria Mattos e excluíam amplos segmentos da popula9áo de participarem no império,
Maria de Fátima Silva Gouvéa demonstraram o valor de se examinar as sendo igualmente utilizados como instrumento de representa<;áo e dispu-
institui9óes e o governo no contexto Atlantico. Outros ensaios comun- ta entre diferentes grupos. Vários dos ensaios discutem de que forma tais
gam de urna mesma característica: nomeadamente, eles sáo comparativos favores régios e o acesso a contratos monopolistas podem ser traduzidos
dentro do contexto do Império portugués. Complementando os estudos em status social e instrumento de acumula9áo de capital. Ironicamente,
sobre o comércio e o papel dos homens de negócio do Ria de Janeiro no no .caso brasileiro, isso parece ter criado as precondi9óes e os elementos
trato oceanico e interoceanico, destacam-se aqueles sobre evangeliza~o que precipitaram o processo de Independencia. Novas pesquisas tornam-
e conversáo, sobre governa9áo e burocratas do império. António Manuel se evidentemente necessárias para a aferi9áo daquilo que se mostrava es-
Hespan~a forne_ce urna superba visáo geral com base em exemplos do pecífico do Antigo Regime portugués, e se sua influencia era algo que
Brasil, Africa e Asia, utilizados para examinar aspectos <leste vasto impé- perpassava todos os aspectos da sociedade, como proposto em sua gene-
rio ultramarino. Se Hespanha prioriza o exercício governativo a nível ralidade. Nuno Gonr;alo F. Monteiro nos lembra a importante distin9áo
imperial, Maria Fernanda Bicalho enfatiza a importancia do governo lo- entre aristocracia da corte e nobreza e a hierarquizar;áo nobiliárquica ob-
cal enguanto padráo de medida para a avalia9áo de algumas característi- servadas durante a dinastia da Casa dos Braganr;a, demonstrando que em
cas do Antigo Regime e como estas institui9óes ultramarinas diferiram de vários aspectos o modelo portugués diverge das demais nar;óes européias.
seus equivalentes em Portugal. De fato, era neste nível que a maioria dos Isso teve impacto considerável no perfil que ele constrói do recrutamento
portugueses via-se afetada pelo governo. Era também ao nível local que de vice-reis, governadores e capitáes-gerais no Brasil e na Índia. Um fator
os náo-europeus encontravam-se mais propensos a tomar contato com os bastante evidente consiste em que vários dos instrumentos do Antigo Re-
modelos europeus de adrninistra9áo, e, no caso do império portugués, com gime operaram na constituir;áo das elites coloniais. Helen Osório demons-
o Senado da Camara. Se o comércio constituía-se numa característica trou a forma como a arrematar;áo de contratos régios no Rio Grande do
importante do império luso, urna outra era a propaga9áo do catolicismo. Su! se tornou um veículo para que os homens de negócio do Rio de Janei-
Rona]d Raminelli compara experiencias bem distintas, estratégias de ro acumulassem vastas quantias de capital, o que !hes possibilitou, em traca,
evangeliza9áo e conversáo e os diferentes graus de sucesso alcan9ado pe- dominar o comércio no sul do Brasil e investir no trato oceanico e inter-
los missionários portugueses no Congo, Brasil e Japáo. oceanico. Ironicamente, Portugal metropolitano era também o beneficiário
Se cada autor traz sua perspectiva individual ao considerar um tópico financeiro dessa inteligente estratégia.
específico, cumulativamente o conjunto da obra apresenta novas formas Os ensaios deste livro também situam firmemente o Brasil em um con-
de abordagem e de interpreta9áo. Presente em vários dos ensaios aqui texto náo apenas Atlantico, mas do império portugués. Os partos de Sal-
considerados destaca-se urna reavalia9áo do Antigo Regime e do grau no vador e do Rio de Janeiro esravam longe de ser simples escalas para as
qual o Brasil e outras partes do império encontravam-se perpassados pe- naus da carreira da Índia, provenientes, ou navegando em direr;áo a Goa
las mentalidades e práticas do Antigo Regime. Na raiz <leste processo e Macau; os brasileiros efetivamente tomavam a iniciativa no estabeleci-
emergia o sistema que caracteriza o Antigo Regime e que assumia a forma mento de relar;óes comerciais com a África e com os partos localizados
de mercés reais, de doa9óes e mercés régias, concessáo de direitos mo- para além do Cabo da Boa Esperanr;a. Isso ocorria a despeito dos decre-

1 6 1 7
PREFAC IO o ANTIGO REGIME NOS TRÓPICO S A DINAMI CA IMPERIA L PORTUG UESA

tos régios que freavam e proibiam tal comércio, embora em ambos os casos American Historical Review, 54 (1 974), 636-656 ; Ca role Shammas, "English-Born
os mer<:3dores brasilei ros pudessem predom inar e, de fato, comercializar and Creole Elites in Turn-of- the-Cen tury Virginia ", em Thad W. Tate and David
com a Africa ocid:nt al e central, com Mo!Jambique e, algumas vezes, di- L Ammerma n (orgs.), The Chesapeake in the Se11e11tee11th Century: Essays on
retame nte com a India e Macau. Tal posi!JáO náo foi alcan!rada da noite A11glo-America11 Society (Chapel Hill: University of North Carolina Press, 1979),
para o dia, configurando urna guerra lenta, constituída de atritos contra 274-96.
4. Em termos de urna bibliografia e discussáo mais abrangente, veja A. J. R. Russell-
as pressóes da comunidade mercantil em Lisboa e das institui~óes metro- Wood (org.). Local Go11emme11t itt Europea11 Overseas Empires, 1450-1800.
2 vols
politanas, e até mesmo de partes interessadas na Índia. Nos séculos XVIII (Aldershot and Brookfield: Ashgate, 1999),Vol. 1, pp. lix-lxiv.
e XIX, as cidades portuárias, especialmente as brasileiras, caracterizavam- 5. H olden Furber, Rival Empires o( Trade in the Orient, 1500-18 00 (Minnea
polis:
se por urna substantiva presen!Ja internacional: viajantes de diversas naci- University of Minnesota Press, 1976); Blair P. Kling e Michael N. Pearson (orgs.).
onalidades européias; navíos das Companhias Orientais, francesa, inglesa The Age o( Partnership: Europeans in Asia be/ore Dominion (Honolulu: Universi
ty
Press of Hawaii, 1979); Michael N. Pearson, Be/ore Colonialism: Theories 011 Asian·
e holandesa; produt os das "quatro partes do mundo ", para usar um ter-
Europea11 Relations, 1500-1750 (Nova Déli e Nova York: Oxford University Press,
mo de Antonil; itens humosos da Ásia; estudantes retorna ndo da Europa ,
1988).
trazend o idéias iluministas; e a existencia de um crescente comérc io de 6. A. J. R. Russell-Wood, "A Brazilian Commercial Presence beyond the Cape
of Good
livros com base nos trabalh os fundam entais do pensam ento europe u, H ope", em A Felicitation Volume 011 the Retirement of Professor K.S. Mathew
(Lis·
notada mente de econom ía política. A ma!Jonaria ganhou raízes podero - boa: Funda1,á o Oriente, 2001), no prelo¡ e "A dinámica da presen<;a brasileir
a no
sas no Brasil. Nem Salvador, nem Goa puderam escapar as ramifica!Jóes indico e no Oriente. Séculos XVI-XIX", trabalho apresent ado no Seminário
Inter-
nacional "A Bahía e a Carreira da India" e X Seminário Internacional de História
da Revolu~áo Francesa e dos "princípios jacobinos" e "abomináveis prin-
Indo-Portuguesa, Salvador, dezembro, 2000.
cípios franceses", ou ainda do ocaso do Antigo Regime.
7. É preciso também citar os trabalhos de importancia fundamental de Vitorino
Frutos de intensa pesquis a, estes ensaios constit uem modelo s de Maga-
lháes Godinho e, mais recentemente, de Dauril Alden, The Maki11g o( An Enterpris
e.
conceitua!JáO altamente sofisticada, de análise rigorosa, de teses bem dis- The Society o( Jesus in Portugal, lts Empire, and Beyond, 1540-17 50 (Stanford:
cutidas, de comunica!JáO efetiva e plenam ente articulada, trazend o todos Stanford University Press, 1996)¡ Isabel dos Guimaráes Sá, Quando o rico se faz pobre:
eles interpr eta~óes recentes e originais, assim como novas perspectivas para Misericórdias, caridade e poder 110 império portugues, 1500-1800 (Lisboa: Comis-
o estudo da "dina.mica imperial portuguesa". sáo Nacional para as Comemora1,ócs dos Descobrimentos Portugueses, 1997);
A. J.
R. Russell-Wood, Um mundo em movimento. Os portugueses na África, Asia e Amé-
rica, 1415-1808 (Lisboa: Difel, 1998), e Ttmothy J. Coates, Degredados e or(iis: co-
NOTAS loniza~o dirigida pela coroa 110 império portugués, 1550-1755 (Lisboa: Comissáo
Naciona l para as Comemora1,óes dos Descobrimentos Portugueses, 1998).
l. Edward Shils, "Center and Periphery", em The Logic o( Personal Knowledge:
Essays
Prese11ted to Michael Polya11i 011 his Seventieth Birthday (Londres: Routledge and
Paul, 1961). Veja ta mbém Shils, Center a11d Periphery : Essays in Macrosociology
(Chicago : University of Chicago Press, 1975), pp. 3-16; Immanuel Wallerstein,
The
Moder11 World System. Vol. 1, "Capitalist Agriculture and the Origins of the Europea
n
World-Economy in the Sixteenth-Century" (Nova York: Academic Press 1974)
e os
2 volumes subseqüentes.
2. Jack P. Greene, Negotiated Authorit ies: Essays in Colonial Political and Constitu
tional
History (Charlottesville: University Press of Virginia, 1994).
3. Peter Marzahl, "Creole s a nd Governm ent: The Cabildo of Popayán ",
Hispanic

18 19
lntrodu~ áo

Todo livro que se preza pretende contribui r para pesquisas de ponta em


sua área de conhecimento. O Antigo Regime nos trópicos: A dinamica
imperial portuguesa (sécu/os XVI-XVIII) náo foge a regra. Ele é fruto de
urna perspectiva historiográfica inovadora que vem surgindo e se impon-
do em teses de doutorad o e em disserta~óes de mestrado , e sendo cada
vez mais discutida em seminários academicos e na própria sala de aula
dos institutos e departam entos de história de nossas universidades. Dito
de outra forma, os diferentes capítulos do nosso livro buscam apresenta r
urna nova abordagem de antigos temas de história portugue sa e colonial.
Mais específicamente, seus autores discutem e analisam o "Brasil-Colo-
nia" enguanto parte constitutiva do império ultramari no portuguc s. Pro-
póem-se, ainda, a compreender a sociedade colonial e escravista na América
enguanto urna sociedade marcada por regras económicas, políticas e sim-
bólicas de Antigo Regime.
Em realidade, trata-se de propor urna nova leitura historiogr áfica que
náo se limite a interpretar o "Brasil-Colonia" por meio de suas rela~óes
económicas coma Europa do mercantilismo, seja sublinhan do sua posi-
~áo periféric a- e com isto privilegiando os antagonismos colonos versus
metrópol e - seja enfatizando o caráter único, singular e irredutíve l da
sociedade colonial-escravista. Evidentemente que náo se trata de negar a
importan cia fundamental dessas abordagens para o entendim ento da his-
tória do Brasil.
O que este livro propóe de diferente é urna rediscussá o - a partir de
novos para.metros conceituais e de novas perspectivas teóricas - de algu-
mas teses acerca das rela~óes económicas e das práticas políticas, religio-
sas e administrativas imperiais. Ele busca responde r a algumas questóes
que vem sendo colocadas pelas pesquisas e pela experienc ia docente de

2 ,

...
O AN TIGO REG I ME N OS TRÓPICOS A OINA MI CA IMPERIAL POKIU<>Ut>><
INTR OOU<;ÁO

e pela cultura política do Antigo Regime portugues. Isto nos leva a como ponto fulera! de um conjunto de teias tecidas por interesses e ne~ó-
constata~áo da existencia de alguns mecanismos de enriquecimento e de cios interligando os sertóes e o litoral africano e as distantes paragens in-
mobilidade social presentes nos diferentes quadrantes do Império. dianas; paragens que, mesmo inseridas na Ásia cosm?polita, ti~harn
Os indivíduos que foram para o ultramar levaram consigo urna cultu- estreitas liga~óes como Atlantico e como interior da Amén ca lusa da epoca
ra e urna experiencia de vida baseadas na percep~áo de que o mundo, a Estes tres últimos capítulos discutem como isto se deu ...
"ordem natural das coisas" era hierarquizado; de que as pessoas, por suas Joáo Fragoso
"qualidades" naturais e sociais, ocupavam posi~óes distintas e desiguais Maria de Fátima Silva Gouvéa
na sociedade. Na América, assim como em outras partes do Império, esta Maria Femanda Baptista Bicalho*
visáo seria refor~ada pela idéia de conquista, pelas !utas contra o gentio e
pela escravidáo. Conquistas e !utas que, feítas em nome del Rey, deveriam
Rio de Janei ro, Lisboa e Baltimore, novembro de 2000.
ser recompensadas com merces - títulos, oficios e terras.
Nada mais sonhado pelos "conquistadores" - em sua maioria homens
provenientes de urna pequena fidalguia ou mesmo da "ralé" - do que a
possibilidade de alargamento de seu cabedal material, social, político e
simbólico. Mais urna vez o Novo Mundo - assim como vários outros
territórios e domínios ultramarinos de Portugal - representava para aque-
les homens a possibilidade de mudar de "qualidade", de ingressar na no-
breza da terra e, por conseguinte, de "mandar" em outros homens - e
mulheres. Neste quadro herdado do Velho Mundo, a escravidáo africana
só iría refor~ar urna hierarquía social transplantada para o ultramar; mul-
tiplicando-a, dando-lhe novas cores e novos matizes.
Sáo estes os principais temas e objetos que orientam a organiza~áo do
presente livro. Na primeira parte, ''As conjunturas do Mare Lusitano", tres
capítulos analisam distintas conjunturas socioeconómicas, interligando
diferentes regióes do Atlantico ao longo dos séculos XVI, XVII e XVIII.
Na parte seguinte, "Poderes e hierarquías no Ultramar", sáo consideradas
as condi~óes de legitima~áo da escravidáo moderna, a constitui~áo políti-
co-institucional do Império, assim como a dina.mica de representa~áo das
elites e das carnaras no mundo portugues. Na terceira parte, "As geografi-
as políticas do Império", sáo discutidas as práticas de missiona~o, de gestáo
administrativa e de sele~áo dos governadores e vice-reís, estabelecendo as
conexóes entre o Brasil, a África (Congo e Angola) e a Índia (Goa e Macau),
•Os autores agradecem o auxílio dos alunas Ali.ira Duriio Salles (História ~ UFRJ), Fernanda
discutindo os limites da cristianiza~áo e a cuidadosa gestáo da governa- Regina do Carmo Lomenso (História - UFF, bolsista PIBIC/CNPq), Lwz Gmlherme Scaldafem
bilidade do Império. Por fim, a quarta e última parte, ''As conexóes impe- Moreira (História _ UFRJ, bolsista PIBIC/CNPq). Os capitulas dos autores brasileiros foram
riais", toma o Rio de Janeiro da passagem do setecentos para o oitocentos resultados de pesquisas financiadas pelo CNPq.

2 5
2 4
PR1ME1RA PARTE As conjunturas do Mare Lusitano
CAPITULO 1 A forma~áo da economia colonial no
Rio de Janeiro e de sua primeir a elite
senhorial (séculos XVI e XVII) 1
Joáo Fragoso

1Este trabalho faz parte de urna pesquisa, cm desenvolvimento, financiad a pelo CNPq. Costa-
na de agradecer a Sheila Castro Fa ria pela gentil cessao da documentafáo das Cúrias de Niterói
e do Rio de Janeiro para este trabalho. Particularmente, os banhos de casamento, fontes da
lgreja produzidas quando dos matrimc5nios. Por ser urna pesquisa ainda em andamento, dois
dos trabalhos de minha autoría para o ano de 2000 estáo na forma de relatórios de pesquisa,
daí constar apenas o ano de sua feirura, sem referéncia ¼ página. No caso sao os trabalhos
2000a e 2000b.
A instala~áo da economia de p/antation no recóncavo da Guanabara ocor-
reu sob os auspícios dos bons ven tos do mercado internacional. Tomando
por base o ano de 1550, verifica-se que o pre~o do a~úcar mais que dupli-
ca até o final do século, mantendo tal tendencia até a década de 1630
(Schwartz, 1988, p. 400; Ferlini, 1988, pp. 61-62). Talvez sejam estas boas
conjw1turas que expliquem o rápido crescimento do número de engenhos
no Brasil da época, e em particular no Ria. Em 1583, a regiáo centava
com tres engenhos; em 1612 este número passaria para 14 e, 17 anos
depois, para sessenta (Schwartz, 1988, p. 148). Caso consideremos que
em 1680 existiam cerca de 130 e tantas fábricas de a~úcar (Lisboa, 1835,
p. 295), pode-se afirmar que entre 1612 e 1629, portante em apenas 17
anos, foram constituídos 35% de todos os engenhos existentes no Rio em
finais do século XVII.
Cabe sublinhar que, entre aquelas 130 fábricas, encontramos contin-
gentes cativos da seguinte ordem: centenas de "negros da Guiné", em 1642,
nos engenhos de Salvador Correia de Sá e Benevides (AHU, RJ, av, ex. 2,
doc. 24); 91 cativos nas terras de D. Feliciana de Pina, em 1656 (AMSB,
doc. 930); 72 escravos, em 1673, na propriedade de Pedro de Souza Pe-
reira (AMSB, inventário post mortem, 1673). Com isto pretendo afirmar
que, apesar do peso da produ~áo de aguardente - ainda, em 1695, a ca-
mara destacava a importancia da cacha~a para a compra de negros de
Angola (AHU, RJ, av., ex. 6, doc. 35) -, a economia do Rio de Janeiro
possuía seiscentos engenhos de grande porte e estava voltada, também,
para a exporta~áo de a~úcar. Afinal, como afirmavam os dizimeiros e a
fazenda real da cidade, em 1656: o a~úcar "é fruto da terra donde se tira
o lucro que os que lan~am no dita contrato (dízimos] pretendem" (AHU,
RJ, av., ex. 3, doc. 122). Por conseguinte, o período entre 1612 e 1629

3 1
CAPITULO 1 0 ANTIGO RtúlMt NU) IKUt"lt.O~ A UINAMI\.A IM.,.tKIAL t'UKIUUUC>'4

fora urna época decisiva para a montagem da economia escravista e ex- sificadas em tres tipos diferentes: 32 extensas; 73 derivadas destas últi-
portadora da Guanabara. mas por linha feminina; e 92 famílias simples (ver quadro 1).
Esta conclusao pode ser confirmada por outro conjunto de fontes,
principalmente: as genealogias de Rheingantz (1965) baseadas em regis-
tros paroquiais de batismos, casamentos e óbitos; escrituras públicas e QUADRO 1: TIPOS DE FAMÍLIAS SENHORIAIS
cartas de sesmarias. Por meio do cruzamento dessas fontes, é possível iden- Tipos Números %
tificar a existencia de 197 famílias/genealogias2 que, em algum momento
do século XVII, possuíram um ou mais engenhos de a~úcar, das quais 61 % (1) Famílias extensas 32 16,2
tiveram seu ponto de partida antes de 1620. (2) Familias derivadas por linha feminina das 'extensas' 73 37,0
famílias simples 92 46,7
Na verdade, de 15 65 a 1700, ternos a seguinte cronología para a che-
(1) + (2) 105 53,2
gada de famílias que se tornariam senhoriais no decorrer do século: 14
desembarcaram entre 1565 e 1600, 13 de 1601 a 1620 e, depois desta Totais 197 100,0
data, 67 famílias. Porém, aquelas primeiras 14 'casas' deram origem, via Fontes: Fragoso, 2000, p. 48.
casamento de suas rebentas ao longo do quinhentos e seiscentos, a mais
44 famílias igualmente com fábricas de a~úcar: a esse conjunto de farm1ias Retornemos aoque interessa. Por meio da simples soma aritmética das
desembarcadas antes de 1600 - inclusive seus descendentes - e que famílias extensas com as delas derivadas e mais o que chamei de famílias
venceram os franceses e tamoios, conquistando o recóncavo da Guanabara simples ternos que, entre 15 66 e 1620, as origens de 120 famílias senho-
em nome del Rey, chamarei de agora em <liante de conquistadoras. A se- riais já estavam presentes no Rio. Em outras palavras, 61 % das 197 famí-
gunda onda migratória, de 1601 a 1620, fora formada por aquilo que lias que possuíram engenhos - em algum momento do seiscentos -
denomino de primeiros povoadores. Estes, copiando o mesmo padráo tiveram seu come~o antes de 1620; trata-se, portanto, do núcleo funda-
matrimonial acima exposto, traduziram-se em mais 22 famílias com dor da futura elite senhorial. As demais 77 ou 39% chegaram ao Recóncavo
moendas. Ao resultado desse fenómeno, no qual conquistadores e primei-
depois dessa época (ver quadro 2).
ros povoadores oferecem suas descendentes a forasteiros - que mais
adiante constituíram moendas - , denominei de famílias extensas ou de
linhagens. Em contrapartida, aquelas que nao passaram por este fenóme-
QUADRO 2: NÚMERO DE FAMÍLIAS SENHORIAIS LIGADAS
no, nao absorveram genros estrangeiros que se desdobraram em outras As FAMÍLIAS EXTENSAS: 1566-1700.
casas senhoriais, nomeei de famílias simples. 3 Desse modo, aquelas 197
Períodos Faro. sim. Fam. ext. (1 )+(2) % Faro. der. (1)+(2)+(3) %
famílias senhoriais seiscentistas, segundo nossos critérios, podem ser das- (1) (2) (3)

1566-1600 12 14 26 21,0 44 70 35,5


2
A rela~ao das famílias senhoriais presentes no Río de Janeiro seiscentista e a metodología 1566-1620 25 27 52 42,0 68 120 61,0
utilizada para sua reconstru~o podem ser encontradas em Fragoso, 2000c, pp. 46-47. As in- 1621-1700 67 5 72 58,0 5 77 39,0
forma~óes genealógicas foram extraídas principalmente de Rheingantz, 1965.
1566-1700 92 32 124 100,0 73 197 100
JUso a expressáo família extensa ou linhagem de urna maneira bastante singela, sem maiores
complica~óes antropológicas. Com estas expressóes procuro dar conta de um conjunto de ramos
Obs.: fam. sim. • famUia senhorial simples; fam. ext. • família senhorial extensa; fam. der. '"'
de famílias que tem por origem um mesmo casal fundador (o primeiro da familia extensa no
famílias senhoriais derivadas por linha feminina das wextensas".
Río de Janeiro), sendo a liga~ao primá.ria feíta por meio das descendentes (filhas e depois
Fonte: Fragoso, 2000, p. 48.
netas, bisnetas e sucessivamen te) do referido casal com forasteiros a cidade. Ver nota 2.

32 3 l
t.Al'I l U LO 1

(Godinho, 1978, p. 69). Portante, o Brasil ainda náo cumpria seu papel Joáo Percira de Souza Botafogo: originário da nobreza de Elvas (sul de
de base no ultramar, como fará no século XVIII. Portugal), cujas bens e dircitos foram confiscados por ordem régia. Em
Em suma, mesmo considerando que aquela viragem estrutural signifi- 'desgras:a', Joáo migrara da metrópole, beneficiado por urna determina-
s:áo da rainha Catarina, que 'deixava passar em paz aos criminosos que
cou também o boom do as:úcar brasileiro, percebe-se que as tres primei-
ras décadas coloniais do Río de Janeiro foram marcadas por um Império vinham a conquista dos índios bárbaros do Brasil' (Leme, 1980, t. II, p.
e urna metrópolc as voltas com problemas militares e financeiros. Foi neste 231). Outros conquistad ores de origem nobre cram descendent es de ca-
valeiros formados nas campanhas portuguesas no norte da África, vis-
ambiente nada auspicioso que se deu a acumulas:áo primitiva da econo-
mia de plantation e o ponto de partida de 60% da elite senhorial do Río tos com desdém pela melhor aristocracia do reino (Fragoso, 2000, pp.
de Janeiro (ver quadro 3). Ambiente que fica ainda mais angustiante, ou--- 51-52). 4
Curiosamente, talvez só Sáo Vicente tenha fornecido ao Río um gru-
mais interessante, quando passamos para as origens dos conquistadores
po de conquistadores cuja origem era de urna elite social, porém local.
cujas descendentes se transformaram nas melhores famflias da terra ou
. converteram-se em senhores de engenhos. ' Entre eles ternos genros e filhos de capitáes-mores daquela capitanía, como
se¡a,
Manuel Veloso Espinha, casado com urna fil ha do capitáo Braz Cubas; ou
Alguns desses conquistadores vieram do norte de Portugal e das ilhas
ainda sertanistas como os irmáos Roque e Nicolau Barreto, ambos genros
do Atlantico; outros, antes de chegarem ao Rio, passaram primeiro por
Sáo Vicente. No século XVI, as pressóes demográficas sobre a terra e as do capitáo-mor Jorge Moreira. Oriundos, portante, de algumas das 'me-
lhores famílias' vicentinas da época, todos estavam também ligados a pro-
fornes recorrentes transformaram a regiáo de Entre Douro e Minho numa
cura de metais e ao comércio de gentíos da terra (Franco, 1989, pp.58-59).
área caracterizada pela continua 'fuga de gentes'. Fugas, primeiro para as
Por conseguinte, seriam esses homens que fogem da pobreza, proce-
ilhas do Atlantico e depois, em funs:áo das dificuldades económicas e so-
dentes da pequena fidalguia ou egressos da 'elite' de urna capitanía pobre,
ciais, para outras partes, em especial o Brasil (Rodrigues, 1993, pp. 197-
que dariam origem as melhores famílias do Río de J aneiro. Nesse sentido,
210; Vieira, 1992, pp. 133-203). Quanto a Sáo Vicente, sabe-se que a
persiste a pcrgunta inicial: como se pagou a canta da montagem da eco-
capitanía, em finais do quinhentos, náo era o melhor exemplo de riqueza
nomía colonial da Guanabara?
e prospcridade, ou ainda náo havia se transforma do no 'celeiro do Bra-
sil', cultivado por vastos plantéis de gentios da terra (Monteiro, 1994, pp.
57-128).
O ÁLBUM DE RECORDA~ÓES DOS SENHORES DE ENGENHO:
No que diz respeito aorigem social dos conquistadores da Guanabara,
SEUS VÁRIOS RETRATOS ECONÓMICOS
antes de mais nada é bom lembrar alguns fenómenos, entre os quais O fato
de que, a princípio, a grande aristocracia titulada considerava que suas
Descartada a hipótese de Celso Furtado de que a empresa as:ucareira fora
obrigas:óes militares paravam no Marrocos (Magalháes, 1993, p. 503). Ao
su! do Marrocos, os principais agentes da coroa eram da pequena nobre-
za (Thomaz, 1994, p. 153). No Oriente, este quadro só lentamente co-
custeada pelo capital holandes (Furtado, 1976, p. 11) - idéia que para o
Río de Janeiro náo encontrei evidencia empírica- , invocar a 'velha' vo- ¡
cas;áo atlantica do porto carioca aparece como urna resposta tentadora
me~ia a se alterar coma militarizas:áo crescente do Estado da Índia, como
forma de assegurar o comércio asiático (Magalhács, 1993, pp. 503-504).
Desse modo, é pouco provável que os Grandes de Portugal tenham, antes •segundo José Mattoso, a partir das campanhas africanas no século XV, há urna tendencia de
de 1620, conhecido a baía de Guanabara. distribu1~ao de títulos de cavaleiros, coisa que por motivos óbvios nlo era bem visco pelas
É mais provável que os fidalgos conquistadores tivessem o perfil de anrigas famílias arisrocráricas (Mamoso, 1993, p. 449).

3 7
3 6
(..At"I I ULU 1 Q ANIIUU P(C.UIIVlt: f'IV:> t NVt"I\.Vlo 14 U11'4 ""M ' \..'°' I Mf"C. f'\l ""L r- vn • v u v1;..JM

1 para aquela pergunta. Isto é, segundo tal hipótese, desde os seus pri- constituir;áo da economía de plantation e de sua elite senhorial no Rio de
mórdios, a cidade teve como destino o comércio no Atlantico Su!, parti- Janeiro quando descobrimos que pelo menos 17 das 26 famíl ias de con-
cularmente com Angola e a hacia do Prata. Em meio a essa rota, o Rio quistadores do Rio (ver quadro 2), vieram de Sáo Vicente e, ao longo do
produzia aguardente e alimentos com os quais adquiria cativos africanos século seguinte, deram origem a 48 famílias com engcnhos. O fato de estas
que, vendidos para o Prata, se transformavam em metais para os povoa- últimas significarem 1/4 das famílias senhoriais conhecidas (197) para o
dores da baía da Guanabara (Canabrava, 1984; Lobo, 1975, p. 50; Salva- seiscentos (Fragoso, 2000, p. 52) sugere que parte da futura elite senhorial
dor, 1978, pp. 30-351; Mello, 1996, pp. 185-202). Em suma, a origem / do Rio de Janeiro tinha, provavelmente, ligar;óes com o negócio bandei-
da economia de plantation do Rio teria sido seu porto, ou melhor, urna rante de apresarnento de índios. Basta recordar que entre aquelcs conquis-
acumular;áo mercantil de dimensáo atlantica. tadores encontramospoáo Pereira de Souza Botafogo e André de Leáo,
O problema dessa tese é o caráter incipiente do núcleo urbano e do famosos por suas incÚrsóes ao sertáo atrás do gentío da terra (Monteiro,
grupo mercantil do Rio seiscentista. Nos períodos 1610-13 e 1630-36, 1994, pp. 59-60}jProvavelmente tal negócio, além de ter fornecido escra-
no primeiro oficio de notas da cidade, foram negociadas cerca de 75 es- vos "da terra" aos primeiros engenhos da Guanabara, <leve ter contribuído
crituras de compra e venda, cujo valor total chegou até nós. Nestas, pou- para o acúmulo de recursos para a primeira elite senhorial do Rio.
co mais de 70% dos valores transacionados estavam ligados a negócios Isso nos leva a concluir que náo apenas os vicentinos e seus descenden-
rurais (engenhos, terras, entre outros). Este número insinua a pequena tes capturavam índios. Conquistadores de diferentes procedencias e cujas
expressáo das operar;óes do capital mercantil (navios, lojas, estoques de famílias se transformariam em felizes proprietárias de engenhos também
mercadorias etc.)5. Algo bem diferente de séculas mais tarde, quando o¡ realizavam esse tipo de empreendimento. António Knivet, cronista ingles
preso no Rio de Janeiro na década de 1590, relata, por exemplo, que Salva-
Rio já se apresentava de fato como a principal prar;a mercantil do Atlan-
tico Sul, com urna poderosa comunidade de negociantes de grosso trato dor Correia de Sá e seu filho Martim estavam ligados, com ou sem guerra
(Fragoso, 1998, pp. 337-338). justa6, a captura e venda de gentíos da tcrra (Knivet, 1878, pp. 214,222 e
Comer;amos a encontrar algumas pistas do capital originário para a 225). Quase meio século depois, em 1645, o entáo governador da cidade,
Francisco de Soutomaior, queixa-se a Lisboa: "achasse mais nos confins desta
5Em
capitania urna aldeia que anos passados foi situada por Martim de Sá junto
carta enviada ao reino, em 1643, Salvad or Correia de Sá e Benevides afirmava que a prin-
cipal forma de recuperar o comércio com Buenos Aires seria por meio do rráfico de escravos de outras, cujos índios sendo descidos do sertáo por ordem de sua Majesta·
que "era a mercadoria que mais os castelhanos mais necessitao (sic)". Segundo Benevides, urna de e a custa de sua real fazenda (... ) vindo a ficar os mais <lestes, em fazen-
vez recuperada Angola, aquele tráfico poderia ser feito por navios d o Rio de Janeiro e de Sao
das e engenhos do dito Martim de Sá" (AHU, RJ, av., ex. 2, doc. 57). O
Vicente (AHU, RJ, ca., doc. 245). Por seu turno, de acordo com Boxer, a reconquista de An-
gola dos ho landeses, em 1648, contou coma decisiva participa~áo do Rio de Janeiro (Boxcr, curioso nessas histórias é que tanto pai quanto filh o foram governadores da
1973, cap. VI). Apesar d o projeto de Benevides e da importancia do Rio nos acontecimentos cidade e, por meio da fazenda real, retiravam recursos para a formar;áo de
de 1648, foram continuas as queixas da camara do Rio, na segunda metade do século XVIl,
conrra o fato de a regiao ser preterida no tráfico de angolanos diante de Bahia e Pernambuco.
suas fortunas pessoais. Voltarei a este assunto mais adiante.
Segundo o senado do Rio, tal fenómeno seria o resultado das interferencias do governador de Outra vi a de acumular;áo primitiva para os engenhos da baía de
Angola e do pouco interesse dos traficantes pelo Rio. Como resposra a essas queixas, este Guanabara, em que pese as limitar;óes do Rio como prar;a mercantil, foi o
governador afirma que as necessidades de carivos no rec6ncavo da Guanabara seriam bem
menores que as do Nordeste (ver a seguinte correspondencia com Lisboa no AHU, RJ, av., ex. ·comércio negreiro. Um bom exemplo da contribuir;áo de tal comércio na
3, doc. 1103, ano de 1669; ca., doc. 1367, ano de 1679; av., ex. 6, doc. 35, a no de 1695). -formar;áo das fortunas senhoriais fora António Pacheco Calheiros, t rafi-
Seja como for, Mo utoukias afirma, em estudo sobre Buenos Aires do século XVII, que o prin•
cipal parceiro comercial da América portuguesa, inclusive de escravos, com aquela cidade,
corre 1585 e 1645, era a cidade da Bahía (Moutoukias, 1968, pp. 84-85). 1 6Sobre "guerra justa", ver capítulo IV.

3 8 3 9
CAP I TULO 1 O ANT IGO REGIME NOS TROPICOS A D I NAM I C A I MPERIA L PORTUGUESA

cante de cativos angolanos e genro do conquistador e vereador André de Em suma, por estes exemplos percebe-se que a elite colonial em for-
Leáo (Belchior, 1965, p. 512).7 ma~áo, conquistadores, seus descendentes e genros estavam envolvidos
Portanto, algumas daquelas "primeira~ famíli as" come~aram suas car- com o comércio. O mesmo ocorria em Portugal dos séculas XVI e XVII,
reiras empresariais com o apresamento/venda de índios e, mais tarde, as onde o comércio náo era o monopólio de um único grupo, no caso os
1 prosscguiram com o tráfico de escravos africanos. Este fara, por exem- mercado res. Ao lado <lestes, "a nobreza, os militares, os oficiais do rei e o
plo, o caso dos Sá. Salvador Correia de Sá e Benevides, neto do velho próprio clero, para náo falar dos marinheiros e capitáes d os navios, exer-
Salvador e também governador do Rio diversas vezes no seiscentos, man- cem a mercancía" (Pedreira, 1995, p. 18). 1º Náo há razáo para que isso
teve a tradi~áo da família, só que com cativos angolanos (Alencastro, 2000, tenha sido diferente em um Império ultramarino que, por excelencia, era
p. 202). mercantil. Como diría um membro do Conselho Ultramarino em 1668,
r Mas náo só ao ~áfico de homens os conquistadores, seus descendentes quem vai para as conquistas vai para negociar.[D~cessário dizer que,
Le genros estavam ligados; o mesmo ocorreu com o comércio. Depois de como sociedades de Antigo Regime, no Reino e na Guanabara o comér-
anos de funcionamento, Pantaleáo Duarte Velho desfazia, em 1635, urna cio surgia como urna das possibilidades de sustentar urna hierarquia social
sociedade mercantil ligada a Bacía do Prata, com Joáo Rodrigues Brabo (AN, baseada na diferen~a de qua/idades]
CPON obrig., ano 1635). Na mesma década de 1630, Pantaleáo, futuro O utra atividade que contribuiu para o acúmulo de riquezas para a
senhor de engenho, se casava com Maria Coutinha, descendente de con- constitui¡;áo da economia de p/antation fo i, provavelmente, a própria
quistadores dos Gomes Bravo, bisneta do dono de moendas e ex-alcaide- produ~áo de alimentos e de cana. Sáo freqüentes, nas escrituras públicas,
rnor Francisco Lemas de Azevedo e sobrinha-neta de Pedro Peixoto Casteláo, no ticias sobre a presen~a de lavouras de mantimentos e de currais, feitas
ex-provedor da fazenda real da cidade (Rheigantz, 1993, vol. III, p. 63 ). por futuros senhores de engenho nas primeiras décadas do século XVII. 11
Deve-se lembrar que o envolvimento dessas famílias com o comércio, Quanto a lavoura de cana como ante-sala para futuros da nos de enge-
e em particular como tráfico atlantico de escravos, continuou na segunda nhos, ternos, como ilustra~áo, a "carreira" de Gaspar Rangel, filho do con-
metade do seiscentos, num período, po rtanto, em que a economia de quistador e ex-ouvidor Juliáo Rangel de Abreu. Gaspar, em 1610, assinava
L p/antation já estava em fun cionamento. 8 O mesmo pode ser afirmado para urna escritura de partido de cana (Arq. Nac., CPON., part., ano 161 0). 12
o ramo dos Vasqueanes da família Correia e Sá.9 Portanto, as futur as famílias senhoriais estavam presentes em diferen-

7
Anró nio Pacheco Calhciros, cm 1612, fazia unrn procura~iio e regisrrava um conrrnro para a ªºJ osé Mattoso sublinha que, na expansiio ma rítima, as ,meigas no~óes de honra e proveiro
compra de escravos angolanos (AN, CPON, proc., ano 1612 e CPON, conrra to, ano 16 12). sofrem mndan~as. Anrcs clas esravAm ligadAs prio riuraamence a varrnde guerreira e ao servi~o
Ca lhciros foi vereador cm 1629 (Belchior, 1965, p. 512), tendo, po rrauro, entrado naquele ;10 rei e j,11n.11s aos rendimenros dcnvAdos do esfor~o mecanico e do comércio. Em íinais do
ano na govcrnanp da cidade (fourinho, 1929, pp. 18- 19). século XV, "a mercancaa nao ,tv1lta" (Marroso, 1993, p. 462). Segundo Mafalda da Cunha,
SEm 1664, por exemplo, Dom ingos Aires Aguirre rraficava escravos de Angola (AN, CPON, desde o início do século XVI, os Braga n~a possuíam privilégios no comércio d o Orienre (Cu-
proc., ano 1 664). Aqucle senhor de engenho fora vereador, era casado com uma bisneca de nha, 1997, p. J3J ).
conquistado res e cm filho de Diogo Aires Aguirre, anrago capiriio-mor e ouvidor de Sfo Viceu re. 11 Em 1612, Francisco Cabra! da Távora recebia corno dore de scu fnruro sogro, Miguel Aires
O u scja, seu pa1 ocupara postos de mando nA ad 111111istra~;io real (Rudge, 198J, p. 102). Por Maldo nado, canaviais e duas ro~as de nundioca (AN, CPON, Dote, ano 1612). O sogro e o
couseguiure, segundo os c ritérios da época, Domingos pertcncia ¡\ melhor estirpe da coló uia. pai de Francisco, Luís C,1bral da Távora, foram vcreadores diversas ve:i.es na cidade (Vieira,
9
0 pai de Salvador Correaa de S,I, Gou~alo Correia, casou-sc duas vezes. A primeira vez foi 1935 r. 95, p. 347; Rio de Janeiro, 1935, p. 17 ). Porranto, ambas as famílias pcrrenciam a
com Fe hpa de S,I, miie de S,alvador, dando oragem a familia Correia de Sá. Em segundas núp- governan~,1 da cidadc. No ano de 1633 , Joiio Alves Percira, fururo dono de moendas e oficial
cias, Go111;alo casou-se com Maria Ramires. Desee mamm6 n10 nasceraa Manuel Correaa e Duarre da di mara, comprava um curra! de gado (AN, CPON, cv., ano 1633).
Co rreaa Vasque:anes (Rheinganrz, 1965, vol. 1, pp. 370-377). Em 1668, Manuel Correia 12 Em ourra escritura da mesma década, o escrivao da alfiiudega e futuro dono de moendas,

Vasqueanes - senhor de engenho, filh o do aurigo governador Duarre Vasqueaues - man ti- Sebasriiio Cocl ho Amim, ,tparccia como l~vrador de partido (AHU, RJ, av., ex. 1, doc. 16;
nha ncgócios com Luanda (AN, CPON, proc., ano 1668). Arq. Nac., C PON, parr., ,111 0 16 16).

4 O 4 1
<.At'I I U LO 1 Q ANIIUV MtUIMt N U ) ll'C Ut"'\LU) A U I NA MII... A 1M t"t.t41A L ,- VKIV\JUC. >'"'

tes atividades económicas - apresadores de índios, comerciantes, lavra- além do poder em nome del Rey, outras benesses via sistema de merces; o
dores etc. - ou ainda exerciam várias destas atividades simultaneamente. domínio da cámara - institui~áo que lhes deu a possibilidade de intervir
1Porém, algumas coisas sáo certas: 1- aquelas famílias vieram das expedi- no dia-a-dia da nova colonia (Fragoso, 2000, pp. 66-68).
~óes de conquista do quinhentos ou chegaram ao Rio entre 1600 a 1620 Provavelmente, esses últimos mecanismos de acumula~áo de riqueza
e representavam 120 famílias senhoriais ou mais de 60% das conhecidas foram os mais eficazes, já que permitiram a apropria~áo de recursos náo
l para o século (ver quadro 1), sendo, portanto, o núcleo do futuro grupo de um ou outro setor particular da economia, mas sim de excedentes ge-
de danos de engenhos; 2- na condi~áo de conquistadores ou de primeiros rados por toda urna sociedade colonial em forma~áo. Vejamos esses fenó-
povoadores, também desempenharam outros papéis - como espero ter menos com mais calma.
sugerido-, isto é, "dirigiram" a administra~áo da própria vida pública,
estavam no comando da forma~áo da sociedade colonial no recóncavo da
Guanabara. A ECONOMIA DO BEM COMUM13
Em o utras palavras, mas também apresentando novas números, das
197 famíl ias senhoriais conhecidas para o século XVII, 89 (ou 45,2%) Antes de mais nada, o sistema de merces era urna velha prática da socie-
tiveram origem em um oficial ou ministro do rei (governadores, provedo- dade lusa. Como se sabe, tal sistema teve suas origens nas guerras de Re-
res da fazenda, capitáes de infantaria etc.). Destas 89 famílias, 73 foram conquista contra os mu~ulmanos em Portugal da Idade Média. Em meio a
constituídas entre 1566 e 1620; portante, além de descenderem dos ofi- estas guerras o rei concedia, principalmente a aristocracia, terras e privi-
ciais de Sua Majestade, eram também conquistadores e primeiros povoa- légios - por exemplo, a arrecada~áo da Coroa - como recompensa de
dores do recóncavo da G uanabara. Pois bem, foram tais famíl ias que servi~os prestados a mesma coroa (Sobral Neto, 1993, p. 165).
tiveram maior capacidade de produzir donos de "fábricas": dos 295 se- Segundo António M. Hespanha, as merces reais refor~ariam o caráter
nhores estimados para o século, 155 (52,5%) saíram de domicílios com corporativo da monarquia portuguesa de um tipo de "monarquia cujas
aquela origem. Mais do que isso, foram elas que sobreviveram por mais encargos correspondem basicamente a estrutura feudal-corporativa do
tempo enguanto elite dos trópicos. Entre as famílias senhoriais que man- benefício". Para isso basta lembrar que, em 1607, só os gastos com ten~as
tiveram o seu status e engenhos por mais de tres gera~óes, cerca de 2/3 e moradias - pensóes dadas por servii;os prestados - do reino eram de
descendiam de conquistadores/primeiros povoadores/oficiais do rey Ao 190 contos, quantia bem superior aos 167 cantos arrecadados pelo Esta-
mesmo tempo, foram tais personagens que, ao longo do seiscentos, do- do, na mesma época, no Império atlantico (Hespanha, 1993a, p. 225;
minaram os assentos da camara. Portante, as "melhores famílias da terra" Godinho, 1978, pp. 68-69).
eram produto das práticas e institui~óes - e de suas possibilidades eco- Por sua vez, segundo Nuno G. Monteiro, principalmente com os
nómicas - do Antigo Regime portugues, presentes também em outras Bragan~a teríamos, entre os Grandes da aristocracia, um ethos que se iden-
partes do ultramar, quais sejam: a conquista, a administra~áo real e acá- tificava comos servi~os a monarquia. Urna das conseqüencias de tais prá-
mara municipal. ' ticas teri a sido a forma~áo de uma nobreza náo tanto constituída por
Trocando em miúdos, a consti tui~áo das fortunas daquelas famílias grandes propnetános - como ocorreu na Inglaterra e Fran~a - , mas,
baseou-se na combina~áo de tres práticas/institui~ó~s vindas da antiga principalmente, por beneficiários dos favores do rei; ou melhor, por aquc-
sociedade lusa: a conquista/guerras - prática que nos trópicos se tradu-
ziria em terras e homens, a "baixos custos", porque foram apossados das uo conceiro de "ccono miJ do bem co mum", em particnlJr sna aplicai;ao no Rio de j,111e1ro
1popula<;óes indígenas; a administra<;áo real - fenómeno que lhes clava, dos séculas XVI e XVII , foi m,us bem d e~en volvido em Fragoso, 2000, pp. 94· 1Ol.

4 2 4 3
C AP ITULO 1 O ANT IGO REG I ME NO S TR Ó PICO S A D I NÁM IC A I MP E RIA L P O R TU GUESA

les cujas rend as eram dadas pela coroa. Tratava-se de um tipo d~ o - nas diferentes partes do lmpério, era o uso dos postos concedidos pela
mia de servi~os, em que a eli te cortesá monopolizava os principais carg_os Coroa, para fins menos nobres do que servir ao rei. Segundo Diogo Couto,
e'otÍcios no pa~o, no exército e nas coloni as. Como remunera~ á ~ tais cronista do O riente portugues do século XVI, nos soldados da Índ ia era
servi~os, ela recebia novas concessóes régias que poderiam ser acumula- corrente a "mecanica e vil subtileza de adquirir dinheiro", senda os capi-
das e ainda adquirir a form a de novas servi~os, como a administra~áo de táes das fortalezas tanto mercadorcs quanto militares (Cauto, s/d). Em carta
o utros bens da coroa ou de pastos com mais prestigio. Urna das conse~üen- de 1682 enviada a Lisboa, o provedor da fazenda real de Angola denuncia-
cias de tal fenó meno fo i que, entre 1750 e 1792, trinta ~ a va o capitáo do presídio de Ambaca de ter vendido seu pasto por quaren-
alta nobreza do país tinham mais de 50% dos seus rend imentos retirados ta cabe~as de escravos, algo proibido pela legisla~áo da época (AHU,
dos bens concedidos pela Coroa (Mo nteiro, 1998, partes III e IV) . 14 A partir Angola, av., ex. 12, doc. 80).
de 1415 , com a tomada de Ceuta, aquelas práticas tend eriam a ser trans- Quanto ao Rio de J aneiro, o quadro náo era táo d iferente. J oáo
mitidas ao ultramar~ as "conq uistas", a Coroa concedía postos adminis- Rodrigues Bravo, em 1635, recebia por cinco anos a fortaleza de Sáo Ben to,
trativos ou militares - governador, provedor da fazenda etc. - , que cuja constru~áo fora feíta "a sua custa". Apesar de tais custos, sublinhava
podiam proporcionar, além dos vencimentos, privilégios mercantis: via- a carta régia que ele náo receberia ordenado, podendo, no entanto, reti-
gens marítimas em regime de exclusividade ou isen~áo de taxas e de direi- rar emolumentos daquele ofício. Coincidentemente, Joáo era comercian-
tos alfandegários. Por exemplo, na Ásia existiam as "liberdades da Índia", te e, em 1637, arremátava os dízimos reais da capitanía (ANTT, Ch. Filipe
o u seja, o direiro de transportar gratuitamente, nas embarca~óes da Co- III, Doa~óes, liv. 32, p. 278v; AHU, RJ, av., ex . 1, doc. 82). Q uase cem
roa, as mercadorias privadas. Nesse sentido, o capi táo-mor de Malaca anos depois, entende-se por que a capitanía de urna fortaleza era um pos-
possuía no século X VI, como merce real, o monopó li o de determinadas to táo cobi~ado. Fazendo men~áo aos vencimentos do capitáo da fortale-
rotas asiáticas (T ho maz, 1994 , p. 437). J á em Angola, o governador za da liba das Cobras, na baía da Guanabara, o rei determinava que eles
Henrique Jacques Magalháes, em 1695, solicitava o mesmo privilégio fossem retirad os "dos em olumentos que as em/.Jarc(l(;oes pagño as fortale-
usufruído por seus antecessores - o de retirar sem ónus seiscentas "cabe- zas da Barra de Santa Cruz e Sño Joño que hoje eram m uito importantes"
~as" (escravos) e navegar com marfim sem o constrangimento dos contra- (AN, cód. 60, vol. 22). Portan to, para Joáo Bravo, além do status de seu j
tadores (AHU, Angola, av., ex. 15, doc. 36). No Río de Jan eiro, na década posta, o que lhe interessava também, como homem de negócios, eramos
de 1650, o alcaide-mor tinha o pri vilégio, igualmente concedido pelo emolumentos de sua capitania. 1

monarca, de transportar 10% de scu m;úcar nas frotas do Reino (AH U, Cabe sublinhar q ue, para as benesses na forma de ofícios, o que estava
RJ, av., ex. 3, doc. 48). em jogo náo eram tanto os salários pagos pela fazenda real, mas sim, e
Por seu turno, a práti ca de concessáo de merces no ultramar nao era principalmente, _os emolumentos q~e deles, ent_re o utras ~ossibilidades,
um privilégio apenas dado a aristocracia, estendendo-se também a o utros
\ podiam-se aufenr. O proved or da faze nda do R10 de J ane1ro, por exem-
mortais. Antigos soldados ou pessoas de origem social náo-nobre podiam plo, recebia dos cofres da Coroa apenas 80$000 po r ano; contudo, tal
receber igualmente ofíci os e serventias nas "conquistas" como forma de quantia, sornada as propinas e, pri ncipalmente, aos emolumentos, chega-
remunera~áo de seus préstimos ao reí (Boxer, 198 1, p. 285). va a algo estimado por Lisboa, em 1697, em 800$000 (AHU, RJ, ca., doc.
O utra possibilidade prática dada pelo sistema de benesses, e comum 19 15 ). Além disso, por meio de seus postas de mi nistro e oficiais do Rei,
segundo recorrentes cartas enviadas a Lisboa - como as denúncias, em
1•uma das mane 1ras de se entender J S mercés disrribuíd.-1s pelo re1 é nn liz.tr a no~iio d e ··eco-
1669, feítas pelo procurador da Camara e abade d o Mosteiro de Sáo Ben-
nom1a do d o m" inspirnd,1 em Manss (M,111ss, 1974 , pp. 38- 134). Parn a aplica,ao desee co n•
ce1ro ,, Análi~c do An ngo Reg1111e portug ués, el. X,1v1cr & Hcspanh.1, t 99JA, J8 l -J94. to - , utilizavam de seus pastos para realizar estanq ues de merca.dorias

4 4 4 5
C AP Í TULO 1 O A NTIGO REG I ME N OS TROPICOS A DI NÁMI C A IMPE RI A L P O RT UGU E S A

Majestade nomeava um provedor da fazenda ou um capitáo de infanta- República: o produror e forn ecedo r Je rendas náo era apenas o lavrauor,
ria, estava assegurando o comércio e a defesa militar dos seus súditos nas o comerciante ou o artífice, e sim o conjunto de lavradores, de comerciantes
"conquistas", e por conseguinte garantindo o bem-estar de seus vassalos e de artífices. Numa palavra, o público.
na Repúblicafüaciocínio semelhante poderia ser utilizado quando da con- Por sua vez, o conceito de economia do bem comum traz em si duas
cessáo de urna merce na forma de privilégios comerciais. Estas eram da- outras noc;óes. A primeira diz rcspcito a um mercado imperfeito, ou me-
das aquelas pessoas cujos scrvic;os, o u famílias, teriam defendido os
interesses da Coroa e, portanto, do bem comumJ
I lhor, regulado pela política, cujo funcionamento náo dependia somente
da oferta-procura e dos prec;os dela derivados. Urna pessoa que tivesse o
Outro lado dessa questao é que tanto o senado da ciimara quanto a posto de governador de Angola - e com isso a possibilidade de comerci-
coroa - enguanto cabec;as da República - retiravam do mercado e aa ar escravos sem pagar impostos - possuía, evidentemente, maiores con-

-
livre concorrencia bens e serv ic;os indispensáveis ao público, passañac) a
ter sobre eles o exercício da gestáo. Em outras palavras, entremean
inITT · mdo nas lavouras, no comércio e no artesanato dos moradores dos
dic;óes de auferir lucros do que um simples traficante. O mesmo ocorria
com os capitáes de Malaca, que, com seus monopólios mercantis conce-
didos pela "coroa", possuíam maiores vantagens do que os demais mor-
concelhos/súditos do rei teríamos um conjunto de bens e servic;os que \ tais. Por último, algo semelhante se clava quando um membro da 'nobreza
poderiam ser identificados pelo nome de economia do úem comum, ou da terra' do Rio de Janeiro recebia de sua dimara o exclusivo de explorar
economía da República. o ac;ougue público ou a balanc;a do ac;úcar (Rio de Janeiro, 1935, p. 8;
No entanto, o conceito de economia do bem comum só fica completo AHU, RJ, ca., docs. 1814-1819). Estes e_rivilégios E_Ossibilitavam aos es-
quando consideramos que também encerrava urna forma particular de colhidos chances económicas su eriores as de outros negociantes coloni-
apropriac;áo do excedente social. Os bens e servic;os da República eram rus de carne ou de a úcar.
concedidos pelo senado e/ou pelo rei a apenas alguns eleitos, e tal privilé- A segunda noc;áo refere-se a existencia de urna hierarquía social
excludente, ponto de partida e, simultaneamente, de chegada da econo-

-
• gio era exercido na condic;áo de monopólio ou de semimono pólio. Os
demais moradores/súditos que ousassem interferir em tais monopólios mia do bem comum. O pano de fundo de tal economía era urna estra-
seriam punidos pela lei. Quando eram dados privilégios sobre setores do -
tífica áo social do Antigo Regime, na qua! a mobilidade passava por
mercado - monopólios, franquias fiscais ou garantías no transporte de servic;os prestados ao rei e a República. Apesar de náo se restringirem a
mercadorias - , os que náo os recebiam estavam su jeitos a leí e a concor- alta aristocracia, as benesses reais dependiam também da qualidade social
rencia do mercado. Dessa situac;áo de privilégios decorria a possibilidade do pretenden te. Em Portugal, a economia do bem comum contribuí u para
de aqueles eleitos se apropriarem, em regime de exclusividade ou com a manutenc;áo de urna estrutura social feudal-corporativa e, portanto, para
menor concorrencia, dos rendimentos de segmentos da produc;áo social. a preservac;áo de urna hierarquia social excludente. Algo semelhante ocor-
Trata-se de urna situac;ao em que o conjunto da populac;áo livre - enten- reu no recóncavo da Guanabara do quinhentos e do seiscentos. Na
dida no interior de urna sociedade hierarquizada do Amigo Regime - ou, Guanabara, as pessoas originárias da pequena fidalguia, ou mesmo do brac;o
o que é o mesmo, o público da República deposita nas máos dos privilegia- popular do reino e das ilhas do Atlántico - Madeira e Ac;ores - , pude-
dos parte de seu rendimento. Era o público que, de maneira direta ou in- ram, por meio de seus "servic;os", transformar-se nas melhores famílins
direta, sustentava os eleitos da República. da terrn. Porém, urna vez adquirido tal status, elas passariam praticamen-
Desse modo, além da acumulac;áo de riquezas decorrente da produ- te a controlar as melhores dádivas do reí e da camara. Com isso a hierar-
c;áo camponesa em Portugal ou da escravidáo das plantations, havia ou- quía social excludente do Antigo Regime- e sua economin do bem comum
tro circuito de acumulac;áo de rendas. Este último identificava-se com a - surge como o pecado original da sociedade colonial.

4 8 49
CAPITULO l O ANT I GO REGIME NOS TROP I C O S A OINAM IC A IMPER I AL PORlU CJ U~)A

Porém, a idéia de urna economía do bem comum com seu tipo de mer- "AS MELHORES FAMÍLIAS DA TERRA":
cado e hierarquía social só se completa quando atentamos para o fato de A NOBREZA DO ANTIGO REGIME NOS TRÓPICOS

1
que se baseia numa rede de reciprocidades. Isro é, numa rede de alianc;:as
com seus dons e contradons. Segundo a moderna historiografía portugue- Era com este título, ou de "principais da terra", que os descendentes dos
sa, essas redes tinbam um papel decisivo na rciterac;:áo política e material conquistadores e dos primeiros povoadores gostavam de ser reconbeci-
das grandes casas aristocráticas. Na verdade, o pac;:o era um cenário privile- dos pela sociedade colonial. Tais expressóes, como se sabe, náo foram urna
giado para a ac;:áo de tais alianc;:as; por meio delas podiam-se adquirir ou invenc;:áo do Rio. Elas podiam ser encontradas no Portugal do Antigo
manter postos e benesses da Coroa (Monteiro, 1998, pp. 503-511). No Rio Regime para designar os "homens bons" que ocupavam os cargos con-
de Janeiro, após a revolta de 1660-61 17 contra os Sá e a vol ta de Salvador celhios (Monteiro, 1993a, p. 334), ou no Pernambuco seiscentista para
{ Correia de Sá e Benevides ao reino, os remanescentes de seu grupo - mem- identificar os senhores de engenho, principalmente aqueles que se envol-
1 bros da elite senhorial - conseguiram assegurar ou reconquistar a hegemo- veram nas Jutas contra os holandeses e exerceram os "cargos honrados da
nía na sociedade local por intermédio de urna complicada engenharia República" (Mello, 1997, p. 167).{gm ambos os casos, portante, nota-se
política. 18 Essas práticas envolviam casamentos/dotes com tradicionais fa- que nobreza da terra aparece ligada ao poder _político do município. En-
mílias da nobreza da terra e o "fornecimento de serventias" de ofícios dos tretanto, <levemos ter alguns cuidados com essas expressóes, até mesmo
quais eram proprietários. Retornarei a esse assunto no próximo item. porque náo há urna clara defini<;áo de 'homem bom' nas Ordena<;óes Fi-

~
Em suma, no Río de Janciro da passagcm do quinhcntos para o seis- lipinas (Ord. Fil., 1985, liv. 1, t. 67, # 6, p. 155, nota 1).
centos, a combinac;:áo da conquista com o sistema de merces e as prerro- Ao mesmo tempo, segundo Gon<;alo Monteiro, a noi;áo jurídica de
gativas da camara - práticas que resultaram numa economía do bem nobreza, em Portugal do Antigo Regime, era extremamente fluida. Como
comum, presentes em outras partes do Império - contribuiu decisiva- reac;:áo a isso, principalmente dcpois da Restaurac;:áo (1640), notar-se-ia
mente para a montagem da economía de plantation e para a afirmac;:áo de urna progressiva delimitac;:áo do restrito núcleo dos grandes, leía-se alta
sua primeira elite scnhorial. É bem verdade que, por exemplo, o sistema aristocracia (Monteiro, 1998, pp. 17-32). Acompanbando o mesmo pro-
de merces no reino e nas conquistas produzia súditos para a Coroa, gera- cesso, a noc;:áo de "principais da terra" e "nobreza da terra" deixaria de se
va lac;:os de lealdade, porém dava condic;:óes para a gerac;:áo e a reprodu- identificar com os senhores de terras com jurisdic;:áo. Isto ocorreria até
c;:áo de urna elite local com interesses próprios. No Rio, como talvez em porque os 'grandes da terra' furtavam-se ao exercício dos cargos munici-
outras partes do Império, aquelas práticas do Antigo Regime portugues pais, preferindo os servic;:os mais próximos a monarquía (Monteiro, 1996,
geraram um grupo conhecido como os melhores da term. pp. 60-62 e 163-164).
Aoque parece, no Río de Janeiro, a expressáo nobreza da terra estaria
ligada a antigüidade da família no exercício do poder político-adminis-
17A revolra de 1660-1661, gro,so modo, cons1snu num.i subleva~~º de parre d,1 eltte senhori,11

conrra o govern,1dor S.1Jv,1dor Correi,1 de S.I e Benevides e seu grupo, rambém formado por
trativo da cidade e adescendencia dos conquistadores (Fragoso, 2000, pp.
senhores de engenho. Apcsar de derror.td,1, ral rcvolr.t s1gn1fico n o fim Jo domí1110 dos S,í Jo 90-94; cf. capítulo 5). Vejamos ao menos um exemplo.
ceuário polínco d.1 cidade. Enrreranro, isto 11:io resulron no dcsaparecimeuro dos anrigos ali,1- Em 1664, em meio a disputas no interior da elite senhorial, os oficiais
dos dos Sá. Esres conrinuariam no poder, só que por meio de novas alia11~,1s. P.1rn um b,1l,1n~o
hisronogrMico dessa revolr;1, cf. Figue1redo, 1996.
da ca.mara lembravam que os candidatos as assembléias deveriam ser "dos
18Enrre ;1s familias se11hor1.11s i11regr,1ntes desse bando remos os ,1parent;1dos dos Sá. os Cor· principais da terra e qualificados (...) [e] se excluir delas todo homem
reu, os Teles (f.1111ílu ltg,1d,1 ,,o, <111inhc1H1sus Pontes), os Fr,12.ao Pereir,1, os M,1ch,1do Ho- meclinico e de baixa sorte e que só se admitam na goverM~a homens fi-
mem, os Barcelo M,1ch.1do (ambos onundos dos conqmst,1dores HomcrtS da Costa) ere.
(Fragoso, 2000b). dalgos" (AHU, RJ, ca., doc. 974). Dos seis camaristas que escrevem estas

5 O 5 1
CAPITULO 1 O ANTIGO REGIME NOS TRÓPICOS A DINÁMICA IMPERIAL PORTUGUESA

exigencias, dois descendiam do antigo capitáo de fortaleza e vereador, em O "sentimento" de superioridade justificaria o uso e a apropriac;áo,
1614, Pedro Gago da Ca.mara; um, do conquistador Antonio Mariz; e para fins privados, dos bens e servi~os públicos, como algo que pertences-
1
outro pertencia a tradicional família extensa dos Homens da Costa. Por- se a nobreza da República. 20 Ainda, na segunda metade do século XVII,
tanto, no ano considerado, a maioria absoluta da camara era formada por l ingressar na nobreza da terra passava, majoritariamente, pela descenden-
famílias que dominavam a cena política da cidade, com passagens pelos cia ou casa.mento com netas ou bisnetas dos primeiros povoadores (Fra-
posros de ministros e de capitáes da infanta.ria paga e pela camara, desde goso, 2000, p. 93). 1
os primeiros tempos coloniais. Além disso, pelo mesmo documento, per- Cabe sublinhar que as melhores farnílias da terra tinham noc;áo de suas
cebe-se que essas famílias náo estavam dispostas a abandonar tal cena. origens. Por intermédio dos banhos de casamento percebe-se que os "no-
Portanto, náo é difícil de se inferir o que se entendía por 'principais da bres" eram capazes de reconstituir sua ascendencia desde os conquistado-
terra'. res e os primeiros povoadores da cerra, e principalmente frisar que
Pelo que escrevi, percebe-se que a no~áo de nobreza da República náo pertenciam a urna mesma "linhagem", ou melhor, descendiam de um mes-
tem urna existencia legal, no sentido de urna posi~áo hierárquica superior mo casal. Isto pode ser visto, por exemplo, pelo matrimonio, em 1687,
referendada pela lei, como acorre na sociedade estamental européia. Na de Antonio Correia Ximenes e D. Isabel Cabral, parentes de quarto grau,
verdade, no Rio de Janeiro, os fidalgos pagavam impostas como o utro de acordo com o código canónico. Segundo as testemunhas arraladas, os
qualquer mortal e náo eram, ao contrário de Portugal, náo eram senhores capitáes Manue1 Barcelos Machado e Joáo Manuel de Mello, os noivos
de cerras com jurisdi~áo. O que perrnitia aquelas famílias senhoriais se "descendem de Jordáo Homem da Costa e de sua mulher Apolónia
arrogarem o título de nobreza no recóncavo era um fenómeno que com- Domingues, avós de pai e máe dos oradores". Os tetravós dos noivos,
binava, pelo menos, tres ingredientes: - - personagens do quinhentos, forar.n fundadores da família extensa, com
diversos ramos no Rio, os Homens da Costa. As testemunhas, Mello e
• Seriam descendentes de conquistadores ou dos prirneiros povoa- Barcelos Machado, ambos senhores de engenho na época, pertenciam
dores, de um grupo de pessoas (ou de urna 'ra~a'} 19 que, a cusca de também a mesma linhagem (Cúria RJ, Banho, #112, 1687).
suas fazendas, guerrearam e submeteram cerras e outros povos (gen- Em realidade, tal sentin~ento ~e superioridade era um ~os resultad~s
tío da terra e os inimigos europeus).
• Urna vez feíto isto, desde aqueta época exerceram os postos de
ldo Antigo Regime nos trópicos. Em outras palavras, prend1a-se a um ge-
nero de sociedade na qua) a posic;áo de urna pessoa/família na hierarquía
mando na República, ou melhor, na ca.mara e na administra~áo real. social dependia de sua qualidade, leia-se de sua capacidad e de mando na
• A conquista e o mando político )hes davam um sentimento de supe- República e, no nosso caso, de usufruir as benesses da economía do bem
rioridade sobre os demais mortais/moradores da colonia. Este fato
comum.
era referendado pelas merces dadas por Sua Majestade, pelos casa- Repare-se ainda que, nos banhos de casamento da nobreza, o cabedal,
mentos com pessoas do mesmo status e, principalmente, pelo con- a riqueza material aparecem para man ter determinada qua/idade e náo o
tínuo reconhecimento dado pelos coloniais. Voltarei a este tema rnais contráno; portan to, a acumula<;áo económica serve para reiterar uma dada
tarde.

201sco fic,1 111 a 1s claro, po r excmplo, qnando lcmbr,1mos que, en rre 1650 e 1700. m,us de 40%
"Sobre o fenómeno de a arisrocracu basear sua superiondade sobre a soc,edadc tendo .:orno dos sesrnei ros er.im descendenres (dircra 011 111dircumentc) dos co11q111srado res. No mesmo
jllmficativa a 'conquista': 011 melhor, tal grupo pertenceria ~ urna ra~a conqnist.tdora e, por- período, 60% dos se nho res de cngcnho desccndi.1111 ou esravam casados corn mo~as d.iquele
tanto, superior, ver 8Moja, 1992, 136. grupo (Fragoso, 2000, p. 93).

5 2 S 3
CAPÍTULO 1 O ANTIGO REGIME NOS TRÓPICOS A DINÁMICA IMPERIAL PORTUGU~~A

posi<;áo social e política. 21 No processo antes apresentado, de Antonio e muito diferente, provavelmente, ocorreu no matrimonio de Antonio
Isabel, a subordina<;áo da atividade económi ca a qualidade fi ca mais pa- Pacheco Calheiros com Isabel Coutinho, fi lha do André de Leáo, na déca-
tente. Antonio podí a garantir a posis;áo social de sua futura esposa pois da de 1620. Até onde sei, Antonio, comerciante de escravos, náo foi dono
tinha o "ofício de médico" 22 (Cúria RJ, Banho, #112, 1687); ele náo de m oendas, porém dois de seus fi lhos e um de seus netos o foram; ou
era, aparentemente, um senhor de engenho e nem um grande do no de seja, a acumula<;áo mercantil pelo tráfico deve ter contribuído para 1sto,
escravos. para a construs;áo da qualidade da família. Enfim, provavelmente, os ca-
Ao mesmo tempo, as informas;óes que tenho sobre os casamentos de samentos com J oáo e Antonio ajudaram as famílias de seus sogros a se
mos:as da nobreza da terra demo nstram certo pragmatismo nas políticas transform arem de conquistadores em donos de plantations; ou, pelo
parentais. Essas famílias estavam preocupadas, antes de m ais nada, em menos, a reafirmarem tal passagem (Fragoso, 2000b).
garantir sua hegemo nía sobre a sociedade colonial. Conseqüentemente, Passados os tempos heróicos da montagem da economía as:ucareira,
suas estratégias matrimo niais mudavam conforme as conjunturas históri- consolidadas as posis:óes das famílias conquistadoras como senhoriais e
cas e com elas as escolhas dos tipos de genros, "nobres" ou náo. Por exem- como hegemónicas na República, sua política matrimonial mudaria com-
plo, entre 1601 e 1630, a m ontagem da plantation fora o no rte das pletamente. Nas últimas décadas do século, elas "optaram" por matrimo-
preferencias matrimoniais das famílias conquistadoras, ou seja, daquelas nios com seus pares sociais, o que facilitava as alians:as políticas, ou melhor,
24
que já ocupavam posis:óes de mando na jovem sociedade colonial. Tais a formas:áo de "bandos" no interior da nobreza da terra.
preferencias se traduziram em casamentos com esposos forasteiros a ci- Ao mesmo tempo, tais mudans:as foram refors;adas por o utras. Até
dade. 23 ' 1660, parte do domínio dos Sá sobre o Rio era garantida pelos dons e
Entre os esposos forasteiros encontramos homens como Joáo Gomes contradons com homens do rei: militares e oficiais, na maioria vindos de
da Silva, casado em 161 Ocom Maria de Mariz, fil ha e neta de provedores fora da cidade. Ao mesmo tempo, os casamentos da família Sá eram fei-
da Fazenda Real. Joáo fora governador da fortaleza de Santo Antonio na tos, principalmente, com pessoas estranhas ao recóncavo, porém estraté-
Bahia, e no Rio ocuparía a capitanía da fortaleza de Sáo Joáo e depois a gicas na alta administras;áo imperial. 25 A revolta de 1660-61 alterari a
provedoria da fazenda real da cidade (Rheingantz, 1965, vol. 2,277). Desse drasti camente essas estratégias. O segmento da nobreza da terra aliado
modo, para os Mariz, tal núpcia representava prestígio, merces e emo- aos Sá, com o os seus parentes Correia e os Teles Barreto, procurou man-
lumentos, fenómenos que, sem dúvida, refors:avam a posis;áo da referida ter sua hegemonía na colonia também por meio de urna série de alians:as
família sobre aquilo que cham amos economía do bem comum. Algo náo com outros integrantes das melhores famílias da terrn; inclusive, por meio

21 Em 1687, no processo de Amaro Comes Sard inha e BearrizSardinha - parenres de 3º e 4º 2•Para o período 1663-1700, conhe)o 177 noivas scnhoriais e descendentes do quinhenros.
graus na familia descendente de Juli.io Rangel de Abreu - . os noivos foram apresen rad os Destas, 97 - 011 mais da merade dA amosrragem - se uniram a rapazes de familias rambém
como: "mo~a nobre por ser filh,1 de pais nobres, e é mniro pobre"; e la era "das pnncipais com engenhos; mA1s do que 1sro, 68 delas eram co11q111srndorAs. O,, mesma mAncira, nesre
famílias desea cidade, e rer ele imperranre cabedal para a poder susteutar /1011rada me11te cou- grupo aumenranam os casamenros enrre consa11g!ií11eos e afins, que chegariam a represen car
/orme sua r¡ualidade" [grifos mens] (Cúna RJ, Banho, #113, 1687). 40% daqnclcs 177 marrimónios (Fragoso, 2000b).
220 douror em medicina se disnnguia de curros "ofícios". Esrava 1senro, por exemplo, de pe- liA miic de Salvador Benev,dcs era espanhola e uma de snas nas se casana como govern,,dor
nas vis segundo as Ordena~óes Filipinas (OF., Livro V, c. CXX; Rios, 2000, p. 55). Segu ndo do Paragnai. O mesmo, no en canco, nao ocorreu com os ramos formados por Mannel Correia
Schwarn, apesar do gran universirário con ferir status e disrin~iio, "jamais alcan~ou a impor- e Duarre Correi.1 Vasqueanes, ambos meio-irmiios de Salvador Correia de Sá. Manncl Co rreia
ranw1 que reve em Espanha e na América" (Schwarrz, 1979, p. 59). casou-se, por volea de 1615, com Maria de Alvarenga, filha de Tomé de Alvarenga, vercado.r
2JNo período considerado, das 44 noivas conhecidas para essas familias, 24 se casariam com da cidade, e n eta de Anrónio de Mariz. Algnns dos filhos e neros de Manuel rambém se mu-
forasrei ros ,i cidade o u com origens soc1ais diferentes de suas companhe1ras, e semente o iro ram a famílias senhoriais do Rio. Os descendenres de Duarre Vasqneanes rambém procnraram
mo)as se uniram a rapazes descendentes rambém do quinhenros do Rio (Fragoso, 2000b). esrreirar alian)as, via casamenros, com ,1s melhores familias da cerra (ver Fragoso, 2000b)

5 4 5 5
V A N 1 1 U V n C. V I IY1 e;; 1..- V ;;, 1 n v r 1 ..._ v ~ ""' .., , , ,. ,.., , .,, , ~ ,.., , ,,., , ._ .. , ...... ... • - .•. _ _ - - -
CAPITULO 1

de casarnentos com antigos inimigos. Esse jogo político lhes possibilitou, sertóes chegavam a sede administrativa da América portuguesa - e tal-
por exemplo, a ascendencia sobre o senado: entre 1662 e 1681, dos 87 vez a Lisboa-, e que cnvolviam algumas das principais autoridades colo-
oficiais da cfunara por mim conhecidos, 34,5% estavam ligados a tal gru- niais. 27
po (Fragoso, 2000b). Deve-se lembrar que a existencia de conflitos entre diferentes ban-
Ao lado dos matrimonios com segmentos da nobreza da terra, outro dos náo era algo específico do Ria. Subrahmanyam, analisando a Ásia
expediente do referido bando fora o "fornecimento de serventias". Por portuguesa do quinhentos e do seiscentos, afirma que a recorrencia das
exemplo, entre 1670 e 1695, os cargos de provedor da fazenda e de juiz !utas entre os grupos chefiados por fidalgos, pelo controle da política
de órfaos - propriedades respectivamente dos Frazáo Pereira e dos Teles e do comércio do Estado da Índia, assumiu uma "natureza estrutural ".
Barreta - passararn pelas máos de outros integrantes de seu grupo, for- Essas redes eram formadas por vices-reís, soldados, funcionários e ca-
talecendo assim os seus elos. Da mesma maneira, tais serventias foram sados - portugueses, comerciantes ou náo, residentes na Ásia e casa-
utilizadas para atrair novas aliados, assim como para selar a paz com ve- dos com mulheres da terra - , e também chegavam a Lisboa. "Em
lhos adversários.2fEssa engenharia política pode ser apresentada pela alían- resumo, a sociedade portuguesa, de centros como Goa na Ásia, tinha
~ª do mesmo bando com Francisco Brito de Meireles, que~untamente sua própria hierarquía e estruturas de clientelas" (Subrahmanyam,
com seus c~nhado~, foi inimigo dos Sá na revolta de 1660-6~No entan- 1995, pp. 326-335).
to, em finrus do se1scentos, o mesmo Frru1cisco casava um dos seus na fa- Um dos resultados práticos dessas redes internas e externas ao Rio,
mília de Salvador Correia de Sá e recebia a serventia de provedor da fazenda a exemplo de Goa, fora o envolvimento direto do segmento da elite se-
(Fragoso, 2000c). nhorial estudado, aliada aos ministros, em alguns ingredientes da eco-
Por seu turno, o próprio fato de os Frazáo e os Teles terem consegui- nomia do bem comum - como as arremata~óes de impostos - para
do usar seus ofícios como instrumento político implicava urna proximi- fins próprios. i 8
dade de seu grupo comos integrantes da alta administra~áo colonial, fosse Em realidade, o que ocorreu depois de 1662 foi que, ao lado das
ela do Río ou de outras paragens; portanto, este "novo bando" náo aban- antigas práticas dos Sá, os acordos dentro da nobreza da terra adquirí-
donou as antigas práticas dos Sá. Ou seja, continuavam a existir redes de
alian~as que ultrapassavarn as fronteiras do Río de Janeiro, que dos seus 1'l.Jm caso qnc iln~rr.1 uis redes é o m.irrnnó 1110, em fins d o século XVII , do filho de nm ex-

onvidor gera l do Río de Janeiro, o desembargador Pedro Castel-Branco. Os p.1drinhos desee


casamenro foram o govcrn.tdor do 8r,1sil, M.ttidS d.t Cunh.1, e ls.&bel Camar.1 (Schw.irci, 1979,
i•scg1111do ,15 Orde11,1)óes F1lip11us, ,l concessiio de ~ervenrus 11;¡0 c.1b1.1 ao propner,íno do
pp. 280-281 ), filha e esposa de integr.&ntes do segmento d.& elite scnhorial do Río , aparent.&da
Ofíc10, mas ape11,1s ao reí : "qualqner Ofici.11, que poser omrem, perc,1 o Ofício (... ) p,1ra 0
dos Teles fürreto e dos Fraz.iio. O marido de Isabel, Francisco d.1 Silveira Somo Maior, primo
d,1rmos a quem for nossa mercc". (Ord. Fil., L. I, r. XCVII, 1). Quando o rirular nao podía
dos Teles, também fora Desembargador da rela,ao da Bahia e ouvidor-geral do Rio de Janei•
continuar a exercer sen posro, para que o Ofício ndo fic.isse vago, o Governador ou ourra
ro, onde sofreu a acusa~iio de distribuir scrventias para .i sua clientela (AN, cód. 61, vol. 7,
auroridade superior podía, provisoria mente, concede-lo em serven ria (Ord. Fil.., L. I, t. XCVII,
pp. 477-478; Tourinho, 1929). Com sua morte, Isabel Camara casou-se com outro ouvidor,
3). Conrudo, tal atirude dcvi,1 ser confirm,1da pelo rei. Pela medida de 22/06/1 666, a coroa
Miguel de Carvalho Moutinho.
permiri.1 o urendame nro dos ofíc10~, csr.1belcccndo que o venc1mcnro m~ximo dado ,10 pro •
:zscomo exemplo disto pode ser citada a tr~jetória de Francisco Vaz. Garcei. Em 1675, este
prietário seria de 1/J dos rendimenros do dito oficio (Hespanha, ! 99Ja, p.515). Mesmo após
fururo senhor de engenho arrematava o contrato das baleias (BNRJ, DC, vol. XXVII, p. 209),
esta mud.1111;a, tal arrcndamento a111d,1 prec1s.1v.1 ser rcferend,1do pelo re1. É 1sro que, pelo
cujo produto era m.1n11farnrado numa "fábrica" de que era arrendatário desde 1672 (NA, CPON,
menos, se infere do pedido feiro, cm 168 4, por Tomé de Souza Correia para arrendar seu
arr., ano 1672). O dono desra "f.íbrica" era Pedro de (Fraz.iio) Souza Pereira, propnetário do
oficio de provedor. Uma vez. .1ce1to o pedido, o Co nselho Ultramarino recome11d,1va que a
ofíc10 de provedor d,1 faz.enda. N,1 époc.A da ,1rrem.lta,iio de tal contrato, ,1 servenna do ofício
serventia fosse dada por pouco tempo , pois eram d.111o~os ;¡ Ídz.enda real rais procedimcntos
de provedor era exerc1da por um velho .&liado dos Fraz.iio, José Barcelos Machado (AN, cód.
(AHU, RJ, ca., doc. 1507). Po r úlnmo, fic.1 duo que, além de su.1s fun~óes políncas, a serven ria
61, vol. 1, p. 40). Posteriormente, em 1691, o mesmo Vai Garcez tornar-sc-ia esposo de urna
rendia ao proprietário do dito ofíc10 parre de scns vencimentos (AC RJ, CPON, fian~a, ano
1689). das sobrinhas de Pedro .

S 7
5 6
O ANTIGO REGIME NOS TRÓPICOS A D I NÁMICA IMPERIAL PORTUGUESA

terra" surge como momento essencial da legitimidade social da nobreza e cada hum deles tem mais de 100 mil cruzados e siio dos principais e mais
da terra, um dos fenómenos que viabilizava a sua autoridade. Ser nobre aparentados nesta terra" (AHU, RJ, ca., doc. 2050).
no Antigo Regime dos Trópicos náo significava somente possuir "negros Por conseguinte, o poder da nobreza da terra estava assentado em re-
da cerra". des de alianr;as e, igualmente, a autoridade do governador passava pelas
Para as "negociar;óes" com outros grupos subalternos sociais (como negociar;óes com esses "bandos" e "aparentados".
os lavradores de alimentos e de cana) basta lembrar alguns dos mecanis-
mos utilizados entre as próprias principais famílias da terra, como o
compadrio, o fornecimento de serventias, e mais as possibilidades dadas UM MERCADO DOMINADO POR BANDOS
pelas leis do Reino, a exemplo do Regimento de Fronteiras de 1660. Este
último Regimento, por exemplo, em seu 18º capítulo permitía aos capi- Vimos que urna das principais formas de acumular;áo de riquezas no seis-
táes de infantaria, mesmo quando exerciam a serventia de tais postos, que centos era o que chamei de economía do bem comum, senda urna de suas
nomeassem pessoas de sua confianr;a para as suas companhias. Vários in- conseqüencias um mercado imperfeito. Entretanto, como demonstrei, este
tegrantes da nobreza ocuparam tais capitanías e, portanto, puderam dis- tipo de economía era também o resultado de jogos políticos, ou seja, de
tribuir tais dádivas (AN, cód. 61, vol. 4; Fragoso, 2000c). 3º alianr;as que viabilizavam o acesso a cfunara e as merces do reí. A realiza-
Por estes e outros motivos entende-se o cenário desenhado pelo go- r;áo dessas alianr;as, evidentemente, tinha um custo e portanto refletia sobre
vernador Francisco Soutomaior ao desembarcar no Rio em 1645. Segun- a produr;áo e o comércio coloniais.
do ele "as eleiqoes do senado da cidade emm dominadas por pessoas da Urna das maneiras de se perceber o peso desses pactos sobre o movi-
facqiio dos Correias [Salvador Correia de Sá e Benevides} e dos Manoes mento da riqueza colonial sáo os dotes. Os vínculos entre as famílias muitas
[Aleixo Manuel, o moqo} que siio os dois bandos e parcialidades de que vezes se traduziam em casamentos e, principalmente, na transferencia de
resultam tantas monstruosidades tiio preiudiciais ao serviqo de Deus e de riquezas. Entre 1662 e 1670, foram registradas, no 1.0 Ofício de notas,
sua Magestade (sic)". Mais adiante, o mesmo governador afirma que só 11 Oescrituras de vendas (engenhos, terras, sobrados etc.) cujo valor foi
pudera assumir seu cargo por estar acompanhado por mais de cem possível recuperar: somaram 51:123$572. Neste mesmo período, tive-
mosqueteiros (AHU, RJ, av., ex. 2, doc. 57). Em finais do século XVII, mos 12 dotes com valor identificado: 15:992$960, no total. Por conse-
outro governador, Sebastiáo de Castro e Caldas, em carta enviada a Lis- guinte, apesar do número de dotes representar somente 11 % daquelas
boa em 1697, acusava o provedor e o escriváo da Fazenda Real, respecti- vendas, em valor corresponderam a 31 % dos valores negociados nas es-
vamente, Francisco de Brito Meireles e lnácio da Silveira Vilalobos - crituras de compra e venda. Mais para o final do século, de 1691 a 1698,
aliados dos Teles e Correia - , de irregularidades na arrematar;áo do con- tal relar;áo pouco mudou: os 13 contratos de casamentos representaram
trato das baleias. Ao fazer tais acusar;óes, o governador temía sofrer re- 8,5% das 153 vendas, mas corresponderam a cerca de 23% (12:916$380)
presálias, pois os denunciados eram "poderosos para se ter como inimigos dos 56:429$676 presentes nas transar;óes de vendas. Alguns desses dotes,
entre 1628 e 1691, representaram a passagem de nove fábricas para as
0
J Para o compadrio basca lembrar qne, enrre 1647 e 1660, d família extensa qninhenrisra dos
máos de futuros genros (Fragoso, 20006), algo razoável caso recordemos
Comes Bravo - senhores de engenho em Sao Gon~alo e descenden tes de provedorcs da Fa- os 130 e tantos engenhos existentes na década de 1680. Por estes núme-
zenda Real e de alcaides-mores de iníc,o do século XVII (Azevedo, 1871, 187-188; Fragoso,
ros, comer;amos a entender melhor a importancia das alianr;as e disputas
2000a) - fara padrinho de 31 crian~as em nm universo de 227 rebeucos da fregnesia (Címa
de Nireró,, Bariz.,dos, anos 1647- 1660). Sobre esre upo de rela~óes de compadrio, principal- políticas para a economía colonial considerada e o funcionamento do que
menrc bar1z.1dos, ver fari,t 1998. Qnanro ao fornecimenco de servenr,as, já foi visco acima. chamei de mercado imperfeito.

60
6 '
CAPÍTULO 1 O ANT I GO REGIME NOS TRÓPICOS A D I NÁMICA I MPERIAL PORTUG UE SA

Sabe-se que as escrituras públicas de compra e venda apresentam vá- QUADRO 3: TOTAL DOS NEGÓCIOS COM ENGENHOS E DAQUELES
rias ciladas para quem pretende estudar o funcionamento do mercado FEITOS ENTRE 'CONHECIDOS' DIANTE DAS ESCRITURAS
colonial. A principal era que nem todas as transferencias de bens neces- DE COMPRA E VENDA. VALORES EM MIL-RÉIS.
sariamente deviam ser registradas em cartório, como aliás sublinham as Períodos A B e C/A% D D/8% E E/A % F F/ 8 % F/D%
O rdena~óes Filipinas (Sampaio, 2000, pp. 35 e 295). Seja como for, as 76 69:478 10 13,2 50:.320 72,4 4 5,J 22:820 J2,8 45,3
1650-53
pessoas que fizeram tais escrituras criaram a imagem de um mercado 7,1 15:4 27 34,9 53, 1
1659-65 70 44:225 9 12,9 29:056 65,7 5
definitiv am ente marcado náo somente pela oferta e procura, mas tam-
1668-79 89 27:480 5 5,6 9:600 34,9 3 3,4 4: 900 17,8 51 ,0
bém por outras rela~óes sociais.
1685-89 50 23:647 4 8,0 15:400 65,1 2 4,0 6 :600 27,9 42,9
O q uadro 3 de imediato náo apresen ta grandes surpresas para uma
1690-98 167 59.476 14 8,4 33.382 56,1 6 3,6 15.400 25.9 46,2
econo mia de plantations. No período 1650-1698, os engenhos corres-
po nderam, em geral, a m ais de 2/3 de todas as escrituras negociadas. Obs: A = N(1mcro toral de escrimras de venda; B = Valor to tal das escrituras de venda ; C = Nú-
m ero total das escrituras de venda de engeuhos de a\úcar; D = Valor total das escrimras de venda
Somente de 1668 a 1679 e entre 1690 e 1698 aquela porcentagem náo de cngenhos de a\úcar; E = Número total das escnmras de venda de cngenhos de a\úcar entre
ocorreu: no primeiro período, talvez por urna distor~áo da amostragem; parentes e aliados; F = V,ilor rotal das cscnmr~s de venda de cngenhos de a\(1car entre p,1rente, e
já no segundo, tal discrepancia se deve as dificuldades da econo mi a de J l1,1do,.
Fonte: Escrituras de compra e venda, Cartório do 1. 0 O fíc10 de Nocas, Arquivo Nacional.
plantation do Ri o de J aneiro (Sarnpaio, 2000, pp. 76- 136). Porém, vol-
tando ao que interessa, além do domínio das moendas nos valores das Provavelmente, com tais vendas, familiares e aliados resolviam proble-
transa~óes registradas, há o utro fenómeno menos esperado numa eco- mas de caixa sem colocar em risco a posi~áo social e política de suas farní-
no mia mercantil. Com exce~áo da última década escudada, 42% a 5 0% lias ou de seu bando <liante da sociedade. 32 Na verdade, trata-se da mesma
do valor t otal dos engenhos transacionados foram negociados po r pes- lógica que justificava os casamentos entre parentes, quando a noiva era nobre,
soas conhecidas entre si; o u seja, comprado res e vendedores eram pa- porém pobre. Tanto num caso como no outro, o que estava em jogo náo
rentes sangüíneos, afins o u integrantes de um m esm o bando. 31 Em era apenas a qualidade da noiva ou do vendedor, mas sim de sua família e
rela~áo ao total de escrituras, estes negócios "entre amigos" represen- de seu bando numa hierarquia de Antigo Regime e, portanto, <liante dos
taram de 1/5 a m ais de 1/3 dos valores registrados. Desnecessário di- recursos da economia do bem comum. A realiza~áo daqueles casamentos e
zer que, devido a natureza dos la~os entre estes compradores e vendedores, destas vendas possibilitava a reprodu~áo, em alto estilo, de urna sociedade
tais valores náo eram dados somente pela oferta e procura. Na verda- cuidadosa com suas diferen~as sociais e políticas. O mesmo princípio ocor-
de, parece que estamos <liante de um "mercado" sem elhante aquele ria quando as vendas de engenho eram feitas para reafirmar a paz entre fa-
estudado por Giovanni Levi em Santena (Piomo nte/ltália) do século mílias nobres que, no passado, haviam sido inimigas. 33
XVII, em que o tipo de rela~óes de reciprocidade entre comprado r e
1 2Evidencemen te,há várias explica~óes possíveis para csscs negócios, como, entre oucras, do tes
vendedor defini a os pre~os e as transa~óes ditas mercantis (Levi, 1985,
e partilha de heran~as.
pp. 97-138). HEste, aparentemente, for,1 o caso d.1 vcndA d o cngenho de Francisco Borges Tourinho J seu
gen ro Joiio Gomes dJ Silv,i. O primeiro f.1 zia pMte Jo grupo dos CorreiAde Sá, Francisco era
casado com uma das fil h,1s de Duarte Corre ia Vasqueanes; e o segundo era integrante de urna
família, os Gomes da Silva - ramo dos conquistadores Mariz -, que ficara contra os Correias
11 Em 1664, Pedro Rangel de Abren vend ía ao cio Francisco de Go uveia seu engenho; no ano nos acontecimencos de 1660-61. Por volea de 1668, a aproxima~ao entre escas famílias fora
de 1692 Manuel Teles de Menezes passava sua fábrica para a viscondessa de Asseca, integran• feita como matrim6nio de Joáo com Ana, filha de Francisco Tourinho , e o passo decisivo fora
ce d o mesmo bando (Fragoso, 2000c). dado com a 'venda' do engenho do sogro para seu genro (Fragoso, 2000b).

6 2 6 3
0 ANIIUU "t:.UIMC: NV> lt(Ut"II..U> A UIN~MII.."' IMt"CP\l"'L t"V"IUUUC:~"
CAPITULO 1

Por seu turno, mesmo considerando a hipótese de que poucos negócios envolve negocialróes entre funcionários do rei e os arremata.dores dos
foram registrados em cartório, náo há como negar que o quadro 3 infor- contratos, fenómeno que torna tal imposto extremamente complicado
ma sobre a venda, entre 1668 e 1698, de 23 engenhos, dos quais pelo quando trabalhado como indicador das flutualróes económicas coloniais.
menos 21 eram fábricas distintas3 \ o que significa afirmar que mais de Entretanto, tal vez por isso mesmo seja mais urna oportunidade de apreen-
15% dos existentes no Rio e cercanias, em 1680, entraram naqueles ne- der os mecanismos da economia do bem comum; ou, sendo mais preciso,
gócios. Esta cifra valida a importancia dessas escrituras públicas como fonte o estudo da interferencia política dos bandos nos negócios colonia.is e a
para o estudo das transferencias de propriedade de moendas. Da mesma transforma~áo de alianlras em privilégios económicos.
maneira, referenda a existencia de um mercado de Antigo Regime, ou seja, Antes de mais nada, os dízimos representavam a principal fonte de
dominado também pela política. recursos da Fa.zenda Real. Em 1686, por exemplo, os rendimentos da fa.
Algo_semelhante era encontrado no "mercado de crédito" reproduzido zenda foram de 16:876$666, ca.hendo aos dízimos 8:666$666 ou mais
nos livros cartorários. Entre 1651 e 1700, período em que as escrituras es- da meta.de das receitas rea.is no Rio (AHU, RJ, ca., doc. 1571). Por isso
táo mais conservadas, ternos 292 empréstimos com valores identificados. mesmo, sua arremata~áo era um dos principais palcos de acusalróes con-
Quando trabalhan1os com períodos de dez em dez anos, observa-se que, de tra os funcionários da Coroa e de disputas entre os diferentes bandos da
1651 e 1680, mais de 2/3 dos financiamentos foram concedidos por famí- cidade pela economía do bem comum.
lias senhoriais e pelo juizado de órfáos. Para as décadas de 1660 e 1670, Em carta enviada a Lisboa no ano de 1644, Francisco da Costa Bar-
somente a arca dos órfáos, na época nas máos dos Teles, fora responsável ros, membro da nobreza da terra, proprietário do ofício de escriváo da
Fa.zenda Real e da matrícula da gente de guerra, provisoria.mente ocu-
por mais da meta.de dos empréstimos. Portanto, naqueles anos as famílias
pando o posto de provedor da fazenda, afirma.va que urna das causas do
senhoriais tiveram a ca.pacida.de de ~riar seus próprios mecanismos de em-
baixo rendimento da fazenda na capitania eram os acordos entre os mi-
préstimo e, nesse sentido, provavelmente os financiamentos estavam ao sabor
dos jogos políticos do grupo senhorial. nistros e os contrata.dores (AHU, RJ, av., ex. 2, doc. 42).35 Na revolta de
Desnecessário dizer que nos empréstimos entre famílias senhoriais
1660-61, os sublevados prenderam o provedor Pedro de Souza Pereira
e arrolaram contra ele qua.renta capítulos, entre os qua.is denúncias como
encontramos negociantes como credores. Porém, eles eram parentes, em
o do acordo entre ele e o arrematante Gaspar Días Mesquita, no trienio
geral eram genros de tais casas. Entre esses negociantes ternos Bento da
Rocha Gondim, diversas vezes con tratador dos dízimos (AHU, RJ, ca., de 1645-48. Ambos teriam acordado supervalorizar os prelros da fa.zen-
docs. 870 e 1468-71) e credor (AN, CPON, emp.) na segunda meta.de do da da infanta.ria. Vale lembrar que meta.de dos dízimos era paga a Coroa
seiscentos, genro na família quinhentista Muros. com o fornecimento de tais merca.dorias pelo contratador; portanto, a
valorizalráo artificial das fa.zendas representa.va urna redulráo dos rendi-
O cenário a.cima só comelrou a mudar nas duas décadas fina.is do sécu-
mentos do rei. Segundo os denunciantes, a realiza~áo desta operalráo
lo. Na penúltima, os senhores/credores e o juizado responderam por 46%
gerou um lucro de 10 a 11 mil cruzados para os denunciados. Confor-
e na última por 40% do crédito, o que sugere o crescimento de outras
fontes de crédito, como o capital mercantil sem vínculos senhoriais. me a.inda aqueles capítulos, de 1645 a 1660, o provedor subtraiu parte
Um último empreendimento seiscentista que gostaria de citar é a
arremata~áo de impostas, tema sempre difícil de ser a.na.lisa.do, já que Hfr,1nc1sco d,1 Costa Barros er,1 descendente de Jo.io Pcre1ra de Sonu Bot,1fogo e, 11,1 décad.1
de 1640, mim1go dos Sá. Aliás, vários de sens fam1li.ires e .1li.tdos envolveram-se n.t revolta de
1660-61. Portanto, mesmo nao entrando no mérito d.t veracidade ou niio daquelas denúncias,
o faro é que remos aqui disputas entre bandos mi1111gos pela hegemo111a da cidade e dos bene-
1•um mesmo engenho, como outro bem, pode ser vendido e revendido segu1d,1s vezes. N,1s
fícios que dela decorriam (Fragoso, 2000c).
escriruras .111alisad,1s, ao menos 21 eram engenhos diferentes.

6 S
64
CA P ÍTULO 1 0 ANTIGO REGIME NOS TROPICOS A DINAMICA IMl'U<IAL ., Ot<IUUU<> A

dos rendimentos dos dízimos reais (AHU, RJ, av., ex. 3, doc. 95; AH U, A filha mais velha de André e Ines, cm 1673, casou-se com o capitáo
RJ, ca., doc. 870). Rodrigo Coelho de Bonsucesso, da família quinhentista Gomes Bravo e
Passados mais de vinre anos, o cenário continuava o mesmo, como sócio no contrato dos dízimos de 1686. A terceira filha do casal, em 1676,
demonstram as acusa<;óes feitas por Antonio Mendes de Almeida, que, tornou-se esposa de José Gomes da Silva. A ca<;ula, no ano de 1688, li-
em carta a Lisboa de 1686, afirmava ter sido preterido na arremata<;áo gou-se a Inácio Francisco de Araújo, que, em 1688, recebcu a serventia da
dos dízimos pelo provedor Pedro de Souza Correia. Nessa carta, Antonio capitania da fortaleza de Sáo Sebastiáo (AN, cód. 61, vol. 12) e no ano
se dizia "homem forasteiro e sem parentes na terra"; em contrapartida, seguinte aparecia no contrato das baleias de 1699 (AHU, RJ, ca., doc.
Pedro era "régulo na cidade (... ) com várias pessoas aliadas e famili ar es" 2215).
(AHU, RJ, av., ex . 5, doc. 74). Esta família de cristáos-novos, portante, possui diversos tra<;os inte-
Diante desse mercado dominado pela política, náo é de surpreender ressantes. Um deles foi sua freqüente presen<;a nos leilóes de impostas
que diversos aparentados da nobreza da terra tenham sido arrematadores coloniais. Nesta empresa, em vários momentos, esteve ligada as melhores
de dízimos, referendando aquilo que chamei de acumul a<;áo excludente. fnm ílins dn terrnY Essa intimidade com o poder fora aumentada com o
Um bom exemplo dessas práticas foram os pedidos do arremata.nte, Joáo segundo casamento de José Gomes da Silva, em 1695, com Isabel, filha
Alvares Pereira, no trienio 1671-74. Como seu antecessor, Tomé da Silva, de Beatriz Paredes e Luís Fernando Crato e sobrinha do procurador da
ele reivindi cava o "poder mandar [fora da frota] um navio ao reino em fazenda do rei, Agostinho Paredes, todos com ascendencia judaica. Com
cada ano de seu contrato carregado de a<;úcares e mais frutos da terra para este matrimonio várias questóes, dentro de um ambiente de Antigo Regi-
por ele mandar vir os generes necessários para o mesmo contrato" (AN, me, eram resolvidas. Isabel era prima da sua primeira esposa, portante
cód. 61, vol. 5, f. 958). Trata-se de um privilégio sonhado por todo nego- José mantinha os antigos la<;os parentais e religiosos. Ao mesmo tempo, a
ciante, numa época em que o comércio era feito em regime de mono pólio nova esposa possuía liga<;óes com a nobreza da terra.38
via frotas. O grau de intimidarle entre .Joáo Pereira e o bando hegemónico
na época pode ser medido pela concessáo de urna sesmaria, feita em 1675, J7Em 1686, José Gomes ap;irecia como c;iixa na arrcmara~ao dos dízimos (AHU, RJ, c;i., doc.
a José Barcelos Machado - aparentado dos Teles - e a Joáo Alvares 1571; AN. CPON, cv., ano 1686), d o qnal seu concunh,1do Rodrigo Bonsucesso parricip;iva,
juntamente com M;in uel Pacheco Calhe,ros e Gregório Naz1;izenw d,1 Fonsec;i .Os do1s t'iln-
Pereira (AN, cód. 61, vol. 5, f. 1359). Portanto, Joáo náo era urna pessoa mos rambém er;im sen ho res de (á/Jnws, senda o prime1ro descendente de André de Leao e o
estranha ao círculo de poder.36 segnndo, d,1 cas,i d os Homem da Costa. Em 1698 , José Gomcs d,1 S1lv.1 voltava ,1 p,1rrtc1p.1r
Um exemplo emblemático de dizimeiro era José Gomes da Silva, cris- d os díz1mos, ,1gora como cimlar, tendo como sócios lnácio Mo1d11re1r,1 Machado e M<11wel
Faleiro Homem (AN, CPON, arr., ano J 698 ). Ambos pertenciam a nobreZil da cerra e, por
táo-novo com ramifica<;óes comerciais na Europa, senhor de engenho e conseguinte, seus fami liares escavam acosrumados ao poder, seja no se1udo ou na adminisrra-
indiretamente ligado aos conquistadores. Falernos um pouco mais <leste ~iio real. Manuel Falciro Homem rivera a serven ria do juizado dos órfiios cm 1693 (AN, Pub.
# 11, p. 50). Mais do que isso, aqueles dois era m co11cunh,1dos e aliados dos Teles. Esrn pro·
senhor. Para tanto, comecemos do início, ou seja, pelos seus sogros: André
xim1dade do poder calvez explique o porqne de, apesar de J osé ter sid o (em 1692) acus.tdo
de Barros e Ines Aires da Silva, esta de origem hebréia e irmá do negoci- por Lisboa de arrematar os dízimos sem saldar as dividas do contrato d o rnénio .tnterior, anos
ante Luís Fernandes Crato (Fonseca, 1999, pp. 85-112). d cpo1s volcava .t esu r :1 frente d o dito imposto (AN, cód. 61, vol. 8, f. 256).
HA)guns dos primos maternos de ls,1bel Paredes pertenciam as seguinces famíli.,s: os Mariz; os
Ximenes, aliados dos Sá e d epo is do Tcles/Correi,1/Fraziio, ,tlém de José Correia X1menes, e
J6 Na época e m que Joiio Pere1ra Alvares rn1cu o contrato dos dízimos, o provedor er,1 , p rova- d cpo 1s 11111 de scns filhos, nm c.irrório (AHU. RJ, ca., doc. 1162) e ,1ccsso ,10 ~enado cm 1697
velme nte, Ped ro de So nZil Pe reira . Em 1673, ta l cargo passava em serven ria para J osé Barcelos (BN, DH, vol. XI, p. 206); ,tos Lucen.t Monurro10, do ramo oriundo do co11qu1sudor p,tultsu
Machado (AN. , cód. 61, vol. 5, p. 1357) e, em 1680, para as miios d e José Pere1ra S;irmenro, Nicolau Barrero; aos Mo ma Foga~a. descendentes do cx-capitiio de SJo Vicente Joiio de Moura
genro de Joao Alves Sarmenro (AN, cód. 60, vol. l , f. 192). A famíha de To mé d a Silva rmh,1 Fog;i~a (AHU, RJ, av., ex. l, doc. 39). Repare-se, ,1ind,1, que aquclas eres f.1míhas cambém
l1g;i~óes de p;irenresco comos Co rrei;i. tinham .t mesma o n gem cnstii-nov,1 (Novmsky s/d, 168, pp. 114 e 206).

6 6 6 7
CAPITULO 1 O ANTIGO REG IME NOS TRÓPICOS A DINÁMICA IMPERIAL PORTUGUESA

Náo nos cabe aqui discutir o grau de tolerancia religiosa dos conquis- menos na mesma época, Rocha Pita afirmava: "No seu reconcavo hou-
tadores cristáos-velhos para com os de origem hebréia, e muito menos ve cento e vinte engenhos; os que permanecem de presente siio cento e
medir a presenc;a <lestes últimos na própria nobreza da terra. Entretanto, um (. ..) por se /he tirnrem os escrnvos paras minas" (Rocha Pita, 1976,
algumas coisas sáo certas, como já reparamos. Desde o início da coloniza- p. 64).
c;áo houve casamentos entre os dois grupos. Da mesma forma, cristáos- Passados esses primeiros tempos, o abastecimento das minas logo pre-
velhos e novos, grosso modo, seguiram práticas do Antigo Regime. Os dois pararía a consolidac;áo de urna elite assentada principalmente no comér-
grupos pleitearam cargos e benesses do rei. Alguns conseguiram assento cio de grosso trato. Independentemente das condi~óes seiscentistas do
no senado. Procuraram se aliar aos bandos da nobreza da terra e com isto mercado levarem um negociante a se ligar a nobreza, náo há como esque-
intervir em um mercado imperfeito. 39 Da mesma forma, realizaram negó- cer que a sociedade colonial era de Antigo Regirne, na qua! o que valía
cios em família. Enfim, obviamente, para aqueles cristáos-novos o Antigo erarn as diferenc;as de qualidades. Ern outras palavras, José aproximou-se
Regime, sua lógica social e económica, náo lhes era estranha. As núpcias da nobreza náo somente movido por interesses mercantis, mas tambérn
de Antonio Correia Ximenes, aparentado dos Paredes, ilustram o que dis- porque pertencia aquele mundo. Além disso, tal sociedade sobreviveu ao
semos.
declínio da plantation no Río.
Outro fenómeno insinuado pela trajetória de José Gomes da Silva A persistencia do Antigo Regime nos trópicos talvez explique urna tran-
diz respeito aquilo que poderíamos cham ar, na falta de palavra me-
sic;áo sem maiores traumatismos - o que náo significa sem conflitos -
lhor, de transic;áo entre o domínio económico da nobreza da terra para entre urna acurnulac;áo de riquezas centrada em particular na economía
os grandes negociantes. Na década de 1690, os descendentes dos con- do bem comum para outra mais mercantil, e com ela a passagern da
quistadores continuavam sendo os principais compradores de enge-
hegemonia económica de urna nobreza da República para um grupo de
nhos.40 Porém, como sublinhei, por esta época existiam vários indícios
grandes negociantes baseado no comércio interno e no Atlántico (cf. ca-
de declínio da plantation no Río e, com ela, das antigas famílias qui- pítulo 2). Talvez náo seja sern motivo que Braz Carneiro Leáo, um dos
nhentistas. O número de negócios com moendas diminui , os tradicio- negociantes mais importantes do Rio Setecentista e com diversas ramifi-
nais mecanismos de crédito da nobreza recuam e as famílias senhoriais cac;óes comerciais no Império luso (Fragoso, 1998, p. 354 ), ten ha se casa-
mais tradicionais tendem a se fechar para os estranhos. Completando do com urna descendente dos conquistadores quinhentistas, os Hornern
este quadro, no início do século XVIII, na correspondencia dos gover- da Costa (Rheingantz, 1967, vol. 1, p. 495).
nadores lía-se sobre a freqüente fuga de gentes e cabedais do Río para
Minas, fenómeno que resultava no despovoamento, na reduc;áo de ali-
mentos e na falencia de engenhos de ac;úcar (AN, cód. 77, vol. 12, f. CONCLUSAO: O ANTIGO REGIME NOS TRÓPICOS E A EXCLUSAO
69, carta de 1703; cód. 77, vol. 14, f. 471, carta de 1705). Mais o u COMO PECADO ORIGINAL

J
9
Quando d,1s lnras entre os bandos dos Correi.1/feles/Fraziio e os Gnrgel, em fitiais do século
Em suma, a montagem da economia da plantation no Río de Janeiro se
XVII, entre as faze11d,1s atacadas pelos Gnrgel temes as de Tomé Correia Vasqnes, Manuel daría em conjunturas drásticas para Portugal e seu Império. Nesse cená-
Teles de B,,rreto e Agostinho Paredes, este aparentado com José Go mes da Silva (AHU, RJ,
rio, a soluc;áo para a montagem da agroexportac;áo seria dada pelo já co-
av., ex. 5, doc. 98). Por couseguintc, tal ataque insinua a proximidadc dos crtst~os-novos (Pa-
redes, Gomcs d;¡ Silva etc.) considerados urna das fac~óes e m lu ta no período analisado. nhecido receituário do Amigo Regime porrugues, qual seja: a conquista
"°Ncsta déc.1da, 24 engenhos for,1 m negociados, dos quais foram comprados por membros da de terras e de homens, o sistema de merces e a ca.mara.
nobreu d,1 terra (AN, CPON, cv., déc.:ad,1 de 1690).

6 8 6 9
CAPITULO 2 Os homens de negócio do Rio de
Janeiro e sua atua~áo nos quadros do
Império portugues (1701-1750)
Antonio Carlos Jucá de Sampaio
Em 1718 o governador do Rio de Janeiro, Antonio Brito de Menezes,
informou a Coroa sobre a grande carencia de ministros para a adminis-
tra<;áo da justi<;a na capitania. Segundo ele, esta carencia se tornava ainda
mais grave por ser "a cidnde de Siio Sebnstiiio do Rio de Jnneiro opulenta
mnis que todas ns do Brasil, por raziio do seu largo comércio, e serem os
seus generas os mnis preciosos". (AN, cód. 80, vol. 1, p. 40).
No início do século XVIII, essa náo era urna opiniáo isolada, ou mes-
mo exclusiva de halSitantes do Império lusitano. Os dois ataques desferi-
dos contra a urbe carioca por corsários franceses, menos de urna década
antes dessa carta, constituíam urna espécie de "reconhecimento" interna-
cional da importancia da cidade no novo desenho do lmpério, por conta
de sua participac;ao no rush da minerac;áo (Boxer, 1963, p. 109).
Essa relac;áo entre a participac;áo do Rio de Janeiro no comércio com
as áreas mineradoras e sua acrescida importancia no contexto dos negóci-
os imperiais torna-se mais clara numa correspondencia de um sucessor de
Menezes, Luís Vahia Monteiro, quase urna década depois: "Esta terra é
hoje um império, donde cnrregn todo o tráfico da América, e descnrregn
todo o peso, e nvinmento dos governos das Minas Cernís e Siio Paulo" (AN,
PH, vol. 15, p. 145).
A documenta<;áo do período é próspera em exemplos como esses,
que ressaltam o papel estratégi1.:o que o Rio de Janeiro passa a desem-
penhar após a descoberra do ouro, grac;as exatamente as suas relac;óes
privilegiadas com as regióes auríferas. Ao longo da primeira metade
do século XVIII, a pra<;a carioca vai sobrepujando a de Salvador em
importancia dentro do sistema mercantil imperial, tornando-se assim
a principal da América portuguesa. Esse processo torna-se claro na
análise dos contratos de arrematac;áo da dízima da alfandega das duas

7 5
C AP ITULO 2 O ANTIGO REG I ME N OS TRÓPICOS A DIN ÁMI C A IMPERIAL P ORTUGUESA

1
capi tanias. Se ainda em 173 4 encontramos o m esmo valo r para am- rotal entre as duas, mas sim a cria~áo de uma esfera típicamente mercantil
bos os contratos (1 07:600$000), a partir daí as duas capitanias com e- de atua~áo, que inexistia no seiscentos fluminense). Mais do que isso, es-
~am a se distanciar. Se na Bahia o valor chega a apresentar redu~áo, e sas transforma~óes caracterizaram esse novo grupo como a elite colo nial
atinge o máximo de 126:900$000 em 1745, no Rio de J aneiro ele cresce setecentista, responsável direra pela própria reprodu~áo da sociedade
continuamente, e alcan~a o valo r máx imo de 209:600$000 no mesmo fluminense por meio do controle dos mecanismos de crédito e da oferta
ano (AHU, RJ, cód. 1269, pp. 20, 23 e 25 ). No caso dos contratos das de máo-de-obra escrava (Sampaio, 2000, caps. 1 e 4).
entradas para as Minas 2, vemos que o p redo mínio fluminense remo n- .
ta até o ano de 1727, pelo menos. Neste ano, o contrato dos caminhos
velho e no vo (ambos com o rigem na capitania do Rio de J aneiro) atin- A) A ATUAc;ÁO M ERCANTIL DOS HOMENS DE NEGÓCIO
giu o valo r de 25 arro bas, enguanto o do caminho da Bahia foi arre-
matado por 20,5 arrobas (AH U, RJ , cód. 1269, p. 66). Para urna percep~áo mais clara da atua~áo dessa elite mercantil tanto
Seria temerário o estabelecimento de urna rela~áo direta entre os va- no comércio interno quanto no externo, ver o quadro 1, baseado nos dados
lo res das arremata~óes e a atividade mercantil das duas capitanias. O que fornecidos pelas fi an~as de embarca~óes. Essas fian~as eram obrigatórias
buscamos demonstrar aq ui é, sobretudo, urna tendencia, já apontada pela para rodas as cmbarca~óes que dcixavam o porto carioca, e visavam a
correspondencia dos governadores: a transforma~áo paulatina da capita- impedir o embarque de passageiros clandestinos. 3 Essa fonte mostrou-se
nia fluminense em principal pólo mercantil da América portug uesa, fenó- fundamental para a reconstitui~áo dos la~os mercantis entre o Rio de Ja-
meno estreitamente vinculado a seu papel no abastecimento das Gerais. neiro e outras pra~as do Império durante a primeira metade do setecen-
Em o utra palavras : mais do que o metal amarelo em si, é a rápida cria~áo tos. Embora, por suas características, náo se refira ao comércio através do
de um amplo mercado consumi dor nessas regióes que transforma veloz- caminho novo, as liga~óes com as Minas encontram-se parcialmente co-
mente a economia fluminense e redefine o seu papel nos quadros do Im- bertas pelas viagens para Parati, representativas do denominado "cami-
pério. De capitania relativamente secundária do Império lusitano nos nho velho". 4 De fato, trata-se de urna o portunidade única de vermes a
seiscentos, o Río de Janeiro transforma-se, na centúria seguinte, em sua atua~áo mercantil dos negociantes5 cariocas na primeira metade do sécu-
principal encruzilhada (Sampaio, 2000, cap. 3). lo XVIII numa perspectiva mais global.
Naturalmente, as profun das transforma~óes por que entiío passa a
economia local acabam por refl etir-se nas características do grupo mer-
cantil aí existente, sobretudo em sua elite. De fato, a passagem do século 1Toda emb.uc,1\iio era o brigada, Jnres de s:11r do porro do R10 de J:1neiro, a registrar sua Íidnp
XVII para o XVIII viu essa elite mercantil constituir-se enguanto grupo 110 ltvro d ,1 ,ilf.indegd. Nel,1 consr.1v.1 o nomc do fl,l(Jo (mcsrre 011 cap,r,io da cmbarc,11,:iio), o
nome do fi,idor, o tipo de e111b.irc,1~iio e o demno final da viagem, além da data. Por esse
socia] autóno mo em face da elite agrária (o que náo significa separa~ao
documento o fiador obngJv,1-sc ,1 p.ig,1r .1 11111lr,1 de 400$000 (depo1s elcvad,1 para 800$000)
110 caso de O fud o r trdnspo rrar Algum p,1ss,1ge1ro clan<lesnno. lnfcltzmcnre, só e11co11rra1110,
r,11s d,1dos parA o período 1724- 1730.
'A "díiima _d a _:1lfandcga" e~a ~ cobran,a de 10% sobre o v~lor d:1s mercad o rias impo rtad:1s •o "caminho novo" ltgAva o Rio a Min,1s ,1 purir do fundo da Ba_ía de Gnanabara, corundo
pelos p n nc1p:1 1s porro s bras1le1ros. Emboca teo ricamen te se referisse a to dos os p rodutos im- rransversalmcnre o vale dorio P,1raíb,1 d o Snl. Por ser totalmente terrestre, niio é coberro por
porra~os, na p rárica a d ízima i'.1cid ia sobre os bens vindos nas frotas :1nuais, a tal po nto q ue a noss.is fi,1n~,1s. O "caminho velho" 11iic1dv.i-se no Rio, prosseg111ndo por via marítima aré Pardti
d ura,ao dos conrraros depend,a da chegada efetiva d e rais fro tas. p,ira d,IÍ penetr.ir na c,1piran1.i de s;¡o Paulo, por onde se ,1lca n~avam as á reas mincradoras. E.
2
0s con traros das entrad as, também denominados Mdos caminhos", referiam-se ao pagam ento CXdtamen re cm sna pnme1r,1 c t.ipa q ue ele é "c,1prurado" peb nossa fonre .
de ~mposros das rnercadonas q ue rnm para as áreas minerado ras. Trata va-se de nm a espécie d e 5Urili:wmos ncste rcxro o rermo ·• ncgocunrc" como sm6111rno de" homem de negócio". Ambos
:1lfandega in rem a, e esse 1mposro era cobrndo nos reg1srros existentes nesses c:1mmhos. os rermos ,crvcm, por s11,1 vez, p,1r,1 dcs1g11.1r os mcmbros dd clire mercan ni.

7 6 7 7
Q ANIIVU l'\CUIMC AV> l"Vrl'-'-'> """" ''~"'"'•~,...''" ' ''-"'"""'.,,..,u, .,..__~,_ ,..
CAPÍTULO 2

QUADRO 1: PARTICIPA<;ÁO POR REGIÁO DOS HOMENS A primeira conclusáo a que nos leva o quadro 1 é que os negociante s
DE NEGÓCIO DO RIO DE JANEIRO NO TOTAL cariocas estavam longe de monopoliz ar o trato mercantil. Muito pelo
DAS FIAN<;AS CONCEDIDAS (1724-1730) contrário, se tomarmos sua participa~áo nessa documenta ~áo como um
índice relativamen te seguro de sua atua~áo, veremos que eles respondi-
REGIÓES FNI 1 FHNl %
am, no total, por pouco mais de 1/5 das fian~as de embarca~ó es com
Sul fluminense 401 25 6,23
destino identificado . Os dois homens de negócio com maior número <le
Gibo Frío 60 15 25,00 fian~as, Antonio de Araújo Cerqueira e Manuel Coelho do Prado, pos-
Campos 185 38 20,54 suíam no total sessenta fian~as (32 e 28, respectivam ente), táo-soment e
Espirito Santo 35 5 14,29
4,9% do total.
Litoral p,mlista 130 27 20,77
Vista por outro angulo, essa participa~á o tímida dos negociante s de-
Sul do Brasil (1) 3
31 6 19,36 monstra a grande importanci a do pequcno capital mercantil na pra~a
Subtotal 1: até 1.000 km 842 116 13,8 carioca, reproduzin do assim um tra~o estrutural do sistema mercantil
4
Sul do Brasil (2) 8 2 25,0 lusitano (Almeida, 1986, 951-972). Também Rae Flory, estudando o
Colonia de Sacramento 50 32 64,00 comércio de Salvador na mesma época, encontrou aí urna grande difu-
Pernambuco 69 17 24,64 sáo da atividade mercantil, da qual participava m os mais diversos gru-
Nordeste5 18 6 33,33 pos da sociedade colonial (Flory, 1978, p. 217). Em nossas fian~as, isso
Bahia 110 48 43,64 fica claro ao verificarmo s que muitos dos fiadores tinham ocupa~óes
Subtotal 2: de 1.001 a 3.000 km 255 105 41,2 principais a princípio bem distintas da atividade mercantil. Tal é o caso,
Ilhas Atliinticas 47 20 42,55 por exemplo, do mestre alfaiate Domingos Pires, que em 1728 foi fia-
Portugal 46 23 50,00 dor de Joáo da Costa, mestre de urna lancha que ia a Parati (Fian~as, fev.
Angola 33 17 51,52 de 1728).6 Ou do sapateiro Manuel Ferreira, que deu fian~a ao menos
Costa da Mina 2 1 50,00 em duas ocasioes (1727 e 1728) para lanchas destinadas a Campos e Bahia
Subtoral 3: + de 3.000 km 128 61 47,7 (Fian~as, out. de 1727 e set. de 1728).
TOTAL 1225 282 23,02 Trabalhand o com os homcns de ncgócio da pra~a de Lisboa da segun-
Fon re: AN, Colcr;fo Sccretdíld de Esrado do Brasil, Cód. 157, Fianr;as de emb.ucar;óes, vols. 1 a J da metade do século XVIII, Jorge Pe<lrcira é obrigado a reconhccer que
(1724-1730). estes náo monopoliza vam o comércio ultramarino , scja no que se refere
OBS.: 1- FNI: fidn~dS com nomes e reg1ócs de dcmno 1dennficJvc1s; 2· FHN: Fidni,as concedidds
por homens de negóc10 ; J. S111 Jo Br,1s1I (1 ): P.u.in~; 4- Sul do 8rdsil (2): S,11tt.1 Cat.ir111,1; 5- Exclu- ao O riente, scja no que tange a sua colonia americana. Mais ainda, ele
111Jo B.tht.t e Penumbnco. mostra que essa" náo-monopoliza~áo" nao se clava por falta de capacida-
de financeira, já que o investimento dos negociantes lisboetas no comér-
Tomando sempre o cuidado de considerar os percentuais acima como cio como Brasil e demais domínios portuguese s náo ultrapassav a 20% do
mínimos, visto náo podermos assegurar que identificamos todos os ho-
mens de negócio da pra~a carioca, podemos afirmar que os dados que nos
sáo apresentado s pelas fian~as permitem urna pnme,ra aproxima~á o da •P,tr,1 m,uores Jeulhes sobre., .,rn.,,;~o do pcqneno cdp1ul mercan ni c.u1oc,1 11,1 pnme1r,1 me-
forma de atua~áo da elite mercantil local. tAde Jo século XVlll, ver o CA pirulo 5 de 11o~s.1 tese (SAmp.uo, 2000).

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CAP Í TULO 2 o ANTI GO R EGIM E N OS TROP I COS A DINAMICA IM~tHIAL ~UKIUUUC>"

valor de seus capitais próprios mobilizáveis. A principal causa desse apa- Colónia de Sacramento), devido tanto a sua importancia no conjunto do
rente desinteresse era o caráter conservador da atua~áo da elite mercantil sistema mercantil como a seu papel na reitera~áo da pró pria sociedade
lisboeta, que evitava concentrar seus recursos em ramos mercantis táo colonial .
lucrativos quanto arriscados (Pedreira, 1995, p. 117). Logo, náo <levemos . Por um lado, ternos as ilhas atl anticas, e sobretudo Portugal, de onde
considerar a pequena participa~áo dos homens de negócio do Río de Ja- vinham manufaturas e alguns alimentos para a sociedade colonial mas,
neiro no total de fian~as como um sin toma de fraqueza, mas sim de uma principalmente, para onde se dirigía boa parte da produ~áo da América
clara estratégia de atua~áo. Essa estratégia evidencia-se quando analisa- portuguesa. Aqui se enquadra também o comércio com a Colónia de Sa-
mos os diversos graus de sua participa~áo nas fi an~as concedidas para cada cramento, importante fonte de cauro e prata que em parte eram reexpor-
urna das regióes. tados, mas também se destinavam ao consumo interno e mesmo ao
A presen~a da elite mercantil é menor, exatamente, nas fi an~as re- comércro com outras regióes.7 Quanto ao comércio com a Bahia, estepa-
feridas a áreas náo vinculadas de for ma di reta ao sistema atl antico por- rece estar ligado principalmente a aquisi~áo de artigas de grande impor-
tugues (su! flumi nense, Espíri to Santo, Campos, su! do Brasil, Cabo tancia tanto para a capitanía flumi nense quanto para as áreas mineradoras,
Frío e litoral paulista). A exce~áo é Pernambuco, área de grande im- como o tabaco e os produtos orientais.8
portancia no contexto imperial, mas na qual os negociantes cariocas Por fim a África, onde a presen~a dos negociantes chega a metade do
aparecem po uco. Em rela~áo ao su! fluminense, há um q uase to tal de- total de fian~as destinadas ao continente. A importancia do continente
sinteresse por parte dos homens de negócio, com sua participa~áo ca- africano para a sociedade colonial é evidente, visto ser ele o fornecedor
indo a pouco mais de 6% do total de fi an~as. Este era um comércio por excelencia dos bra~os demandados. Portanto, o domínio dos homens
quase diário, de pequena monta e, por isso mesmo, baseado em em- de negócio sobre tal eixo mercantil, conforme apontado pelas fi an~as, sig-
barca~óes de baixa tonelagem. Destinava-se, sobretudo, a redistribuir nificava o controle, pela elite mercantil carioca, da própria possibilidade
as mer cadorias oriundas do tráfico atlantico (principalmente escravos de perpetua~áo de tal sociedade.
e mercadorias européias) para algumas regióes subordinadas a pra~a

~
A grande importancia dos homens de negócio no comércio marítimo
carioca (Sampaio, 2000, cap. 3). Lembremos que nossas fi an~as náo também confirmada pela análise das escrituras de compra e venda de
cobrem o "caminho novo" que ligava o Rio de J aneiro as minas. Náo mbarca~óes.
sabemos, portan to, qua! era a participa~áo dos negociantes naquela que
era, ao que parece, a principal via de acesso as regióes mineradoras.
Contudo, se considerarmos que as liga~óes com essas áreas ainda eram
feítas, ao menos em parte, pelo caminho velho, ternos de reconhecer 7Na pnmeira metade do século XVIII, a Colónia de Sacramento, fundada em 1680 no esrná-
que a part1cipa~áo de tais comerciantes nessa rota comercial é intri- rio d o Rio da Prara, era nm im porunrc entreposto comercial da América porrugucsa, sobreru-
gantemente baixa. do co mo via de conrrabando de prata oriunda do Império espanhol. Nesse período o Rio de
Janeiro surge como principal destino desse comércio, a ral ponto qne a qnanndade de prara
Para que compreendamos a razáo do desinteresse por esse comércio chegada a Lisboa através da pra~a ca n oca provoca protestos de Madn (Sampaio, 2000, p.
de redistribui~áo é necessário que retomemos nossa análise do quadro 1. 174).
Por ela, vemos que os homens de negócio possuíam urna participa~áo con- 'Aparente men te, o comérc10 da Amén c:1 porrugnes.t como O riente, dnranre a primeira mera-
de do século XVIII, continuou a ser fe íto fu ndamentalmente pela Bahía (Subrahmanyam, 1995,
siderável nos circuitos mercantis que podemos considerar como os mais pp. 257-304). Q ua nto ao tabaco, é importan te notar q ue sen cultivo escava pro1b ido na capi-
significativos (ilhas atlánticas, Bahía, Portugal, Angola, Costa da Mina e tanía flum111 ense desde o fina l do século XVII (Sampaio, 2000, cap. 3).

8 O 8 1
C APIT UL O 2 O ANTIGO REGIME NOS TROP IC O5 A OINAMICA IMP tK I AL l'UKIU<JUC>A

siderável dos produtos necessários a própria subsistencia de suas socieda- j Ém segundo lugar, é necessário considerar que a participa~áo no
des. A importancia desse eixo mercantil era ainda mais evidente no caso comércio interno náo se clava necessariamente de forma direta, mas
do Brasil e das demais colonias cscravistas que dependiam do tráfico atlan- * im por meio daquilo que Joáo Fragoso e Manolo Florentino chama-
tico para garantir a reposi!;áO de parcela considerável de sua máo-de-obra9
(Fragoso, 1992, p. 179). Era também no mercado externo que parte subs-
Ll am de "cadeia adiantamento/endividamento" (Fragoso & Florentino,
1993, p. 89). Em outras palavras, por sua atua~áo no comércio ultra-
tancial da produ~áo colonial realizava scu valor. Assim, a atua~áo nesse marino, os negociantes cariocas recebiam alguns dos produtos mais
ramo mercantil era a chavc para o controle do próprio comércio colonial importantes para o abastecimento interno, e os repassavam em adian-
interno. Tal fato foi apontado por Rae Flory ao perceber que a atua~áo na tamento a terceiros, geralmente também comerciantes, que ficavam
distribui~áo interna dos produtos adquiridos no exterior era um tra~o responsáveis por sua comercializa~áo direta. Era exatamente esse adi-
importante da atua~áo dos negociantes baianos (Flory, 1978, p. 220). ~ antamento que garantía a subordina~áo daquele que recebia a merca-
A pr1meira vista pode parecer contraditória a defesa da importancia doria ao homem de negócio e, em conseqüencia, a participa~áo desse
da elite mercantil carioca no comércio interno após termos visto seu pou- no mercado interno. Ou seja: era a atua~áo no comércio atlantico que
co entusiasmo com a navega~áo de cabotagem mais típica, ligada a garantía o controle da estrutura mercantil do Centro-Su! da América
redistribui~áo dos produtos de origem ultramarina. Entretanto, aqui ca- portuguesa por parte dos negociantes sediados no Rio de Janeiro e,
bem duas observa~óes[Á primeir~ que esse pouco entusiasmo náo signi- conseqüentemente, seu acesso privilegiado ao ouro das Gerais. Nesse
fica o abandono dessas rotas comerciais. Pelo contrário, é preciso termos sentido, é inegável que tais negociantes estavam situados numa das mais
em conta que urna das mais importantes características da atua~áo dos lucrativas encruzilhadas do lmpério portugues na primeira metade do
negociantes no período era a diversidade dos interesses mercantis. Ao fa- século XVlll, servindo como a principal ponte entre as regióes auríferas
zermos urna análise nominal dos fiadores, vemos que a elite mercantil e o comércio ultramarino.
carioca se caracterizava por urna participa~áo nos diversos ramos do co- A respeito dessa rede de endividamento, o mais significativo documento
mércio, inexistindo qualquer tra~o de especializa~áo. Tomemos como 1 de que dispomos se refere já ao final do nosso período, 1748, quando tres
exemplo Antonio de Araújo Cerqueira, negociante que apresenta a maior ~ negociantes (Antonio José da Silva, Francisco Pires García e Gregório
participa~áo individual, como vimos anteriormente. As suas 32 fian!;as, .J Pereira Farinha) pedem moratória para pagamento de suas <lívidas. Os tres
apesar de representarem urna amostra bastante reduzida em rela~áo ao eram ''homens de negócio moradores no Río de Janeiro e todos os 3 sócios
total do quadro 1, englobam praticamente todo o Atlantico portugues: há 14 anos" (AHU, RJ, ca., doc. 13.438, 1748). A argumenta~áo com que
Portugal (2) e ilhas atlanticas (7), Angola (2) e Costa da Mina (1), Sacra- tentam sensibilizar o Conselho Ultramarino e o próprio rei a favor de seu
mento (2), Babia (1), Nordeste (1), Pernambuco (1) e, na capitanía pleito baseia-se no fato de que dispunham de cabedais mais do que sufi-
fluminense, o su! (1), Cabo Frio (1) e Campos (13). Ou seja, só náo en- cientes para atender aos credores, desde que lhes fosse dado tempo ne-
contramos fian~as de Cerqueira para o litoral paulista, Espirito Santo e o cessário para levantar os recursos para sua satisfa~áo.
su) do Brasil. A atua!;áO desse negociante cobre, portanto, as duas pontas O que mais nos interessa nessa documenta~áo é a descri~áo detalhada
~o comércio colonial: o tráfico atlantico de longo curso (coma metrópole, das <lívidas passivas e ativas dos sócios. Segundo consta, todas as suas <lí-
Africa e Colonia de Sacramento} e o comércio interno. vidas passivas eram com pessoas do Río de Janeiro e de Lisboa. Já as <lívi-
das ativas estavam espalhadas por urna ampla regiáo. Gra~as a divisáo
'Para urna análisc mais detalhada do trAíico de escravos no século XVIII, veja-se o capítulo 11
geográfica que apresentam, ficamos sabendo que eles possuíam devedo-
deste hvro. res no Rio de Janeiro, "nns Minns Gerais", Serro do Frío, Goiás, Sáo Pau-

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O ANTIGO RE GI ME N OS T ROP I COS A OI NAM ICA I MPER I AL PORlUGUt!>A

lo, Paracatu, Cuiabá, Angola, Colonia de Sacramento, Rio Grande, nessa interser;áo entre comércio externo e interno está numa representa-
Guaratinguetá e Pitangui. r;áo feita em 1726, reclamando da grande morosidade existente nos ~es-
É importante ressaltar que náo se trata de valores pequenos. Semente pachos da alfandega, que estaría dificultando a liberar;áo das mercadonas.
na regiáo das "Minas Cernís" e Serro do Frio as <lívidas ativas somavam Segundo tais negociantes, a demora os impedía de vender as fazendas em
mais de 17:000$000, enguanto na Colonia de Sacramento a soma das tempo conveniente, e assim poderem enviar pelo menos parte do paga-
fazendas e créditos que aí possuíam chegava a 9:600$000. Além disso mento para os negociantes portugueses que as haviam fornecido, "em cujos
eram donas de "umas partes de duas galeras, que andam para as i/has ; termos fica sendo inevitável o dano que se há de seguir aos do nos das fa-
Angola". No total, seus ativos somavam 203 : 157$700, enguanto as <lívi- zendas, e também a Sua Majestade" (AHU, RJ, ca., doc. 5.270).
das passivas eram de 157:613$614 (AHU, RJ, ca., do. 13.443 e 13.444). Há, é claro, um evidente exagero nos prejuízos causados por tal de-
Portante, o problema dos tres negociantes náo era a falta de ativos mora. Parte considerável da carga, se náo toda, era fornecida a crédito,
com que cobrir as <lívidas, mas o descasamento entre <lívidas passivas de náo havendo assim risco de urna crise de grandes proporr;óes, como os
curto prazo concentradas em semente duas prar;as, o que por si mesmo negociantes tentam demonstrar. O interessante, nesse documento, é a clara
faci litava a cobranr;a, e <lívidas ativas e mercadorias espalhadas por boa sinalizar;áo de que conheciam o papel fundamental que desempenhavam
parte da regiáo centro-su! da América portuguesa, e mesmo do outro lado no interior da rede mercantil que ligava metrópole e colonia. A idéia cen-
do Atlántico. A realizar;áo desses ativos (cobranr;a das <lívidas ativas e venda tral é a de que os prejuízos sofridos por eles repercutiriam fortemente tam-
das mercadorias) necessariarnente demandava tempo, o qua] era a pró- bém em Portugal, assim como no interior do Brasil. A importancia dessa
pria razáo do requerimento. atuar;áo no comércio externo nos permite estabelece-la como trar;o fun-
Ternos igualmente outro requerimento de moratória de um negocian- damental na definir;áo das características dos homens de negócio flu-
te do Río de Janeiro, apontando também para a participar;áo no comércio minenses, tal como Rae Flory o fez para a Bahia.
externo e seu papel estratégico para o controle das redes mercantis inter- O que nos interest.a é ressaltar a direr;áo do crédito nesse sistema mer-
nas da América portuguesa. No início da década de 1730, Manuel da Sil- cantil. Ele tem sua origem na capital do lmpério, Lisboa, e na própria ci-
va Chellas pede moratória de quatro anos para pagamento de suas dívidas. dade do Rio de Janeiro, e daí desloca-se para o interi o r da América
Como os tres negociantes anteriores, Chellas declara ter credores em portuguesa. É importante náo perder de vista que essa cadeia de endi-
Lisboa e no Ria de Janeiro, "a quem por cantas ajustadas poderá dever vidamento significa, acima de rudo, urna relar;áo de subordinar;áo entre
60. 000 cruzados [24:000$000], porém o suplicante tem com que pagar a os diversos agentes nela envolvidos, bem como entre as diversas regióes.
dita quantia, por ser possuidor de várias moradas de casas e de navíos, que Para citarmos apenas um exemplo, vemos que o papel central do Rio de
tudo poderá valer o m elhor de 150.000 cruzados [60:000$000]". Além Janeiro na economía brasileira do início do século XIX é baseado, em
disso, Ch ellas afirma ser "um dos principais homens de negócio (.. .) da- grande parte, no fato de seus maiores negociantes estarem na ponta inicial
que/a pmfa, com muitos créditos ne/a e toda a sua capitanía, e com todo 0 da cadeia de endividamento que unia boa parte do Atlántico Sul (Fragoso
Estado do Brasil, e niio menos neste reino". Essas <lívidas ativas somariarn & Florentino, 1993, pp. 89-100).
mais de 30 mil cruzados (AHU, RJ, ca., docs. 8.028/8.035, 1733). Mais Para o nosso período, há um documento muito interessante, citado
urna vez trata-se de urna rede de endividarnento que tem sua ponta inicial por Júnia Furtado, sobre urna tentativa da Coroa de impedir o seqüestro
no eixo Río-Lisboa, a partir do qua] se estende para grande parte da das fábricas empregadas na minerar;áo. Segundo este, "o estilo observado
América portuguesa e mesmo da metrópole. nestas minas, depois que e/as se descobriram até o presente, foi sempre o
Um exemplo mais amplo do papel estratégico dos homens de negócio comprar-se tudo fiado (... ) e nño há coisa nenhuma que se compre que sejn

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CAPITULO 2 O ANTIGO REGIME NOS TRÓPICOS A D I NÁMI C A IMPER I AL PORTU G UESA

com pagamento a vista, seniio fiada" . Logo, a prote<;ao aos mineiros (no as, Balna e Rio de Janeiro, que tinham ligac;óes antigas com Portugal e
sentido de mineradores) os levaria a náo pagar suas <lívidas e, em conse- grupos mercantis já consolidados. E essa ~ e u - s e , d ~ o
qüencia, "todos os credores ficariio perdidos, e por conseqüencia, todos os início, por meio do crédito. Náo é outro o significado expresso pelo
homens de negócio do Rio de Janeiro, Bahia, Pernambuco e Lisboa, de quem documento transcrito pela autora, quando diz que o costume, desde o
siio as fazendas que nestas minas se fiam " (Furtado, 1996a, pp. 138s). Ainda início da coloniza<;áo das áreas mineradoras, "foi sempre o comprar-se
segundo a autora, os negociantes do Rio de Janeiro, Bahía e Portugal ge- tudo fiado". Se essa disponibilidade de crédito foi essencial na ocupa<;áo
ralmente adiantavam estoques ou emprestavam dinheiro para os comer- da regiáo, também cobrou seu pre<;o, transformando-a em área econo-
ciantes mineiros, o que tornava raras as referencias a transa<;óes diretas micamente subordinada. --
entre estes últimos e os comerciantes de Portugal (Furtado, 1996a, p. 144). Por outro lado, a participac;áo nesse comércio de longa distáncia náo
Russell-Wood demonstra que essas rela<;óes entre Rio e Minas faziam comJ é importante somente pelo seu papel estratégico para o controle do co-
que mesmo os mineiros mais afortunados tivessem dívidas com comercian- ~ mércio interno, ainda que isso náo seja desprezível. É importante tam-
tes do Rio de Janeiro, geradas principalmente pela compra de escravos a bém porque representa a possibilidade de participar de transa<;óes com
crédito (Russell-Wood, 1990, p. 282). urna elevada taxa de lucr atividade e, assim, realizar um significativo
Vemos assim que Minas se encontrava subordinada, ein termos comer- acúmulo de capital. As possibilidades de lucro nesse ramo da atividade
ciais, ao Rio de Janeiro, Bahia e, secundariamente, Portugal. Mesmo seus mercantil eram táo consideráveis que Braudel náo tem dúvidas em intitular
maiores comerciantes eram devedores dos homens de negócio dessas re- o subcapítulo em que fala sobre o assunto de "O comércio de longa dis-
gióes. ~ ito aparece aí como o mecanismo fundamental de hiery_- tancia ou a sorte grande". Segundo ele, "o comércio de longo curso cria
quizac;ao no interior da cadeia mercantil. Se por um lado facilita as seguramente sobrelucros: joga com os prefOS de dois mercado:; a(astados
opera<;óes os próprios comerciantes baseados nas regióes auríferas, por entre si e cujas oferta e procura, ignorando-:;e mutuamente, só se encon-
outro ele os insere de forma subordinada numa longa cadeia de interes- tram por intervenfiiO do intermediário. Seriam necessários muitos inter-
ses, baseada no binomio adiantamento/endividamento. m ediários, sem ligafiiO entre si, para que a concorrencia de mercado
Discordamos de Furtado, no entanto, quando a autora dá a enten- (uncionasse" (Braudel, 1995, p. 357).
der que pelo menos em parte essa dependencia mineira estaría ligada a Em rela<;áo ao comércio Portugal-Brasil, seria absurdo falar em mer-
maior facilidade dos comerciantes estabelecidos nos portos em ter aces- cados que se ignoram mutuamente. Mesmo assim, o que nos parece fun-
so aos créditos viudos do reino (Furtado, 1996a, p. 145). Parece-nos que damental para definir a existencia de sobrelucros é a dependencia de ambos
a geografía física pesa muito pouco no estabelecimento das hierarquías os mercados aos intermediários, que sáo necessariamente poucos (se con-
económi cas. Se assim fosse, os comerciantes da Cidade do México, situ- siderarmos somente os que atuam com regularidade), devido as dificul-
ados no Vale Central, nao controlariam a economia da Nova Espanha dades de participa<;áo nesse ramo mercantil, seja pela necessidade de urna
(Kicza, 1986), assim como o Rio Grande do Sul nao se encontraría, como grande disponibilidade de capital, ou mesmo de acesso, seja pelos riscos
era o caso, subordinado ao capital mercantil carioca desde o início de envolvidos.
sua colonizac;áo, como táo bem demonstrou Helen Osório (Osório, 1999, A atua<;áo dos homens de negócio nessa atividade mercantil clava-se
caps. 6 e 7). por meio das sociedades que formavam entre si. Recuperamos um total
De fato, as características da geografia económica resultam de um de setenta escrituras de "companhia e sociedade", como eram mais
processo histórico bastante complexo. Minas se encontrava subordina- comumente chamadas. Desse total, 33 (47, 14% ) referiam-se a sociedades
da porque, desde seu "nascimento", entrara na órbita de duas capitani- com fins comerciais, das quais 21 (63,64% das escrituras de sociedades

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CAPÍTULO 2 O ANTIGO REGIME NO S TRÓPICOS A DINÁMICA IMPER I AL PORTUGUESA

comerciais, o u 30% das escrituras totais) ligadas ao comér cio externo e Já o comércio interno a América portuguesa (mas também o comércio
12 ao com ércio interno (assim entendido aquele realizado no interior da com Angola) possibilitava urna informalidade maior, por urna razáo q ue
América portuguesa). talvez passe despercebida: em geral, aq ueles que se associavam para tal
Em q uase todas as escrituras, a forma de organizai;áo d a sociedade era atividade residiam, e permaneciam residindo, na mesma pra~a. Era o des-
a mesma: enviava-se um o u m ais sócios a Lisboa, de onde este (s) deveria locamenro de um ou mais sócios para outra cidade que levava a fo rmas:áo
(am) r emeter as m ercadorias a ser em comercializadas aqui. É o caso da de sociedades. Isro é com provado pelo faro de que, em pelo menos dez
sociedade formada em 1743 entre Joáo Álvares Cauto, Anto ni o Álvares das 12 sociedades formadas para o comércio in terno, um de seus mem-
da Costa e Domingos Álvares Cauto, com durai;áo de "oito frotas, que bros partia para determinada regiáo (em ger al as "minas do ouro"), onde
terño princípio na prim eim frota que de Lisboa vier" no ano de 1744. J oáo r eceberi a as mercadorias que lhe seriam enviadas pelo sócio que perma-
Cauto fo i e ntáo par a Lisboa levando o capital inicia l d a companhia neceria n a cidade do Rio de J aneiro.
(12 :0 00$000), com a obrigas:áo de empregá-lo na própria cidade, con- É o caso de Vital Casad o Rotier e Félix Casado Rotier, que em 1714
form e sua escolha "ou peln receita que /he mandnrem". Os lucros d everi- formam urna com panhia "destn cidade para ns minas do ouro" (AN, CSON,
am ser enviados para o Rio de J an eiro (AN, C PON, L. 109, f. 44). L. 2 0, f. 5 ). Félix dirigiu-se as minas com urna carregai;áo que já fazia parte
C uriosamente, náo en contram os sociedades d estinadas ao tráfico ne- do capital da sociedade, e lá receberia novas mer cadorias enviadas por
greiro angolano, embora este se encontrasse em crescimento (Miller, 1999), Vital . Essa escritura também é repr esen tativa pelos personagens envolvi-
ou ao comércio com a Colonia de Sacramento, a qual, conforme observa- dos, já que nenhum dos dois aparece como homem de negócio, sendo Vital
mos nas fi an s:as, os hom ens de negócio d o Rio estavam profundam ente tratado com o "doutor". Na verdade, só r ar amente homens de negócio
ligados. 10 A razáo para isso <leve ser buscada, ao nosso ver, nas próprias faziam sociedades com essa finalidade.
características de tal comér cio. Retornemos aoque foi dito anteriormen- É extrem amente significativo que a única escritura encon trada de mna
te a sobre o número de sociedades com erciais. As sociedades destinadas sociedade for mada com a finalidade de t ráfico de escravos tivesse como
ao comércio externo (l eia-se comércio com Portugal e ilhas atla nticas) área de destin o a Costa da Mina, regiáo na qua) nao havia urna ocupai;áo
com p unham quase 2/3 d o total de sociedades comerciais. O ra, dadas as p ortuguesa per manente, e o tráfico era feito fundamentalm ente pelo con-
suas especificidades, apontadas acima, o com ércio externo - ou, num tato com outr as potencias européias. Náo era possível, portanto, a cons-
sentido m ais amplo, de longa distancia - era necessar iam ente realizado tru~áo de circuitos mercantis mais duradouros. 11 Em 1712, Manuel Casado
por um número menor de pessoas que o com ércio interno. Logo, se ainda Viana, Joáo de Oliveira, Joáo Cherem, Rafael G louston e Thomas Bound
assim é o comércio externo que exige m ais freqüentemente a r ealizai;áo (estes dois últimos ingleses) decidiram se unir para trazer tr ezentos escra-
d e escrituras, é porque ger almente dem anda a crias:áo de m ecanism os vos da regiáo. Como administr ador do r esgate dos escravos é enviado
fo rmais que r egulem a r elas:áo entre os sócios. O que náo é difícil de en- Bound, que recebe com issáo de 10% de todos os escravos "que chegarem
tender, dado o fato de que um deles ger alm ente era deslocado par a Portu- vivos a este porto" (AN, CSON, L. 17, f. 93v ),
gal, sendo assim necessário estabelecer em que bases se dariam os con tatos Essa escr itura é exemplar no que se refere a autonomia da elite mer-
entre os dois lados do Atlantico. cantil carioca no estabelecimento de suas relas:óes comerciais. A socieda-
de faz um ajuste com a Companhia da África de Londres para que esta

'ºPara comprovar o inceresse da elite mercan til canoca pela Colónia, ver, por exemplo, AHU,
RJ, ca., doc. 6.187 - Represenrn)ao dos negociantes da pra)a do R10 de Janeiro sobre os "É importante lembrar qne em 17 12, daca da escritura aqu1 referida, aind,1 u;¡o ex1St1,1 o force
dire1cos q ue pagav,un dos conros procedentes da nova Co lón1a do Sacr,,mtnto (1729). pormgnes de Ajudá. Sobre a constru)fo do mesmo, ver Vergcr, 1987, pp. 130-1 37.

9 O 9 1
CAPITULO 2

abrigue seus feitores na dita costa a suprirem o navío. Em troca, passa Leitáo, António Lobo Guimaráes, Domingos Correia Bandeira, António
letras para a companhia inglesa resgatar em Lisboa. As letras náo devem da Silva Pinheiro, Luís lnácio Pinto Banhos, Joáo Ramos Queiroz Yiana e
ser pagas se a companhia receber, em ressarcimento pelos escravos, "afú- José Ramos de Araújo em 1739 (AN, CSON, L. 51, f. 127v), todos ho-
car, azeite, vinhos, tabacos ou outro qualquer género de (azendas de Lis- rnens de negócio na pra!Ja carioca. Como nos casos citados, ternos o en-
boa para Londres, Amsterdam, Génova, Lion, Venezn ou qua/quer outm vio de um dos sócios para Portugal (Manuel Leitáo), o qual fica responsável
parte". Para pagamento dos cativos passam letras sobre José Glouston, pelo envio de mercadorias para o Rio. Leitáo também é autorizado a to-
morador em Lisboa. Tais letras só sáo válidas se assinadas por Thomas mar empréstimos, desde que a taxa de 6,25% ao ano. A escritura visa
Bound na Costa da Mina. Estamos <liante, portanto, de urna sociedade somente a normatizar a rela!ráo entre os sócios, sem estabeleccr qualquer
formada por urna mescla de ingleses e luso-brasileiros, que estabelece re- hierarquia entre os mesmos.
la!róes diretamente com urna companhia inglesa, sem qualquer tipo de Contudo, a escritura mais significativa é a feíta entre Domingos Ferreira
intermedia!ráO da elite mercantil lusitana. da Veiga, Simáo de Freitas Guimaráes, Jacinto Dias Braga e José Ferreira
Outra fo rma de sociedade era a estabelecida entre irmáos que se da Yeiga, também em 1739. O valor da sociedade é bastante cxpressivo:
dividiam entre Portugal e o Rio. Segundo Jorge Pedreira, essa era urna 60:000$000. Com esse montante era possível, por exemplo, adquirir apro-
prática comum na metrópole, que podia se dar pela rela!ráO informal ximadamente seis engenhos de a~úcar na capitania fluminense no mesmo
entre os irmáos ou, até mesmo, levar a constitui!ráo de sociedades for- período (Sampaio, 2000, cap. 2). O aspecto mais significativo dessa socie-
malmente constituídas (Pedreira, 1995, pp. 242-253). Júnia Furtado dade é que Jacinto e José eram dois dos mais importantes membros da
mostra como Francisco Pinheiro, grande negociante portugues da pri- elite mercantil lisboeta do período (Pedreira, 1995, 166). Apesar disso,
meira metade do século XVIII, construiu urna rede de corresponden- náo há na escritura o estabelecimento de nenhuma hierarquía entre os
tes no Brasil, formada, entre outros, por um irmáo e sobrinhos (Furtado, mesmos e os negociantes cariocas, Domingos e Simáo. A escritura, de fato,
1996a, pp. 60-78). tem as mesmas características das demais no que se refere a defini!JáO da
Em nossa documenta!Jáo, esse tipo de sociedade é pouco visível, dado atua!ráo dos sócios.
o próprio tipo de fontes com que trabalhamos. Urna das exce!róes é urna Por outro lado, encontramos somente urna escritura em que os ho-
denúncia de contrabando. Em 1731, o governador acusou Inácio de mens de negócio participantes se declararam comissários: em 1731 José
Almeida Jordáo, homem de negócio do Río de Janeiro, de contrabandear Cardoso de Almeida e José Brim formaram urna sociedade para fazerem
ouro para Lisboa, onde vivía seu irmáo, Joáo Mendes de Almeida, que juntos a administra!ráo das mercadorias que recebiam como comissionários,
era negociante na Corte (AHU, RJ, ca., doc. 6.786/9, 1731). Já em 1742 "de Lisboa e mais partes de Portugal, Jlhas, Angola, partes desta América
vemos a forma!ráo de urna sociedade entre J oáo Gomes de Campos, Ma- e mais partes" (AN, CSON, L. 41, f. 189v).
nuel Gomes de Campos, Geraldo Gomes de Campos e Joáo Gon~alves Tais escrituras nos mostram como os negociantes sediados no Rio de
Silva (AN, CSON, L. 54, f. 228). Entre os sócios, pelo menos os dois pri- Janeiro estruturaram sua rede comercial. A particip~~áo no comércio de
meiros eram irmáos, sendo que Manuel vivía em Lisboa, onde seria o cai- longa distancia demandava o estabelecimento de rela!Jóes contínuas, e
xa da companhia e de onde enviaría as "carrega~óes" para os demais sócios, portanto de confian~a, entre os indivíduos que nele atuavam. Estas rela-
situados na pra!ra carioca. ~óes podiam ser simplesmente a de correspondentes ou comissários, 12 que
Mais freqüentemente, porém, os membros das sociedades destinadas
ao comércio exterior náo possuíam la~os de parentesco (ao menos apa- 110 rrnbalho de Júni.1 Furrndo d.i bons exemplos dessc tipo de relA~lo , nA quAl mmus vezes

rentes) entre si. Talé o caso da sociedade formada entre Manuel Rodrigues havia clara subordina~iio de urna das parces: Furtado, 1996.1.

9 3
9 2
CAPITULO 2 O ANTIGO REGIME NOS TROP I COS A DINÁMICA I MPER I A L PORTUGUESA

pos mercantis situados nos dois principais porros coloniais, os quais náo buscando ao máximo reduzir riscos, mesmo que isso represente menores
pretende, ou melhor, náo é capaz de retirar de cena ou subordinar. 13 lucros, já que esses eram obtidos em grande parte no comércio de longa
distancia. É necessário sublinhar que esses dois fatos (redu~áo dos custos
e dos riscos) permitiam um acesso mais fácil dos homens de negócio (mas
B) PADROES DE INVESTIMENTO E FORMAS DE ACUMULAc;Áo DOS náo somente deles) ao comércio de longa distancia.
HOMENS DE NEGÓCIO As sociedades funcionavam como importante instrumento de acu-
mula~áo de capital. Isso fica claro na diferen~a entre a participa~áo de
As sociedades, como buscamos demonstrar antes, constituíam um cada um dos sócios no capital inicial da mesma e a divisáo dos lucros.
importante instrumento de atua~áo dos homens de negócio náo sornen- Freqüentemente, elas representavam associa~óes entre capital e traba-
te no R_io de Janeiro como em todo o lmpério colonial portugues, ocu- lho, cuidando o sócio capitalista somente de garantir sua participa~áo
pando um lugar de destaque na própria organiza~áo comercial da época nos lucros, enguanto o(s) outro(s) responsabilizava(m)-se por toda a ad-
moderna. Náo serviam somc nte para que os grandes co merciantes ministra~áo do comércio (ou outra atividade) de que era objeto aquela
normatizassem suas rela~óes mercantis. Eram igualmente um importan- sociedade.
te instrumento para a própria capacita~áo destes para intervir nos eixos Das 33 sociedades com fins mercantis a que nos referimos, possuímos
mercantis. dados sobre a divisáo do capital inicial para 26. Em 13 (exatos 50% do
Em primeiro lugar, essas sociedades representavam urna divisáo do total), essa divisáo era desigual, com alguns sócios entrando com menos
capital necessário ao investimento entre diversos sócios, reduzindo assim capital do que outros, ou mesmo com nenhum. É o caso da sociedade (iá
a parcela a que cada um estava obrigado a responder. Como conseqüen- citada) entre Joáo Comes de Campos, Manuel Comes dos Campos, Ce-
cia, reduzia-se igualmente o risco individual. O resultado final era urna raldo Comes dos Campos e Joáo Con~alves Silva. Os dois últimos sócios
participa~áo relativamente baixa dos investimentos no comércio de longa náo entram com capital algum mas sáo os responsáveis pela sua adminis-
distancia nas fortunas dos homens de negócio. Em Lisboa, como vimos, tra~áo no Rio, ficando Joáo Comes com o papel de supervisáo, o que
só 20% dos capitais próprios mobilizáveis dos negociantes locais estavam demonstra também o caráter de aprendizado freqüentemente presente em
alocados nesse setor da atividade mercantil. É evidente que náo podemos tais sociedades. Embora náo seja mencionada a participa~áo percentual
extrapolar tal resultado para a pra~a carioca do início do século XVIII, desses dois sócios nos lucros, fica definido que estes seráo divididos no
mas ele nos serve para uma aproxima~áo da lógica que guiava o compor- final da sociedade (que tinha prazo de seis anos), ao mesmo tempo em
tamento económico de tais negociantes. Mais importante ainda, porém, é que Ceraldo e Joáo Con~alves ficavam proibidos de retirarem comissóes
o que esse baixo comprometimento nos revela sobre a mentalidade eco- para s1.
nómica dessa elite mercantil: seu caráter fundamentalmente conservador , Outro bom exemplo desse tipo de associa~áo é a sociedade formada
entre Joáo Teixeira de Macedo e seu tio, Ricardo Teixeira de Macedo,
em 1739 (AN, CSON, L. 51, f. 25), embora aparentemente ambos náo
llPara o caso do Ria de J,rneiro 11.1 prnne1r,1 meude do setece11ros, 11.io e11co11tramos 11 a d ocu-
fossem homens de negócio. Ricardo empresta para]oáo um total de mais
me11ta~Jo 11e11hnma te11rativa por p.trtc d.1 clirc merropo liran,1 110 se11tido de alijar os homc 11s
de 11eg6cio ca riocas on snbo rdi11:í-los ao sen i11tercssc. Em relac;ao il Bahía, h,í 11m pro¡ero dos de 1.900 oitavas de ouro para este investir no comércio do Rio de Ja-
negociantes metropo litanos de co11trol.1r o tráfico coma Cost.1 da Mma, o q na l fra cassa dev 1- neiro para Minas. A escritura náo é muito clara, mas aparentemente Joáo
d o tanto~ fragilidade esrrnrnral dcssc grupo mcrca11ul qnanto ao co11trole excrc,do pelos ho-
sairia das "minas do ouro", onde morava, para o Rio a fim de comprar
mcns de negócio baianos sobre a ofcru de t.1b,1co, mocd.1 de traca fn11damenral no co mércio
com essa regiao africana (Sampa10, 2000., p. 149; Verger, 1987, pp. 57ss). fazendas, que enviaría entáo para o tio, que permanecería nas minas.

9 6 9 7
Q ANl l (.JU Kt\JIMt. NV) IHUl"'l(..U) A UINA MI \...A IMl"t. KIAL .,..UKIUUUC.>"'
CAPÍTULO 2

Mais urna vez, estamos <liante de urna divisáo exata entre capital e tra- boa pombalina e pós-pombalina, onde tais arremata<;óes eram um dos
balho. Embora Ricardo argumente que empresta o dinheiro para Joáo mecanismos fundamentais de forma<;áo da elite mercantil, esta náo as
"tratar de seu negócio, pelo querer ajudar por ser seu parente", a estrutu- monopolizou (Pedreira, 1995, p. 123).
ra da sociedade repete as práticas mercantis correntes, tanto na pra<;a . Para o caso do Río de Janeiro, náo é possível fazer a análise da parti-
carioca quanto do outro lado do Atlantico (Pedreira, 1995, pp. 395ss). cipa<;áo percentual dos homens de negócio no valor total dos contratos,
Pode-se imaginar o quanto essa forma de participa<;áo na atividade mer- visto que náo ternos dados de todos os contratos, para um único ano, em
cantil era importante para a acumula<;áo de capital por parte dos comer- que haja, igualmente, o nome dos contratadores. Mesmo assim, urna aná-
ciantes. Como nos mostra corretamence Jorge Pedreira, o mais difícil j lise qualitativa nos mostra que tais negociantes arrematavam todos os ti-
pos de contratos, inclusive o mais importante de todos em valor, o da
náo era chegar ao topo da carreira mercantil, mas sim aí permanecer
(Pedreira, 1995, p. 136). dízima da alfandega. Assim, vemos por exemplo que, em 1732, Gaspar
Essa fluidez do carpo mercantil do lmpério lusitano, essa estrutura que Caldas Barbosa, homem de negócio da pra<;a carioca, era o arrematante
tinha o que podemos denominar de urna "arquitetura aberta" sempre dis- <leste contrato, como valor anual de 107:600$000, ou 53% da receita
posta a receber novos elementos, náo era importante somente para a re- total da capitanía no mesmo ano (AHU, RJ, ca., docs. 7.389/7.390).
nova<;áo do corpo mercantil. Significava igualmente a possibilidade, se O segundo contrato em importancia financeira, embora muito abaixo
ampliarmos nosso angulo de visáo, de constitui<;áo de grupos mercantis da dízima da alfandega, era o dos dízimos reais. Também aí encontramos
significativos e, sobretudo, independentes daqueles situados na capital do homens de negócio do Río de Janeiro. Em 1712, ou seja, logo após a in-
Império, nas pra<;as mais importantes das "conquistas", como era o caso vasáo francesa, o contrato é arrematado pelo capitáo Domingos Francis-
do Rio de Janeiro e Salvador. co de Araújo sob o valor de 13:333$333 anua.is, a ser dividido com o
Outro aspecto importante da atua<;áo dos homens de negócio cario- também homem de negócio José Mendes de Carvalho e mais outros tres
cas na primeira metade do século XVIII era a arremata<;áo de contratos moradores no Rio (AN, CSON, L. 18, f. 65).
(cf. capítulo 3 ). Seria táo exaustivo quanto desnecessário citar aquí os diversos con-
O estudo dessas arremata<;óes apresenta algumas limita<;óes, princi- tratos assumidos pelos homens de negócio da pra<;a carioca. O que que-
palmente quanto ao nome dos arrematadores, nem sempre disponível. remos é simplesmente ressaltar a constante presen<;a desse grupo na
Mesmo assim, foi possível levantar o nome de 87 deles para a primeira arremata<;áo dos diversos contratos referentes a capitanía fluminense, o
metade do século XVIll. 14 Desse total, pelo menos 25 (29%) eram ho- que é indicativo de sua capacidade financeira. É preciso ressaltar que a
mens de negócio sediados no Río de Janeiro. Trata-se, é claro, de um participar;áo nesscs contratos era urna importante via de acumular;áo de
número mínimo, já que a documenta<;áo náo fornece nenhuma infor- capital.
ma<;áo acerca da principal ocupa<;áo dos arrematadores. Assim, a maior Náo dispomos das informa<;óes necessárias para o cálculo, mesmo
parte dos homens de negócio identificados o foram gra<;as ao cruzamento estimado, da lucratividade de tais contratos. Entretanto, as estimativas
de diversas fontes. Seja como for, náo <levemos supor que os homens de feítas para outras regióes e períodos mostram ganhos elevados. No caso
negócio monopolizassem as arremata<;óes de contratos. Mesmo na Lis- de Lisboa, os poucos dados existentes apontam nesse sentido. No caso do
contrato do tabaco, que rendia mais de mil cantos para o Erário Régio,
••o número de contratos postos em arremata~iio variou ao longo do período analisado. Em Jorge Pedreira estima urna lucratividade mínima de quinhentos cantos para
1700 eram dez; em 1732, 14. Os principais eram: contrato dos dízimos, contrato da dízima os arremata.dores, já descontados os gastos. Concluí entáo o autor que "a
da alfiindega, contrato da pesca (sic) de baleias, contrato do tabaco, contrato da dízima do
contrataqiio de rendimentos e monopólios régios constituía, assim, um
couro (AHU, RJ, Ca., doc. 2.400; AN, Colc~ao Vice-Reinado, ex. 750, pacote 1, pp. 4-19).

9 8 99
CAP ITU LO 2 O ANT I GO REGIME NOS TRÓPICOS · A DINÁMICA IMPER I A L PORTUGUESA

poderoso instrumento de acumu/aqiio e de influencia e, como tal, funcio- com terceiros. Um exemplo é o fato de que os mesmos homens de negó-
nava com o um (atar de diferenciaqiio ou discriminaqiio no interior do cor- cio que participam da arrematac;:ao dos dízimos em 1712 (Domingos Fran-
po de comércio, propiciando a formaqiio de urna elite( ... )" (Pedreira, 1995, cisco de Araújo e José Mendes de Carvalho) dividem entre si o contrato
p. 154). de "pesca" de baleias, arrematado em 1714 (AN, CSON, L. 20, f. 111 v).
No Rio Grande do Su! da segunda metade do século XVIII, os ganhos Além disso, o mesmo José Mendes de Carvalho participa da arrematac;:áo,
também eram elevados. Sem dados que possibilitem um cálculo direto da também em 1712, do contrato do subsídio pequeno dos vinhos (AN,
lucratividade, Helen Osório mostra a disparidade na evoluc;:ao do valor CSON, L. 18, f. 132).
da produc;:ao exportada e o da arrematac;:ao de dízimos: entre 1790 e 1797, Trata-se, portanto, de urna elite mercantil bastante ativa, com urna
o valor da exportac;:ao de trigo cresceu 98%, enguanto o valor do contra- participac;:áo efetiva nos diversos tipos de contrato arrematados na capi-
to dos dízimos aumentava só 15% . A mesma disparidade se verifica entre tanía e que, no período seguinte ao do nosso estudo, estende seus interes-
o crescimento da exportac;:ao de cauros e o contrato dos quintos dos cau- ses para fora da capitanía, controlando o Su!. Isso nao deve ser entendido,
ros. Há também estimativas coevas que apontam lucros líquidos bastante porém, como urna ausencia total do capital metropolitano nas arrema-
elevados, de 65 e até 200% por trienio. Tais dados permitem que a autora tac;:óes dos contratos fluminenses. Afirmar a autonomía dos negociantes
conclua que a arrematac;:ao
------...::_
de contratos era urna das melhores (se nao a fluminenses, refletida tanto na sua atuac;:áo mercantil quanto em tais
melhor) alternativas de investimento na colonia (Osório, 1999, pp. 216, arrematac;:óes, nao significa negar o fato de que os mesmos estáo inseri-
223 e 226s). dos num lmpério colonial, e que na cabec;:a desse Império há urna elite
Osório aponta igualmente para o controle exercido pelos homens de mercantil poderosa, a qual naturalmente se interessa por participar em
negócio flumin enses sobre as arrematac;:óes da capitanía sulista. É impor- alguns contratos. É sobretudo no contrato da dízima da alfandega que
tante notar que alg uns desses negociantes já se encontravam atuantes no sentimos mais claramente sua presenc;:a. É assim, por exemplo, em 1738,
Rio de Janeiro desde meados do século XVIII. O exemplo mais claro é o quando Esteváo Martins Torres arremata-o (AN, Livro 2º da Alfandega,
de José Bezerra Seixas, presente na prac;:a carioca desde pelo menos a dé- pp. 75v-78). Torres era um dos gra.i1des negociantes da prac;:a lisboeta, vindo
cada de 1740 (AN, CSON, L. 54, f. 133, 1742), e que em 175 1 arremata a fazer parte do grupo dos maiores comerciantes do período pombalino.
o contrato da dízima da alfandega do Rio (AHU, RJ, ca., doc. 17.803) e O mesmo acorre com José Ferreira da Veiga, já citado, que arremata este
~ em 1756 assume o contrato dos dízimos da capi tanía do Rio Grande contrato em 1745 (Pedreira, 1995, pp. 155-190). De qualquer modo, essa
~ ~ ~ Osório, 1999, p. 207). De tudo isso, fi ca claro que a participac;:ao dos participac;:áo dos negociantes metropolitanos náo parece ter impedido que
... ~
~
.
negociantes fl um111enses
. . arrematac;:óes, al ém de mostrar sua capa-
em ta.is a elite mercantil fluminense controlasse urna parte importante do total de
~ ~ cidade fina.i1ceira, aumentava ainda mais essa mesma capacidade, por ge- contratos. Ademais, vale a pena destacar que náo há nenhum sinal de
'\ rar urna forte acumulac;:ao de capital. monopólio de qualquer dos contratos por um dos grupos mercantis. 15
Entretanto, as arrematac;:óes náo constituíam a única forma de partici- f O utro merca~o de forte atuac;:áo dos homens de negócio flumin enses
pac;:áo da elite mercantil no rendoso mundo dos contratos. Freqüentemente,
o arrematante optava por formar urna sociedade com outros negociantes
llQ que encontramos em vários contraeos fo1 uma a lternancia, sem ordem o u período deíi n1-
o u arrendava partes do contrato. Esse trespasso de partes do contrato do, entre negociantes d o Rio e de Lisboa. O melhor exemplo é o d o j:I citado contra to dA
indica o caráter diversificado da atuac;:áo dos negociantes que buscavam dízima da a líiindega. Ncstc, 1dcnnficamos enrrc os a rremaudorcs pelo menos tres negoc1.1n ·
tes cariocas Uosé Ramos d a Silva , Gaspar Ca ldas füirbosa , José Bezerra ScLXas ) e d ois lisboe-
sempre ampliar ao máximo seu raio de atuac;:áo, tanto para auferir os
tas Uosé Ferreira dA Vciga e Esteviio MartmsTo rres): AHU, RJ, ca., docs. 2.400 4013 . SJ77.
maiores lucros possíveis quanto para diminuir seus riscos, dividindo-os 5885, 7J89/7J90 e cód . 1.169.

1 OO 10 1
CAPITULO 2 O ANT IGO REGIME NOS TRÓPICOS A DINÁMICA IMPERIAL PORTUGUESA

1
era o de crédit~ Aquí, interessa-nos definir qual a importancia das inver- parte dos bens foi perdida com a invasáo francesa. Como, ao menos a
sóes feitas neste item dentro do conjunto das estratégias de atua~áo desse princípio, as <lívidas ativas náo foram perdidas por estarem escritura-
grupo social. 16 das, sua participa~áo real no total de bens devia ser menor. Mesmo
Infelizmente, possuímos muito pouca informa~áo sobre a participa- assim, seu valoré significativo e, mais do que isso, parece encontrar-se
~áo das <lívidas ativas no conjunto das inversóes feitas pelos negociantes. disperso pelo Atlantico portugues. Embora poucas <lívidas tragam o
Mais do que nunca, sentimos a falta dos inventários post-mortem. 17 As- local de residencia dos devedores, encontramos alguns deles em locais
sim, náo nos será possível estabelecer a propor~áo das <lívidas ativas no como Pindamonhangaba, Cidade do Porto, Ilha Grande (atual Angra
total de investimentos da elite mercantil, já que dispomos de muito pou- dos Reis), Ilha da Madeira e Lisboa.
cos exemplos para urna generaliza~áo segura. Buscaremos sobretudo de- Entretanto, o caso mais interessante que encontramos foi, sem dúvi-
finir qua! era o papel desempenhado pela atividade crediticia no quadro da, o de Francisco de Seixas da Fonseca (AMSB, doc. 284, ano de 1730).
das estratégias mercantis de entáo. Tratava-se, até onde pudemos ver, de um dos principais negociantes
Um bom exemplo dessa importancia do crédito nos é dado pelos tres fluminenses do início do século XVIII.
negociantes que pedem moratória em 1748. 18 Do total de seus investi- O valor de sua fortuna atingiu 105:356$045, ou 28.975,81 l. 19 É
mentos em atividades mercantis, 61: 779$000 (30,41 %) eram formados importante destacar que esse valor náo se refere a sua fortuna completa,
por <lívidas ativas que, como vimos, se espalhavam por boa parte da Amé- pois infelizmente só encontramos as partil has referentes a alguns de seus
rica e África portuguesas. É importante ressaltar, porém, que os bens ar- filhos. Desse total, 83:731$211 (79,47%) eram compostos por <lívidas
rolados pelo trio náo incluem aqueles que náo estavam envolvidos na ativas. O percentual elevado pode dever-se, em parte, ao fato de náo
atividade mercantil. Logo, a participa~áo das <lívidas ativas no total de dispormos de todos os bens do inventariado. Mas parece estar ligado,
seus bens era necessariamente menor do que foi aquí apresentado. também, a um abandono da atividade mercantil antes ainda de sua mor-
Já no caso de Manuel da Silva Chellas, contamos com um arrolamen- te: no conjunto de bens apresentados, náo encontramos quaisquer refe-
to da totalidade de seus bens, com seus valores estimados. Segundo ele, rencias a mercadorias, navios, armazéns etc. Enfim, nada que nos
seu património estaría avaliado em 180 mil cruzados (ou 72:000$000), revelasse o exercício corrente do comércio quando de seu falecimento.
dos quais 30 mil (16,67%) eram formados por <lívidas ativas. É importante também ressaltar que Francisco de Seixas falece em Lis-
Situa~áo algo parecida é verifi cada no inventário de António boa, o que refor~a a impressáo de um abandono do comércio.20 Por outro
Pimentel (AMSB, doc. 1.059, ano de 1711). Seus bens arralados pelo lado, grande propor~áo de suas <lívidas ativas deriva dessa mesma ativi-
testamenteiro alcan~aram a considerável soma de 33:800$780. Oeste dade mercantil, pois sáo "contas de livro ", ou seja, con tas-corren tes cujos
total, 15: 152$080 (ou 44,83%) eram formados por <lívidas ativas. saldos foram apurados no livro-razáo do negociante. Mesmo assim, a
Convém ressaltar que esses números náo refl etem a propor~áo exata
dos investimentos feítos por Pimentel. Segundo o testamenteiro, a maior
''Para a conversi\o, utaliumos a rabela exisrenre em Fisher, 1984, pp. 212s. É imporranre notar
que, com essc valor, Funcisco de Seixas da Fonseca fari.1 parre d.1 el are mercantil canoca mesmo
16
Para conhecer a parricipa',lO dos negociantes cariocds no mercad o locdl de crédito, ver em períodos posteriores. jolo Fragoso, por exemplo, coloca como a camad.i ma1s elevadd de
Sampa10, 2000, cap. 4. sna hierarq11i.1 de forruaus .1q11el.1s com v,ilores .1cim,1 de 20 11111 libr.1s (Fr.igoso, 1998, p. 260).
"Nao hA pr.ttacamenre 1nvenrá n o~ d1spouíve1s, pdra a maaor parre d.1 caparania flummensc, lºEmbor.1 nlo renh.1mos d.idos snfic1c11res que nos permm1111 ,1ponrar cxcmplos 111q11esraon~ve1s
anrenores ,10 fmal do século XVIII. Consegmmos localizar somente seis inventários no Arqui- de ab.1ndono do comérc10 por parre dos negocian res do nosso período , Jofo Fr,1goso e MAnolo
vo do Mosreiro de Sao Ben ro. Flo rentino demo11srr.1m que e~sc era um fe nómeno comum no R10 de jAneiro entre o fu1.1l do
19Ver parre "A" dcsre capítulo. século XVlll e o 111íc10 do século scguinrc (Fragoso & Florentmo, 1993, pp. 104-108).

1 O2 1 O3
CAPÍTULO 2 O AN TIGO REGIME NOS TRÓPICOS A D I NÁMI C A I MPERIAL PORTUGUESA

maior parte do valor emprestado constituía-se de empréstimos formais: orno comum, compensavam o risco comos juros elevados que pagavam,
"créditos" e "avan~os", mas também alguns penhores. Entre seus deve- de até 20%. 21
dores estáo alguns homens de negócio e vários senhores de engenho, bem É importante lembrar que a concessáo de crédito era também um im-
como moradores nas minas. portante instrumento de estabelecimento ou consolida'ráo de rela~óes
* Os exemplos citados apontam as duas razóes fundamentais para a con- sociais. Emprestar para senhores de engenho ou mesmo para outros ho-
mens de negócio representava um mecanismo eficaz de entrada e partici-
cessáo de crédito por parte dos negociantes.
Em primeiro lugar, no que se refere a demanda, há a necessidade es- pa~o na própria elite colonial. Essa elite, como nos mostra Rae Flory em
trutural do crédito numa economía típica do Anrigo Regime, na qua! o rela~áo a Bahía, estava sempre disposta a se aliar a negociantes bem-suce-
dinheiro tende a se concentrar nas miios de poucos, gerando assim urna didos, pois estes eram urna importante fonte de recursos para urna elite
escassez do "vil metal" para o restante da sociedade (Braudel, 1995, pp. agrária cronicamente endividada (Flory, 1978, pp. 256-259).
372-377). Portan to, demanda e oferta encontravam-se, grosso modo, se-
paradas, o que gerava um mercado ativo de empréstimos. Além disso, é
importante lembrarmos as especificidades de urna sociedade fundamen-
talmente agrária, com seus ritmos próprios de produ~áo. Nesse tipo de
sociedade, a produ~áo obedece a um ritmo cíclico, ligado as épocas de
colheita e entressafra. A disponibilidade de crédito era um mecanismo
essencial para se compatibilizar as necessidades cotidianas com o calen-
dário agrícola. Por fim, convém repetir que o fornecimento de crédito pode
ser visto, também, como forma de subordina~áo do devedor ao credor,
criando la~os duradouros entre as duas partes, fundamental sobretudo no
que se refere as rela~óes mercantis duradouras. Podemos dizer que todo
grande negociante produz, a partir de si, urna cadeia de endividamento
que coincidía, em grande parte, com sua rede de rela~óes mercantis. Em
outras palavras, rela~óes mercantis envolviam sempre, ou quase, a cria-
~áo de rela~óes de crédito.
Por outro lado, o empréstimo de dinheiro era também urna impor-
tante fonte de acumula~áo de capital para os homens de negócio. O caso
de Francisco de Seixas pode ser considerado excepcional, pois a pro-
por~áo de seus investimentos em <lívidas ativas o transforma praricamente
em um rentista. De qualquer forma, aponta para a possibilidade de acu-
mula~áo por intermédio desse expediente. A tru<a de juros da época,
210s empréstimos de 'dinhe1ro a risco" era m feítos quase sem pre entre negociantes, e signifi-
0

6,25%, embora aparentemente pequena, significava um invesrimento a cavam um empréstimo cujo valor devia ser enviado para Porrugal, África o u Sacramento. A
princípio mais seguro do que o feito nas atividades mercantis. Havia diferen~a em rela~ao aos dema1s empréstimos é que esse s6 era pago se o valor emprestado
chegasse efetivamente ao seu destino . Ou seja, se o dinheiro fosse perdido (por naufrágio,
também a op~áo de investir parte do capital em escrituras de "dinheiro p1rataria etc.), o emprésnmo niio prec1sava ser ress,1rcido. Em compensa~ao , os iuros vana·
a risco", que, se tinham um retorno mais incerto em rela~áo ao emprés- vam entre 17 e .l.0%.

1 O4 1 O5
As atividades dos grandes negociantes europeus durante o Antigo Regi-
me tem sido descritas como polivalentes, náo-especializadas, abrangentes.
No "topo da sociedade mercantil ", na expressáo de Braudel, estavam
aqueles que simultaneamente se dedicavam a urna gama variada de ne-
gócios: comerciavam um sem-número de mercadorias européias e ul-
tramarinas, armavam navíos, forneciam crédito, assumiam tarefas
delegadas pelo Estado, como a cobrans;a de tributos e o abastecimento
de exércitos (Braudel, 1992, pp.331-339; Leon, 1993, Molas, 1985).
Em Portugal ocorria o mesmo; os grandes negociantes "mio se deixa-
vam aprisionar em nenhuma especialidade do negócio em particular e
por isso eram variadas as atividades que exerciam e múltiplos os seus
interesses e os destinos que davam aos seus fundos" (Pedreira, 1995, p.
317). Este modelo tendeu a se rcproduzir entre as eli tes mercantis na
América: encontramo-las atuando dessa forma em Buenos Aire!; (So-
colow, 1991), Cidade do México (Kicza, 1986) e Río de J aneiro. Na
capital do vice-reino do Brasil, seus "homens de grosso trato" trafica-
vam escravos, abasteciam de alimentos urna ampla área do centro-su! da
América portuguesa, participavam do comércio de importas;áo-expor-
tas;áo com a metrópole, exerciam atividades crediticias e arrematavam
contratos da Coroa (Fragoso, 1992, pp. 262-273).
A prática vigente nas monarquias do Antigo Regime europeu, de ce-
der a particulares, por meio de contratos que eram arrematados, a prer-
rogativa de cobrar direitos, negociar com exclusividade algum produto
ou abastecer alguma regiáo ou instituis;áo, foi trasladada as colónias. 1

1Para urna descri~.io dos tributos mais usnais e das a rremara~oes realiud.is no Rio de Ja11c1ro,
ver Alden, 1968, caps. 11 e 12; Ellis, 1955, pp. 62 ss.

1 O9
CAPÍTULO 3 O ANT IGO REGIME N OS TRÓPICOS A DINÁMICA IMPER I AL PORTUGUESA

Essas opera<;óes fiscais e comerciais impli cavam a concessáo de um pri- descric;áo do objeto dos contratos, identificac;áo de seus titulares, descri-
vilégio, de um monopóli o, e vi nham responder a "urna lei perpétua dos <;áo de suas formas de execu<;áo e cálculo de sua lucratividade. Este estu-
Estados modernos": suas dificuldades financeiras. (Braudel, 1995, p. do de caso ilumina as profundas conexóes económicas e sociais existentes
393). A delega<;áo da competencia fi scal a parti cul ares (um negociante entre o Rio Grande de Sao Pedro e a prac;a do Rio de Janeiro, além de
ou urn a sociedade de les) oferecia vantagens a Coroa, como a execu<;áo e contribuir para a identificac;áo de mecanismos de constitui<;áo da elite
fiscalizac;áo da cobranc;a de impostas por territórios geograficamente mercantil do Centro-Su! do vice-reino do Brasil.
vastos e dispersos. A Coroa desonerava-se, assi m, dos custos da monta- l Quatro foram os contratos principais, relativos ao Rio Grande, que a
gem de um aparelho burocrático mais amplo. Outra vantagem era po- Coroa arrematava: tres de natureza tributária e um de fornecimento de
der contar, por antecipa<;áo, com urna renda cerra. Isto possibilitava um mercadorias. Eram os contratos de arreca_ga_sáo dos dízi!lli)s, d..9 Re~o
mínimo de proje<;áo e planifi cac;áo do "orc;amento" do reino. Para os ~ Via~o, do uinto dos couros uado em pé e do munício das tropas,
outros tipos de contratos (abastecimento dos exércitos, explorac;áo e respectivamente. Enguanto os contratos dos dízimos e dos direitos dos
comercializac;áo de algum produto), subj azia a mesma lógica: o Estado registros e passagens existiram por toda a América portuguesa2, os dois
estaria desobrigando-se de gastos imediatos e recebendo antecipadamente outros erarn específicos do su!, e refletiam características económicas e
rendimentos certos. históricas da formac;áo deste espa<;o colonial.
Em Portugal, os contratos que cediam a explorac;áo do monopólio de i..... O dízimo, imposto de um décimo de toda a produ<;áo pago a lgreja,
produtos coloniais - como pau-brasil, tabaco e diamantes - estiveram no Brasil era arrecadado em favor do monarca, dada sua condic;áo de
entre os mais importantes. Os contratos eram arrematados por intermé- mestre da Ordem de Cristo. Inicialmente o contrato do Rio Grande foi
dio de hasta pública, em que negociantes pretendentes "lanc;avam", ofe- anexo ao de Sáo Paulo. O contrato dos dízimos do "povoado de Santos,
reciam seus lances pelo contrato. Algumas vezes as arrematac;óes eram Sáo Paulo e Rio Grande de Sáo Pedro" foi arrematado por Pedro Gomes
realizadas por li citac;áo fechada, na qual cada pretendente fazia apenas urna Pereira, em 1747, por 10:600$000 anuais, náo sendo discriminado o
proposta, sem possibilidade de realizar urna contraproposta em caso de montante relativo a cada urna das áreas. 3 Na arrematac;áo seguinte, em
concorrencia. Em geral os contratos tinham durac;áo de tres anos, mas 1750, houve especifica<;áo dos valo res: de um total de 10:815$000,
muitas vezes tiveram vigencia de seis ou nove an os. Pedreira (Pedreira, correspondiam ao Rio Grande e Santa Catarina 30% deste valor, e a Sáo
1995, p. 154) verificou que, na segunda metade do século XVIII, a Paulo e Paranaguá, 70%. As sucessivas arrematac;óes trienais tiveram um
"contrataqiio de rendimentos e monopólios régios constituía um poderoso acréscimo mínimo. Entre o contrato de 1747 e o iniciado em 1769, hou-
instrumento de acumulaqiio e influencia e, como tal, funcionava como um ve um crescimento de 4%.4
fator de diferenciaqiio ou discriminaqiio do carpo de com ércio, propician- Ora, um crescimento de apenas 4% do valor do contrato, em 22 anos,
do a formaqiio de urna elite". Mais do que isso, afirma que na virada do está a indicar o lento crescimento, ou urna situa<;áo de quase estagna-
século consolidara-se urna "oligarquia" de contratadores: até as invasóes <;áo, da produ<;áo em todo o su! da América portuguesa; lembremos que
francesas, apenas nove dos trinta maiores contratadores que dominavam o contrato abrangia Sáo Paulo e todo o território litoraneo (Paranaguá,
este negócio náo pertenciam a famílias que tinham tomado parte, no pe-
ríodo pombalino, em operac;óes de arremata<;áo de direitos públicos (Pe- 2Cf., por exemplo , AHU, cód. 1269.
dreira, 1995, p. 170). 'Esra foa a primeara referencia que enco n1ramos aos dizamos d o Rio G rnnde. Dez anos, por•
ran10, ,1pós a fnnda~á\o do presíd ao. AHU, cod. 455.
A análise dos contratos do Rio Grande, a estremadura da América •o contrato" Siio Paulo e anexos" de 1769• l 771 foi a rrematado por 11 :000$000 anua is. AHU,
portuguesa, que se realizará a seguir, detém-se nos seguintes aspectos: RJ, av., ex. 97. doc. l.

1 1O 1 1 1
0 ANTIGO Rt:úlMt NU!) tHUt-'lt..U) A U I NAMI\..A I Mt"tKIAL t" UKIUUuc.:,"'
CAPITULO 3

Laguna) até a vila de Río Grande. Ainda que náo se possa tomar direta- dor da Fazenda do Rio Grande, Francisco Bettamio, afirma em urna me-
mente a evolur;áo do prer;o do contrato dos dízimos como índice domo- mória que os dízimos " ... tem andado administrados pela Fazenda Real,
vimento da produr;áo (como demonstraremos adiante), pois relar;óes por niio haver no Continente quem os quisesse enquanto durou a guerra, e
pessoais e políticas entre autoridades coloniais e arrematadores podiam ainda depois" (Benamio, 1980, p. 180).
incidir no estabelecimento do valor da arrematar;áo, no caso do extre- A situa<;áo de guerra provocara reclama<;óes dos contratadores que ini-
mo su! eremos que dois fatores explicam essa estagnar;áo dos prer;os: a ciariam seu contrato em 1764. Tendo feíto a arremata<;áo antes do início
r:ce_nt~ ~cupar;áo daquele espar;o pelos portugueses, com urna produ- da invasáo, pediram postergamento do início do contrato por um ano, na
r;a~ _mc1p1ente, e a guerra e ocupa~áo de parte dos territórios pelos espa- esperanr;a de que ".. .se pudessem tornar a reduzir as referidas terras ao
nho1s em 1763. O recrutamento for<;ado das tropas em Sáo Paulo também Real Domínio de Sua Majestade ... ". Como isso náo ocorreu, solicitaram
deve ter desorganizado significativamente sua produr;áo, pois, em 1772, novo adiamento e um abatimento de seu pre<;o, mas obtiveram apenas o
18,14% dos homens em idade produtiva estavam a servir;o de EI-Rei adiamento, para 1766.7 Portanto, durante as décadas de 1760 e 1770 a
(Peregalli, 1986, p. 69). produr;áo rio-grandense náo se expandiu, afugcntando os negociantes que
Podemos perceber o fraco desempcnho da produr;áo do sul ao com- costumavam arrendar o contrato dos dízimos. Veremos um pouco mais
pararmos os valores do contrato dos dízimos do Rio de Janeiro, igual- adiante que esta situar;áo apenas reverteu na década de 1780, quando,
mente para o ano de 1769, arrematados pelos mesmos sócios, José Alves pacificada a regiáo, a produ<;áo cresceu decididamente.
de Mira, Manuel Inácio Ferreira e José de Souza e Abreu, negociantes da Ao contrário do contrato dos dízimos, o contrato do Registro de
prar;a de Lisboa. Pagaram 28:460$000 anuais, contra 11 :000$000 do Viamáo e Curitiba parece náo ter sofrido tantos reveses com a guerra. A
contrato de Sáo Paulo e anexas. 5 produr;áo e o comércio de muares e cavalos para Sáo Paulo e Minas man-
A licita<;áo seguinte confirmou as dificuldades produtivas dos territó- teve-se e até cresceu durante o primeiro período. Desde 1739 a Coroa
rios envolvidos na guerra, quer como palco - o caso do Rio Grande_, cobrava direitos sobre os animais que compunham as tropas que se dirigiam
quer como fornecedor de soldados, caso de Sáo Paulo. O contrato do a Sorocaba, em Sao Paulo. O registro ainda náo havia sido instalado, mas
trienio 1772-1774 foi arrematado por 20: 000$000, quantia inferior em o imposto era cobrado diretamente pelo comandante da Guarda de
39% do valor do contrato de 1769.6 A queda destes valores, em fun<;áo Viamáo. 8 Já o Registro de Curitiba existia pelo menos desde 1734 e <leste
de invasóes e guerras, náo era novidade nos territórios coloniais portu- ano a 1749 passaram por ele mais de doze mil cavalos e quatro mil mua-
gueses. Os dízimos da Bahia caíram abruptamente em 1623-24, quando res vindos do Rio Grande.9
da invasáo holandesa (Schwartz, 1988, p. 154).
Depois da arrematar;áo de 1772, nao encontramos nenhum registro
~Peta\:iiO do conrr,audor Cluo Fr.111~1sco Nog11e1ra e seus sócaos. Lisboa, 18/03/1765. AHU,
de contrato dos dízimos até 1780. Cremos que os dízimos do Rio Grande RJ, ,av., ex 97. <loe. 1
tenham sido separados do contrato de Sáo Paulo, possivelmente para que 8 A ordem para d cobranp desres d1re1ros foi feara por Gomes Freare de Andrada em l5/ 10/

este último pudesse ter interessados e ser arrematado. Em 1779 o Prove- 1939; eram cobrados dez rosrocs (mil-réis) por bcsra n111ar 011 porro. (AAHRS , 1977, vol. 1,
p . 122). A forma de pAgamenro e fiscalaza~iio esr:i cxpressa em "Requerimenro dos rropeiros
que despacharam cavalgaduras pard d cidAde de s;¡o Paulo ... dO govcnudor André Ribearo
Conrinho". Anr. a 14/03/ 1740. MHRS, 1977, vol. 1, p.123 .
sAmbos os contratos foram arrematados em Lisboa, em 12/08/1768. AHU, RJ, av., ex. 97,
doc. l . ''" ...desde o rempo que Crasróviio Pereira de Abreu s,ain a esrc registro com as primearas tro-
6 pas, que foi em 10/06/ 1734 aré o rempo presente rem entrado 12.575 cavalos, 4.319 besras
0 co ntrato foi arrematado no Rao de Janearo, para o período de julho de 1771 a dezembro de
mua res, 17 3 éguas, 629 cabeps de gado vacum". Cerridao pass,ada pelo Registro de Curariba,
1774. Pelos seis meses micuis pag,aram-se 3:333$335. Livro de Registro Geral d,1 Real Fazcn-
29/08/1749. AHU, SP, c.1r., ex. 16, doc. 1580.
da do Rio Grande de S:lo Pedro (AHRS , cód. 1244, 11. 2).

1 1 3
112
C AP Í TUL O 3 O ANT I GO RE GI ME N OS T RO PI C OS A D I NÁMI C A I MPER I AL P O RT UGU ESA

A primeira arremata<;áo do Registro de Yiamáo ocorreu em 1752. pas". O estado delegava a um particular o abastecimento do exército,
Desde esta data foi arrematado quase que ininterruptamente, estando prática corrente na Europa moderna. Problema sensível, o da alimenta-
poucas vezes administrado pela Coroa, ao contrário do que aconteceu com c;áo das tropas, para urna regiáo com muitas guarnic;óes acantonadas, em
os dízimos. Neste primeiro ano foi licitado por 7:200$500 anuais até 1755. uma·fronteira aberra, escassamenre demarcada, na qual a dcser<jáO sem-
O contrato do Registro de C uritiba foi arrematado no mesmo ano pela pre era uma possibilidade. Diferentemente dos outros contratos, este náo
metade, ou seja, os "meios-direitos", por 3:630$000 (AAHRS, 1977, vol.1 era arrematado por um prec;o determinado; náo constituía um adianta-
p.319), já que a o utra metade do seu rendimento fara concedida como mento, um crédito a Coroa, <liante de urna arrecadas;áo, renda futura . Nos
merce por servic;os prestados a Cristóváo Pereira de Abreu, em 1747. 1º contratos do munício, estabelecia-se apenas o pre<;o que a Fazenda Real
Nas duas décadas posteriores, os rendimentos dos dois registros seriam pagaria, após o abastecimento, pelo alqueire de farinha de mandioca e pela
arrematados em um só contrato. Seu valor aumentou 48% de 1752 a 1762, arroba de carne efetivamente despendidas. O primeiro contrato do gene-
ou a urna taxa anual de 4% ; mas o pre<jo da arrematac;áo de 1762 repetiu- ro que encontramos referido foi o do ano de 1770, tratando apenas do
se na de 1769, certamen te em func;áo das dificuldades da g uerra. 11 Mes- munício de carne para as tropas da fronteira norte. 13 Na arrematac;áo se-
mo assim, comparando o crescimento dos valores do contrato do dízimo guinte, 1775-1777, estabeleceu-se que a arroba de carne teria o pres;o de
ao dos registros, ho uve um aumento de 4% do primeiro contra 48% do 120 réis em Porto Alegre e Rio Pardo, nos "pequenos e distantes destaca-
segund o no mesmo período, o que indica a maior adaptac;áo e resistencia mentos", 160 réis e na "fronteira norte" valeria 200 réis. 14 Os prec;os au-
da atividade pecuária as conjunturas bélicas, se confrontada a agricultura. mentavam conforme a distancia, dificuldade de acesso e risco do território.
Acrescentemos, ainda, que a cobran<;a do tributo, em um lugar fixo e de- A "fronteira norte" correspondia a área de Estreito, ao norte da vila de
terminado, como no caso dos registros, era muito mais simples e menos Ria Grande ocupada pelos espanhóis (1763-1776), de onde partiu a co n-
o nerosa do que a recolha dos dízimos, por toda a área da capitania, o que tra-ofensiva portuguesa. O trienio desse contrato coincidiu justamente com
certamente tornava, naquele momento, o negócio dos registros mais atra- a maior concentrac;áo de tropas para a expulsáo dos espanhóis. O próprio
tivo que o dos dízimos. contrato estipulava, entre suas cláusulas, a proibi(jáo de saída de gado do
A partir de 1773, o contrato do Registro de Yiamáo fo¡ novamente connnente, para que náo faltasse ao exército. Finda a g uerra, o contrato
separado do de Curitiba, e incorporou um novo registro criado em terri- náo foi arrematado novamente até 1780. A partir daí, sempre foi arrema-
tório da capi tania, o de Santa Yitória, localizado as margens do ria das tado até a segunda década do século XIX. Dado o caráter do contrato, de
Pelotas, sendo arrematado desde entáo, sem nenhuma interrupc;áo até a fornecimento de mercadorias, no qual náo se especificavam as quantida-
primeira década do século XIX, pelo menos. 11 des a serem providas, náo ternos condic;óes de inferir a lucratividade que
O terceiro contrato, este mais específico do Rio Grande, na esfera da proporcionava.
América portuguesa, foi o das "farinhas e carnes para o munício das tro- Finalmente, o último contrato - o do quinto dos cauros e gado em
pé - consistia na arrecadac;áo de 20% de todos os cauros produzidos e
' ºAHU, SP. cat., ex . 17 , doc. 1670. M ercé A Crnróvao Pereir.t de Abren, aurerior _. J0/04/
sobre o gado em pé vendido para fora da capitania. A cobran<;a do quinto
1747.
11
A som.i do V.ilor d os courraros do Registro de Viamiio e o de Curitiba, e m 1752, fo1 de
10:835$000, e o cou rraro conjunto dos dois registros cm 1762 fo i de 16:000$000. MHRS,
pp. J 12-3 17 e 319 e AHU - RJ, AV. , ex. 85, doc. 85, respectivamente. u "Auto de arremata~iio e condi~iies do contrato do afo ugue da fronteira norte" (AHRS, cód.
12 Na arre matafiiO dos anos 18 06- 1808 , os nomes d os registros fora m novame nte muda-
1243, fls. 226-227).
dos, para Santo Anto nio d .. Pa trnlh:1 e Rinc.io d,. BarrA do Rio dos Touros (AHRS, cód . 1•Q contrato de 1775-77 nao incluía o forn ecimento de farinha; mas incluía, nas rafiies de
12 44 , n. 57 ). carne, os indios guaranís da a ldeia de Nossa Senhora dos Anjos (AHRS , cód. 1244 , fl. 124).

1 14 115
\o.'°",.- ' l V LV :,
O AN T I GO R E GI ME N OS T R Ó PIC O S A D I NÁM IC A IMP E R I A L POR TUG UESA

dos couros teve antecedentes na Colonia de Sacramento, cuja arrecada- OS CONTRATADORES E SEUS MERCADOS DE ATUA<;ÁO
~áo foi objeto de contrato, várias vezes leiloado na Provedoria da Fazen-
da do Rio de Janeiro. 15 Em 1748 esse direito proporcionava 8:000$000 Quem eram os fcontratadores /e como realizavam seus lucros? Foram es-
....___--..__
anuais a esta provedoria. Naquele momento, houve urna proposta de sencialmente negociantes estabelecidos no Rio de Janeiro, ainda que a
arremata~áo que foi recusada por dois motivos: o baixo pre~o e o fato de maior parte deles tenha nascido em Portugal. E eram negociantes de gros-
que o couro que "entra naque/a praqa é extraído das campanhas de Buenos so trato, que manejavam urna gama variada de negócios, e atuavam em
Aires e Santa Fé, e seria dar maior impulso a queixa dos espanhóis se vis- amplas redes de comércio que conectavam diversas partes do Império: do
sem contratado, o que entre eles passa por contrabando, senda público, Río Grande as terras interiores das Minas Gerais, de Angola a Goa. Ne-
que niío temas território para criaqiio de gados". 16 gociantes que, traficando com trigo, charque, escravos ou tecidos, tive-
No Rio Grande o quinto dos couros passou a ser arrematado apenas ram urna importante capacidade de acumula~áo.
em 1784; até entáo a provedoria local fazia diretamente a cobran~a do O domínio dos comerciantes da pra~a do Rio de Janeiro sobre os con-
tributo. 17 Até 1792 o pre~o de sua arremata!ráo era inferior ao dos dízimos, tratos do Río Grande, e o sistemático alijamento dos negociantes locais
mas a partir de 1793 ocorreu urna inversáo, passando a ter valores mui- desse lucrativo negócio, deveu-se esscncialmente a sua capacidade de
tíssimo superiores: 168% naquele ano, 161 % no trienio 1797-1799, 124% mobiliza~áo de capitais e as suas fortunas, muito superiores as dos comer-
no trienio 1806-1808 e 134% em 1810-1812. 18 Essas diferen~as indicam ciantes sulistas. 19 lnteressa-nos, neste momento, reconhece-los, verificar
que a atividade pecuária oferecia menores riscos e maior lucratividade que quanto tempo permaneceram no negócio e como obtinham seus lucros.
a agricultura e que, provavelmente, no início das arremata~óes do quinto, O primeiro arrematador dos dízimos, Pedro Comes Moreira (1747-
o pre~o deste contrato estava muito baixo, subavaliado. Vol taremos a este 1755), detinha outros contratos do mesmo tipo: o do Rio de Janeiro
ponto adiante. (1739-1741) e das comarcas de Vita Rica, Rio das Mortes, Sabará e Ser-
ro Frio (1753-55). No entanto, desconhecemos se este foi um negocian-
te sediado em alguma pra~a da América portuguesa ou no reino. Já no
trienio 1756-58, um dos arrematadores20 , José Bezerra Seixas, era atu-
11
Por exemplo, "Condi~óes com que ldn~ou Jo;¡o Rodrigues da Costa ", 1729. (AHU, RJ, ca., ante na pra~a carioca desde pelo menos a década de 1740, e em 1751
doc. 13239) e " Cond,~óes com que ld11~011 Jo;¡o ÁlvMes Frique", 17 32 (AHU, RJ, ca., doc. arrematou o contrato da dízima da alfandega do Rio (Sampaio, 2000, p.
13240).
16
Informa~iio de Francisco Cordovil de Mello. RJ, 1º/maio/1749 (AHU, RJ, ca. doc. 13230). 275). Mas, no trienio 1760-62, surge o ri co José Álvares de Mira, e seu
' 'A C.imara da vila de Rio Grande, pcdindo d 1se11~iio desee tributo , assim hisrorio n sua cria- sócio Domingos Dias da Silva, ambos negociantes da pra~a de Lisboa.
~ao : " ... criando essa povod~.fo o Brig. José dd Silva Paes, zeloso do Régio Er:lrio, ordenon aos
Mira participava de 17 contratos diferentes, arrematados pela Coroa, e
diros mo radores que, visco haver na d1ra campanha bastante gado bravo disperso, do qua(
sacavam os couros, para com eles fomentarem o seu comércio; que dessem para a Fai.enda de era sócio da Companhia das Vinhas do Alto Douro. Entre outros, foi
Vossa Majesrade o quinto dos couros, que cada um fi:tesse; no que convieram e assim se ficou contratador do estanco do sal para o Estado do Brasil no período de
prarica ndo aré o presente, h;wendo mais de vinre anos que o dito gado se consumiu; sendo o
que há doméstico, do qnal pagam o dízimo, e parece que fica sen do ónns rigoroso pagar dízimo
1764 a 1770, do sal de Lisboa em 1767-177221, e dos dízimos do Rio de
e quinto ... " Cámara em Viamiio - 23/9/177 1 (AHU, RG, av., ex. 3, doc. 16)
18No rrienio 1784-1786, o quinto fora vendido por 12:000$000, contra 23 :000$000 dos
dízimos; em 1797-1799, 73:000$000 contra 28:000$000; em 1806-1808, 90:200$000 con-
"Estas qnesróes sao discutidas em detalhe nos capítulos 9 e 1O da tese de Osório, 1999
tra 40:200$000 e em 1810- 1812, 140:500$000 contra 60:000$000. AHRS, Livros de Regis-
tro nº 1245, fls. 54 e 58; AHU-RG, av., ex. 16, doc. 13; NA-IJJ 2 Junta da Real Fazenda lOQ o urro era Manuel Gil, sobre o qual nao obrivemos nenhuma informa~ilo.
21 Cf. Ellis, 1955., p. 108. A autora fornece dados sobre o património e o padrao de vid.i deste
- RG, ofícios ao Minisrério do Reino, ex. 338, 181 2, fl. 151.
conrrarador.

1 16
117
CAPITULO 3 O ANTIGO REGIME NOS TROPICOS A OINAMICA IMPERIAL PORTUGUtSA

estabelecido em Calcutá, para lá levou fundos próprios e de seus irmáos·


chegou a exe~cer o cargo de cónsul em Bengala (Pedreira, 1995, pp. 1
213 e 244). Finalmente, Joao, estabelecido no Rio de J aneiro, além de ser
n: Elias Antonio Lopes, um dos maiores negociantes do Rio de Janeiro
do final do século XVIII, participou de pelo menos cinco o utros contra-
tos de arrecada<;áo de direitos; traficava escravos e realizava comércio de
um dos maiores importadores de produtos do Rio Grande na virada do longa distancia, inclusive da Ásia. Francisco Xavier Pires também negociava
século XVIII e dedicar-se ao negócio dos contratos, foi traficante de es- como Oriente, possuía empréstimos de dinheiro a risco para negocia<;óes
cravos e, por diversas vezes, diretor do Banco do Brasil (Fragoso, 1992, em Malabar, Bengala, Mo<;ambique e Quelimane, e urna rede de créditos
p. 268). que se estendia por Sao Paulo, Campos, Rio Pardo, Cuiabá (Fragoso, 1992,
No trienio 1806-1808, mudararn os sócios, mas sempre capitaneados p. 203). Antonio Gomes Barroso e sua família eram grandes traficantes
por Joáo Rodrigues Pereira de Almeida compraram, outra vez, 0 contrato de escravos de Angola, comerciavam a longa distancia e também compro-
dos dízimos, quinto dos cauros e munício das tropas. Juntaram-se a ele dutos destinados ao mercado interno, como charque, trigo; participavam
Antonio José da Costa Barbosa (traficante de escravos) e Henrique José como acionistas de companhias de seguro e do Banco do Brasil. 30 Estamos
de Araújo, negociantes da cidade do Rio de Janeiro e outros parentes de <liante, portanto, de um grupo de negociantes de grosso trato, negocian-
Lisboa: Joaquim Pereira de Almeida, Antonio Ribeiro Pereira de Almeida tes imperiais, que articulavam vastíssimas redes de comércio que ultra-
e Mateus Pereira de Almeida (AHU, RG, av., cx.16, doc.13 ). Infelizmente passavam os limites do Rio de Janeiro e suas "dependencias" americanas;
desconhecemos os percentuais de participa<;áo de cada sócio no negócio. redes que podiam ter o Rio Grande como seu extremo na América portu-
Mas note-se que os sócios metropolitanos apenas surgem quando esses guesa, mas que se desdobravam, desde a capital do vice-reino, para outras
contratos passam a ser arrematados em Lisboa (1790), necessitando de partes do Império portugues, como Angola e Goa.
um procurador que lan<;asse por eles. 28 Nenhum dos contratos foi arre- A larga enumera<;áo dos titulares dos contratos aponta para urna con-
matado para o ano de 1809, o que demonstra um reflexo da crise do co- clusáo: desde pelo menos 1780 foi esta elite mercantil estabelecida no Rio
mércio internacional sobre os negócios desses grandes comerciantes. Para de Janeiro que dominou inconteste o negócio dos principais contratos do
o trienio 1810-12, o grupo de sócios repete-se parcialmente: Antonio José Rio Grande. José Caetano Álvares e Manoel de Souza Meirelles, os
da Costa Barbosa e companhia e Joaquim Pereira de Almeida e compa- arrematantes da década de 1780, constavam da lista elaborada pelo vice-
nhia foram os titulares do contrato do quinto dos cauros e do munício. l 9 rei, Conde de Rezende em 1799, como parte do grupo de 36 principais
Já o contrato dos dízimos fora parar nas máos de outro grupo de negocian- negociantes do Rio de J aneiro, da mesma forma que Elias Antonio Lo pes,
tes de grosso trato do Rio de Janeiro, ainda mais importante que O ante- Antonio Gomes Barroso e Francisco Xavier Pires (Fragoso, 1992, p. 293).
rior. Tratava-se do comendador Elias Antonio Lopes, do coronel Antonio
Gomes Barroso e do capitáo Francisco Xavier Pires, secundados por um
comerciante do Rio Grande, Antonio Soares de Paiva. Cada um possuía A ARREMATAy\O DE CONTRATOS EM UM MERCADO DE ANTIGO REGIME:
um quarto do contrato. PRIVILÉGIOS E LUCROS

Feita a paz de 1777 com os espanhóis, passada a conjuntura de guerra, di-


11
Procura~fo de Antonio Ribeiro Avellar e Antc5nio dos Santos a José Rodrigues Pereira de
minuídos os riscos, a economia agropecuária rio-grandense cresceu e inte-
Almeida, para redliz.i~ao de drremdta~ao (AHU, RG, n, ex. 4, doc. 27d, 1790).
i,ANRJ - IJJ2 ~unta da Real fazenda - RG, oficios JO Mimstério do Reino, ex. 338, 1812,
fl. 15 l. Os armaos José e Joaq111m Pere1ra de Almeida dpuecem, no período JOanmo, como
residentes no Rio de Jane1ro, cf. ~Listagem nommal dos rrafic:1nces de escravos entre África e - IJJl Jnnu da Redl Fdzend.1 - RG, ofíc1os ,10 Mnusréno do Remo ex. 338, 1812. Par.t
• 0 AN

o porro do R10 de Ja11e1ro, .1ruantes entre 1811 e 1830", em Florenrmo, 1995, p. 281. nm,1 descn~ao dds dt1vid.tdes e p.tmmo n10 dcsres ncgocunres, ver Fragoso, cap. 4, 1992.

12 1
12O
CAPITULO 3 O ANTI GO REGIME N OS T R OPICOS A OINAM I C A IMPtl<IAL ~UHIUl.>Ut>-"

grou-se a de outras regióes da América portuguesa, nomeadamente a do Os contratadores ampliavam seus ganhos, nao só por obtcrem as le-
Rio de Janeiro. A produ~áo rio-grandense passou a ser um negócio rentá- tras por até 1/8 do seu valor nominal mas, ainda, por as reccberam em
vel para esses negociantes, e foi capturada náo apenas pelo comércio dire- traca de mercado rias que eles próprios vendiam! Eis urna das estratégias
to, mas pela arremata~áo dos contratos, já que o trigo e os couros arrecadados para evitar gastos mo netários no pagam ento dos contratos. Freqüen-
em espécie eram transportados e negociados no porto do Rio de Janeiro. temente os contratadores requereram ao Erário Régio esta forma de pa-
Vejamos mais de perta essas outras opera~óes do capital mercantil, susten- gamento. H O governador, por outro lado, ao tratar os arrematan tes como
tadas pela rela~áo privilegiada entre a Coroa e os negociantes-arrematadores. "opressores", expressava um sentimento generalizado existente em rela-
Os contratadores náo lucravam apenas com a diferen~a entre o pre~o ~áo aos contratadores. "Nada é mais característico do antigo lmpério
do contrato e seus gastos de arrecada~áo e o produto arrecadado. As cláu- marítimo portugués do que as queixas constantes dos seus habitantes acerca
sulas dos contratos !hes garantiam urna série de privilégios mercantis que das atividades perniciosas dos monopolistas e aqambarcadores" (Boxer,
permitiam sua atua~áo no mercado de forma diferenciada e monopolística. 1992, p.307).
Urna das cláusulas concedía, por exemplo, que os contratadores pagas- Outra forma de maximiza~áo dos lucros utilizada pelos con tratadores,
sem parte do valor do contrato com letras da Fazenda Real. Qual a ori- relacionada com as anteriormente descritas, foi o estabelecimento de lo-
gem da maior parte destas letras, no Río Grande? Eram letras passadas jas junto aos locais de cobran~a dos tributos. Assim, os sucessivos contra-
em pagamento dos soldas dos militares, sempre atrasados, e das requisi- tos do Registro de Viamáo, desde o de 1761, continham urna cláusula que
~óes de gado vacum e trigo feitas em diversas épocas aos estancieiros e especificava: "que eles contratadores (... ) poderño ter nos mesmos Regis-
lavradores para o abasrecimento do exército. Dado o contínuo défi cit da tros fojas de fazenda para assistirem ns tropas e peoes que por eles passa-
capitanía e sua provedoria, seus titulares náo tinham perspectiva de resgatá- rem, por assim ser preciso para a cultura deste comércio e conservaqño deste
las, e repassavam-nas, com imensos descontos, aos comerciantes que as contrato".33 J osé Caetano Álvares e Manoel de Souza M eirelles da mesma
utilizavam, por seu pre~o nominal, no pagamento dos contratos. Comen- forma estabeleceram lojas em Porto Alegre, Río Pardo e Río Grande, du-
tando a primeira cláusula do contrato do quinto dos couros de 1797, que rante a vigencia de seus contratos dos dízimos e quinto dos couros e, ane-
permitía justamente esta compensa~áo, reclamava o governador: xo a este, o do munício das tropas.
As informa~óes contidas no volumoso processo de acerto de con-
... e que (azem os co11tmtrulores, 011 o se11 ad111i1ústmdor? Abusa11do da 11ecessi- tas da sociedade de Álvares e Meirelles34 possibi lita compreender as
dade, misério e (alta 011 demom de pr1gm11e11tos dos Milit11res co111pm111-lhes variadas oportunidades de opera~óes mercantis que a arremata~áo de
pela oitr111a parte do se11 valor aq11elas 111esnu1.s letms com que a¡ust11111 as su11s
co11tri.s, sem rebate alg11m, riceitmulo-lhri.s n Real Faze11da pelo seu legítimo valor,
de que se segue que de..,pe1ule1ulo estas grossas so111as de di11heiro em pagar o 12Ver, por exemplo, AHTC, cód. 4056 - p. 386, e cód. 4055, fl. 534, provisóes que mandam
que com trmto tmbalho e risco ve1icem os de/e11sores dr, Coroo, e dn Pátria, a Junta da Rela~ao Fazenda do Río de Janeiro aceitar tais pagamentos.
11 Cf. cláusula 15ª do "Contrato das passagens dos animais pelos Registros de Viamao... 1806-
vem e..~te.s a receber ad'sw110 a oitava parle, e alg1111111s vezes em /r1ze11dr1s, 011
1808", AHU, RG, av., ex. 16, doc. 23.
ge11eros avariados, cu¡o sacri/rcio rilé111 de i1111ol1111Lrírio 011 pam 111elhor dizer HA liquida~iio das con tas da sociedade d e José Cacrano Álvares e Manoel d e Souu Meirelles
/or,;ado se /he /nz ln11to 1/UlÍS Se/1..SÍvel por IUÍO ser em obséquio d11 Real Faze11- nos contratos dos dízimos, quintos e mun ício do R10 Grande, bem como de suas caneas par-
dr1, 111as sim de 1111.s particulares q11e se tem erigido em opressores.31 ticulares, nao fo1 realizada durante a vida de Me1relles, apesar das tenranvas dcstc. Acabou
senda fe 1ta pelos herdeiros de Me1relles e os administradores da casa de Álvares. Consta de
sete grossos volumes, depositados no fund o da Junta de Comérc10. A dc~cw,iio dos 11cgóc1os
"Governador Sebastiiio Xavier da Vc1gJ C.1bral d,1 C.i uura ,1 D. Rodrigo de So uz:1 Co unnho . se baseia nas diversas cantas apresentadas por ambas as partes lingantes. AN, Real Junra de
Río Grande, 18/02/1800. AHU, RG, ,iv., ex. 7, doc. 25. Comércio, Administra~ao de Bens de Falcc1dos e Ausentes, ex. 338.

122 123
CAPITULO 3 O ANTIGO REG I ME NOS T RÓP I C O S A D I NÁMICA IMPERIA L PORTUGUESA

contratos oferecia aos arrematadores e que envolviam e vinculavam me- É nesse sentido que reconhecemos, nas arrematar;óes, urna das formas mais
trópole e colonia e, no interior desta, diferentes regióes como o Río importantes de vincular;áo mercantil entre o Rio Grande e a prar;a do Río
de Janeiro, Santa Catarina e o Ri o Grande. Resumimos a seguir tais de Janeiro.
circuitos. Ao deterem os contratos de cobranr;a de tributos e de abastecimen-
Os contratadores enviavam fazendas para a localidade catarinense de to das tropas, os negociantes de grosso trato do Rio de Janeiro adqui-
Río de Sáo Francisco, a um determinado comerciante, que com o produ- riarn urna proeminencia sobre os o utros negociantes, fossem da capital
to de suas vendas adquiría farinha de mandioca. A área ao redor do porto do vice-reino, fossem do próprio Rio Grande, desdobrando sua ativi-
de Sáo Francisco era urna grande produtora da "farinha-de-pau ". Esta dade em vários outros negócios mercantis que, conjugados, ampliavam
farinha adquirida era transportada por vía marítima para o Río Grande, magistralmente seus lucros. Privilégio político e económico obtido junto
onde era utilizada no muníci o das tropas, assim como o gado obtido pelo a Coroa, os contratos arrematados incidiam fortemente na conforma-
dízimo, ou pelo contrato do quinto dos couros e gado em pé. Esta opera- r;áo de um mercado que náo se resumía, obviamente, aos m ovimentos
r;áo diminuía os gastos monetários no abastecimento do exército. Quan- da oferta e procura.
do havia alguma dificuldade na obtenr;áo da farinha de mandioca, as tropas
eram abastecidas com páo feito coma farinha de trigo arrecadada como Conhecer-se as taxas de lucro obtidas com a arrematar;áo de contratos é
dízimo. tarefa difícil. Se o valor pelo qua) o contrato fora licitado era de domínio
Por outro lado, o trigo, a farinha de trigo, o alpiste e a cevada, extraí- público, o lucro efetivo obtido com a arrecadar;áo era segredo do negó-
dos em espécie como dízimo, eram remetidos ao Río de Janeiro, onde eram cio, muito bem guardado pelos envolvidos; sua ocultar;áo garantía ama-
comercializados pelos contratadores, o mesmo ocorrendo, ainda, com o nutenr;áo da taxa de lucro. O conhecimento desse montante implicaría o
sebo e a graxa produzidos das reses consumidas no munício. O dízimo aumento proporcional do prer;o do contrato nas arrematar;óes seguintes.
das reses também era recebido em dinheiro. As "miunr;as", os o utros ge- Para o conhecimento cabal dos lucros, além da informar;áo sobre o valor
neros arrecadados em pequenas quantidades e de pouco valor, deviarn ser arrecadado, é necessário conhecer as despesas feítas para realizar a arre-
comercializados nas próprias lojas dos con tratadores, estabelecidas nas tres cada<;áo. Por essas dificuldades, náo se encontram na bibli ografia muitas
principais povoar;óes da capitanía - Rio Grande, Rio Pardo e Porto Ale- estimativas a respeito. 35 Pedreira (Pedreira, 1995, pp. 152-53) conseguiu
gre - , pois náo aparecem nas contas. Para estas lojas eram enviadas fa- realizar apenas urna avaliar;áo, para o contrato do pescado seco de Lis-
zendas do Rio de Janeiro. Como as remessas foram variadas e continuas boa, entre 1767 e 1772: o lucro líquido anual fora de cerca de 20%. Urna
no decorrer dos anos de 1780 a 1789, depreende-se que era um bom ne- forma indireta de fazer esse cómputo, para este autor, seria verificar a
gócio. Transacionavam, também, fazendas por gado, que serviría ao evolu<;áo do valor dos contratos. Os dos dízimos do Rio de Janeiro, por
munício. Finalmente, os couros, do quinto e do gado abatido para o exemplo, aumentaram a cada nova arrematar;áo (30% em 1791, 260/o em
munício, eram remetidos ao porto da capital do vice-reino, contabilizados 1794, 150/o em 1797), o que náo poderia ser atribuído somente a subida
por unidade, de onde eram enviados a Lisboa e a cidade do Porto (em dos prer;os. Náo nos parece que o aumento do valor dos contratos seja
menor porr;áo). Esta última transar;áo, por fazer parte do comércio ul- suficiente para essa aferir;ao. Os dados do Rio Grande oferecem-nos ou-
tramarino, era realizada sob outra medida: os couros já náo eram comer- tras indicar;óes.
cializados por unidades, mas por peso, em libras. Essa sucessáo de
operar;óes mercantis possibilitadas pelos contratos estreitavam as cone- HEJlis, por exemplo, apenas aponra prejuízos que os con tratadores do sa l tiveram em algumas
xóes entre o extremo sul da América portuguesa e a capital do vice-reino. ocasióes, mas niio realiu ncnhnma estimativa de lucros do contrato (Ellis, 1955).

12 4 12 5
\.. '"'- t"' 1 1 V L U ,j
O ANTIGO REGIME NOS TROPICOS A OINAMICA IMPERIAl POR T UGUESA

Os valores dos contratos dos dízimos cresceram apenas 5,9% entre mata~áo sornen te 15, 1%.39 Note-se que o prec;o das exportac;óes é o lo-
1781 e 1790 (tres arrematac;óes trienais e urna anual), e os do quinto cal, praticado no Río Grande, e náo o prec;o, mais elevado, que essas
dos couros, entre 1784 e 1792 (tres arrematac;óes trienais), 68,4%. Ora, mercadorias tinham no Rio de Janeiro. Neste decenio, a defasagem entre
sabemos que o conjunto da economia rio-grandense expandi u-se signi- o ritmo de crescimento da produc;áo (indicado pelas exportac;óes) e o prec;o
ficativam ente na década de 1780. Os mapas de produc;áo de trigo indi- dos contratos é maior do que no anterior, e atesta os lucros possíveis dos
caram-nos a existencia de um aumento de 74,8% entre 1780 e 1787. 36 E contratadores, muito superiores aos que apenas a evoluc;áo dos pre~os dos
o contrato dos dízimos, que abarca todos os produtos agrícolas e pecuá- contratos nos revelaria. Na documentac;áo do Erário Régio da década de
rios, subiu apenas 5,9%. Seu prec;o estava, portanto, muito comprimido, 1780 existem críticas a atuac;áo da Junta da Fazenda do Río de Janeiro,
subavaliado. O mesmo náo aconteceu com o quinto dos couros. O reba- no sentido de que os interesses da Coroa náo estavam sendo bem defen-
nho vacum aumentou 63,6% entre 1784 e 1791 .37 As remessas de couros didos, e de que os contratadores desfrutavam muitos privilégios. No caso
dos con tratadores, durante os tres trienios (1784 a 1792), segundo os nú- específico do Río Grande do Sul, em parecer contrário a um requerimen-
meros da liquidac;áo de contas fe ita por um perito, aumentaram 63,8%38, to dos sócios Meirelles e Álvares, o funcionário apontava como abusivas
percentual pouco inferior ao aumento do prec;o do contrato que foi, como a concentrac;áo de tantos contratos entre os mesmos titulares, por muitos
já mencionamos, de 68,4%. Mas recordemos que nessa comparac;áo náo anos, e as compensac;óes que se permitiam entre os gastos como munício
estamos considerando nenhum dado referente ao gado em pé comer- das tropas e os valores que deviam ser pagos pelos outros contratos (quinto
cializado para fora da capitania, do qual os contratadores recebiam tam- dos couros e dízimo). Tais procedimentos, segundo o parecer, proporcio-
bém o quinto. De qualquer forma, podemos concluir que a variac;áo do navam "confundir contase perpetuar arrematantes" e, afina!, "servem mais
prec;o do contrato do quinto dos couros e gado em pé, na década de 1780, de prejuízo que de utilidade a Fazenda Real" (AHTC, cód. 4 044, fl. 93).
acompanhou de perto a expansáo da pecuária, o que náo ocorreu com o Como soluc;áo, propunha que os contratos fossem licitados ern Lisboa,
contrato dos dízimos. no Erário Régio, e náo mais pela Junta da Fazenda do Río de J aneiro (para
Para a década de 1790 náo ternos mapas de produc;áo, mas podemos que houvesse rnais lanc;adores), e que náo mais fosse permitida a compen-
realizar urna aproximac;áo ao movimento da produc;áo por meio dos ma- sa~áo entre os gastos com o munício das tropas e o pagamento do prec;o
pas de exportac;áo. O valor da exportac;áo de trigo entre 1790 e 1797 dos dernais contratos. Nas entrelinhas <leste parecer percebe-se a suspeita
cresceu 98%, enguanto o prec;o de arrematac;áo do contrato dos dízimos de que os negociantes contratadores tinham seus interesses defendidos na
aumentou apenas 15%. Da mesma forma como quinto dos couros: o valor Junta do Rio de Janeiro. 40
das exportac;óes dos couros subiu 84,9CVo no mesmo período e a arre- A proposic;áo de que os contratos passassem a ser arrematados em
Lisboa foi atendida. A partir de 1790 os contratos forarn licitados no Erá-
16
"M,1p,1 d.ts produ~ócs dos trigos... " de 1780: AN, cód. 104, vol.J; "m.1pa .... " de 1787: AHU,
RJ, .1v., ex. 140, doc. 95, RG, 30/06/1787.
17
19Para os va lores das exporta~óes, vide Osório, 2000, c,1p. 6.; para os v,1lores dos contr,1ros,
Conforme os map.1s de aninrnis: 178 4, "Rcla~ao de moradores que possuem campos e ani-
AHRS, L1vros de Registro Geral... nº' 1243; AHU. RG . .;v., ex. 4, doc. 27a; AHTC, cód. 4056 ,
m,1is... " AN, cód. 104, vols. 6 e 7 ; 179 1, "M,1pa das c;1 rnrngens, arados, anima1s vacuns (... )"
p. 288.
26/02/1791. AHU, Brasil Lim,res, ex. 3, doc. 223.
"°M····do conrrário é sujeitar as Rendas Reais ao arbitrio dos contratado res, para com ;1quele
n"Demonstr:i.~iio ci rcuusun ciad:i. de todos os couros e suas respectivas qualidades; e d.1s em- pretexto rrazerem e desfrntarem scmpre os mesmos contratos, sendo-lhe ,1 F.1z.cud.t Re.ti scm-
barca~óes, em que v1er:1.m remetidos d.1 c;1pitanu de Rio Grande e de L.1g1111a, extraído da pre devedora, e nao se conhecendo nunca o verdade1ro estado das suas contas, nem se aVdn·
cernd:io p,1ss,1d.1 pelo fe1tor d.1 marmh,1 d,1 alf.indega .1 esta c1dadc" (AN, Junta de Comércio, ~arem aqueles contratos a melhores pre~os que se poderiio conseguir no concnrso de m111tos
ex. 338, pp. 768v-773v). lan~adores..." (AHTC, cód. 4044, fl. 93).

126 127
O ANllúO HtúlMt NO> IHO~IC.OS A O I NAM I CA IMPERIAL PORTUGUESA

rio Régio 41 , e seus funcionários fi zeram urna comparar;áo do avanr;o de va queixando-se " dos exorbitantes ga.nhos dos contrata.dores" dos dízimos
seus prer;os, em relar;áo aos "prer;os da América" antes obtidos. O resulta- d o Rio de J aneiro.45 No que diz respeito aos contratos do Rio Grande, as
do foi um aumento, nas arrematar;óes para o ano de 1794, de 31% no vantagens e privilégios mantiveram-se. Joáo Rodrigues Pereira de Almeida,
contrato dos dízimos do Rio de J aneiro, 11% no do Rio Grande, 8% no seu irmáo J osé, Antonio dos Santos e companhia arremataram os contra-
de Sáo Paulo e 3% no de Santa Catarina. 42 J á vimos que, no caso do Rio tos do dízimo, quinto dos couros e gado em pé e do munício por tres
Grande, tal aumento náo refletiu o crescimento agrícola e pecuári o do trienios, ou nove anos, como mesmo pre~o para cada trienio (1797-1805).
período, sendo bastante inferior. Mas, no caso do quinto dos couros e Ora, isto fo i inédito, pois até entáo as arrematar;óes eram feitas por um
gado em pé, a mudanr;a surtiu efeito. Na primeira arremata¡;áo feita em trienio ou, em ocasióes especia.is, por um ano. Essa arremata~ao provo-
Lisboa, para o "ano solteiro" de 1793, houve um aumento fantástico. cou inúmeras críticas, quer de sucessivos governadores do Rio Grande,
Álvares e M eirelles tiveram de arrematar o contrato por 23:500$00043, o quer da popula~ao, que protestou ao governador, por meio de um longo
que significou um aumento de 248,8% em relar;áo a arrematar;áo anterior! requerimento. 46
Este salto demonstra quáo represado estava o pre<;o desse contrato en- A Camara, por meio de seu procurador, demonstrava o crescimento
guanto era li citado no Rio de Janeiro e, eremos, demonstra a capacidade da produr;áo do Rio Grande, dizendo que em 1780 se produziam escassa-
que tinham aqueles negociantes de impor seus interesses na administra- mente efeitos que eram exportados em dez, 12 navíos; que em 1790, pri-
~áo local. meira vez em que aqueles con tratadores arrematara.m o contrato, já sa.íam
Se a transferencia das arrematar;óes para Lisboa visa.va a salvaguardar 87 barcos carregados e que em 1796, último ano da segunda arremata~ao,
os interesses da Fa.zenda Rea1 44 e ter minar comas vantagens, identifi cadas 150 eram os navios que ex portavam a produ~ao. Na seqüencia, apresen-
como abusivas, dos con tratadores sediados no Rio de J aneiro, esta m edi- tavam um cálculo da reprodu¡;áo do gado, para comprovar que o cresci-
da foi inócua. Em 1799, o conde de Rezende, vice-reí do Brasil, continua- mento era grande e natural. Afirmavam também que, em seis anos, a
produ~áo praticamente duplicara, e que os contratadores utilizaram este
41
.. D iz José Rodrigues Pereira de Almeid,1 ncgocuute d:1 pra~a dcsta cidadc (... ) que ele tern conhecimento das arrematar;óes anteriores para dolosamente obterem urna
procura~ao de António Ribeiro de Avelar, e de António dos Santos, negocia ntes da pra~a do arrematar;áo por nove anos e fraudar o Erário Régio.
Rio de Janeiro, para com ela e para eles rematar e lan~ar (... ) no contrato real d os dízimos da
Cdpicanu do RGSP, de que já s;¡o rende1ros pela rcmara~:io que fizeram na J unta d.1 Fazenda
Reclam avam d iretamente de do is aspectos da ar;áo dos contra-
da mesma cidade do Río de jdneiro; e como este seja o primeiro 0110 ou a primeira vez que ta.dores. Em primeiro lugar, os contrata.dores cobravam o q ui nto dos
,emellu111te co11trato se remata 11est11 cidade, pelo ter sido scmpre naqnela ... " Lisboa, ant. IJ/ couros cons umidos internamente nas fazendas, na feitura dos mais
03/1790. AH U, RJ, av., ex. 145, doc. 33 (grifo nosso).
2
• Note-se q nc o dízimo de Sao Paulo correspondía a 58% do valor d o dízimo do Río de J a nei-
diversos artefatos. Eram couros de pior q ualidade, util izados para fa-
ro e 2 1,3% do díz1mo do Rio Grande. Os dízimos do Rio de J aneiro pdssaram de 96:600$000 zer os arreios, la~os, correias e os surróes para acondicionar o trigo.
para 127:000$000: do Rio Grande, de 24:330$000 para 27:000$000; d e Siio Pa ulo, de Sobre estes nunca hav ia incidido o quinto. A segunda queixa dizia res-
68:500$000 para 74:000$000, e de Santa Catarina, de 14:760$000 para 15:200$000 ... De-
monsrra~iio do aumento do pre~o das arrernata~óes dos co nrraros desde que eles passaram a peito aos contrata.dores depositarem, nos q uartéis de Rio Grande, Rio
ser fe iros pelo Real Erário, em conrraposi~:io dos pre~os dd América". Lisboa, 22/12/1794 Pardo e Po rto Alegre, os alimentos do munício. A popula~áo era, as-
(AHTC, cód. 4044, fl. 155).
•JPara o men10 dnterior haviam pago 20:2 10$000, o qne eq111valia a 6:736$666 anuais (AHU,
RG, av., ex. 5, doc. 14). • 1 Na .. Memória sobre a impominciA gernl dos dízimos provc111enres do Río de Janeiro" o vicc-
••..... que daqu1 em d1anre se fique arrenrntando nessa cap1tania somenrc ,tqneles co ntratos qnc re1 compu.tva os riscos e ganhos do comérc10 com ,t rranqiiilid,tde da arrccada(,.iO dos díz1mo~.
11:io chegarem ;\ quanna de dez conros de réts no mento, e que codos os ourros se1a m arrema- Apwf Fragoso, 1992, p. 269.
tados nesra Corre ... Provis;¡o AJunta da Fazenda do Río de Janeiro-Lisbo.1, 14/05/1792 (AHTC, ..,.. Rcquernnenro d os moradores do Con r111c11rc ... ", ant. J /08/1797 (AHU, RG, av., ex. 7,
cód. 4056 - fl . 257). d oc. 25).

128 129
CAPITULO 3 O ANTIGO REGIME NOS T RÓPICOS A DINÁMICA I MPERIAL P ORTl)GUES A

diminuiu o prec;o pago pelo contrato. Dessa forma, obteve um lucro de ministrac;áo e avarias nos couros. Com esta operac;áo obteve-se um lucro
249% para a arrematac;áo que teve vigéncia entre 1790 e 1792.50 Esse líquido de 75% no triénio, o u 20,5% anuais. Este nos parece um cálculo
cálculo, no entanto, náo considerou nenhum custo para a realizac;áo da mais fidedigno, feíto por funcionários locais, que deveriam conhecer mais
arrecadac;áo, o que nao é correto, pois havia que descontar, pelo menos, de perta as condic;óes de arrecadac;áo dos couros e suas despesas. O ra,
o salário dos administradores do contrato. aqui também estamos <liante do r endimento mínimo, pois, como lembra
Outra avaliac;áo foi realizada, para os anos 1788 a 1790, por um fun - a Junta, o lucro foi calculado
cionário da Fazenda Real do Rio de Janeiro. Nesta, mais completa, consi-
derou-se o número de couros desembarcados e seu prec;o na capital ... sem co11tar com os i11teresses ,¡,,e viio tirar 110 Rio de ]a11eiro pom onde
(superiores aos do Rio Grande), as despesas com direitos de alfandega e siio exportados todos os co11ros do co11tmto, e igualme11te cor11 os lucros
aluguel do trapiche (no Rio de Janeiro) e os salários dos administradores certos que ~peri111e11tm11 110 pagame11to que /nzem a Real Fazenda e111 le-
do contrato no Rio Grande. O resultado foi um lucro líquido de 200% tras e papéis correntes, comprados pela sexta e oitava parte e levados em
para toda a negociac;áo, ou 44,2% anuais. O próprio funcio nário repa- cauta c1 eles co11tratndores pelo seu valor i11teiro. 52
rou, no entanto, que náo estava computado o lucro da exportac;áo do gado
em pé, por náo possuir informac;áo a respeito, e que os dados obtidos no Ajunta em 1808 apresentou os dados para os anos anteriores de 1805
trapiche de desembarque seriam inferio res aos couros efetivamente de- a 1807; procedidos os cálculos da mesma forma, encontrou-se um lucro
sembarcados. Isso indica que estamos <liante de urna estimativa, que pode um pouco m aior, de 21,4% anuais. 53 Combase no procedimento anteri-
ser considerada mínima, de um lucro líquido anual de 44,2%, obtido no ormente exposto, calculamos os rendimentos do mesmo contrato para
Rio de Janeiro. 51 o triénio 1790-1 792, momento em que fara arrematado por um prec;o
Urna terceira estimativa foi produzida pela Junta da Real Fazenda do 44,4% superior ao da arrematac;áo anterior, de 1787, também obtida
Rio G rande do Su!, para o triénio de 1802-1804, ou seja, dentro do período pelos sócios Meirelles e Álvares. Tomamos o número de cauros e seu
de nove anos da arrematac;áo de Joáo Pereira de Almeida e sócios. Nesta, prec;o dos mapas de exportac;áo respectivos (AHU, RG, av., ex. 5, doc.
tomou-se o número de couros e gado em pé exportado, que foi multipli- 56) e nao incluímos o quinto do gado em pé, por náo termos informa-
cado "pelo prec;o mais baixo que corre no país". Diminuiu-se o valor do c;óes sobre esta exportac;áo. Obtivemos um lucro líquido de 110,6% no
contrato e, depois, um quarto do valor restante, a título de gastos de ad- triénio, ou 28,2% anuais. lsto rendo o prec;o do contrato subido 44,4%
em relac;áo ao anterior!
1ºEm 1790, pr imeiro ano do co nrraro, fo ram exportados 111.001 couros; seu quinto Pudemos também calcular o lucro líquido deste contrato coma venda
corresponde a 22.200, que foram multiplicados pelo valor un irário de 1$300. O produ ro foi dos couros no Rio de Janeiro, para o ano de 1787, combinando o proce-
mulriplicado por rres (dura~ao do co nrraro). O mesmo procedimenro foi feiro com os 5.755
novilh os exportados para Sao Paulo, ao pre~o de 1$200 cada um. Do que resulraram
90:723$600, d os q uais foi diminuído o valor do co nrraro, de 20:210$000. Co nclus:io:
"vem Sua Majesrade a pe rder nos rres anos 70:513$600". Rafael Pin ro Bandeira, Río
Sl"Demonstra~Jo do rcndamento que tave ram os acuaas contraradores do co nrr.ito do quinto
G rande, 12/0J/179 1 (AHU, Brasil Limites, ex. J , doc. 22J).
110 auror considera o número de 49.9J 4 co uros aporrados, no valor de 1$600 cada um ; as
dos comos e gado em pé (... ) de 1802 a 1804 ... " Po rto Alegre, 27/02/1805 (AHU, RG , av., ex.

despesas com cada co uro seriam de 240 réis, e o salá rio dos admin istradores no Río Grande,
12, doc. 30).
SlNesre documento consra o número de conros e gado em pé do quinto, bcm como seus valo-
de 2:000$000 a nuais. Do que resulrana um lucro d e 59:9 12$900, do q nal se abateraa o pre~o
res e o pre~o d o conrraro. O cálculo fo ¡ por nós realizado. "Demonstra~iío do rendimenro que
do contrato de 14:984$033, produz.mdo-se um lucro líquido de 44 :928$867. "Observa~ao
sobre o conrraro do q uinto dos couros e do gado em pé do Rio Grande". J oao Carlos Correa rivcr.1 111 os contraudorcs do con traro do quinto dos couros e g.1do em pé nos .inos de 1805 a
Lem os. Rio de Janeiro , 26/03/1791 (AN, vice-reinado, ex. 486, pac. 2). 1807... " Porro Alegre, 12/08/1808, pp. 129 a 138. (AN, ljj2., ex. 337, pac. 1).

1 32 133
CAPITULO 3

dimento de cálculo da Junta do Rio Grande e da Junta do Rio de Janei- tas particulares com as da sociedade, de forma que é impossível utilizá-
ro. 54 O resultado foi um lucro anual de 40, 7%, que inclui o rendimento las com um mínimo de precisao. 56
de venda dos couros no porto do R.io de Janeiro. Quanto ao contrato das passagens no Registro de Viamao, a dificul-
A avalia~áo dos ganhos com o contrato dos dízimos é bem mais difí- dade de avalia~áo fica por contada falta de dados sobre a quantidade de
cil, pois, como mais de urna vez referiram as autoridades coloniais , os animais que passavam pelo registro. A Junta da Fazenda do Rio Grande
contratadores procuravam ocultar seus lucros (quando os arrecadavarn produziu um cálculo para os anos de 1805 a 1807, multiplicando o nú-
diretamente) ou os pre~os pelos quais tinham vendido os ramos. No iní- mero de muares e potros que passaram pelo registro por 1$000, direito
cio de 1805, a Junta da Fazenda do Rio Grande do Su! realizou urna que se pagava por cabe~a. Nao foi computada nenhuma despesa para a
estimativa dos lucros dos contratos. A do quinto dos couros foi antes cobran~a do tributo. O resultado fo¡ um lucro de 61,6% no trienio, ou
comentada e utilizada; para os dízimos, obtiveram "os prer;os porque os 17,4% anuais. Observavam, no entanto, que este comércio vinha diminuindo
atuais contratadores arrendaram os diversos ramos desta capitania (...), muito, que o número de muares havia se reduzido a metade de 1805 para
segundo as informar;óes que esta Junta pode haver particularmente a este 1806, e que provavelmente haveria abarimento do valor do contrato em
respeito". Segundo essas informa~óes particulares, a venda de todos os arremata~áo futura. O lucro apontado, portanto, foi o obtido em um
ramos do trienio 1803-1805 (de Joáo Pereira de Almeida e sócios) atin- momento de queda daquele comércio.57
gia o valor de 47:813$000, enguanto os contratadores haviam pagado Efetuadas as avalia~óes possíveis dos lucros líquidos dos contratadores,
28:957$660. Entao, apenas na venda dos ramos, obtiveram um lucro resta comparar sua magnitude em rela~áo a outras atividades mercantis e
líquido de 65% no trienio, ou 18,2% anuais. A documenta~áo consulta- produtivas realizadas na América portuguesa. Schwartz (Schwartz, 1988,
da nao nos permitiu outras avalia~óes dos lucros do contrato dos dízimos. p. 204) considerou que os engenhos de a~úcar baianos propiciaram retor-
nos de 5 a 10% durante boa parte do século XVlll. Florentino (Florentino,
No trienio seguinte - 1806-1808 - , Joáo Pereira de Almeida e sócios
1995, p. 173) calculou em 19,2% o lucro médio do tráfico negreiro entre
optaram por recolher diretamente os dízimos, e náo vender seus ramos,
o Rio de Janeiro e Luanda, de 1810 a 1820 (com varia~óes entre 2,7% e
o que impossibilitou que a Junta da Fazenda realizasse estimativas.ss Já
44,1 %). Diante dessas taxas, os resultados por nós encontrados indicam
as extensas contas da sociedade de Meirelles e Álvares confundem con-
que o negócio dos contratos no Rio Grande (e provavelmente no restante
da colonia, com referencia a dízimos e registros) eram altamente com-
pensadores, como resumimos no qundro a seguir:
HMuluphcamos o número de couros do qu11110 (IJ.914) pelo pre~o corrente no Rio de J.tnei•
ro (1$.lOO), subrr.tímos o pre\o d o conrra10 em um .1110 (4:000$000), subtraímos rambém ¼
do valor resultante para despesas de .irrecada\iio e a seguir d 1minuímos aind.t 3:895$920 .1
tirulo de direitos de alfandega e armaz.enamenro no Ria de Janeiro ($230 por couro), resul- 16A perícia re.1liud.1 nesras cont;1s ;1ponrou um lucro líquido de 3.l l :680$947 p.ira .1 rot;1lid.1-
tando 5 :626$680 de lucro. Al inform.1~óes da quantia de cauros e seu pre~o no Ria foram de dos conrra ros (dízimos, de 1784 a 1789. e q11111ro dos rnuros, de 1784 .1 1793), o que
extraídas de ourra avalia~ao, anónima, do lucro do contrato para o ano de 1787 (AHU, RJ, represen ro u 180,4% sobre o v.ilor dos contra ros. 011 10,9% a1111a1s. Nov;1me11re, devemos 1o mar
av., ex. 140, doc. 96) e os gastos unirários por couro da avalia~ao já citada, realizada 00 Ria esre percen ru.11 como 11m 111d1c,mvo de lucro mínuno, po1s o sóc10 José C.1et.1110 Álvues u;¡o
de Janeiro para 1788-1790 (AN, vice-reinado, ex. 486, pac. 2). possní.1 11111,1 co11tab1hd.1de org.1111ud.1 e rcg1srr.1d.1 sobre os co111r,1tos. Ver l.indo e c,íknlo;,
JSM... nao senda possível a esta Junta calcular o verdadeiro valor deste contrato, por passarem dos pernos (AN, ex. 338, vol. 7, fls. 955 a 974).
os mesmos conrratadores a mand.uem administrar por con ta deles os sete maiores e mais ren- PQ 11úmerodem11l;1scaiude25: 179,em 1805, p.1ra 12:256em 1806e ll:055em 1807;os
dosos ramos (...) masé de se esper.1r que este conrr.uo (... ) sub;i de pre~o na uremar.1~ao potros foram 1 :J85 em 1806 e 389 em 1807. "Demonstra~ao de rcnd1me11ros qne uvernm os
fumra, pelo considerável aumento que u1 tendo ¡¡ agnculrura e cria\ao de animaisdesre país... • conrraudores d o co ntra ro d.is p.issagens dos ,u11m.11s pelos Registros de Vi.1mao e de St.t. V1tón.1,
1
(AN - IJJ Junta da Real Faz.enda - RG, oficios ao Ministério do Remo, ex. 337, pac. J, nestes .inos de 1805 a 1807" (AN - IJJ 1 Junu da Real Faz.end.1 - RG, ofíc10s ao Min1sténo
Porto Alegre, 12 de agosto de 1808, pp. 129 ,1 138v). d o Re 1110. ex. 337, p.1c. 1, Porto Alegre, 12 de ago;,ro de 1808, pp. 129 ,1 1J8v).

134 13S
CAPITULO 3 O ANTIGO REGIME NOS TRÓPICOS A DINÁMICA I MPERIAL PORTUGUESA

LUCRO LÍQUIDO (%) ANUAL DE DIVERSOS CONTRATOS tomado como índice de seu crescimento na ausencia de outros tipos de
ARREMATADOS DO R10 GRANDE, 1787-1807 fon tes.
Anos Quinto dos couros e gado ern pé Dízirno Registro de Viarnáo
O monopólio sobre os contratos do dízimo, quinto dos cauros e gado
lucro no lucro no em pé e do munício das tropas propiciava o desenvolvimcnto de ourros
Rio de Janeiro• Rio Grande negócios mercantis que refor~avam os vínculos entre diferentes cspa~os
1787 40,7% do su! da América portuguesa, estabelecendo redes mercantis que confi-
1788-1790 44,2% guravam certo ti po de mercado interno, cativo para esses negociantes:
1790-1792 28,2%
venda de manufatu ras no litoral catarincnse e aquisi<;áo de farinha de
mandioca para abastecimento das tropas e populac,:áo do Rio Grande;
1802-1804 20,5%
venda de manufaturas no Rio Grande em situa~áo privilegiada (devido a
1805-1807 21,4% 17,4%º
posi~áo de conrratadores, por intcrmédio de suas lojas e negociando com
1803-1805 18,2%
letras da Fazenda Real) e recolha de 10% do trigo (quando arrecadado
•incluí o lucro da venda dos conros nesre porto; nao incluí o rendimenro do gado em pé diretamente pelos contratadores) e 20% dos cauros para serem coloca-
••lucro bruto
Fon res: cf. texto.
dos no mercado da capital do vice-reino. Como arremataram sucessivas
vezes os contratos, esses negociantes refor~avam sua posi~áo de princi-
Recordemos que estas ta.>Cas devem ser consideradas mínimas, pois náo pais comerciantes dos produtos do extremo su! no mercado do Rio de
contemplam privilégios dos contratadores, como o pagamento dos con- Janeiro. Fragoso, observando os negócios de Joáo Pereira de Almeida,
tratos com letras da Fazenda Real obtidas com grandes descontos e a com- concluiu justamente que "um privilégio outorgado pelo Estado, nas máos
pensa~áo dos gastos do munício no pagamento dos valores do contrato de um empresário de grosso trato, poderia se traduzir em um refor~o de
dos dízimos e do quinto. práticas m onopolistas" (Fragoso, 1992, p. 268). No mesmo sentido,
A identifica~áo dos contratadores, a análise da evolu~áo dos pre~os Garavaglia (Garavaglia, 1999, p. 101) afirma que o controle de 10% dos
dos contratos, dos procedimentos de arremata~áo e de pagamento dos gráos por parte dos dizimeiros do trigo na campanha de Buenos Aires os
mesmos, das práticas de cobran~a dos tributos e das tracas possibilitadas tornou, em várias oportunidades, reguladores do pre~o do cereal no mer-
por sua realiza~áo conduzem-nos a algumas conclusóes. Os negociantes cado daquela capital.
de grosso trato do Rio de Janeiro monopolizaram o usufruto desses con- A arrematac,:áo dos contratos fo i, portanto, um poderoso instrumento
tratos pelo menos desde a metade da década de 1760. Obtiveram resulta- de acumula~áo nas máos dos negociantes do Rio de J aneiro, como fora
dos polpudos, pois os adquiriam por pre~os que náo acompanhavam na Europa. Por meio de transac,:óes em um mercado restrito e desde urna
mínimamente o crescimento da produ~áo rio-grandense. Essa compres- posic,:áo privilegiada, da usura e da especula~áo, enfim, dos instrumentos
sáo dos pre~os, principalmente enquanto os contratos foram arremata- propiciados pelo capital mercantil, puderam refor~ar seu lugar na elite
dos no Río de Janeiro, indica as condi~óes da elite m ercantil aí sediada de económica colonial. Para além disso, a forma como foram operados tais
defender seus interesses dentro da estrutura administrativa colonial. A contratos contr ibuiu decisivamente para a constitui~áo de um mercado
grande defasagem verificada entre a evolu~áo dos pre~os dos contratos e _!!ltemo, centralizado pelo Rio de Janeiro, e que incorporava os territórios
o crescimento das exporta~óes na década de 1790, por sua vez, nos con- mais recentemente ocupados do su! da América portuguesa.
duz a urna conclusáo metodológica. O pre~o do contrato do dízimo e
congeneres refl ete precari amente o aumento da produc,:áo, e só <leve ser

136 13 7
sEGuNoA PARTE Poderes e hierarquías no Ultramar
CAPITULO 4 A escravidáo moderna nos quadros do
Império portugues: o Antigo Regime
em perspectiva atlantica
Hebe Maria Mattos
O ANTI GO REGIME NOS lROPICOS A OINAMI\..A IM,.. C.Kll•U .. r v"' 1
""'•"·".,..,.-

Até pelo menos o advento das reformas pombalinas, a expansáo do nobreza, ofer ecendo restri~óes diversas a descendentes de judeus,
Império portugues se fez combase numa concep~áo predominantemente mouros ou ciganos. 1
corporativa da soci edade e do poder. Pensava-se a sociedade como um Por outro lado, a guerra contra os mouros implicou, freqüentemente,
corpo articulado, naturalmente ordenado e hierarquizado por vontade 0 cativeiro e a- escraviza~áo de prisioneiros de guerra de ambos os lados,
divina. Ao rei, como cabe~a <leste corpo, caberia fundamentalmente dis- acompanhada por vezes de elaboradas negociaCjóes de resgate, ao mesmo
tribuir merces conforme as fun~óes, direitos e privilégios de cada um de tempo em que engendrava a participa~áo d?s negociantes europeus no
seus membros, exercendo a justi~a em nome do bem comum. próspero mercado de escravos do norte da Africa. Em 1455, a bula Ro-
Segundo Antonio Manuel Hespanha e Ángela Barreto Xavier, "do manus Pontifex justifica o comércio de escravos e sua introdu~áo na Eu-
ponto de vista social, o corporativismo promovia a imagem de uma ropa crista, em nome da possível conversáo e evangeliza~áo dos gentíos
sociedade rigorosamente hierarquizada, pois, numa sociedade natural- africanos, escravizados por povos rivais ou capturados nas chamadas "guer-
mente ordenada, a irredutibilidade das fun~oes sociais conduz ñ irre- ras justas". A justeza da guerra era decidida pelo reí e esteve ligada, em
dutibilidade dos estatutos jurídico-institucionais" (Xavier e H espanha, geral, a legítima defesa, agarantía de liberdade de pregac;áo do evangelho
1993, p. 130). De fato, a contínua expansáo e transforma~áo da soci- e, para alguns, a garantía da liberdade de comércio (Hespanha e Santos,
edade portuguesa na época moderna tendeu a criar urna miríade de 1993, p. 396). O cativeiro se tornaría, desde entáo, a forma por excelen-
subdivisóes e classifica~óes no interior da tradicional representa~áo das cia de incorporac;áo ao lmpério portugues e a fé católica de indivíduos
"salvos" do paganismo pelo comércio negreiro ou pela guerr_a justa, no-
tres ordens medievais (clero, nobreza e povo), expandindo a nobreza
c;óes que, no que se refere a presenc;a portuguesa na costa da Africa, mui-
e seus privilégios, redefinindo fun~óes, subdividindo o "povo" entre
tas vezes se confundiram (Alencastro, 2000, pp. 168-180). Nesse contexto,
estados "limpos" ou "vis" (ofícios mecani cos) (Xavier e Hespanha,
incrementava-se o comércio de escravos a medida que os portugueses
1993, pp. 121-15 6).
desbravavam a costa ocidental da África.
Essa contínua transforma~áo da sociedade portuguesa da época mo-
A condi~áo de escraviza~áo como forma de incorpora~áo ao lmpério,
derna náo se fez, entretanto, limitada ao território europeu, mas sera-
permitindo o acesso a "verdadeira fé", já aparece como idéia claramente
mificou por um vasto Império, que se expandia em nome da propaga~áo
formulada e estruturada na Crónica de Guiné, de Comes Eanes Zurara.
da fé católica. Nesse processo de contato com outros povos desenvolve-
Ao descrever a cena da repartic;áo de urna partida de escravos na presen~a
ram-se concep~óes jurídicas próprias para a incorpora~áo dos novos ele- do Infante D. Henrique, em urna praia de Lagos, em 1544, o cronista
mentos convertidos ao catolicismo e assim integrados ao corpo do
considera:
Império. Cap. XXV: "No outro dia, [... ], come~aram os mareantes de correger
Para que a concep~áo corporativa de sociedade predominante no (sic) seus bateis e tirar aqueles cativos, [... ] E assim trabalhosamente os
Império portugues pudesse informar os quadros mentais e sociais de acabaram de partir,[... ] O Infante era ali em cima de um poderoso cava/o,
sua expansáo, era necessária a existencia prévia (ou a produ~áo) de ca- [...J, considerando com grande prazer na salva~iio daquelas almas, que antes
tegorias de classifica~áo que definissem a fun~áo e o lugar social dos eram perdidas" (apud Lahon, 2000, pp. 24-25).
novos conversos, fossem ma uros, judeus, ameríndios ou africanos.
Desde pelo menos o século XV, além das restri~óes aos que se dedica- ªNa Espanha e em Portug.il, os estarntos de pureza de sangue limit.iv.1m o acesso a c.irgos
vam aos chamados ofícios mecanicos, o conceito de lim peza de sangue públicos, eclesiásticos e a títulos honoríficos aos chamados c ristaos-velhos (fam íhas que já
seriam católicas há pelo menos quatro gera~óes). A limpeza de s.ingue em Portugal remonta as
determinaria diferencia~óes no seio do pavo e limitaría a expansáo da
Ordena~óes Afom,i1us (1446/7) (C.uneiro, 1988, cap. 2).

144 14 S
CAPITULO 4 O ANT IGO REGIME NOS T RÓP ICOS A DINÁMICA I MPERIAL PORTUGUESA

É bem verdade que, no século XV, no contexto da guerra contra o Islá 5). No mesmo século XVII, os sermóes de Vieira, já no seio da sociedade
e da explorac;áo inicial da costa da África, o comércio de cativos aparecia escravista baiana plenamente esrabelecida, reiterariam a conversáo dos
como urna conseqüencia secundária do processo de expansáo, nem po r africanos na América como justificativa suficiente para a legitimac;ao do
isso menos fundadora do estatuto de inserc;áo desses novas conversos no seu cativeiro.
Império portugues. Entre os séculas XVI e XVIII, mais de 1 milháo de
pessoas viveram como escravos na Península Ibérica. A populac;áo escrava Assim, a Máe de Deus antevendo esta vossa fé, esta vossa piedade, esta
somava, em finais do século XVI, cerca de 10% da populac;áo do Algarve vossa devoc,:áo, vos escolheu de entre tantos ourros de tantas e táo dife-
e de Lisboa. Desde entáo, a presenc;a escrava em Portugal continuou a rentes nac,:óes, e vos trouxe ao gremio da Igreja, para que lá [na África]
como vossos pais, vos náo perdesseis. E cá [no Brasil] como fi lhos seus,
crescer em números absolutos até a proibic;áo da entrada de novas cativos
vos salvásseis. Este é o maior e mais universal milagre de quantos faz cada
no reino, pelo Marques de Pombal, em 176 1. 2
dia, e tem fei to por seus devotos a Senhora do Rosário [... ] Oh, se a gente
Fundada em relac;óes de poder construídas costumeiramente na ex- preta tirada das bren has de sua Etiópia, e passada ao Brasi l, conhecera bem
pansáo portuguesa na África, a escravidáo se naturalizava integrando-se a quanto deve a Deus, e a sua Santíssima M iie por este que pode parecer
concepc;áo corporativa da sociedade. Nenhuma legislac;áo portuguesa ins- desterro, cativeiro e desgrac,:a, e niio é seniio milagree grande mi lagre.J
tituía a escravidao, mas sua existencia como condic;áo naturalizada esteve
presente nos mais diversos corpos legislativos do Império portugues. Este Se, ao longo do século XVII, os "excessos" do tráfico negreiro na África,
foi, por exemplo, o caso da legislac;áo sobre as alforrias, inserida na parte os ataques aos índios aldeados nas missóes ou o constante ultrapassar dos
referente ao direito de propriedade das O rdenac;óes Filipinas, na qual a limites da guerra justa engendraram polemicas e discussóes teológicas, a
alforria era comparada a urna doac;áo que podía, entretanto, ser revogada realidade naturalizada da possibil idade do estatuto jurídico de escravo
por ingratidáo (Faria, 2000, pp. 29-32; Malheiros, 1976). formava a base dessas discussóes. Importa menos, do po nto de vista aqui
As noc;óes de cativeiro justo e de guerra justa ocuparáo lugar central defendido, o quanto os conceitos de guerra 1usta ou de justo cativeiro eram
no pensamento teológico-jurídico do Império portugues. Apesar da orien- deturpados no cotidiano violento dos confins da América ou da África; e
tac;áo favorável a liberdade natural dos ameríndios, o cativeiro legitimado mais, o u antes, como neles residia a própria possibilidade de se pensar a
pela guerra justa ao índio pagáo e hostil permaneceu na América portu- expansáo do Império.
guesa até o advento das reformas pombalinas. Ponto de muitas contro- Parece-me, portanto, que se equivocam os autores quando tomam
vérsias religiosas, a teologia moral do século XVII defendería ponto de como deturpac;ao dos valores básicos da cristandade, fo rc;ada pelo prima-
vista semelhante em relac;áo aos africanos, nao mais reconhecend o a con- do de urna lógica mercantil, a construc;ao de justificativas religiosas para a
versáo forc;ada como justificativa suficiente para o cativeiro. M esmo em expansáo da ordem económica e social escravista na América portuguesa.
terras africanas, apenas a guerra justa justificaría a escravidáo, passando- Ao contrário, a possibilidade do cativciro do gentio americano ou africa-
se a presumir a injustic;a do cativeiro proveniente das guerras intertribais no foi antes construc;áo de quadros mentais e políticos, de fundo corpo-
e da ac;áo puramente mercantil dos negreiros (Hespanha e Santos, 1993, rativo e religioso, possibilitadores daquela expansáo, inclusive na sua
p. 409, nota 5). Os jesuítas na América e na África seriam as principais dimensao comercial. Conseguir cativos índios o u africanos, o que signifi-
vozes discordantes dentro da Igreja nesse contexto (Alencastro, 2000, cap. cava tornar-se senhor de terras e escravos, afidalgando-se nas colonias, foi

ZQnanro :i emmanva par,1 ,1 Penínsnl,1 lbénc.1, Vincenr, 1999. P,1ra os demais dados sobre JP,1d re Anrómo V1e1rn, SermJo XIV, ,) lrm,11td.1de dos Negros do Rosáno da Bahaa (apud
Porrngal, L.1ho11. 2000, p. 13. Alencasrro, 2000, p. 18J ).

14 6 14 7
1nvr-,' -""'J ,.. -•·•~•···-.
0 ANTI GO Htl>IM C niv:.

uma das grand es motiva~óes a rrazer milhares d O estatu to de purez a de sangue, apesar de sua base religi
osa, const ruía,
a avent ura da conquista. e colon os portu guese s para
de carát er proto -
sem dúvida, uma estigmatiza~áo baseada na ascendencia,
Obvi amen te, os quad ros cultu rais e olítico d racial , que, entre tanto , nao era usada para justificar a escra
vidáo, mas antes
partíc ipes do proce sso de co11st1'tu·1 - d e psocie . s as cultu ras africa nas da por cristáos-
• ~ªº dad ·
1stas na Amé• para garru1tir os privilégios e a honra da nobre za, forma
nea tamb ém tem de ser (e r·cm s1'do) cada vez es· escrav·
. • . mrus consi derad os (Flo- velhos, no mund o dos home ns livres.
rentino, 1995; Thor thon 1992)• A preexistenc os, judeu s e
. . , ia de u
m merc a
d d
o e cativos A partir do século XVII, além de desce ndent es de mour
na Africa e seu papel centra l 1 • . s estari am sujei-
para a po 1t1ca das s ,· d ad es africa
d ocie
..
nas da ciganos, tamb ém os desce ndent es livres de negros e índio
época mode rna, diant e da e _ ha de sangue
rescente eman da e
.,
,.
urope ia, nao pode m dei- tos as restri~óes impo stas pelos diversos estatu tos de manc
xar de ser consi derad os. O esta t uro ue , bem como aos
. . escravo .
1srenre enq uru1ro que regul avam o acesso aos principais título s honor íficos
categ ona 1urídico-instituc1·011al no conte xto do A , tipreex . gues.
11
go
R •
egime e da Afric a cargos públicos e eclesiásticos em todo o Impé rio portu
pré-c oloni al, expan dir-se -ia na A • . áo de con-
. mene a portu gues d . d
a, pro uzm o uma so- Por outro lado, o espa~o colonial, especialme nte em situa~
c1edade escravista de novo t·1po. presta dos a Coro a,
quista, possibilitava a "limp eza do sangue" por servi~os
. Por outro lado, o desdo bram ento das rela - .. s cristáos-novos
~o~s. soc1a1 s de poder , que abrin do camin ho as honra rias e merces. Além dos muito
'd-
fundavam a possibilidade da escrav1 ao produ zma t b. merces por lide-
am cm os forro s e atraídos acolonia, sáo comuns os casos de recebimento de
seus desce ndent es, abrin do-s e um novo ' camp o d 1 - ran~as indígenas aliadas dos portugueses. Os casos de desce
5 ndentes de afri-
a~oes costu meira s
de pode r a produ zir continuam ente novas categoríase re . . h. canos em situa~áo simila r sáo bem menos conhecidos.
Apesar disso, pelo
De fato, apesar de as difcre11ras d d socia.is ierarquizadas. honoríficos pelos
• :r e cor e e ca t . . f
rae enst1 cas ísicas re- meno s um exemplo de ex-escravo que recebeu cargo s
for~arem as marc as hierá r qurca . O negro Henr ique
s no proce sso de - d servi~os prestados aSua Majestade é bastante conhecido.
mode rna, elas nao foram real ment e necessanas . . expan sao a escra vidáo ipou de forma
. p
ara
· · fi . •
JUStl rcar a existe n-
Días, coma ndand o um exército de escravos e forros, partic
c1a da escravidiio (Schw arcz M a vitóri a portu -
- d , 1993 ; anos, 1999) • Afirm ar que a 1eg1t1- .. decisiva nas !utas contra os holandeses, contr ibuin do para
ma~ao a escravidáo moder 11a ¡- e
· · - .
1 ao se 1ez em b guesa em 1654.
. - ases rac1ai s nao impli ca,
entre tanto
.
, consi derar que estig1 n
as e
d.
1st111
. d d
~oes com b
. ase na ascen denci a
• r Ex-escravo, seus feítos de bravu ra cm nome da Coro a o
limpa ri am do
sangu e". Depo is
d e1xas sem de estar prese ntes nas socre a es do Antig o Reg1me . "defe ito mcca nico" , bem como da cham ada "man cha de
. e, em es-
pec1al, no Impé rio portu gués. O estatu to d a purez a de san da vitória final dos luso-brasilciros, Henr ique Días receb
eu de D. J oáo IV
. . .• . gue em Portu-
gal , limitando o acesso a cargos pu. 61.reos, ec1es1ast 1cos e tí I h / a come nda dos Moin hos de Soure e da O rdem de Crist
o. Algun s anos
aos cham ados cristáos-vclhos (fami.11as . .• . ª tu .os. onoríficos si e seus genros,
que Jasen depoi s, viajou a Portugal e pediu foro de fidalgo para
meno s quatr o gera~óes) remo nta as , O d - am cato 1icas há pelo haviam lutad o
r ena~o es Afo · (l além de alforr ia para os soldados e oficiais escravos que

gmdo os desce ndent es de mou ros e ¡u . d nsmas 446/7), atin- , 1988).
eus As O d - l_sob seu coma ndo (Raminelli, 2000, pp. 279-280; Mello
(1514/21) esten deria m as rest n..~oes - b. · r ena~oes Manu elina s es de afri-
• tam em aos de d Por meio das alforrias e dos casamentos mistos, desce ndent
e mdígenas. As Ordena~óes Filipinas (1603 scen .entes de ciganos rando -se a urna
canos e de indígenas tornavam-se súditos do lmpério, integ
) acrescentar1am a lista os ne-
gros e mulatos. 4 a heter onomia
socie dade que, ao mesm o temp o, reiter ava conti nuam ente
levas de estran -
da situa~áo colo nial, na incor pora~ao repet ida de novas
'Pomb,11 revo¡:Mi,t em ¡ 77 6 , "~ resrrn,o• es .tos Je.cen d. d
' en res e ¡udcns, mouro s e 111díge11,1s,
m.ts ,Is resrn~o es .tos descend enres de .tfncan os se m,1nre rum p.t . dos c.tsos 111,11s ,111t1gos e con hecidos é o Jo chefe Temim
mó, Ar.mb óu, 11,1 lut,1 conrr.1 os
.
Pel ,1 eonsr1ru1\,10 de 1824 (Cune1 ro 1988 M,ircos, 1999)., ras serem ro111p1d
6 ,1s no Br.ts1l 1Um

· , frances es no Rio de J,111e1ro (Mcndo n~.i, 1991 ).

148 149
t..At-'11 ULO 4 V " ' ' " ' '"'"" ,.,._...,., ,.,,.,. •• ....... • ....... • _..,.,. ....... , . . ....... . - ·~ . ... . - · ·· · · - . - .. - - - - -

geiros africanos (escravos comprados no tráfico atlantico) ou indígenas, mesmo quando já se haviam convertido ao catolicismo. Na segunda peti-
trazidos aos aldeamentos pelos descimentas ou escravizados pelos colo- <;áo, alguns anos depois, argumentaria a favor "dos pretos e pardos filhqs
nos, supostamente por "resgate" ou "g uerra justa" (Mo nteiro, 1994; de país cristáos no Brasil e na cidade de Lisboa", considerando que os
Alencastro, 2000, p.119). A contínua incorpora<¡:áo de estrangeiros, como cristáos-velhos teriam recebido do papa, num passado distante, autoriza-
escravos ou índios aldeados, assume caráter esrrutural a sociedade que se <;áo para converterem os negros pagáos ao cristianismo e para possuí-los
formava na América portuguesa. Nesse processo, a colo nia brasileira se como escravos durante este período. Argumentava, porém, que tal auto-
diferenciava no ámbito do Império, constituindo-se enguanto sociedade riza<;áo náo poderia se estender de maneira ncnhuma a seus filhos o u aos
colonial e escravista com hi erarquias sociais e classifica<¡:óes proto-raciais filhos de seus filhos, já nascidos no seio da cristandade e merecedores do
específicas. sacramento do batismo.8 Para Louren(j'.O, este "diabólico abuso da insri-
Em 1987, um artigo de Richard Gray, na revista Past and Present, apre- tui(j'.áO da escravidáo", a que acrescentava sempre urna viva descri(j'.áo das
sen ta-nos um aparentemente improvável personagem, Louren<¡:o da Silva torturas e maus-tratos a que eram submetidos os escravos, levava muitos
Mendon<¡:a. Em 1682, Louren<¡:o apresentou-se em Roma, com recomen- carivos ao desespero, ao infanticídio e ao suicídio. Pedia, portante, a con-
da<¡:óes de Madri e Lisboa, que o apresentavam como "moreno natura/e dena(j'.áo papal de tal prática, sob pena de excomunháo para aqueles cris-
del Brasile" e "homem pardo natural <leste reino de Portugal", respectiva- táos que nela perseverassem.
mente (Gray, 1987, p. 53). Suas recomenda<¡:óes portuguesas, assinadas A surpreendente histó ria de Louren(j'.O muito nos informa sobre o con-
pelo escriváo apostólico Gaspar da Costa Mesquista, em Lisboa, no ano turbado século XVII, fazendo emergir um momento em que as categorias
de 1681, o declaravam "procurador bastante de todos os homens pardos sociais e as hierarquías proto-raciais específicas a nova sociedade colonial
neste reino, em Castela e no Brasil"6 • Trazia também recomenda<¡:óes de escravista estavam em processo de forma(j'.áo. Em cada urna de suas apre-
Madri, assinadas por Giancinto Rogio M onzon, em 23 de setembro de senta<¡:óes, Louren<¡:o apresenta urna idenrifica<¡:áo diferente: " homem par-
1682, que o declaravam procurador geral de urna influente irmandade de do", em portugues; "moreno natura/e del Brasile", em italiano; " na
tradu(j'.áo em italiano da recomenda(j'.áo em espanhol; "della Regio Stirpe
homens pretos. Nesta condi<¡:áo estava autorizado (APF, 2645-85, pp. 486-
de i Re di Congo, et Angola", na peri(j'.áO assinada pelo próprio Louren(j'.o,
88) a estabelecer novos ramos da confraria em qualquer cidade ou lugar
da cristandade. redigida em italiano. Descortina-se de sua trajetória, já no século XVII, a
existencia de urna elite de homens pretos e pardos com surpreendentes
Junto a essas duas cartas que o recomendavam (affidavit), apresentou
conexóes por todo o lmpério e para além dele. Ilumina-se, também, um
duas peti<¡:óes ao papa Inocencia XI. Na primeira dizia-se homem de "san-
momento em que pardos e pretos, africanos e seus descendentes na Amé-
gue nobre dos reís do Congo e de Angola"7 , argumentando contra a es-
rica, ainda se confundiam do ponto de vista idenritário. Por outro lado, as
cravidáo perpétua dos africanos escravizados e de seus descendentes
' peri<¡:óes de Louren<¡:o e a aten<;áo que recebem do papado nos informam
sobre os efeitos da expansáo das colonias escravistas na América nas dis-
6
Arqnivo da Propaganda Fide, Roma , Scrriturc riíerire nei congressi. series Africa, Angola , cussóes teológicas sobre as condi<¡:óes do cativeiro justo no seio da cris-
Co ngo, Senegal, ~sole d~l~•Oceano Atlantico (1645-1685), fo 486 (affidavir assinado por Gaspar tandade.
da Costa Mesquira, ongmal cm po rtugués), fo. 487 (affidavit ,tSSinado por Giancinto Rogio
Mo 11 zo11 (tr,1d11\,i o 1ulu110 de o n g111,;I cm csp,1 11ho l), fo 488 (rradn~;io c m ir..tli,1110 d o ,tffidavn
Discutindo, especialmente, esta última questáo, o artigo citado de
de Gaspar da Costa Mesqnista). Todos os documentos c itados referentes ao caso de Louren~o Richard Gray desenvolve, como eixo básico de sua argumenta(j'.áo, a pro-
da Silva Mendon~a foram pessoalmenre consultados no Arquivo da Propaganda Fide .~ parrir
das 1ndica~óes d o artigo cirndo de Ricard Gray.
' APF, Scrirrure origin:tle riferire nelle Congrcgazioni gcnerali (SOCG), 49 0, fl. 140, s.d. 1 8APF, SOCG, 495 a, fl. 58.

1 5O 15 1
CAPÍTULO 4 O ANTI G O REGIME N O S TR Ó P ICO S A DINÁM I CA IMPE RI AL P O RTUGUESA

posi s:áo de que a petis:áo de Lourens:o teria tido a primazia de iniciar, no princípios da teologia moral predominante na Península Ibérica do seis-
ambito do Santo Ofício, urna discussáo sobre as condis:oes em que se centos, considerariam que apenas a guerra justa seria justificativa para a
faziam o tráfico atlantico de escravos e a escravidáo negra nas Américas. escravidáo dos negros africanos, "porque usualmente estes escravos teriam
Um ano depois da petis:áo de Lourens:o, seria a vez dos capuchinhos, que sido vendidos por infiéis que os capturavam por violencia ou dolo, quer
atuavam como missio nários na África, apresentarem um m em orandum porque as guerras intertribais seriam mais latrocínios que guerras; daí que
condenando a crueldade com que o tráfico atlantico de escravos se desen- pecasse quem os vendesse ou comprasse sem prévia e cuidadosa averigua-
rolava. Como a petis:áo de Lourens:o, o memorandum capuchinho náo qiio" (Hespanha e Santos, 1993, p. 409, nota 6). Por outro lado, a peti~áo
condenava a escravidáo em si, coisa que aliás nenhuma instituis:ao do de Lo urens:o baseava-se ainda nos princípios da bula Romanus Pontifex,
mundo atlantico do período (crista ou nao) fazia. Argüindo sobre as con- defendidos no seiscentos por autores como Antonio Vieira, considerando
dis:óes do "cativeiro justo", os capuchinhos pregavam uma "ética cristá" a conversáo condis:áo suficiente para justificar a escravizas:áo. Em ambos
para o comércio e a possc de escravos em 11 pontos específicos que, se- os casos, a naturalizas:áo da possibilidade do cativeiro é urna premissa.
gundo o autor, se fossem seguidos, os inviabilizariam, de fato. 9 A separas:áo real de um comércio negreiro cristáo e o utro pecador na
Emperradas na burocracia canónica, as discussóes eclesiásticas entre África se configurava como urna formulas:áo ética de caráter geral, de
os capuchinhos e as autori dades de Roma custaram a chegar a alguma impossível fiscaliza~áo, urna vez capturado o escravo. Se sancionados pelo
conclusáo. Segundo Gray, teria sido a apresentas:áo da segunda petis:ao de papad o os termos da peti~áo de Louren~o, entretanto, milhares de escra-
Lourens:o o que acabarí a por determinar um pronunciamento do papado vos católicos nas Américas deveriam ser libertos por seus senhores sob pena
sobre a questáo. de excomunháo. Náo é de forma ingenua que D. Lourens:o, como era
Em 20 de mars:o de 1686, Roma decidiu náo acolher os termos da identificado em suas recomenda~óes espanholas, insinuará em sua segun-
petis:áo de Lourens:o, mas finalmente endossa o memorandum dos capu- da peti~áo que os senhores brasileiros mantem em escravidáo seus escra-
chinhos (Gray, 1987, p. 52). Gray considera os 11 pontos do memorandum vos cristáos po rque, em sua maioria, eram eles próprios "cristáos-novos".
dos capuchinhos urna verdadeira declaras:áo sobre "direitos humanos", Conhecedor das diferencia~óes hierárquicas existentes entre os cristáos
sendo "muito mais avans:ados" que os termos da petis:áo de Lourens:o por livres, das discussóes entáo correntes sobre a liberdade dos índios, D.
náo fazerem distins:áo entre cristáos e nao-cristáos. Chega mesmo a con- Louren~o constró i sua argumenta~áo a partir da lógica própria do Antigo
siderar apenas como "urna cstratégia" dos capuchinhos a náo-condena- Regime, buscando enfatizar suas hierarquiza~óes e caracterizar a escravi-
s:áo formal da instituis:áo da escravidáo em si {Gray, 1987, pp. 63-65). Ao dáo como urna categoría de transito do paganismo ao corpo social da cris-
fazer isso, ignora o que Lourens:o demonstra conhecer muito bem: o amago tandade.
da legitimas:áo da instituis:áo escravista no seio da cristandade, que cons- M esmo tendo esse conhecimento, ao contrário dos capuchinhos, Lou-
tituía a própria possibilidade do "cativeiro justo" (Gray, 1987, pp. 64-65). ren~o náo logrou exito em seu intento. Apesar das muitas repreensóes ecle-
A nos:áo de "cativeiro justo" está na base da argumentas:áo tanto dos siásticas aos "excessos" senhoriais no trato com os escravos, o estatuto
capuchinhos como de Lourens:o. Os capuchinhos negavam que a conver- jurídico de escravo no processo de expansáo d o Antigo Regime europeu
sáo dos bárbaros a verdadeira fé fosse razáo suficiente para justificar a e, em especial, no que se refere ao lmpério portugues, permaneceria o
escravidáo, definindo, a partir deste princípio, toda uma detalhada ética mesmo por todo o período colonial. A condi~áo de escravo náo se extin-
cristá para o comércio de escravos e a escravidáo. O u seja, seguindo os guiria, urna vez incorporado o cativo pagáo ao Império e a fé. Completa-
mente sujeitos a vontade senhorial, os escravos deveriam obedecer a seus
1 'APF, SOCG, 492, fl. 196. senhores e semente servindo-os bem poderiam aspirar a alforria que só

1S2 1S3
C AP Í T ULO 4 O ANT IGO R EGI M E N O S TR ÓP I COS A D I NÁM IC A IM PER I A L P O RT UGU E S A

O período pombalino reverteu, do ponto de vista formal, a concep- dez cativos. Entre esses pequenos senhores, a presen<;a de descendentes
<;áo corporativa da sociedade e do poder. O refor<;o do poder real influen- de africanos era comum, incluindo muitos libertos, eles próprios vindos
ciado por alguns prindpios do Iluminismo permitia propor transformar da África (S chwartz, 1988, cap. 16).
hierarquías e privilégios sociais. Nesse sentido, a proibi<;áo da entrada Nesse contexto, mesmo soba propagar;áo de idéias liberais, a con-
de novos escravos no reino (1761) e a liberdade dos escravos nascidos tinuidade da escravidáo sob a égide do direito de propriedade perma-
em Portugal, em 1773, desnaturalizavam, pela primeira vez, o estatuto necería inquestionada. Por o utro lado, desde a cham ada Conjura<;áo ·
jurídico de escravo, que, independentemente da vontade senhorial, po- dos Alfai atcs, em 1798, a igualdade entre pardos e brancos juntamen-
día simplesmente ser abolido por lei. A abolir;áo dos preconceitos de te com o aumento do soldo das tropas foram apresentadas como prin-
sangue contra indígenas e cristáos-novos produziu efeitos semelhantes. cipais reivindica<;óes de caráter popular no bojo das agita<;óes políticas
Apesar disso, urna concep<;áo hi erarquizada de sociedade, própria do de cunho liberal do período (Schwartz, 1988, cap. 16; Marros, 1999,
Antigo Regime, permaneceu (Xavier e H espanha,-1993). A proibir;áo da pp. 25-26).
entrada de novos escravos em Portugal náo se fez em nome de qualquer Segundo estimativas da época, no final do período colonial, o Brasil
princípio geral de igualdadc civil, mas em no me da diferencia<;áo de in- centava com cerca de 3,5 milhóes de habitantes, dos quais 40% eram es-
teresses entre o reino e suas colónias. 12 Do mesmo modo, a liberdade do cravos. Dos restantes, 6% eram índios aldeados, e os demais classificados
ventre se produziu considerando o número de gera<;óes submetidas ao metade como "brancos" e a outra metade como "pardos". J á na década
cativ eiro, baseando-se, portante, no princípi o da "infamia" - que de- de 1780, os homens livres classificados como pardos eram estimados em
vi a ser herdada por pelo menos tres gerar;óes - , pró pri o do Antigo cerca de 1/3 da popular;áo, grande parte deles sendo possuidores de es-
Regime (leí de janeiro de 1773, npud Lahon, 2000, pp. 80-83). Pelo cravos. Para se ter urna medida de comparac;áo, pela mesma época, os
mesmo princípio, permaneceu vigente o preconceito de sangue contra descendentes de africanos livres náo somavam mais de 5% da popular;áo,
os descendentes de escravos, que, no Brasil, só seria revogado com a seja nos Estados Unidos, seja no Caribe (Schwartz, 1987 e 1988, cap. 17;
primeira Constituir;áo monárquica após a independencia, em 1824 (Car- Mattos, 1987).
neiro, 1988; Mattos, 1999, pp. 20-21). Se as fronteiras entre brancos e pardos na popular;áo livre coloni al
A ar;áo de desnaturalizar;áo das hierarquí as sociais empreendida pelo comer;avam a ser desnaturalizadas e politizadas, no contexto das trans-
advento das reformas pombalinas sobrepós-se, nas colonias, a difusáo das formac;óes políticas e culturais das últimas décadas do período colonial
"idéias fr ancesas", a fa larem em libcrdade e igualdade. Essas idéias os limites práticos entre a condi<;áo livre e escrava continuaram depen-
incidiram, entretanto, em um contexto social no qua! a mai or parte da dentes de práticas costumeiras de poder, sujeitas apenas a arbitragem
popular;áo livre era, o u pretendía ser, possuidora de escravos. No Recón- do poder real. Alg uns casos de ar;óes de liberdade acorridos nos primei-
cavo Baiano, principal área exportadora do final do período colonial, a ros anos após a independencia política do Brasil, mas cujos processos
maior parte dos escravos morava em propriedades de menos de vinte ca- remontam ao final do período colonial, ilustram essa continuidade bási-
tivos, e cerca de 80% dos proprietários de escravos possuíam menos de ca da lógica de inser<;áo do estatuto de escravo no lmpério portugues -
condir;áo instauradora da constituir;áo de urna o rdem social escravista
12
'" ••. contra ~s Leis, e coscumes de ou rras co rees polidás se cr,111sporca a nnuJlmcnce da África, no Brasil colonial.
Amcric,1, e Asia p;ira esces Re inos h um ciio extráordin ário numero de escráVOS precos, que Na província do Ria de J aneiro, município de Campos dos Goitacazes,
fazen d o nos mens dominios Ulcr,1m,1r111os huma sensivel falca parn a cultura das cerras e das
em 1835, em um processo cível de ar;áo de liberdade, a crio ula forra Anna
M111,1s, ~ó vem ,teste concmence o cupar o~ lugJrcs dos mo ~os de servir, que fic.rndo sem como do ,
se encreg,tm ,t ociosidadc ... " (lei de 19 de secembro de 1761 , apud Lahon, 2000, pp. 78-80). Francisca embasava as alegar;óes a favor da liberdade de seu filho numa

15 6 15 7
CAPITULO 4
O ANTIGO REGIME NOS TROPICOS A DINÁMICA IMPERIAL PORTUGUES A

carta de alforria, datada de 2 de fcvereiro de 1789. 13 Nesta carta, ela teria judicial a favor de sua libcr<lade e agora também da <le scus filhos, Anna
sido liberta ainda crian<;a, juntamente com os cativos Joáo e Mariana, teria contado com o apoio de Joaquim José Nunes, irmáo do autor da
casados, e urna segunda crian<;a, chamada Romáo, por um dos herdeiros carta de alforria original. De fato, desde cntáo, a família senhorial estive-
de seu senhor, mediante a dedu<;áo de seus valores do valor herdado pelo ra dividida, de modo que, apesar da sentcn<;a desfovorávcl, Anna e Romáo
libertan te. Após esta carta, entretanto, os demais herdeiros teriam contes- teriam continuado a viver efetivamentc como forros, na fazenda de Joa-
tado a alforria, num suceder de agravos que teriam terminado no tribunal quim José Nunes, enguanto os filhos de Arma, partilhados, eram rcduzi-
da Casa de Suplica<;áo de Lisboa. Segundo Anna, o agravo final teria sido dos ao cativeiro. Nao se sabe o que aconteceu com os outros irmáos, mas
decidido a seu favor. José continuava submetido ao cativeiro e, em seu nome, Anna entrara com
O fato é que, em 1835, Anna e Romáo viviam como livres em Cam- a a<;áo de liberdade de 1835. Segundo aqueles que eram acusados de o
pos dos Goitacazes. Era na condi<;áo de liberta que ela dera entrada, em reduzirem ilegalmente a escravidáo, entretanto, se Anna e Romáo viviam
nome do filho, na referida a<;áo de liberdade. Romáo, a outra crian<;a li- como livres era porque seus proprictário s deles desistiram e náo os recla-
berta em 1789, também vivia como livre, tinha a profissáo de pedreiro e, mavam como cativos, seja pela for<;a, seja pela competente a<;áo de escra-
nesta condi<;áo, tinha sido até mesmo nomeado avaliador de obras da
vidáo.
Cámara Municipal. Os filhos de Anna, entretanto, estavam reduzidos ao O fato é que nunca existiu urna segunda carta de alforria posterior ao
cativeiro. nascimento das crian<;as, e a liberdade que Anna e Romáo usufruíam, de
Segundo Anna, após a alforria, ela teria continuado a viver, "por cos- fato, permitia que agissem como livres, de direito. Enguanto forra, Anna
tume" e "por ser muito crian<;a", coma avó do libertante. Após as segun- foi condenada a pagar as custas da a<;áo de liberdade que havia movido
das núpcias desta e de seu falecimento, Anna fora descrita, avaliada e contra os senhores de seu filho José, que teve sua condi<;áo de escravo
partilhada como cativa, bem como seus filhos, Severo, Maria e José, nas- reiterada pela Corte de Apela<;áo.
cidos todos após a concessáo da carta de alforria alegada. Ternos aqui urna situa<;áo exemplar para considerarm os as condi<;óes
Como Anna, de cativa partilhada, tornara-se forra sem contesta<;óes? pelas quais se produzia cotidianam ente no mundo colonial a condi<;áo
Como, mesmo enguanto forra, conseguira acesso a pessoalizada e intrica- cativa, para além da introdu<;áo dos africanos recém-chegados. Era ne-
da administra<;áo judiciária local, impetrando recursos até a Corte de cessário, antes de rudo, um consenso, em termos das redes pessoais que
Apela<;áo? Por que, em face do reconhecim ento da condi<;áo de liberdade instituíam as hierarquías na sociedade local, para que fosse reconhecida a
da máe, seus filhos haviam permanecid o reduzidos a escravidáo? condi<;áo de escravo ou forro. Quando este consenso náo se produzia, cabia
As alega<;óes interpostas por autores e réus, herdeiros de Juliáo Cabral, a Coroa arbitrar as dúvidas em rela<;áo a condi<;áo de livre ou de escravo.
esclarecem sobre as alian<;as tecidas por Anna para ver reconhecid a sua Por todo o período colonial e, de certo modo, até meados do século XIX,
posi<;áo de forra e para ter acesso a instancia judicial. Já quando da parti- os fatos jurídicos que conformava m a condi<;áo livre ou cativa foram pro-
lha após a morte da avó do libertante, em 1810, Anna entrara com urna duzidos, primariame nte, com base em rela<;óes costumeira s (socialmente
a<;áo de liberdade, por si e seus tres filhos, na qua] foram todos considera- reconhecidas), sempre tributárias das rela<;óes de poder pessoal e de seu
dos cativos.
equilíbrio. . .
Para dar entrada nessa segunda tentativa de conseguir urna arbitragem No contexto de urna ooncep<;áo corporativa de soc1edade, a arb1tra-
gem da Coroa procurava repor o equilíbrio entre as rela<;óes de po~er
ucr. AN, DocumenrafiiO Jud1c1.!.nd, Co ree de Apeld~dO: escrdvos, A~óes de Liberdade, ex. quando estas náo se mostravam em harmonia para definir, cosrumeira-
2.685, nº 4. mente, se alguém era livre ou escravo. No contexto das !utas contra o

158 159
O ANTIGO REGIME N OS TROPIC OS A DINÁM ICA IMPERI AL PORTU GUESA
CAPÍTU LO 4

se-
quilom bo de Palmares, um alvará real dispon do sobre o destin o dos
ne- acatad as e o senho r é abrigado a vende r o eser avo suplic ante. 16 No
-
gros aprisio nados assim regulava sobre "a liberda de como o cativei
ro de gundo caso, o carivo conseg uc, cm prime ira instancia, sentcn!";a favorá
deixa,
tais negros": vel aliberda de, depois modificada no Tribunal da Relac;áo, que náo
exem-
entret anto, de acolhe r os argum entos do curado r do escrav o. A
r acusad o
Estando de lato livre o que por direito deve ser escmvo, poderrí ser deman
- plo do prime iro caso consid erado, o tribun al abriga o senho
pesso--
de mau cative iro a vende r seu cscravo. Obvia mente , as alian~as
17
dado pelo senhor por tempo de cinco anos soment e, contado do dia em
livre
/que/ /oi tonuido tl 111i11ha obediencia listo é, contad os da data em que
a ais conseg uidas pelos escrav os suplic antes com seus curado res
ilil
posse da Iiberdad e houves se se tornad o pacífica ]; 110 /1111 de q11al
tempo se consti tuem o eleme nto essencial para entend ermos a própri a possib
dJ
e11te11derrí prescrita a m/io, por nlío ser conveniente ao govemo político do dade de tais processos (Matto s, 1998, cap. 9). Do ponto de vista
a
dito 111e11 Estado do Brasil, q11e, por mais do dito tempo, esteja incertn referencias gerais que informavam a legitimidade da instituic;áo escrav
ista,
liberdade nos q11e {I possuem, niio devendo O desettido e (I 11eglige11án /om
entret anto, urna vez que tivesse acesso a justic;a real urna ac;áo
assim
dele aproveitnr aos senhores" (apud Nequet e, 1988, p.263). H estrutu rada, náo poderi a ser outro o resulta do. Apare nteme nte em
sen-
idáo,
tido invers o, a possib ilidade da revoga<;áo das alforri as por ingrat
Para ser escravo ou homem livre era preciso reconhecer-se e ser reco- mesmo quand o incond icionais, respon de de fato ao mesmo princí
pio
ambas
nhecid o como tal. Sem o consen so social requer ido para vivenc iar básico, que natura lizava obrigac;óes, direito s e privilé gios, numa
socie-
bem
as condic;óes, os títulos e docum entos faziam-se entáo necessários, dade entend ida como "natur almen te" desigual, sobre a qual o rei
deve-
como a arbitra gem jurídic a da Coroa . Sob o Impéri o portug ues, mesmo ria garant ir a ordem e o bem comum .
obri-
após as chama das reform as pomba linas, urna noc;áo natura lizada de O fortale cimen to do poder real sob o períod o pomba lino pode
ter
rencia
gac;óes, direito s e privilégios produz ia um tipo específico de interfe potencializado a possibilidade dessa interferencia, mas náo chego u a
trans-
ee
da Coroa na relac;áo senhor-escravo, que se fazia em nome do costum forma r seus referenciais gerais baseados numa representac;áo corpor
ativa
algu-
do bem comum . Este tipo de arbirragem pode ser acomp anhad o em da ordem social. Nesse contex to, náo cabem distinc;óes estanq ues
entre
o
mas ourras ac;óes de liberda de da Corte de Apelac;áo do Rio de Janeir costum es e lei (positiva). A lei escrita existía para arbitra r relac;óes
costu-
que remon tam ao final do períod o colonial. meiras (ou de poder) conflituosas. Especialmente no que se refere
ao re-
Além do caso de Anna e Romáo , dois proces sos ali localiz ados, jul- conhec imento da condic;áo livre ou escrava, na ausenc ia de conflit
o, náo
ins-
gados antes de 1824, dáo bem a medid a dos sentid os corpor ativos se cogitava da aplicac;áo da lei. Como já foi consid erado, nem a escrav
i-
os
critos nessa interfe rencia jurídic a na relac;áo senhor ial. Em ambos dáo nem a alforri a estáo institu ídas em qualqu er corpo legislativo do
Im-
num deles,
proces sos, os escrav os alegam excess o de castigos, pedind o, pério portugues, mas apenas as possibilidades de conflito delas decorr
entes.
funda-
a liberda de e, no outro, a escolh a de um novo senhor . Ou seja, Como premissa, a escrav idáo e a liberda de eram possib ilidade s
natu-
escra-
menta m-se em certa noc;áo de obrigac;áo senhor ial para com seus ralizadas. De fato, era livre ou escravo quem assim fosse socialm ente
re-
va.
vos, para além das muitas prerrogativas que a condic;áo senhorial implica conhec ido. A maior parte da legislac;áo colonial, as Ordenac;óes Filipin
as
15
o sáo
Na ac;áo de "escol ha de cativei ro", as razóes do curado r do escrav em particular, funcio nou como um conjun to de norma s escrita s, mas
náo
reali-
positivas, no sentid o iluminista ou liberal. Náo visavam a ordena r a
p. 87.
••sobre o Alvanl de 10 de mar~o de 1682, ver também Lara, 1996,
11 Nos processo s cíveis de a~iio de liberd.ide, o represen tante legal do escravo era
chamado
ser qualquer pessoa livre . Após a "Cf. AN, ex. J.685, nº 5, Salvador , 1824.
curador. Na peti~ao inicial do processo, o curador podia 17Cf. AN, ex. J .694, 11º 160, Vitóri.i, 1823.
um .idvogad o par.i assumir a fun~ao (Grinber g, 1994).
aberrura d.i .i~:io, .i jusri~ devia nomear

16 1
16 O
CAPITU LO 4

confli tos que


dade, mas apena s produ zir meios para a Coroa arbitr ar os
nela ocorri am.
escrita s
As tentat ivas pomb alinas de unifor mizar e positi var as fontes
to jurídi co da
do direit o niio chega ram a atuar 110 que se refere ao estatu
plena men-
escrav idao no Brasil colonial. A escrav idáo foi urna insrirui~ao
pouco se coa-
te incluí da na lógica societ ária do Antig o Regime, mas que
da socied ade.
dunav a com urna concep~ao nao-c orpor ativa do poder e
is, o Bra-
Apena s após a indep enden cia política, conce bida em bases libera
sil tentar á lidar com a compatibiliza<;áo entre a institui<;áo
de um direit o CAPÍTULO 5 A constitui~áo do Império portugues.
civil positi vo e a manuten<;áo da escrav idáo cm nome do direit
o de pro- Revisáo de alguns enviesamentos
pio, a supe-
prieda de. Para isso, entret anto, dever á assumir, desde o princí corr en tes*
ra<;ao da escrav idao como horizo nte.
Antó nio Manuel Hespanha

e Pedro Punton 1 as sngc;ró es


•Agrade~o aos colegas Maru Fcrn,tnda 81calho , Mónica Danra;
um pnme1r o texto.
que me deram, de fund o e de form.t, no .tperfe,~oament o de

16 2
1. A CONCEP<;ÁO CORPORATIVA DA SOCIEDADE E A HISTORIOGRAFIA
DA ÉPOCA MODERNA

Desde os inícios da década de 1980, a historiografia política e institucional


da Europa meridional (especialmente, italiana e ibérica) vem sofrendo urna
mudan~a de referencias cruciais. Categorías como as de "Estado", "cen-
traliza~áo" ou "poder absoluto", por exemplo, perderam sua centralidade
na explica~áo dos equilíbrios de poder nas sociedades políticas de Antigo
Regime.
Em Itália, urna historiografia inovadora - paradoxalmente com raízes
tanto no marxista Antonio G ramsci como no ultraconservador Otto
Brunner - lsublinhou a alteridade das categorías políticas de Antigo Re-
gime, desacreditando a relevancia dos conceitos atuais da política e do
direito para descrever e entender as estruturas e a~áo políticas antes da
Era das Revolu~óes. \Historiadores como Angela de Benedictis ou Lucca
Mannori seguiram esta linha de orienta~áo nos seus detalhados trabalhos
sobre Bolonha ou a Toscana gráo-ducal. 1
Em Espanha, a mesma orienta~áo metodológica enquadrou o tra-
balho de urna importante ala inovadora da historiografia de Antigo Re-
gime. Bartolomé Clavero e Pablo Fernández Albaladejo desafiaram a
visáo estabelecida de urna monarquía precocemente centralizada, des-
velando as limita~óes éticas, doutrinais e institucionais do poder real.

'B,bhogrnfi,1 b,ís1c.1 (com ulterior b1bhogr.1fi,1 sobre os "/01111d111g /111/Jer," e liter.1rur;i ma1s
específi~): Hesp.rnha , 1984 (11omead.1me11re o pref,ício, "Para um.1 rcona d.1 h1sróna polín-
co-insrirucioual de Antigo Rcgimc"); Bened1cris, 1990; Hespan ha, 1992b e 1996; Vallejo, 1995;
Card im, 1993 e 1998.1; Schaub, 1995 e 1996; C l.1vero, 1996; Gross1, 1996.

16 5
CAPÍTULOS O AN TI GO REGIME N OS T ROPIC O S A DINÁMICA IMPER I AL PORTUG U ESA

cia. Se, por exemplo, lermos alguma historiografia brasileira (que, neste tos (e náo sujeitos) da política colonial. Esta situa~ao seria porventura
aspecto, é exemplo único e paradigmático na área ex-portuguesa) 5 é consistente coma situa~áo dos goeses, mas nao decerto coma dos bra-
bastante evidente sua vincula~ao a um discurso narrativo e nacionalis- sileiros.6
ta, no qua! a Coroa portuguesa desempenhava um papel catártico de
intruso estranho, agindo segundo um plano "estrangeiro" e "imperia- 1.1. Um pro¡eto colonial?
lista", personificando interesses alheios, explorando as riquezas loca is
e levando a cabo urna política agressiva de genocídio em rela~ao aos to primeiro fato que deve ser rcal~ado é a inexistencia de um mode-
locais, por sua vez considerados basicamente solidários, sem distin~ao lo ou estratégia gerais para a expansao portuguesa\ Existem, evidente-
de elites brancas e popula~ao nativa. Esse exorcismo historiográfico mente, vários tópicos usados incidentalmente no discurso colonial para
permite um branqueamento das elites coloniais, descritas como obje- justificar a expansao. Um deles era a idéia de cruzada e de expansao da
fé. Mas, a par dele, vinha o do engrandecimento do rei ou o das finali-
5
Este tópico tem, naruralmente, de ser muito matizado. Um caso extremo é o de Raymundo
dades do comércio metropolitano ou, mais tarde, de popula~ao. No
Faoro (Faoro, 2000), que, embora anotando urna série impressionante de argu mentos entanto, esse conglomerado nao era harmónico, sendo que cada tópico
.incicenrr,ilisras, está compleramence cego por um modelo de imerpreta~iio "absolutista" e levava freqüentemente a políticas diferentes ou mesmo opostas. Aparen-
"explor,idor" da história luso-brasileir,1, produz1ndo um texto cm que rod,1 a base empírica
invocada está em contradi~iio comas interpreta~óes propostas (v.g., no que escrcve sobre os temente, o equilíbrio dos vários mudava com os tempos e com os luga-
poderes dos governadores e scus limites vários, pp. 164-165; estrurnras militares e orde- res. As pra~as de Marrocos eram freqüentemente justificadas por razóes
nan~as (caudilhismo), pp.l80ss.; func1011.írios, pp. 193-194; limita~óes f.íticas e teóricas do cavaleirescas e cruzadísticas, também invocadas em rela~ao a Índia, mas
poder real, pp. 199-200; "descerebra~iio" da polissonodia, 201. Desde que se rirem ,is con-
clusóes apostas as suas, sua síntese sobre o sistema político-administrativo (pp. 199-229) é raramente presentes na justifica¡;áo da expansao subsaariana, macaense
bastante boa. De grande quahd,ide é" síntese de Ca10 Prado Jr. (Prado Jr., 2000, pp. J 13- ou brasileira. Pelo contrário, os interesses mercantis, o proselitismo re-
346), se descontarmos algum ottm1smo quanto a ef1các1a das mtcn~ócs regulamenradoras
ligioso e, mais tarde, os in tui tos povoadores ou de drenagem demográfica
do centro, bem como :i crens:a em que a mmúc1a da correspondencia como Consclho Ultra-
marino represen cava dominio efetivo (ele próprio comenta: "na realidade, a impossibilida- constituíam, sucessivamente, a justifica~ao oficial da coloniza~ao do Bra-
de matenal de atender a camanho ac1ím11lo de serv1~0 náo só atrasava o expedien te, de dezenas sil. Os estabelecimentos de África náo mereceram urna detida literatura
de .1nos :is vezes, mas deix,1v,1 gr.1nde número de casos ,1 dormir o sono da eternidade nas
de legitima~ao; mas a evangeliza<;áo e a manuten~ao da paz eram a co-
gaveras dos arquivos", Prado Júnior, 2000, p. 314). Mas, sobrecudo, a mais recente
historiografía brasileira tem levantado ess,1 hipoteca. Creio que é justo destacar o con tributo bertura ideológica oficial para a coloniza~ao africana, sempre que esta
de Mari,1 Odila Leice Di.1s, que promove um.1 le1 mr,1 da h1stória br,1silcir,1 liberra des~,1 o b- nao era simplesmente justificada com a prioridade histórica da chegada
sessiva oposi~ao mctrópole-co lónia (Dias, 1972, pp. 160-184 ); e síntese da quesr.io em
dos portugueses ou com os meros interesses económicos do tráfico ne-
Furtado, 1999. Também os contributos d,1qneles que tem salientado a teusiio entre a norma
de goveruo e ,1 sna m,1ss1v,1 v1ola<;;¡O; desde logo, Pr.1do Jr., 1000, p. J 10; 111,1s, m,11s receu - greiro. ~ssim, parece que náo existe urna estratégia sistemática abran-
cemente, Laura de Mello e Souza (Souza, 1999), o nde publica e destaca interessances esrn- gendo todo o lmpério, pelo menos até meados do século XVIII{
dos sobre a indisciplina no próprio ,ilvo central da disciplina da Coroa no século XVIII,
como a demarca~iio di,1mant11u (sobre" q1ul, também, An.istasia, 1998, e Furrado, I 996).
(Russell-Wood, 1998c, p. 240).
Na verdade, o que se passa com muat.1 da h1stonografia brasileira é que cstcnde a codo o
Anttgo Rcg1mc .1s 111tc11~óes centralizador,1s pós-revolucionárias, retroprojeundo, por isso,
uma oposi~iio Brasil-Metrópole de que nao é fácil fal.ir antes da década de 70 do séc. XVIII.
Antes, encontram-se tensóes várrns: antifiscalismo, principio do mdigenato no prov1menro 6Do lado porrngués, um arrigo de Luís Fihpe Thomaz, hoie clámco, renovou a h1sronografia
dos cargo~, senttmenros conrra o novo emigrante, loc,ilismo, antiurb,1n1smo, decadenrismo política do lmpéno porrngués, sobrerudo d o o nental, embor,1 sem l1g,1~.lo com o novo
e rcstauracionismo de urna época de o uro j:i passada, sentido de inferioridade intelectual (v. con texto teórico da historiografía política moderna, 111ici,1lmente descrito (cf. Thomaz.,
alguns desees tópicos em Mota, 1996). 1985).

169
168
CAPÍ TULO 5 O ANTIGO REGIME NOS TRÓPICOS A DINÁMICA IMPERIAL P ORTUGUES A

~
..

1. 2. A moldura institucional: falta de homogeneidade, de centrnlidade e de \;óes diversas. Primeiro, a dos vencidos na guerra (justa), cujo destino de-
hiernrquias rígidas pendía dos vencedores. De acordo com as leis da guerra, podiam ser
mortos, reduzidos a cativeiro ou man ti dos sob um regime mais ou menos
1.2.1. Um estatuto colonial múltiplo duro de sujei~áo legal ou fiscal (Hespanha, 2000). Era o que se passava
comos reinos angolanos de N'gola (Rego, 1961; Hespanha, 2000) ou com
Urna descri\;áO institucional da expansáo portuguesa confirma esse as na\;óes Tapajós ou Tapuia (Puntoni, 1998). Finalmente, o estatuto da-
quadro atomístico (Hespanha, 1995, pp. 9-37). Realmente, embora os queles que celebravam como reí de Portugal um tratado de vassalagem; a
estabelecimentos coloniais portugueses tenham estado sempre ligados a sua integra\;áO na ordem política ou jurídica portuguesa estava aí fixada,
metrópole por um la\;O de qualquer tipo, faltou, pelo menos até ao perío- podendo variar muitíssimo. Os privilégios religiosos eram raros, nome-
do liberal, urna constitui\;áO colonial unificada. 7 adamente para os mu\;ulmanos. 11 Mas já o confucionismo chines ou o
Desde logo, faltava um estatuto unificado da popula\;áO colonial. Al- gentilismo africano (inicialmente, também o hinduísmo, em Goa) eram
guns, os nascidos de pai portugues, eram "naturais" (Ord. Fil., 11, 55), freqüentemente tolerados, sobretudo em vista de urna ulterior conversáo.
gozando de um estatuto pleno de portugueses, usando o direito portugues As institui\;óes políticas nativas eram com freqüencia preservadas, como
e estando sujeitos as justi\;as portuguesas. O utros eram estrangeiros, li- instancias de media\;áO com o poder portugues. Por vezes, portugueses " as-
bertos da obediencia ao governo e direito portugueses. Tal era o caso dos sistiam" as autoridades locais (como em certas cidades indianas ou sobados
"sobas amigos mas náo vassalos" de Angola, referidos nos regimentas dos africanos). No Brasil, portugueses "de bons costumes" eram enviados como
governadores8, e dos "índios bravos" brasileiros. 9 A sua única obriga\;áO "capitáes das aldeias" para governar as aldeias índias, já que a capacidade
era a de aceitarem a prega\;áO e o comércio; mas isto decorria, náo de dos nativos para se autogovernar era tida como problemática. 12
qualquer sujei\;áO ao direito portugues, mas de normas do direito das gen- Absolutamente singular era a situa\;áo de Macau. Era obscura a natu-
tes. Essa situa\;áO de na\;óes livres vizinhas era muito instável, já que os reza do ato formal pelo qua! os portugueses tinham sido admitidos na área,
colonos usavam de qualquer pretexto para as reduzir a obediencia por apesar dos esfor\;OS para a esclarecer, feítos até aos finais do século XVIII
meio de urna "guerra justa". 10 Entre naturais e estrangeiros, existiam situa- pelas autoridades portuguesas. Para Portugal, Macau era um "estabeleci-
mento" portugues (qualquer que fosse o significado da expressáo, que
ainda se mantém no constitucionalismo do século XIX, sujeito a lei por-
'Mesmo entiio, o estatuto co nstimcional de alguns dos territórios coloniais nao era claro.
'Cf. Regimento de 12.2. 1676, dado ao governador Aires de Saldanha e Menezes (apud Rego,
tuguesa). Contudo, viviam aí magistrados chineses (mandarins, q ue exer-
1959a, p. 6J). ciam sua jurisdi\;áo, dentro da cidade, sobre os chineses e freqüentemente
'" ... e os q ue nao qu1serem receber a dita ,1m1zade sem fazer mal d meus vassalos, nem 11nped1• a reclamavam em rela\;áO a casos mistos). 13 Além disso, os funcionários
rema prcga~ao do Santo Evangclho, se lhes niio fa rá dano algum", regimento de André Vida(
de Negreiros, 14.4.1655 (apud Mendon~a, 1972, vol. 11, p. 7 12). portugueses, quando se dirigiam as autoridades chinesas, declaravam-se
ªºPara Angola, cf. o regimento de Saldanha, supra (Rego, 1959a, p. 63). A guerra justa era
declarada pelo governador, depois de tomar consclho com urna junta de eclesiásticos, chefias
militares, membros d a Camara de Luanda, provedor da fazenda e o uvidor geral. No Brasil, a 11Exisria, conrudo, cerra tolerancia parn com os mouros nas pra~as de Marrocos (os chamados
questao da guerra Justa merecen urna ma,or aren~:io (Punroni, 1998). As principais fontes "mouros de pazes" go:zavam de prore~iio e cerros privilégios) 011 em cercos estabelecimentos da
legislativas sao: lei de 20.03 . 1570 (Mendon~a. 1972, vol. 1, p. 335); lei de 26.07. 1596 (Men- costa oriental de África. Os hindus foram razoavelmente tolerados até aos meados do século
don~a. 1972, vo l.!, p. 33 1); lei de 11.11.1595; provisao de 5.7. 1605; lei de 30.7.1609; e, XVI. Depo1s disso, sofreram urna dura reprcssiio, mesmo em rela~iio ils su.1s cenmónias c1v1s.
nomeadamenre, a lei de 13.11.1611 (a guerra justa devia ser declarada por urna junta formada llLea de 13.11. 1611 , 11 . 4 (Mendon~a. 1972, vol. 1, p. 325) V. tJmbém regimen to d e André
pelo governador, bispo, chJnceler e juízes da rela~ao, priores das ordens religiosas, mas só no Vidal de Negre1ros, 14.4.1655 (Mendon~a, 1972, vol. 11, p. 7 12).
caso de rebe liiio 011 ataque indios). C f. também regimento de André Vida( de Negre1ros, de "Sobre as origens do esrabelec1menro dos porrugueses cm Macan, Hespan ha , 1995; Fok, 1991;
14.4.1655 (Mendon~a. 1972, vol. 11, p. 712). Alves, 1999. Para os séculos XIX e XX, Guima riies, 2000; Ara újo; 2000.

1 7O 17 1
CAPITULO 5 O ANTIGO REGIME NOS TROP I COS A DINAMICA I MPER I A L PORTUGUESA

funcionários imperiais! Na verdade, só assim correspondiam aos pontos rugues só se aplicasse aos naturais (Ord. Fil, II, 55), governando-se os nativos
de vista clássicos chineses sobre as rel a~óes com potencias estrangeiras, pelo seu direito específico. lsto quer dizer que os juízes portugueses, ainda
scmpre consideradas vassalas (Hespanha, 1995). que tivessem jurisdi~ao sobre os nativos, lhes deviam aplicar o seu próprio
Esta heterogeneidade do estatuto político dos vassalos (Santos, 1999, direito, exceto para casos em que estivessem em causa valores supremos da
pp. 40-41) criou urna pluralidade de tipos de la~os políticos. Assim, nema ordem jurídica ou ética européia, nomeadamente do foro religioso. 14 Decer-
Coroa, nem seus delegados podiam esrabelecer normas uniformes ou ultra- to, a subordina~ao dos juízes de primeira instancia a tribunais de recurso, que
passar as autoridades nativas reconhecidas por tratado. Mesmo a guerra seguiam o direito oficial e letrado, podia deformar essa regra, nos casos de
contra estrangeiros tinha de respeirar os princípios da guerra justa, quer recurso. ~ssim como a presen~a das jurisdi~óes do colonizador, oferecia aos
quanto aos títulos para ser declarada, quer quanto ao modo de se desenro- nativos a possibilidade de recorrer também a este direito contra as suas nor-
lar. Mesmo quando os motivos alegados eram forjados, fantásticos ou mas tradicionais, o que constituía um importante fator de desarticula~ao da
enviesados pelos intf resses ou pela xenofobia, tinham de ser formulados de lógica política e jurídica autóctones (Subrahmanyam, 1997, pp. 34-35). Mais
maneira verossímil. p u seja, a heterogeneidade de la~os políticos impedia o do que urna versao estrita do direito nativo, o que tendia entao a vigorar na
estabelecimento de urna regra uniforme de governo, ao mesmo tempo que prática era urna espécie de "justi~a crioula". De qualqucr jeito, criava-se urna
criava limites ao poder da Coroa ou dos seus delegados. / ilha de direito autónomo e nao oficia. 15
_ A inconsistencia do sistema político-jurídico decorre, afinal, da pró-
1.2.2. Um direito plurnlistn

Um carpo geral de direito também faltava. l•A cri¡¡~áo de jnízes porrugueses p;1r;1 j11lg;1r os conflitos entre niltivos erd comnm. Em M;1c;1u,

o proc11r;1dor dos negócios sínicos decidi;1 dos litígios entre ¡¡ popula~ao chines¡¡ (Hespanha,
Vários sao os fatores que podem ser chamados a explicar o pluralismo 1995, pp. 42-45); em Goa, os ta11adores ougdocares governav¡¡m as aldeias rradiciouais hindus
e a inconsistencia do direito colonial moderno. (gdocarias, tmwdarias ou wcomunidades") (Hesp;1nha, 1995, pp. 39-41 ); no Brasil, os capitdes
O primeiro deles decorria da própria arquitetura do direito comum d11s "ldems decidiam ,15 questóes d,1s com1111id;1des índi,1s, segundo nm modelo de justi~a patriar•
cal ("Regimento das aldeias e capitiies das aldeias", de 30.10.1611: o c;1pitiio era o juiz das
europeu, baseada no princípio da preferencia das normas particulares caus¡¡s dos genrios, com expressas instru~óes para as decidir por composi~iio, embora dando
(como os costumes locais, os estilos de decidir dos tribuna~s locais, os recurso pará o ouvidor d,1 capiuni,1 e deste para o provedor dos defunto~ d.1 Rela~ao, cf.
privilégios; numa palavra, os iurn propria) as normas gerais (como a lei Mendon~a, 1972, vol. 1, p. 327). A interven~áo deste último mag1str.1do, espec1,1lizado na
cnr,1 dos mteresses dos ,1usentes ou falecidos, n.io de1x,1 de ser significativa do modo como os
ou a doutrina jurídica geral, ius commune) (Hespanha, 1995, pp. 92-98). índios eram en tendidos: como pessoas sem capacidade para defender seus inreresses, tal como
Para além disso, o princípio de que a lei posterior revoga a anterior (/ex os ausentes ou os morros. Novas normas no regimento de André Vidal de Negreiros, de 1655,
ns. 42-56 (Mendon~a, 1972, vol. 11, pp. 7 11 -713). Em África, os jnízes e ofici,1is pormgneses
posterior revogat priorem) nao vigorava de forma muito rigorosa, já que parricipavam em rribunais nativos, julgando segundo os critérios indígenas (Hespan ha, 2000);
os direitos adquiridos a sombra do anterior regime podiam ser apostas em Timor, os frades dominicanos portugueses eram conselheiros dos régulos (liurais) em
ao novo e quaisquer decisóes reais que os violassem podiam ser anuladas maréri,1s de govcrno e justi~a (Castro, 1867; Rego, 1959, pp. 125ss).
UExistiam várias límitd~óes decisivas de ordem prática a vigéncia do direito nativo. Antes do
judicialmente (Hespanha, 1994, pp. 472ss). mais, os juízes porrugueses niio tinham urna informa~iio suficiente sobre ele (em Goa, o Foral
Depois, a incoerencia do sistema jurídico derivava também de algo que já de 1526 previ,1 o assessoramtnco de especialistas 111díge11.1s em maténa de 1nrerprern~iio dos
foi evocado - a constitui~o pluralista do Império, em que cada na~o sub- usos e costnmes locais, cf. Hespanha, 1995, p . .39). Depois, os juízes porrngueses tmh.im a
tendénci.i par¡¡ mitigar o direito rutivo de ,1cordo com os cosrumes cristiios, nomeadamente
metida podia gozar do privilégio de manter seu direito, garantido por trata- nos domfnios do direito de família e direito penal. Finalmente, no caso de recurso para tribu-
do ou pela própria doutrina do direito comum, de acordo coma qual o ambito n.11s porrngueses (tal como no caso dos ju{zes das a/deias brasileiros antes referidos), as deca-
sóes da pnmerra instancia m,11 podcriam resistir aos poneos de vista etnocentricos dos
de um sistema jurídico era marcado pela naturalidade. Daí que o direito por-
magistrados !errados dos rribunars superiores.

172 1 73
CAPÍTULO S O ANTIGO REGIM E N OS T RÓP I COS A D I NÁMICA IMPERIAL PORTUGUESA

pria natureza da alta administra~áo colonial, ainda mais claramente decer as instru~óes régias aí dadas sempre que urna avalia~áo pontual do
pluralista na sua base. 16 servi~o real o justificasse. baí que, apesar do estil o altamente detal hado
das cláusulas regimentais e <la obriga~áo de, para certos casos, consulta-
1.2.3. Urna estrutura administrativa centrífuga 1 rem o rei o u o Conselho Ultramarino, os vice-reís e governadores goza-
vam, de fato, de grande autonomía. 1
1.2.3.1. Vice-reis e governadores
Essa autoriza~áo para criar direito - ou, pelo menos, para dispen-
Se a centraliza~áo náo pode ser real sem um quadro legal geral, sar o direito existente - era urna conseqüencia normal da natureza das
tampouco pode ser efetiva sem urna hierarquía estrita dos oficiais, por fun ~óes de governo ultramarino que )hes eram confi adas. De fato, eles
meio da qual o poder real possa chegar a periferia. Daí que a eficiencia da lidavam, por um lado, com matérias mutáveis, tal como as militares e
centraliza~áo política derive, por um lado, da existencia de la~os de hie- marítimas. 18 Por outro lado, seu contexto político náo era o mundo es-
rarquía funcional entre os vários níveis do aparelho administrativo e, por tabilizado da política dos reinos europeus, em que a justi~a e o governo
outro, negativamente, do ambito dos poderes dos oficiais periféricos ou se enraizavam em tradi~óes estáveis e duradouras e se formalizavam em
da sua capacidade para anular, distorcer ou fazer seus os poderes que re- processos e fórmulas fixados pel o tempo. Pelo contrário, eles atuavam
cebiam de cima. num mundo estranho e náo balizado, ele próprio subvertido nos seus
Um relance sobre a auto nomía dos poderes na hierarquía política im- estil os pela eruViáO dos europeus, um mundo em mudan~a, semelhante
perial é, entáo, decisivo. aoque Maquiav el descrev ia no seu famoso tratado, em que a justi~a t i-
De acordo com a doutrina da época, os governadores gozavam de um nha de ser criada, ex novo, pela vontade do príncipe, tirando partido da
poder extraordinário (extraordinaria potestas) (Hespanha, 1995, pp. 25- oportunidade e das mutáveis circunstancias dos tempos. \ Por fim, os
27; Santos, 1999, pp. 35ss), semelhante ao dos supremos chefes militares governadores ultramarinos estavam isolados da fonte do poder por via-
(dux). Tal como o próprio rei, podiam derrogar o direito em vista de urna gens que chegavam a levar anos, tendo necessidade de resolver sem ter
ainda mais perfeita realiza~áo da sua missáo. Nos regimentas que )hes eram de esperar a demorada resposta as suas demoradas perguntas. 19
outorgados 17, estava sempre inserida a cláusula de que poderiam desobe- No seu regimento como primeiro governador da Índia (5.3.1505 ), D.
Francisco de Almeida era autorizado a avaliar pessoalmente a situa~áo para,
depois de ouvido seu conselho, decidir de acordo com sua opiniáo pesso-
16Cf., para o Brasil, as ¡usras considera,;óes de Prado Jr., l OOO, p. J JO. al (Mendon~a, 1884, vol. II, pp. 332-333). Numa carta para o rei, Pero
17
Sobrc os rcgun e ntos dddos ;lOS vice- reis e governadorcs, ver S.uiros, 1999, p. J7 . O mdis
Borges, ouvidor geral do Brasil nos meados do século XVI (7.2.1550),
im po rtautc é o d e D. Frau c,sco de Almcida, de 5.J . 1505, modelo p,1ra ulteriores regimentos
(Meudon,;a, 1884, vo l. 11, pp. 269-334). Sobre os regimentos brasileiros, ver Alde n, 1968, escrevia:
pp. 38ss. Alguns dos mais importantes: Regimento de Tomé de Sousa, primeiro governador-
geral do Brasil, 17. 12. 1548, Mendon,;a, 1972, vol. 1, p. 3 1; Reg . d e Fra 11c1sco Giraldes,
8.J. 1588, Mendonp, 197.l, vol. 1, p. l59; Reg. de Gaspar de Sonsa, 6. 10. 16 12, Mendon,;a,
l 97.l, vol. 1, p. 413 ; Rcg. de André Vid,,! de Ncgreiros d e 1655 (nm dos modelos); Reg. de 11 "Eporque as cousas do mar siio incertas e há casos que se nao podem prevenir a ntecipada-
Roqne d.1 Cosra Barrero, 1677 (onrro modelo), com preciosas no tas de Ferm111do José de Por- mente : hei por bem que Vós, como Almirante da dita frota, auditor, e sargento-mor, e ca pitao
tugal e Castro, rambém ele govcrnado r-geral nos fi11a1s do século XVIII, Me ndo n~d, 197 l , de mar e guerra da capitanill, disponham, nos tais casos, o que se vencer por m;1is votos... " ,
vol. 11, p. 753 . Sobre ,is 11o t:lve1s observa,;ócs de Fernando José de Castro, co11s1dera11do-as regimento de S;1lvado r Correia de Sá, de 25.3 . 1644 (npud Mendon,;a, 1972, vol.11, p . 62 1).
co mo 11111a foutc básica pua o estudo da admin1stra,;ao brasile,ra - ao lado das Tustru,,óes 19"Quanto ma1s longe apartado esse Estado está de minha presen~a quan to ma,s carrego sobre

pam o goveruo da a1pita1110 de Minas Geraes, de José Jofo Tcixeira Coelho (Coelho. 185.l, vós a obriga~:io deste ponto [da jusn,;a]", Reg. de André Vid al de Negreiros, governador e
pp. 257-476) - . ver Alden, 1968, p. 39 nora 46. Mais in fo rma,;óes sobre reg,mentos de go• capitiio geral do Estado do Pará e Maranhao, 14.4.1655, (apud Mendon~a, 1972, vol. 11, p.
vernado res, Rego, 1959. 702, 11º 9). Sobre as a tribu1~óes ¡uríd1cas dos v1ce-re1s, decisivo, ver Santos, 1999, p . 53

174 175
CAPÍTULO 5 O ANTIGO RfGIMf NOS TRÓPICOS A DINÁMICA I MPERIAL PORTUGUESA

"Esta terra, Se11hor, para se conservar e ir avante, há míster niio se guar- montante23 ; para além do direito a dar ofícios, em propriedade ou em
darem em algumas coisos ns Orde11afóes, que foram feítas mio havendo serventia. 24 Na Índia, diferentemente do que acontecía no Brasil, a Coroa
respeito aos moradores delas(... ) oco11tecem mil casos lJ"e nño esttio de- promulgou legislac;áo restritiva do exercício da grac;a pelos governadores
terminados pelas Orde1111fóes, e /1cam tlO alvedrio do julgador, e se nestes e vice-reis, como reac;áo contra urna política de generalizados abusos e
se ho11ver de opelar, ,uio se pode /úzer justifa (... ) (Mendo,u;a, J972, vol. /, excessiva liberalidade. 25 \Na seqüencia da guerra holando-brasileira, os
p. 57). governadores receberam o direito de conceder aos soldados o título de
cavaleiros das ordens militares, embora esta prerrogativa se tenha manti-
Assim, em regimentas sucessivos dados aos governadores do Bra- do aparentemente cm desuso até ao fim do século XVIIl. 16 1
sil, sempre se declarou que eles poderiam decidir os casos náo previs-
tos nos seus regimentas, após conferenciarem com o hispo, o chanceler 1.2.3.2. Donatários, governadores locais e juízes
da Rela~áo da Bahia e o provedor da Fazenda Real, numa curiosa com-
binac;áo que torna manifestas as "razóes do Estado" - religiáo, justic;a 1O que acaba de se dizer sobre a autonomía de vice-reís e governado-
e fazenda. / res pode ser dita também de níveis inferiores, embora a fundamentac;áo
,.. Para além da justic;a, também a grac;a constituía um atributo real doutrinal e as razóes políticas náo sejarn as mesmas. No Brasil, os capitiies
(Hespanha, 1994a, pp. 215ss)20, que permitia agir contra o direito ("dis- donatários e, mais tarde, os governadores das capitanías tinham também
pensar a lei"), em atenc;áo a urna justic;a excelsa e acima daquela que esta- uma larga autonomia de decisáo. É cerro que, a partir de 1549, os gover-
va contida no rigor do direito.!Aparentemente, a instituic;áo da vice-realeza nadores-gerais eram a cabe~a do governo do Estado, gozando de supre-
obedeceu ao propósito de dotar os governadores ultramarinos com urna macía sobre donatáríos e governadores das capitanías, devendo estes
dignidade quase real, permitindo-lhes o exercício de atas de gra~ tal como obedecer-lhes e dar-lhes canta do seu governo.27 No entanto, essa depen-
concessáo de merces, dada de ofícios, outorga de rendas, perdáo de cri- dencia ficava bastante limitada pelo fato de que, simultaneamente, eles
mes (Santos, 1999, pp. 50ss). Porém, mesmo os simples governadores deviam obediencia aos secretários de Estado em Lisboa. Essa dupla sujei-
recebiam atribuic;óes desse tipo, embora em escala mais restrita. c;áo criava um espac;o de incerteza hierárquica sobre o qua! os governado-
Por isso, no regimento de Francisco Geraldes, de 1588 (Mendonc;a,
1972, vol. 1, p. 277), o governador estava autorizado a conceder tenc;as "Sobre o regime das merces, nome.idamente de h:lbiros de ordens m ilirares 110 ultramar, ver
até ao montante (anual global?) de mil cruzados, urna soma importante, O hv.il, 1000, pp. l l7s~. e l 68ss. Par,1 ,1 confonn,1<;Jo desr,1 prerrog,1t1v.1 de .:oncessJo de mer•
muito mais elevada do que o salário anual de um desembargador2 1; para cés, a ré o sécnlo XIX, cf. as noras de D. Fern,1ndo José de Portugal .10 regime nto de 1677
(Mendon~a, 1972, vol. 11, pp. 8J7, nº 51): .1p.irentemenre, a 111rerpreur;.io que prevalec1a
além disso, o regimento de Gaspar de So usa (6.10.1612) permitía ao go- nesra época mais tardía era a de que o governador podia conceder ren<;as até ao mont.inte
vernador o exercício da grac;a real num legue muito vasto de situac;óesn, anual de 4 00.000 rs. Em con traparuda, nao escava em pránca .i prescri<;ao de enviar para
assim como renovou a autorizac;áo de conceder merces até ao referido L1sbo,1 .i lisra ou emen ca das merces.
l •Embora 11;¡0 pudessem criar novos oficios ou .1ume11tar os sabinos dos existentes (regimento
de Gaspar de So nsa, 6.10. 16 12, ns. 43/44, apud Mendonr;.1, 1972, vol. 11, p. 431).
20Sobre o uso da gra~a pelo v1ce-re1, ver Sanros, 1999, pp. 55ss. uAs merces parrimoniais concedidas pelos governadores d.1 India n,io podi.im ser executad.1s
21 Para comparar;ao com os salános dos rribuna,s supremos, cinqüenra anos mais tarde, ver sem co nfirmar;ao real: Alv.1rás de 29.3 .1618, e 28.J.16 19. Em gcral sobre cen<;.1s de govenu-
Hespanha, 1994, pp. 244 e 253. dores da India, ver Santos, 1999, p. 57.
26 Cf. rcg11ncnto de Roq ue d,1 Co;r,1 8,1rrcco, 1677 (Mendon~.1, 197l, vol. 11, p. 77l; com nor.,~
2lDispensa do processo devido nos casos civis e criminais, auroriz.ar;ao de lanr;amenro de
"finras" (Mendo np, 1972, vol. 1, p. 430, nº 42); cf. rambém o regimento dado ao governa- de D. Fernando José de Portugal, míc10s do séc. XIX).
2'Cf. Reso h1<;iio (Res.) 16.5. 1716, Prov,~iio (Prov.) 16.1O.1721, Cam Régia (CR) 14. 11. 1714,
dor-geral do Grao-Panl e Maranhao, André Vida! de Negreiros (Me ndonr;a, 1972, vol. 11, p .
707, nº J2). rod,1~ elas refend.1s em Me11don~a, 1972, vol. 11.

17 7
176
CAPITULO 5 O ANTIGO REGIME NOS TRÓPICOS A OINÁMICA IMPERIAL PORTUGUESA

nomeavam condenados ("degredados", "desorelhados"} 4º, como ouvi- Bahin (Schwartz, 1973), sabemos como eram fortes as solidariedades en-
dores, situac;áo que se manteve continuadamente. 41 No tránsito desse sé- tre seus desembargadores e as elites coloniais, nomeadamente a dos se-
culo para o seguinte, a situac;áo era, aparentemente, a mesma. Esse estado nhores de engenhos. Daí que os juízes fossem muito mais do que simples
de coisas náo era incomum, mesmo na Europa, onde as justic;as locais eram técnicos de direito, esforc;ados aplicadores do direito régio. Muito freqüen-
freqüentemente iletradas e incapazes de usar o sistema jurídico real/ofici- temente, eles veiculariam com eficiencia os interesses dos poderosos lo-
} cais, no julgamento de questóes táo estratégicas como a interpretac;áo de
al e letrado.
( Embora magistrados desse tipo existissem em todo o reino e con- cartas de doac;áo, a revogac;áo de sesmarias, a instituic;áo, sucessáo ou
quistas e, com eles, a referida problemática, asua func;áo de periferizac;áo desmembramento de propriedade vinculada (margados e capelas). Pode-
' - no Império - do poder somava-se também a dos altos tribunais co- mos entáo entender como esses órgáos podiam funci9nar como farores
loniais. de periferizac;áo da política colonial.
Mas mais do que isso. O regime estabelecido para a sindicancia dos
1.2.3.3 Reln~¡é5es e desembargadores governadores e vice-reís realc;a ainda mais a importancia das Relac;óes. De
fato, um alvará régio de 9.4.1623 atribuiu as Relac;óes, nomeadamente na
As Relac;óes coloniais - v.g., as de Goa, Bahia e Rio de Janeiro - Índia, a competencia tomar residencia44 aos governadores cessantes, em-
tinham prerrogativas semelhantes aos tribunais supremos do reino (Casa bora isso tenha desencadeado dura polemica, já que os governadores se
da Suplicac;áo, Casa do Cível). A doutrina jurídica considerava-os como sentiam diminuídos por essa supremacia outorgada as Relac;óes, para além
tribunais soberanos, "colaterais", "camarais", cujo presidente natural era de que temiam seus resultados práticos, numa altura em que já nem se-
o rei. 42 As suas decisóes tem a mesma dignidade das decisóes reais, náo quer se encontravam na colonia para organizar (ou manipular) sua defesa
podendo, no entanto, ser revogadas ou restringidas por atos régios. Dai (Mendonc;a, 1972, vol. II, p. 826).
que a administrac;áo da justic;a, quer pelos ouvidores quer pelas Relac;óes, No Brasil, a Relac;áo já exercia o poder de controle sobre os funcioná-
constituísse urna área bastante autónoma e auto-regul ada, náo apenas rios civis (ouvidores) e militares (cnpitiies) pastos pelos donatários45 , para
porque os governadores náo podiam controlar o conteúdo das decisóes além do controle judicial geral sobre todos os aros de governo. Segundo o
judiciais, mas ainda porque seus poderes disciplinares sobre os juízes eram direito comum do reino, a Relac;áo tinha ainda o poder de tomar residen-
débeis e efemeros. 43 cia aos governadores e vice-reís que terminassem seus mandatos, embora
Salientar a autonomia das Relac;óes é muito mais do que um detalhe este último princípio náo estivesse em uso. Em 1711, urna questáo lateral
histórico. Desde o estudo clássico de Stuart Schwartz sobre a Relnqiio da (controle da navegac;áo estrangeira ao longo da costa brasileira) levou a
sua implementac;áo. O vice-rei Marques de Angeja reagiu fortemente, ar-
'°Carra de Pero Borges, "ouvidor geral do BrAsil", pu.1 o rei (7.2.1550), 11s. 3-4, 7, 12 (Men- gumentando que tal medida paria o governador na dependencia da Rela-
don~.1. 1972, v 1, pp. 53s~. c;áo, com grave prejuízo da sua autoridade e dos interesses superiores do
41 "Sou in formado que por a povoa~iio do Rio GrAnde ir cm c rcscimcn10 e nJo haver ncla

modo de governo, nem quem adminis1rasse a jusri~a. e haver disso algumas queixas, e os C.•- rei (Mendonc;a, 1972, vol. II, p. 826). Embora a soluc;áo final náo tivesse
p1riies csr.ircm ab~o lu ros" , reg11nc nro de G.1sp,1r de Sonsa, 1611 (Mendo u)a, 1972, vol. 1, p. acolhido sua pretensáo de controlar o J udiciário, urna provisáo de 1.2.1717
416, nº 10), Exemplos pirorescos desee género de jusri~a de kbadi, comum uas periferias, cf.
reafirmou a submissáo dos governadores a sindicancia da Relac;áo, selan-
Altavila, 1925.
•2Cf. Hespanha, 1994a, pp. 235ss. Na ludia e no Brasil, o governador, como alter ego d o rei,
servia como presiden re da Rela~iio (Regimento d,1 Rela~iio da Bah1a, 7.3. 1609) (Mendo n~a,
1972 , vol. 1, pp. 385ss). .."Rcs1dé11cia" 011 "sind ic.incia" era a 111spc\iio rriena l de mag1strAdos 0 11 oficrn1s.
"'Cf· regune1110 de Gaspar de Sousa, 6.10.16 12 (Mendon~a. 1972, vol. I, p. 431, n° 46). • 5 c f. regimento de Gaspar de So nsa, 6 . 10.1612 (Mcndon~ll, 1972, vol. 1, p. 429, 11º 41).

18O 18 1
O ANTIGO REGIME NOS TRÓP I COS A OINÁMICA I MPER I A L PORTUGUESA
CAPÍTULO 5

do sua efetiva dependenci a em relai;áo a urna elite local enraizada e per- nar mteresses sociais e poderes administrativos: a venalidade dos ofícios. A
manente (Mendon~a, 1972, vol. II, pp. 826-827). monarquia portuguesa nunca admitiu o princípio de que os cargos públi-
cos podiam ser vendidos, ao contrário do que aconteceu com os exem-
1.2.3.4 Cñmarns municipa1s plos típicos da Espanha e de Fran~a. A venda privada de cargos era
formalmen te proibida (Ord.Fil., I, 96 [venda pelos titulares]; II, 46 [ven-
Os desembarga dores eram apenas urna das vias que as elites locais da por aqueles que tinham o poder de prever ofícios]), embora seja mais
usavam para colonizar a administra~áo. Outra via eram as camaras, com do que provável que a maior parte das renúncias "nas máos do rei" enco-
as quais os governador es mantinham freqüentes conflitos (Boxer, 1965; brissem vendas. A venda de ofícios pela Corca também estava excluída,
Leonzo, 1986, pp. 321ss; Bethencourt, 1998, vol. II, pp. 343-361; vol.
embora apenas por lei especial (CL 6.9.1616), sendo considerad a como
III, pp. 270-280). 46 O exemplo porventura mais interessante é o da cicla-
náo admissível pela doutrina da época (Hespanha, 1994, p. 513; Olival,
de de Macau, no su! da China.
2000, pp. 245ss). Durante os anos 20 e 30 do século XVII, bem como
O município de Macau foi criado por volta de 1584, tendo o impera-
depois de 1640, a condena~áo da venda dos ofícios era um tópico corren-
dor Wan Li (1583-1620 ) atribuído o título de mandarim a um dos seus
te na literatura antifilipina.48 A patrimonializa~áo dos ofícios existia, mas
vereadores, o procurador da cidade, dando-lhe o direito de julgar a popu-
antes sob a forma de atribui~áo de direitos sucessórios aos filhos dos ofi-
la~áo chinesa. A camara de Macau (Leal Senado) atuava, de fato, como
ciais que tivessem servido bem; e era justamente o reconhecim ento desses
um mediador remoto entre dois lmpérios, semprc na ótica dos interesses
direitos que, provavelme nte, impedía de forma decisiva a venalidade, já
das elites locais. A sua independencia, mesmo no plano diplomático , era
que a Corca náo podía vender os ofícios vacantes sem violar estes ~ireitos
notável. Mantinha rela~óes diretas com o vice-rei (Suntó) de Cantáo e
de sucessáo, ao contrário do que acontecía coma concessáo de hábitos ou
controlava todo o tránsito político-diplomático com o Extremo O riente,
de foros de fidalguia.49
incluindo as Molucas e o Japáo. Isso permitiu urna fase áurea de rela~óes
A ~tua~áo no Brasil evoluiu, porém, num sentido diferente.
como Império espanhol do Oriente e, por intermédio <las Filipinas, com
O pr1me1ro regimento de governo50 proibia a cria~áo de noves oficios
o Império espanhol das Américas, mesmo durante a guerra da Aclama~áo
pelos governador es combase numa disposi~áo das Ordena~óe s que reser-
(1640-1688 ) (Hespanha, 1995, pp. 22 e 76ss). 47 O principal esfor~o da
vava para o rei a cria~áo de oficios (cf. Ord. Fil., 11, 26, 1; 11, 45, 1,3,13,
política da Corca portuguesa em rela~áo a Macau, desde os finais do sé-
15, 31). Para os oficios já existentes, os governador es podiam nomear
culo XVIII, foi o de reduzir o Leal Senado as dimensóes de urna simples
serventias, mas náo dá-los em propriedad e. Em causa, nao estava apenas
ca.mara municipal, o que só se consumou em meados do século scguinte
o privilégio real de dada de ofícios (Hespanha, 1994, pp. 398ss), mas ain-
(Hespanha, 1995, pp. 22, 54-56, 76ss).
da o já referido direito dos filhos.
1.2. 3.5. O(iciais e servidores
4i"faz.i.im prárica nesre reino co1s.1 nunca v1sra entre porrugueses: venderem-se a quem ma1s
A administra~áo do Brasil - que constituí o cxemplo mais importan- dava os oficios que anrigamente se davam de gra~a" (apud Arte de /urtar, cap. XVII).
te de urna colonia de planta~áo, com uma popula~áo residente enraizada 4'No entanro, exisnam rambém obsráculos de naturez.a ideológica, como a condena~ao d,1
s1monia (Hespanha, 1994, pp. 498ss).
e socialmente bem estruturada - conheceu outra forma singular de combi- soct., v.g., regimentos de Francisco Geraldes, 30.5.1588¡ e Gaspar de So usa, 6.10.1612 (Men-
don~a, J972, vol.!, pp. 275 e 431)¡ de Roque da Costa Barrero, 23.1 .1677 (Mendon~, 1972,
vol. 11, p . 753). Em conruparrida, os prime1ros "capitJes donatários" rinham o direiro de
46Sobrc .1 dm.ir,1 de Go.1 e seus prav1lég1os, Lo pes. 199J. cri.tr e prover os oficios: carta de doafiiO de Duarre Coelho, 25.9.1534 (Mendon~a, 1972,
1
• Co11,1Jcr,rndo, c11faric.1111c11tc. M.ic.111 , 01110 11111,1 ··Rcpi'ibli.:.1 111cr.:.111t1l"", ver Lc,,.1, 1974 vol. 1, p . 133 ).

18 2 18 3

,.,
CAPÍTULO 5 O ANTIGO REGIME NOS TRÓPICOS A D I NÁM I CA IMP E RIAL POR TU G U ESA

Porém, no início do século XVIII, o regim e comec;ou a mudar. Um o montante pago era uma mera doac;áo, correspondendo ao dever de gra-
decreto real5 1 estabeleceu que os novas oficios (criados o u a criar, excluí- tidáo para com o reí que lhe concedera o ofício, rudo de acordo com o
dos os da Fazenda) fossem dados a quem tivesse oferecido um "donativo" chamado "direito antidoral e consuetudinário". A prática seguiu o direi-
a Fazenda. No fundo, tratava-se de urna espécie de "servic;o", que justifi- to : de 1761 a 1767, um membro do Conselho Ultramarino vendeu em
caria a "merce" do ofício, nos quadros de urna lógica "beneficia! " (Hes- leiláo a propriedade ou as serventias de todos os oficios de justic;a da Bahia,
panha, 1993a; O liv a!, 2000) já conhecida. M ais tarde, o regime do passando as cartas de ofício aos que mais tinham oferecido. Para além disso,
donativo veio a ser estendido a todos os ofícios, mesmo os antigos (provi- os proprietários de novas ofícios podiam arrendá-los a serventuários
sáo de 23.12.1740). Daí para o futuro, os ofíci os foram vendidos em lei- (Mendonc;a, 1972, vol. 11, p. 735). 58 No entanto, depois de 1767, a venda
láo, a quem mais oferecesse, segundo aquilo a que se chamou o "direito era limitada as serventias, pagando o serventuário como meias-anatas
antidoral e consuetudinário. " 52 (Hespanha, 1994, p. 48) o terc;o do rendimento avaliado (terqa} 59 , para
Nos inícios do século XVIII, o regime comec;ou a mudar. Um decreto além de um donativo prcfixado. O leiláo era, assim, substituído pela ven-
real53 determinou que os novas ofícios (já criados ou a criar)54deviam ser da a prec;o fixo.
dados em propriedade aos que prometessem um "donativo" ; os ofícios O sistema de leiláo foi reintroduzido em 1799 (CR 11.12) para as
providos em serventias pagariam a Fazenda Real um terc;o do seu rendi- serventias dos ofícios de justic;a. Esta informac;áo está contida n um comen-
mento anual (terfa )55 , tal como fosse avaliado pelo governador (ou pelo tário ao regimento dos governadores do Brasil, escrito por um vice-rei no
ouvidor). 56 Mais tarde (provisáo de 23.12.1740), o regime do donativo início do sécul o X IX 60 , em que se dizque a práti ca brasileira era seme-
foi alargado a todos os ofícios (exceto os de tesoureiro). Daí em <liante, os lhantc a corren te em quase todo o ul tramar. Ainda que o sistema de leiláo
ofícios vagos passaram a ser vendidos em leiláo aqueles que mais ofere- tenha elevado ligeiramente (apenas no relativo ao donativo, náo ao terqo ,
ciam. 57 Teoricamente, isso náo correspondia a urna verdadeira venda, pois fix ado por avaliac;áo} a renda fiscal, o autor do comentário exprime urna
opiniáo fortemente negativa acerca dele, já que a experiencia teria demons-
11
trado que as serventias com freqüencia eram vendidas a grupos rivais que,
Oecreto de 18.5. 1722, rransmirido po r provisiio de 23.9. 1723 (Mendon,a, 1972, vol.11, p.
754). por causa de seus ódios mútuos, ofereciam doac;óes mais vantajosas, com
52
Por "anridoral" entendc-se o d ever que se funda lid gratidiio; nao o que decorre de um aro prejuízo do "interesse público" e dos oficiais de mais mérito mas menor
sina lagmá tico 0 11 mercenário, como a com pra e ve nda (Clavero , 199 1). j:I o termo consuetu-
fortuna. 61 No Rio de Janeiro, o sistema de leiláo também foi estabelecido,
dimirio é usado nos meados do século XVIII para designar as normas do regime dos o fíc1os
que niio obedecem ao novo padriio (moderno) do ofício como cargo niio patrimonializado. apenas com diferenc;as de detalhe62, para as serventias dos ofícios de jus-
Oaí que fossem "consuerudinários" - de acordo com ,1 legisla,iio de Pombal relativa a o fíc10s
(CL, 23. 11 .1770, alvará 20.5. 1774 -os direitos dos filhos aos ofícios dos pa1s. Sobre a nova
conccp,iio dos o fíc10s, ver Fre1re, 1789, I, 2, 20. 58 FonreC R 20.4. 1758.
51Oecreto de 18.5. 1722, rrnnsmitido por provisiio de 23.9.1723 (Mendo n,a, 1972, vol. 11, p. 754). 5'De acordo com urna lci de 1666, os serve11tunrios tinham de pagar aos titulares do ofíc10 nm
54 Exclu111do ofícios de tesonreiros de rendas rea1s.
ter,o do sen rendimen to. O reg1me bras1le1ro é uma extcnsiio desta rcgra : aqui, o ter,o dos
15
A teri;a era o rcndimcnro no rmalmente pago pelos serve11tuários aos proprietários do ofício , o fícios vagos dados em scrventia dev1a ser pago a Coroa, como propnctária do ofício, pois
no sistema de arrendamento de o fícios estabelecido nos meados do século XVII (Hespan ha, nao existía um titular dele (Hespanha, 1994, p. 515).
1994, p. 515). 600 . Fr.111 cisco José de Portngal , que anotou o regimen to dado em 1677 a Roque da Costa
56
Este regime foi estendido ao Rio pelas provisóes de 27.7 e de 23.12. 1723. Pela provisiio d e Barreto (Mendon,a, 1972, vol. 11, p. 756).
29.1. 1726, este pagamento era limitado aos ofícios de renda superior a 200. 000 rs. Cf. tam- 61 Para mais - diz-sc a111da - esta mudan,a trienal virtual dos oficiais cn ava o caos nos arqn1-
bém, prov1siio de 29.1. 1727. vos, devido it transferénci,1 dos livros e p,ipéis de umas casas para ontrns (Mendon~a. 1972,
11A base para o cálculo do do11ntivo devido era o montante pago pelo anterior tirnlar do ofício
vol. 11, p. 7 57).
o u o valor avaliado da serventia (provisiio de 2.4. 1756). Se o ofício era tao insignificante q ue 4io r/011111,vo niio ,e d1st111g111a d., ter~"'• ofcrccendo o candidato mua soma global (Mendorn;a,
ninguém paga ria nada por ele, o governador podia concede-lo de gra,a (Alvará de 10.3.1740). 1972, vol. 11, p. 757).

18 4 185
CAPITULO 5 O ANT I GO REGIME NOS TRÓPICOS A DINÁMICA IMPERIAL PORTUGUES A

ti!ra (CR 24.10. 1761). Os únicos ofícios excetuados eramos da Rela~áo, di1; /om 11wa11111111 dos extre111os d,, /or111idrí11el wdeia jud,cuíria que e11110/-
providos pelo seu governador. vin todo o Rio de ]a11eiro 110 te111po e111 que a de111n11da era entre 11ós um
O u seja, desde o início do século XVIII a propriedad e - ou, pelo elemento dn vida: o extremo oposto eram os desembargndores. Ora os ex-
menos, as serven ti as - de todos os ofícios de justi~a (notários e escriváes) tremos se tocmn, e estes, tocando-se, fechnvam o círculo dentro do qunl se
estavam a disposi~áo das elites económicas das colonias, nomeadam ente pnssavam os terríveis combates das citai;oes, provnrtÍs, razoes pri11cipais e
{i1111is, e todos esses trejeitos iudiciais a que se chama o processo... Em ter-
do Brasil. A importancia deste fato náo pode ser desconhecida ou subes-
rível r¡11a11do, 110 110/tnr de u111n esqui,u1 ou no sair de ma11htí de sua cns11, o
timada. Náo sobretudo por causa do rendimento que a propriedad e dos
cidndiío esbarmvn com 1mu1 daquelas so/enes f,gums que, desdobra11do j1111to
oficios produzia (Hespanha, 1994, pp. 170ss); mas antes pela centralidad e
dele 1111w /o/ha de papel, comernva II lé-lo em 10111 con{ide11ár1/! Por 11u1is
desses oficios num ambiente político-cultural que já foi designado de civiltli que se /12:,esse 1uio hav,n re111édio e111 tms circ11nslti11cias semío de1X11r esca-
della carta bol/ata. Nesse tipo de cultura política - que era o da Europa par dos lábios o terrível - Dou-me por citado. Ninguém snbe que sigt11fi-
moderna e das suas colonias - , os documentos escritos eram decisivos a1<;1ío /i1talíssi11w e cruel ti11hn111 estas poucas palavms! Emm ,mw se11te11{(1
para certificar matérias decisivas, desde o estatuto pessoal aos direitos e de peregri1111<;ño eter1u1 que se prommcinva contra si mesmo; queriam dizer
deveres patrimoniais. As cartas régias de doa~áo (v.g., de capitanías) ou que se comei;ava u111a lo11ga e a/adigost1 viagem, cujo termo bem dista11te
de foral, as concessóes de sesmarias, a constitui~áo e tambo dos morga- era a ct1iXL1 di1 Rela<;tío, e dura11te a lJ""'
se ti11ha que pagar importe de
dos, as vendas e partilhas de propriedades, os requerimen tos de gra~as passagem em w11 sem 11ú111ero de po11tes: o advogado, o procurador, o
régias, a concessáo de merces, autoriza~óes diversas (desde a de desmem- ilu¡uiridor, o escrivtío, o juiz, i11exoráveis Caro11tes, eslavmn ri porta de nuío
brar morgados até a de exercer oficios civis), processos e decisóes judici- este11didn, e 11i11g11é111 passava sem que /hes tivesse deixado, ,uío 1m1 óbolo,
ais, tuda isto devia constar de documento escrito, arquivado em cartórios poré111 todo o co11teúdo de suas algibeims, e até ti ,í./tima parcela di, sua
pt1c1e11.cw.
que se tornavam os repositórios da memória jurídica, social e política. Tudo
aquilo que importava nesta sociedade tinha de deixar tra~os aí. Em
1.3. Conclusiio
contraparti da, a preserva~áo , extravío, manipula~áo ou falsifica~áo de
documentos rinha um enorme significado político. Nesse contex to, pode-
se imaginar a amplitude das !utas para o controle dos arquivos e dos car- O quadro acima náo esgota a imagem dos equilíbrios políticos entre a
gos da justi~a, bem como os investimentos que os poderosos estariam metrópole e as colonias durante a época moderna. Na verdade, ele ape-
interessados em fazer em sua compra ou arrendamen to, quer para desem- nas fornece um rastreio dos nichos institucionais de onde o poder pode
penho próprio, quer para beneficiar apaniguados. De fato, parece que ser construído, descrevendo brevemente as virtualidades políticas de cada
muitas compras se destinavam justamente a remunera~áo de favores ou a um deles. De cerra forma, trata-se de um quadro vazio, tal como a dcscri-
<;áo de um tabuleiro de xadrez e de suas pe~as. Quase nada fica dito sobre
atas de prote~áo; como que, além do mais, se recebia em traca a garantía
de que os papéis, cómodos ou incómodos, estavam em boas máos. o modo como, num jogo concreto, as pe!;as se animam e com etas se cons-
Em suma, explica-se a partir daqui o quadro tra~ado por Manuel troem estratégias. No entanto, tampouco um jogo real se pode entender
sem essa descri~áo puramente formal.
Antonio de Almeida, lago na página de abertura das suas Memórias de
um sargento de milícias (1852-1855 ): Resta esclarecer que mesmo esta descri<;áo formal está incompleta, pois
nada se disse sobre outros planos de institucionaliza~iio da vida colonial,
Os meiri11hos de hoje 1u1o stío mnis do que n sombra c:.an·cnta dos meiri11hos como a lgreja, a administra~áo militar, a fazenda. Seja como far, parece
do tempo do rei; esses eram gente temível e temida, respeitável e re1,peita- difícil sustentar, a partir do quadro descrito, a tradicional imagem de um

186 1 8 7
CAP IT UL O 5

lmpério centrado, dirigido e drenado unilateralmente pela metrópole. Essa


agonia dos enviesamentos imperialistas vai obrigar a revisáo de urna grande
quantidade de trivialidades pouco consistentes sobre o imperialismo e a
explorac;áo metropolitanos ou a reduc;áo das tensóes políticas no Brasil
colonial a tensáo entre a colonia e o reino. O que leva, por sua vez, a exa-
gerar as rupturas da independéncia.

CAPITU LO 6 As cfunaras u1 tramarinas e o


governo do Império'~
Maria Fernanda Baptista Bicalho

• Agrad e~o a leirurd a tenra e ,1s sngestócs de Nuno Gonplo Monreiro e de José Pcssóa.

18 8
CAPITULO 6 O ANTIGO REGIME NOS TRÓPICOS A DINÁMICA IMPERIAL PORTUGUESA

um procurador. Estes oficiais eram eleitos2 e confirmados pela adminis- cámara era regida por leis próprias ..1 Em 1572, D. Sebastiáo introduziu
tra~áo central da Coroa ou pelo senhor da terra, caso a vila ou cidade se algumas mudan<ras na sua organiza<ráo, dispondo que caberia ao reino-
localizasse no interior de um senhorio. mear um presidente para a ca.mara - escolhido entre os principais fi-
As camaras compunham-se ainda de alguns ofi ciais indicados pela dalgos do reino, de "limpo sangue e que tenha renda com que viva
verea~áo, como os almotacés, responsáveis pela regularidade do abas- abertamente" - e tres vereadores letrados, que deveriam ser desem-
tecimento dos generos, pela fixa~áo dos pesos e medidas e pela vigi- bargadores. Segundo Paulo Fernandes, "este momento marca, simultane-
lancia sobre os pr e<ros. Os escriváes do judicial, ou simplesmente amente, o início da moderna organizaqiio do Senado, e a recomposiqiio
escriváes da cámara, eram, ao contrário dos vereadores e almotacés, social da climara lisboeta, [... ] varrendo-se entiio o que ainda restava da
oficiais remunerados, providos quer pela Coroa, quer pelos senhorios autonomia municipal de Lisboa. O concelho da capital passa a ser, a par-
e, as vezes, pela própria cámara. Sua nomea<ráo podía ser vitalícia e até tir deste momento, um município onde a vereaqiio é directamente nomea-
hereditária. Foram, juntamente com os juízes dos órfáos - responsá- da pela Coroa [... /, niio existindo em Lisboa os tradicionais 'róis de
elegíveis', as famosas pautas dos 'homens da governanya', circunstlincias
veis pelos inventários, partilhas e administra~áo dos bens dos órfáos
- , os únicos cargos concelhios que a Coroa vendeu em cerras ocasi- que tonuwam a estrutura municipal da capital num caso único no todo
portugues" (Fernandes, 1996, pp. 103-104; 1999, pp. 37-57).
óes (Monteiro, 1993, p. 305).
De qualquer forma, havia muita varia<ráo quanto a composi<ráo das
Algumas cámaras tinham urna forma de representa~áo dos ofícios
cámaras, seja no reino, seja nas diferentes regióes do ultramar, seja ainda
mercantis e mecánicos baseada no sistema de corpora~óes. Os comerciantes
em fun<ráo da minudente legisla<ráo que, ao longo dos séculas, veio modi-
e artesáos elegiam anualmente, dentre os membros de sua corpora~áo, 12
ficar ou acrescentar - de modo geral, ou específico no que diz respeito a
ou 24 representantes - no caso das cámaras de Lisboa e do Porto - ,
um determinado concelho ou cidade - o que anteriormente era regido
formando o que era conhecido como Casa dos Vinte e Quatro. Entre eles
pelas O rdena<róes. Em suma, cada cámara - reino! e ultramarina - ti-
eram escolhidos guarro que se tornariam os procuradores dos mesteres,
nha urna configura<ráo própria e um equilíbrio historicamente reciclo ao
com direito a participar das sessóes de verean~a e a votar em todos os
longo do tempo e das diferentes conjunturas económicas, sociais e políti-
assuntos que afetassem a vida económi ca da cidade e os interesses dos
c~s no amplo espa<ro geográfico da monarquia portuguesa no Antigo Re-
oficios e das corpora<róes.
g1me.
Lisboa, enguanto corte e capital do reino, gozava de um estatuto jurí-
dico-administrativo bastante peculiar, sendo a administra<ráo de sua vida
municipal única e diferente da dos demais municípios portug ueses. Sua
AS CÁMARAS E O IMPÉRIO

2Era um tipo de elei~iio indireta . Os representantes das melhores famílias da cerra, os homens
As diferentes cámaras espalhadas pelo Império portugues tinham muitos
bons reunidos na casa da dimara, mdicavam seus eleitores. Estes, apartados em tres pares, pontos em comum com suas congeneres metropolitanas. No entanto, a
organiz.avam, cada qual, urna lista tríplice com os nomes dos que escolhessem para futuros diversidade sociocultural que os portugueses encontraram em sua faina
vereadores. Um oficial régio 011 senho rial, em geral o o uvidor, o u, na sua falta, o juii mais
velho em exercício, con feria as listas e formava comos nomes mais votados tres róis defin iti· colonizadora criou matizes e adapta<róes no aparato institucional e legal
vos que se encerravam em bolas de cera, chamadas pelouros. Na primeira semana de deicm·
bro de cada ano, <liante do povo reunido em sessiio especial da dimara, era escolhido um menino
que tirava de um cofre contendo os pelo uros urna das listas com o nome dos oficiais que exer· JSobre a organiz.a~.lo da ca mara e a administra~iio municipal de Lisboa, numa perspectiva ero•
cenam a governan~a no ano seguinte. nológica, cf. Oliveira, 1885-1911; Caerano, 1990; Ro drigues, 1986 e Fernandes, 1999.

192 19 3
O ANTIGO REGIME NOS T ROPICOS A D INÁM IC A IMPER I A L PORTUGUESA
CAPITULO 6

trasladado do reino, colorindo de tons específicos as mesmas institui\;óes dores ou capitáes-generais nomeados pelo reí ou vice-rei o simples coman-
quando adaptadas a realidade das diferentes colonias, quera ocidente, quer do das fortalezas e da exígua guarni~áo da cidade.
a oriente. A partir de 1689 acentuou-se o desequilíbrio de poder entre os vere-
Comecemos por estas últimas. adores e o governador, urna vez que este foi terminantemente proibido de
Segundo Luís Felipe Thomaz, "a expressiio 'Estado da Índia' designa- intervir em qualquer assunto de natureza política ou económica. Em 1707
va, no século XVI, niio um espaqo geograficamente bem definido, mas o foi extinto o cargo de feitor, o que deixou a administra~áo da Fazenda
conjunto dos territórios, estabelecimentos, bens, pessoas e interesses ad- Real entregue aos oficiais da ca.mara. De 1740 a 1787 foi abolida a
ministrados, geridos ou tutelados pela Coroa portuguesa no oceano Índico ouvidoria, passando os juízes ordinários a administrar a justi~a, náo raro
e mares adjacentes ou nos territórios ribeirinhos, do cabo da Boa Esperan- favorecendo os interesses de um pequeno núcleo de famílias mais ricas e
qa no Japiio". Isso expli ca, a seu ver, a originalidade do Estado ou do Im- poderosas as quais eles próprios pertenciam (Vale, 1998, p. 612).
pério portugues na Índia, pois "mais que a sun descontinuidade espacial é Entre 1697 e 1698, coma morte do governador em exerdcio e antes
a heterogeneidade das suas instituiqoes e a imprecisiio dos seus limites, tanto da nomea\;áo e chegada de seu sucessor, coube a camara de Macau exer-
geográficos como jurídicos, que o tornam insólitos". Conclui que, embora cer o governo de fato, coisa que o Senado de Goa, por exemplo, nunca
normalmente os Impérios representem "a estruturaqiio política de deter- chegou a conquistar. Eram ainda seus oficiais, ou mais precisamente seu
minados espa\;osgeográficos, [... ] o Estado da Índia é na sua essencia urna procurador, responsáveis pela media\;áO entre a metrópole e os governos
rede, isto é, um sistema de comunicaqiio entre vários espaqos" (Thomaz, asiáticos locais. O procurador da ca.mara de Macau era, sem dúvida, o
1994, pp. 207-208). mais importante de tantos outros procuradores dos concelhos, fossem do
Nesse sentido, dispondo de um mínimo de territorialidade, embora reino, fossem das demais conquistas ultramarinas. Segundo Boxer, ele era
abrangendo um extenso ambito geográfico, o Estado portugues na Índia o homem-chave daquele estabelecimento portugues no seio do Império
surge como entidade política a partir da nomea~áo do seu primeiro go- chines. Até 1738, era o responsável pelo cofre da ca.mara. A ele cabia re-
vernador, D. Francisco de Almeida, em 1505. Outra peculiaridade é seu presentar os interesses da cidade, lidando diretamente com as autorida-
caráter fundamentalmente urbano, contabilizado tanto em termos da su- des chinesas. Negociava com os mandarins das províncias de Cantáo e
perioridade numérica da popula~áo urbana sobre a rural quanto da con- coma Corte de Pequim. Os oficiais da camara de Macau correspondiam-
centra~áo de portugueses e de seus órgáos administrativos nas cidades. se igualmente, por meio de seu procurador, com os demais potentados
Para cada cidade ou cidadela desta extensa rede era nomeado um gover- orientais, como o xogunato do Japáo, os reis do Siáo, Tonquim e Anam, o
nador ou capitáo que se submetia ao governador o u vice-rei em Goa. rajá de Banjermassin em Bornéu, ou o governador holandes na Batávia.
Este era o caso, por exemplo, de Macau - espécie de "República mer- Inversamente, quando as autoridades asiáticas escreviam a Macau, diri-
cantil" (Thomaz, 1994, p. 231) - , onde a Coroa portuguesa era represen- giam-se ao Senado, e náo ao governador. Nos anos 80 do século XVIII,
tada por capitáes-mores ou governadores que conviviam, de for_ma muitas quando a Coroa decidiu fortalecer o poder do governador em detrimen-
vezes tensa, com urna elite de ricos mercadores portugueses, representados to do exercido pelos oficiais da ca.mara, estes reagiram. Em carta ao vice-
na camara (Vale, 1997, pp. 35-47). Criada em 1582, acamara de Macau rei em Goa, afirmavam que durante os 226 anos anteriores haviam
receberia os mesmos privilégios, liberdades, honras e preeminencias da ci- governado aquela colonia sem qualquer subordina~áo aos funcionários
dade de Évora, em Portugal. Composta por tres vereadores, dois juízes or- régios. As inten\;óes metropolitanas frustraram-se, em parte devido a re-
dinários e um procurador - todos eleitos - , ela foi, durante quase tres cusa das autoridades chinesas de reconhecerem qualquer outro interlocutor
séculos, o verdadeiro corpo governativo de Macau, cabendo aos governa- em suas negocia~óes com a colonia portuguesa.

19 4 19 5
CAPÍTULO 6 O ANTIGO REG I ME NOS TRÓPICOS A OINAM IC A IMPERIAL PORTUGUESA

A situai;áo de Macau era bastante específica em relai;áo a certo pa- Na América, a camara de Salvador da Bahia, estabelecida em 1549,
dráo dos demais domínios ultramarinos. O governo chines de Pequim compunha-se de tres vereadores, dois juízes ordinários e um procurador
nunca deixou de considerar aquele enclave portugues em seu território da cidade, todos eleitos anualmente a partir de listas trienais. Entre 1641
como parte integrante do Império Celestial, embora lhe conferisse am- e 1713 acamara de Salvador contou ainda com um juiz do povo, equiva-
plo grau de autogoverno. No entanto, quando visitavam oficialmente a lente ao procurador dos mesteres dos concelhos portugueses. Em 1696 a
colonia lusa, os mandarins eram reccbidos com todas as honras milita- Coroa alterou o sistema de eleic;áo dos seus vereadores, aumentando, como
res, e nos aniversários imperiais os forres os saudavam comas mesmas em Goa, o coeficiente de controle por parte dos funcionários régios. No
pompas utilizadas por ocasiáo das datas corresponden tes da família real lugar dos pelouros, os juízes do Tribunal da Relai;áo da Bahia pa.ssaram a
portuguesa. No campo económico, acamara de Macau arcava direta ou apurar os votos, preparando as listas trienais, remetidas ao governador
indiretamente com quase todos os gastos militares, civis e eclesiásticos ou vice-rei, que escolhia anualmente aqueles dentre os eleitos que serviri-
da colonia, com excei;áo apenas das despesas do colégio jesuítico. Ela am na vereai;áo seguinte.
era responsável pelo sustento da guarnii;áo da cidade, pela construi;áo e Da camara de Sáo Paulo de Luanda, capital de Angola, aparentemente
reparo das fortalezas, pelo financiamento de frotas para o comércio com só é possível saber alguma coisa a partir de 1649, após urna armada luso-
os diferentes entrepostos asiáticos e das armadas de socorro as posses- brasileira, liderada por-Salvador Correa de Sá, ter expulsado os holande-
sóes lusas no Oriente. A partir da segunda metade do século XVIU, a ses que haviam conquistado aquela capitania em 1641. A documentai;áo
Coroa transferiu-lhe todos os custos de sustentai;áo do bispado (Boxer, anterior perdeu-se. Embora náo se saiba ao certo a data do primeiro esta-
1965, pp. 45-55). belecimento da cámara, a cidade de Luanda foi fundada em 1576. De
Longe de terem a autonomia, náo apenas política, mas ainda econó- acordo com as Ordenai;óes do reino - que serviram de base para sua
mica do Senado de Macau, as demais camaras coloniais, a oriente e a oci- organizai;áo - , a camara daquela cidade compunha-se de tres vereado-
dente, subordinavam-se mais estreitamente aos diferentes funcionários res, dois juízes ordinários e um procurador, além dos demais funcionários,
régios com jurisdii;áo em seus territórios. A camara de Goa foi fundada como o escriváo e os almotacéis. Diferentemente da cámara de Salvador,
em finais de 1510, ano da conquista definitiva da cidade por Afonso de a de Luanda náo contava com juiz do povo ou representai;áo dos mesteres.
Albuquerque. Sua composii;áo tinha como base um vereador fidalgo, dois Em 1662, seus oficiais receberam os mesmos privilégios dos cidadáos do
vereadores nobres, dois juízes ordinários, um procurador da cidade e Porto, em reconhecimento de sua valorosa participai;áo na expulsáo dos
quatro procuradores dos mesteres - ou ofícios mecanicos - , todos com holandeses. De acordo com Boxer, além de ser regularmente consultada
direito a voto. O próprio Albuquerque concedeu-lhes um foral que lhes em momentos emergenciais por governadores e funcionários régios -
garantía os mesmos privilégios dos oficiais da camara de Lisboa. No en- como, por exemplo, nos casos de declarai;áo de guerra ou restabelecimento
tanto, um dos elementos de distini;áo entre essas duas camaras era que o da paz como reino do Congo-, por inúmeras vezes acamara de Luanda
capitáo de Goa, escolhido pela Coroa, tinha o direito e o dever de parti- assumiu o governo efetivo da colonia como entre os anos de 1667 e 1669,
cipar das sessóes da governani;a, se ele assim o deseiasse, ou se os verea- quando o governador Tristáo da Cunha fugiu de Angola em decorrencia
dores o convocassem. Nesses casos ele possuía o privilégio de voto duplo. de um motim da guarnii;áo. Em 1593 ela participou ativamente da depo-
Já em fins do século XVII, mais precisamente em 1688, um alvará régio sii;áo do.governador D. Francisco de Almeida e da eleii;áo de seu irmáo,
aboliu o procedimento dos pelouros durante as eleii;óes trienais, ordenando D. Jerónimo. Novamente em 1702, acamara voltaria ao governo por mais
que as listas dos candidatos escolhidos pelos seis eleitores fossem, a partir um período de tres anos, em razáo do falecimento do governador Bernardo
de entáo, submetidas ao escrutínio do vice-rei. de Távora, e da demora de Lisboa em nomear um sucessor. Em 1732, com

19 6 19 7
CAP I TULO 6 O A N TIGO REGIME NOS TRÓPICOS A DINÁ M ICA IMPERIAL PORT U GUESA

a ma rte do entáo governador, ela assumiria, por apenas alguns dias e pela de administrar fundos dirigidos a defesa e a fortifica<;áo das cidades e ao
última vez, o governo da colonia (Boxer, 1965, pp . 114-115 ). sustento e m anuten<;áo de marinheiros e soldados. O Senado de Goa
A cámara do Rio de Janeiro também gozou, durante todo o século mostrou-se inúmeras vezes generoso - porque interessado - com as
XVII, de urna autonomia impensável, se comparada a centúria seguinte. expedi<;óes de conquista de novas rotas e de promissoras oportunidades
Urna provisáo régia de 26 de setembro de 1644 fizera-lhe merce da facul- comerciais em diferentes pontos do Índico. Ele fora, durante tres séculas,
dade de, no caso de ma rte do governado r, poder no mear-lhe sucessor, urna das principais for<;as de sustenta<;áo do vulnerável Estado da Índia,
contando apenas com a aprova<;áo do governador-geral da Bahia. No ano constiruindo-se num poderoso elemento de governo e de continuidade em
seguinte, o u seja, em 1645, com o falecimento do governado r Luís face da grande mobilidade de vice-reis e funcionários régios, substituídos,
Barbalho Bezerra, a camara decidira entregar o governo a Duarte Correa em geral, a cada tres anos (Boxer, 1965, pp. 40 e 113-114).
Vasqueanes, enguanto aguardava instru<;óes superiores da metró pole. No No Brasil, ao lo ngo do século XVII e diante da dificuldade da metró-
entanto, surgiu urna disputa entre este - "a quein a Camara e Cidadáos pole em financiar as despesas militares da colonia, transferiu-se náo raro
elegeram para governar aterra" - e o sargento-mor Simáo Dias Salgado. aos colonos os custos de sua própria defesa. Dada a falta de recursos da
Em carta ao rei, os vereadores postul avam o direito adquirido de "que a Fazenda Real, exausta de rendas devido ao ó nus representado pelas guer-
m esma Cíimara sem outra alguma intervenr;iío governe o político, e o Sar- ras de Restaura<;áo na Europa, simultaneas aos conflitos que levariam a
gento-Mor, que sendo pessoa habilitada para este posto por Vossa Majes- expulsáo dos holandeses dos territórios coloniais, os habitantes das pra-
tade se há de considerar idónea e com toda a suficiencia para o governo <;as marítimas da América portuguesa assumiram, por meio de tributos e
das armas"4 (AHU, RJ, av., ex. 2, doc. 55). Tres anos mais tarde, pelo trabalhos, os altos custos da manuten<;áo do Império. Cabia-lhes adminis-
decreto de 6 de julho de 1647, D. Joáo IV concedía o título de Leal a trar, por intermédio das cfün aras, o pagamento de impostas perenes e tem-
cidade do Ria de J aneiro, ampliando as prerrogativas da cámara, dentre porários lan<;ados pela metrópole em ocasióes especiais, impar taxas
as quais o direito - ou o privilégio - de, "em ausencia do governador e ocasionais, arrendar contratos, arrecadar "contribui<;óes voluntárias" etc.
do Alcaide-M or daquela prar;a, far;a a Cíimara da dita Cidade o ofício de Cabia também aqueles moradores arcar quase inteiramente com os custos
Capitiío-Mor e tenha as chaves dela" (apud Coaracy, 1965, p. 130). da defesa, recaindo sobre suas rendas - o u sobre as rendas arrecadadas
Em termos económicos, assim como a cámara de Macau, também as pelas cámaras - a obrigatoriedade do fardamento, sustento e pagamento
municipalidades de Goa, Luanda, Bahia o u Río de J aneiro prontificaram- dos soldos das tropas e guarni<;óes, a constru<;áo e o reparo das fortalezas,
se várias vezes a socorrer o Erário Régio permanentemente esgotado, além o apresto de naus guarda-costas contra piratas e corsários, a manuten<;áo
de armadas em situa<;óes especiais e em momentos de amea<;as concretas,
a execu<;áo de obras públicas e outros melhoramentos urbanos (Bicalho,
•o q ue se pretende e n fa tizar aqui é o poder que detinha a ciimara, naquclc momento, de arro- 1998, p. 254; Figueiredo, 1996, pp. 446-451). 5
gar a si o "governo po lítico" da capit.1nia. Por a ntro lado, tal incidente pode ser visto como
urna disputa entre "bandos" (cf. capírulo 1). Dian te do impasse que entiio se instalan, o gover-
Náo o bstante, a partir de fi nais do século XVII e início do XVIII, o
nador-geral na Bahia o rdenan a Francisco Sonromaior - que se enco ntrava no Ria o rgan izan- exacerbado poder económico e político das dimaras foi senda progressi-
do a primeira expedi~ao para a reconquista de Angola - que assum1sse o govemo eng ua nto vamente cerceado. Após a Restaura<;ao, foram se constiruindo progressi-
esperavam nomea~ilo definitiva da mcrrópole. Em car ta ao rei (1645), Souromaior afirmou
que encontrara a capitania "t:io bárbara e tiio inc ulta cm matérias de milícia, faze nda e justi-
p". Dizia q ue as "elei~óes do senado eram dominadas por pessoas da fac~iio dos Correias e
dos Manoéis, que sao dais Bandos", disso resultando parcialidades e "grandes monstruosida- 1De possc dcssas atribni~óes, as ciinuras d,1s cid,1des ultramarinas segnirnm de perta o modelo

des tao pre¡udici,1is ao serv,~o de Deus e de Sua M.ijestade" (AHU, RJ, a v., ex. 2, doc. 57). de suas congeneres reinó is, ls quais cabia igualmente velar pel.1 seguran\a das popula~óes contr.t
Agrade~o "Joiio Fragoso nao só a indica\fo, como a gen ril cessiio deste documento . a pirataria e as incursóes inimigas (Silva, 1988, vol. 11, pp. 769-788).

19 8 19 9
C:APITUlO 6 O AN TIGO REGIME NOS TROPICOS A OINAMICA I MPER I Al PORTUGUESA

gos civis e militares, atribuir direitos comerciais a indivíduos ou grupos, negocialráo e redes pessoais e institucionais de poder que, interligadas,
obter rendimentos com base nos quais se concediam ten~as, além de criar viabilizavam o acesso dos "descendentes dos primeiros conquistadores",
urna nova simbología do poder, remetendo para o domínio imperial da dos "homens principais", e da "nobreza da terra" a cargos administrati-
monarquía portuguesa. Assim, segundo António Manuel Hespanha, "com vos e a um estatuto político - como o ser cidadiio - , hierarquizando
base na expansiio, nos rendimentos que e/a produzia, nas terras que ela tanto os homens quanto os servi\rOS dos colonos em espirais de poder
abria a um enquadrnmento político e militar, nos empreendimentos que garantiam - a partir das camaras e, portanto, das diferentes locali-
organizativos e administrativos que ela possibilitava, a Coroa podia pro- dades espalhadas pelos quatro continentes e ilhas - a coesáo política e
duzir novas formas de remunerar e de organizar. Como, a partir do pres- o governo do lmpério.
tígio que dela decorria, podia criar um novo capital simbólico que chegou,
a certa altura, n auto-outorga do título imperial" (Hespanha, 1994, p.
496-497). 25
Se o acesso aos ofícios da governan~a náo constituiu, em Portugal, o
canal privilegiado para o reconhecimento da nobreza, o mesmo náo pode
ser. dito em rela~áo as conquistas. Se foram raros os naturais da colonia
que se aproximaram do centro de decisáo política da Coroa; se a obten-
~áo de distin~óes superiores da monarquía foi praticamenre vedada as eli-
tes coloniais; se a clivagem que no território peninsular se verificou entre
as elites da corte e as das províncias foi acentuada náo somente pela dis-
tancia entre colonias e metrópole, mas e principalmente pelo fato de se-
rem colonias; se os governos das capitanías fugiram progressivamente ao
alcance dos que se viam como "conquistadores", restava-lhes a camara
como lugar e veículo de nobilita~áo, de obtenlráo de privilégios e, sobre-
tudo, de negocia~áo com o centro - com a Coroa - no desempenho do
governo políti co do Império (cf. capítulo 8).
O que nos leva a concluir que, tanto o ideário da conquista quanto a
norma de presta\ráo de servi~os apareciam, no quadro do Império, como
mecanismos de afirmalráO do vínculo político entre vassalos ultramari-
nos e soberano portugues. A economia política de privilégios deve ser,
portanto, pensada - no ambito nao só concelhio, mas, sobretudo, de
interloculráo entre poder local e poder central - enguanto cadeias de

isA seu ver, governar passa a ser, naquela époc;i, urna a,iio política dd Coroa " nrn is orientada
para a crrn,;ao de espa,;os de poder onde ela rivessc urna fun ~iio arbitral, podendo 1mpo r aos
outros modelos de co ndura, podendo ofereccr bcnesses (mareriais e simbólicas) a rroco de
su¡ei,;oes, podendo csrabelecer crirérios de disrin ,ao e hierarquiz;i,ao social e decidir da sua
1mplemc11ra,;Jo concreta" (Hespanha, 1994 , p. 495).

220 221
CAPÍTULO 7 Império da fé:
Ensaio sobre os portugueses no
Congo, Brasil e Japáo *
Ronald Raminelli

• Agrade~o a Ro na Ido V.unías e M.u1a Fern.tnd.t Bacalho pelas críracas e sngesróes.


A expansáo marítima européia pcrmitiu aos cristáos o contara comas mais
diversas formas de religiosidade. No além-mar, os portugueses conhece-
ram urna multiplicidade de costumes nunca antes imaginados. Nem mes-
mo Mandeville fora capaz de criar hábitos e ritos táo diversificados quanro
aqueles observados pelos navegadores lusos ao longo das rotas. As navc-
ga\;óes, portanro, náo significaram apenas descobertas territoriais e mul-
tiplica\;áO do tráfego comer cial, m as também a convivencia com bancos,
malaios, tupinambás, chineses e japoneses. O confronto entre credos ror-
nou-se freqüente na era d os dcscobrimenros. A experiencia religiosa nos
mares revelou-lhes n ovas costumes e valores que se somaram ao cotidia-
no europeu conturbado por persegui\;áO aos judeus e reforma luterana,
intolerancia responsável pelas guerras no cora\;áO da cr istandade. Nesse
sentido, se n a Europa o convívio com a heterodoxia torno u-se insuportá-
vel, nos entrepostos ultramarinos as transa\;óes pautavam-se por urna ve-
lada tole rancia, condi\;áO indi spensável para o sucesso comercial do
empreendimento marítimo . Entre os portugueses, essa ambigüidade re-
velou-se na persegui\;aO inquisitorial aos cristáos-novos radicados no rei-
no. Os costumes judaizantes poderiam conduzi-los aos autos-de-fé e a
puni\;áO extrema. Ao mesmo tempo, no além-mar, mercaderes lusitanos e
administradores coloniais promoviam escambos e planejavam escaramu-
\;a5 com jagas 1 e tupis canibais. Essa tolerancia, por certo, era provisória.
Aos primeiros contaros, seguiu-se a conquista espiritual comandada por
agentes da or todoxia católica.
A expansáo marítima tornou-se, enfim, um projeto muito mais ambi-

1Tribo nó made, ornmda do n o Kwango, entre os at11,11s Congo e Angola, .tliad,1 dos portugue-
ses na caprura de escrnvos.

22 7
CAPITUL O 7
O ANTIGO REGIME NOS TRÓPICO S A DINÁMI CA IMPERIA L PORTUG UESA

cioso. Inicialmente, promov ia a convivencia entre credos como estratégia


Asia e África, esse reino cristáo fabuloso era urna esperan ~a para livrar
necessária para viabilizar o comércio. Depois atuava como conqui sta bé-
a Europa da amea~a mu<;ulmana. Acreditava-se que, quando Preste Joáo
lica, acompa nhada de urna política cultural, indispensável para anexar
reunia o exércit o para as batalha s, empreg ava como estand arte 13 cru-
territór ios e almas. Para além do comércio, os portugueses promov iam
zes de fino ouro coberta s de pedras precios as. Cada cruz era proteg ida
urna radical transforma~áo política e cultural por intermé dio da conver-
por 1O mil homen s armado s e 100 mil infante s, e contav a ainda com
sáo de almas. A idéia de lmpério dependia da construc;áo de urna lealdad e
um exércit o princip al. Com esse conting ente, os reis cristáo s da Euro-
política e cstrita obediencia as leis religiosas. Promovia, assim, a dissolu-
pa náo temeria m a amea~a moura, a cristan dade escaria segura e as
~áo das diferen<;as culturais, políticas e confessionais, transfo rmando toda
palavra s do Senhor seriam ouvida s nos quatro cantos do mundo
a humani dade em seguidores de Cristo (Pagden, 1995). Os Império s náo
(Delum eau, 1994, pp. 89-118 ). Com o auxílio do cristian íssimo reino
deveria m apenas protege r e ampara r os cristáos, mas estende r as frontei-
do Preste Joáo, a monar quia lusitan a livraria a Europa da amea<;a
ras e salvar os povos que ainda se encontr avam nas "trevas da ignoran -
moura , expand indo o lmpéri o da fé. O comérc io e a fé conduz iam os
cia". A conver sáo tornou -se parte da política destina da a criar urna
portug uesas em dire<;áo ao sul.
homog eneidad e, urna unidade por intermé dio da fé (Silva e Hespan ha,
ll A África, no en tanto, estava associada ao~ qs, oposito res políti-
19~3, pp. 20-22).
co-religiosos da cristan dade. O termo mouro designava os mu<;ulmanos
Na Crónica da Guiné (1453), Zurara estabeleceu algumas razóes para
em geral, dividid os entre negros e branco s. Incluídos nessa categor ía, os
buscar as terras da costa africana. Em princípio, o conhec imento dessas
negros ainda estavam associados aos demon ios, pois negra era a cor dos
paragen s viabilizaria o comércio, o encontr o com povos cristáos que, jun-
pecadores. A prolon gada perman encia no Inferno e o excessivo calor da
tament e, com os lusitanos, poderia m negociar e combat er os infiéis. A
zona tórrida escureceram-lhes a pele. ''A contraposifiiO branca/negro de
navega~áo viabilizaria também o conrato mais estreito com os mouros ,
sentidos respectivamente positivo e negativo niio representa va em si qual-
permir indo avaliar seu poderio . Por fim, o empree ndimen to levaria os
quer preconceito racial, mas tiio-somente o resultado do sistema de co-
ensinamenros da santa escritura aos gentios (Zurara , 1973, pp. 44-45).
res próprio do código cultural." (Horta , 1991, p. 45.) Os negros, por
Desde entáo, as crónicas classificaram tres tipos de povos: cristáos, mouros
vezes, atuavam como servos dos mouro s por causa da maldi<;áo que
e gentios. Os primeir os lutariam contra os mouros , livrando a Europa dos
depois do dilúvio lan~ou Noé sobre os filhos de Cam. Seus descen den-
infiéis reniten tes, auxiliariam igualm ente na conver sáo do gentío e na
tes seriam sujeitos a todas as demais gera<;óes do mundo . Os negros,
expansáo das fronteiras da cristandade. Depois de convertidos, os gentíos
porém, possuía m almas e seriam alvo da conver sáo cristá, sobretu do
serviriam como propag adores do cristianismo e agentes da expans áo por-
aqueles que náo provinh am da "linguagem de Mauros, mas de gentio"
tuguesa.
(Zurara , 1973, p. 86).
Essa política estava em vigor no reinado de D. Joáo 11. Para além
O proselitismo cristáo náo impedi u que os negros da Gúiné fossem
da busca de ouro e escravo s, "o príncip e perfeit o" almejav a expand ir
conduzidos a Portugal como escravos (Thomas, 1997, pp. 49-67). Certa-
as viagens em dire~áo ao sul. O rei era um desbra vador entusia sta e
mente a filia~áo aos mouros , a cren<;a na maldi<;áo de Noé, a negritu de da
nutria urna verdad eira paixáo pela África e seus produt os. Interes sou-
pele e os lucros do tráfico fomentaram a redu<;áo dos negros aescravidáo.
se particu larmen te pelo comérc io e reservo u a Coroa o monop ólio da
Os filhos de Cam, por certo, náo seriam incluídos na cristan dade como
importa<;áo de ouro, escravo s, especia rias e marfim . Mas seus objeti-
cristáos em potencial. A maldi~áo de Noé estava implícita nas "caras bai-
vos náo se restring iam ao comérc io, pois acalent ava o sonho de desco-
xas", nos rostos lavados com lágrimas descritos por Zurara . O cronist a
brir a rota para as Índias e o reino do Preste Joáo. Localiz ado entre a
narrou os sofrime ntos dos primeir os africanos que desemb arcaram em

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229
CAPITULO 7 O ANTIG O REGIME NOS TRÓPICOS - A DINÁM I CA IMPERIAL PORTUGUESA

cerras lusas. Eles gemiarn "dolorosamente, esguardando a altura dos céus, líticas no Congo: os reis receberam nomes cristáos e as institui~óes políti-
firmando os olhos ne/es(...) Em altas vozes, bmdavam com o se pedissem cas tornaram-se similares as de Portugal. Mais tarde, na época de D. Ma-
socorro ao padre da natureza" (Z urara, 1973, p.122). Nessa viagem fo- nuel I, o reino do Congo, localizado possivelmente próximo a Abissínia,
rarn capturadas 927 almas que pretensamente alcan~ariarn o caminho da tornou-se a esperan~a de encontrar o reino do Preste Joáo e juntos con-
salva~áo. trolarem os demais territórios afri canos. Para além da expansáo da cris-
Promulgadas entre 1452 e 1456, bulas papais encorajavam a expan- randade, o intercambio sempre foi concebido como forma de incrementar
sáo portuguesa e a escrav idáo de pagáos, considerados "inimigos do nome o tráfico de escravos e a extra~áo de cobre.
de Cristo". Anos depois, 1562, um breve papal condenava o tráfico de Os recursos oriundos do comércio promover am o enriquecimento
escravos africanos, censurando apenas o rapto, compra e venda de con- do rei do Congo. Como aumento dos tributos, ele muniu-se de exército
vertidos ao cristianismo, oriundos das ilhas Canárias e da Guiné. Os pa- e corpo administrativo que, certamente, asseguraram a lealdade de no-
gáos, portanto, ainda mereciarn a escravidáo (Boxer, 198 la, p. 45). Os bres e a centraliza~áo política. 2 A concentra~áo de poder era, portan to,
africanos seriam escravos, mas alcan~ariam a salva~áo eterna, enguanto fruto do tráfico, pois os recursos provenientes dessa atividade permiti-
os demais pagáos náo receberiam a "dádiva divina". O trato entre africa- am a fortifica~áo das cidades e a manuten~áo de exércitos. No ámbito
nos e portugueses girava em torno dessa dualidade: pagáos/mouros ou religioso, a cristi aniza~áo aumentou o prestígio do soberano congales,
gentio, escravos ou cristáos. A cristianiza~áo do reino do Congo presta-se o manicongo, entre seu povo. Confundido com o rei divino Nzambi
para refletir sobre a no~áo de gentío. Mpungu da tradi~áo congolesa, o monarca lusitano D. Joáo II consoli-
Os gentíos erarn homens desprovidos de boa doutrina e lei. Consti- dava o poder do manicongo. Para além dessa aproxima~áo, os portu-
tuíamos náo cristáos, os pagáos, sem incluir os judeus e mouros, conside- gueses foram considerados como emissários da terra dos mortos, mais
rados infiéis e hereges renitentes. Eles eram potencialmente cristáos, pois um motivo para conversáo do reí do Congo (Souza, 1999, p. 49). O
náo se recusavam a ouvir os missionários, aceitando a conversáo e o ba- batismo, porém, atingia apenas os nobres próx imos ao rei, que atuavam
tismo. Com esse povo, Cristo formou a Igreja. Entre os portugueses, ha- como intermediário da divindade, o que demonstra a e.streita rela~áo
vía urna clara distin~áo entre a gera~áo dos gen ti os e de Cam. A primeira entre conversáo e poder.
era naturalmente "amiga", enguanto a segunda nutria urna "inimizade O reí do Congo exercia grande autoridade, mas náo detinha o poder
natural" pelos cristáos. Os princípios bíblicos legitimavam, por conseguin- absoluto, nema garantía de transferir o comando para o filho. Em prin-
te, a escravidáo. Os descendentes de Japhet e Sem, os cristáos, possuíam cípio, o soberano era eleito por urna assembléia, composta de nove ou
o direito de tomar terras e bens dos mouros, povoadores do território 12 membros, que, na verdade, se limitava a indicar o filho do falecido
africano e descendentes de Cam (Horta, 1991, p. 58). A "pecha" africa- soberano (Vansina, 1988, p. 589). A estrutura do Estado tinha a seguin-
na, porém, náo inviabilizou a cristianiza~áo do reino do Congo, habitado te lógica: os reis nomeavam os governadores de pr.ovíncias, que eram,
por gentios, cristáos em potencial. muitas vezes, seus parentes imediatos. Eles nomeavam os senhores me-
A partir de 1483, iniciaram-se as rela~óes amistosas entre portugueses nores que, por sua vez, controlavam os nkuluntu, chefes hereditários
e o reino do Congo. O reino era comandado pelo manicongo - senhor das aldeias. A cristianiza~áo do Congo, certamente, beneficiou-se dessa
do Congo - , que logo demonstrou interesse em abra~ar a fé de Cristo. estrutura social e política. A conversáo do rei viabilizava a multiplica-
Como narrou Rui de Pina, a troca de presentes seguiu-se o envio de urna
embaixada a Portugal para se instruir nos costumes, fala e mandamentos
:Vale d estacar a semelhan~d entre a cenrrnliza~.io polític:1 no Congo e a form:1~.io do Esrndo
da fé católica. Esses contatos provocaram profundas transforma~óes po- moderno e11ropeu, conforme an.lhse de Norbert Elias (Elias, 1993, pp. 87-190).

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CAPITULO 7 O ANTIGO REGIME NOS TRÓPICOS A DINÁMICA IMPERIAL PORTUGUESA

~áo de prosélitos. A nova fé, porém, tornou-se incapaz de alterar com- inacianos pretenderam comprovar a humanidade dos índios e seu pendor
pletamente a tradi~áo local e originou urna religiáo híbrida, ao mesmo para a cristianiza~áo. Nóbrega, em suas primeiras cartas, chegou a afir-
tempo cristá e banto. mar que eles eram como páginas em branco, onde rudo poderia ser escri-
No reino, segundo fontes do século XVII, acreditava-se que os bran- to. No entanto, as dificuldades da catequese náo demoraram a surgir. Os
cos viviam no fundo do oceano, pertenciam a urna categoria de espíri- missionários, por vezes, duvidaram da capacidade de converte-los, diante
to do solo e das águas terrestres, rcsponsáveis pela fertilidade e pelo do canibalismo, nudez e cerras manifesta~óes denominadas como feiti~a-
bem-estar da comunidade. A cren~a, por certo, viabilizou os contatos ria. A fé desempenharia a missáo de reverter e salvar almas que padeciam
amistosos. A partir de 1485, o rei e sua corte receberam com satisfa- de tormentos infernais (Raminelli, 1996).
~áo essas entidades (ou melhor, os portugueses) ressuscitadas da terra Os religiosos concebiam os ameríndios como ·vítimas das artimanhas
e detentoras do poder dos mortos. Brancos e provenientes do mar, os de Lúcifer: se o Diabo náo !hes furtasse o bem da salva~áo, náo provocas-
portugueses foram confundidos com os espíritos e se tornaram impor- se discórdias, náo !hes incitasse a matar e comer uns aos outros, os nati-
tantes aliados do rei. O batismo, por conseguinte, entendido como urna vos seriam homens felizes. A luta cruzadística travada na América pretendía
inicia~áo, era capaz de prover aos convertidos os poderes controlados libertá-los da penúria e da miserabilidade provocadas pelo mal. Para tan-
pelbs espíritos (Macgraffey, 1994, p. 257). Nesse diálogo surdo, os to, os religiosos criariam um exército e expulsariam os demonios do Novo
portugueses acreditavam que a conversáo promovía a expansáo da cris- Mundo. Ao contrário da cristianiza~áo do Congo, os primeiros missioná-
tandade, enguanto a nobreza local buscava, no cristianismo, dilatar seus rios, na América portuguesa, pretendiam destruir os cultos locais e, so-
poderes. Os chefes congoleses incorporaram a nova fé movidos pelo bretudo seus representantes, os pajés e caratbas, considerados demoníacos.3
interesse em controlar a comunica~áo com os ancestrais, fonte de po- Tornou-se, portanto, inviável o "diálogo de surdas" mantido entre portu-
der e sabedoria. gueses e congoleses.
Essa apropria~áo tornou-se possível devido a existencia de pontos A inexistencia de Estado e de hierarquias rígidas talvez explique a
comuns entre os sistemas religiosos europeu e africano. Acreditavam na política excludente. A instabilidade das chefias e a precariedade da vida
existencia de um outro mundo que náo podia ser visto, mas poderia ser material indígena inviabilizavam urna política de conquista que se pautas-
conhecido por intermédio de revela~óes. Tal experiencia religiosa de- se pelos mesmos acordos e ajustes, como acorre no reino do Congo. Lá o
pendia de um corpo de especialistas, que detinha o poder de decifra~áo. tráfico de escravos e o comércio de cobre dependiam da intermedia~áo
O catolicismo africano náo se confundía com o catolicismo, apesar de do rei. Desprovidos de poder, os chefes tupis náo conseguiram manter o
considerar como genuína urna série de revela~óes cristás. Os santos e os fornecimento de escravos, que viabilizasse a consolida~áo de um merca-
seres sobrenaturais oriundos da doutrina católica tornaram-se também do colonial. "Para converter os indígenas em fornecedores de escravos,
divindades para os africanos (Thornton, 1999, pp. 236 e 254). No en- carecía transformar sociedades de coleta e de caqa em sociedade preadora
tanto, apesar de gentíos, os costumes dos nobres congoleses recém-con- de homens." (Alencastro, 2000, p.118.)
vertidos ainda provocavam repulsa nos missionários. Elemento central Na sociedade tupinambá, a chefia poderia ser exercida por qual-
na comunica~áo entre o mundo natural e sobrenatural, os transes eram quer indivíduo que se destacasse por: capacidade de trabalho - con-
considerados diabólicos, resquícios do paganismo, prova de tenta~áo
demoníaca. 1Vale destacar que os mission.lrios, por vezes, procuravam difundir o cristi:111ismo recorrendo
Na América, também houve a demoniza~áo dos cultos loca1s, tema a rradi\ao rupi. Como por exemplo na aproxmu\iio entre Tnpii e Deus, entre pai Sumé e Siio
encontrado nas primeiras cartas jesuíticas e nas crónicas quinhentistas. Os Tomé.

232 233
C APITULO 7 O ANT IGO REGIME N OS TRÓPICOS A DINÁMICA I M P ER I A L PORTUGUESA

praticado por feiticeiros a revelia de um índio convertido. Sua mulher Pires mencionou o interesse dos nativos em receber o batismo (Cartas
encontrava-se muito doente quando um feiticeiro penetrou na tenda du- dos primeiros jesuítas, 1954, p. 252). Porém, comentou o inaciano, o
rante a noite e comec;ou a sugá-la. Depois de completar o "tratamento", padre Manuel da Nóbrega havia admoestado os religiosos para náo con-
o curandeiro gabou-se de ter curado a enferma. E acrescentou: "vosostros cretizar a conversáo sem antes ensinar os catecismos e empreender os
no vos quereis curar comigo sino con el padre, pues moriréis todos". O exorcismos. Os rituais de possessáo e exorcismo comprovam a demo-
marido da índia, cristáo e aliado dos inacianos, narrou o acontecimento nizac;áo do índio. Náo resta dúvida de que a presenc;a do Diabo em
ao padre António Perez. O religioso repreendeu com veemencia o casal terras americanas era urna forma de expressar a estranheza em relac;áo
e seus parentes por acreditar no embuste, ordenando ainda a prisáo do a costumes contrários ao cristianismo. O repasto caníbal era antecedi-
feiticeiro. O criado do governador da Bahia levou o transgressor preso do por reunióes ao estilo dos sabás. As bebidas, os vómitos, a embria-
para Salvador. Náo satisfeito com o castigo, o religioso ordenou a tribo guez, os cantos e as possessóes lembravam o conventículo das bruxas
que denunciasse os demais enviados do Demonio. Tempos depois, dois (Souza, 1993). Nesse sentido, a similitude entre as práticas indígenas e
deles foram encarcerados na cidade; seus comparsas refugiaram-se nos a feitic;aria européia comprova a permanencia do Demonio no Novo
matos, abandonando a aldeia. Em liberdade, os ex-feiticeiros torna- Mundo. E as disputas entre padres e caraíbas ganham o mesmo signi-
ram-se humildes, obedientes aos padres e náo mais recorreram publi- ficado dos conflitos entre o Bem e o Mal ocorridos na Europa (Ra-
camente as práticas mágicas (Cartas dos primeiros jesuítas, 1954, v. 3, minelli, 1996).
pp. 408-409). Os missionários, enfim, identificaram os pajés como elementos de
Em novas oportunidades, as santidades ganhariam a mesma pecha resistencia política e religiosa. Eles emperravam a conversáo e afasta-
demoníaca. Em 15 63, o inaciano Leonardo do Valle menciono u a ocor- vam as comunidades indígenas do controle cristáo. Nessas paragens, o
rencia de movimentos semelhantes na Bahia. A san tidade4, disse o religio- Império da fé somente se realizaría com a eliminac;áo desses "agentes
so, provocava urna grande cegueira entre os índios. Um feiticeiro, demoníacos". Devido ao fracionamento do poder na sociedade tupi-
desconhecido e denominado santo, convenceu a tribo de sua origem nambá, os missionários náo identificaram o conselho dos chefes como
celestial, pois provinha do céu e possuía a capacidade de prever os acon- maior empeci lho a conversáo. Para os cronistas do quinhentos, apenas
tecimentos. Nas reunióes, "tudo redunda em carnalidades e vícios dia- alguns indivíduos eram considerados pelos tupinambás como grandes
bólicos". Deus Nosso Senhor, continua o jesuíta, náo aprovava as liderarn;as (Fernandes, 1989, p. 265). Anchieta mencionou alguns prin-
conduras e castigava-os com a fome e com grandes mortandades. Na cipais: Tibiric;á, Ambiré, Pindobuc;u, Apiripe e Boca Torta (Anchieta,
regiáo havia muita água, sol e terras próprias para o cultivo de alimen- 1988, pp. 193,215,216,230,382 e 183). Ao contrário dos pajés, esses
tos; era mais fértil do que a Beira e o Alentejo. Mesmo assim, a tribo guerreiros náo atuavam como aliados dos demonios. Por vezes, luta-
padecia de carencias alimentares, um castigo divino motivado pelas vam ao lado dos portugueses e protegiam os missionários contra os
erronias (Cartas Avulsas, 1988, p. 408). tamoios e franceses. Essas lideranc;as náo foram demonizadas, mas tam-
O poder demoníaco também estava presente nas cerimonias de exor- bém náo desempenhavam o papel de difusoras do cristianismo, como
cismo realizadas pelos sacerdotes. Desde as primeiras cartas jesuíticas, no reino do Congo.
encontram-se relatos dessa natureza. Em Pernambuco, o padre António No Oriente, os jesuítas portugueses descreveram demonios muito
semelhantes aos encontrados na Terra de Santa Cruz. No Japáo, Fran-
4
Devido ao forma ro desre arrigo, nao mencionarei a Sanridade do Jaguaripe. Sobre o assunro
cisco Xavier contou que na r esidencia dos mercadores lusitanos se
ver Vainfas, 1995. ouviam vozes durante a noite. Os nativos informaram que o espírito

23 6 237
CAPITULO 7 O A NTIGO REGIME NOS TRÓPICOS A DINÁMICA IMPER I AL PORTUGUESA

de um mo~o rondava a casa e solicitaram aos padres ajuda para espan- Em 1549, com apoio dos daimios (nobres), Francisco Xavier ini-
tar o espectro. Os jesuítas aconsclharam cercar o local com cruzes, pois ciou a conversáo na "Terrado Sol Nascente". Os jesuítas alcan~aram
lá habitava o Demonio. Os portugueses seguiram as instru~óes e os essas terras em momento oportuno, marcado por instabilidade políti-
moradores da redondeza fizeram o mesmo, espalhando os símbolos do ca e guerra civil. O antigo xogunato Ashikaga perdera o controle so-
cristianismo por toda a regiáo. Os padres ficaram entusiasmados com bre a ilha, depois das guerras de Onin (1467-77) promovidas pelos
a resposta dos habitantes da aldeia e conceberam a prolifera~áo das nobres. Os conflitos dissolveram os últimos vestígios da administra-
cruzes como um bom presságio para a catequese (Cartas, 1575, p. 36v). ~áo central e completaram o processo de feudaliza~áo que se estendeu
A demoniza~áo dos cultos oricntais difundiu-se juntamente com os por todo Japáo (Anderson, 1984, pp. 513-515). Ansiosos em manter
m1ss1onários. negócios com os portugueses, os daimios viramos jesuítas como inter-
Os sacerdotes japoneses eram muito respeitados, escreveu o jesuíta mediários, capazes de viabilizar os primeiros contaros com os merca-
Cosme de Torres, pois submetiam-se a grande abstinencia. Nunca comiam dores. Entre 1552 e 1553, os navios portugueses iniciaram as transa~óes
carne nem peixe e alimentavam-se de ervas, frutas e arroz, fazendo ape- também no porto de Quioto. O daimio Otomo Sorin almejava intensi-
nas urna refei~áo por dia. Andavam vestidos de negro e náo mantinham ficar esse tr áfego, recorrendo aos padres da Companhia (Subrah-
contatos com mulheres. Porém, perpetravam muitas formas de idolatria. manyam, 1995, p.145). O comércio fazia circular riquezas que, de certo
Uns adoravam um ídolo chamado Xaca; enguanto outros reverenciavam modo, fortaleceriam a estabilidade política e bélica dos daimios -
Amida ou a lua. Eles pareciam muito sábios. Portanto, era necessária a processo que guarda alguma semelhan~a com a inser~áo da nobreza
vinda de padres letrados para persuadir os sacerdotes e a popula~áo da do Congo no t ráfico de escravos.
ignorancia cm que estavam submersos. Para os bonzos, sacerdotes locais, Com a debilidade do poder centralizado, os missionários se difundi-
quando uma alma partia deste mundo para outro levava uma cédula. Seu ram juntamente com os mercadores: "Os missionllrios confiam no Evan-
portador conseguía realizar a passagem sem as interferencias dos demo- gelho e os mercadores nos missionllrios", escreveria posteriormente o sábio
nios. A cédula, porém, custava muito dinheiro e os nativos gastavam gran- padre Vieira (Boxer, 1982, p. 71). Na província japonesa, os inacianos
des quantias para obter o livre acesso ao mundo do além. participavam intensamente do comércio, atividade que promovía o sus-
Os sacerdotes alertavam a popula~áo para náo comer carne, evitando tento da missáo e era autorizada pela lgreja e pela Coroa portuguesa
ingerir o sangue dos animais. Eles também recusavam-se a ingeri-las e (Matos, 1996, p. 280). Os religiosos traficavam entre Macau e Nagasaki,
obrigavam os fiéis a manterem a mesma interdi~áo. Na verdade, comen- aproveitando, como os demais mercadores, dos interditos estabelecidos
tou o jesuíta, os sacerdotes fingiam obedecer estritamente aos interditos e pelo imperador chines.
o faziam apenas em público; do contrário, o rei (sic) expulsá-los-ia do Devido aos piratas niponicos, a China decretou o embargo do co-
mosteiro. Porém, em segredo, desobedeciam a todas as proibi~óes e co- mércio entre a ilha e o continente. O fechamento das tracas legais deu-
miam carnes e pescados (Cartas, 1575, p. 48 v-49). Em 1551, Cosme de se no exato ano da chegada de Francisco Xavier a Kagoshima. Movidos
Torres escreveu sobre a catequese na cidade de Amanguche, onde muitos pela prara japonesa, os portugueses forneciam alternativas para o pro-
japoneses apareceram para ouvir a lei de Deus. Os bonzos, em princípio, blema, levando ao mercado japones seda chinesa, ouro e armas. Os con-
permitiram a presen~a dos missionários, mas depois se incomodaram, flitos políticos e a instabilidade do comércio local propiciaram, entáo, a
"porque les obliga a dexnr los vicios abominables a que son muy inclina- entrada de missionários e mercadores portugueses. Os contaros entre
dos" (Cartas, 1575, p. 48v). Assim como os caraíbas, os bonzos foram O riente e Ocidente ativaram o comércio niponico e promoveram o
demonizados pelos jesuítas. fl orescimento de cidades semelhantes as da Europa medieval. O porto

238 239
C...At"I I U LO 7 O AN T I G O RE GI M E N O S T R Ó P ICOS A DI NÁMI C A I MP E R I A L P O RTU GU E S A

Sakai era denominado pelos jesuítas de "Veneza do O riente" (Boxer, homens criados em palácios. Como passatempo, recitavam poesías e ma-
198 1, p. 95). nejavam armas, demonstrando grande destreza (Cartas, 1575, p. 48v). O
Com a conversáo dos daimios, os setores dependentes do poder local padre Luís Froés, em 1590, realizou um balan~o da missao jesuítica e con-
- ou seja, vassalos, mercadores, artesáos e agricultores - tornaram-se siderou que a gentilidade seria, cm breve, sepul tada, "será daqui pordian-
também cristáos. O feudalismo japones incentivou esse fenómeno, pois o te como favor divino recebido de todo Japiio o sagrado Evangelho" (Cartas
vínculo pessoal entre senhor e vassalo era mais forte do que o vínculo do Japam , 1593, p. 26).
económico do vassalo com a terra. Pautada em urna rela~áo fortemente Assim como nos autos de Anchieta, no Japáo, os missionários jesuítas
assimétrica, a vassalagem se forjava em um ambiente semifamiliar e sa- encorajaram os convertidos a participar de representa~óes teatrais de na-
grado (Anderson, 1984, p. 5 14). Os missionários, por conseguinte, atu- tureza religiosa. Nas solenidades cristás, eram encenados espetáculos com
aram no topo da sociedade nipónica. Ainda contaram com a fragmenta~áo temas bíblicos, tais como a fuga dos judeus para o" Egito, o nascimento de
do budismo em seitas, cujas líderes nem sempre eram respeitados. Como Jesusea história do profetajonas. No intervalo das cenas, cantavam ver-
comentou o jesuíta Cosme de Torres, os bonzos eram acusados de dei- sos dedicados a históri a de Cristo e denunciavam a cegueira dos pagáos.
xar a contempla~áo purificadora para se engajar diretamente em !utas As pe~as religiosas, por vezes, tinhan1 um coro, que comentava as cenas
políticas. de forma moralizadora. As artes plásticas também tiveram grandes avan-
Diferentemente do Brasil e da África, o arquipélago nipónico ainda ~os. Os pintores e gravadores em cobre demonstravam grande habilida-
encorajava os missio nários por ter urna única língua, facilitando a propa- de, pois produziam trabalhos que pouco se distinguiam dos trazidos de
ga~áo do cristianismo (Alden, 1996, p. 60). Os jesuítas contavam também Roma (Boxer, 1981a, pp. 77-78).
comos dojuku, recrutas japoneses, que atuavam como intermediários entre No Japáo, a famosa imprensa jesuítica produziu textos religiosos, em
os rnissionários e a popula~o. Devido ao inadequado treinamento, os dokuju latim e japones, comparáveis a Bíblia de Gutenberg. O chefe da missáo na
náo recebiam os votos solenes, mas serviam como pregadores, tradutores e ilha, o jesuíta Valignano, inicialmente se opós a difusáo em grande escala
responsáveis pela conversáo de líderes comunitários. A conjuntura favorá- de livros europeus, temendo a desordenada distribui~áo de materiais im-
vel aos missionários promoveu urna extraordinária cristianiza~o. Em 1586, pressos. Assim como as obras devocionais, dicionários e gramáticas japo-
havia 113 jesuítas, vinte residencias, duzentas igrejas e urna cristandade nesas também vieram a público (Proust, 1997, pp. 119-153). Companheiro
estimada em 200 mil almas. de Francisco Xavier,Juan Hernández concebeu, em 1564, urna gramática
Os jesuítas encantaram-se com a disciplina nipónica. Em Kagoshima, japonesa com precisas regras de sintaxe e conjuga~óes, além de um vo-
Xavier descreveu os japoneses com grande entusiasmo, pois acreditava que cabulário em japones e portugues. "Há poucas dúvidas de que o traba-
nenhum o utro gentio abra~aria o cristianismo com tanta devo~áo. O jesuíta lho dos missionários jesuítas na composiqiio de dicionários e gramáticas
napolitano, Alexandro Valignano, considerava que semente os japoneses japonesas foi grandemente auxiliado por irmiios e noviqos japoneses,
mereciam ser equiparados aos cristáos europeus. Lá, a for~a física e os apesar de seus nomes continuarem a ser desconhecidos." (Chaudhuri,
demais métodos de coer~áo eram completamente inúteis para alcan~ar a 1998, p. 505.)
conversáo (Chaudhuri, 1998, 511). Os nobres, comento u o jesuíta Cosme Esses testemunhos permitem entender, enfim, a estratégia jesuítica para
de Torres, eram muito disposros a defender a fé crista, por serem discre- a conversáo dos tupis e japoneses. Em princípio, os missionários procura-
tos e se pautarem pela razáo : "son curiosos de saber y platicar como ram satanizar bonzos e pajés, demonstrando a falsidade e os enganos per-
salvaron sus animas, y serviram a su criador". Possuíam boas conversa- petrados. Os relatos primavam por desmascarar a farsa orquestrada pelo
~óes e, ao se cumprimentarem, obedeciam a etiquetas: mais pareciam "senhor de todos os males" e revelar-lhes a verdadeira fé. Os chefes e os

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CAPITULO 7 O ANTIGO REGIME NOS TRÓPICO S A DINÁMIC A IMPERIAL PORTUGU ESA

guerrcir os escaparam da pecha demoníaca, mas, entre os tupis, eles pou- cugueses de se envolver no comérci o e descuidar dos afazeres espirituais.
co atuaram como propaga dores do cristianismo. A debilidade da chefia No tempo do xogum Hideyoshi, determinou-se a expulsáo de padres e
tupi, certame nte, inviabilizou essa estratégica. Em terras nipónicas, po- japoneses convertidos, sob pena de marte. Os jesuítas atuavam de forma
rém, a a<;áo missionária real izou-se a partir do ápice da piramid e social. agressiva, "com o seu vice-provincial nn época em Nagasáqui, o padre
Ali, mesmo sob crise política, havia hierarqu ia e estrutur a social mar- Gaspar Coelho, a comportar-se como um daimyo, chegand o a fazer-se
cadamente estratificadas. A lógica da conversáo se confund e com essas transportar numa pequenn galera armada de artilharia" {Subrahmanyam,
rela<;ócs de poder. 1995, p. 214). O .. grande navio" e os comerciantes lusos, porém, perma-
Em princípi o, os missionários cristianizam os daimios, que eram se- neceriam no territóri o nipónico até o estabele cimento da Compan hia
gu idos por seus vassalos e dcmais depende ntes. Vale ainda mencion ar Holandesa das Índias Orientais, quando se criou urna alternat iva a pre-
que os dicionários, as gramáticas e as fabulosas impressóes nipónicas bus- sen<;a portugu esa no Japáo {Chaudhuri, 1998, p. 511 ). A abertura do Ja-
cavam um alvo específico, um público exigente e letrado. Habitua dos a páo ao Ocident e tinha forte apelo económ ico.
requinte s, os nobres, por certo, constitu íam a pedra de toque da missáo Na segunda metade do século XVI, guerras civis continu aram asa-
jesuítica no Japáo. Para tanto, Valignano criou urna escala como propó- cudir o arquipé lago nipónic o. As disputas resultar am na reunifica<;áo
sito de educar filhos de nobres e torná-los cavaleiros cristáos. Entre os do país por sucessivos comand antes militare s. Na era de Hideyos hi
tupinam bás, os padres jamais recorrer iam a essa estratég ia para difun- Toyotom i (1535-1 598), os daimios náo perdera m seus domínio s, mas
dir a fé cristá. Como Manuel da Nóbrega proferiu : comos índios o con- tornaram -se vassalos do novo monarca . A dinastía imperia l foi preser-
vencimc nto era inútil , pois eram como ferro fria que Deus metería na vada, mantida como símbolo religios o. A popula<;áo foi compar -
forja para converte -los (Cartas dos primeiros jesuítas, 1954, v. II, p. 344). timentad a em quatro ordens: nobres, camponeses, artesáos e mercado res.
Nesse sentido, destacam-se as similitu des entre a convers áo no Japáo e No período , assim como o comérc io, a cri stianiza<;áo teve grande
no Congo. No último, a nobreza abra<;ou a fé de Cristo para fortalec er- floresci mento: "El numero delos Christia nos es muy grñde, aunque
se. Como cristáos, eles acreditavam controla r a comunica<;áo comos an- repartid os en diversas partes, porque esta Isla de lnpon esta repartid a
cestrais, fonte de poder e sabedor ia. Para além dos aspectos político s, a en sessenta y seys reynos, y pocos o ninguno s donde no aya Christia n os."
cateques e aí foi impulsio nada pelo comérci o e tráfico de escravos , ne-
(Cartas, 1575, p. 240v.)
gócios envolve ndo diretam ente as elites recém-cristianizadas. O vínculo Com a marte de Hideyoshi, o poder supremo deslocou-se para as máos
entre comérci o e missáo fornece importa ntes subsídios para entende r a de Tokugawa leyasu, que articulou urna nova coliga<;áo de senhore s. Ven-
falencia do projeto mission ário nessas regióes. Desde o início, a expan- cendo os opositor es, em 1603, fundou-se o Estado Tokugawa, institui<;áo
sáo portugu esa, conform e Z urara, buscava ampliar o comérci o e as fron- política sólida e duradou ra (1603-1867). •~ estabilidade e longevidade do
teiras da cristandade. No ultrama r os portugueses buscaram atingir essas novo regime seria grandemente reforyada pelo isolame nto oficial do Japño
metas e, por vezes, mesclaram conversáo e comérci o, interess es políti- a praticamente todos os contatos como mundo exterior." {Anderson, 1984,
cos e cristáos como se fossem parte de um mesmo processo . A simbiose p. 517.) Na época, o xogum acreditava que as missóes católicas, sobretu-
entre mercado res e missionários tornou-s e, porém, mais evidente nas do a jesuítica, se estabeleceram na ilha para atuar como espiás que, ao con-
terras nipónicas. verter, criavam condi<;óes ideais para a infiltra<;áo política e militar
No Japáo, os jesuítas só foram tolerado s pelo xogum por razóes clara- européia . A Compan hia de Jesus muito lastimou a expulsáo e a violencia
mente económicas, mesmo contand o como apoio dos ..senhore s feudais" dos chefes japoneses: •~ missño no Japño sempre foi perseguida seja pelos
cristianizados. Por isso, talvez, a missáo jesuítica fara acusada pelos por- Reis, senhores particulares e senhorios. Mas com o Rei Cambac o (sic), se-

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243
CAPÍTULO 7 O ANT IGO REG IM E N OS TRÓPICOS A DINÁMICA I MPERIAL P ORTUGUES A

nhor absoluto, a persegui~;iio tornou-se implacável, proibindo os soldados foram mo rtos; entre eles havia quatrocentos fidalgos do reino cristáo do
e fidalgos de se tornarem cristiios. lsto ocorreu em 1612. Decretou pena Congo. O combate unia portugueses, brasílicos, angolistas e africanos
de morte aos cristiios." (Relaqam , 1616, p. l.) Estavam arruinadas as pre- contra o soberano banto e seus vassalos cristáos. 6 A caber;a decepada do
tensóes jesuíticas de incluir os japoneses no Impéri o da fé. Em o utras pa- soberano Mani Maluza foi conduzida a Luanda, onde recebeu todas as
ragens, as debilidades do lmpério da fé logo se revelaram. honras por parte das autoridades portuguesas. Para além da perda de au-
Em 1547, a Companhia de Jesus enviou quatro religiosos para o Congo, tonomia, a vitória luso-brasílica provocou urna intensa pilhagem e incre-
que náo conseguiram se estabelecer no reino cristáo africano. Entre eles, mento do comércio de escravos. O reino cristáo, portanto, foi submetido
dois se envolveram com o tráfico de escravos e foram expulsos da ordem. a lógica do tráfico. "Para os ango/istas, Ambuíla marca o fecho da contra-
Anos depois, em 1553, a Companhia de Jesus retornou ao Congo. Mais ofensiva portuguesa e /Jrasílica na África Central." (Alencastro, 2000, p.
urna vez, porém, incidentes inviabilizaram a permanencia da missáo, e os 298.) Os banros tornaram-se elementos centrais no comércio atlantico
padres seriam acusados de interferir em assuntos políticos e económi cos comandado pelos portugueses. A inclusáo desses africanos no lmpério
(Alden, 1996, p. 75). As desavern;as provocaram a expulsáo dos missio- lusitano, porém, náo se realizava pela conversáo. Apesar da cristianizar;áo
nários do reino do Congo. Os inacianos retornariam, de forma precária, do interior africano, seus habitantes eram inseridos no lmpério como es-
em 1618, mas o colégio da Companhia em Sáo Salvador somente seria cravos, jamais como cristáos livres.
fechado em 1669 (Alencastro, 2000, pp. 158-159). O Império da fé estava também arruinado nessas paragens africanas.
Desde o início, o tráfico de escravos demonstrou ser o pomo da dis- No Brasil, náo seria muito diferente. Os tupinambás, os cristáos em po-
córdia entre os reinos portugues e congales. Sendo inicialmente monopó- tencial radicados no litoral, foram lago exterminados. Em meados do seis-
li o real, o tráfico de escravos com os portugueses revertia lucro e poder centos, nas capitanías de Pernambuco, Bahía e Sáo Vicente, terras convertidas
ao soberano banto. Esse comércio logo escaparía do controle do rei. De pelos primeiros jesuítas estavam praticamente vazias dos povoadores ori-
Sáo Salvador, D. Afonso I escreveu ao rei portugues e denunciou a captu- ginais, assoladas por guerras e epidemias. Os conflitos entre colonos e
ra de nobres nas guerras intertribais, além da venda de vassalos como es- inacianos, em torno da "liberdade dos índios", tornaram-se urna constan-
cravos. No reino cristáo africano, as regras do tráfico eram burladas, e o te, seja em Sáo Paulo ou Grá-Pará. A catequese era denunciada como es-
poder real encontrava-se amear;ado e desrespeitado. As contendas perdu- tratégica para acumular prestígios e propriedades, movidas por centenas
ram e provocaram o distanciamento entre os reinos "irmáos" (Souza 1999 de escravos negros e índios. A Companhia de Jesus resistiu as intempéries
pp. 72-76). Durante reinado de D. Garcia 115, ocorreram manobras' diplo-' políticas e continuou a propagar o cristianismo, sem deixar de acumular
máticas que permitiram tornar independente o bispado de Sáo Salvador, riquezas. Nos séculas seguintes, os inacianos investiram no interior e nas
no Congo, do padroado portugues. Os capuchinhos italianos tiveram províncias do norte, onde ainda havia almas para conversáo. Na costa
enorme participar;áo no processo (Alencastro, 2000, p. 284). Com os novos atlantica, porém, a cobir;a dos colonos - guerras e escravidáo - e os
missionários, o rei afastou totalmente os portugueses, considerados ini- aldeamentos jesuíticos - peste e perda de identidade - arruinariam os
migos, e travou estritos contaros com os holandeses. O reino do Congo planos de inserr;áo dos tupinambás no lmpério da fé. Mas o fracasso da
era independente e cristáo, mas em breve as querelas comerciais promo- \ construr;áo do lmpério portugues, sobo prisma da conversáo, é apenas urna
veriam urna reviravolta nessa autonomia. hipótese que, para ser comprovada, necessita de pesquisa documental.
Em Ambuíla, travou-se urna sangrenta batalha, onde 5 mil nativos
6 Brasílicos = colonos do Brasil; angoliscas = portugueses radicados em Angola (Alencascro,
1
Rei do Congo entre 1641 -1661. 2000).

244 245
CAPÍTULO 8 Trajetórias sociais e
governo das conquistas:
Notas preliminares sobre os vice-reis e
~overnadores-gerais do Brasil e da
India nos séculos XVII e XVIII
Nuno Gonc;alo F. Monteiro
1. OBJETIVOS E LIMITES DE UM ENSAIO

Na seqüencia de diversos trabalhos anteriores sobre as elites e os proces-


sos de hierarquiza<;:áo social no Portugal da dinastía de Braganr;:a1, preten-
de-se com este escudo sugerir algumas das hipóteses que as investigar;:óes
referidas fornecem para a análise dos critérios de recrutamento dos go-
vernadores das "conquistas", domínio sobre o qual já se iniciaram pes-
quisas em colaborar;:áo com Mafalda Soares da Cunha.i Assim, mais do
que produtos finais, sáo os pontos de partida e os primeiros resultados de
urna investigar;:áo o que se procura discutir.
Dois pressupostos váo conduzir estas reflexóes. O pri meiro refere-se
acentralidade d o sistema de remunerar;:áo de servir;:os da monarquía por-
tuguesa enguanto instancia de estruturar;:áo social e institucional, náo ape-
nas no centro, mas também nos espar;:os periféricos da monarquía. No
encanto, a insistencia neste tópico, amplamente fundamentada pela inves-
tiga<;:áo recente, tem de se combinar com outra ilar;:áo essencial que se re-
tira dos estudos dos últimos anos sobre as elites seiscentistas e setecentistas:
embora com múltiplos antecedentes, desenha-se urna clivagem, difícil de
ultrapassar, entre a "primeira nobreza da corte" da dinastía de Braganr;:a e
as restantes elites. E essa fissura aprofunda-se cada vez mais a partir da
segunda metade do século XVII. A análise dos critérios de recrutamento
para os principais oficios da monarquía nunca pode ignorar as caracterís-
ticas da hierarquizar;:áo nobiliárquica e, em particular, essa distinr;:áo es-
sencial. O que significa, como adiante se procurará demonstrar, que a

'Cf., entre 01mos, Mo nrc,ro, 19 87, 19 97, 1998 e 1000.


1Cf. Cunh;i e Mo nre1ro, 199 4, 1995, 2000 e 2000a. C f., a111d;1, Mo nre,ro, 20 00;1.

2 5 1
CAPITULO 8 O ANTIGO REGIME NOS TRÓP I COS A DINÁMICA IMPERIAL PORTUGUESA

escolha dos nomeados e a respectiva remunera<;áo de servi<;os era balizada 2. A HIERARQUIA DAS NOBREZAS, A CASA E A REMUNERA<;ÁO DOS SERVl<;OS
e limitada por critérios bcm definidos, os quais raras vezes foram ultra-
passados ou subvertidos. 2.1. A evolufiiO dn hiernrquin nobiliárquicn portuguesa
O segundo ponto de partida desta incursáo assume a muta<;áo recente
das perspectivas sobre o lmpério colonial portugues e suas interpreta<;óes, A análise dos critérios de sele<;áo dos governadores coloniais pressu-
em particular no que se reporta ao Portugal Restaurado em 1640 sob a póe um prévio conhecimento da hierarquía das nobrezas nas quais se fa-
realeza da dinastía de Bragan<;a, no qua! o Brasil desempenhou papel es- zia o recrutamento dos governadores coloniais.
sencial e explícitamente reconhecido na própria época. Na verdade, a De urna forma genérica, pode-se dizer que a evolu¡;áo a longo prazo
insistencia nesse vínculo decisivo, com urna enfase especial nos fluxos da estratifica<;áo nobiliárquica em Portugal, entre os finais do século XVI
econó~1icos e financeiros inerentes ao chamado antigo sistema colonial, e o triunfo da revolu<;áo liberal em 1832-34, se caracterizou por dois pro-
constituí um dos ingredientes essenciais das imagens tradicionalmente cessos simultaneos, mas de sentidos inversos: abertura na base do grupo
legadas. Por seu turno, as perspectivas clássicas sobre o período colonial (acompanhada da restri<;áo progressiva dos seus privilégios gerais) e cons-
produzidas por historiadores brasileiros tenderam, com alguma simetria, titui<;áo de urna aristocracia de Corte, restrita e claramente separada das
a sálientar a dualidade e a contraposi<;áo entre a administra<;áo portugue- restantes categorías nobiliárquicas, encimada pela casas da nobreza titu-
sa e a colonia, destacando a sistemática desadequa<;áo entre a centraliza- lar. O primeiro aspecto diverge das tendencias apontadas mesmo para os
<;áo proverbialmente atribuída aquela e as realidades incontornáveis do países de nobreza numerosa, e o segundo, embora em dimensóes variá-
quotidiano sul-americano. Em contraposi<;áo parcial a essas perspectivas, veis, foi comum a quase todas as monarquías ocidentais. Em Portugal, esse
haverá que insistir, por um lado, na idéia de que, definindo embora o sis- fenómeno acentuou-se, sobretudo, depois da Restaura<;áo de 1640.3
tema imperial um centro metropolitano e periferias coloniais, as rela<;óes Tal como sustentarnos em outros trabalhos, a elite aristocrática da di-
entre as duas esferas referidas se náo podem reduzir a dimensáo dos ci- nastía de Bragan<;a constituiu-se fundamentalmente em meados do seis-
clos económicos, antes se alargando inexorável e necessariarnente a ou-
tros planos. Mas tarnbém, na bilateralidade dos vínculos e dos circuitos 1 No final do Ancigo Regime rareiam as descri,;óes sistemáticas coevas sobre a hierarquía
da comunica<;áo política entre a metrópole e a colonia, conforme as su- nobiliárquic;i portugues;i, prec1s;1mente pel;i fluidez e complcxid;ide que ;i c;irncceriz.avam. No
gestóes de algumas contribui<;óes recentes. Se o tráfico de escravos e o enunto, ace1rnndo o risco de um exercíc10 esquemático, pensamos que se podem suman;i -
mente distinguir trés categon as essenc1a1s. Na base, uma vasta e 1mprec1sa categona da "no•
esfor<;o de imposi<;áo do exclusivo comercial metropolitano sobre o merca- breza simples" e dos cavale1ros de hábito, que mcluía codos os licenciados e bacharé1s, os ofic1a1s
do brasileiro constituíam dimensóes essenciais do antigo sistema colo- do exérc1to de pnmeira linha, milícias e ordenan,;as, os negociantes de grosso trato, os juíz.es
e vereadores de um número indeterminado de vilas e cidadcs, enfim, todos os que "viviam
nial (Novais, 1986), a verdade é que estáo muito longe de esgotar a
nobremenre". Um estatuto fluido, invocado apenas para cerros efeitos, abrangendo talvez mais
multiplicidade das suas rela<;óes, nem chegam para explicar a razoável de 8% dos adultos masculinos que, por isso mesmo, se enconrrava desqualificado, o que con•
eficácia e durabilidade dos mecanismos de integra<;áo no Império (Bica- duzia a uma intensa procura de outras distin,;óes, designadamente, dos hábitos de cavaleiro
das ordens militares (para os quais se exigia prova de nobreza, mas nao de fidalguia). Acima,
lho, 2000; Bicalho, Fragoso e Gouvea, 2000). Articular estes dois pon- uma categoria in termédia de alguns milhares de fidalgos, que compreendia urna maioria de
tos de partida, eis o desafio que se procura come<;ar a defrontar no ~fidalgos de cota de armas" e de "fidalgos de linhagcm" (cu¡os ascendentes r111ham receb1do ,1
presente texto. carta do brasao de armas ostentado na fachada das suas casas), com uma muito desigual distn·
bui,;ao geográfica, bem como algumas centenas de fidalgos da casa real e desembargadores.
Por fim , a "pnmem1 nobrez.a do remo", quase roda residente na Corte, consnmída por cerca
de centena e me1a de senhores de cerras, comendadores e detentores de cargos palannos, no
cume da qual se encontrava a meia centena de casas dos Grandes do reino.

2S2 2S3
CAPITULO 8 O ANT I GO REGIME NOS TRÓPICOS A DINÁMICA I MPERIAL PORTUGU E SA

centos em torno de cerca de meia centena de casas de Grandes e mais al- dos critérios de recrutamento de todos os principais ofícios da monarquia,
gumas dezenas de outras da "primeira nobreza da Corte", as q uais acaba- nestes se incluindo os governos das conquistas.
ram, quase todas, por receber também título. Como o quadro reproduzido
na página 250 claramente indica, o primeiro período de infla~áo nos títu-
los coincide com os últimos trinta anos da permanencia de Portugal na 2.2. A casa e o real servirso
mo narquía dos H absburgo. O número total de casas titulares atingido em 1
1640 manteve-se praticamente estável até aúl tima década do século XVIII, O ethós da aristocracia de Corte <leve ser apreendido partindo de duas
embora tenha tido lugar urna apreciável renova~áo entre 1640 e 1668, dimensóes fundamentais e da for ma como foram representados no perío-
pois pouco menos de metade desapareceu depois da Restaura~áo, sendo do considerado: as idéias de casa e de servis:o ao rei. Nem urna nem a
substituída por outras. A notável estabi lidade alcan~ada nos cerca de 130 outra consti tuem novidade que distinga decididamente o contexto anali-
anos posteriores ao fim da Guerra (1 668) raras vezes terá sido ig ualada sado de o utros anteriores. No encanto, revestiram no período brigantino
por outras aristocracias européias. Durante mais de um século criaram-se formas peculiares que vamos ponderar nas suas múltiplas expressóes e que
e extinguiram-se muito poucas casas. Acresce que o núcleo central do grupo decorrem de condi~óes históricas e institucionais específicas.
se ·manteve extremamente estável. No ponto máximo da sua cristaliza- Como tantas o utras no m undo de entáo, a sociedade aristocrática
1ráo, em 1750 (ano da morte de D. Joáo V e da entrada de Pombal para o portuguesa era, em primeiro lugar, urna sociedade de "casas". 6 O seu có-
governo), das cinqüenta casas titulares existentes em Portugal, 34 tinham digo de cond uta fundamental era definido pelo direito vincular, de pro-
sido elevadas há mais de cem anos e, de entre estas, sete vinham desde o veniencia castelhana7, que se fora difundindo gradualmente, embora a
século XV. maior parte dos vínculos administrados pelas casas aristocráticas portu-
Nos primeiros anos da regencia de D. Pedro delimitou-se, assim, a elite guesas do período escudado tivessem sido fu ndados no século XVI, e al-
aristocrática do novo regime. As vías para o acesso a Grandeza titular guns até mais tarde. Tratava-se de um conjunto de preceitos antigos e de
foram -se to rnando, efetivamente, cada vez mais estreitas e nos cem anos há nrnito conhecidos, mas que adquiriram nova funcionalidade no con-
subseqüentes poucos puderam entrar na categoría. Nesse longo período texto posterior ao fim da Guerra da Restauras:áo, q uando a elite aristo-
de encerramento, urna das raras vias de acesso a Grandeza foram, preci- crática se estabilizou, a medida que a própria dinastía se foi consolidando.
samente, os vice-reinados na Índ ia ou no Brasil, pois na fase mais restritiva A primeira e fundamental dimensáo das casas dos Grandes traduzia-se nas
(1 671-1760) cerca de metade dos títulos foram criados em remunera~áo obrigas:óes impostas a todos quantos nelas nasciam. De fato, a estreita
daqueles servi~os, como adiante veremos. Praticamente sem exce~áo, a disciplina doméstica abrangia náo só os sucessores, mas a todos os filhos
titula~áo traduziu-se na passagem de casas da "primeira nobreza" sem tí- e filh as, e visava a objetivos bem definidos. Em primeiro lugar, garantir
tulo e de filhos segundos de Grandes ao estatuto da G randeza secular.4 sua perpetua~áo, que se procurava, desde logo, por meio do esfor~o para
Como se disse, a clivagem entre a principal nobreza da Corte, encimada obter sucessáo biológica varonil e, na falta desea, por um conjunto de prá-
pelos Grandes5, e as restantes nobrezas revela-se decisiva para a análise ticas destinadas a encontrar sucessáo, evitando, tanto quanto possível, os
riscos de anexa~áo por outras casas. Em seguida, favorecer seu "acrescen-

•Para urna defini~iio do que era a "prirneira nobreza da corre", expressiio d a pr6pria época
veja-se Montciro, 1998, pp. 267-269. '
5
Para além dos eclesiásticos e de pessoas que recebiam tal disrin~iio a rírulo pessoal ("honras •et. diversos rrnbalhos de Pierre Bourdicn e, designada mente, Bourdicu, 1993.
7 Nessesentido, pode afirmar-se que "la prunoge11iturn e11stella11a seria (... ) el modelo europ~u
d e Grandeza"), erarn Grandes por inerencia rodos os condes, marqueses e duques e os viscon-
dcs e b,uóes q ue a tivessem reccbido por doa~.io específica. de una a11lropología nobiliaria" (Clavero, 1989, p.588).

254 255
CAPITULO 8 O ANTIGO REGIME NOS TRÓPICOS A DINÁMICA IMPERIAL PORTUGUESA

tamenro". Antes de mais nada, por meio do exclusivismo social. Assim, os colonia, ainda que essa atribui~áo nunca tenha sido exclusiva. De resto,
sucessores (que desde 1651 se casaram em cerca de 80% dos casos com suas competencias foram significativamente restringidas com a cria~áo
filhas de Grandes e na quase totalidade com senhoras da primeira nobre- (1736) e ulterior efetiva~áo da Secretaria de Estado dos Negócios da
za da Corte ou do estrangeiro) e as filhas (valores quase idenricos até 1800) Matinha e Domínios U1tramarinos.
estavam sujeitos a urna apertada homogamia matrimonial. Em todo caso, é relevante salientar que a sele~áo e nomea~áo dos go-
As filhas que náo encontravam coloca~áo matrimonial dentro da pri- vernadores coloniais seguía vias diversificadas. Pelo que se conhece, a es-
meira nobreza eram, quase sem exce~áo, encaminhadas para o clero regu- colha dos vice-reís e governadores gerais da Índia e do Brasil náo era, senáo
lar, ou seja, para a vida conventual. Quanto aos filhos secundogenitos, a em alguns casos, antecedida de consulta ao Conselho U1tramarino. Maté-
menos que encontrassem urna sucessora de casa dentro de grupo, ou que ria por excelencia da "alta política", passava por demoradas conversa~óes
quisessem arriscar um destino aventuroso ou casar abruxo da sua condi~o, e diretamente por consulta apresentada pelo secretário de Estado aos
adquirindo assim casa própria, eram majoritariamente encaminhados para membros do Conselho de Estado, nos períodos (até o primeiro q uartel do
as carreiras eclesiásticas; neste caso, majoritariamente para o clero secular. setecentos) em que este ainda se reunía. 8 Diferente seria o processo de
A medida que, ao longo do século XVII, a Índia e o lmpério se foram tor- nomea~áo dos governadores das capitanías, que atravessava um comple-
nando um destino cada vez mais incerto (como adiante se dirá), a percenta- xo processo de consultas que antecediam, quase sempre, o régio despa-
gem de eclesiásticos subiu sempre até o primeiro ter~o do século XVIII e a cho final. Geralmente, em períodos mais recuados, abría-se um prazo para
parcela dos que se casaram foi sempre minoritária até o início do século apresenta~áo das candidaturas, findo o qual o Conselho U1trarnarino ela-
XIX. De resto, também <lestes (eclesiásticos e celibatários, em geral) se es- borava urna proposta escalonando hierarquicarnente os candidatos a sub-
perava que contribuíssem para engrandecer a casa de seus pais, irmáos ou meter a decisáo régia. Na segunda metade do século XVII, cerca de dois
sobrinhos. Dessa forma, a casa e a disciplina da casa traduziam-se, em pri- ter~os das propostas assim apresentadas obtiveram provimento, mas a
meiro lugar, num conjunto de obriga~óes que se estendiam a todos quantos verdade é que outros órgáos e personagens (incluindo o Conselho de Es-
nela nasciam. E que a maioria efetivamente acatou, embora as exce~óes, os tado e/ou seus membros9 ) eram consultados antes da delibera~áo final. 10
que arriscaram outros destinos, constituíam um dos tópicos mais interes- De fato, eram diversos, no plano da qualidade de nascimenro e das qualifi-
santes a investigar. Assim se favorecía o monopólio tendencia! dos princi- ca~óes e experiencia requeridas, os círculos onde se recrutavarn os admi-
pais oficios da República e a correspondente remunera~áo dos servi~os em nistradores das conquistas, em cujo topo se encontravarn os governadores
doa~óes régias, parte delas decorrente da atividade dos secundogenitos ce- gerais e vice-reís, quase sempre militares com qualificada nobreza e
libatários. A partir de meados do século XVII, ao contrário de outros perí- fidalguia, e objeto de urna escolha próxima e cautelosamente ponderada
odos anteriores, foi quase sempre por meio das doa~óes régias que as grandes pelos monarcas. Em vez disso, outros cargos, como as capitanias atlanti-
casas aristocráticas acumularam novas fontes de rendimento, e só muito cas de menor importancia, estavam ao alcance dos "soldados da fortuna",
secundariamente por via de casamentos ou da compra de bens. ou seja, dos militares experientes, mas sem qualidade de nascimento.

2.3. A escolha dos governadores coloniais 'Ou se1a, até ,1os anos 20 do sececencos e, depo1s, em d 1ícrenres con¡untur.1s d,1 scgnnd.1 meu-
de do século .
9 Cf. Bardwell, 1974.

A cria~áo do Conselho U1tramarino (1642-43) correspondeu ao reco- 'ºcf. as consultas sobre o assunco ao l.º Duque de Cadaval e .i seu pnmogé111ro nos fina1s do
nhecimento da crescente importancia do Brasil e a urna transferencia para século XVII e inicios do século XVIII, em BNL, Fundo Geral (FG), códice n.º 749, e em R,1u
e Silva, 1955-1958. Cf. as consnlus e vocos do l.º Conde de Vian,1 entre 1703 e 1707 e de-
um órgáo central de boa parte das matérias relativas a administra~áo da po1s em 1713 em BNL, Pomb.1l111.1, n." 230.

256 257
O AN TIGO REGIME NOS TROPICOS A D I NAMI C A I MPERIA L PORTUGUESA
CAPITULO 8

A análise das carreiras militares anteriores a tomada de posse consti-


primeira nobreza do reino. No entanto, a extrema aristocratiza~o do cargo
tuí, porém, o máximo revelador da evolu~áo detectada quanto a lógica de
náo excluía a sua dimensáo promociona!, o "acrescentamento" que lhe
recrutamento social dos vice-reis do Estado da Índia. Com efeito, até
esteve associado, e ao qual regressaremos com o devido detalhe na alínea
meados do século XVII, a tendencia majoritária revela náo somente ex-
seguinte: dos 25 vice-reis nomeados entre 1630 e 1810, apenas sete ti-
periencia em cargos de chefia militar ou política, como presen~a militar
nham nascido em casas com Grandeza e somcnte quatro nelas sucedido,
anterior na Índia. No entanto, se entrarmos apenas em considera~áo com
mas a verdade é que 19 morreram Grandes ou puderam legar a Grandeza
o século XVI, de tendencia majoritária saltamos para a quase totalidade:
a seus sucessores em virtude dos seus servi~os e trés a eleva~áo das respec-
mais de 4/5 haviam já estado em campanhas na Índia (Cunha e Monteiro,
tivas casas ao marquesado. De resto, a maioria dos vice-reis da Índia eram
1994). Estes dados ainda sáo mais interessantes quando comparados com
primogénitos e presuntivos senhores de casa desde o ber~o. O momento
as épocas posteriores. A mudan~a é radical. Com efeito, a esmagadora
mais notório dessa elitiza~áo do cargo ocorre, sem dúvida, nos anos 40
maioria dos vice-reis nomeados, sobretudo depois de 1650, nunca tinha
do setecentos, quando os feítos dos vice-reís se celebravam com encomios
estado na Índia a data da sua primeira nomea~áo: menos de 1/5 dos 22
nunca vistos, e quando os escolhidos eram todos sucessores de Grandes,
nomeados entre 1650 e 1810, somente um de um total de 16 nomeados
que partiarn para a Índia como título de marqués (Louri~al, Castelo Novo
desde o iníc.:io do século XVIII. Aliás, cerca de metade dos escolhidos náo
e Távora).
tinha mesmo nenhuma experiencia colonial, nem sequer em cargos subal-
ternos... Se bem que a maioria fosse militar com pravas dadas, um ter~o
QUADRO 1 nunca tinha tido um comando militar. Eram, sobretudo e em primeiro
PROVENIENCIA E ORDEM DE NASCIMENTO DOS VICE-REIS lugar, grandes fidalgos da Corte, que só aceitavarn o penoso sacrifício da
DA ÍNDIA (NOMEA<;ÓES 1630-1810) partida para o Oriente a troco de contrapartidas para suas casas, dura-
mente negociadas.
Índia
Podemos acompanhar mais de perto os tra~os dessa evolu~áo. D. Fili-
E5TA1Uf0
NOBILIÁRQUICO 1630-1700 1701-1750 1750-1810 Total pe de Mascarenhas (26° vice-rei, 1645-1651) foi um dos últimos casos
4
exemplares de um fidalgo secundogenito que, depois de ter feito urna longa
Sucessor de Grande 1 3
carreira e acumulado urna grande _fortuna na Índia, ainda chegou a vice-
Sucessor de 1• nobreza • 6 4 2 12
rei. Depois, apenas o 1° Conde de Sarzedas (vice-reí em 165 5-6) e o 1°
Secundogenito de Grande 1 1 I 3 Conde do Lavradio (em 1671-77, e o único que tinha antes integrado um
Secundogénito de 1• nobreu • 2 1 3 conselho de governo, em 1661-2) e os dois Melo e Castro (vice-reis em
2 1 3
1662-6 e 1702-7, respectivamente) tinham conhecimento do terreno e
Outros
liga~óes locais. O perfil típico dos vice-reís desde meados do seiscentos é
Total 12 9 4 25
dado, sem dúvida, pelo deposto por urna revolta local, o 1 ° Conde de
Grandes•• 9 6 4 19 Óbidos (1652-3), cujos opositores em Goa consideravam ser "mais um
favorito da corte do que um competente administrador" (Subrahmanyam,
•N.1scido numd c,1s;1 nJo rinil.1r d,1 ~pnme1r,1 nobreza d,1 corte".
••Falec1dos Gr,111des 011 CIIJOS sucessores recebcum ,1 gr.111dez.i pelos sens serv1~os.
1995, p. 334). 16 Acrescente-se, no entanto, que alguns dos vice-reis cujas

16Recorde-se, no enranro, que fora já govern.1dor geral do Brasil.

261
260
CAPITULO 8
O ANTIGO REGIME NOS TRÓPICOS A DINÁMICA I MPERIAL P O RTUGUESA

administra~óes foram mais celebradas pelos contemporaneos e vindou- na Índia, onde tinham passado por cargos de dire~áo militar, e muitos
ros pouco mais eram do que isso: grandes fidalgos da Corte, nalguns ca- se tinham casado. Enguanto os vice-reis tinham consolidado seu esta~u-
sos muito jovens e com pouca experiencia militar, como o duas vezes to de nascimento com o valimento e as carreiras nos "ofícios supeno-
nomeado 1° Marques de Louri~al, que contava apenas 27 anos e a par- res" da monarquía, os governadores faziam parte dessa massa de fidalgos
ticipa~áo em algumas batalhas da Guerra da Sucessáo de Espanha no seu que nas conquistas havia procurado, quando ainda jov~ns, urna_ ~o~tu-
currículo quando partiu para o se u muito aclamado primeiro vice-rei- na cada vez mais difícil, em vários casos para fugir as carre,ras ecles1ast1cas
nado (17 17-20). que, como secundogenitos, lhes estavam destinadas. Acrescen~e~se que pra-
De fato, se a idade média dos governantes indianos cujas datas de nas- ticamente nenhum obteve um exito retumbante, ao contrano da quase
cimento conhecemos se situou entre 47 e 51 anos, a verdade é que houve totalidade dos vice-reis, que puderam engrandecer suas casas e suces-
sempre grandes varia~óes na distribui~áo das idades. Entre os mais novas, sores.
contavam-se majoritariamente vice-reis que eram jovens fidalgos nasci- Antes de abandonarmos a Índia, importa ainda destacar um aspec-
dos em grandes casas. to derradeiro e mareante: a maioria dos vice-reís (como de resto dos
No caso da Índia, vale ainda a pena recordar as conclusóes de um governadores) que foram para a Índia até ao início do século XVIII
an{erior trabalho (Cunha e Monteiro, 1994, 1995, 2000 e 2000a), no nunca chegou a regressar a Portugal. Os números sáo particularmente
que se refere ao perfil dos governadores e membros dos conselhos de dramáticos para o século XVII, pois foi esse o destino de 2/3 dos vice-
governo daquele Estado, geralmente nomeados nas vias de substitui~áo reís nomeados entre 1630 e 1700. Estes dados confirmam, assim, as
dos vice-reis, pois o número de anos ocupados por esse tipo de governo imagens negras da Índia, para onde a maioria partía para náo mais
foi muito maior do que no caso do Brasil, em boa medida porque foram voltar. As mortes no terreno de batalha estavam longe de ser táo nu-
muitos os vice-reis que morreram no exercício do cargo. Diversamente merosas como as motivadas pela doen~a. Dentre estas, as que se veri-
do perfil dominante dos vice-reis, que correspondia, como vimos, ao dos ficavam em viagem, quera ida (como as dos 1. 05 Condes de Vila Pouca
primogenitos de casas da primeira nobreza do reino, as origens sociais e de Aveiras quando iam para seus segundos vice-reinados) quer no
dos governadores podem ser assim resumidas: os que náo pertenciam regresso, foram bastante numerosas. No século XVIII, parece detec-
ao clero ou a magistratura eram filhos secundogenitos de grandes casas tar-se urna indiscutível melhoria, embora date dessa altura a morte de
ou tinham nascido em casas fidalgas decaídas e com menores recursos. um vice-rei no campo de batalha: o Conde de Alva, D. Luís de Mas-
No entanto, os vice-reis e os militares governadores náo se distinguiam carenhas, em 175 6.
apenas ou principalmente pelo estatuto social dos seus progenitores. A Este era, certamente, um dos aspectos que distinguiam os vice-reina-
"qualidade do sangue" náo era radicalmente diferente, pois quase todos dos na Índia dos governos-gerais do Brasil, embora também se tenham
pertenciam a linhagens fidalgas reconhecidas. M as a situa~áo económi- registrado casos de falecimento violento no exercício do cargo, como o
ca das casas de origem ou a ordem de nascimento tinham -lh es imposto de D. António de Sousa de Menezes (1682-1684), vitimado ... por urna
destinos muito diferentes. Enguanto a quase totalidade dos vice-reis no- revolta da popula~áo. De resto, os vice-reinados indianos eram em média
meados no mesmo período estava, a data da sua nomea~áo, em Portugal muito mais curtos no século XVII (3,3 anos), e ainda no século XVIII (4,5
ou no Brasil, t odos os governadores e conselheiros indicados nas vias de anos contra cerca de seis no Brasil). A passagem de um governo para o
sucessáo de 1650 até 1774 se encontravam no Estado da Índia. Todos outro no período considerado, de resto, fez-s~ nos dois sentidos. António
tinham, por conseguinte, um passado colonial indiano, ao contrário da Teles de Menezes foi apenas governador da India antes de ser governa-
esmagadora maioria dos vice-reis. Normalmente, residiam há longos anos dor-geral do Brasil. Os vice-reis da Índia, depois de o serem, só foram

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263
CAPÍTULO 8 O ANTIG O REGIME NOS TRÓP I COS A DINÁM I CA IMPERIAL POR TUGUE SA

nomeados para o Brasi l com o título de vice-rci (casos do segundo gover- QUADRO 2: PROVENIENCIA E ORDEM DE NASCIMENTO DOS
no brasileiro do 1° Conde de Ó bidos, e dos do 1° Marques de Angeja e do VICE-REIS E GOVERNADORES-GERAIS DO BRASIL
1° Conde de Sabugosa), enquanto os governadores-gerais do Brasil (casos (INDIVÍDUOS NOMEADOS ENTRE 1630-1810 18 )
d~ Almotacé-Mor Camara Coutinho e de D. Rodrigo da Costa) passaram Brasil
a India sempre e só como vice-reis. 1630-1700 1701-1750 1750-181 O Total
Q uanto ao recrutamento social dos governadores-gerais do Brasil, Sucessor de Grande 3 3 5 11
importa sublinhar que no século XVII, embora provenientes quase todos 4 1 9
Sucessor de 1' nobre:za 4
da primeira nobreza do reino, estes tinham um nascimento um po uco
Secundogenito de Grande 2 3 5
menos seleto, pois entre eles predominavam os filhos segundos, ao con-
Secundogenito de 1• nob. • 7 7
trário do que se verificava na Índia. Foram também menos, em termos
relativos, os que se elevaram a Grandeza. Mas essa situa~áo inverteu-se Outros 3 3

claramente logo na primeira metade do século XVIII, acompanhando a Total 17 9 9 35


passagem dos governadores-gerais a vice-reis, que se tornou sistemática Grande•• 7 5 9 21
desde o governo de Vasco Fernandes César de Menezes (1720-1735 ), •Nascido nnma casa nao rimlar da "pnmc1ra nobrcza da corre".
embora os vice-reinados indianos mantivessem, até Pombal, um maior .. Falec1dos Grandes on cn¡os sncessores receberam ,t grandeUt pelos seus serv1~os.
prestigio, por motivos que adiante se discutiráo. De fato, como também
destacaremos de seguida, a coincidencia entre o vice-reinado e o título No que se reporta aos percursos anteriores, as informa~óes recolhidas
condal era claramente assumida na época. No caso do Brasil, depois do revelam-se muito sig.nificativas.@os governadores-gerais e vi~e-reis du
33° governador e capitáo-general do Brasil (1711 -1714), Pedro de Vas- Brasil eram militares com ex eriena mesmo se al uns, muito poucos,, nu_!!:
concelos e Sousa (neto dos 2°' e genro do 3°' Condes de Castelo Melhor), ca tenham antes chegado ao comando militar de urna rovíncia ou território.
todos os subseqüentes governadores e vice-reis nomeados em primeira máo ~ e notável exce~áo foi Luís de Vasconcelos e Sousa, filho segundo da
eram ou vieram a ser feitos titulares com Grandeza do reino. Fossem eles casa dos Condes de Castelo Melhor, desembargador da Rela~áo do Porto e
primogenitos e sucessores na casa de seus pais (como o 1° Marques de depois da Casa da Suplica~áo, nomeado em 1779 vice-rei do Brasil.
Angeja, o 2° Conde do Vimieiro, o 1° Conde de Sabugosa, o 1 Oº Conde A análise das experiencias anteriores de governo colonial mostra-se
de Atouguia, os 6° e 8° Condes de Arcos, os 1° e 2° Marqueses do Lavradio, particularmente esclarecedora. Nesse terreno, as evolu~óes da Índia e do
o 1° Conde da Cunha e o 2° Conde de Resende), ou filhos secundogenitos Brasil sáo totalmente divergentes. Embora com tendencia para diminuir
(como o Conde de Galveias, o 1° Conde de Azambuja, o Conde de Figueiró ao longo do século, como antes se disse, urna larga maioria dos vice-reis
e o 2° Marques de Aguiar). Na verdade, a atribui~áo do título vice-reina! da Índi a nomeados no século XVII tinha ainda experiencia colonial. Ao
e a eleva~áo a Grandeza constituem, como se disse, dimensóes indis- contrário, a maioria dos governadores gerais nomeados para o Brasil no
sociáveis. 17 mesmo século nunca detivera um comando colonial, embora alguns já ti-
vessem participado em empresas nas conquistas. 19 No século XVIII, po-

1
7Em rigor, a Grandeza concedida aos condes de Galveias, Azambuja e Figueiró era em larga 180 l º Conde de Ób1dos foi dnas vezes nomeado.
medida pessoal. O prime1ro nsava o tírulo da casa do sobrmho (seu contemporii neo) e os dois "Caso, por excmplo, de António Teles da Silva, que parricipon na tenrariva de reconquista da
úlrimos nunca se casaram, nao c hegando a rer, por conseguinte, casa própria Bahia e foi capitiio-mor das n,1ns da India antes da sna nomea~iio para o governo gernl do Brasil.

264 265
O ANTI GO RE G IME N OS TRÓPICOS A O INAM IC A I MP ERIAL PORTUGUES A
CAPI T ULO 8

QUADRO 3: PERCURSOS DOS GOVERNADORES-GERAIS E VICE-REIS DO de tres anos nas Minas; de António Alvares da Cunha, que passou su-
BRASIL ANTES DA SUA NOMEA<;ÁO (1630-1810) cessivamen te ao longo de 22 anos pelos governos de Mazagao, Angola,
Minas, Sao Paulo e, por fim, do Brasil (agora e pela primeira vez, sediado
Nomu~óes Expenéncu m1lir.ir
no Rio dejaneiro) ; de António Rolim Maura, que depois de 16 anos no
Expenéna.i de govcrno colonul .inrenor..
governo do Mato Grosso e da Bahía, subi_u a v1ce-rei; e,_ por fim, do 2º
Tornl Govcrno• Ourr.i NenhumJ África/ Brasil fnd1a Nenhuma
Marques do Lavradio, que, depois de do1s anos na Bahia, permanece u
M.ide1ra
por mais de urna década no seu, de resto mareante, vice-reinad o brasi-
1630-1700 18 ... 14 4 5 3 2 10 leiro (cf. capítulo 9).
1701-1750 9 9 4 l l 2 Em síntese, o perfil dos vice-reís do Brasil na época de grande expan-
1750-181 O 9 8 1 2 6 o 2 sáo económica e demográfica que foi o século XVIII, embora todos fos-
Toul 36 31 4 1 11 11 4 14
sem fidalgos da primeiríssi ma nobreza do reino e ~ s (menos um)
•Governo d.is a rmas de uma provincia no conrinenre, ou de nm rcrn ró rio nas conqmsras.
militares, aproximava-se mais do administrad or experiente que do mili-
•• Governo de nm rcrnró rio coloni,ll; nm mesmo individuo podu, evidenrc menrc, rc r anres tar em sentido restrito. É certo que apenas dois vice-rcis, o Conde das
excrc1do m.11s do que um governo.
Galveias e Luís de Vasconcelo s (filhos segundos de Grandes) rinham for-
•••o l º Conde de Ób1dos reve du.is nomeA~óes.
ma~áo universitária, e que só este último era verdadeiram ente exterior a
vida militar. Mas nem por isso deixa de parecer indiscutível constituir esse
rém, urna maioria dos vice-reis americanos já passara por experiencia s
um tra~o mareante do governo brasileiro.
anteriores de governo colonial, inclusive no Brasil, na última fase, exata-
mente ao contrário do que se verificou com os vice-reís e governador es-
3.2. A Índin e o Brasil
gerais nomeados em primeira máo para a Índia.
O círculo de recrutamen to mantém-se em ambos os governos, ao lon-
Enguanto os governadores nomeados em primeira vía para a Índia
go do século XVIII, extremame nte seleto. De resto, o mesmo se verifi-
receberam ao longo dos séculas XVII e até ao período pombalino quase
cava com os comandos do exército, mesmo durante o governo
sempre o título de vicc-rei, o Brasil teve apenas dais vice-reis no século
pombalino . 20 Restringia-se a primeira nobreza da Corte. Mas, dentro
XVII, só passando o título a ser sistemaricamcnte concedido depois de
dessa base de escolha muito reduzida, os critérios de sele~áo parecem
1720. Em seguida, porém, mantcve-se até o fim do período colon~al, en-
divergir claramente . No caso da Índia prevalecem , aparentem ente,
guanto deixou de ser concedido aos govcrnador es do Estado da India a
vetores estritament e militares. Pelo contrário, o Brasil setecentista ten-
partir de 1765 e por muito tempo. , .
de a ser quase sempre governado (muitas vezes por larguíssimo s perío-
No entanto, o prestígio do governo da Indi a foi, como se d1sse, cla-
dos) por quem já tinha urna larga experiencia na administra~áo colonial.
ramente maior 21 até meados do setecentos: basta pensar no estatuto
Casos paradigmát icos sáo os de Vasco Fernandes César, que depois de
dos últimos vice-reís nomeados por D. Joáo V (Marquese s do Louri~al,
tres anos na Índia, esteve 15 no seu vice-reinad o brasileiro; de André de de Alorna e de Távora) e na imensa celebra~áo que acompanho u todos
Melo e Castro, que permanece u 14 anos em identicas fun~óes, depois os seus feitos no Oriente. Tal fato nao deixa de carecer de expli ca~áo.

lllCf. .is md1c.i~óes sobre o recrutamenro social dos ofic1a1s snpen ores em Nuno G . Monrc1ro,
col.ibor.i~ilo n.i História 1111/,tar de Port11gal, vol. 11, sob ..i d1re~ilo de Anrómo M. H esp.inh.i , 21T.il faro cem jJ sido dcst,1c.ido, embor,1 com ontr.i cronologu, po r d iversos 111vesng.ido res,
no prelo . entre os qu.iis Russell-Wood, l 998.t, e 1998d, pp. 105 e ss.

266 267
CAP I TU L O 8 O ANT IGO REGIME NOS TROPI CO S A D I NÁMICA IMPER I AL PORTU G UESA

Com efeito, é bem sabido que o peso do Brasil nas financ;as da m o nar- perfeitamente exeqüível. Na falta dela, podemos apenas a~entar__hipót~-
quía fo i cr escendo (parece legítimo associar o ouro a elevac;áo do seu ses. Desde logo, trata-se de urna op<_;áo de realismo cconónm.:o e hnance1 -
governo ao título vice-reinal) enquanto os rendimentos direta ou indi- ro: adequar o governo do Estado a sua real importancia, reduzindo as
retamente provenientes da Índia declinaram, quase ao mesmo ritmo, despesas de represencac;áo inerentes a um vice-reinado. Mas tarnbém de-
até ao ponto de a presenc;a oriental portuguesa se tornar freqüentemente vem ter pesado decididamente os considerandos de natureza política: as
defi citária. casas associadas aos últimos vice-reis joaninos, depositárias que se repu-
Sáo várias as explicac;óes possíveis para essa discrepancia. Desde logo, tavam da heranc;a bélica do O riente (Aloma e Távora), e que rodearam
po rque a tradic;áo gloriosa e heróica da arma portuguesa estava indis- suas cortes na Índia de urna celebrac;áo sem precedentes, foram inculpa-
sociavelmente ligada a Índia. De resto, a chefia do Estado da Índia mante- das no processo do atentado contra D. J osé, de 1758; e o único vice-rei
ve sempre um caráter marcadamente guerreiro, próprio a expressáo das pombalino que permaneceu largo tempo no ofício acabou também em
virtudes ancestrais atribuídas a idenridade militar da fidalguia portugue- desgrac;a política e passou pela prisáo (1 ° Conde da Ega). Pombal rom-
sa, dimensóes apenas parcialmente presentes no governo-geral do Brasil peu, assim, coma história e com aqueles que a reivindicavam. E o contex-
depois da expulsáo dos holandeses. 22 Eis o que só achava algum paralelo to no qual o ofício de vice-rei foi restabelecido em 1807 era já to talmente
nd Norte de África, cuja importancia já era entáo residual. Como afirma- diverso.
va o jovem Conde de Assumar ao pai vice-rei da Índia: 't\s proezas que V De fato, se os governos nas conquistas eram quase sempre considera-
Ex' tem feito tem exaltado o seu nome no gmu mnis eminente e todos o dos um pesado sacrifício para quem os desempenhava, se podiam dar fa-
reconhecem pelo herói do nosso século." (Monteiro, 20006, p. 79.) Final- cilmente lugar a quedas em desgrac;a política no regresso a Portugal, náo
mente há que destacar que, enguanto o comando do Estado da Índia se deixavam de representar urna das principais formas de "acrescentar" as
traduzi a numa tutela sobre os amplos territórios asiáticos (e até africa- casas em ho nras e proventos doados pela Coroa em remunerac;áo de ser-
nos) nele incluídos, abrangendo o provimento de boa parte dos respecti- vlc;os, podendo até constituir a via mais segura para se atingir tal objetivo.
vos cargos militares, o governo-geral do Estado do Brasil (que náo abrangia Como afirmava a ¡ovem condessa de Atouguia em meados do setecentos,
até 1772 o Estado do Maranháo) nunca chegou a ter competencias intei- "foi o meu sogro o Senhor Conde de Atouguin, D.Luís, nomendo Vice-rei
ramente coincidentes. De resto, mesmo depois das reformas pombalinas, da Bahía, (.. .) era útil para n casa que ele fizesse mnis este servifO para o
as capitani as-gerais, que se multiplicaram ao lo ngo do século XVIII, e os bom exito do seu despacho" (Atouguia, 1916, p. 6). As vías para o acesso
governadores respectivos mantiveram sempre ampla autonomia e freqüen- a Grandeza titular, como se tem vindo a referir, foram-se tornando cada
tes conflitos de jurisdic;áo com os governadores-gerais e vice-reis (Alden, vez mais estreitas e um desses raros caminhos foram os vice-reinados nas
1968). 23 conq instas.
A supressáo do estatuto de vice-rei até entáo atribuído ao governo do Tal como no caso da Índia24, os vice-reis do Brasil concebiam geral-
Estado da Índia carece ainda de uma investigac;áo específica, de resto, mente sua nomeac;áo com o um pesado fard o que se dispunham a aceitar
apenas para engrandecimento das suas ~ - A copiosa corresponden-

''Como é bem s.1b1do, esr,1 fo1, em lug,1 mediJ,,. obra, n,io Je grnndes íid,dgos no me.,dos pelrt
l.o rrc, m,1, drt> clirc, locrttS, y m: 11.\0 dc,x,,rrtm de re1v111J1crtr os lo uro, da empresa. C.t. o 110•
r~vel livro de Mello, 1997. 2•ve¡a-se, a esse respe,ro, a correspondencia do 1ovem Conde de Assumár parn o 1° Marq~1es
"De resro, os con fliros e intrigas enrre os govern,1dores•gera1s e os das cap1ta111as rinham amplos d e Aloma, v,ce-rei d" fndiá, em Monreiro, 2000b: e" correspondenciá do 1° Conde da Eg~
anrecedenre. C f. Mello, 1995. no desempenho do mesmo ofíc10 , em Saldan ha, 1984.

268 269
CAPÍTULO 8
O AN T I GO REGI ME NOS TROPICOS A D I NÁMICA I MPER I AL PORTUGUESA

rifa com que se distingu iu os Vice-Reis dnquele Estndo". 1~ Na verdade, (corno o 1° Conde de Sabugosa), e que no reinado joanino a prodigalida-
há algurn excesso nessa presull(;ao, ernbora ela se tendesse a aproximar de régia se tinha restringido nessa rnatéria. No entanto, a verdade é que
da prática rnais freqüente. Nurn documento excepcional, constituído pela todos estabelecíam uma rela!ráo próxima entre o servi~o e a merce. Ape-
correspondencia entre D. Joao V e o Cardeal da Mota quando da no- sar da preocupa~áo do rei e do seu ministro assistente ao despacho, todos
mea~áo do 4° Conde da Ericeira (feito entáo 1° Marques do Louri~al) os vice-reis seguintes (da Índia ou do Brasil) tinham ou receberam a Gran-
para o seu segundo vice-reinado (1 740), dá-se bern canta disso. Antes deza. Na maior parte dos casos, a eleva~áo ao título, tal corno o conjunto
do despacho final, houve arrastadas negocia~óes, no meio das quais se da remunera!ráO em concessóes régias, foí objeto de urn despacho anteri-
: laborou um "estrato dos despachos concedidos nos V.Reis que foram da or a partida para a Índía, ernbora só ern alguns casos se "cassassern" (catí-
India depois da nclamnqiio" (Brazáo, 1945, p. 140). E o Cardeal da Mota vassern)30 explícitam ente os servi ~os que lá iarn realizar. De faro, as
resumía assirn o seu conteúdo: "do mesmo papel se vé, que aquela anti- ocorrencias verificadas quando da escolha do 1° Marques do Louri~al,
gn liberalidade com que nos tempos mais próximos a aclamaqiio foram antes referidas, repetiram-se ern geral nos casos seguintes: houve negoci-
despachados alguns V. Reis, antes de pnrtirem, se foi depois restringindo a~óes que se arrastaram por vários meses e chegaram a pór em causa as
co":1 o mesmo tempo; de sorte que desde o Conde de Vi/a Verde /1693} nomea!róes. Como se pode ver, por exemplo, nas correspondencias do 2º
até o presente quase todos niio tiveram despacho antes de partir: e de Marques de Aloma e do 1° Conde da Ega (Monteiro, 20006; Saldanha,
outros, uns se deu mais, outros menos, com tal irregularidade, que bem 1984), os que aceitavam partir faziam-no geralmente com a consciencia
se ve niio pode tirar-se da variednde dos ditas exemplos um Arresto cer- de estarem a prestar urn penoso sacrifício, a bem das suas casas e do seu
to, que faqa regra certa para se arbitrarem semelhantes despachos" acrescentamento. E imploravam sern pre pela sua rápida substitui!ráo, pelo
(Brazáo, 1945, p. 153). Mas adiante, o cardeal da Mota refería que "ainda fim do cativeiro...
naque/es tempos nntigos, em que os Títulos e ns m erces se repartinm com De fato, apesar das oscil a~óes antes r eferidas, a verdade é que na
miio tiio larga nos V. Reis", alguns náo o tinham recebido, como seria o maior parte dos casos o essencial da remunera~áo dos servi~os já esta-
caso de Luís de Mendon~a Furtado e, depois, do almotacé-mor, de Cae- va garantido antes da partida. E, apesar de a forma e momento dos
despachos ter variado, incluía também quase sempre comendas. No
tano de Mello e Castro, de D. Rodrigo da Costa, de Joáo de Saldanha e
entanto, apesar disso, nada irnpediu que muitos sucessores de casas de
de Francisco de Sampaio (Brazáo, 1945, pp. 154-155), os últimos todos
vice-reis pedissem nova remunera~áo dos seus servi !rOS, considerando
nomeados já durante o reinado de D.Joáo V.
que estes a náo tinharn recebido dev idarnente depois do seu falecirnento
A lista referida merece algumas retifica!róes. Também o pai de Caeta-
na Índia ou do regresso a Portugal. Era, precisamente, a variedade das
no, António de Mela e Castro, náo recebeu título e, inversamente, Luís
fo rmas dos despachos que abría as portas para essa perpétua reinci-
de Mendon!ra foi feíto 1° Conde de Lavradio. Além disso, o neto de Fran-
dencia ..
cisco de Sarnpaio vina a ser feíto Conde pelos seus servi~os em 1761. 29
O fiLho sucessor do 1° Conde da Ega nao póde pedir a remunera~áo
Também é certo que alguns vice-reís tinham sido elevados a Grandeza
dos seus servi~os pois aquele, "para em tuda ser infeliz", tinha-os visto
muito antes da sua escolha para aquele cargo (como o 1° Conde de Óbidos
cassados no decreto do despacho. 31 Mas, mesmo nesses casos, houve quem
e o 1° Conde de Sarzedas), que outros o foram apenas alguns anos depois

10
011,e,.,. o,
o desp,td10 com c¡ne p.arn.1111 "c,anv.1v,1", 1sro é, ,1brA11g1,1 e re1111111cr,tVA serva~o•
lllANTT, Manisrério do Rei no, ma~o 8 16.
que se 1am re,1la2.ar, 1111ped111do reoncamcnrc qne se pedasse ulrenormcnrc sua remunerai;iio.
lílANTT, Minasréno de Reino, mai;o 8, nº 9.
llANTT, Minasréno do Re1110. nia~o 192, uº J l.

272 2 73
, ,..., . ~ ........... , - · ·· _ __ _
ANTIG O REGIM E NOS TROPI C..U)
A U11'"4M .MI~"
CAPIT ULO 8 Q

nao duvid asse pedir remu nerar:rao dos servi:rros• Com o O caso c1· ta o e
d d J.4. As práticas ilícitas e as quedas em desgrnfn
.
remu nerad os
Francisco de Sampaio (falecido em 1723 ), cujos servii;os, consi derad o:
1761 , nao impe diram cm 1804 o bisneto de pcdº1r nova remu- A ligai;áo entre os dois tópicos é evidente no perío do
ao neto _ em , - t· ¡1a proporfao - sempre que os vice-reis regressavam da Índia ou do Brasil
eram sujeitos a
nerai;ao e o titulo marq uesal pois "aquele despacho nno tn
• . ' ados da Corte ),
t devassas (ficando engua nto estas decor riam semp re apart
algum. a com a relevancia daqueles Servirros" •32 Quar e n a e quatr o anos , a das práti-
rei 1o Cond e de nas quais a principal suspeii;áo era, na maio~ parte das vezes
depo1s ~a sua mort e, o sobri nho e succssor do vice- semp re entre os
ai;áo do titulo pelos servic:ros do ho " p cas mercantis; e as quedas efetivas em desgrai;a tiveram
Sando mtl receberia a renov u , que as- ncia.
nd ,
rara tanto s anos motivos conhecidos, pelo que se sabe, o exercício da merca
sa o (... ) ao Estado da India como Vice-Rei (... ) se demo a em desgrai;a
(1779), a Con- No que a Índia se refere, os casos mais notór ios de qued
que niio pudera ~onti nuara sua casa". Pela mesm a altura
33
1° Marq ues de
· situam-se, com efeito , em mead os do século XVIII . O
dessa de Alva, v1úva do vice-rei (falecido em 1756), ped·1na a remu nera- radas vitórias,
gem e Castelo Novo/Alom a, coberto de glória depois das suas celeb
~º dos se_rvii;o~4do marido... para um irmáo dela, de outra Iinha ¡· · mas tamb ém acusado pelos "negociantes genti os" de que
"vendia e estan-
casa (Sant1ago)! Aind a em 1787 o 2º Marque·s de Al orna so 1c1tava a sobreditos" (para
. 1795 0 2º Con- cava os lucros do comércio com preiuízo evidente dos
mt~gral remunerai;áo dos servii;os do pai , engu anto em
35
dido, desde seu
s ·
· ervtfOS
, e,s retom ar as palavras de Alexandre Gusmáo), seria impe
Continuados, brilhantes, e ,·neansav
de da .Lousá invoc . ava "os regresso em 1752 e até pouc o antes de morr er em 1756
, de comp arece r
do Pm do. Suplt.eante ea dispendiosa e arriscada 1·0 r,H... ,,da que J".ez I·ndo no-
acusai;áo forma l
,
náo ter chega do a
1
to peran te a real pessoa, sem que formulasse nenh uma
mead. o Vice Re, da India ", apesa r de este mar posse, 1º Cond e da Ega
(Nort on, 1967 , pp. 184 ss, e 254). Pelo contr ário o
38

por falecer na viagem! 36 sas acusai;óes ex-


seria preso quan do da sua chegada a Portugal sob diver
ricas táo por-
No_caso d~- Brasil, embo ra nos faltem referencias empí pressas entre as quais a prática de atividades mercantis
ilícitas.
tinha m ou rece-
menorizadas, Jª antes se destacou que todos os vice-reis Que os vice-reis se dedicavam a remessa de merc adori as
para a Euro-
Grandeza. E até gover nador es que nem chegaram a t ornar posse pa, geral ment e contr atand o com negociantes, é um fato
bem sabido. As
. . a.
beram
m chegado a
re1vmd1cavam a remunerai;áo dos servii;os... que nao tinha remessas do 1° Marques de Aloma, que já a tal se consagrara
quan do (ainda
realizar._Foi, designadamente, o caso do 3º Marque·s de Alo rna, que, como Cond e de Assumar) era gover nador de Sao Paulo e Mina
s no BrasiP9 , sao
para O qua! fora
reparai;ao pela mudani;a do gove rno do Rio de Janei ro, várias vezes referidas na sua corre spond encia com o
filho (Mon teiro,
hesito u "em an-
nome ado, pelo das arma s da Província do Alentejo, nao 2000 b). As mercadorias do 1° Marques de Távo ra foram
parci almen te
nia do Rºo d, judiciais como s
dar pedin chand o" uma terra a• título de scsmarias na capita l C destruídas quand o do terrem oto, dand o lugar a disputas
J~e1ro· 137
concl uir, a persc rutar mais urna 40 to as do 1° Con-
. Assun to que nos obng a, antes de negociantes italianos encarregados de as vender. Quan
d1mensáo dos gover nos coloniais. sua corre spon-
de da Ega, ele própr io se lhes refere mais de urna vez na
e Melo (1760),
dencia com o todo- poder oso Sebastiáo José de Carva lho
ades: "é ver-
prcss upon do claramente a suspcii;áo que rodeava tais ativid

HANT I, M1111sténo do Re1110, m.1,0 70S.


depois do terrem oto de 1755, fa -
uAN'17 , M1111sténo do Rc1110, m.t,;o 705. ent.1nto, o lº Marqué s sena admirid o ;\ real presen~a
l 8 No
Remo, m.1~0 114, 11°17).
Mi111sréno do Re1110, m.1~0 197, nº JO. lecendo pou~o dcpo1s (ANTI , M1111sténo do
J•ANT I,
lóg1cos , C, 60, Tesum entos do Conde de Assum.ir, D. Jofo de
M1111sréno do Remo , m.1,0 114, nº l7. i,ANT I, lnventá nos Orfano
HANlT . ro, 1998, pp. 342-34 4.
Mm1st éno do Remo, mac;o 703. Almeid.t (1731) . Sobre a história dest,t cas.i, cf. Montci
,.ANT I, e l.074, 11° 15.
'°ANT I, descmb .irgo do Pac;o, Corte, ma~os l.065 ,
nº 57,
i7ANT I, Mi111stério do Reino, m.t\:O 871.

27S
274
CAPÍTULO 8 O A N TIGO REG I ME NOS TRÓPICOS A DINÁMICA IMPERIAL PORTUGUESA

dade que, se as remessas que fiz para Lisboa produzirem alguma coisa, Castelo Novo teve na época (Rocha, 1981). No entanto, nao é fácil deter-
pagarei o que devo e ficarei com alguma coisa (... ) dou-vos esta conta por- minar até que ponto infringiam as autoriza~óes régias. Com efeito, apesar
que, se lá se disser que o Vice-Rei faz grandes carregamentos, estejais ins- das várias proibi~óes genéricas (Boxer, 1977, pp. 360ss), a verdade é que
truído de que para aquelas que tomei dinheiro emprestado e tudo o que os vice-reís recebiam geralmente o privilégio de poderem efetuar cerros
ne/as é m eu niío passa de seis mil pardaus, e que se far;o este negócio é carregamentos por sua conta. A ambigüidade da questáo é bem testemu-
porque S. Majestade mo permite" (Saldanha, 1984, p. 150). nhad a n o caso exemplar da condena~áo e posterior reabilita9áo do já ci-
C hegados a este po nto, impóe-se questionar algumas idéias feitas, tado 1° Conde da Ega. Condenado em 1768, entre outras coisas, sob a
apesar d as !acunas de informa9áo com que defrontam os. A p artir de fi - acusa9áo de comércio ilícito, seria postumamente reabilitado em 1779 com
nais do século XVII, a imagem do " fid algo-mercador", aplicada quer aos o argumento de que as práticas a que confessadamente se dedicou cabiam
vice-r eis, quer aos "casados", constituí, em larga medida, um mito. A idéia dentro dos limites con cedidos aos vice-reis. 42
de que "se o fidalgo nño morresse entretanto (como acontecía na maior Em conclusáo, a p rática generalizada de atividades mercantis pelos
parte das vezes) podía regressar a Portugal numa posir;ño financeira con- governadores e vice-reis da Índia ficava sempre envolvida numa notória
fortável, a niío ser que, é claro, as rivalidades na corte levassem a que os ambivalen cia: as fronteiras do que era consentido pelas "Liberdades" que
seus negócios fossem exam inados" (Subrahmanyam, 1995, p. 34 8 ) náo )hes eram concedidas eram suficientemente fluidas para poderem ser fa-
parece ter validade se aplicada para aq uele período tardio. O caso de D. cilmente inculpados ou ilibados por esse fato. Por um lado, autorizava-se
Filipe de M ascarenhas, tantas vezes referido como "um grande fidalgo a r ealiza9áo de dados carregamentos para o reino. Mas, por outro, a le-
tratante", é um dos últimos, como já se referiu: ainda em 1777, o M orga- gisla9áo foi coibindo sistematicamente aos governadores coloniais as prá-
do de Coculim por ele fundado valia quase metade d as rendas da casa dos ticas comerciais locais durante o exercício dos seus governos. Era urna
seus sucessores, muito m ais do q ue as comendas recebidas em r emunera- espada de dois gumes passível de pairar sobre a cabe~a dos fidalgos quan-
9áo dos seus servi9os. 41 M as nada de semelhante se verifica comas o utras do se )hes faziam as devassas no seu regresso ao reino. A idéia com que se
casas titulares. Os tráficos na Índia podiam dar para pagar algumas <lívi- fica, particularmente no período pombalino, durante o qual os últimos
d as, ou para efetuar algumas benfeitorias, mas náo chegavam, pelo que se vice-r eis setecentistas passaram todos por maus momentos43, é que er a o
conhece, para alterar a situa9áo patrimo nial das casas. A ri queza material valim ento na Corte o que acabava por pesar nos juízos sobre a matéria.
que um vi ce-r ei da dinastia de Bragan9a podia esper ar receber traduzia-se Q u anto ao Brasil, dispomos de menos informa\;áO original, mas é co-
principalmente nas comendas e ten~as recebidas pelas s uas casas em re- nhecido que também aquí o exercício de atividades mercantis revestia urna
munerac;áo dos seus servic;os. E estas tendiam a constituir a principal fon- fei\;áO extremamente ambígua. A informa~áo disponível é pouco sistemá-
te d e r endimento do gru po (Mo nreiro, 1998, pp. 260-261). tica. Sabemos bem que foi no Atlantico Sul que se fez o essencial da fortu-
A segunda questáo a debater é a de saber até q ue ponto os vice-reis se na de alguns governadores gerais seiscentistas, como António Teles da Silva,
dedicavam a práticas ilegítimas. Da fam a nao se livravam: se náo quiser- verdadeiro fundador da casa de seu irmáo e descendentes (Condes de Vilar
mos remo ntar a Arte de furtar, basta recordar a ampla circula~áo m anus-
crita q ue a citada repreensáo de Alexandre de G usmáo ao M arques d e
• 2ANIT, Minisrério do Reino, mar~o 11° 192, nº 31.
41Pondo de lado o 1° Conde de Alva e o 1º Conde da Lons.l, morros 11,1 India e 11,1 viagem para
41
ANIT, desembargo do P,u;o, Corre, nld\O 2 161; sobre a casa d os Condes de Cocul,m , criada lá, respeccivamence, recorde-se que o 1° Marqués de Alorna esceve no desfavor real qnase aré
na dcsccndéncia do irmiio do vice-rei por este 11,i o rer fil ia\;fo legicimd, cf. Mo nrciro, 1998, p. morrer (1756), que o 1° Conde da Ega faleceu em desgra~a (1771 ), tendo anees passado pela
347. pns;io, e que Jº Marques de Távora (1759) morreu no cadafalso 1

276 277
C AP I TULO 8 O A NT IGO REG I ME N OS T R ÓPICOS A DI NÁM I C A I M P ERIA L P O R TUG UESA

Maior e Marqueses de Alegrete) (Rau, 1961). Mas tal náo se pode sim- ou invadir a Real Fnzendn, único modo por que um Governndor pode tra-
plesmente generalizar. Assim, alguns vice-reis setecentistas, como O 1° zer riqueza, e desempenhnr a sun casa, até porque ns m esmas vins de co-
Conde da Cunha (1 763-1767)44, o 2° Marques de Lavradio (1769- 1779) mércio proibido e ilícito a um governndor exigem mnis tempo do que os
ou o 2° Conde de Resende (1790-1801) náo parecem ter retirado sig nifi- tres anos". E, acrescentava: "poderá dizer-se que, segundo estes princípios,
cativos benefícios materiais do desempenho do cargo. 45 O mesmo se náo sáo nocivos nos Governndores os Despachos do Brasil, e que em vez de
pode dizer, porém, de o utros, como Luís de Vasconcelos e Sousa (1779- utilidnde se /hes causa preiuízo; mas os que siio Senhores de Casas devem
1790)46, depois feito 1° Conde de Figueiró, ou de 8º Conde de Arcos reflectir que com e/ns goznm muitos úens da Coron e Ordens, e que é ne-
(1 806-1808)47, o u de governadores de capitania como o 3º Conde de cessário merecerem a continunqáo destns Merces (. . .) Se cada novo Gover-
Assumar (Sáo Paulo e Minas), como se disse48, ou o 1º Conde de Boba- no, e novo serviqo, houvesse sun Alteza Real de f nzer novas Graqns, e
49
dela. Todos parecem ter comprovadamente retirado avultados proventos Originnis Merces e niio fossem a conservnqáo ou continunqiio das antece-
associados ao desempenho dos seus cargos. dentes, nem a Coron terin já que dar, nem o Reino com que suprir para
C uriosamente, dispomos de uma espécie de autojustifica~áo do pró- Despachos dos Governndores Coloninis" .50 Sabia bem que, em parte, esta-
prio Luís de Vasconcelos e Sousa. Chamado a pronunciar-se sobre O cita- va a m entir...
do· requerimento do 3º Marques de Aloma, afirmava ele, em 1805, que Em síntese, convém destacar que, ao nível dos vice-reís, a que nos si-
"um Governndor Solteiro muito bem Regulado sem grande fnmílin a forqn tuamos por ora, a primeira e mais indiscutível remunera~áo que a genera-
de economía, e de se lembrar continuamente que há de voltnr velho e nin- lidade dos govemadores coloniais retirava do desempenho dos seus cargos
da doente para este Reino, existindo lá muitos anos consegue poupnr nl- consubstanciava-se nas honras e proventos que a Coroa !hes concedia em
gumn coisn dos seus ordenados". No en tanto, considerava taxativamente, remunera~áo dos seus servi~os: mais uma comenda ou um título para quem
contra a pretensáo do último Aloma, "que nenhum Governo do Brasil é nascera na primeira fidalguia do reino. 5 1 Nisto se distinguiam de o utros
m eio de juntar riquezas, ou desempenhnr Casas empenhndns (... ) porque governos menores.
niio era de esperar que ele [A/orna] fosse praticnr violencias comos Pavos

4 . OS CAPITAES-GENERAIS DAS CAPITANIAS


..Asna casa tinh a escassos rc ndimen ros e piisson por situa~ócs de algum apeno finan ceiro
depo1s do sen regresso a Pormgal (Monre1ro, 1998, pp .193-194).
1
• Co nhecemos, tam bém nesres casos, as dificuldadcs financeiras pelas q nais passaram as res- Mais do que conclusóes, cabe-nos nesta breve nota esbo<;ar urna carta de
pectivas casas mesmo depois dos seus despachos (Mo nteiro, 1998).
46
Deixon, com efeiro , uma apreciável fortuna pessoal, a qua( fo i objeto de dispnra judicial; cf.
inten~óes que delimitará os passos da ulterior pesquisa.
ANTI, Arquivo dos Feitos Fin dos, Fundo Gcral, letra M, ma~o nº ¡ 067. As elites sociais e institucionais do Brasil, estruturadas em hierarquías
7
• Recebeu, entre o utras, urna generosa doa~iio dos negociantes do Río de Janeiro antes de próprias fortemente diferenciadas no espa~o, procuravam, apesar disso,
regressar ,1 Portug,11 (Mamus , s.d.).
48
Sobre os investimentos que fez, cf. Monteiro, 1998, p. 343. Note-se que as fo rrnuas a tribu-
aceder aos signos de distin~áo definidos pelo centro do lmpério e alcan<;ar
idas a algnns governadores coloniais no sen regresso a Portugal, como a de D. Lonren~o de as honras que de lá dimanavam. É por isso que até mesmo o estatuto da
Almeida (Boxer, 1962, pp. 368-369), escavam longe de chegar para a aquisi~ao de bens que pureza de sangue, e o inerente estigma da impureza do mesmo, se prolon-
fornecessem nm rendimeuro comparível como estatuto da primeira nobreza da Corre, 0 que,
em valores do 111íc10 do serecenros, equivalia a urna renda anual, no mínimo, de seis a oito
conros.
49
Conhecemos, na verdadc, os numerosos bens que adquiriu e 111sratui11 em vínc ulo ; ANTI, i 0AN1T, Ministério do Reino, ma~o 872.
Desembargo do Pa~o, Corte, ma~o nº 1390. O assunto, tal como o ucros antes citados, merece 11A idéia de que os vice-reis regressavam sistematicamenre a Portugal "consideravelmente mais
esrudo ma1S aprofundado. ricos do que quando haviam saído" (Russell-Woo d, 1998a, p.174) nao se pode, assim, aceitar.

278 279
CAPITULO 8 O AN TIGO R EGIME NOS TRÓPI C OS A DINÁMICA IMPER I AL PORTUGUE SA

gou no território sul-ameri cano, fornecendo, tal como na Península Ibéri- A base essencial de recrutame nto dos governad ores radicava, assim,
ca, armas nas !utas pelo poder de classificar os individuos esgrimidas no nas elites reinóis. Mais exatamen te, no caso das capitanías brasileiras, com
campo da genealogía (Mello, 1989). No mesmo sentido, as distin~óes mais poucas exce~óes, no corpo de oficiais do exército de primeira linha por-
correntes (familiar do Santo Oficio, cavaleiro de ordem militar, foro de fi- cugues. .
dalgo da casa real, cartas de brasáo de armas) foram significativamente pro- Boa parte dos território s brasileiros foi, ao longo do período conside-
curadas no Brasil. 52 No en tanto, no século XVlll, o acesso as distin~óes rado, governad a ocasional mente por Grandes do Reino e, com bast~te
nobiliárquicas superiores foi muito raro, caso do estatuto de comendad or freqüencia, por membros da "primeira nobreza". Estáo neste caso: a Balua,
de ordem militar, ou totalmente inexistente, no que se reporta aos títulos. mesmo depois de 1763, quan<lo a residencia do governad or-geral se <les-
A distancia da Corte acentuava-se naturalmente na colónia, agravando de locou para o Río de Janeiro; Goiás (depois de 1749); Gráo-Par á; Mato
forma notória a clivagem que no território europeu se verificou ao longo Grosso; Minas <.,erais; Pernan1buco; Rio de Janeiro {até 1763); e Sáo Paulo
de todo o século entre as elites da Corte e as das provincias. Raros forarn, (depois de 1721 }. De resto, a análise da circ~la~áo dos individuo s entre
de resto, os naturais da colonia que se aproxima ram do centro da decisáo capitanias mostra bem a hierarquí a deseas. A medida que se avan~a no
política da monarquí a, afirma~áo que o percurso tantas vezes citado do século XVIII, o Brasil torna-se, náo apenas o principal , mas tenden-
secretário de D. Joáo V, Alexandre de Gusmáo, em nada contraria, até por- cialmente o único destino colonial possível para um sucessor de casa da
que nunca alcan~ou o ponto culminante que o próprio confessadamente principal nobreza. E convém nunca esquecer que, na época, para alé~ da
desejava No mesmo sentido, foram excepcionalmente pouco freqüentes, experiencia e habilidades demonstr adas, o nascimen to ilustre se cons1de-
antes da partida da Corte para o Rio de Ja11eiro, os casos de enlace matri- rava como um requisito relevante (por vezes, o principal) para que os povos
monial entre as elites brasileiras e a descendencia da primeira nobreza do acatassem a autoridade dos governad ores. Por isso, tal como no exército,
reino. Decididamente, a riqueza, mesmo quando copiosa, náo chegava para
a primeira nobreza da Corte e os filhos das casas mais importan tes da pro-
abrir as portas ao topo da hierarquía social de urna monarquí a interconti-
vincia tiveram um papel mareante no governo da colonia. No encanto, os
nental de cujos centros educacionais e de produ~áo cultural se procura pre-
governad ores das capitanías menores tinham um recrutame nto socialmente
servar o exclusivo europeu. Acrescente-se (e é o que mais importa para o
menos seleto, o que também se chegou a verificar em cercos casos nas antes
tema aqui discutido) que, depois do período imediatamente ulterior a Res-
citadas capitanías principais. Mais ainda, em alguns casos os comando s
taura~o, os governos das capicanias estiveram cada vez menos ao alcance
daquel as foram entregues a personagens que náo tinham fidalguia desta-
dos naturais da colonia (Bardwell, 1974; Mello, 1997, pp.130ss). A nome-
cada de nascimen to ou possuíam até raízes "mecanicas" próximas e/ou
a~o de governadores reinóis e táo nobres quanto possível visava, aqui como
que náo eram naturais do continent e, mas das conquista s ou até do es-
em outras paragens, a colocar no comando de cada capitanía quem maior
trangeiro. Entre muitos outros exemplos conhecidos, designadamentc para
independ encia se supunha assegurar em rela~áo aos interesses ou fac~óes
locais. Náo se pretende aqui discutir esse pressuposto. Apenas destacar que 0 século XVII (Bardwell, 1974), em que sobressae m histórias como a do

se reputava urna evidencia indiscutível. mulato Joáo Fernandes Vieira, que chegou a governad or de Paraíba Par:ª
depois se alcandora r a governad or de Angola, podem-se citar casos ma1s
tardíos, como o de José da Silva Pais, primeiro governad or de Santa
szoe ,tco rdo com o recenríssimo rr,1b,1lho de MMi.1 Fcrnand.1 Oliv.1I, entre 1641 e 1699, so•
menee scrMm l,111\:.1dos 110 8r.1s1I 4,6 % dos h.lb1ros de c.tvale1ro d.t Ordem de C nsro , menos Catarina (1739-1749).
do que 11,1 lndM (8,9% ) e .tré do que cm M.1ug:io (5 ,5%) (Oliv.tl, 2000, pp. 465 -466). Enrre Em fun~áo do que antes se disse, importa destacar que as capitan1as
1700 e 1777, no enunro, .t percenugem do Br.1s1I sub1ri.t pAra 8,8%, enqu,rnro d d,1 lndt.1
brasileiras, incluindo algumas de primeira importan cia, náo constituía m,
ba1x.tva pAra 5,4%, e M.tz.tg:io pAra 2,7%. No enw,ro, o Br,ts1I só ultr.1p.1ssou .1qneles do1s
territónos .t parcir da déc.tda de 1720-29. assim, ao contrário dos vice-reinados na Índia ou no Brasil, • ~

280 28 1
CAPITULO 9 Poder político e administra~áo na
forma~áo do complexo atlantico
portugues (1645-1808)
Maria de Fátima Silva Gouvea*

• Agrade~o as sugestóes e críticAs formulad4S por Mui:a Fern4Ud4 Bic.tlho e Ron.tldo V,unfas ;¡
prnne1ra versao deste c.tpímlo.
"Sem pretos 11iio há Penum1buco e sem Angola niio htí prelOs."

"O Brasil que vive e se alimento de Angola."

Padre Antonio Vieira

Boa parte da historiografía mais recente sobre o Império ultramarino


portugues tem se dedicado a esrudar determinadas características na for-
ma em que era realizado seu governo, bem como na originalidade de
operacionalizac;áo de sua administrac;áo ultramarina. Ponto destacado
tem sido também a considerac;áo de trajetórias administrativas - seja
de indivíduos, seja do tratamento político-administrativo dispensado a
determinados territórios no ultramar. \Tem sido assim identificado um
processo no qua] a construc;áo dessas trajetórias torno u possível a com-
binac;áo de urna política de distribuic;áo de cargos, e portan to de merces
e privilégios, a urna de hierarquizac;áo de recursos humanos, materiais e
territonais por meio do complexo imperial \ Essas trajetórias puderam
ainda viabilizar a formac;áo de urna memória acerca de problemas e so-
luc;óes implementadas no exercício da governabilidade no ultramar. Iden-
tifica-se, assim, urna economía política de privilégios (Bicalho, Fragoso,
e Gouvea, 2000), dinamica que pode reforc;ar os lac;os de sujeic;áo e o
sentimento de pertenc;a dos vassalos - sejam eles reinóis ou ultramari-
nos - a estrutura política mais ampla do lmpério, viabilizando melhor
o seu governo. 1

1Esse processo foi qualificado por Luiz Felipe de Alencasrro como aquele de "repacrna~iio

políraca enrre o centro e a pcnfena imperial" (Alencasrro , 2000, p. 303).

28 7
CAPITULO 9 O ANTIGO REGIME NOS TROPICOS A D I NÁMICA IMPERIAL PORTUGUESA

btepensar a natureza dessas trajetórias administrativas a luz de deter- to, a forma~áo política do Império baseou-se na transferencia de urna
minados contextos históricos, demarcados a partir de todo um conjunto série de mecanismos jurídicos e administrativos da metrópole para as
de estratégias e práticas administrativas exercitadas pela Coroa portugue- mais distantes regióes do globo/ Padroado, poderes concelhios, gover-
sa em sua gestáo governativa no ultramar no período considerado, é a nadores, ouvidores e capitanías hereditárias foram alguns dos principais
proposta deste artigoJPara tanto, seráo destacadas certas conexóes políti- institutos acionados pela Coroa portuguesa no processo de organiza~áo
co-administrativas que interligavam determinadas áreas no Atlántico Sul. de seu governo sobre o complexo ultramarino em expansáo.l
\o estudo toma como pontos de referencia o estabelecimento da Reparti- Considerando o Atlántico portugues, entre os séculos XVI e início
~áo Sul (1643 ), a cria~áo do Principado do Brasil (1645), o reconhecimento do XIX, é possível identificar urna dada trajetória delineada pela forma
do direito de representa~áo do Brasil nas Cortes portuguesas (1653), 0 como o Brasil, partes da África e Portuga) estiveram institucionalmente
reordenamento dos limites administrativos separando as capitanías no entrela~ados no interior <leste complexoi Na década de 1530, foi insti-
centro-~ul do Brasil, bem como a cria~áo do Tribunal da Rela~áo no Rio tuído na América o sistema de capitanías hereditárias; em 1548 foi ain-
de Jane1ro (1751) e a transferencia da capital vice-reinal para esta cidade da aí estabelecido, por D. Joáo III, o governo-geral. Já em Angola, a
(1763). Definidas essas bases, será considerada a circula~áo de determi- primeira capitanía hereditária foi concedida por carta régia de 1571.3 A
nados i1\divíduos pelos cargos de governadores do Brasil e Angola no institui~áo de um governo-geral seria estabelecida em 1592, em respos-
período.lA anáJise será concluída por urna breve avalia~áo de determina- ta as tensóes geradas pelo controle dos vultosos recursos já provenien-
dos empreendimentos exploratórios realizados nas duas conquistas adi- tes do comércio local e, mais especialmente, do de escravos africanos.4
cionando-se ainda urna anáJise da decisáo régia em proceder a transfer~ncia O enraizamento político-administrativo portugues nessa regiáo foi um
da Coroa portuguesa para o Brasil ·1 dos fatores a propiciar mais tarde, em 1595, a institui~áo do Asiento -
privilégio do direito de fornecimento de escravos africanos - por parte
de negociantes portugueses em rela~áo aos mercados consumidores
1. CONSTRUINDO UMA GOVERNABILIDADE hispano-americanos'.,
_ Foi no período da Uniáo Ibérica que se pode assistir a um significa-
A expansáo ultramarina portuguesa resultou na progressiva conquista tivo enraizamento de institui~óes político-administrativas nas duas re-
de territórios, concorrendo para que a Coroa passasse a atribuir ofícios gióes, contexto esse posto a prova de forma formidável por ocasiáo
e cargos civis, militares e eclesiásticos aos indivíduos encarregados do
governo n_e~sas _no~~ áreas/ Passava também a Coroa a conceder privilégi-
os comerc1rus a md1v1duos e grupos associados ao processo de expansáo em lAncónio Manuel Hespanh.1 .1firm.1 ser o lmpéno porcugnes "o exemplo m.1is característico de
um impéno marcado, .10 mesmo tempo, pela dcsco11ri11u1dade espacial e pela coexistencia de
curso. ?'ais concessóes acabaram por se constituir no desdobramento de urna modelos inscimcionais" (Hesp.1nha, 1995, p. 9).
cadeia de poder e de redes de hierarquia que se estendiam desde O reino !Em 157 1, Paulo Días de Novais foi agrac1.1do com a concessiio de urna capic.1nia 11.ts margens
do rio Cuanza. Acompanhado de m.1is de cem colonos, deu prosseguimenco a exp.1nsao por•
dinamizando ainda mais a progressiva amplia~áo dos interesses metro~
cugues,1 na rcgiao. Ao morrer, em 1589, inic1ou-se um período de censóes e incensa d isputa
politanos, ao mesmo tempo que estabelecia vínculos estratégicos com en ere os grupos a ele .1ssociados, deflagrando um quadro de crise que culmino u com a anula•
os vassalos no ultramar/ Materializava-se, assim, urna dada no~áo de pac- ,;iio da do.1,;iio da capmm1a por parre da Coro.1 e .1 cna,;iio do governo-geral rres .1110s depo1s,
rendo sido enrlo nome.1do govern.1dor Francisco de Alme1d.i (Corre1.1, 1937, pas,mn; & !)err.io,
to e de soberanía (Bicalho, 1998 e Gouvea, 1998a)f caracterizada por
1971 , vol. 1, pp. 152-154).
valores e práticas típicamente de Antigo Regime, ou, dito de outra for- 4 Cerca de 50% dos escravos que chegaram a América esp.1nhola em me.idos do século XVI
ma, por urna economía política de privilégiosl Neste mesmo movimen- eram provenientes do comércio realizado nessa regiiio (Alencascro, 2000, p. 78).

288 289
C APITULO 9 O A NT IGO REGIM E NOS TROPICOS A DINAMICA IMPtH I AL l' VHtuu u c,,.

das invasóes ho landesas - Ceil áo e J apáo (1 609); Bahía (1 624); talvez mais bem aferida em termos do extraordinário avan~o que grupos
M omba~a e Pernambuco (1630); Luanda, M aran háo, Sergipe e Sáo holandeses empreenderam mais tarde sobre a regiáo, ainda no conte~to
Tomé (1 64 1) (Mauro, 1991, pp. 74-76). Seria assim, com os Habsburgo da Uniáo Ibérica. A cria~áo, em 1602, da Companhia Holandesa das In-
de Espanha, q ue Í)ortugal e seus dornínios ul tramarinos tomariam rnaior dias Orientais constituiu-se no marco deflagrador desse proce~so de pro-
contato e intimidade corn práticas e estratégias administrativas mais gressivas investidas contra territórios ultramarinos portuguese Em 1609,
complexas tais como a cria~áo da Com panhia das Índias O rientais grupos holandeses tomaram possessóes portuguesas no Ceiláo e no Ja-
(1 587); a cria~áo do Tribunal da Re la~áo na Bahia (1 587, 1609 e páo. Mais intimidadores foram, entretanto, os avan~os empreen~idos so_bre
1626)5 ; o envio das duas primeiras visita~óes do Santo Ofício ao Bra- 0 complexo Atlantico, viabilizado por um conjunto de a~óes s1stemat1za-
sil (1 591 e 16 18); a cria~áo das dioceses 6 do J apáo (1 588), d e Angola das pela busca de interven~áo direta na regiáo, entáo considerada urna
e Congo (1 596), de Mo~ambique (1 612); a ed i~áo de um novo cor po das principais fontes de riqueza da economia européia (Mauro, 199 1, p.
de leis revistas e atualiza~as- as Ordenafi5es Filipinas (1 603); a cri a- 74). A capital da América portuguesa foi invadida em 1624, sendo libera-
~áo de um Conselho das Indias e das Conq uistas Ultramarinas (1 604); da apenas no ano seguinte. Em 1630 chegaram os holandeses a Pernambuco,
a divisáo do Brasil em dois governos - norte e su! - (1 608 e 1621); onde permaneceram por mais de duas décadas, sendo definitivamente ex-
o .estabelecimento do regime de "residencia", pelo qual as q ueixas pulsos em 1654. ,
poderiam ser encaminhadas a o uvido res contra governado res (1 622); A conjuga~áo dessa ocupa~áo holandesa aquel a empreendida na Afri-
a cria~áo da Companhia de Comércio das Índias O rientais e da Casa ca meridional revela de modo claro a percep~iio existente acerca das co-
de Contrata~áo da Bahi a (1 628), com o in tuito de ampli ar as condi- nexóes existentes entre as regióes do Atlántico Sul. Os grupos holandeses
~óes de com ércio no ultramar ; e a divisáo do Conselho de Portugal em rapidamente puderam perceber aquilo que já era muito dito e sabido en-
tres secretari as de Estado ( 163 1 ). tre os portugueses, como nas palavras de Vieira na epígrafe do presente
Avan~ava, assim, a institucionaliza~áo da governabilidade ibérica so- artigo. A economía a~ucareira de Pernambuco náo poderia sobreviver a
bre os territórios ultramarinos portugueses. Esse contexto era ainda fu n- contento sem a manuten~áo de seu vínculo visceral com as regióes forne-
damentalmente caracterizado pela progressiva expansáo e enraizamento cedoras de máo-de-obra escrava localizadas em África. O ano de 1641
da presen~a portuguesa no Atlántico Su!. Exemplos disso foram o avan~o marcaría, assim, a chegada dos holandeses a regiáo de Luanda, na busca
de grupos luso-brasileiros sobre as terras do Maranháo nas décadas de do controle desse vínculo. Nesse mesmo ano, chegariam também ao
1610 e 1620 - em rea~áo a presen~a francesa; a expansáo das trocas Maranháo, a Sergipe e a Sáo Tomé, num movimento de progressiva ex-
comerciais com a regiáo do rio da Prata - autorizadas a partir de 15 85; pansáo sobre os territórios circunvizinhos. Entremcntes, grupos luso-bra-
a tomada em definitivo das serras de Cambambe, em Angola (1 604); a sileiros passaram a conjugar esfor~os com vistas a elimina~áo da presen~a
funda~áo de Curitiba (1 614); e a institui~áo de urna feira permanente em e da interferencia holandesas em seus negócios no complexo Atlántico.
Donde, estim ulando o comércio regional na regiáo do rio C uanza, em Essa, que já havia sido urna tendencia anterior, como por exemplo no caso
Angola (1625). da libera~áo da cidade de Salvador em 1625, ganhou entáo fólego reno-
A vitalidade económica de todos esses esfor~os conjugados pode ser vado por ocasiáo da restaura~áo da soberania portuguesa em 164(~.D~
um lado, a Coroa portuguesa come~ou a implementar medidas que pu-
dessem melhor viabilizar a retomada de seu governo sobre seu conjunto ·
sldealizado em 1587, s6 come~o u a funcionar em 1609, sendo porém extinto em 1626. Foi
fin almente restabclecido em 1652.
imperial. De outro, grupos instalados em diferentes regióes do Brasil pas-
6
A diocese da Bahia fo i criada em 1551. saram sistematicamente a se mobilizar na defesa da soberania lusa, bem

290 29 1
CAPÍTULO 9 O ANTIGO REGIME NOS TRÓP I COS A DINÁMICA IMPERIAL PORTUGUESA

como do conjunto de rela~óes socioeconómicas decorrentes dela, no con- comercial do Rio de Janeiro (Boxer, 1973, pp. 267-271). Destaca-se o fato
texto das invasóes holandesas. de que o estabelecimento da Reparti~áo Sul - um artificio administrativo
Urna das primeiras medidas determinadas pela Coroa portuguesa fo¡ responsável pela gestáo governativa das áreas na regiáo su! da América por-
a cria~áo d o ~ em julho de 1642, reeditando em tuguesa- esteve visceralmente associado aconstitui~áo de mecan~smos que
novo estilo o já citado Conselho das Í n d i ~ i s t a s Ultramari- melhor viabilizassem a restaura~áo da s~berani~ ~ortuguesa na Africa me-
nas. Estabelecia-se, assim, um órgáo capaz de uniformizar a administra- ridional, entáo sob ocupa~áo holandesa\ Estrategia essa que deve ser tam-
~áo do ultra~ar. Com~etia-lhe a gestáo de todos os negócios referentes bém avaliada em termos de sua singularidade em face do quadro de
aos Estados do Brasil, India, Guiné, ilhas de Sáo Tomé e Cabo Verde e fragilidade política gerado pelo fim da Uniáo Ibérica. Súditos e vassalos de
de todos os demais territórios em África vinculados a Portugal. / elimi- diferentes regióes no lmpério sáo convocados a prestar os importantíssi-
na~áo do ~o_m~ das Í~di¡s_ sin_a~iza~a acrescente importancia do Atlanti- mos servi~os de defesa de sua Coroa recém-restaurada./
co no cenano 1mpenal. ~1g111f1cat1va fo i também a forma como o novo t' \Momento singular na história político-administrativa do complexo
regime brigantino atuou na busca de urna maior racionaliza~áo e padro- Atlantico, na medida em que se desencadeava, a partir de entáo, urna se-
niza~áo do governo de seus territórios ultramarinos, sendo esse talvez o qüencia de eventos bastante significativos no desenrolar de urna dada tra-
principal significado conferido a nova institui~ao1 Estabelecia-se, dessa jetória administrativa do Brasil.\ Dinamizava-se urna econo mía política de
forma, um tribunal bastante poderoso e muito respeitado por parte de privilégios viabilizada pela concessáo de merces e privilégios dispensados
todos os que dele dependiam. Sendo um órgáo deliberativo e bastante tanto ao Brasil - enquar1to área privilegiada no interior das hierarquías T
característico das sociedades de Antigo Regime, teve como critério de espaciais do conjunto imperial - quanto aos homens ínter-relacionados
sele~áo de seus presidentes a titula~áo de fidalguia de primeira nobreza pelo conjunto de políticas entáo articuladas pela Coroa e seus vassalos.
e a prévia experiencia em negócios ultramarinos A nomea~áo do Mar- \ Nesse sentido, a carta régia de 26 de o utubro de 1645 determinou a el~-
ques de Montalváo,Jorge Mascarenhas, recém-chegado do Brasil, onde va~áo do Estado do Brasil a condi~áo de "Principado". Trata-se de medi-
fora vice-rei entre 1640 e 1641, como seu primeiro presidente, pode da muito pouco problematizada pela historiografia sobre o período, sendo
demonstrar o peso do Brasil em rela~áo ao Império como um todo. As apenas citada de forma periférica e assistemática, rendo sido considerada
matérias eram distribuídas pelas conselheiros, que as relatavam no mo- por Pedro Calman como um refl exo dos "melhores propósitos" da Coroa
mento de sua vota~áo. Eram freqüentes as consultas régias, bem como a em resposta as provas de fidelidade demonstradas por seus súditos ameri-
constitui~áo de processos que seriam interpostos ao parecer do reí (Cae- canos por ocasiáo da Restaura~áo portuguesa (Calman, 1959, p. 642). Já
tano, 1967, pnssim). Francisco Bethencourt considerou essa medida urna "compensa~áo sim-
f oí a partir do funcionamento desses expedientes que o governador do bólica de monta" no ambito da ausencia de referencia ao Brasil nos títulos
Rio de Janeiro, o célebre Salvador Correia de Sá, fo¡ convocado em 1643 utilizados pelos reís portugueses entre os séculos XVI e XVIII (Bethencourt,
por esse Conselho a assumir o título de "governador e administrador geral 1998, vol. II, p. 333). \ror seu intermédio o herdeiro do trono passou a
das minas de Sao Paulo". Eram a ele atribuídos autonomía e poderes inde- sistematicamente se intitular "Príncipe do Brasil" até 1817. 7
pendentes em rela~áo aos territórios do su) do Brasil, estabelecendo-se as-
sim urna área de governa~áo específica, a "Reparti~áo do Su)", como ficou 10 . J oiio V criou, em 1734, o título de princesa da Beira para sua neta D. Maria Francisca
conhecida. Foi ele também encarregado da missáo de armar urna frota que Isabel, a fnrura rninha D. Maria l. Este rímlo foi en tao concebido para desracar a posi~ao de
possívcl herdeira do trono enqnanto sens pais nao tivessem nm filho varao. O alvará de 9 de
pudesse resgatar Luanda do domínio holandes, tarefa que acabou por rea- janeiro de 1817 alterou o títnlo de "Príncipe do Brasil" para o de "Príncipe do Reino-Unido
lizar gra~as a esfor~os reunidos com o apoio de grupos instalados na pra~a de Pormg,1I, do Brasil e dos Algarves", mantcndo aind,, o tímlo de Príncipe da Beira.

292 293
C APITULO 9 O ANT I GO REG I M E N OS TROPICOS A DINÁMICA I MP ERIAL PORT U GU ESA

boa - cargo que usufr uía eno rme ascendencia sobre o desenrolar dos "escutava" seus vassalos, procurando agir como se fosse um pai em bus-
tramites políticos nas Cortes portuguesas de entáo (Cardim, 1998a, p. ca da melhor solui;áo possível. Se, por um lado, isso confirmava o pro-
126) - , vedor da Fazenda, membro do Conselho de Estado, tendo sido gressivo reconhecimento da importancia político-administrativa do Brasil
ainda o primeiro presidente do recém-criado Conselho Ultramarino. Vale no cenário mais amplo do complexo imperial - bem como dos direitos ,
aquí repetir, urna vez mais, o fato de q ue ~ontalváo fora nom eado, em adquiridos pelos grupos q ue empreenderam sua "conquista" (Mello,
1639, por Filipe IV de Espanha, governado r-geral do Brasil, com o títu- 1997, passim)-, por outro, confirmava ajá instalada tendencia da Coroa
lo de " vice-rei do Brasil ". Aí esteve encarregado da dificílima tarefa de em confede r privi légios e men:es a seus territórios e vassalos mais caros
proceder ao juramento da Coroa portuguesa no rescaldo da Restaura- e leais. 1
i;áo portuguesa, situai;áo bastante dificultada pela presen~a de grandes O Marques de Montalváo, já aqui citado tantas vezes, estivera atu-
contingentes de tropas castelhanas na Bahía, bem como em razáo dos ando politicamente até o ano anterior a edii;áo dessa nova medida, ten-
possíveis focos de resistencia a Restaura<;áo - com o fo i o caso da do até entáo ocupado cargos-chave e provavelmente também atuando
incipiente tentativa de aclamai;áo de Amador Bueno em Sáo Paulo. Se- em favor dessa decisáo. \o
ano de 1653 marcou o fi nal de um período
ria Montalváo possivelmente um dos elementos-chave a arg umentar - de fr eqüente convocai;áo das Cortes, reunindo os tres Estados, promo-
ou talvez até mesmo a propor - em defesa da elevai;áo do Br asil a con- vendo a reconstrui;áo dos víncul os necessários para a edii;áo de políti -
dii;áo de Principado. A singularidade de sua trajetória administrativa e cas que tanto confirmassem o lani;amento de novos tributos, bem como
política pessoal tal vez tenha concorrido para que ele formulasse propostas o "levantamento, juramento e aclamai;áo" dos novos reis e príncipes de
em favor da melho r gestáo governativa da América portuguesa em mo- Portugal restaurado (Cardim, 1998a, pp. 95-96). Em relai;áo ao Brasil,
mento políti co táo frági l para a Coroa.9 1 a situai;áo era talvez ainda mais complexa, considerando-se a precarie-
1Esse seria também, possivelmente, o caso da decisáo da Coroa em dade das conexóes que interligavam as suas diferentes partes entre si,
reco nhecer, em 1653 , o direito de representai;áo do Brasil nas Cortes bem como <leste ao conjunto imperial, especialmente em face das difi-
portuguesas entáo convocadas, outro assunto pouco problematizado pelo culdades político-administrativas entáo enfrentadas no Atlántico Sul.
conjunto da historiografía brasileira e portuguesa, mas q ue, no en tanto, Nesse sentido, seria muito bem-vinda uma alterai;áo que pudesse refor-
evoca urna questáo de singular importancia no contexto histórico da épo- i;ar a ligai;áo entre o "todo" da conquista americana e a Coroa portu-
ca.~ fragilidade da soberanía portuguesa nesse momento concorreu em guesa. \
fav o r da utilizai;áo mais fr eqüente da estratégia de convocai;áo das Cor- Náo surpreende assim observar que, em 1654 - um ano após o reco- 1
tes (1 645, 1646 e 1653 ), na definii;áo dos rumos políticos a serem se- nhecimento do direito de representai;áo do Brasil - , os holandeses te-
g uidos pela Coroa. Segundo Pedro Cardim, ela evocava um "est ilo de nham sido expulsos de modo definitivo da América portuguesa. Trata-se
governo participado, no qua/ tomava parte ativa as diferentes entidades essa de urna rela~áo que náo pode ser estabelecida diretamente, mas que ¡
que co~punha_m o todo soc~al" (Cardi~ , 1998a, p. 76). \oesse modo, entretanto parece ser bastante válida de ser considerada em termos da ~
fortal ec1a-se a 1magem do re1 que respe1tava os direitos adquiridos, que forma como a concessáo desse direito póde alimentar sentimentos de per-
teni;a e vassalagem dos súditos luso-brasileiros no contexto pós-restau-
'A despeito de rnd o isso, tanto a esposa de Montalvao q ua nto dois filhos seus perma neceram. racionista. É sempre bom nao esquecer que a completa expulsáo dos
posterio rmente a 1640, fiéis a monarquia hispiinica. Jero nimo Mascaren has, po r exemplo, holandeses e a restaurai;áo da soberanía portuguesa no Brasil e em Ango-
torno u-se nm dos principais expoenccs do grupo de fidalgos po rtugueses que entao pe rma ne-
la foram levadas a cabo grai;as aos recursos e a ai;áo de portugueses e luso-
cen na Esp;111ha, terminando sens dias como bispo de Segóvia em 1672 (Bouza ÁJvarez, 2000,
capítulo X). brasileiros instalados no Brasil. )

296 297
CAPITULO 9
O ANTIGO REG IME NOS TRÓP I COS A DINÁMICA IMPER IA L PORTUGUESA

~elac;óes entre esse contexto e o período marcado pela existencia da Um dos maiores exemplos desse contexto talvez tenha sido a ac;áo
Companhia Geral de Comércio do Brasil e a atividade missionária do Pa- militar empreendida contra o reino do Congo, outrora o grande alia-
dre Antonio Vieira devem ser também estabelecidas (ca. 1649-1659). De do de Portugal na regiáo, por grupos luso-brasil eiros instalados em
um lado,~ ande projeto de integrac;áo do conjunto das atividades eco- Angola durante o governo de ninguém menos do que André Vida! de
nómicas e mercantis, envolvendo diversos grupos no complexo imperial. A Negreiros - ex-líder restauracionista em Pernambuco, como indica-
' companhia organizou frotas e usufruiu vários estancos comerciais n~ Bra- do acima. A célebre batalha de Ambuilla (1 662) marcou a trágica e
sil. Tinha também competencias militares no que se referia a Juta contra os definitiva derrota congolesa frente ao avanc;o portugues sobre a África
holandeses em Pernambuco. Idealizada e concebida por Vieira, abrigou sob meridional. 12 Segundo Luiz Felipe de Al encastro, esse seria um dos ele-
seu patrocínio vultosos capitais de cristáos-novos existentes em Portugal mentos mais importantes no restabelecimento do complexo ultrama-
naquela época. De outro, a vigencia, a partir de 1655, de um curto período rino portugues após o fim do "longo cativeiro imposto pelos Habsburgo"
em que os jesuítas, sob a lideranc;a de Vieira, usufruíram considerável po- (Alencastro, 2000, p. 296). Decapitado o rei africano, teria sua cabec;a
der sobre os índios do Brasil, angariando plena autonomia na conduc;áo da enterrada em Luanda e suas insígnias régias enviadas como troféus para
atividade missionária entáo empreendida. 10 Buscava-se garantir meios que Lisboa, ambos encenados como símbolos da grande vitória lusa (Sou-
· melhor propiciassem o desenvolvimento da economía e do povoamento da za, 1999, p. 77).
América portuguesa, possibilitando assim urna maior operacionalizac;áo do
governo ultramarino na regiáo no contexto pós-Restaurac;áo.
Pode-se assim dizer que as décadas de 1640 a 1670 foram marcadas 2. REDESENHANDO FRONTEIRAS E TRAJETÓRIAS ADMINISTRATIVAS
por urna rara densidade na aplicac;áo de práticas e estratégias dinamizadoras
das relac;óes político-administrativas no Atlantico Su! portugues. Com a :Ajá mencionada dimensao globalizante do tráfico negreiro em rclac;áo ao
restaurac;áo de Pernambuco, os principais líderes luso-brasileiros passa- conjunto de atividades económicas empreendidas no Atlantico Sul póde
ram a governar capitanías circunvizinhas, além da possibilidade de, sub-
seqüentemente, governar Angola. 11 Tratavam-se de mecanismos que mais
prontamente restabeleciam os nexos que historicamente vinham dando
favorecer a consolidac;áo de urna posic;áo preponderante do Brasil na re-
giáo.\A virada do século XVII para o XVIII assistiu ao gradual destoca-
mento daquilo que tem sido caracterizado como o "ciclo da mandioca",

sentido ao conjunto de interesses políticos e económicos prevalecentes no para urna era dominada pela economía gerada pela extrac;áo de ouro no
complexo do Atlantico. Na segunda metade do século XVII, a dimensáo centro-su! do Brasil (Al encastro, 2000, pp. 251-25 6). A melhor demarca-
1
globalizan te do tráfico negreiro na gestáo de toda essa regiáo fez com que c;áo das fronteiras l~so-brasil~iras ~erviu também de cen~~io para-~ )
fosse também necessário alimentar essas conexóes por intermédio da pró- redefinic;áo de mecamsmos mais efettvos de governo na rcgiao em fac_v
pria expansáo dessas áreas de interesse, bem como pela obtenc;áo de con- desse contexto de progressiva transformac;áo económica.
cessóes adicionais de merces e privilégios por parte dos indivíduos _ Um primeiro quadro de alterac;óes pode ser observado na forma como
relacionados. se encontravam demarcadas as fron teiras eclesiásticas no Atlantico Sul.

'ºAutoriz..t~.io inicialmente concedida apenas em rela~:io .ios indios do Maranhiio em 16S2, 12Processo de exp:rnsiio q ue se aldrguu no úhamo q1urtel do séc ulo XVII, co m d fnnd,14,:l o

sendo posterio rmente atmpliada em rela~iio aos demais terriró rios (Jancsó, 1994, p. 101). do novo presfdio de Pungo Audongo por volra de 1675 , localizado bem no 111re nor e capaz
11
joao Fernandcs Vieira fo, governador da Paraíba (16SS-1658) e de Angola (1658-1661 ), de esrabelecer contaros comerc1a1s com áreas até q11111he nto~ quilóme tros .1 leste de L11,111da.
enguanto André Vida) de Negreiros governou o Maranhao (1655-1656), Pernambuco (16S7- expandindo-se igualmente os portugueses par.1 o su), para Benguel.1 (Russell-Wood, 1998c,
1661 e 1667), Angola (166 1· 1666) e Pernambuco (166 1) (Mello, 2000, pa$sim). p. 129).

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CA P ÍTULO 9 O A NTIGO REG I ME N O S T R ÓPICO S A D I NÁM I CA I MPER I AL P O RT U GUE S A

Os anos de 1675 a 1677 assistiria m acria~o de novas bispados sufragan eos \caio Boschi argume nro_u ~am~é~ qu e, ª. ~e~peito das grandes distát~-
ao da Bahia, entáo elevado a condi <;áo de arcebisp ado (1676). Foram as- cias, os bispado s e demais 1nstanc1as eclesiast1cas no ultram ar portugu es
sim criados os de O linda (1 675), do Rio de Janeiro (1 675). Em 1677, náo estavam alheias urnas das o urras,1citando o exemplo do Sínodo
0
bispado de Angola e Congo - engloba ndo ambas as conquis tas - passou Diocesano da Babi a em 1707, q ue contou com a prese n<;a de vários hi s-
também a esfera de influencia das autoridades eclesiásti cas da Bahia, per- pas, inclusive D. Luís Simóes Brandáo , hispo de Angola, entáo hosped~-
manecen do vinculad o ao arcebispado de Salvador.\O bispado do Maranh áo do por nove meses pelo primaz, D. Sebastiá o Monteir o da Vide (Bosch1,
fo i criado em 1677, fi cando entretan to subordin ado ao arcebispado de 1998a, p. 376).
Lisboa, confirm and o a já hi stóri ca tendencia de associar-se mais direta- Dais foram os demais processos de modificar;áo observad os na demar- ~
mente a Lisboa a regiáo norte da América .~ais significa tiva nessa maté- car;áo de fro nteiras administrativas aqui considerados. De um lado, a cria-
ria foi, entretan to, a instala<;áo na Bal1ia do Tribunal da Rela<;áo Eclesiástica r;áo da capitani a real da Nova Colonia do Santíssimo Sacrame nto, na
(1 678), constitu indo-se em tribunal de segunda instancia para o julgamen to margem esquerd a do Rio da Prata, em frente a cidade de Buenos Aires, ,
de matérias desse foro específic o. 13 Aprimorava-se, assim, a o rganiza<;áo no ano de 168 0. De outro, as descobe rtas de minas de o uro no centro-su] ,
de um dos mais importa ntes bra<;os de exercício do governo portugu es na do Brasil em fi ns do sécul o XVII, fator que propicio u um conjunto de
'regiáo, possibili tando urna maior e melhor comunica<;áo entre essas di- reorden ar;óes nas fr onteiras das capitani as da regiáo, alimenta ndo urna
versas instancias, aux iliares administrativos fundame ntais na gestáo im- progress iva maior importa ncia politíco-administrativa do Rio de Janeiro
perial de entáo. no governo da América portugu esa como um todo.
O bserva-se também urna significativa circula<;áo de titular es eclesi- lo estabele cimento da colo ni a do Sacrame nto nas m argens do Rio da
ásticos pelos diferentes bispado s ultramar inos portugu eses. A existencia Prata em 1680 inaugur o u um período de grandes tensóes entre grupos

fde conexóes administrativas entre o Brasil e Angol a pode ser observa da


nas trajetóri as eclesiásticas de pelo menos quatro hispas em particul ar.
D. J o áo Franco de Oliveira foi hi spo de Angola entre 1687 e 1691, pas-
sando diretam ente ao arcebisp ado da Bahia, cargo que ocupou até o ano
espanhó is e po rtugueses ali instalad os. Serviu de motivo para a eclosáo
de conflito s militares na regiáo, q ue acabaram po r resultar na recorren -
te perda e recuper ar;áo de seu controle por parte dos portugu eses, bem
como na assin atura de tratados internacionais sobre a regiáo entre as
de 1700. No século XVIII, tres o utros exemplo s devem ser ainda obser- Coroas ibéricas .1\ Mais significa tiva talvez tenha sido, a forma como se
vados. D. Antonio do Desterro Malheir os foi hispo de Angola entre 1738 buscou dar vazáo a urna antiga demand a de grupos instalad os no cen- ,
e 17 46 e do Ri o de J aneiro entre 1746 e 1773 - quase quarenta anos tro-sul do Brasil, fortcme nte associad os ao comércio de contrab ando com
de exercíci o seguido s entre os dois bispado s; D. Manuel de Santa Ines a regiáo da prata peruana. Essa ligar;áo foi fortalecida durante a Uniáo /
ocupo u o poseo de hispo de Angola entre 1746 e 1762, acumula ndo Ibérica, período em que tal comércio chegou a contar com a auto riza-
também o cargo da Babi a entre 1760 e 1761; e finalmen te, D. Luís Brito r;áo fo rmal para funcion amento, como já citado. Além disso, vale tam- ,,.
H omem, hispo de Angola entre 1792 e 1802 e d o M aranháo entre 18 02 bém destacar a form a com o atuaram os funcion ários régios em pro \ da
e 1813 (Boschi, 1998, p. 434 & 1998a, p. 374)f Continu idade observa- mobiliz ar;áo de forr;as militares na regiáo, tanto em termos humano s
da em termos espaciais e temporais, que auxiliam a compree nder as for- como de instalar;óes de dcfesa e de realiza<;áo de campan has contra as
mas pelas quais se exercia a governabilidade po rtuguesa no Atlántic o Su! for<;as castelha nas. 14

u Apenas bem m.t is rarde, novos b1sp.1<los ser1.1m criados no Atlantico Sul: os de Ma ri, a •ver .1daanrc o exemplo de Gomes Freare de A11d r,1d,1, governado r do Rao de J.1ne1ro curre
1
111 e de
Siio Paulo, em 1745, q uando fornm rambém estabclecid as as prelazias de Goiás e de Cuiabá.
1733 e 1763.

3 OO 3 O1
CAPÍTULO 9 0 ANllUU Kt\JIM~ NU) IKUl-'I L U!> A UINAMIC.A IMl-' t KIAL POHIUl>Ut!>A

_ A capitania do Rio de Janeiro ganhou jurisdi~áo sobre a colonia de ) pelo Marques de Pombal em 1759. Essa mudanc;a rcforc;ava o poder
Sacramento pela primeira vez em 1698, tendo também subordinado a monárquico diante dos particularismos e privatismos administrativos de-
capitania de Sáo Paulo no ano anterior, conforme a carta régia de 22 de l correntes da autonomía associada as capitanías hereditárias.
novembro. Se desde 1679 as capitanias do su] do Brasil se encontravam ::.j- Caberia a.inda considerar a forma como foram reordenadas certas tra-
subordinadas ao governador do Rio de Janeiro, a partir de entiio o qua- jetórias administrativas no complexo Atlantico setecentista. Para efeito da
dro político-administrativo liderado pela capitania fluminense tornar-se-ia presente discussao, scráo aqui considerados apenas a concessáo do título
( muito mais complexo. Na primeira metade do século XVIII, a preocupa~áo de vice-rei a.os oficiais encarregados do governo do Brasil e alguns exem-
em coordenar os esfor~os militares, políticos e administrativos em defesa plos de trajetórias administrativas individuais no Atlantico Su!.
da fronteira no sul passou a estar profundamente entrela~ada a urna polí- ( A partir de 1720, os indivíduos que ocupavam o cargo de governador-
tica de controle interno que propiciou urna maior vigilancia sobre as ati- geral passaram a ser sistematicamente agraciados com o título de vice-rei
vidades de extra~áo do ouro na regiáo das Minas (Boxer, 2000, pp. do Brasil. Até entáo, apenas tres governadores-gerais haviam recebido tal
265-284). distin~áo: o já citado Marques de_Montalváo (1640-1641), nomeado -

-
A extin~iio da capitanía de Sao Vicente em \1709 resultou do resta- "vice-rei e capitñ.o-general de mar e guerra e da restaura~ñ.o do Brasil" -
belecimento da capitania de Sáo Paulo e Minas do Ouro entáo tornada com o objetivo de expulsar os holandeses de Pernambuco; Vasco Mas-
. ,
mdependente em rela<;áo a do Rio de Janeiro. Em 1715':ticou constituída a carenhas (1663-1667) e Pedro de Noronha (1714-1718). Com a nomea-
capitania do Rio Grande de Sao Pedro. Mais tarde, em 1720, a regiáo das ~ e Vasco Fernandes Cesar de Meneses (1720-1735), o título passou a
Minas foi desmembrada da capitania de Sao Paulo, torn~do-se urna capi- r ser concedido de forma sistemática até 180~r Se, por um lado, náo seco-
tanía independente. O ano de 1735 restabcleceu a subordina~áo adminis- nhece um diploma régio que tenha elevado o Brasil a condi~áo de vice-rei-
trativa da capitania de Minas Gerais ao Rio de Janeiro. A capitania de Santa no, por outro percebe-se o reconhecimento de sua importancia política nf
Catarina foi desmembrada da de Sáo Paulo em 1738, sendo entáo anexada pessoa indicada para o cargo responsável por sua administra~áo e governo.l
a do Rio de Janeiro, bem como todo o território do Rio Grande de Sáo Trata-se de medida de grande importancia política, considerando-se os va-
Pedro. Bem mais tarde, em 1748, forarn criadas as capitanías de Goiás e do lores prevalecentes na sociedade portuguesa de Antigo Regime. Recorria-
Mato Grosso, desmembradas da de Sáo Paulo, a quaJ passou a ficar mais se, assim, a urna estratégia anteriormente utilizada em rela~áo a Portugal,
urna vez anexada a capitania do Rio de Janeiro. 15 Observa-se, assim, um quando de sua própria inser~áo institucional nos quadros da Uniáo Ibérica,
q~~dro de _fr~qüentes altera~óes nos atributos de sujei~áo e jurisdi~áo dos momento em que foi reduzido a condi~áo de vice-reinado no interior da
\ var10s ofic1ais encarregados do governo nesses territórios, revelando os monarquia hispanica (Bouza Álvarez, 2000, cap. IV). Observa-se assim, no
desafios enfrentados na defini~áo de urna política de a~áo que melhor pu- início do século XVlil, urna significativa altera~áo no perfil dos homens que
( desse assegurar a implementa~áo dos objetivos encaminhados pela Coroa. vieram a ocupar o cargo no Brasil, sistematicamente arregimentados no
Esse contexto revelou a progressiva elimina~áo do sistema de capitailias interior da nobreza titulada. Estes passaram também a permanecer no pos-
hereditárias, a medida que a Coroa o ia substituindo pelo de capitanias ré- to por períodos mais prolongados, alguns até mesmo por mais de dez anos
gias, quadro que acabaria por resultar na completa aboli~o do primeiro (Monteiro, 1998, pp. 539-540).
No ambito da administra~áo colonial, é possível perceber que o
exercício de determinados cargos administrativos - especialmente o
llNov,1s moJiftcM;óes for,1m 111rrod11l1d,1s nos ,111os de 1752- 1755, por 1111c1,1uv,1 do furnro
de governador-geral - possibilitou cerras permanencias que tornaram
Marques do Pomb,1(, esr,1belccendo um,1 sig111ficariva reorden.t~.io d:4s fronreiras das peqne,us
capir.tnias no Br,1sil de ~nr,io. possível a constru~áo de urna memória ampliada de práticas e estraté-

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C A PITULO 9 O AN T IGO REG I ME N O S T R Ó P I CO S A DINÁM I CA IMPE RI A L POR T UGU E S A

gias governativ as implem entadas no lmpério po rtugues. Experiencia e de Andrada é bastante significativo nesse sentido, tendo ele ocupado o car-
memó ri a mo nopolizadas por um seleto gru po de indivíduos q ue con- go de governador e capitáo-gencral do Rio de Janeiro entre 1733 e 1763,
seguia mo vimentar-se por tais circuitos administrativos. Nesse senti - período em que exerceu extensiva jurisdic;áo militar, náo apenas na capita-
do, a histo riografia mais recen te tem chamado a atenc;áo para o fato nia do Rio de Janeiro, mas também nos territórios do centro e do sul do
de que determinadas famílias foram capazes d e assegurar para si o Brasil. Torno u-se célebre por ter empreendido uma série de gestóes admi-
controle de acesso a certas posic;óes, bem como de um conjunto de nistrativas e militares em pro! de um maior controle das regióes de Sacra-
privil égi?s d ecorrentes dessas ocupac;óes, tais como títul os, tenc;as, mento e das Minas Gerais, exibindo muito freqüentemente urna jurisdic;áo
mer ces. E sempre bom lembrar que, ao contrário de o utras aristocra- por vezes mais extensa e significativa do q ue aquela atribuída a pessoa do
cias européias, a nobreza portuguesa náo se mantinha prioritariam ente vice-rei do Brasil, entáo situado na Bahía (Russell-Wood, 1998d, p. 109).
da propri edade da terra, e sim das merces - entendidas em sentido A magistratura tem sido também apontada como outro importante es-
amplo - concedidas pelo rei em troca de servic;os prestados (M onteiro, pac;-; de "recrut~1to e constituic;áo do corpo governativo ultramarino
199 8, pp. 5 48-549). portugues. Stuart Schwartz (1978) foi um dos primeiros historiadores a
Além disso, a natureza mul ticontinental a caracterizar o Império ul- identificar cerros adróes de form~áo desse setor na burocracia do Brasil
ttamarino portugues concorreu para que muitos desses altos oficiais pres- colonial A existencia de urna relac;áo simbiótica entre a Coroa e os magis-
tassem servic;os em diferentes territórios coloniais. Isso contribuiu para trados transformava-os nos defensores mais importantes da autoridadc ré-
um dado tipo de acúmulo de experiencias e a defini c;áo de certas tenden- gia, por meio da aplicac;áo da justiqa do rei. Individualmente, acabavam
cias na ocupac;áo de cargos, como possivelmente os do governo de Ango- muitas vezes enredados nas malhas geradas pelos interesses económicos 1
la e do Brasil , como antes observado em relac;áo as trajetórias eclesiásticas.16 prevalecentes nos loca.is para os quais eram nomeados, ficando assim vul- ,
- Assim sendo, alguns histori ado res tem identificado certa hi erarquia neráveis ao tráfico de influencias q ue fazia parte do sistema de nomeac;óes
governativa no interior da administrac;áo portug uesa. No século XVIII, o para os postos de menor importancia no escaláo da burocracia colonial\Náo
Brasil estaria no topo dessa cadeia, seguido do governo de Angola e de tem sido identificada urna preponderancia de descendentes da nobreza na
Goa, e mais além, por fim, viri a o de Macau. Esse quadro contrastava de constituic;áo desse grupo na América portuguesa, contando mais fre-
forma bastante distintiva daquele que pode ser observado em fins do sé- qüentemente a prévia ocupac;áo de cargos nessa área pelo pai na posterior
culo XVI e ao lo ngo do XVII, quando o Estado da Índia desempenho u nomeac;áo de um filho( H avia urna notória hierarquizac;áo entre os mem- ·
um papel mais central na dinamica governativa ultramarina portuguesa bros da magistratura, destacando-se especialmente os desembargadores da
(Mo nteiro, 1998, pp. 539-540 & Bethencourt, 1998, p. 242). Casa da Suplicac;áo de Lisboa, seguidos dos desembargadores da Relac;áo
,.. A historiografia tem destacado ainda o fato de que o perfil geral dos do Porto (Schwartz, 1979, passim). A seguir vinham os desembargadores
governadores das capitanias-gerais e dos vice-reis diferiu muito pouco um das Relac;óes de Goa e de Salvador e, na segunda metade do setecentos, do
do outro no Brasil, salientando ainda que, em determinadas capitanias, foi Rio de Janeiro. H avia inicialmente urna tendencia dos desembargadores de
- significativa a longevidade na ocupac;áo desses cargos. Destaca-se também Goa de contar com melhores condic;óes para urna posterior nomeac;áo na
a mobilidade presente no perfil dessa ocupac;áo. O exemplo de Gomes Freire Casa da Suplicac;áo de Lisboa, situac;áo que se reverte ao longo do século
XVIII, a medida que as regióes do Atlantico passaram a se afirmar como o
16
Luiz Felipe de Aleuca stro é nm dos autores q ne tem destacado ,, fo rre " im bn ca~iio de carrei• principal cenário político do Império portugues. A partir de entáo, os pos-
ras da hierarquia eclesiástica e dos govern~do res 11 ,1s du~s margens do Arl:innco". No perío do tos na magistratura brasileira eram avidamente preferidos pelo conjunto de
d e 1680 e 181 O, vários ind ivíd uos ocnparam cargos equivalentes no Brasil e em Ango la, ao
longo de suas rrajetó rias ad ministrativas (Alencastro, 2000, pp. 306-307).
candidatos existentes)

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CAPITULO 9 O ANT IGO REGIME NOS TRÓPICOS A DINÁM I CA IMPERIAL PORTUGUESA

presidente do Conselho Ultramarino (1768). Revelou singular preocupa- urna governabilidade táo característica da forma como se exercia a sobe-
<;áo com o alargamento do complexo imperial portugues, rendo explora- ranía portuguesa sobre seu lmpério ultramarino./
do a regiáo do Cuango, em Angola, como intuito de viabilizar a travessia
da África.
Estcs exemplos explicitam a associa<;áo gradativa, em um mesmo in- 3. REDEFININDO UMA GOVERNABILIDADE
divíduo, do exercício de altos cargos governamentais em diferentes ter-
ritórios coloniais, bem como em institui<;óes encarregadas da coordena<;ao Os anos de 1752 e de 1763 assistiram a introdu!;áO de mudan<;as adminis-
das políticas encaminhadas pela Coroa, como o Conselho Ultramarino, trativas significativas na balan<;a de poder político instalado no complexo
a Casa de Suplica!;áo de Lisboa, dentre outras. O conhecimento acu- Atlantico Su! portugues. Primeiramcnte um novo tribunal da relar;áo foi
mulado nos diferentes estágios desse exercício administrativo consubs- estabelecido na cidade do Rio de Janeiro. Essa decisáo, em certa medida,
tanciou urna forma singular de governar o Império. De um lado, clava resposta as demandas das camaras concelhias da regia.o das Minas
constituía-se urna elite imperial, recrutada no interior da alta nobreza Gerais, insatisfeitas coma morosidade na aplica<;áo da justi~ régia em face
cujos grupos fam il iares vinham dando provas de urna íntima associa<;áo' das longas distancias que as separavam do tribunal da Babia. De todo modo,
com a Coroa na implementa!;áo e defesa de sua soberania em ocasióes cabe destacar que o estabelecimento de tal institui<;áo na capitanía fluminense
chave como a da Restaurar;ao portuguesa. Davam provas de sua dcdica- explicitava o reconhecimento régio da crescente importancia do centro-su!
!;áo para comos interesses mais caros da nova dinastia, disponibilizando do Brasil em rela<;áo as demais regióes da América portuguesa. De um lado,
recursos de suas casas, constituindo la!;OS entre si. Definia-se, dessa for- a expansáo económica gerada pela extra<;áo do ouro, de outro, os conflitos
ma, um núcleo mais coeso de interesses em redor da governabilidade militares em torno de Sacramento, fizeram do Rio de Janeiro a nova virtual
imperial portuguesa. De outro, consubstanciava-se um conjunto de es- capital do Estado do Brasil. O tribunal foi criado com poderes e competen-
tratégias, bem como urna memória, dedicadas ao exercício desse gover- cias similares aquelas do tribunal instalado na Babia. Sua jurisdi¡;áo, entre-
no, viabilizadas pelo acúmulo de informa<;óes e pela constitui<;áo de uma tanto, englobava as áreas situadas desde a capitanía do Espírito Santo até a
visáo mais alargada do Império como um todo, ambos produzidos pela Colonia do Sacramento, incluindo ainda o sertáo do Mato Grosso. 17
circula<;áo desses homens nos altos postos administrativos nas regióes Outro ponto a ser destacado foi a transferencia da capital do Brasil no
ultramarinas. ano de 1763, por ocasiáo da nomea<;áo do Conde da Cunha como seu
Desenvolvía-se, assim, urna maior percep¡;áo da diversidade dos pro- vice-rei. O ato de sua nomea¡;áo transferiu de forma obrigatória o sítio de
blemas enfrentados, bem como da similitude de situar;óes e estratégias \ residencia do vice-rei - bem como o local de assento do governo d o Bra-
passíveis de uso no exercício da soberanía portuguesa em áreas táo dis- sil -para a cidade do Rio de Janeiro. Seguindo ordens expressas do pró-
tantes e díspares entre si. Dessa maneira, tomava também forma um com- prio Marques de Pombal, o Conde da Cunha passou a implementar
plexo processo de hierarquiza<;áo dos homens encarregados dessa gestáo medidas que propiciaram a melhoria do porto da nova capital, bem como
governativa, bem como dos espar;os geridos. Como visto acima, no sécu- de suas fortalezas, an1bas em resposta as necessidades de melhor auxiliar
lo XVI ser vice-rei do Estado da Índia trazia em si mais prestigio e merces seu comércio, controlar a regiáo das minas e defender a nova capital <liante
do que ser governador-geral do Brasil. No século XVIII, esta relar;áo se dos conflitos militares em curso no Atlántico Sul.
inverteu completamente. Hierarquizando os homens por meio dos privi-
légios cedidos em contrapartida a presta¡;áo dos "servir;os" de governo, 17Desse modo , ficava o mbunal da Bahia entiío responsávcl pelas áreas que 1am desde a Bahia
produziam-se múltiplas espirais de poder, articuladas entre si, viabilizando até a cap1rn nu do Rio Negro (Schwartz, 1979, passim).

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CAPÍTULO 9 O ANTIG O REG I ME NOS TROPICOS A D I NÁMICA I MPER I AL PORTUGUESA

Essas medidas provavelmente refor~aram ainda mais a forma como Jmpério, bem como a demarca~áo das fronteiras ultramarinas, de modo a
1
regióes no Atl ántico Sul se enco ntravam interligadas. Náo bastasse o trá- garantir meios para uma possível expansáo das mesmas em razáo da ~es-
fi co transatlántico e o número de ofi ciais a circular pelos governos desses coberta de no vas fo ntes de riqueza material (Domingues, 1991, pass1m).
territórios, é possível também observar uma tendencia ao envio de pedi- Para tanto, a reforma da Universidade de Coimbra (1772) acabou por
dos de auxílio por parre da administra~áo de Angola ao governo do Bra-
sil. Um exemplo interessante disso foi a aqui já citada expedi~áo organizada
por Salvador Correia de Sá em meados do século XVII. De destaque tam-
bém foram os incessantes pedidos de envio de cavalos do Brasil para An-
gola, verifi cados nos anos de 1666, 1688 , 1715, 1720, 1726, 1753 e 1754
lresultar no esrabelecimento da Facul dade de Fil osofia Natural, instirui-
~áo que viria a se to rnar responsável pela forma~áo academica desse gru-
po. O utra institui~áo fund amental nesse contexto foi a Academia Real das
Ciencias de Lisboa, criada em 1779, que fu ncionou como um grande cen-
tro de troca de informa~óes coletadas pelos vári os oficiais régios encarre-
(Simonsen, 1978, passim, e cf. capítulo 11). Cartas régias foram editadas gados dessas expedi~óes pelos sertóes do lmpério. Desencadeava-se, dessa
ao longo desse período, determinando que nenhuma embarca~áo deixas- form a, um programa exploratório bastante ambicioso, considerando-se
se o Brasil em dire~áo a Angola sem que antes embar casse o maior núme- as precárias condi~óes materiais existentes para tal. As fronteiras a leste e
ro possível desses animais. a oeste do complexo Atlántico surgiam como as marcas geopolíticas dos
Para além dessas solici ta~óes, a segunda metade do século XVIII ser- espa~os a serem desbravados.
vi u também de cenário para urna grande inova~áo na forma como a Co- Campo bastante freqüentado atualmente por historiadores é este que
roa portuguesa vinha coo rdenando suas políticas no complexo Atlántico. trata das viagens científicas ou administrativas 18 empreendidas na segun-
Momento informado pelos desdobram entos das reformas po mbalinas em da metade do século XVIII. Alexandre Rodrigues Ferreira, natural da Bahía,
curso, que ro rnasse possível a~di~áo de um programa político dedicado a constituí-se, provavelmente, no exemplo mais conhecido da historiografia
recupera~áo econó mi ca do Estado po rtugue~ Para tanto, reconheceu-se sobre o assunto, co mo o protótipo d o oficial da Coroa, membro da Aca-
a necessidade de formar um grupo de ho mens habilitados para sua reali- demia das Ciencias e engajado em expedi~óes exploratóri as em fins do
za~áo a partir dos quadros da administra~áo metropoli tana e ultramari- século XVIII. Vasta é a bibliografi a q ue se tem dedicado ao estudo de sua
na. Buscava-se, assim, estimular o descnvolvimento das po tencialidades 1 Viagem filosófica (1 783-1792), que percorreu as capitanías do Gráo-Pará,
económicas existentes no Império, especialmente no complexo Atlántico. Rio Negro, Mato Grosso e Cuiabá. (Domingues, 1991; Raminelli, 1998;
De um lado, a preocupa~iío com a melhor composi~áo das secretarias de Simon, 1983 ).
Estado e a nomea~áo dos altos administradores ultramarinos que auxilia- Outro ofi cial régio também estudado por alguns historiadores, espe-
ssem na implementa~áo de tal programa. Ho mens como o célebre secre- cialmente aqueles do Instituto Histórico Geográfico e Brasileiro no sécu-
rário de Estado M artinho de M elo e Castro, o u Francisco Xavier de
M endon~a Furtado - irmáo d o Marques de Pombal, governador da ca-
pitanía do Gráo- Pará e M aranhao na década de 1750 - e Francisco
Inocencio de So usa Coutinho - pai do futu ro ministro de Estado D.
1 lo XIX e, mais recen temen te, por Sérgio Buarque de H olanda, é Francisco
José de Lacerda e Almeida (Gouvea, 2000b, p . 112). Natural de Sáo Pau-
lo, estudo u em Coimbra, onde concluiu sua forma~áo como matemático
em 1777. Convocado pela Coroa para integrar a missáo que procedeu a
Rodrigo de Sousa Coutinho, governador de Angola na década de 1760 e demarca~áo d os limites fronteiri~os em resultado ao Tratado de Santo
1770 - coordenaram esfor~os conjugados, encaminhados pela metrópo-
le na efetiva~iío desse programa.
De outro lado, constituía-se também urna elite intelectual, habilitada "Assim nomeada por Neil Safier (2000) em seu esrudo sobre a viagem do o uvidor Francisco
Xavier Ribeiro d e Sampaio ao realizar a correi,;do (1774-1775) o rdenada na capitanía de Sao
a proceder ao reconhecimento das potencialidades existentes em todo o
José do Rio Negro.

3 1O 3 11
CAPÍTULO 9 O ANT IGO REGIME NOS TROPICOS A DINÁMICA IMPERIAL PORTUGUESA

Ildefonso (1777), partiu de Lisboa em 1780 em dire¡;áo a Belém, no norte pedi¡;áo, incluindo seu próprio líder, ao chegar a regiáo do Cazembe.
do Brasil. De lá, seguiu pelo curso dos rios integrantes da hacia amazóni- Antes de morrer em 1798, Lacerda e Almeida escreveu o Diário da via-
ca, chegando a Sáo Paulo em 1790. Como de praxe, redigiu um diário gem de Mo~ambique ao rio Sena, no qua! registrou notícias sobre os
detalhado acerca da expedi¡;áo exploratória, localizando caminhos, aci- confli tos entre colonos e o governador, destacando as dificuldades do
dentes geográficos e povoados pela rota em que viajava. Em 1796, foi controle metropolitano sobre essas áreas. Seus esfor¡;os consolidaram as
nomeado para o pasto de governador dos rios de Sena e Tete, na África bases sobre as quais seriam realizadas, mais tarde, a conquista européia
austral. Sua principal missáo aí era a efetiva¡;áo de um antigo projeto por- das áreas mais centrais do continente africano. 20
tugues: a realiza¡;ao da travessia do continente africano. Como aqui já visto, í Seus registros identificaram um ambiente de precário exercício da so-
o Conde da Cunha foi um dos primeiros administradores portugueses em beranía portuguesa, afirmando que os oficiais que ali restavam a Coroa eram
Angola a tentar empreender, na década de 1750, urna expedi¡;áo explo- subservientes aos poucos homens de poder efetivo que viviam na regiáo.
ratória que intentasse a realiza¡;áo da travessia. Foi, entretanto, na década Nesse sentido, suas análises náo diferiam em nmito produzidas por outros
de 1770, que esfor¡;os mais sistematizados foram feitos pelo entáo gover- viajantes luso-brasileiros entáo espalhados pelos sertóes do Império. Seja
nador de Angola, Francisco lnocencio de Sousa Coutinho, que defendeu \ na América portuguesa, seja na África meridional, todos estavam a procura
ser esta a melhor estratégia de consolida¡;áo e expansáo da ocupa¡;áo por- de melhores meios para o alargamento político e económico do conjunto
tuguesa no continente. 19 imperial. Cumpre lembrar aqui o fato de que o interesse por esses sertóes
Os planos de Francisco In ocencia foram retomados, na década de \l reafirmava urna tendencia histórica no Império portugues, qua! seja, a de
1790, por seu filho, D. Rodrigo de Sousa Countinho, entáo ministro da identific.a~áo do complexo Atlantico como área prioritária no conjunto das
Marinha e Ultramar. Sabe-se que cópias dos estudos realizados por Fran- políticas governativas empreendidas pela Coroa.
cisco Inocencia foram entregues a Lacerda e Almeida em 1796. Nessa Considerando-se todos os elementos aqui já apontados, náo foi por-
ocasiao, foi ele encarregado da demarca¡;áo dos territórios por onde f tanto sem razáo que D. J oáo, o príncipe regente, acabo u por ordenar a
passasse, com o intuito de proceder a travessia idealizada. /Essa jornada transferencia de sua Corte para a cidade do Rio de Janeiro em 1807.
apresentava interesses de caráter científico, político e económico.l A Essa decisáo surgiu como estratégia de enfrentamento do complexo
1
expedi¡;áo padeceria, entretanto, da precariedade de apoio material for- quadro de adversidades político-militares entáo enfrentadas por Portu-
necido tanto pela popula¡;ao local quanto pela Coroa. A despeito disso, gal continental. Definiram-se assim as bases sobre as quais se daria a opfiiO
11
Lacerda e Almeida e sua comitiva partiram, em 1798, de Tete, sede da da Coroa em se transferir para a capital do Brasil. 21 Como o desenrolar
capitania dos rios de Sena, em dire¡;áo ao ocidente africano. Doen¡;as de um grande enredo histórico, a Coroa chegava em pessoa aquele que
endemicas dizimariam tragicamente a maior parte dos membros da ex-
1 era o centro mais fundamental do complexo Atlántico, entáo transfor-
mado no cora¡;áo do Império, da própria monarquia. Os marcos de 1808,
19 Francisco Jnocencio defendía a realiza~ao de urna política de unifica~ao dos territórios por-
tugueses na África por meio do incentivo do comércio regional, que dcvcria ser estimulado
pela abcrmra de novos caminhos na regiiio e pelo esrabelecimenro de novos povoados. O pla- zosens escritos conrribnfram de forma fundamental para as descoberras posteriormente realiza-
no do govcrnado r v1sava especialmente a ev1rar a penetra~ao dos holandeses na regiiio dos das pelo explorador ingles Livingstone, sendo também utilizados nos esmdos dcsenvolvidos pela
riquíssimos rios de Sena, entiio reoncamcntc vinculados a Portugal, bem como a estimular o The Royal Geographical Sociery de Londres, rendo recebido uma edi~ao inglesa em 1873.
comérc10 naque(~ regiao - rica em on ro, prara, cera, cobre e marfim . lsso resultaría na defesa i1v.1le s.1henrar o c~rárer de escollw d essa decisiio, em termos de um co nrexro histórico ma1s
mais eficiente do rerritório, co nsiderado mnito ponco seguro em tempos de guerra na Europa, amplo viab1hzando tal escolha. Dec1slo bastante diferente daquel.t observ.1da no caso do ret
além de cond1~óes que propiciassem um governo unificado sobre a regiiio, promovendo me- espanhol, que, em face da invas.io napoleónica, escolheu abdicar da Coroa dada a auséncM de
lhor acesso aos rerrirórios do oriente africano (Gouvéa, 2000b, p. 113-114). urna melhor alrernariva.

3 12 3 13
CAPÍTULO 9 O ANT IGO REGIME NO S TRÓP I COS A DINÁMIC A I MPERIAL PORTUGUES A

1815 e 1818 traduziram a redefini ~áo de urna forma de ser da pró pria correram para que mais tarde, por ocasiáo do retorno da Corte a Por~u-
governabilidade imperial, processo em que as dimens6es espacial e eco- al, D. Joáo o ptasse por deixar fi car no Rio de Janeiro o seu herde1ro
nómica concorreram para urn a grande altera~áo dos estatutos sociais !ireto, seu filho D. Pedro, ele que afina! for a, até 1817, o Príncipe do
entáo prevalecentes nas hierarquias vigentes naquele contexto. Proces- Brasil.
so que também recorría a urna economía política de privilégios infor-
mada pela concessáo de privilégios e merces em contrapartida a lealdade
e aos servi ~os prestados a Coroa em momento de imensa fragilidade de
exercício de sua soberanía.
Sob o ponto de vista do Estado do Brasil e dos vassalos ali instala-
dos, a transmigra~áo da família real para a América introduziria mudan-
~as fundamentais na forma como estavam inseridos no conjunto imperial.
Medidas diversas esvaziaram parcialmente muitos dos conteúdos formais
que entáo revestiam o Brasil com sua roupagem colonial, em especial a
abertura dos porros em 1808 e o tratado comercial com a Inglaterra de
1810. O ápice desse processo <leve ser observado em dois momentos-
chave: a eleva~áo do Brasil a condi~áo de Reino Unido a Portugal e
Algarves (1815) e a aclama~áo de D. Joáo VI enquantQ rei de Portugal
no Río de J aneiro (1 818). Se por um lado era o Príncipe Regente quem
em pessoa governava o Brasil desde 1808, por outro, estas duas ocasi-
6es formalizaram a eleva~áo institucional da conquista americana a um
patamar político-administrativo nunca antes experimentado. Mudan~a
que concorria positivamente para o fortalecimento dos sentimentos de
perten~a ao Império portugues. Foram, por exemplo, os vereadores do
Senado da Cámara do Rio de Janeiro que estiveram a frente da organi-
za~áo da coleta dos fundos necessários a realiza~áo de tais enredos ceri-
moniais, bem como encenaram - eles pró prios - a cerimónia de quebra
de escudos por ocasiáo da morte de D. Maria I, em 1816 (Gouvea, 2000d,
passim).
)\.... O complexo Atlántico aqui considerado havia sido, nesse momento,
como que transfigurado no próprio Império mais precisamente. Portu-
.....' gal continental continuava a ser, evidentemente, a referencia fundamental
tanto para o exercício da soberanía quanto da governabilidade portu-
guesa. Entretanto, o curso da história teimava em situar o Brasil e as
áreas associadas a ele em urna posi~áo deveras singular no contexto mais
amplo do Império ultramarino. Os desdobramentos desse contexto con-

3 15
3 14
ouARTA PARTE As conexóes imperiais
O Rio de J aneiro da virada do século XVIII para o XIX se apresenta como
a rinci al ra a mercantil do Arla · ul ou, para ser mais preciso, do
Império ultramarino portugues. Nao obstante, até 1808, Lisboa e o reino
continuavam sendo a capital e o centro político do lmpério . Além de sua
evidente centralidade política para o ultramar, Portugal permanecia como
importante m ercado. Afina!, para os seus porros convergiam as mercado-
rias do lmpé rio, que depois eram redistribuídas pela Europa. Da mesma
forma, nesta época, observou-se cerro crescimento manufatureiro me-
tropolita no, capitaneado pelos tecidos de algodao e linho. Entre 1797 e
1805, por exemplo, o texti l de algodáo era um dos produtos mais vali-
osos nas exporta<;óes lusas para as diferentes partes do Im pério (Alexan-
dre, 1993, p. 4 9).
As aparencias, entretanto, po dem enganar. O principal comprador das
exporta<;óes reináis era o Brasil, em especial o Rio, o que era possibilita-
do pelo exclusivo metropolitano. Como se sabe, esse protecionismo garan-
tia, nas 'colonias', um mercado privilegiado para os produtos portugueses
e para as reexporta<;óes européias intermediadas pelas pra<;as reináis (Ale-
xandre, 1993, cap. 1). A importancia das exporta<;óes - leia-se do exclu-
sivo metropolitano - para os tecidos portugueses po de ser inferida pelo
fato d e que mais da metade da produ~áo de chita e saias, ainda em 1815,
era comprada fora de Portugal (Pedreira, 1994, p. 293 ).
Além dos mercados protegidos pelo excl usivo comercial, o ultramar
fornecia também outra pe<;a fundamental para a economia m etropolitana
de finais do setecentos; isto é, a matéria-prima indispensável para o setor-
chave da sua 'primeira' fase da Revolu<;áo Industrial: os panos de algo-
dao, provenientes da Índia. De acordo com J orge Pedreira, em Portugal
se fazia a estamparia desscs panos (Pedreira, 1994, pp. 292-293).

3 2 1
Q AN I I \ J \ J "~--••••- ••- -
CAPÍTULO 10

tocentrado e, muito menos, em um forte grupo empresarial, digamos, 'ca-


Vejamos com mais calma estes dois fenómenos da passagem do século
XVIII para o XIX: o Rio de Janeiro como principal pra~a do Império e, pitalista'. .
Seja como for, o fim do pacto colonial para a soc1edade lusa represen-
ao mesmo tempo, o crescimento económico do reino.
tou náo somente a cri se de um possível - existissc ele ou náo - 'projcto
Como se sabe, a recente historiografia lusa tendc a sublinhar que Por-
modernizador' e de seus empresários, mas ta.mbém o definhamento de uma
tugal era um pouco mais do que um simples entreposto entre a Europa e
sociedade teimosa.mente dominada pelo ethos aristocrático. i
o ultra.mar, existindo, portanto, um grupo de empresários lusos que pro-
Em contrapartida, o mesmo náo ocorreu com os negociantes de gros-
duzia.m e exportava.m seus produtos para as colónias (Alexandre, 1993,
so trato do Rio de Janeiro. Estes, ainda que agindo dentro dos quadros
pp. 25-75; Pedreira, 1995). Esse processo é decorrente, em parte, das
políticas implementadas no p__eríodo do Marques de Pombal, que, entre do escravismo e do Antigo Regime, continuavam a dominar setores vitais
outras medidas, teria procuraddJ.ncentivar o comércio, a produ~áo agrí- da economía colonial e mesmo algumas rotas essenciais do antigo lmpé-
cola e manufatureira de Portuga)JPedreira, 1995). Mais do que isso, Pom- rio.J Mais do que isto, para a metrópole, mesmo depois de 1822, o Rio
bal teve a preocupa~áo de motivar o 'empresariado' luso, em particular permanecia como principal parceiro comercial, leía-se importa~or dos
por meio dos contratos de arremata~áo de impostas e da participa~áo nas produtos portugueses (Fragoso & Florentino, 2000). Po~ consegumte, s_e
pacto colonial náo conseguiu formar urna for~e comumdade _de negoci-
companhias de comércio (a exemplo das do Gráo-Pará e Maranháo e de
Perna.mbuco). 1 rO
antes em Lisboa, seja qual for sua natureza social, o mesmo nao ocorreu
A mesma historiografia lembra, entretanto, que, urna vez terminados no Rio de J aneiro.
os privilégios concedidos pelo pacto colonial, aquele cmpresariado ten- Estes fenómenos nos levam a repensar as mudan~as no Império luso
deria a perder espa~os no comércio imperial e o crescimento industrial ao longo do século XVIII e nas primeiras décadas do século seguinte.
luso perderia seu fólego. Valentim Alexandre assim descreve as conseqü- Algumas dessas questóes já foram trabal hadas neste livro, corno as trans-
encias desses acontecimentos: "Setor-chave da primeira fase da revolufiiO forma~óes da América portuguesa no século XVlll (cf. capítulos 2 e 3)
industrial, indústria nascente em Portugal, o téxti/ de algodiio foi atingido _ ou ainda ser áo estudadas nos dois capítulos a seguir. Na verdade, o
em cheio, mal sobrevivendo nas décadas seguintes [do tratado de 1810]. presente capítulo pretende servir de elo entre estas partes do livro. _De-
Com ele, é toda a industrializafiio do país que foi afetada (... ) acentua-se ter-me-ei apenas em escrever sobre o perfil económico da pra~a canoca
n tendencia a relegafiio de Portugal para urna situafiiO de simples fornece- em finais do setecentos; sobre algumas das rotas do Império luso, e ana-
dor de produtos primários." (Alexandre, 1993, p. 792.) li sarei, por último, um dos nervos centrais de tal Império, o cham~d?
Em outras palavras, aoque parece, as transforma~óes económicas ini- 'pacto colonial', coma inten~áo de aprcsentar resumidamente um rap1-
ciadas em meados do século XVIII - entre elas, o crescimento da impor- do painel das conexóes imperiais na passagem do século XVIII para o
tancia dos empresários lusos e o surto manufatureiro-industrial - náo XIX.
teria.m criado as condi~óes necessárias para mudan~as mais profundas das
estruturas sociais e económicas de Portugal. Dito de outra forma, aquelas
transforma~óes náo resultaria.m em um desenvolvimento industrial au-
?Sobre a ' natureza' da antiga sociedade portuguesa, ver : Godinho, 1975¡ Almeida, 1986, P~·
951-972. Para urna visiio geral do reino em me10 ao definhamenco e fim do cham.ado lmpéno
'Foge aos mteresses desee capítulo nma discuss:io ma1s dcralh,ada sobre a política pombalma e luso-brasileiro, ver Torga l, L.R. & Roque, J. L., 1993, vol. 5, 1993 .
sua conrinuidade ou nao depois de Pombal. A bibliografía sobre o assunro é vasta, ass,m como 1para domínio do Rio de Jane,ro sobre o tráfico depo1s de 1822, ver: Alexandre, 1991 , PP ·
O
as diferentes interpreta~óes sobre esses temas. Ver, entre ourros: Falcon, 1983; Macedo, 1985;
293-303; Alexandre & Días, 1998, pp. 27-34.
Pedreira, 1995; Maxwell, 1996.

323
3 2 2
TROPICO S A OI N AMILA IMcc n ,,.L rv~,w~w ••~
CAPÍTULO 10 O AN TIGO R EGI M E NOS

MERCADOS, FORTUNAS IMPERIAi$ E O PACTO COLONIAL escravis ta e produc;ó es d e alimento s - assentad as em múltipla s
formas de trabalho - na América portugu esa, pelas sociedad es afri-
Como foi visto nos capítulo s anterior es, há formas de acumul ac;áo que canas baseadas no tráfico de escravos , chegand o as seculare s p ro-
originár ias do Antigo Regime portug ues, existiam n as diferent es parte~ duc;óes texteis hindus com suas também antigas redes de comérci o.
Apesar de tais diferenc;as, o lmpério reiterad amente se fazia e refa-
do ultrama r. O sistem a de m erces e as possibili dades de enriquecimento
dele decorren tes conferia m cerro grau de 'ho mogene idade ' entre ár eas zia por m eio de rotas que ligavam estas táo di versas paragen s. Por
econó mi co-s~ciais táo diferent es co mo o reino, a América lusa, Ango la e seu turno, tal 'mercad o ultramar ino' - ou conjunto interliga do de
o Estado da India. Da mesm a forma, o Império era percorri do e ligado circuitos mercant is - náo era apenas mais um entre tantos outros
por negocian tes transoce anicos e suas rotas de com ércio . Ali ás, p or meio gerados pela expansá o marítim o-com er cial européia. Em realida-
destas rotas oceanica s se ma terializa va parte do s istema de merces no ul- de, aquele ' mercado ', por meio dos tratos de texteis indianos -
tramar. Para tanto, basta lembrar as ' liberdad es da Índia', que possibili ta- principa lmente ao longo do setecent os (cf. capítul o 11) - , tora cada
vam aos militare s e ad ministra d ores do Estado da Índia o direito d e vez mais vital para a produc;áo material das relac;óes soc1ais do Bra-
transpor tar gratuita mente mercado rias nas naus da Coroa (Thoma z, 1994, sil escr avista; portanto , para a própria existen cia d a econom ía
p. 431; cf. capítulo 1). Parte do com ércio entre a Bahia e o Índico era escravis ta n esta sociedad e. Assim como o tr áfico atlantico de almas
feito, na prática, por meio destas ' li berdade s'. Em outras palavras , velhas fora essencia l na r eproduc;áo e ampliac;áo das sociedad es e hierar-
práticas do Anrigo Regime po rtugues contribu íam , assim, para articular quías sociais angolan as (Fl orentino , 1997, pp. 82-100), da mesma
maneira, as importac;óes feiras pelos p orros brasileir os e o comér-
um Império com ercial e, em particul ar, um comérci o inrercol onial (Lapa,
1968, pp. 269 e 283). cio de cativos foram importa ntes para a m anutenc;áo da estrutur a
d a antiga sociedad c portugu esa (G odinh o, 1975 , pp. 71- 163;
Mas, voltando ao fi o da m eada, percebe- se de form a cada vez m ais
nítida que, por exemplo , o comércio de texte is indianos foi pec;a-cha ve Almeida , 1986, pp. 951 -972); e, ai nda, para as produc;ó es tcxtcis
no tráfi co a tlántico de escravos e no 'surto manufat ureiro ' portugu es da indianas e seu grupo mercanti l como elite regional (Subraha m anyam,
virada do século XVIII para o X IX, cujo mercado final era o Atlantic o
1995, pp. 258-266).
(Brasil e Angola, via tráfico). As práticas político- económ icas do Antigo
Regime luso, espraiadas pelo mare lusitano, combina das aq uela cadeia de Po r último, cab e sublinha r que parte dos produto s das várias rotas
negócio s - fenómen o que no momento me interessa mais de perro_ rransoce ánicas tinha por comprad or fin al os circuitos comerci ais internos
insinuam que o Impéri o luso era mais que urna simp les entidade político- da Améri ca portugu esa. Desde o século XVIII, pelo menos, muitas mer-
adminis trativa com sed e em Lisboa, sendo, em realidad e, um espa~o eco- cadorias asiáticas, africana s e portugu esas tinham como comprad ores nao
nómico com alto grau de refiname nto. Espac;o que, entendid o como urna a p/antation do litor al, mas os produto res de alimento s luso-am ericanos
intricada rede de negócios em que a política estava mais que presente , teria distante s léguas do ocean o (como Minas Gerais) ou distante s dos princ1-
suas caracter ísticas e persona gens; q uais sejam: pais porros (com o o Rio G rande do Sul). Por consegu inte, além das liga-
c;óes já apontad as, existiam aquelas do Atlantic o (tanto do Norte como
• A existenc ia de um mercado imperial. Mercado com certeza com- do Su!) e do Índico com as produc;óes interi oranas e seus r espectiv os mer-
plexo, já que era capaz d e se r palco de n egócios r esultantes de di- cados na América. Sendo que as intermed iac;óes entre aquelas rotas marí-
fer entes estrutur as sociais e econó micas, que iam da socied ade timas e estes m ercados consumi dores do interior eram feitas, por exemplo ,
aristocr ático-campo nesa de Portuga l, passand o pela plantati on pelos portos de Salvado r e do Rio de Janeiro.

3 2 5
3 24
O ANTIGO REGIME NOS TRÓPICOS A OINAMICA IMPERIAL PORTUGUE SA

Em suma, o que chamei de mercado imperial ultramari no cumpriu um


sa~óes com Angola, Guiné, Brasil e Ásia; estava envolvido com os "panos
papel-chave - em diferentes graus e, pelo menos, durante certo tempo
da Índia" e o tráfico de escravos (Mauro, 1984, p. 130).
- para a reprodu~ ao estrutural das diferentes sociedade s e economia s
Alguns desses comerciantes, como era de se esperar, também exerciam
presentes no interior do vasto lmpério lusitano.
postos na administra~ao. Joáo Rodríguez Coutinho , na virada do século
XVI para o XVII, fora asientista para o fornecim cnto de escravos a Amé-
• Por certo essas rotas ultramari nas criaram, além dos ofü:iais agraci-
rica espanhola, deteve o contrato de Angola - arremata~ áo de impostos
ados com merccs do tipo ' libcrdades dP Índia', os seus próprios sobre o tráfico de escravos e marfim - e, entre 1602 e 1603, fora gover-
personage ns, no caso, os negociantes com grande cabedal e capa- nador da mesma regiao (Alencastro, 1994, pp. 30-31). Algo nao muito
zes de estabelecer redes de contato - leia-se sócios, parceiros cir-
diferente ocorreu com Antonio Teles da Silva, capitáo-m or das naus da
cunstanciais, caixeiros etc. - nas diferentes partes do ultramar. Por
Índia e governad or do Brasil entre 1534-1535 e na década de 1640. Por
conseguin te, o lmpério luso seria também o espa~o para a existen- intermédi o do primeiro posto, Teles da Silva interferiu no comércio de
cia de um grupo especial de 'empresár ios', cujos empreend imentos
tecidos e especiarias. Já na América, negociou com a~úcar e couros, além
e fortunas se fizeram literalmente nos vários mares onde os portu- de atuar nas importa~óes de tcxteis (Rau, 1984, pp. 29-33).
gueses, em diferentes graus, estavam presentes.
Talvez mais interessan te que a existencia desses negocian tes, cujos
negócios reiterava m a existencia de um lmpério comercia l, seja a for-
Vejamos mais o Império sob essa ótica e, para tanto, comecem os pelos ma~áo de urna fortuna imobiliár ia também ultramari na. Salvador Cor-
seus personagens.
reia de Sá e Benevides, governad or do Rio de Janeiro e de Angola em
Os comercia ntes imperiais, obviamente, foram produto do início da
distintos momento s do século XVII, possuía engenhos de a~úcar na
expansao ultramari na. Portanto, os primeiros eram do reino e alguns de Guanabar a, além de proprieda des em Luanda e terras em Tucumán ; es-
outras partes da Europa. O florentino Bartolom eu Marchion e, com ne- tas últimas amealhad as por casament o durante a Uniao Ibérica (AHU,
gócios cm Portugal desde o reinado de D. joáo 11 (1481-1495), estava Angola, av., ex. 12, doc. 29; Boxer 1973, p. 111). Quanto a Duarte
envolvido no comércio de escravos da Guiné e, durante o período de D. Teixeira Chaves, governad or do Rio entre 1682 e 1686, em seu testa-
Manuel (1495-1521), aparecia no comércio da Índia (Godinho , 1987, pp. mento feito em Portugal constava um morgado no reino, um engenho
191 e 196). 4 Na passagem do século XV para o XVI, ternos exemplos de no Río e negócios de família na Índia (ANTT, Registros Gerais de Testa-
grandes negociantes portugueses, como Fernáo de Loronha (ou Noronha) mentos, Liv. 103, n. 41, pp. 50-54). Por meio desses exemplos temos
que, cm 1502, era um dos arrendatá rios do comércio como Brasil - in- nao somente a confirma~áo da existenci a de negócios ultramari nos -
clusive do pau-brasil - e, no mesmo ano, juntamen te com Marchioc he, por defini~áo fugidios, já que náo criam a riqueza material, só a trans-
contratava o arrendam ento do "rio dos Escravos", próximo ao castelo de portam - , mas de fortunas definitivamente com 'raízcs' no lmpério. lsto
Sao Jorge da Mina (Godinho , 1987, p. 211 ). Um ano antes já possuía
é, fortunas de fato imperiais.
embarca~óes nas armadas da Índia (Albuquerque, 1994, vol. II, pp. 625- Com O passar do tempo, parte desta realidade come~aria a mudar;
627). Para o século XVII, Frédéric Mauro, baseado em inventário s feitos principalmente após a viragem estrutural do lmpério (cf. capítulo 1), c~m
pela lnquisi~ao, apresenta André Gon~alves, nascido em Porto Alegre e a contínua reitera~áo das rotas ultramari nas e a consolida~ao económic a
domicilia do em Lisboa. Entre 1636 e 1640, este negociant e possuía tran- e social das conquistas portuguesas. Como resultado de tais fenómeno s
teríamos a forma~áo de comunida des de mercador es residente s nas dife-
1 •ver .und.t Alme,d.t, 1993, pp. 45-65 rentes partes do ultramar, e com isto teríamos o controle cada vez maior

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CAPITULO 10 O ANT IG O RE GI ME N OS TRÓPI C OS A DI NÁMI C A IMPERIAL PORTUGUESA

das rotas imperiais, náo mais pelos reinóis5, mas sim e crescentemente pelos Por seu turno, falar de comunidades comercia.is cujas negócios atra-
comerciantes de grosso trato ultramarinos, ou seja, de Angola, da Améri- vessavam o lmpério é falar, mais urna vez, de outro fenómeno do Antigo
ca lusa e do Estado da Índia. Regime portugues: as redes de reciprocidade e a formar.;áo de clientelas
No O riente, como se sabe, a presenr.;a .de fortes comunidades de co- que cruzaram e uniram as di ferentes searas d o mar lusitano.6 Era extre-
merciantes residentes era anterior a chegada de Vasco da Gama. Em ou- mamente difícil para uma ' casa' comercial setecentista manter urna rede
tras palavras, tais comunidades havia muito tempo tinham um perfil de comércio que envolvesse distantes regióes e diferentes produtos- como
cosmopolita e, portanto, eram hábeis nos tratos de lo nga distancia e no era o caso do tráfico arlantico de escrav os - sem o recurso a relar.;óes de
uso do crédito (Subrahmanyam, 1995, pp. 13-41; Thomaz, 1994, pp. 513- reciprocidade, relar.;óes que podiam, inclusive, chegar a casa.mentas entre
534). Ainda em finais do século XVII, na Índia lusa existiam casas comer- famílias de sócios. As famílias Velho, Carneiro Leáo e Pereira de Almeida
cia.is como a dos irmáos Mahamai Kamat, negociantes de tecidos e de - residentes no Rio de Janeiro, majoritárias no comércio de africanos e
o utros produtos, cujo raio de ar.;áo chegava a Portugal, Brasil e China; além nas exportar.;óes para Portugal em princípios do oitocentos - mantinham
de terem um papel de destaque no comércio regional com negócios em irmáos, primos e/ou genros em Lisboa e em outras cidades do além-mar
diversos partos hindus, Su) da Arábia e Mor.;ambique. A estes 'co mercian- (Osóri o, 1999). Ao mesmo tempo, o lmpério aparece como espac;o d e
tes r'esidentes' se juntariam outros comporte semelhante; porém, resu lta- circulac;áo de famíli as empresaria.is, a exemplo da experiencia dos Lou-
do da presenr.;a dos reinóis emigrados (cf. capítulo 12). reiro, portugueses com estadas e negócios no Brasil e na Índia (cf. capí-
Quanto a África Ocidental portuguesa, o trato de escravos náo fara tulo 12).
urna invenr.;áo dos conquistadores portugueses; ele era pretérito a sua Por outro lado, o curioso é q ue rais rclar.;óes, ao tecerem as intrincadas
chegada (Florentino, 1997, pp. 83-103 ). Da mesma maneira, em partos redes que integravam e constituíam o Império, criavam no mesmo moví-
como Luanda, em especial do seiscentos e setecentos, se forma.ria urna forre mento as condic;óes para a transformar.;áo de algumas d aquelas famílias
comunidade de negociantes luso-angolanos voltados para o tráfico (Miller, em representantes da elite económica em suas regióes. Para esses fenóme-
1988; cf. capítulo 11). nos o pacto colo nial teve um papel decisivo.
Na América e, em particular, no Río, as coisas foram um pouco dife-
rentes. A chegada da esquadra de Cabra! náo representou, da noite para o
..
día, a formar.;áo de um forte grupo ou comunidade de negociantes. Estes
seriam o resultado de urna sociedade colonial (cf. capítulos 1 e 2). Volta- Apesar das idas e vindas da política comercial de Lisboa e do sempre
rei a isto mais adiante. presente contrabando, o fato é que, até a abertura dos portas em 1808 as
nac;óes amigas e os tratados subseqüentes, Lisboa procurou ma o
monopólio d o comércio de suas colonias. Assim senda, pelo menos em
1Ontro elemento que ,1jnda a entender as m11d,1n\,1s ,1 seguir aprcsenrad,1s d iz respeito a pró-
~os de princípios, a Coroa tentou criar urna espécie de guarda-chuva
pna nat11reu1 M1stocnínca da soc1edade lusa, que criava obstáculos de fato para a forma\ao de
um poderoso g rupo de empres;l rios. como aureno rmen te foi visto. Por o utro lado, é ce rco que protegendo o ultramar da concorrencia estrangeira. O comércio do Im-
a política pombalina den mais fó lcgo a comerciantes lisboetas que continnaram ,1 comercia r e pério, portanto, em tese, pcrtenci a a seus súditos.
a arrematar unposcos reais cm diferentes po ntos de ambos os lados d o Atlanrico Sul, envol-
Mais do que isso, Lisboa procurou assegurar para os reinóis os privi-
vendo-se em a rividades q ue 1am do trato de cativos da Cosca da Mina , passando pe l,1 dízima
da alfiindeg,1 de Pern am buco, aos 'direitos' de escr,1vos e marfim de Angola (Pedre1ra, 1995,
pp.155-190; Fragoso, 2000a , pp. 3 1-32). Sobre a política pomba lina, específicamente em
rela~ao ,10 grnpo de comcrc1anccs re1n61s e ,) 'com11111d,1de' po r eles form,1da, assuntos que 6P,1ra estas redes de co merciantes/sócios antes do século XVlll, ver, entre a ntros, Godinho,
nao ser.io ,1q111 cr,1udos, ver Pedreir,1, 1995 1987, pp. 197-244.

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\,.l•\tºIIULU lU
O ANTIGO REGIME NOS TROPICOS A DINÁMICA IMPERIAL PORTUGUE S A

Em um texto hojc clássico, publi cado em 1984, Dauril Alden se utili- especialmente em benesses herdadas do vclho ~istema ~e ~-crees, o~ da-
za da no~áo "colonial tardio" para dar con ta das últimas décadas da eco- das pelo Senado da Cámara. Por último, a partir de pnnc1p1os do seculo
nomia e sociedade coloniais sobo efetivo domínio portugu es- período XVIII, a velha 'nobreza da terra' descende nte dos conquista dores do sé-
0
1750-180 8 (Alden, 1990, pp. 306-358). 9 A etapa tardia se ini ciaría com culo XVI e suas práticas de enriquecimento come~ara m a ceder espa~o
0
boom do o uro (seu ponto mais alto), seria seguida pelo declínio da pro- para outras formas de acumula~áo e grupos sociais ~ ais ~arcadam ~nte
du~áo aurífera e, depois, pelo retorno em grande estilo da forma tradici- mercantis. Isto náo significa dizer que o Rio de Jane1ro de1xou de v1ver
o nal da riqueza colonial - a agricultur a de exporta~áo. Este renascimento um ambiente do Antigo Regime, em que a política era fundamen tal para
o u ressurgim ento agrícola, como preferem auto res como Stuart Schwartz a inser~áo no mercado; afina!, o próprio mercado náo passara a ser auto-
(Schwarrz, 1988, pp. 342-344), seria marcado nao apenas pela recupera- regulado - isto é, gerido principalm ente por rela~óes impessoais e pelos
~áo da produ~áo de produtos como o a\;úcar e o tabaco, mas rambém pelo pre~os da oferta e procura. Definitivamente, náo se trata dis~o. Tra~a-se,
crescirnen to de novas culturas de exporta~ao (como o algodáo e anil). sim, de perceber o aumento da complexidade que a econom1a do R10 de
O
Al ém disso, tais movimen tos seriam acompanhados por mudan~as políti- Janeiro assume como decorrer do setecentos. Ela passa, lentame~ te, a ser
cas e sociais, como as reformas pombalinas. O término do período ocor- ponto de encontro de diferentes rotas de comércio interno - le1a-~e dos
reria a partir da chegada da Corte portuguesa ao Brasil e, pois, com fim diversos mercados regionais internos e das acumula~óes deles derivadas
O
do pacto colonial e a emergencia de um novo estatuto político para Brasil - , um porto fundamental para o comércio externo e, em particular, um
O
ainda nos quadros do lmpério lusitano (Alden, 1990). entrepost o na redistribui~áo colonial de produtos vindos do reino e de
Em nosso caso, a no~ao é empregad a de um modo algo diferente . Tem outras partes do Império luso. Por conseguin te, o Rio transform ava-se cm
como pano de fund o a experiencia económica e social do Rio de J aneiro urna porta para os mercados consumid ores da América portugue sa dos
e do Centro-S u) brasileiros entre o seiscentos e as primeiras décadas do produtos vindos dos diferentes quadrante s domare lusitano.
século seguinte - temas vistos na primeira parte do livro. Entendo por Evidentem ente tais mudan~as náo ocorrerarn do dia para noite. Elas
"colonial tardía" urna época marcada náo tanto por urna recupera~áo se estendera m por décadas do setecentos. Na verdade, o processo de con-
económic a, mas pri ncipalme nte um período de consolida~áo de novas solida áo da economia colonial tardieftó ocorreu, mais claramen te, em
formas de acumula~áo económica do Centro-Su ) escravista . Formas estas finais do século XVIII ou, mais nitidamen te, a partir de 1790; e, prova-
coincidentes como domínio do capital mercantil e, pois, com a hegemoní a velmente , perdurou até a década de 1830. Somente pesquisas futuras
de urna nov a elite económica. A elite, nesse caso, seria constituíd a pela
poderáo esclarecer este último ponto.
comunid ade de comercia ntes de grosso trato residente na pra~a mercantil No período considerado, cerca de apenas 15 famílias de negociant es
do Rio de J aneiro (Fragoso, 2000a, pp. 9-36).
"cariocas" detinham 27% do tráfico atlantico de escravos (1811-30 ), 29%,
Entre finai s do seiscentos e ao longo do século seguinte, continuavam do transporte de mercador ias da cidade para Portugal (década de 1820) e
a prevalecer a escravidáo, produ~óes voltadas para o mercado externo e 26% do comércio do Rio com Goa. Na esfera do com ércio colonial inter-
urna hierarquí a excludent e. Contudo, neste mesmo período, alg umas coi- no, cinco a nove daquelas famílias controlav am o abastecim ento de 19%
sas mudaram , entre elas aplantation da G uanabara perdeu for~a, da mes- (1802-18 22) do charque e de 31 % do trigo para o Rio (Fragoso, 1998, p.
ma maneira que as fo rmas de acumula~áo deixaram de se sustentar
320).
Na América lusa, alguns daqueles comerciantes surgiam também como
'A nofao d e 'colonial rard10' Jparece em Schwu1z, 1975, pp. 133-154 e, anees d esc.1 daca, a arrematan tes de impostas, a exemplo dos Gomes Barroso e dos Pereira de
de ' renasc1men10 da agricul111ra' em Prado Junio r, 1978, pp. 79- 93 (l." edi~ao cm 1945). Almeida. Essas famílias, durante vários anos, na passagem do século XVIII

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3 33
CAPÍTULO 10 O AN TIGO R E GIME N OS TRÓPICOS A DINÁMICA IMPERIAL PORTUGUESA

para o XIX, possuíram os contratos do Ria Grande do Su! (charque e cipal porto importador e exportador do Brasil colonial entre 1796 e 18 11,
cauro), combinando esta atividade com aquilo que sabiam fazer de me- era provavelmente a principal área reexportado ra dos manufaturados
lhor, o u seja, contro lar o mercado. Aliás, o Ria Grande do Sul tinha como reiné is, dos escravos angolanos e dos texteis indianos. 10
principal parceiro o Ria de J aneiro (Osório, 1999). O Ria de J aneiro, na verdade, como simples pra<;a importado ra e ex-
Na verdade, para esses grandes negociantes eram frágeis as fro ntei- portadora em m eio ao Império, difícilmente conseguiria sobreviver po r
ras entre o comércio feito no interio r da Améri ca portuguesa daquele muito tempo. Isto, por urna boa razáo. As suas cantas eram defi citárias;
realizado fara dela. Os mesmos Pereira de Al!lleida e C o mes Bar rozo ou seja, considerando apenas aquetas duas atividades, seu saldo comer cial
também faziam parte do seleto gru po de empresários que controlava, era simplesmente negativo.
por exemplo, o tráfi co atl ánti co de escravos. Da mesma forma que Joáo Caso tomemos as balan<;as d o comércio externo de 1796 a 1807 do
C omes Valle, atuavam simultaneamente e de maneira majoritária em porto carioca, como exemplo, percebe-se que ele vendeu para o ultramar
diferentes frentes: Angola, Goa, Po rtugal, Rio de J aneiro etc. Além dis- e reino 32:726:960$555 e comprou dos mesm os 43:904: 899$35 6. 11
so, eram eles que dominavam o crédito regional, possuíam companhias Portanto, urna simples canta de subtra<;áo indica que o Ria, nos últimos
de seguro etc. Alguns tinham ainda grandes plantations de a<;úcar, com 12 anos antes da "abertura dos pa rtos as na<;óes amigas", apresentava um
mais de duzentos cativos, como os Carneiro Leáo e os Velho. Em outras déficit de 11 :177:938$801, equivalente a 34,5% das suas vendas. Portanto,
palavras, eles eram com erciantes de grosso trato com base nas rotas do as vendas de a<;úcar, cauros e outros produtos náo conseguiram pagar cerca
Império luso, no mercado colo ni al interno e alguns co m posses no ag ro. de 1/4 das importa<;óes. Deve-se sublinhar que tal déficit náo foi o resul-
Na verdade, era o fato de eles estar em simultaneamente em diferentes tado de um ou outro péssimo ano em meio a um período de 12 anos. Na
seto res do mercado que os transformava em negociantes de g rosso trato verdade, em todos os anos entre 1796 e 1807 nota-se um saldo negativo.
(Fragoso, 1998 ). Em alguns anos, o a<;úcar, o algodáo e o cauro, entre outros tradicionais
As rela<;óes dessa poderosa comunidade carioca com as o utras pra~as produtos exportados, náo chegaram a pagar nem a metade do que se im-
do Império variavam de área para área. No caso de Angola, ao que parece portava via Portugal. Pia r do que isto, em tais balan<;as náo estavam com-
os negociantes do Ria dominavam o comércio de escravos, entre o utras putadas as compras de escravos na África. 12 Portanto, caso incluísse o
coisas, por meio do crédito (cf. Florentino, 1997, pp. 111 -136; cf. capítulo tráfico atlántico de cativos, aquele défi cit geral chegaria a níveis es-
11). J á o mesm o náo ocorria com Goa. Os grandes negociantes da Índi a tratosféri cos. Em suma, trata-se de urna economia de__e,xQo ta<;áo 'l_Ee era
controlavam a produ<;áo e o sistema de crédito dos panos da regiáo, o que incapaz de _pagar as pró.12.rias con tas (Fragoso & Florentino, 2000).
lhes permitía urna rela<;áo entre iguais para com os seus homólogos do Rio
(cf. capítulo 12). Q uanto ao reino, basta lembrar o que foi dita acima. 1oA expre,s,io "prov,1vclme11re"' ,e 111st1f1ca, curre ourras co1sas, pelo faro de que, en tre 1796 e
Por seu turno, o perfil diversificado das atividades dos negociantes de 18 11 , segundo as bala n<;,1s comercia ,s do re ,no, a Bah ia co n r111uava a ser o p rincipal impo rta-
d o r d e "produros d a Ás1a", co m mais de 5.720 conros, sendo seguida de perro pelo Rio, com
grosso trato do Rio apresenta um dos tra<;os fundam entais do funcionamento 5 .387 con ros, isro sem co ntabilizar as remessas de o uro e prara para saldar d ébitos (Arruda,
económico do Império luso da época. Em outras palavras, nas primeiras 1984, pp. 175 e 200). Conntdo, como foi lemb rado, o rrHico d e escravos n,io fora contabilizado,
décadas do oitocentos eram tenues as linhas divisórias entre os circuitos e na mesma época o porro carioca era o princip,tl comprador de africanos, e isro era íeiro,
princip,tlmenre, por panos da India (Florentino, 1997, p . 65; cf. San ros, 1993, p. 156).
comerciais internos da América lusa e os das demais partes do ultramar. O 11A merodologia adorada nesrcs c.ilculos da balan<;a de comércio 1796-1807 foi a proposra
Ria, como a economia colonial luso-brasileira, dependia do ultramar para por Alcx,1ndre, 1993, pp. 44-75.
existir; e, dentro de cerros limites, é cl aro, o inverso era também verdadei- •lNas b,tlan~as do R 10 com Angol,1 p,1ra o, anos de 1803 e 1804, ua, q11.-11> e>r,tV.i 111cln ído o
tráfico d e canvos, o saldo negativo para os canOC.is era d,1 ordem de 77% (1803) e 61% em
ro. Para esta última observa<;áo basta lembrar q ue o Ria , além de ser o prin- 1804 (Fragoso & Florcnnno, 2000).

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O A N 1 1u u " e u , nn c. 1• v .1 , ...... , • _ _ .. , • _

CAPÍT ULO 10

criad ores de par-


sa de met a1·s e ta~áo - tinham como mercado as comp ras feitas pelos
Na verdade, tais con tas só eram pagas media nte a remes e "emp resári os"
. ¡ · e
d 1111e1ro amoedado (Alex andre 1993 , pp • 64-65 . o ns1 eran d o essas
) ·d cos mine iros, pelos milhares de lavrad ores de mand ioca
, o abast ecimento
ter ~m q~adr o bem distin to daque le até aqui apre- do charq ue gaúch o; ou seja, produ tores volta dos para
remessas, co~ e~am os a is algum as infor-
32 ·¡ intern o da América lusa. Neste mom ento, nao sáo dema
sentado. Isto e, as expor ta~oes de1xam de ser. de apenas 011 canto s para porta s portu-
ma!Jóes empí ricas: entre 1796 e 1810 , os dois principais
se torn~ ~~ 48:35 4:216 $064 e, por conseguint e, a balan ~a come rcial passa
seus produ tos no
de defi c1tan aasu perav itária em4··449·3 8 e b ·
16$70 • a en a pergu ntar quem gueses tinha m como principal pra~a importado ra de
. · para 1781 a 181O,
,
<lev e-se conside- ultram ar o Rio de Janei ro (Alexru1dre, 1993 , pp. 32-69 );
e que pagava trus con tas. Para respo nder a esta pergu nta de Ango la, fo-
os criad ores de as aporta~óes de ,300 mi escrav os no Rio, principalm ente
rar que, ao lado dos senho res das plant ation s, existiam o das Amér icas
os produ tores de ram as maio res regist radas em q ualqu er porto isolad
porco_s, as charq ueadas, as fazen das de pecuária bovin a, ras cario cas re-
intern o, disse- (Florentino, 1997, pp. 55-68 ); de 18 16 a 18 19, as comp
m~nd1oca, entr~ o utros ~rodu to res para o abastecime nto (cf. capítulo 12).
etc. Isto é, urna prese ntaram de 60 a 79% das vendas feítas por Goa
mma_d~s por Mmas Gerais, Sáo Paulo, Rio Grande do Sul ado urna outra
merc adori as para Porta nto, o Império lusitano tinha como principal merc
mult1dao de prod utores que, apesa r de náo vende rem os de comér-
ravam fazendas conqu ista o u, o que é o mesm o, seus diver sos circu itos intern
os por~_os europ e~s, produ ziam riquezas e com elas comp
que adquiriam es- cio da América lusa.
europ e1as, da Ind1~, escra~os africanos etc. As pessoas da América
vendendo fubá o u Por seu turno , cabe sublin har que esse papel de urna pra!ra
ses ~rodu tos e cativos, evide ntem ente, náo o faziam do Impé rio e,
· · portu guesa servi r de ponto de encon tro de diferentes rotas
toucmho, através de. Lisboa, para Lond res o u Hamb urgo , mas s1m por me10 regio nais da mes-
o daqu ele fub a- o u mu 1as nos simultaneamente, ser redist ribuid ora para os mercados
de, moed as conseguidas antes com a ali enará oitocentist a. Em
ma conquista parece náo ser urrra particularid ade do Rio
:r

oso & Flo rentin o,
varios mercados regionais da América portuguesa (Frag Amara! Lapa cha-
acion ais" da coló- um traba lho pio neiro e clássico, publi cado em 1968 ,
2?00 ). Portanto, se traba lhamo s com as "cantas intern Bahía. Esta pra!ra,
ela era mais que urna plant ation expo rtado ra, . mava a aten!rá0 para o papel exercido por Salvador, da
111 a, percebe-se q ue e era ao comércio atlán-
· lh . . desde o século XVII, estava ligada a Carreira da Índia e
1sto q ue e perm1 tia pagar suas "<lívidas ex terna s". sécul o X VIII, que
er melh o r a tico de escravos. Além disso, o autor sublin ha, para o
O ~ue acabarnos de ver, por sua vez, permi te comp reend Índia poderia ser
s brasil eiros do dificilmen te o grand e volum e de mercadori as vinda s da
c?mu111dad e de mercadores prese nte nos grand es porta ortad o" para
rta~óes da agro- consu mido na própria Bahia, sendo prova velme nte " reexp
01tocent~s. Eles náo só viviam das expo rta~óes e impo
éias e de escra- outras parag ens (Lapa, 1968 , pp. 274-2 79).
expo rta~ao, ma~ tamb ém das revendas de fazendas europ náo tenham
dome'st· E Tal vez os negócios baiai1os de impo rta!ráo e redist ribui!ráo
vos para as reg1ó es dos produ tores ligados ao merc ado do sé-

-
m eados
tido a mesm a mo nta dos negócios cariocas. Afina l, desde
ICO. ,
d d d d ·- aufer ir g rande s lucro s para
epen_ en o a regiao, esta reven da podía 0 mais volum osa,
vos angol anos fe íta pelo trafi cante culo XVIII ou mesm o antes, o Río tinha urna alfand ega
'.~eg~cia~ te. A ~eexp orta~ áo de escra , 2000 a, pp. 23 e
1
va, em 18 10, era o principal abastecedo r das Minas Gerais (Fragoso,
car1oca ao R10 Gran de do Sul, por exem plo, repre senta africanos da colo-
a (Fra oso & 25) e, desde 1750 , já consistía no maio r comp rador de
um ganho bruto de 100% sobre os custos pagos na Áfric . Importa sim
Florentin o, 2000).
g nia. Porém , essc tipo de compara!ráo é o meno s impo rtante
ar - e mesm o
tribuidora tam- ~ statar que aquel e cruzamento entre as rotas do ultram
, Ao mesm o temp o, a natur eza do Rio como pra~a redis urna histó ria q ue
a América lusa e do reino - com os circu itos intern os ameri canos tem
bem esclarece melh or as rela\,'.óes por ela mediadas entre e do lmpé rio luso.
, os escravos afri- coincide e se multi plica com a própr ia história colo nial
o restan te do Impé rio. Os produ tos das fábricas do reino do sécul o XIX,
is ligados a expo r- Entre pelo menos mead os do século XVII e princ ípios
canos e os panos india nos - além dos segmentos socia
33 7
33 6
CAPITU LO 10

apesar de todas as diferen ~as econó micas e sociais eviden tes entre
o Esta-
do da Índia, Angola, Améri ca e Portug al, o Impéri o portug ues fo
i capaz
de cri ar mais do que um simples conjun to de rotas com erciais
trans-
oceani cas. Nele se perceb e a existencia de circuitos que, em diferen
tes
graus, garant iram a reprod u~ao de sctores pro<lutivos, grupos sociais
e
mesmo de estrutu ras económicas daquelas socied ades tao difere ntes.
En-
fim, o Impéri o era mais que urna colcha de rctalho s comer ciais.
Mas deixem os para os capítu los a seguir um mai or detalh amento des-
ses negócios intra-u ltrama rinos e, da mesma forma, as diferen ~as Dinfunica do comércio intracolonial:
dos pa- CAPITULO 11
dróes comer ciais entre o Rio e as demais partes do Impéri o.
Geribitas, panos asiáticos e guer ra no
tráfico angolano de escravos
(século XVIII)
Roquinaldo Ferreira

3 38
INTRODU<;AO

A importancia de Angola como fornecedora de máo-de-obra escrava para


o Brasil ficou patente após Luanda ter sido reconquistada aos holandeses
por urna esquadra financiada e saída do Rio de Janeiro, em 1648. Náo
<levemos supor, contudo, que a oferta angolana de cativos fosse automá-
tica. Por trás do fluxo constante de homens e mulheres despejados nos
partos brasileiros, estavam interesses locais satisfeitos por um número
bastante limitado de mercadorias valorizadas aos olhos dos captores lo-
cais. E mesmo a satisfa~áo desses interesses náo era óbvia. No início, fo-
ram necessários tempo e resolu~áo de conflitos até o alcance de urna
convergencia de interesses. Só entáo foram montadas as eficientes redes
de captura e transporte que anualmente despejaram milhares de cativos
nos portos do Brasil.
A conjuntura mais geral do Império portugues na passagem da pri-
meira para a segunda metade do século XVII foi um fator determinante.
Em Angola, a natureza militar da presen~a portuguesa e o recurso freqüente
a violencia foram estimulados pelos conflitos entre portugueses e holan-
deses no Atlantico. Fortaleceu-se, assim, a tendencia de conquista, em
detrimento de coloniza~áo. Essa dina.mica esteve na raiz dos exagerados
poderes concedidos aos governadores de Angola. Tirando vantagem do
cargo, e sempre escoltados por numerosos contingentes militares vindos
do Brasil e de Portugal, estes tratavam de defender seus negócios particu-
lares táo logo pisavam em solo africano. No plano militar, seu principal
alvo eram popula~óes das áreas vizinhas da conquista - origem dos es-
cravos que os próprios governadores exportavam para o Brasil pelo por-
to de Luanda.

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CAPÍTULO 11 O ANTIGO REGIME NOS TROPICOS A DINÁM I CA IMPERIAL PORTUGUESA

ca por escravos nos sertóes (interior) de Angola, o fato de Salvador ter expedi<;óes do tráfico parecerem menos difíceis e atraía mais investido-
sido um centro de distribui<;áo de fazendas asiáticas no Atlantico susten- res (AHU, cód. 554, fls. 151v-152v.).5
tou a posi<;áo da Babia no tráfico angolano até meados do século XVIII. Na segunda mctade do século, o tráfico aµgolano era parte integrante
No geral, contudo, houve forte tendencia para a forma<;áo de um eixo de um sistema mercantil cujo centro estava no centro-su) do Brasil (Fragoso
Río de Janeiro-Angola. Disputando o controle do tráfico com aqueles q ue & Florentino, 2000). Entre 1736 e 1770, comparando com Lisboa, as tres
vinham de Lisboa, os negociantes provenientes do Brasil eram menciona- pra~as mcrcantis brasileiras que negociavam com Luanda-Salvador, Reci-
dos como brasileiros, americanos ou brasilences.3 Tinham interesses dis- fe e Río de Janeiro - usufruíam larga vantagem no comércio direto com
tintos dos reinóis e se valiam de casamentos e la<;os de parentesco para Angola. Seus navíos respondiam por cerca de 85% de toda a movimcnta-
criar alian<;as com os grupos crioulos de Luanda. Assim, obtinham acesso <;áo do porto da ciclad.e, enguanto apenas 15% vinham de Portugal. Es-
aos mercados de escravos nos sertóes angolanos e condi<;óes privilegiadas crevendo na segunda metade do século XVIII, Elias Alexandre da Silva
no abastecimento dos navíos negreiros em Luan da. 4 Correa dizia que os poucos navíos portugueses que apareciam no porto
No início do século XVIII, quando os níveis de mercantiliza<;áo ain- de Luanda para carregar escravos "eram contrabandistas do interesses
da eram baixos, os negociantes do Brasil tiveram de desenvolver técni- brasílicos, e por conseguinte nocivos a conquista" (Correa, 1937, vol. 1,
cas alternativas para baratear os custos e investir em Angola. Nao usavam pp. 48-49). Do Brasil, vinham nao só generas para o comércio dos ser-
grandes embarca<;óes e preferiam navegar para o outro lado do Atlanti- tóes - álcool, fazendas asiáticas, pólvora e armamentos-, mas também
co em navios pequenos - as sumacas. As vantagens no custo de "arma- soldados e cavalos para proteger e expandir o controle portugues sobre
<;ao" e níveis de seguran<;a tornaram estas embarca<;óes talvez tao Angola.
importantes para seus negócios quanto as mercadorias que usavam para A chave do sucesso brasileiro estava nas mercadorias que financiavam
financiar seus investimentos- os produtos "da terra". Ao contrário dos seus investimentos. Se no período formativo centraram suas estratégias
grandes galeóes portugueses, as sumacas exigiam menos tripulantes - em mercadorias com baixo custo de produ\;áO, mais tarde financiaram suas
o que diminuía os custos e servia de paliativo para a escassez de mao-de- atividades comas fazendas asiáticas que tinham mais valor que o produto
obra da época. O tamanho também contribuía para faze-las navegar rá- fundamental nos seus negócios nos sertóes angolanos, as cacha~as brasi-
pido e nao tardar em trazer retorno para os investimentos. Levando em leiras (geribitas). Na época, boa parte das rotas mercantis do lmpério eram
contaos cada vez mais freqüentes casos de pirataria no Atlántico, a agi- controladas a partir de áreas supostamente "periféricas" - em primeiro
lidade do navío podia literalmente salvar os investimentos. Até mesmo lugar Bahia e, fundamentalmente, Río de Janeiro. Tal controle se clava
sua pequena capacidade de carga era conveniente - porque fazia as principalmente pela expedi<;ao de navíos e pelo financiamento das ativi-
dades do "mercado imperial ultramarino" (cf. cap. 10). Sobo comando
dos negociantes do Brasil, o comércio de panos asiáticos interligou dife-
JQfício do govcrnador de Ang_o la, Mossamedes, em 28 de outubro de 1785 (AHU, Angol,,,
rentes áreas do lmpério portugues - Brasil, África e Ásia - , colocando-
:v., ex. 70_). Para o termo bms,/ence, ver o relato de Correa, 1937, vol. 1, p. 50.
A d1~t111<,:ao entre br,mle1ros e rc111ó1s Aílorou later,tlmente AOS g ritos em LiundA durAn te .,~ as em rota de colisáo com os administradores lisboetas. Em 1772, a
resm~óes l 1mporta\:ao de pólvora e armas de fogo em 1779 - medida que ferra os iutercsses inversáo de papéis era tal que levou os administradores portugueses a di-
dos negociantes do Rio de Janeiro e Bahia. Burlando a proibi~iio, estes escondiam pólvora e
zerem que "niio parece Portugal o país dominante das suas Américas, mas
armas em barrrs de Mroz importados a través de Luanda. As disputas cindirAm a elite mercanril
luan dense. Press1onado, o juiz de fora dA cidade proferiu a pAlavra brasile1ro com 1101 sermdo
pejoranvo no qn.1 1se referra a um grupo específico de negocranres (ver AHU, Angola, av., ex.
5 Pua deulhcs récmcos e cam,111ho das rripnlA~óes dAs sumacas, scm mencionar suas vanragens
65). Par.i o nascimento da disrin~ao, no século XVII, ver Alencasrro, 2000, p. 28; Curto, 1996,
cap. 4; Miller, 1988, p. 502; Miller, 1991, pp. 155-157; 163. e vinculá- las ao ascenso dos brasileiros, ver M11lcr, 1988, p. 368; Rodrigues, 2000, p. 200.

344 34 S
CAPÍTULO 11 O ANTICiO RECilME N OS TROPICOS A OINAMICA IMPERIAL PORTUGUESA

siio e/ns ns que representnm o país dominante de Portugal" (AH U, Angola, anos que se introduziu navegnrem-se para nqueln praqn /Lunndn/ umn
ex. 56, av., doc. 46). bebida n que chnmnm nguardente do Brasil" (AHU, cód. 554, fls. 21-21 v.). 6
Parte da dieta dos escravos levados para o Brasil, que rccebiam urna por-
r;áo da bebida no café da manhá durante a rravessia do Atlanrico, as geribitas
GERIBITAS eram transportadas para Angola em recipientes que serviam de lastro para
os navios negreiros - que de outra forma cruzariam o Atlanti co perigo-
A fase comercial do tráfico se confunde com a introdu~áo, em Angola, de samente vazios (AHN, cód. C-14-4, fls. 68-69v.).7 Em fins do século XVIII,
cachar;as produzidas em Pernambuco, Bahía e Rio de J aneiro. Conheci- 70% dos prédios de Luanda eram formados por tabernas cuja principal
das como geribitns, eram consumidas nas tavernas de Luanda e Benguela atividade era vender g~ribitas. Muitas vezes com apenas urna única pipa
e usadas como salári o das tro pas e milícias. Sua centralidade, contudo, da bebida, a maior parte delas era controlada por gente vinda do Brasil
está relacionada com o papel de moeda de troca no interior (sertóes), onde (Correa, 1937, vol. 1, p. 40). /
eram indispensáveis no "pacote" de mercadorias trocadas por escravos, A demanda elevada fazia da bebida urna das principais moedas de
os banzos. N uma grande medida, o papel cumprido pelas geribitas se as- traca em Luanda (BNL, cód. 8742, fl. 69). Para adquirir água para a
semelha ao dos fumos cultivados na Bahia (Verger, 1987). Tirando vanta- viagem de volta para o Brasil, por exemplo, os capitáes dos navios ne-
gem dos fum os, os baianos do minaram o tráfi co na costa da Mina , greiros usavarn geribitas. 8 Na época, o fornecimento de água para Luan-
enqu anto as geribi tas tinham papel central nas estratégias dos negocian- da era monopolizado por alguns poucos negociantes - o principal senda
tes do Rio de J an eiro para financiar suas transa~óes com escravos nos ser- José Días Vieira. A maior parte da água vinha do rio Bengo. ce rca de 15
tóes angolanos. quilómetros da cidade, senda trazida nos navíos dos negociantes de água.
Assim como os fumos baianos, as geribitas tinham atributos imbatí- Ambicionando o lucro fácil das geribitas, que podía alavancá-los para a
veis em relar;áo aos outros produtos trocados por escravos. Senda prati- confortável condir;áo de financiadores do tráfico nos sertóes, os negoci-
camente um subproduto do ar;úcar dos engenhos, apresentavam grande antes de água vendiam toda a água da cidade aos capitáes dos navios
vantagem devido ao baixo custo de produr;áo. Ainda no Brasil, proporcio- negreiros. O resultado era que, embora usassem dinheiro, os luandenses
navam um aumento de 25% nos lucros brutos dos engenhos e podiam
atenuar as perdas no caso de eventuais crises económicas (Alencastro, 2000,
6T
p. 40). Ao contrár io do vinho europeu, que as vezes se estragava na longa 1rando as rcmessas esporádicas, Alcnc,1srro afinna que Angol,1 comec;o n a receber suprnnen-
ros regulares de gerib1us enrre 166 1-1666 (Alencasrro, 2000, p. 347). Naquel,1 época, segun-
viagem desde Lisboa, o alto teor alcoólico as faz ia chegar em boas condi - do C urro , as bebidas jA eram provavelmcn1e usada~ nos serróes (Curro, 1996).
r;óes aos sertóes angolanos. O utra vantagem era o tempo relativamente ' E p.irecer do governador de Angola , Miguel Anron10 de Mello, em ll de marc;o de 1799
curto da viagem entre Brasil e Luanda: q uarenta días. Assim, náo é sur- (ANTI, Jnnra do Comérc10, ma~o 10, ex. 36). Ver rambém Rodrigues, 2000, pp. 22-24; e
Miller, 1988, p. 466.
preendente que, em 1688, por exemplo, a geribita fosse quase quatro vezes sAré fins do século XVII, os negrciros iam aré o río Bengo, onde faziam as "agu,1das" dos
mais barata que o vinho ou a aguardente portuguesa (Curto, 1996, p. 109). navíos. A prárica foi abando nada, contudo, qudndo foram descoberros depósitos de água na
ilha de Luanda. Como a água da ilha era salobra, a descobcrra cerramcnre aumenrou o sofri-
Em fi ns do século XVII, a bebida já era considerada indispensável para
mcnro dos carivos que eram levados para o Brasil (AHU, cód. 554, fls. 81-81 v.). A rroca dircra
o comércio de escravos nos serróes (BML, cód. 12, fls. 2-3; Alencastro, de geribiras por água , que os navíos qne chegavam do Brasil puseram e m prárica, niio rrouxe
2000, p. 3 19). Náo é cerro, con rudo, q uando exatamente as geribi tas fo- nen h um beneficio para os escravos. Ao con rrArio, p,1rece esrar na ongem do cosrumc de acon -
d icionar a .\gua quema ser bebida durante a rraves>1a do Arlánuco em v,1S1lhamc~ que ¡;I lrnv1-
ram introduzidas em Angola. Numa carta ao Conselho Ultram arino, em
am sido usados para armazenar geribiras levadas para Angola. Os resultados eram desastrosos
1679, o Governador Ayres Saldanha afirmou q ue haveri a "doze ou treze p;ird a sa11de dos car1vos (AHU, cód. 408; ANTI, Junra do Comércio , L. 107, fls. 321-324).

346 347
CAPÍTULO 11 O ANTIGO REG I ME NOS TRÓPICOS A C I NÁMICA I MPERIAL PORTUGUESA

náo tinham água para comprar. Só restava aos moradores da cidade a tes que o malafu e 22 vezes mais embriagantes que o walu. Tal poder de
água salobra da ilha de Luanda e os suprimentos limitados da única fon- embriaguez só era equiparável aos 65% de teor alcoólico das aguardentes
te de água localizada no interior da cidade - na Mayanga (BML, cód. de uva produzidas em Portugal. 11
24, fls. 51 v-54v). 9 Do ponto de vista do controle do tráfico, o efeito mais importante
Do ponto de vista africano, contudo, beber geribita náo era o mesmo das geribitas fo i jogá-lo nas maos dos negociantes brasileiros. Substi-
que consumir os li cores, vinhos e aguardentes, que também fun cionavam tuindo o militarismo dos governadores, os brasileiros as usaram para
como moeda nos sertóes. Enguanto os últimos eram mais valorizados e quebrar o monopólio dos negociantes metropolitanos (Curto, 1996,
destinados as elites africanas, aquelas eram vistas como bebidas baratas e pp. 2 e 97). No início, enfrentaram urna proibi~áo que baniu a bebida
consumíveis por qualquer pessoa (Curto, 1996). Na verdade, essa lógica de Angola, sob o argomento de que o consumo exage rado estava dizi-
curiosamente reproduzia a dicotomia anterior entre as duas bebidas tra- mando as tropas portuguesas. A proibi~áo foi contraproducente por-
dicionalmente consumidas na África Central, o ma/afu e o walu. O ma/afu que servi u de ince ntivo ao contrabando generalizado de geribitas
era um vinho produzido das folhas das palmeiras e o segundo, o walu, envolvendo quase todos os escalóes da administra~áo colonial (BML,
urna cerveja feita dos graos do sorgo e milhete. Da mesma forma que os cód. 12, fl s. 2-3). 12 Assim, náo durou muito tempo para seu consumo
licores e vinhos utilizados para cativar as autoridades africanas, o ma/afu ser novamente liberado, em 1689. Mais tarde, a liberdade de importar
era consumido principalmente pelas elites políticas (Curto, 1996, p. 40). se converteu num náo-declarado protecionismo que barrou a venda de
Servia para refor~ar o status social desses grupos, os quais também o re- qualquer o utra cacha~a em Angola e reservou seu mercado para o pro-
cebiam dos seus súditos como tributo, além de cuidadosamente mante- duto brasileiro.
rem palmeiras de onde o malafu era extraído (AHU, cód. 408, fls. 227 Em fins do século XVII, o grosso das importa~óes angolanas de geribitas
v-228; Curto, 1996, p. 49). 1º saía da Bahia (61%), enguanto Pernambuco era responsável por 26%. O
Por o utro lado, o consumo do walu, assim como o da geribita, tinha Rio de Janeiro tinha entáo urna posi~ao insignificante e era origem de
caráter popular e náo trazia distin~áo social. Parte do gasto pela geribita, apenas 12,5% das geribitas importadas por Luanda. Ao lo ngo do século
na verd ade, vinha do seu elevado teor alcoólico, se comparado as bebidas XVIII, contudo, o desempenho carioca refletiria fielmente a progressáo
européias e tradicionais consumidas pelos africanos. Seja no caso do walu do seu controle do tráfico angolano, fazendo o Ria se tornar o mais im-
o u no do malafu, os teores akoólicos nao ultrapassavam meros 5%. No portante fornecedor de Angola. Em 1785, dizia-se que os consumidores
caso do vinho, por outro lado, os valores podiam alcan~ar até 11 %. Ne- africanos tinham desenvolvido urna agu~ada preferencia pelo produto
nhuma destas bebidas, contudo, eram comparáveis as geribitas. Nestas,
os teores de álcool atingiam 60%, o que as tornava 13 vezes mais poten-
"De tiio arraigada , a popularidade da bebida resistia facilmente as freqilen res adulterai;óes.
Era possível, por exemplo, adicionar grande quantidade de água sem aferar o consumo e ao
'Os confliros gerados pelo monopólio na venda de ágna est.io também documenrados na "re• mesmo tempo garantindo lucros aind,1 maiores. Outro arrifício basrante com nm era acres•
presenra\;iio de Anaclcto José Barboza, Bernardo Nunes Porrela, Joaquim José Duarte Castelo cenrar pame uras para rornar o sabor mais corranre (Correa, 1937, vol. 1, p. 4 0, e C~rro,
Branco", em 28 de agosto de 1782 {AHU, Angola, av., ex. 65). Ver também Autos de Agravo 1996, p . 22). Segundo Miller, o teo r alcoólico das geribiras era aiuda ma ior, 90% {M,ller,
da Ca mara Municipal de Luanda, cm 1 O de dezembro de 1782 {AHU, Ango la, av., ex. 66). 1988 , ~ 465). .
Segundo Elias Alexandre da Silva Correa, a água do po~o da Mayanga também era salobra "Assun , ,10 con mino do qne d1z Anr61110 CarlosJnd Sam pa,o, é 1mprovável que os negocian·
{Correa, 1937, vol. 2, p. 23). Para uma análise do comérc10 de água em Luanda, ver Miller, res do Rio tivessem dificuldades para investir no mlfico angolano por falta de moedas de rro•
1988, pp. 395-398; 51 J. ca duranre a proscri,ao da venda de aguarden re (Sampaio, 2000, p. 146). Para a proscri,iio do
'ºVer também ofício do governador de Angola, Antonio de Vasconcellos, para Sebastiiio Xavier comérc1o de geribaras, ver rambém Miller, 2000, pp. 464 -465; Cnrto, ..WOO. A melhor ,,náhse
de Mendo n\;a Furrado em 10 de janearo de 1761 {AHU, Angola, av., ex. 44). da questiio está em Alencasrro, 2000, pp. 320-321.

348 349
CAPITULO 11 REGIME NOS TROPICOS A OINAMI CA IMPERIAL PORTUG UESA
O ANTI GO

carioca. u Na década de J 760, por cxcmplo, prova11clo a liga-;ao entre dissemina~áo por estrangeiros ter tornado inócua qualquer proibi~áo, a
exportar geribitas e importar cativos, cerca de 53% das importa~óe s importa~áo por Luanda mostrou-se abaixo do necessário para sati~~a~er a
luandenses de geribita tivcram como origcm o Rio de Janciro. No mesmo demanda angolana por armas de fogo (Miller, 1983). Os panos as1at1cos,
período, o porto carioca absorveu 48,5% clos navíos ncgrciros que zarpa- por outro lado, depois do reordenam ento do comércio portugues com a
ram do porto de Luancla (Curto, 1996, p. 145). Ásia tinham de ir primeiro a Lisboa. Só entáo eram exportados para Lu-
Nos scrtóes, se comparadas as duas outras mercadoria s csscnciais no and~, o que gerava grande escassez e pre~os absurdos em fins do século
comércio de escravos - os panos asiáticos e as armas de fogo - , o de- XVIII.
sempenho das geribitas rnostrava-se insuperável. No principal mercado
fornecedor de escravos para Luanda, a fcira de Kassanje, os pre~os de
1792 mostram que bastavam scte litros (trinta frasqueiras) de geribitas "FAZENDAS DE NEGRO"
para adquirir um escravo considerad o de excelente qualidade - a cha-
14
mada pe~a da Índia. Por outro lado, se quisesse comprar o mesmo es- Em 1771, os "negociant es e carregadores" da nau Sáo José e Concei-
cravo com armas, por exemplo, os agentes (feirantes) que os negociantes ~áo, que vinha de Goa e fazia escala em Luanda, tomaram urna atitude
de L4anda mantinham em Kassanje neccssitari am de cinco armas portu-
drástica. Ignorando a permissáo do governado r de Angola, em vez de
guesas. No caso de comprarern com panos asiáticos (fazendas de negro),
venderem as fazendas que traziam da Ásia, solicitaram o despacho
precisariam de 15 "kizambos" daquelas mais apreciadas pelos afri canos
imediato do navio para Portugal. A decisáo ocorreu após os negocian-
- calameda, durante, tafetá e zuarte (AHU, cód. 1628; AHU, cód.
1629). 15 tes da nau terem visto negado o pedido de enviar parte das fazendas
para o Brasil. Segundo os responsáve is pelo navio, a ida a Ang_o,la tra-
A vantagem das geribitas crescia ainda mais considerando as dificul-
ria a oportunida de de fazer "urna grande venda de fazendas, ¡a pel~s
dades para adquirir tanto armas quanto panos asiáticos. Sobre as armas
que consumisse o país (Angola), já pelas que se comprasse m por com1s-
de fogo, por exemplo, pesavam dois tipos de restri~ócs. A primeira vinha
soes feitas por negociantes do Brasil, e já pelas que os suplicantes r:ian-
da sua venda limitada devido ao justificado temor de que fosscm usadas
pelos africanos para atacar os portugueses. 16 A segunda é que, após sua davam para o mesmo Brasil a comissários seus para que consegu1ssem
dinheiros precisos para pagamento das letras vencidas com a chegada
da nau a este porto /Luanda]" (AHU, cód. 472, fls . 140-142; AHU,
uExpos1r;.lo do dcsembugac.lor ouv,dor gcr,11 de Angol,1, Fr,111c1sco X,1v1cr Lob;¡o Mach.ido
Per;anh,1, em 5 de ¡.111e1ro de 1785 (AHU, Angol,1, .1v., ex. 70). Angola, av., ex. 55, doc. 38). .
"Segundo Eh,1s Alex,111dre d,1 Silv,1 Corrc,1, nm,1 "per;,1 c.l.1 índu" era nm "escravo mor;o, alto. O grosso das fazendas do navio era constituído de panos, espec1a-
robnsro, e semdefe,ro (Corre.,. 1937, vol 1, p. 54; Alcnc,isrro, 2000, nor,i 22, p. 392).
11
K1umbo· p,1l,tvr,1c.l ,1língn.1q111mbunc.lo que des1g11,1 o eq111v,dc11rc de nm,1pcr;,1 de pano s11- rias e lou~as. Ao lado da geribita e das armas de fogo, os panos eram
f1c1enrc p,ir,1 vesr,r nm,1 pes~o,1. parte da tríade de mercadorias essenciais nos negócios dos sertóes. _Sua
16
Em 1761, Porn1g,1l pro1b1u ,1111rrodur;;¡o de ,1rnus e.le fogo e pólvou em Angol,1. As reclama- associa~áo com o tráfico de escravos era táo forte que eram conhec1dos
r;oes n;¡o rard,1ram e nvernm como base o ,irgumenro de queos esrrange1ros ,1s inrroduz1.1m no
norre. Ver ofício do govern,,c.lor de AngoJ_., Anro1110 de Vasconcellos, p.ira Seb,1sn.lo X,1vier como fazendas de negro. A grande maioria da carga, contudo, aí entran-
de Mendonr;a Furr.ido em 26 de .ibnl de 1762 (AHU, Angol.i, .1v., ex. 45). Dizcndo que os do panos finos e lou~a, tinha como mercado prin_cipal o Brasil. Na _ver-
navíos que um a Lu,1nd.1 umbém o fazum, o govern,1dor Francisco lnoccncio de Souza
Co11t111ho chcgon .1 obrer apo10 d,1 Junr,1 do Comércio para liberar a vend,1 de armas e pólvo- dade Luanda nao era mais do que um mero ponto de passagem no cammho .
'
r,1, em 1765 (AHMOP, Junr,1 do Comérc10, JC 10; AHU, Angol,1, .1v., ex. 49). As pressóes de das fazendas provenientes de Goa. Com a escala na cidade, os negocian-
Lu.111d.1 n.lo puecem ter surrido gr,111de efe1ro. Em 1776, .1 venda de pólvor.1 esuva linurada tes supriam dois mercados, o brasileiro e o angolano. O primeiro com
a seis b,1ms em cada um dos presidios dos serróes (AHN, cód. A-17-4, fls. 71-72).

3 SO 351
TR Ó PICOS A DI NÁ MICA I MPERIA L PORIUI .JUt>A
C APITU LO 11 O ANT IGO REGI M E NOS

(AHN ,
fazend as finas e lo u~as e o segund o com as fazendas de negro.
Enviar vam seus navíos até a Bahía para adquir ir as fazend as asiáti cas
que
fazend as para o lado brasile iro era també m crucial po rque era assim códice A-1-3, pp . 63-65 ).17
do A deman da elevad a fez nascer um po rtento so contra bando de
fa.
seriam saldad ?s os débito s lá contra ídos para fin anciar a exped i~ao
e Sal-
navio para a Asia. zendas asi áti cas no Atl antico Sul - princi palme nte em Luand a
para
Provenientes das possessóes portug uesas de Goa, Diu e Damao , naus vado r. 18 Em Salvad or, seg und o La pa, as pessoa s alugav am casas
merca -
como a Sao J osé, conhec idas como naus da Índia, costum avam fazer
esca- que o co ntraba ndo fosse armazenado (Lapa, 1968 , p. 23 7 ). O
-
la no Brasil desde o século XVI. Cercad a de perigo s e com elevad a tru<a de do era tao lucrati vo que atraía navíos fr anceses e ingles es, que navega
91 2,
mortalidade, a viagem para a Índia podía durar até do is anos e to
rnava vam da Ásia diretam ente para a Bahía (AH U, cód. 907; AHU, có<l.
fa.
imperativa a existencia de escalas . Em geral, no retorn o a Lisboa,
as naus fls. 12-12v ). Navio s c.om bande ira po rtug uesa, já carreg ad os com
m usa-
ne- zendas e supost amente destin ados ao tráfi co em Angola, també
parava m em Salvad or, da Bahia, onde reabasteciam e passavem pelos
vam artifíc ios vários para irem a Bahi a vende r suas cargas
logo (AH U, Bahia,
cessári os reparos. Inicialmente tolerad a, a escala em Salvad or foi os ho-
p. 48). av., ex. 5 7, doc. 4 897 ; Boxer, 197 1, p . 12). Do lado african o,
proibi da pela Coroa, em 1565 (Lapa, 1968, p. 7 ; Boxer, 1971, os
a landes es depen di am das fazend as para os seus negócios com escrav
Tendo como objetivo evitar o comér cio que as naus faziam no Brasil, no
século na costa do Loang o e nao hesitav am em abaste cer o merca do angola
proibi ~áo foi reitera da por interm édio de várias leis e alvarás no comun s
(AHU, cód. 21, fl s. 13 9-139 v.; fls. 144-1 44 v.). Eram també m
XVII. Acabo u por cair, contud o, em 1672, legitim ando algo que já acon- de Sal-
n casos de naus da Índia que iam direta mente a Luand a, em vez
tecía na prática (Lapa, 1968, p. 23 ; Boxer, 1961; Boxer, 1971 · Hanso 134 v-
23 7). ' ' vador, no retorn o a Lisboa (AHU , cód. 276; AHU, cód . 554, fls.
prios
135v.). 19 Em 171 6, po r exemp lo, clava-se como cerro que os pró
O comér cio gerado pelas naus da Índia transfo rm ou Salvad or num lio do
Sul. contro l adores da compa nhi a po rtuguesa que detinh a o mo no pó
centro de distrib ui~ao de mercadorias asiáti cas para todo O Atlant ico
os
Urn a cláusula do contrato de arrecada~ao de impos tas sobre os escrav
Salva-
exportados em Angola permi tía aos contra tado res compr ar cm 1'Lap.1 faz nm,1 ,111.í l1se dc ralh,1d,1 d o co mérc,o de fazcnd.1s cm S,d vador, 1g 11o r.111d o, co 11mdo ,
a
dor as faze ndas necessári as para o fardam ento das tropas de Luand o cfc1ro dcsrc 110 sc11ndo d e colocM Salvador 11,1 co 11d1~.io de
centro de d1sm b 111~,io d e fazc n -
é a pen ,1s urna " hipótese
.rn ro r, ,1 d asrnb ni~ao de fa zcnd,1s ,1si.í1icas
para das pMa o rd fico. P,1ra csre
(~H~, cód. 554, fls. 93-95v.). Em 1734, urna alfand ega foi criada bastante vi;ívcl" (Lapa, 1968, pp. 239 e 277). Boxer, po r oauro l,1do, rclacio n.1 nido aocado
912,
fi scaliza r o comér cio de fazend as asiáticas em Salvad or (AHU , cód. do o uro, també m f.a zendo po ucas rc ícrenc1as as faze nd as que
1am para Angol,1 (Boxcr, 1971 ,
Lis- XVII, Sam p..tio, n cgoc1,111rc, d o R,o
fls. 7v-12). A deman da era tal que faltava fazend a para levar para p . 53; Boxcr, 196 1, p. 56). Em meados d o século , cgnndo
8,1h1,1, o nde co mprav.1m faze ndas p,1ra envur p..tr,1 Angol.1. É cerro
para J,Í t mh,1111 p rocurado res 11.1
boa (Carreira, Ernest ina, 1998a , p.811). Da cidade, as fazend as iam que bo.1 parre do co mé rcao e ntre R10 e B,1hia. q ue idcn rific,1 para o sécu lo XVlll, d cvcu-sc
ros que mo,rr,1 como .1 d~m,111d,1 por
~ngola por do is camin hos. Primei ro, levadas pelos navios negrei rambém :1 co mpr,1 de f,1zc ndas ,1s1.ínc.1s pelo, c,ir1oc.1>. !,.1mp,110
d ,1 Í11d1,1, ,1111d..t 11,1 prnnc1r,1
esc.11,1 par,1 ,as n aus
dos la- faze nd,1s ,1s1.ir,c,1s transfo rmou o R10 nunu
1am de Salvad o r para Luand a - dai expli cando a sobrevivenci a m etadc d o século X VIII (Sam p,110, 2000, pp. IJ9, 183 e 185).
s já ti-
~os entre as duas regióes mesmo numa altura em que os baiano 11Sa m paio cncontrn referéncias espars,1s que rambém mosrram navíos fa zendo
contraba ndo de
do mpaio, 2000, p .
nham se especi alizad o no tráfi co com a Costa da Mina. O segun
XVIII (Sa
fazcndas as iá ticas no R10 d e Janearo, 11,1 p rnne 1ra met,1de d o século
rrad ,1s n o .1lvará de 8 de feve re iro d e 17 11 ,
com 185). Alg nm.u d cssas rc fcrcnci..ts s.io rambém cncon
camin ho incluía dois outros porros brasileiros impo rtantes 110 tráfico que pro ibia a ida d e nav,os ao Brasil fora d ,,s fro t.1s (AH U, Angola, av., ex. 5 4). E 1
t. 1nbé111 em
vendi-
Angola - Recife e Rio de Janeir o - , para o nde as fazend as eram Ltpa, 1968, p . 269.
para vender fazend,1s ,1>1Á-
Luand a. A "Antes mesmo d e os nav1os portug ueses co mc~a rem a 1r a L11:111d,1
das antes de sercm transp ortadas em naví os negrei ros para envolven do fr.111ceses , ver AH U, cód. 555, fl .
envía- r,cas, outros e uropcus 1:I o fazu m. P,1ra os casos
impor tancia de Salvad or era taman ha que os negoci antes do Río 59. Pana os casos cnvolven do cspanhó is, AH U, cód. 554, fls. 18-20.

352 353
CAPÍTULO 11 O ANT I G O REG IM E N OS TROPICO S A D INÁM IC A I MPER I A L P O RT U G U ESA

O ri ente. Para facilitar seu comércio, t inham até feitorias na costa oriental te (Carreira, 1998a, p. 826). Para piorar, a sirua~áo também criava empe-
da África (ANTT, Junta do Comércio, Livro 11 8, fls. 43-47v.; 120-120v.). l 4 cilhos para o o bjetivo de escoar, no Brasil , os prod uros texteis entáo fa-
Visto como urna am eai;a em Lisboa, este comércio era nao apenas uma bricados na metróple.
decorrencia do esvaziamento económico da metrópole, mas também do O esfori;o para retomar as rotas <lo Oriente se traduzi u em incenti-
papel crucial que as prai;as mercantis do Brasil - principalmente Rio de vos ao envio de nav íos ao Oriente - tais como o pagamento por cada
Janeiro e Salvador - tinham no lmpério po rtugues.i5 soldado transportado para a Índ ia. Tais iniciativas tiveram efeiros mo-
Lisboa perdia tres vezes com a situai;áo. A primeira perda vinha da destos, contudo, e um ano após o fim do sistema de frotas apenas tres
diminuta quantidade de fazendas de negro que chegavam a m etrópo le. O negociantes rinham enviado nav íos a Índia (AHU, cód . 935).i6 Na ver-
resultado era que os negociantes lisboetas viam anuladas as chances de dade, a política metropolitana fracassou porque as naus da Índi a ainda
participar do tráfi co em Angola, onde grande parte dos negócios de es- faziam a escala na Bahi a, o u no Rio de J aneiro, onde aproveicavam para
cravos girava em torno das faze ndas. A segunda perda acontecia porque a fazer o grosso do se u co mércio. Assim, nao demorou muito para ficar
cidade perdia proeminencia como centro distribuidor de fazendas de ne- clar o q ue nada m udarí a enguanto o centro do comércio com o O riente
gro p ara as o utras na~óes européias que negociavam com escravos na ainda estivesse no Brasil. Na época, as estimativas de Lisboa eram que
África. A terceira perda acontecía porque o comércio bilateral entre Bra- os " morado res" das principais pra~as mercantis brasileiras - Rio de
sil e Índia trazia para o primeiro mercadorias asiáticas com pre~os baixos Janeiro, Pernambuco e Salvador - possuíam urna fro ta de cerca de 320
- saturando o mercado brasil eiro. Do ponto de vista da metró pole, as nav íos. M aio r, portanto, que os trezentos nav íos que co nfor mavam a
desvantagens eram óbvias. Dos tecidos de algodáo q ue Portugal ex porta- frota porcuguesa. 27
va para o Brasil, por exemplo, 90% eram composros de tecidos do O ri en- Se os números dos burocratas de Lisboa estiverem correros, tantos
nav íos seriam certamente produto da vanragem técnica de poder cons-
truí-los nos tres porros citados. Tendo início já no século XVI, quando
2'Mo~ambiq ue teria se tornado o primeiro alvo dos navíos que iam diretamcnte d o Brasil para
escassez de máo-de-obra e altos pre~os das matérias-primas eram proble-
o O riente já no in icio do século XVIII. Em 1723, os o fi ciais da Cfünara de Goa escrcveram
urna represen ra~áo pedindo q ne os "merc.111tes" da Bahia fossem imped idos de ir iiqnela re- mas quase intransponíveis, a constru~áo naval no Brasil colonial consoli-
giao (AH U, cód. 908). As referencids i\s expedi~óes de nav1os d o Brasil para o O rien te con ti· do u-se em meados do século XVIII (ver Lapa, 1968; Boxer, 1961, p. 42).
nuaram a té fins d o século XVlll (AHU, cód . 961, fls 137- 141; 14 6v- 147 ). Mille r menciona
brevemente a exístenci,1 d e víagens d iretas entre o Brasil e o O riente. O auto r apo nta a rela~iio
As evidencias mostram que o problema da mao-de-obra, por exemplo, foi
entre estas viagens e o domínío q ue os negociantes brasíleíros tinham alcan~ad o no tráfico de diminuído com a compra e o treinamento de escravos, ainda em fins do
escravos (Míller, 1988, p. 464 ). Lap,1 rambém me11c1011a brevemen te a existencia deseas via - século XVII (AH U, cód. 50, fl. 237). No caso das matérias-primas, Lapa
gens (Ldpa, 1968, p . 163).
l.!Em cerrn n11:d1da, o comérc10 fo1 s,111c1011ado pela própna legísld\;10 nn pe n,d. Seg11ndo Ldpa, mosrra que o uso de produtos nativos resolveu o problem a. Em meados
esre "revc mio po neos momentos de licimde. com fra nq t1edmento 1ncl11s1ve da na vega~,io e do século XVIII, por exemplo, fáb ricas foram criadas na Bahia com a fi-
comércio" (Lapa , 1989 , p. 389). Em 170 1, por exem plo, uma provis,io d o Co nselho da Fa-
nalidade de utilizar matérias-primas locais para produzir artigas para a
zenda permitiu que os " moradores" da Bahía enviassem to dos os a nos tres navíos d e co mércio
i\ Índ ia (Ribeiro , 1805, p. 86 ). ln fo rma~óes sobre a provisiio de 170 1 podem ser enco ntrad as
em Ha nson, 1997, p. 284 , e Lapa , 1968, p. 268. No caso da provisiio, fica claro que os nego-
ciantes baianos rentava m d iversifica r snas expedi~óes rransarlanrícas en via ndo 11avios pa ra o 21,A Coroa pagava apenas pelos sold,1dos que chegavam vivos na Índia. Seten ta mil-ré1s por
Oriente. No Rio, po r o urro lad o, a lém d o tráfico em Ango la, os esfor~os dos negociantes ti- cada soldado, enguanto o valor por oficial era de 140 mil-réis (ANTI, Junta do Comérc10, L.
vera m como a lvo a Costa da Mina, em 17 14 (Sampaio, 2000, p. 271 ). Trinta anos mais tarde, 111, fls. 182- 183).
27 Ad iv1s,io scnd .~ seguínte: Pernambuco, "sessenra e tantos" navíos. Bahía, aproximadamente
os negociantes d o Rio chegan am ao ponro de propor a cría~iio de urna companhia de co mér-
c10 para o rr;\fíco naquela regiiio . Na pníticd , a pro posta q11ebraria o mouo pó lio q11e os baianos 130. No caso do Rio, o n úmero de nav1os dos "moradores" sería de 130 (AHU, Angola, av.,
t111 ha m 11dqt1ele trá fico (Míller, 1988, p. 464). ex . 5 6, doc. 46 ). P,1r,1 o wn,111ho dJ fro r.1 po rrug11c,,1 , ver Pcdrcir,1, 1995 . p. 145

356 357
0 ANTIG O RECilME NOS TROPICO~ A UINAMlt...A IMl"tK I A L t"'UK IU\J VC>'"'
CAPITULO 11

proibia a vinda das naus ao Brasil no caminho de volta para Lisboa fosse
constrrn;;áo navaU8 No Rio, os negociantes usavam navios construídos na
realmente cumprida. Como pretexto de "urgente necessidade", por exem-
própria capitania para evitar o pagamento de fretes no transporte de
plo, a maior parte dos navios continuou atravessando o Atlanti co e indo
mercadorias para Portugal (ANTT,Junta do Comércio, Livro 106, fls. 131-
diretamente a Salvador e Rio de Janeiro depois de 1761. Muitas vezes, as
131 v; e ANTT, Junta do Comércio, Livro 108, fls. 104v-105v.).l.9 Em 1770,
naus náo lanc;avam máo de nenhum pretexto e simplesmcnte se dirigiam
a Coroa facilitou a constru<;ao <le navios concedendo isen<;áo fiscal na
importac;áo de artigos necessários para tal fim. 30 Sobre a qualidade dos
a Bahia ou ao Rio dejaneiro, como nos casos dos 16 navios que burlaram
navíos, tanto vice-reis como negociantes concor<lavam que as melhores a lei entre 1763 e 1773. 33
Até 1769, o número de naus que cumpriam_a escala obrigatória em
naus que navegavam na carreira da Índia saíam do Brasil. 31
Luanda foi táo pequeno, apenas quatro, que o governador de Angola,
A situac;áo forc;ou Lisboa a usar o único instrumento de que dispunha,
Francisco Inocencio dé Souza Coutinho, até pensou que a lei de 1761 ti-
a legisla~áo. A primeira lei visando a retomada do comércio do Oriente
data de 1761. Criou-se urna escala obrigatória no retorno das naus para nha sido revogada. 34 Urna das naus que lá fizeram escala, a Nossa Scnhora
Lisboa cujo sentido era impedi-las de ir ao Brasil na volta do Oriente (Bi- da Ajuda e Sáo Pedro da Alean tara, nem sequero teria feito se náo fossem
blioteca da Ajuda, documento 54-VI-14, n. 5; AHU, cód. 472; BCU, 1867, os problemas técnicos que a afligiram desde a partida em Goa. "Fazendo
v. 2. p. 36; Ribeiro, 1805, p. 54). A escala seria na capital angolana, Luan- água", tinha tantos problemas que perigosamente encalho u na Equimina,
da, onde deveria ser estabclccida urna aJfandega e um arsenal para con- na costa sul de Angola, tendo de ir a Luanda contra a vontade dos seus
sertar as naus. Ao mesmo tempo, a Coroa tentou reprimir o embarque de responsáveis. A pressa era tanta que os tripulantes preforiam correr os riscos
mercadorias brasileiras nas naus que faziam escala no Brasil no caminho de cruzar o Atlantico sem consertar o navío. Alegavam q ue tinham or-
para a Índia. H Desde o início, contudo, foi difícil fazer com que a lei que dens para ir diretamente a Salvador, onde eram mais farros os recursos
para repará-lo. Contudo, sua estada na cidade se prolongou ainda mais
lSEm 1767: um nego~ianre b:uano requereu permiss.1o para instalar urna f.lbrica de urensílios para quando um passageiro foi acusado de náo ser portugues e tentar contra-
a constru~o de nav10s em Salv.ido r. A maréna-pruna senam ervas locais, gravará e acu, que já
eram us.1das pelos ba1anos para equipar seus nav1os (ANTT, Junta do Comérc10, L. 111, fls. 186-
bandear para o Brasil mercadorias de negociantes ingleses do Oriente
190). A 1111crnr1va foi financ1;1da por ncgocunres da B.1hia. Faliu, con rudo, devido a falta de ~boa- (AHN, cód. A-1-3, fls. 66v-67v.). 35
fé" do investidor que consegnm o d1re1co de insular a f.lbnca. O pro¡cro acabou por ressurgir,
sendo 11ov,11ncnrc f111,111cmdo pelo~ b.11,1110~ (ANTT, Juuu do Comémo. l. 11 l . fls. 96-97)
O negociante era Luiz Cantofer, que reconhecia ter nascido em Mad-
i,Há pelo menos dois casos de negoci.1111cs que solicitaram :i Junra do Comérc10 o direito de ras e ser filh o de máe portuguesa e pai alcmáo. Pretendendo morar cm
construir navíos no Rio de Janeiro.
JO"Com cuja merce, ,111imados os negoc1.inres, tem fe ito construir 11.is nossas Américas um grande
ll"Rel.1,;ao dos 11,1v10, qne depo1s d o d 1rcHo de , 11,1 111.1¡c,r,1dc de 17 Je novcmbro de J 761 .
número de n.1 v1os de d1ferenres lo ra~óes, despendcndo grandes so mas e ,rnmenr.indo conside-
r.tvelmenre .t nossa n.iveg.i~iio mercantil" (AHU, cód . 962, fls. 152- 152v.). pelo q1rnl rao-somcnre f1cava permitido poderem fazer na volr.1 d.t lnd1.1 O ncnr.tl asna escala
11
Par.t ,1 opini.io dos bnrocraras, ver Boxer, 1960, p . 52. Em 1776, re ntando convencer ,t Jnnra por Angol.1, cem ido ao, porro, d o Br.1s1I e 1~ dcscarreg.ido mdo 0 11 p.im, ", em 30-6- 1773
d o Comércio d~ que s ua exped1r;iio era v1ável, um negociante disse: ~sendo po r ourra parce (AHU, Consclho Ulrram,mno, 111.1<;0 5 12). Ve r rnmbém CCU cm 20 de .igosro de 1764 (ANTI,
cerr~ q~te o nav10 se a~ha bem consrruído e com forta leza para vencer a dilatada viagem a que nar;o 3 17, ex. 425).
se d1spoe por ser fabricado em um dos porros da América de madeiras daquele conrinente" 14$eis .inos .ipós a insn rni~iio da escala obrig,1ró na , em 1767 , L11.111da .1111da niio nnh,1 cond1-
(ANTI, Junra d o Comémo, L. 117, fls. 6 1-62). Para exemplos de navios construídos no Bra• r;óes réc111cas de reparar as naus. Ver ofício do govcrnado r de Angola, Francisco lnocencio de
sil, AHU, cód. 907 ; e ANTI, Junra do Comérc10, L. 110, fls. 90-91. Sonz.a Counnho, para Fr.incisco Xavier Fnrr.tdo em 30 de julho de 1767 (AHU, Angol.t, av.,
HC.irra da Jnnra de lnsper;iio d.1 Balm para o provcdor-mor d,1 Faienda Re.ti em 29 de julho de ex. 51 ). P.ir.1 o número de nans que 1am ,1 L1t.111d,1, AHN, cód. A- 1-3. fls. 52-54; íls. 63-65 . E
1759 (ANTI, ma~o 3 15, ex. 422); CCU em 6 de mar~o de 1762 (ANTI, ma,.o 315, ex. 422). ofíc10 do govcnudor de Angol.1, Fr.111c1sw lnocc11c10 de Souu Conttnho , p,1ra M.irnuho de
Diance da evidencia de qne o comércio do O rience dependía das mercadorias embarcadas 110 Mello e C.isrro em 17 de agosto de 1770 (AHU, Angol.i, ,1v., cx. 5'1 ).
Brasil, a proibi~iio de fazer escala no c.iminho para a India niio durou muiro. Durante sua vigen- 11"Rcprc,cnca,;iio dos ncgocunces d,1s 11.111, Nos,.1 Scnhor.1 d.1 A¡nda e Siio Pedro de AIC:.1nara
cia, os negoc1anres burlaram a proibi,.,:io d1zendo que fariam escala no Brasil apenas para levar e No~a Senhora d,1 C.m d.tdc e Siio Francisco J e P.1111,1 cm 8 d e ¡nnho Je 1770" (AHU, Ango-
mercado nas embarcadas em Porrngal (ANTr, Junta do Comércio, L. 110, fls. 110-111). Para a
1.t, dV., ex. 54).
libern~iio da escala e emb,1rq11c de mercadorias no Brasil, ver ANTI, Junta do Comércio, L. 112.

3 S9
358
O ANT I GO REGIME NOS TROPICOS A DINAMl<..P. 1Mr<n • ~ • , _.,, - - - - • .
CAPITULO 11

Lisboa, viajava com a mulher, grávida, e mais parentes. Prometi a n atura- emergenc ia de grupos loca.is com objetivos divergent es dos intcresses de
lizar-se portugues táo lago chegasse a Portugal (BN L, cód. 8743 , fls. 2 32v- Lisb oa, tinham agentes espalhado s por Brasil, Ásia e África. A trajetória
234).36 Antes, contudo, queri a ir a Salvador vender as fazendas q ue trazia de Cantofer comprova que o negociant e pretendía mesmo viver em Lis-
de Goa (AHN, cód. A-1-3, fl s. 5 7v-59). Para tanto, pagara direitos na boa. Entre 1771 e 1780, por exemplo, Cantofer constou como m embro
18
expedic;ao das mercador ias e tinha licenc;a expedida pelo governad o r de matricul ado do carpo de negociant es da cidade. Recé m-chegad o a Lis-
boa, teve de contribui r numa derrama para o pagamen to do subsídio mi-
Goa. Além de ir a Salvador, Cantofer queria já, de Luanda, enviar merca-
d orias para o Brasil. Brigada com os oucros passageiro s da nau q ue o trou- litar em 1772. Os dados mostram que foi quem mais contribui u entre os
negociant es de grosso trato da cidade. Mesmo matricula do cm Lisboa,
39
xera, nem sequer queria seguir viagem no navio (AH N, cód. A-1-3, fl s.
57v-5 9 ; fls. 66v-67v.). Seu caso criou um impasse que pós em campos manteve contaros por várias regióes do Império e importou fazendas de
apostas as autoridad es angolan as. O negociante sabia falar, ler e escrever outras na~óes européias para as expedi~óe s do Oriente. Em 1774, por
exemplo, recebeu urna concessáo da Coroa que lhe permitia enviar cinco
em portugue s, o que fez o procurad or da fazenda tomar seu partido. Pro-
navios ao Oriente no período de cinco anos (ANTT, Junta do Comércio ,
metendo comodida de nos pre~os de suas fazendas, cujo g rosso eram 3 16
Livro 115; ANTT, Junta do Comércio , ma~o 50, ex. 167). Numa das ex-
pec;as d e louc;a q ue ne m seq uer tinham grande mercad o em Angola,
pedi~óes que armou ao Oriente, tirou vantagem das brechas das leis -
Canto fer conseguiu o apoio dos negociant es de Luanda (BNL, cód. 8743,
fls. 224v-228 v.; AHN, cód. A-1-3, fl s. 72v-73). que náo previam ta.is casos - e env iou um navio d iretament e de Angola
Ao mesmo tempo, tento u ganhar as simpatias o fi ciais com a proposta par a o Oriente.~º
Casos como o de Cantofer fizeram com que Lisboa reconhecesse que
d e assumir o prin cipal p rojeto do governad o r d e Angola, Fran cisco
"se tinha estabelecido um comércio entre os domínios portugueses da Ásia,
Inocencio de Souza Coutinho : urna fracassada fábri ca d e ferro que havia
África e América, com total exclusíío de Portugal. De tal sorte que sendo o
engolido recursos d a Coroa sem trazer lucro nenhum. Prom etia náo só
mesmo Portugal o país dominant e, e o que com excessivas despesas está
controlar o empreend imento, localizado no interior de Angola, como tam -
promoven do e sustentan do o comércio e navega~áo da Ásia, ficava o dito
bém r essarcir Lisb oa com rudo que fora gasto na fábrica (BNL, cód. 8553,
país dominant e com todos os encargos resultante s da prote~íío do re(erido
fl s. 52-54v; AH N, cód. A-1-3, fls. 77-78v.). Pedia, em traca, o d ireiro de
comércio e as suas colonias tirando dele todo o úenefício e uti/idade" (AHU,
vender, no Brasil e na Índia, o ferro produzid o na fábri ca. Pesou contra
cód. 472). Para mudar a situa~áo, reformou -se a legisla~áo que regulava o
Canro fer, contudo, a suspeita de q ue, senda um ho mem casado há apenas
comér cio com o O riente. Mais rígida, a nova legisla~áo prescrvou a esca-
qua tro anos e tendo recebido um dote de "quatro mil" rúpias, tinha em
seu poder urna grande quantidad e de fazendas equivalen te a 200 mil cru-
1s"Rel.t~iio dos negocuntes da pr.t~,1 de L1sbo,1 .,ssistcntcs n.ts frcgnes1,1s ,,b.uxo dccl,1rnd,1s, os
zados. N o fin al, o negociante foi sentenciado e acabou tendo de enviar
qua,s vao nela 111serros, pelo que toe,, ,lO seu negóc,o em g ro~so sornen re e n;¡o ,1 lo J,lS ( 1771)
su as fazendas para Lisboa (BNL, cód. 8743, fls. 223v-224 v.).37 e reh,~iio dos negociantes 111,1mc ul,1dos n,t iunt.t do co111érc10 destes remos e seus domí111os,
N egociante s como Cantofer simbolizam o lado híbrido do Império que no presente ano de 178 t niio devem pag.1r déci111,1 do seu comérc,o pelas frcgues,as d.t sua
dSsisteuc id (178 1)" (ANTI, Juntd do Comércio, mA~O 62, ex. 200). Pedre1r.1 c,rn Cantofer
po rtugues que tantos prejuízos trazia para os cofres do erário. Fruto da
como 11111 dos 111.uores negoc,,rn tes do período pomb,111110 (Pcdre,r,1, 1995, p. 165).
!'Segundo Pedre,rA , " dcrram,t custo n ., c.td.t 11111 dos 11egoci.1ntes d e grosso rr,1to de Lisboa,
16"Resposu do su pr.tcitado L111z C.tntofcr", cm 1770 (AHU, Angol.1, av., ex. 54). em médu , 48$250 ré1s (Pedre1ra, p. 117). C.intofer p.igou seis vezes m.11s, 300$000 ré1s (ANTf,
17 Junta do Co mércio, ma~o 62, ex. 201). Sobre d derrama, ver ANTf, Junta do Comérc10, ma~o
Despacho do governador Fr,111cisco l11océ11c10 de S0111.1 Coutinho 110 caso de L,uz Ca ntofcr
em 5 de iulho de 1770 (AHU, Angola, ,,v., ex. 54 ). P.tra um,t descn ~;¡o d.ts f,,zend.ts de Ca nto fer 62, ex. 201.
JÓ '°"Pett~;¡o de Vicrorind Rou de Cdmpos, viúva do Cdpit;¡o Tenente Dommgos Furtado de
ver o fício d e Franc,sco lnocéuc,o de Souu Counuho p.u.1 M.tmn ho de Mello e C.,srro e m
de agosto de 1770 (AH U, Angola, ,;v., ex. 61 ). Mendonca" em 1780 (Al IU, Angola, ,;v., ex. 62).

36 1

..
3 6 O
CAPÍTULO 11 O ANT IGO REG I ME N OS TR ÓPICOS A DINÁMICA IMP ERIAL P ORTUGUESA

la obrigatória em Angola e trouxe como novidade a proibii;áo do comér- Parte do financiamento das expedii;óes vinha de fara da metrópole -
cio de fazendas asiáticas no porto de Luanda - elas nem sequer pode- de várias áreas do lmpério - ou mesmo de negociantes estrangeiros que
riam ser desembarcadas das naus. O o bjetivo era evitar o uso da cidade viviam em Lisboa. Dois exemplos servem para ilustrar o uso de capitais
como entreposto de fazendas para o Brasil (AHU, cód. 1253; BC U, v. 2, provenientes da Ásia. Em 1783, tentando remediar "um dos maiores obs-
p. 60; Ribeiro, 1805, p. 99). táculos que há para a restaurar/io e aumento do nosso com ércio na Ásia, a
O rigor se refletiu no renascimento dos con tatos marítimo diretos entre falta de negociantes com suficientes cabedais na cidade de Coa", o pró-
Portugal e o Oriente. 41 Entre 1777 e 1787, pelo menos 91 navíos zarpa- prio governador de Goa incentivou "um acreditado negociante mauro (... )
ram de Lisboa para Goa e Oiu, além de outros pontos do Oriente, como chamado Mahomed Amaram Sayúu" a mandar um navío para Lisboa. O
Macau e Bengala (AHU, cód. 962, fls. 2-115). A eficácia da medida é evi- objetivo era escoar as mercado rias que estavam armazenadas em Goa. No
dente, se comparada ao período de vinte anos entre 175 6 e 1777, quando final, apesar de o navio ter violado as leis do Império e ido a Bahía, a ex-
apenas oitenta viagens foram feítas entre Lisboa e o Oriente (Carreira, pedii;áo acabou dando prejuízo. 43 Em 1787, o náo-pagamento de urna letra
1998a, p. 817). Muitos navíos continuaram violando as leis, contudo, indo passada em Macau fez com que Manoel Eleutério de Castro, um dos líde-
ao Brasil - Salvador o u Ria de Janeiro - na viagem de retorno a Portu- res do comércio do O riente, tivesse um dos seus navíos arrestados em
gal (AHU, cód. 962; AHU, cód. 1258). Outro artifício bastante comum Lisboa (ANTT, Junta do Comércio, Livro 124, fls. 134-136).44 No caso
era aproveitar a escala obrigatória em Luanda para ali vender as fazendas das expedii;óes financiadas por estrangeiros, segundo os maio res negoci-
asiáticas (AHU, cód. 5 49; e AHU, cód. 962). Parte do incentivo para as antes de Lisboa, apenas urna das sociedades comerciais que enviavam na-
violai;óes da leí vinha, na verdade, das dificuldades que os negociantes lis- vios ao Oriente era independente dos estrangeiros (ANTT, Junta do
boetas enfrentavam para financiar suas expedii;óes. Na época, os juros pa- Comércio, Livro 125, fl s. 74v-77; ANTT, Junta do Comércio, Livro 120,
gos sobre as letras passadas usadas para financiá-las podiam chegar a 40%. fl. 120; Pedreira, 1995, p. 116).
Assim, o risco intrínseco do comércio do O riente fazia com que os negoci- No caso do Brasil, a maior parte dos créditos era constituída de le-
antes burlassem a lei para obter retorno para os altos investimentos.42 tras ou mercadorias. Segundo Ernestina Carreira, "sem as escalas no Rio
de Janeiro niio havia possibilidade de arranjar fundos e mercadorias para
o Oriente" (Carreira, 1998a, p. 828). A dependencia era tanta que, em
•10 rigor pode ser medido pelo c;1so d., nau Sao José e Conceir,:iio, a embarcar;iio cujos nego-
ciantes escrcveram uma pe tir;iio pedindo par,, e nviar mcrcAdorias ,10 Brasil, cm ) 770. Ao ro- 1776, um grupo de negociantes portugueses propós o envio anual de
mar conhccimenro do episódio, Lisboa reagin cons iderando a petir;,io " fantástica" e expediu um navio com fazendas brasileiras, para Moi;ambique e Índia. Desta
um alvaról reafirmando a lcgislJr;iio cm vigor (AHU. cód. 472).
2
forma, teriam os créditos necessários para urna sociedade que pret endi-
• A elevada mx,1 de 40% era o pnnc1pal obstáculo. Se niio fossem pagds e m dia, as letras so fn-

am reajuste imcdiato. Em 1769, por exemplo. dois dos maio res nego ciantes de Lisboa, Do- am criar para o comércio naquelas regióes. O que os negociantes náo
mingos Francisco Lisboa e Dom ingos Lopes Loure iro, riveram nm navio retido cm Lnanda diziam claramente é que sua petii;áo implicava um comércio direto en-
qnando se prcparavam para enviar f.1zcndas asi,\tic~s para o Brasil. Para justificar a nccessida-
de de despachar as mercadorias, os respo nsávcis pelo navio disseram qne teriam de pagar as
tre Brasil e a Ásia. Assim, a idéia acabou esbarrando na desconfiani;a da
letras usadas pilr,1 financiar a cxpcdir;iio tres días após a chegada do navio a Luanda. O paga-
menro devena ser fc,ro no Brasil. Se 1sto n.io Acontcccsse, terrnm de arcar com 1uros de 5%.
Ver "pctii,:iio de Joiio Fe rre ira, capit,io do n.1vio Nossa Sen ho ra do Livrameuto e S.io José, o ºNo fina l, a Junta do Comércio culpan o governador e assnmiu os c usros da expedir;iio (ANTI,
ex. Manocl José de S,I e F.1ria; os oficiais e c.1rregadorcs do mesmo abaixo-assi nado ", em 7 de Junra do Comércio, L. 12 1, fls. 11 9-12lv.)
o umbro de 1771 (AHU, Angola, av., ex. 55). Nonrro caso, cm 1785, urna ncgoc,a r,:iio depen- ..Para ma,s casos de navíos armados com recursos provenientes do Oriente, ver perir;ao de
día de letras com jnros de 34%. Porque a expedir,:iio extrapo lou em vmre meses a d,ua de Joao Ferre,ra, capitao do nav10 Nossa Senhora do Livrnmenro e Sáo José em 7 de o urubro de
vencimen ro d;1s letrns, os negociantes tiveram de pagilr mais 34% sobre o valor das mesmas 1769 (AHU, Angola, av., ex. 55). Para o nrros casos, ANTI, Junta d o Comércio, L. 121, fls.
(ANTI, Junta do Comércio, L. 123, fl. 18Jv- 18 4v). Ver mmbém Pcdre,ra, 1995, p. JJ6. 56-56v.; e ANTI,Junra do Comércio, L. 121 , fls.122v-125.

362 363
CAPITULO 11 O ANTIGO REGIME NOS TRÓPICOS A DINÁMICA IMPERIAL PORTUGUESA

Junta do Comércio. A parte do pedido que dizia respeito ao envio do rentes afi5es, em vinte e cinco cantos de réis, os quais devem ser pagos
navio do Brasi l para o Oriente foi negada duas vezes. Para nao repetir o em generas do país" (ANTT, Junta do Comércio, Livro 113, fls. 52-
que acontecera décadas antes, quando navios foram enviados diretamente 55).47
do Brasil para o Oriente, a Junta impós urna condi~áo. O destino final Embora tendo como resultado repor Lisboa no centro do comércio
do navio com fazendas brasileiras, que os negociantes queriam que fos- com o Oriente, o protecionismo praticado entre 1761 e 1772 náo con-
se anualmente a Mo~ambique e Índia, teria de ser Lisboa (ANTT, J unta seguiu quebrar a hegemonía brasileira em Angola. Cessado o comércio
do Comércio, Livro 117, fls. 184-187v.; ANTT,Junta do Comércio, Livro direto entre Brasil, Ásia e África, os brasileiros continuaram adquirindo
118, fls. 43-47v.). fazendas de negros em Lisboa - para espanto dos administradores me-
Entre 1777 e 1787, pelo menos dez navios que zarparam de Lisboa tropolitanos.48 Em Luanda, recorriam ao contrabando de armas e pól-
para o Oriente declararam a in ten~áo de fazer escala em algum porto vora para garantir se us negócios com escravos. Alguns n egociantes
brasileiro- Rio de Janeiro ou Salvador (AHU, cód. 962, fls. 2-115). 45 Ian~avam máo até mesmo de numerário e ouro. 49 A chave do seu suces-
Entre as mercadorias embarcadas no Brasil, o destaque era o tabaco so, contudo, assentava-se na estratégia de financiar seus negócios com
baiano, que se tornou moeda de traca em Goa, cm 1773 (Carreira, "produtos da terra" - "geribitas, ou caxassas (sic), tabaco, carne seca
1998a, p. 815; AHU, cód. 1258; ANTT, Junta do Comércio, Livro 122, do ceará, e outras". Porque náo tinham acesso a estas mercadorias, os
fls. 141-141v.). Algumas expedi~ócs, contudo, dependiam também de negociantes metropolitanos, apesar do farto acesso as fazendas de negro
a~úcar car regado no Rio de J aneiro (AHU, cód. 962; ANTT, Junta do após 1772, náo conseguiam competir comos brasileiros. Assim, em 1779,
Comércio, Livro 124; ANTT, Junta do Comércio, Livro 122, fls. 121 v.- após todas as leis protecionistas, admitía-se que os últimos ainda eram
122). Além das mercadorias, as negocia~óes eram viabilizadas com em- "árbitros e inteiramente senhores do comércio e navega~áo" de Angola
préstimos em letras. Em 1773, por exemplo, os responsáveis por duas (AHU, cód. 549).
naus da Índia retidas em Luanda porque pretendiam despachar para o No final do século XVIII, o aprofundamento do protecionismo teve
Rio de Janeiro mercadorias trazidas de Goa disseram que mais de tre- como conseqüencia urna situa~áo de semicolapso do sistema de financia-
zentas pessoas - do Río e de Portugal - estavam "interessadas" na mento do tráfico. Em 1783, foi criado o chamado direito de baldeaqiío,
negocia~áo. 46 O utra modalidadc de financiamento era através da par- pelo qual foram reduzidos, em Lisboa, os impostos de importa~áo dos
ticipa~áo acionária de negociantes do Brasil. Neste último caso, cotas navios proveni entes de Goa (BCU, v. 2, p. 206; AHU, cód. 962, fls. 47-
acionárias eram adquiridas em traca de generas brasileiros consumi-
dos no Oriente. Em 1770, por exemplo, o responsável por urna ex-
pedi~áo montada em Lisboa disse que tinha "concedido a diversos
•'Na falta de intcressados, os recursos necessários pua a cxpedi~iio dcveriam ser garantidos
negociantes da prafa do Rio de j aneiro poderem se interessar por dife- por um agente dos negociantes que estava no Ria. Noutros casos, a org,1111za~ao das exped1-
~óes estava a cargo de sociedades que envolviam grandes negociantes lisboetas e cariocas.
Este foi o caso, por exemplo, da sociedade entre Domingos Gomes Loureito, de Lisboa, e a
45
ANTI, Junta do Comércio, L. 1 18, íls 62-63v; L. 120, íls. 7 e 66; L. 122, íls. 1:l1 v.- 122 e viúva de Braz Carneiro Leiio & filhos, do Ria de Janeiro (ANTI, Junta do Comércio, ma~o
144-147v; L. 123, fls. 95-96, 145 e 150; L. 124. 51, ex. 169).
46 <BQ acesso as fazendas asiáticas fazia-se possível, no próprio Brasil, porque os tripulantes ven-
Ofício do governador de Angola, Fntncisco lnocencio de Souza Conr1nho, para Mamnho de
Mello e Castro em 23 de ¡1111ho de 177 3 (AHU, Angol,1, av., ex. 55). Ver também pert~fo dos drnm genero~ d.1 indu com descanto de 40% (ANTI, Juntd do Comén:10, 111.lljO 10, ex. J6J.
oficiais e cartegadores da nan Sfo Jo~é e Concei~iio, s.d. (AHU, Angola, ,1v., ex. 55). Para ºPara o uso de dinheiro, ver Mello, p. 559. Para o uso de ouro, ver ofício do govemador
ourros casos de expedi~óes que dependiam de lerr,1s passadas no Ria, ANTI, J unta do Comér- Miguel Antonio de Mello pua Rodrigo de Sonza Courinho em 11 de onrubro de 1797 (AHU,
c10, L. 124, íls. 71-72. Ango la, av., ex. 86).

364 365
CAPÍTULO 11 O ANTIGO RE G IME NOS TROPICOS A DINÁMICA I MPE R IAL P ORTUGUESA

co naquela regiáo. 55 Para comprar escravos, seus navíos tinham primeiro estrangeiros foi o Loango. A rcgiáo já era freqücntada por navíos holan-
de ir ao castelo de Sáo Jorge da Mina, onde pagavam aos holandeses o deses em 1670. O problema ainda náo despertava grande atenr;áo porque
equivalente a 10% das mercadorias levadas do Brasil. Só assim, pagando náo afetava as rotas de escravos para Luanda. Os efeitos negativos só se
urna espécie de imposto, podiam fazer negócios. Aquel es que ousavam náo tornaram patentes quando o suprimento dos panos que circulavam como
pagar corriam o risco de terem os navíos apresados - como aconteceu moeda na cidade foi afetado. Chamados de macutas, os panos vinham do
com vários "moradores da Bahía", que tiveram 3.000 escravos tomados Loango e serviam náo só como moeda mas também para fabricar velas de
dos seus navíos entre 1716 e 1718 (AHU, cód. 21, fls. 315v-316v.).56 navíos e vestir os escravos transportados nos navíos negreiros. Na forma
Segundo as regras holandesas, os navíos com bandeira portuguesa eram de moeda, eram cozi dos com palhas e circulavam em Luanda desde a fun-
terminantemente proibidos de negociar com mercadorias européias. Se dar;áo da cidade, em 1576 (BML, cód. 6, fls. 25v-30).
quisessem comprar escravos, tinham de usar aquelas trazidas do Brasil. Os efeitos da crise iriam transformar em definitivo o sistema monetá-
Com esta estratégia, os holandeses se tornaram distribuidores das princi- rio lua.ndense. Em vez de produzirem macutas, os africanos do Loango
pais mercadorias do tráfi co da Costa da Mina - o ar;úcar e o tabaco bra- preferiam os lucros maiores proporcionados pelo tráfico de escravos com
sileiros. Tinham também acesso ao ouro brasileiro ilegalmente levado para os estrangeiros. No início, tentando desestimular seu uso, os governado-
lá para comprar escravos (AHU, cód. 912, fl. 63; AHU, cód. 24, fl . 92). res de Angola depreciaram o valor das macutas em relar;áo aos réis. Ao
Só restava aos negociantes baianos a alternativa de ir aos fortes controla- mesmo tempo, os contratadores, que tinham a obrigar;áo de garantir o
dos pelos ingl eses e adquirir um passaporte que os autorizava a navegar suprimento de moedas, introduziram outro tipo de moeda na cidade: os
com bandeira da Inglaterra. Somente de posse <leste passaporte, que cus- libongos. A depreciar;áo ordenada pelos governadores, na verdade, nao
tava vinte onr;as por navío, escapavam do risco de terem seus navíos apre- era <litada apenas pelo interesse público. Tudo ind ica que desvalorizar as
sados pelos holandeses. Em 1729, os prejuízos eram táo evidentes que se macutas era também parte dos seus negócios particulares com os con-
cogitou proibir o envio de navíos brasilciros para a Costa da Mina (AHU, tratadores. Tendo já resistido a urna tentativa anterior de introduzir no-
cód. 22, fls. 271 v-273; AHU, cód. 909).57 vas moedas, durante o tempo dos holandeses, a popular;áo de Luanda
Em Angola, o primeiro foco de embarques de escravos controlado por reagiria violentamente contra a crise monetária.
Escassez e especular;áo se combinararn para fazcr com que as poucas
macutas que ex istiam circulassem com valores diferentes. Macutas sem
uum exemplo de 1699 mosrra que negociantes do Recife também 111 vcsn,1m n.1quela regiiio. a mesma qualidade das fabr icadas no Loango passaram a circular. Dura-
Neste ano, vários deles, que tinham 111teresse numa snmaca apresada e saqueada pelos ho lan•
va.m menos que as origina.is e tinham seu valor reduzido táo logo se des-
deses, f1zeram urna peri~iio reclamando indemza~iio (AH U, cód . 5 1, íls. 351-351 v.). A única
forma q ue Lisboa encon trou p,,ra lid.ir coma sm1a~iio fo¡ pro por que os negociantes da Bahia gastavam. O desagrado atingia altos níveis porque náo havia ''sen/Jor de
enviassem n,ivios armados para os procegerem conrra os holMtdeses (Hanson, 1997, pp. 279- gado que mandasse vender ao a<;ougue uma res nem pescador que queira
280).
560 envio do onro para a Cosra da Mina perm,rneceu co mo um grave problcnu pelo menos
pescar" (BML, cód. 6, fls. 4 9-5 1). O ponto-limite da crise fo i quando os
até 17 37 (AHU, cód. 9 12, fl. 63). O pagamento dos 10% é também mencionado por Verger, soldados da tropa de infantaria de Luanda perceberam que seu salário
1987, pp. 43-44. já náo tinha mais valor real. Q uando pagos pelos contratadorcs, os res-
170 plano de a c;ibar como tráfico na Costa da Mina logo se revelo u impraticável. Em 1723,
Lisboa enviou unrn fro ta , que conseg11iu desman telar o tráfico dos estrangeiros por alg uns
ponsáveis pelos se us soldos, as m acutas que recebiam tinham valo r no·
an os. Ass1m, as rech1ma~óes dos negoci.1ntes baianos .1inda co ntinnavam na segnnda mernde minal de 150 réis. Quando tentavam usá-las, contudo, os soldados
do sécnlo XVIII. Men~óes sobre a expedi~iio podem ser e ncontradas no AHN, cód . A-1-3, fls. constavam que seu valor real era de apenas trinta réis. A insatisfa~áo
54-56; e BNL, códice 8553, fls. 89-92v. Par.1 .1s reclama~óes dos negociantes ba1anos, ver
AHMOP, J C 1 O; ver a inda ANTf, Junta do Comércio, L. 113, fls. 25-26.
estouro u numa revolta, em 1682, cujo resultado foi a dcstruir;áo da casa

368 369
O A N TI G O RE GI ME N OS TR OPICOS A DI NÁ M I C A I M PE R I A L PO RT UGUES A
C AP I T ULO 11

do co ntratador e saques nas " ruas, prac;as e estradas de Luanda" (BML, náo tinham meios militares para enfrentar a siruac;áo (AHU, cód. 554, fls.
cód. 6, fls. 54v -57). 243-243v.). Reac;óes fortes só surgiram q uando circularam rumores de que
Provando que a revolta fora eminentemente militar, a primeira atitu- os ingleses planejavam construir um forte na regiáo, em 1721 (BML, cód.
de das autoridades foi providenciar para que o pagamento da tropa fosse 12, fls. 311 v.-312v; AHU, cód. 554, fls. 157-157v.).6º Na época, já signi-
feito co m os valorizados panos asiáticos. 58 Em última instancia, contudo, ficativos, os embarques alcanc;avam "3 para 4 mil escravos" por ano. Os
Lisboa acabo u tendo de concordar com parte das demandas dos morado- reflexos fizeram o contratado r dos direitos de arrecadac;áo de impostos
res de Luanda; a principal delas sendo a permissáo para cunhagem e cir- sobre os escravos exportados em Luanda reclamar dos prejuízos e pedir
culac;áo de moedas de cobre. Assim, embora a cunhagem nunca tenha sido reduc;óes nos valores dos próximos contratos (AHU, cód. 554 , fl s. 154-
permitida, a circulac;áo de moedas de cobre acabou por ser liberada. Em 154v.; AHN, cód. A-1- 2, fl. 133).
vez de fornecidas pelo contratador do direito de escravos, as moedas de Em 1752, navios ingleses foram a ilha de Sáo Tomé, território po rru-
61
cobre passaram entáo a vir diretamente da Casa da Moeda de Lisboa. As gues, e deixaram escravos embarcados em Cabinda e no Ambriz. A ini -
vezes também feitas de prata, e sempre abaixo da quantidade necessária ciativa er a fruto de uma sociedade anglo-espanhola com suporte logístico
para suprir a econo mia de Luanda, preservaram o nome de macutas.59 na ilha. Depois de Sáo Tomé, o nde foram mantidos em armazéns, os cati-
Ém fins do século XVII, os negociantes de Luanda já náo podiam mais vos cruzaram o Atlantico em navíos espanhóis. A sociedade comec;ou a
enviar navios para carregar escravos no Loango (AHU, cód. 554, fl. 20). funcionar em 1752 e previa o envio de 3 mil escravos por trienio para
O mo tivo: os episódios de violencia e piratari a provocados pela grande Buenos Aires. Sempre numa operac;ao conjunta em que nav ios espanhóis
freqüencia de navios ingleses, holandeses, franceses e espanhóis (AHU, iriam a ilha uma vez por ano para embarcar escravos lá deixados por in-
cód. 908). Maiores que os navíos que iam de Luanda ao Loango - pro- gleses.62 Certamente incluindo também funcionários da administrac;ao
vavelmente as pequenas sumacas saídas do Brasil - os cstrangeiros as colonial de Sáo Tom é, o nível de organizac;áo da sociedade assustou Lis-
to mavam e destruíam com facilidade (BML, cód. 12, fls. 311 v.-312v.). boa e )evou a construc;ao do primeiro presídi o no norte de Angola, no
Demonstrando fraqueza, vários governadores de Angola responderam que Encoje, em 1759.
No geral, os embarques se deslocaram no sentido norte-su!, g radual-
mente se alastrando do Loango na direc;áo do su! do rio Zaire - atingin-
liAH U, cód . 554 , fls. 6Jv-6J . Segundo Elrns Alcxandre da Silva Co rré.1, .1 iutrodu~ao d.1 mo-
eda d e cobre cambé m derono u nma revolta militar - em 1694. Assim como em 1682, os
do as vizinhanc;as de Luanda (Miller, 1991, p. 162). O modelo de tráfi co
so ld ados tenrar.1m .1ucar ,t anto rid,tde respons,ível pela d istribui~~o das moed,ts, o o nvidor- dos estrangeiros era baseado em altos níveis de descentralizac;áo organi-
real. Correa 11.io mencio na as macntas e diz que os libo ngos valiam ent;¡o c in co réis. ··A tropa
o rcccbia de dez em dez dus em pag.1menro de seteccntos ré1s que c,1d.1 so ldado g,111h.1va po r
mes; .,lém de nm s.1co de Í.t rinlrn de m.111d1oc,1." Aprove1ta11do ,1 111trod11 1;;¡o J .1 nov,1 mocd,1. 60 Em 17 24, Luanda env1ou urna ex ped1~;i o ,10 Loango para averig ua r se .is 111forma~óes sobre
tenton-se d im inuir os soldos dos so ldados para duzenros réis, o qne de flagra n a crise (Correa. a construfiiO do fo rre eram verídicas (AHU, cód . 55 4, íls . 159-159v.).
vol. l., p. J.l l ). 61Na época, preocupados com os "da nos espiciruais" sobre os escravos embarcados no Loango
59
0 fo rnccimenro das macntas fe itas e m Lisboa nnuca fnu ciono u satisfato riamente e pode est;1r po r ho landeses e ingleses, os padres de Lua nda escreveram urna carta para o Conselho Ultra·
na o rige rn da m ihu~.io de geribitas e hvr,1 n~as (letr,1s emitidas pelos contrntado res) co mo marino . O CU solidarizou-se com os padres e também demonsrro u preocupa~.io com os des-
moed,ts. Para o e nvio de rnacntas para L11.1nda e co nstantes reclama~óes do governadores de tinos dos a fricanos levados p ara terras " hereges" das Américas. Admitiu fra ncamente, co n rudo,
Angola, ver AH N, cód. A-1-2, íl. 25; AH N, cód. A- 1-3 , fls. 52-54; 250. Para o envio d e macntas que Porruga l niio podia fazer nad a porq ue nao tinha aucoridade sobre a regiiio (AH U, cód .
d e cobre e prata pa ra Lnand.1 entre 1783 -1795, ver AHTC, L. de Registro das Provisóes e 554, íls. 207 -207v.).
Cartas Régias Expedidas para Angola, 1784- 1804 . Em fins do século XVlll, o cá lculo era que , zc arra do Cap1r~o•-Mor de Siio Tomé, Jo.io Fra ncisco de Almeida, pa ra o governador de An-
L1sbo.1 t111ha enviado 299 con tos d e réis para Angola desde 1772 (AH U, Ango la, av., ex. 86; e gola, Anto 1110 de Vasco ncelos, em 6 de abril de 1760 (ex. 44, Angola, AH U). Sao To mé co n-
AH N, códice A-2- J , fls. 11 v.- l 5v. P,1r,1 111form,1~óes .1diciona1s sobre o envio de macntas para nnuo u como po rro de reabascec1mento dos nav1os esrrange1ros aré m a1s tarde (AH U. Angola,
Angola, ver AH U, cód . 680, íls. 4 e lJ. ~v., ex. 55, Angola; AHN , cód. A-1-J, íl. 98 ; AH N, cód ice A-2-2 , íls. .lJ0v-235) .

3 7O 3 7 1
o A N 1 1 u u ""e u j Me ·~ V> 1 " V ~ 1 .... V, ,... V ' ,. r \ ""' . . . . ,.., ' .... • .. • • • ..... ... • - • • • - - - - -

zacional. Náo havia, por cxcmplo, fciras, mercados dos scrtóes onde os admitiu náo ir a Luanda havia oito anos e acabou por se complicar ao
negociantes de Luanda mantinham agentes (feirantes) que inrermedia vam dizer que "seu modo de vida era fnzer o negócio, em Mbnkn, nas terrns dn
seus negócios. A desce11traliza~iio se retletia também na existencia de mais rain/Ja Ginga e [do reino do/ 1/olio" - regióes também sensíveis para o
porros, pelo menos quatro, 110 Loango, Cabinda, Molembo e Quitungo, fornecimen to de escravos da cidade (Millcr, 1989a, p. 383). A multiplica-
enguanto os portuguese s concentrav am seus embarques cm apenas dois ~áo de casos como este fez com que, no norte, os embarques fossem esti-
porros, Luanda_ e Bcnguela. Além disso, os esrrangeiro s prefcriam porros mados cm 20 mil escravos, em 1773, enguanto em Luanda vários navíos
p:que,~os. Cabmda, por exemplo, scu mais importante porto, náo rece- (14) esperavam por cativos. 6 4
b,a mrus do que dez navíos por ano - o que era muito menos que os vi ntc Desde o início, os planos para repelir os navios estrangeiro s giraram
que ian1 a Luanda ou Benguela. em torno da constrU<;áo de forres nas áreas de embarques mais intensos
Por trás de cada porto do norte, havia um chefe africano colaborand o (AHU, cód. 546). Localizados na costa, e, portanto, em situa~áo privile-
comos est:angciro s. O mesmo acontecía do lado portugues, onde O reino giada, os fortes poderiam atacar os navios e erradicar o problema imedia-
de Kass~n¡e er_a o intermediá rio dos escravos adquiridos em regióes do tamente. Tinham, contudo, indesejáveis implica~óes políticas devido as
leste afncan? 111acessíveis aos feimntes e pumbeiros dos negociante s de reclama~óes na Europa. Do ponto de vista militar, cusravam caro e as vezes
Luanda. A d,fcren~a, no entanto, era o grau de dependenci a dos portu- eram contraprod ucentes - como ficaria claro mais tarde. Daí por que
gueses. Enguanto os estrangeiro s negociavam com vários líderes africa- finalmente optou-se pela constru~áo de presídios, com duas vantagcns.
nos, ~assanje era o intermediár io exclusivo dos cativos comprados pelos Em primeiro lugar, estavam localizados no interior e em territórios inega-
'.1egoc1antes d~ Luand_a desde o século XVII. Em 1794, por cxemplo, 0 vclmente sob jurisdi~iio portuguesa , náo provocavam atritos mm outras
¡aga de Kassan¡e parahsou os negócios na feira (de Kassanje) ao sustentar na~óes. Em segundo lugar, pareciam ser urna solu~áo eficaz para bloque-
um impasse de quase dois anos em torno dos pre~os dos escravos vendi- ar as rotas que iam do interior para os pontos mais procurados pelos na-
dos na feira. Exasperado s para encontrar uma solu~áo para a crise os víos estrangeiro s - Loango, Cabinda e Molembo.
negociantes luandenses substituíram o diretor da feira duas vezcs e c~gi- O primeiro presidio construído no norte localizou-se nas terras dolí-
taram abandonar Kassanje. No final, a quantidade de créditos que rinham der africano Mbwela, um dos ndembus da regiáo. Nas terras de Mbwela,
no_s ~ertóes os fez concordar com o aumento do pre~o da peqn dn Índia existia um rochedo, o Encoje, que supostamen te seria ponto de passagem
ex,g,do pelo soberano africano (AHU, cód. 1628; cód. 1629; cód. 1630). obrigatório de caravanas de escravos indo para o Loango. Acusado de
A vantagem estrangeira vinha também do farto fornecimen to de mer- arrecadar impostas por cada escravo que atravessasse suas terras, o ndembu
cadorias baratas aos africanos. Comandada s pelos últimos, eficientes re-
des de comércio distribuíam -nas pelo interior e desviavam os fluxos de
'"All{o de pcrgunras feit,1s .10 réu 13clchior C lemente Domingos Mamns pelo crime de contra•
escravos de Luanda. Na cidade, o número de escravos provenient es do
b,1ndo em 31 de 111,110 de 1774 (AHU, Angol.1, .1v., ex. 60). As dificuld.1des causad~s pelo co-
norte sofreu urna queda de 5 mil para apenas cem.63 Em 1771, por exem- mérc10 ,1ur611omo dos 111u/J1res eram tam,1nh,1s que, em 1721, ,1s ,1urond~des de Luand,1
plo, um mubire (negociante) preso com fazendas estrangeira s numa área propuser,1m que os africanos fossem extcrmin,1dos (BML, cód. 12, fls. 311 v-312v.; 3 lJv-3 17).
Em 1787, o comércio dos mubires no Bengo - reg1.io produror,1 de ,1limenros- colocou cm
vital para o tráfico luandense - o Golungo - , revelou o porque dos pro- risco o ,1b,1~tec1mento de generos ,1l11nentic1os pu,1 Luand.t. De posse d,1s cob1~,1d,1s fazend,1~
blemas da cidade. Originário das terras do Mussulo, na costa de Angola, estr~ngeiras, compr,1vam boa parte dos generos que deveri.1111 ir par.i a cid,1de (AHN, cód. A-
17-5 , fl. J5v.). Para ,is csnmativ.1s do tr.Hico no norte e do número de n~v,o~ c~per,111do por
c,cr,1vo, em L11,111d~. ver ofíc,o do govenudor de A11gol,1, Antonio d e Alenc~rre, p~ra Mrtrnnho
6
. .
lOfíc10 do govern.1dor de Angol~. Fr,111c,sco l11oce11c10 de Souz.i Cour111 ho 1 p •ir,n Fídll<.:ISCO de Mello e c~stro em J 1 de m.110 de 177J (AHU, A11gol,1, ,1v., ex. 57). !,obre o~ mub1re,, ver
Xav1er Mendo11~~ Furr.ido em 4 de m,1r~o de 1766 (AHU, Angola, ,1v., ex. 50). 1,1mbém Miller, 1988, pp. 200, 225.

372 3 73
CAPITULO 11 O ANTIGO REGIME NOS TRÓPICO S A DINÁMIC A IMPERIA L PORTUGU ESA

seria um dos grandes beneficiários dos embarqu es (AHU, cód. 546; AHU, seriam cedidos para as tropas do governo tao logo fossem requisitados
cód. 547; AHU, cód. 408). Para construi r o prcsídio, as for<;as de Luanda (AHN, cód. A-17-2, fls. 38-40v.). A importancia dos animais pode ser
lutaram contra urna coalizáo de afri canos de vários reinos. Reconhe cida- medida pelo duradou ro comércio de cavalos que existia com o Brasil des-
mente um erro por subestim ar a disseminac;áo das redes interioranas do de fins do século XVI (Alcncastro, 2000). O mesmo era táo irregular,
tráfico, o ataque durou sete meses e marcou o início de uma longa série contudo , que raramen te satisfazia as necessid adcs militare s angolan as.
de confron tas militares no norte de Angola. 65 Em 1683, por exemplo , durante urna expedic;ao militar contra o suces-
A maior parte dos confron tas acontece u entre 1784 e 1796. Tropas sor da rainha Ginga, foi necessár io provide nciar urna importac;áo de
organizadas por Luanda defronta ram exército s africano s que portava m emergen cia de trinta cavalos e oitenta homens , depois de já terem sido
farto armame nto adquirid o dos estrange iros. O grosso dos soldado s de importa dos 250 soldado s e trinta cavalos (AHU, cód. 554, fl. 36v.;
Luanda era formado pela chamad a guerra preta - africano s recrutad os
Correa, 1937, vol. 1, p. 302).
nas áreas controla das pelos portugu eses - , além de tropas portugu esas e No início, Lisboa tentou resolver a qucstáo jogando com as disputas
brasileiras. Nao atingind o mais que poucas centenas, as últimas eram tro- entre donos de nav ios negreiro s e gove rnadores em torno da preferen -
pas profissionais supostam ente mais bem treinadas do que aquelas que cia para expedir navios de Luanda. Tentou-se entao incentiv ar a int~o-
vinham dos sertóes - também cm parte formadas por brasileir os degra- duc;áo de cavalos oferecen do preferen cia na saída do porto aos nav1os
dados nos presídio s e distritos. Seu papel nos planos belicistas dos gover- dos negocia ntes que os trouxess em do Brasil (AHU, cód. 554, fl. 106).
nadores vinha da crenc;a em sua suposta aptidáo ao clima de Angola, apesar A medida, que na prática resolvia os problem as dos negocia ntes com as
de alguns consider arem os "bmsileiros naturalm ente vaidosos e com grande regras imaginá rias que os governa dores criavam para empatar seus ne-
repugna ncia a vida de soldados". 66 gócios, esbarrou no tamanho dos navios que navegav am para An~ola ~
Sempre abaixo do número desejado pelos governadores, lutaram nas as pequena s sumacas (AHU, cód. 908).67 Alegand o que seus nav1os nao
tres grandes campan has do perído: Cabinda (1783), Mussulo (1790) e eram adequad os para o servic;o, os negocia ntes colabor avam pouco com
Namboa ngongo (1 793-1794) (AHU, cód. 549; Correa, 1937, vol. 2, p. a Coroa. Sua relutancia foi determi nante para forc;ar Lisboa a tomar urna
302; AHU, cód. 1633). Tiveram menos importa ncia, contudo, do que os medida mais drástica , em 1706, quando tornou-s e obrigató rio que os
cavalos que fortal eciam as tropas de Luanda. A preocupac;ao comos últi- navios negreiro s levassem pelo menos um cavalo para a Angola (Ribei-
mos era tamanha que existia estrito controle sobre os animais. O argu-
ro, 1805, p. 95 ).
mento era que sua dissemin ac;áo retiraria um dos principa is trunfos nas Do papel ao exercíci o da lei, contudo , se passaram mais duas déca-
guerras contra os africanos. Em alguns casos, era necessário assinar ter- das. Em 1719, corriam rumores de que o número de cavalos em Luanda
mos de confianc;a garantin do que náo seriam levados para os sertóes e que tinha baixado para apenas 19 e que logo nao haveria mais nenhum para
protege r a cidade (AHU, Rio de Janeiro, av., ex . 11, doc. 51 ). Do lado
'jCarra do governado r de Angola, Anto nio de V,,sconcellos, para Sebasriao Xavier
de Men•
brasileir o, a desculpa para o descump rimento da lei continu ava senda a
don~a Furrado em 22 de abril de 1762 (AHU, Angola, av., ex. 45). Para a dura~ao da inadequac;áo das sumacas para o transpor te de cavalos - até mesmo os
expedi-
fªº envi.1d.1 co nrr,, o 11de111/m, ver CCU em 7 de fevemro de 1770 (ANTf, m.tfO
3 19, ex. governa dores da capitani a do Rio de Janeiro defendi~ m o ponto de vis-
427 ).
"Sobre as aptidóes e defeitos das tropas br.1sileirns, ver o parecer sem data sobre a demo
li,; iio
ta dos negocia ntes (AHU, Rio de Janeiro, av., ex. 13, doc. 51 ). Em 1722,
d o presidio do Encoje na ex. 180, Angola, AHU. Ver t,1mbém KVárias nofóes a respeito
de
Bengncla e Angola (1792)" (AHU, Angola, av., ex. 77). Par.ta ida de so ldados brasileiros
ver
o ficio d o governado r de Ango l.1, M.111oel de Alme,da V.1sconcellos, para Mamnho de "Outra raz.io para o m.1logro da med,d.1 fo1 que os própnos govcrn.1dores de Angol.1"
Meilo e s.1bo•
Castro em 24 d e novembro de 1790 (AHU, Angol,,, av., ex. 75 ).
car.1111 (AHU, cód. 554, fl. 1 IJv. ).

374 375
\.. A t"I I U LU 11
O ANTI GO REGIME NOS TROPICOS A DINÁMICA I MPER I A L PORTUGUESA

o número dos animais havia caído para apenas 14 e o governador de gola a sugerir a cria~áo de cavalos em Angola- no Dande ou Bengo (AHN,
Angola amea~ou proibir a saída dos navíos que entrassem em Luanda cód. A-1-3, fls. 183v-184v.). 68
sem cavalos. A amea~a nao parece ter sido levada a sério por ninguém. Entre 179 1 e 1797, um total de 121 cavalos foram transportados para
Entre 1723 e 1726, por exemplo, nenhum cavalo fo¡ transportado da Angola - 69 para Luanda e 52 para Benguela (AHU, cód. 1635, fls. 3v-
Bahía para Luanda (AHU, Bahía, av., ex. 26, doc. 2332). Diante da gra- 4, 14v-15, 19v-20, 33v-34v, 45v, 50v-51, 58-59).69 O esfor~o nao ev1tou,
vidade da situa~áo, Lisboa renovou as exigencias, em 1726, dessa vez contudo, o falh an~o da parte central da estratégia militarista dos gover-
reservando urna novidade para aqueles que diziam que seus nav íos náo nadores - a constru~áo de fortes nas áreas em que os estrangeiros mais
tinham espa~o para cavalos. A partir de entáo, aqueles que usassem essa embarcavam escravos. O primeiro forre, que estava sendo construído em
desculpa teriam de arcar com os custos do transporte de cavalos em Cabinda, foi destruído pelos franceses antes mesmo de ser terminado, em
navios maiores (Ribeiro, 1805, p. 136). 1783. O segundo era no Ambriz e acabou sendo demolido pelos próprios
Só entáo Luanda passou a receber um suprimento contínuo de cava- portugueses, em 1792, depois de pressóes inglesas. 70 A situa~áo só muda-
los do Brasil. Na época, o objetivo era dotar a cidade de um regimento de ria significativamente como abandono do tráfico atlántico por ingleses e
cavalaria com pelo menos cem cavalos. Antes mesmo da chegada dos pri- franceses, no início do século XIX. Já freqüentando o norte de Angola
meiros, construiu-se um quartel com instala~óes para 120 cavalos. No antes mesmo de os europeus terem parado de embarcar cscravos, os ne-
início de 1728, esperava-se a chegada de setenta cavalos da Bahía e vinte gociantes brasileiros aproveitaram a oportunidade para privilegiarem a
de Pernambuco (AHN, cód. A-1-1, fls. 40v-41v.). Em menos de um ano ,
já existiam 83 cavalos em Luanda. A opera~ao de emergencia fez com que 68 O fício do governador de Angola. Francisco lnocenc10 de Sonza Co nrinho, para Frnncisco
os cavalos fossem comprados no Brasil por 45 e 60 mil-réis e vendidos Xavier Furrado em 13 de julho de 1766 (AHU, Angola, av. , ex. 50). A idéia de cri,1r cava los
em Angola por 325 mil-réis, ou seja, um aumento de 600% (AHN, cód. em Angola ¡;í nnha sido d em,111dada pelo govcnudor anrenor, Antonio de Vasco ncellos. Ver
o ficio de Antonio de VJsconcellos par,, Scb,1snfo X,1v1er de Mcnd o n~J Fnrudo em 8 de junho
A-1-1, fls. 38v-40; AHU, Bahía, av., ex. 34, doc. 3098). Apesar dos cus- d e 1761 (AHU, Ango la, av., ex. 44).
tos, em 1731, Luanda já tinha os cem cavalos que eram julgados necessá- 69 0 lluxo de cavJlos do Brasil, 11,1 vcrdadc, rccome,011 cm 179 1, sem grande parricipa,ao dJ

Bahia 011 Pernambuco. Qnasc rodos os cavalos chcgavam d o Rio de Janeiro cm navios de parri-
rios para o regimento de cavalaria da cidade (AHU, Bahía, av., ex. 39, doc.
cnlarcs - J í11rn:,1 exce,;,io fo rnm os 16 an111M1S qne chcg,1ram a L1u11d,1 ,1 bordo de nmJ fragar.1
3588; AHN, cód. A-1-1, fls. 112-113v.). mandJd:1 conscrrar em Pern,1mb11~0. Nesrc caso. os d o nos dos nJv1os rcccbum 100 mil-réis por
Terminada a opera~áo, contudo, o fluxo novamente voltou a cair. Dessa cada Jnimal, se o mesmo chegassc a Angola vivo. No caso de mo rrc do cavalo, a perda recaía
roda sobre o d o no do nav,o. Ver "estado amal da conq111sra de Ango la e seu com érc10 examma-
forma, quando já estava iniciada a guerra contra o ndembu Mbwela, 0 d o sobre 111srnu;ócs parncularcs que m e comunicou o ilnsrríssimo e excclenríssimo senhor
único carregamento regular eram os quatro animais trazidos nos navíos Mamnho de Mello e Castro; com um resumo da receira e dcspesa do eráno, segundo cálculo
mais ,1proxinrndo ( 179 l )" (Al IU, Angola , ,,v., ex. 77). P,1rJ ,, rero mad,1 do comércio de cavalos,
da Companhia Geral de Pernambuco e Paraíba - suficiente apenas para
ver ofíc10 do govenudor de Angol,1. Manoel de AlmeidJ V,1sconcellos, para M,trrinho de Mello
repor os que morriam anualmente (BNL, cód. 8742, fl. 35). A posi~áo do e C 1srro cm 28 de jnnho de 1791 (AHU, AngolJ, av., ex . 76). Ofíc10 do governJdor de AngolJ,
governador de Angola foi pressionar pelo fretamento de um navío que Mossamedes, para Marrinho de Mello e CJ srro em 4 de o urubro de 1790 (AH U, Angola, .,v., ex.
75). Ver também o ficio do govcrnado r de Angola, Mauocl de Almcida e Vasconcelos, para o
deveria trazer cavalos do Brasil. Vista como cara, a medida foi primeira- marques mordomo-mo r cm 8 d e jnnho de 179 1 (AHN, c6d. A-1 -4, lls. 20-21 v.).
mente contestada pelas autoridades do Rio de Janeiro. Acabo u sendo ado- -•Para J romad,1 do fo rre de CJb1nd,1 pelos fr,1n ceses. ver oficio d J Junta de Govc rno de Ango-
la para Marrinho de Mello e Castro cm 4 de agosro de 1784 (AHU, Angola, av., ex. 60). E
tada por causa das prioridades militares de Angola (AHN, cód. A-1-3, fls.
,rnmbém AHU, ex. 67, docnmenro 60-A. Para a demoli~ao do forre de Ambnz, ver oficio do
138v-139). O primeiro carregamento com 24 animais provenientes do Río govcrnado r de Angola, Manocl de Alm e1da Vasconcelos, para Marr111ho de Mello e Castro cm
de Janeiro, em 1766, custou tao caro que motivou o governador de An- 25 de janciro de 1792 (AHU, Ango la , ;1v., ex. 60), e o ficio de Mano cl de Almcida e Vasconce-
los para José de Seabra da Silva em 25 d e janeiro de 1792 (AHN, c6d. A-1-4, lls. 44v.-46).

3 76
3 7 7
INTRODU<;AO

O presente texto tem como objetivo principal analisar, do ponto de vista


económic o e quantitati vo, o antigo empório de Goa nas suas rela<;óes de
cabotagem com portos pouco distantes, em especial com Surrate e Bom-
baim, bem como nas conexóes de longa distancia com os portos de África
Oriental, Macau e Rio de Janeiro no quadro das transforma<;óes dos flu -
xos mercantis coloniais ocorridas no processo de emancipa<;áo da Améri-
ca portug uesa, entre 1808 e 1820.
As principais fontes utilizadas sáo os Mapas de importafñ o e exporta-
fñO de Coa para os anos de 1809 a 1819, conservad as no Arquivo Nacio-
nal do Rio de Janeiro, e as Bafanfas de comércio externo portugues para
igual período, designadas doravante por Mapas e BalanfaS. Os anos de
1816 a 1819 foram já parcialme nte cstudados num recente artigo de Rudy
Bauss (Bauss, 1997). Porém, do ponto de vista arquivísti co e histórico, os
Mapas sáo fontes com unidade e coerencia própria, nomeada mente no
que respeita a origem (Goa), institui<;áo de produ<;áo (alfandega), deno-
mina<;áo (mapas de importa<;áo e exporta<;áo} bem como quanto a seme-
lhan<;a do tipo de informa<;áo (registros de mercadorias e direitos cobrados),
pelo que só se ente ndem quando estud adas na sua totalidade . Foi essa a
nossa op<;áo, dado que o referido núcleo documen tal constituí urna fonte
importan te para o conhecimento das principais rotas marítima s e dina-
mismo do comércio interasiático e para a compreen sáo das afinidades entre
os vários domínios do Império colonial portugues , sobretudo para a ava-
lia<;áo- da dimensáo económica das rela<;óes comercia is entre o Brasil e a
Índia, durante o período de permanen cia da Coroa portugue sa no Brasil.
Com táo fortes liga<;óes históricas entre Portugal, Brasil e África Oci-

38 1
CAPITULO 12 O ANTIGO REGIME NOS TROPICO S A DINÁMIC A IMPERIA L PORTUGU ESA

dental, é natural que historiad ores e investigadores, sobrerud o brasileir os produi;á o bibliogr áfica. Corrcnd o o risco de omissáo , autores como
e portugu eses, se tenham dedicado a pesquisa e a elabora~áo de obras ci- Boxer, Aubin, Lombard, Bouchon, Subrahm anyam, Godinho , Magalháes,
entíficas que comprov aram o papel do Brasil como pedra basilar do Im- Thomaz, Matos e Lopes produzi ram neste campo obras de leitura indis-
pério colonial portugu cs, real~ando as profund as conexóe s económ icas,
pensável.
políticas e sociais entre a metrópo le e os diversos territóri os do espa~o O Estado da Índia de finais do século XVIII era, do ponto de vista
atlántico desde finais do século XVII até, pelo menos, 1820. territori al, urna pálida sombra do que tinha sido no século XVI. Pode-se
Muito menor tem sido o interesse sobre a histó ria indo-brasileira. Essa dizer que o processo de decaden cia da prcsen~a portugu esa no Império
evidencia náo oculta, no entanto, o interesse de alguns historiad ores, que portugu es no Índico se iniciou com a implanta~áo e crescent e concorr en-
resultou na publica~áo de um pequeno conjunto de estudos que abordam cia das diversas Compan hias comerciais européia s no Oriente . Em 1634,
múltiplos aspectos das rela~óes entre as possessóes do Índico e o Brasil,
0 bloqueio holande s aos estreitos de Malaca provoca ria a queda da pra~a
no contexto do Império colonial portugue s. Entre as obras incontor náveis no início do ano seguinte. Em 1638, ocupara m grande parte de Ceiláo.
encontra m-se as de Amara) Lapa, em particul ar A Bahia e a carreira da Após 1639 cercaram Goa durante vários anos.Co ma Rcstaura~áo, a Coroa
Índia , que real~a o papel social e económ ico do porto do Salvado r como encontra va-se demasia do debilitad a para correr em auxílio do Estado da
importa nte escala das viagens para a Índia e do comércio com o Oriente Índia, envolvid a que estava na consolida~áo da indepen dencia e empe-
entre os séculos XVI a XVIII (Lapa, 1968) e, ainda, o estudo complem en- nhada em socorrer seus domínio s atlántico s. Seguiu-se entáo a inevitáv el
tar de grande interesse para a história marítim a que inv entaria o movi- queda de várias cidades: Colomb o (1658), Crangan or (1662), Cochim
mento, navega~áo, tripula~áo e carga dos navíos que demand avam porros (1663) e a cedencia de Bombaim aos ingleses como parte do dote de casa-
brasilciros nas viagens de Lisboa a Goa e vice-versa (Lapa, 1968). Em outros mento de Carlos II com Catarina de Bragan~a (1663). Quando compara -
estudos, este historiad or saliento u os propósit os económ icos que estive- da com meados do século XVI, os sinais de decaden cia do Estado da Índia
ram na base de ensaios agrícolas e da introdu~áo de plantas e especiarias sáo bem evidentes. Em 1663, o padre Manuel Godinh o revelava , de for-
asiáticas no Brasil, após a expulsa.o dos portugue ses de Ceiláo pelos ho- ma expressiva, esse enfraque cimento :
landeses (1656) e da perda da sua influenc ia na costa do Malabar (Lapa,
1966), e forncce u dados para se estabelecer as dimensó es do comérci o Se ai,uui 1uio expirou completa111e11te, é porque 1uio e11co11trou um túmulo
colonial entre o Brasil e o Oriente (Lapa, 1989). Só na década de 1990, digno de sua anterior grandeza. Se era u,1w tÍrvore, é agora um !ronco; se
surgem novos investigadores, sobretud o mo~ambicanos e indianos , parti- em um edi{ício, é agora urna ruí11n; (... ) se era II vice-realeza da ludia, está
cularme nte interessa dos em analisar as redes comerciais ultrama rinas e as agora reduzida " Go,1, Mac11u, Chaul, Bw;aim, Dmmío, Diu, Mo,;¡1111bique
primeira s tentativas, no final do século XVIII, para a abertura de urna rota e Momba!fa, com 11/g,mws outms {ortalezas e locais de menor importf111cit1
negreira entre Mo~amb ique e o Brasil (Capela, 1993; Rocha, 1992; Car- - e111 resumo, re/Ít¡11it1s e o pouco do gm11de carpo desse Estado, que
os
reira, 1998a); de igual forma, mostraran1-se preocup ados em apresent ar nossos i11i111igos 110s deixaram, ou como um memorit1l dtll¡uilo que dm1tes
fontes para a história indo-br asil eira (Camarg o-Moro , 1990, 1993; possuírmnos ,w Ásia, ou corno uma lembrml!(ll amflrga do pouco que, llgo-
Kakodar, 1990); ou, em analisar os la~os económicos interoce anicos, em m, ltí possuímos (Godi11ho, 1944, p.1). 1
particular do comércio de texteis, metais preciosos e tabaco (Pinto, 1990;
Anthony, 1990).
O menor fulgor do Estado da Índia no context o da histór ia da ex- 'A esse propósito vc1.1-se :iinda , por cxemplo, os p.1rcccrcs dos Conselhcir os de Est.1do
a res•
peito d.i sinw;ao em que ficou o Esudo d.& lnd1.1 :ipós .A qued.1 de Coch1m. P.indurong
pansáo portugu esa oitocent isra náo significo u, no entanto , urna menor a
Pissnrlencar, A.s1111tos do Co,md/Jo de Es111rlo, Bascor.i, Go.1, 195 6, pp. 93- 126.

38 2 383
CAPITULO 12 O ANTIG O REGIME N OS TRÓPICOS A DI NÁM IC A I MPERIAL PORTUGUESA

O Estado da Índia, que do ponto de vista ofi cial apenas compreendia 0 tipo de conexóes económicas e sociais com reináis, indo-portugueses e
os territórios que se encontravam sob a autoridade legal da Coroa, iri a indianos, cujas bens, interesses privados desenvolveram-se em territórios
minguar ainda mais. Em 1739, a Coroa portuguesa perdeu para os maratas historicam ente tutelados pela Coroa.
as terras de Ba<;aim, Chaul e grande parte das al deias de Damáo, o u seja, Comparando com o Brasil (ou mesmo coro Angola), onde a marcha
praticamente toda a Província do N orte. 2 O Estado da Índia resumia-se do povoamento e urbaniza~áo entre os séculas XVI e XVIII progrediu sem
agora a Goa, Damáo e Diu na Índia, apenas Mo~ambique na Áfri ca O riental grandes desafios ou obstáculos num territó rio vastíssimo e de fraca dimen_¡
urna vez que a fortaleza de Momba~a tinha sido ocupada pelos árabes de sáo demográfica (Novais, 1~97, pp. 18-19), veri ficamos qu: o pro_ce~so
1
Omá, em 1696 e, ainda, Macau e Timo r, no Extremo O riente. Como fa- de expansáo portuguesa na India (e, de certa forma, tambe~ ~ª. Afn ca
1
cilmente se depreende, as fontes portuguesas continuavam registrando O riental) foi totalmente diferente por se desenvolver num ternton o den-,
mágoas e suspiros pela antiga "Goa dourada". De certa forma, as la-)( samente povoado e que do ponto de vista histórico, cultural e econó mico
menta~óes só abrandaram após a ocupa~áo que os po rtugueses desenca- era evoluído e próspero.4 O u seja, a presen~a po rtuguesa dos navegado-
dearam nas províncias de Pondá, Sanguém, Q uepém e Can ácona (c. de res e conquistadores do quinhentos no Oriente foi urna intrusáo militar e
1763) e nas de Perném, Bicholim e Satari (c. de 1788), territóri os que quase urna penetra~áo comercial em redes já há muito estabelecidas.
quadruplicaram a área de Ve/ha Goa, que apenas compreendia as provín-
cias costeiras de Bardez, Ilhas e Salsete (Lopes, 1996, p.77). Pelo meio,
também a pra~a de Damáo viu aumentado o seu espa~o pela cedencia da 1. O COMÉRCIO PORTUGUES NA ÁSIA NA VI RAGEM DO SÉCULO XVIII:
corte marata da aldeia de Dadrá e da pmgana 3 de Nagar Aveli, que pos-
UMA PERSPECTIVA GERAL
suía 72 aldeias. O acréscimo e a estabiliza~áo do território do Estado da
Índia náo só viabilizaram os estaleiros de Damáo, que passaram a receber A política pombalina de concilia~áo do monopólio da navega~áo e comér-
as madeiras de teca das matas de Nagar Aveli, como rentabilizaram a ati- cio da Coroa, com o inevitável recurso a iniciativa de negociantes priva-
vidade agrícola e o comércio de Goa.
O Estado da Índia de finais do século XVIII era_um peq ueno co njunto •Nos primeiros a nos, aré il conquista de Goa , a Coroa , como enridadc soberan~, l11rnro11-sc a
de territórios dispersos mas geograficamente bem definidos, senda nessa um a prcsen~a comerc ia l e diplom~tica. Só a partir d e 15 10 é qne passou a ex1st1r uma p resen-
matéri a bastante diferente daquele do início da expansáo dos portugueses c;a política e .1dm u11srranva em Go.i. O ilmb1ro geognífico da presen~a do Estado enquan~o
entidade po lítica e adminisrrariva fo1 extremamente limitado q uando comparado _il sua ac;ao
no O riente, táo bem registrado por T hom az (T homaz, 1994, p. 207). Os comercial. Como empresa comercial, os navíos do Estado navegavam em todo o Indico, cn-
recursos e a presen~a política e administrativa do Estado setecentista pa- q u:rnto como enrid,1de polírica o Esrado apenas exisrin cm Goa, Malaca e 111.1is 11111,1 "me1,1
d ima de rcrritórios". A política de co 11q11isr,1s a "ferro e fogo" de Afonso de Albuqucrquc
recem estar obv iam ente m ais concentrados, mas mami veram na essencia
aumenron basranre as d cspesas m1hrnres e admmistrativas e, po rrnnro, a necessidadc de obter
moeda para pagamento de f11nc1011:\rios e militares obrigou o Estado a comerciar: um com~r-
2 cio d isciplinado, subord inado ao plano de co nqmsra,. Hav1a a necess1dade d: co n~cnrr.1~ao
A Prouíucia do Norte fo r mon-se a pamr do p nmeiro quartel do século XVI, 110 decurso de
um cu rro processo de consolida~ao da p resen~a po rt11g11cs,1 nas costas do Conc,io e na penín- de meios humanos e econó micos nos empree11d1menros militares e, por 1sso, nao ex1sm1gr,11_1-
sula d o Ka rhyava r. A reg1ao, que se esrendia ao longo da costa oc1d e11ral d a In dia e incluía, de interessc cm d eixar os mercadorcs co merciar livrcme nre, uma vez que isso só se conseg111a
além d e D111, rodas as possessócs portngnesas entre Chaul e Su rrate, rinha urna grand e 1mpor- com 11111 ambienrc csrávcl e p,1cífico 11:1 rcgi;¡o. Q11a11ro aos riva is extern os, o Estado, que nos
ranc1a estra tégica para Goa na medida em q ue o sen exrenso territó rio fun ciono n como uma primeiros ,111 0s ,e 1nrercsso u cssencialmcnre pelo co mércio de especiari,1s, cm parricular da
esrre1ra faixa d e prorc~ao peranre os a taques d e mara ras e m o ngóis, assegurando rambém o pimenrn no M.ilaba r, encon rron forre oposic;,io d os c hamados ''monros de Meca" que ,1s rrans-
controle de pratica mente tod.1 .i zona cosreira entre D111 e a capital d o Estado da Í11dia (Antnncs, porrav.1m para O Mar Vermclho, em direc;ao ao Med irerriineo . Com Afonso de Albuqnerquc o
2000). Estado passon a inrercssar-se ignalmcnre pelo comércio de "Índia em India", pelo comércio
1
Praga1111, do mara ta pargana. Sig nifica com.irc.i , parre de um d istr ito (d. D.1lgado, ¡ 9 19, vol. de caborngcm e, 11 e,re caso, os pn11c1p;1is n vai, eram os g nzernres. (Aponrnmenro, nossos,
11, p . 177). rccolh 1d o, n,1> .111las d e 111 csrr.1do de Luí, F1lipe Thomaz.)

384 3 8 5
CAPITULO 12 O ANT IGO REGIME NOS TRÓPICOS A CINÁMICA IMPERIAL PORTUGUESA

dos e a liberdade de navega<;áo e comércio, por um lado, e o papel dos moeda corrente, pec;as lavradas e patacas espanholas em quantidades
contlitos internacionais resultante do proccsso de independencia das co- apreciáveis, para além de transportarem o mesmo tipo de vitualhas
lonias norte-americanas (1776-1783) e da Rcvolu<;áo Francesa (1789- européias e apenas os tecidos manufaturados de melhor qualidade,
1804), por outro, influenciaram favoravelmente as rela<;ócs comerciais que sobretudo veludos, sedas finas, cambraias de linho e baetas, droguetes
a metrópole mantinha como Oriente, no período que decorreu entre 1775 e caxemiras de lá. As pipas de bebidas alcoólicas (aguardentes, licores,
e 1808. vinhos), de água e pedras serviam de lastro tanto nos navios da Carrei-
A abertura do comércio com a Ásia a negociantes estabelecidos na ra como nos particulares.~ i
metrópole foi a fórmula encontrada por Pombal, em 1765, para que o Com o objetivo de tornar mais rendosas as viagens da Carreira da Ín-
capital privado pudesse suprir as constantes dificuldades financeiras do dia, os navios escalavam na Bahia ou no Rio de Janeiro para acabar de
Estado de enviar navios que, pelo menos, asscgurassem a regularidade das carregar os poróes com tabaco e patacas da América espanhola, mercado-
viagens da Carreira da Índia 5 e garantissem a presen<;a portuguesa no rias que em muitos casos iriam servir de pagamento dos texteis indianos.
Oriente. Excluídos dessas prerrogativas comerciais com o Índico apenas Na viagem de retorno a Lisboa, muitos dos navios vinham perigosamente
ficaram os vassalos do Brasil, salvo os que demandaram os domínios da sobrecarregados de texteis de algodáo, chá, louc;as de porcelana e sedas
costa oriental africana (Carreira, 1998a, p. 813). de Macau. De tal forma que o gasa/hado, espa<;os relativamente grandes
A Corca, que já há muito recorria ao frctamento de navios particula- do convés, camarotes e outros compartimentos que pertenciam a oficiais
res para diminuir as despesas com a manuten<;áo e equipagem da sua já e alguns membros da tripulac;áo, era vendido a particulares pelo prec;o mais
reduzida frota mercantil e de guerra, promoveu a participa<;áo de grandes elevado. Os oficiais e marinheiros também estavam autorizados a trans-
negociantes privados da prac;a de Lisboa no lucrativo comércio asiático portar mercadoria nas chamadas caixas das liberdades ou caixas de mar-
para garantir a regularidade das viagens e suprir as necessidades de abas- ca, arcas que tinham um tamanho padráo, estavam isentas do pagamento
tecimento dos mercados portugucs, europeu e colonial. 6 do frete e, por vezes, até dos direitos alfandegários. Parte dessa mercado-
Os navios da Carreira da Índia transportav am soldados, passagei- ria era imediatamente vendida no Río e na Bahía; outra parte, tomava o
ros, degredados, diversos materiais necessários a construc;áo naval do rumo de Lisboa. Naturalmente, este sistema de privilégios gerou demasi-
Arsenal da Marinha, dinheiro e algumas mercadorias de reduzido va- ados excessos por parte das tripula<;óes dos navios da Carreira que trans-
lor, nomeadamente os mantimentos: caixas de doces (compotas, a¡;ú- portaram ilegalmente grandes quantidades de mercadorias que foram
car, bolacha e chocolate), barris com diversos qualidades de enchidos engrossar os circuitos do contrabando, tal como sucedeu, aliás, com o
(chouri<;os, paios, presuntos e toucinhos) e barricas e caixas com quei - comércio privado desenvolvido pelas Companhias holandesa, francesa e
jos, manteiga, farinha, azeite, vinagre, passas e azeitonas. Por sua vez, inglesa (Boxer, 1969, p. 213).
os navios de particulares partiam carregados com barras de ouro e prata, Os motivos que deram origem a abertura das viagens da Índia a priva-
dos foram os mesmos que obrigaram a Coroa a abrir máo do monopólio
sA Carreirn da Í11dia é a denomind~:io ddda logo ,,pós o "descobrimenro" do Cdminho mdritimo que exercia sobre o comércio de tabaco baiano coma Ásia, em 1775. Neste
para a fnd,a por Vasco dd Gdmd (1497-1499) .\ liga~:io anual marírimd enrre Lisbo.1 e Coa, e caso, as dificuldades económicas do Estado da Índia foram conseqüencia
vice-versa, realiudd em navios d.-1 Corod ou de pdrriculares contrdrados.
6
Das qnarenra vidgens ruliz.1d.-1s enrre L1sbod e o Onenre duran re a déc..id.-1 de J 770, J4 for,1111
direta da enorme sangria de ouro e prata, metais com que se faziam os
dem;1das por p..irriculares em reg,me de conrr,1ro, c111co pela CompM1hu de Pern,1mbuco e pagamen~os das mercadorias indianas, e da acentuada quebradas receitas
Par,tíb,1 e uma fo, efenuda por conr;1 do re,. Rel.~~:io dos 11dv10s que rem Sdído dos Porros das rendas do Escaneo Real do Tabaco, devido ao aumento dos pre1yos do
desre Remo p..ira os dd Índ1.-1, Ásu e Ch 111d desde o dno de 1770 .iré o de 17 79 A.H.U., J11dia,
nw;o 81 ( 104), 1779. tabaco proveniente dos partos do Sul (Calicute, Talicheira e Panane), en-

386 38 7
O ANT IGO REGIME NOS TRÓPICOS A OIN AMICA IMPERIAL PORIUC.Ut )A
CAPITULO 12

tretanto ocupados por Haidar Ali Khan, rajá mu~ulmano de My sore 1981, p. 390; Lopes, Frutuoso, Guinote, 1994, pp. 238-245: Pinto, 1995,
(Markovits, 1994, pp. 296-301). p. 230).
A partir de 1776, a pontual entrada em Goa de "tabaco da América de A maior parte dos nav ios que chegou do Oriente, entre 1780 e 1801,
muito superior qualidade aoque se extrahe de Balagate e Canará", aliado era proveniente de Macau e China (31 %), da costa do Coromandel, de
a reestrutura~ao na forma de administrar o Estanco Real e a proibi~ao de Madrasta e de Bengala (27,2%). Outros vinham de diversos porros do
entrada de tabaco de Balagate7 e dos porros do sul , procurou combater o Malabar e da costa noroeste da Índia (24,7% ). Com indica~áo específi-
contrabando praticado pelos comerciantes hindus con tratadores do taba- ca d e partida do porto de Goa, apenas se contam 32 navíos, o que
co com o objetivo de preservar e tornar lucrativo o monopólio estatal 8 corresponde a cerca de 16% do rotal de 196 navíos que chegaram a Lis-
(Pinto, 1990, p. 48). As remessas de tabaco baiano parecem náo ter sido boa (Lopes e outros, 1994, pp. 238-242; Lapa, 1968, pp. 330-343).
nunca suficientes para satisfazer o mercado goes e indiano pois "montño Relativ amente a origem dos navíos que partiam do Oriente, as fontes
os habitantes del/e em mais de 200.000 pessoas de ambos os sexos, e sen- sáo pouco precisas. Ainda assim, parecem indicar que urna significativa
do entre homens e mulheres, e ainda crianqas, universal, e diario o uzo do parcela do comércio luso-asiático náo passava por Goa, indo benefi ciar
tabaco de (... ) fumo". Na realidade, as cerca de 4.000 arrobas que se en- os diversos co merciantes portugueses estabelecidos em territóri os exte-
viaram em 1779 no navío Polifemo nao chegavam "nem ainda para a riores ao Estado da Índia e no sueste asiático, assim como os negocian-
m etade do consumo do paiz".'J tes indi anos e ingleses radicad os em Bengala, Madrasta, Surrate e
A neutralidade portuguesa durante os referidos contlitos internacio- Bombaim.
nais também contribuiu para que o comércio entre Lisboa e a Ásia evoluís- Em rela~áo a importa~áo de produtos asiáticos no reino entre 1796
se "dos dois, quando muito tres navios que anualmente, durante o século e 1807, as Balan~as de Comércio Externo Portugues registrarn cifras cujos
XVII e os tres primeiros quartéis do XVITI", "para tres a quatro navíos que limites variam entre 1.046 contos (1797) e os 2.766 contos (1807). O
realizaram essas viagens transoceanicas carregando grandes quantidadcs valor médi o das importa~óes asiáticas "oscilava em torno dos 2.000 con-
de mercadoria britanica para Mo~ambique, Mar Vermelho, costa ociden- tos anuais", o que correspondia a aproximadamente 1/5 da quantia re-
tal da Índia e China, durante a último quartel do século XVIII (Godinho, lativa aos produtos brasileiros entrados nessa época na mctrópole
(Alexandre, 1998, p. 47).
As mercadorias importadas da Ásia, a sua maioria texteis de algodáo,
'Bnlagate, palavrn composta do persa bala, que significa acima, com o termo neo-árico g!J1Jtt, seriam depois reexportadas. Os tecidos de algodao indiano semimanu-
que em s.inscrito deu glJ11ttll e que significa rles/Jilldeiro, monte. Balagate significa, e nt.io, rc-
giao para além dos Gates (Dalgado , 19 19, vol. 1, p. 83). Balngate apresen ta-se como uma re- faturado, que constituíram na segunda metade do século XVIII a matéria-
giiio difusa q ue, segundo Teotónio de Sousa, se idenrificaria com o Reino do Bijapnr (cf. Sonza, prima usada na produ~ao de fios e tecidos mistos de algodáo, rornaram-se,
1994, p. 36 ).
1 "Ordem do Marqués de Po mbal para a Jnnra de Adm1nisrr.1pio da Re.11 Fazenda de Goa .., 5
a partir de 1775, os principais responsáveis pelo "crescimento extremamente
r de fevereiro de 1776 , in Docu111e11tai;iio ultmmari11a portuguesa, vo l. V, Centro d e Esrudos rápido" da estamparia em Portugal. A maior parte desses tecidos de algo-
Históricos Ultramarinos, 1967, p.1 06. Em 1776, a nau Santíssimo Sacramento e Nossa Sc-
dáo manufaturados e estampados em Portugal, oriundos em "mais de 90%"
nhora do Paraíso rransporto u 4 .000 arrobas de tabaco simo nre, de primcira fo lha, e cem arrobas
de tabaco de rolo, em 120 barris ... O rdem do Marq ues de Po mbal para a Junra da Admi111srra- da Ásia, destinava-se a suprir as necessidades do mercado brasileiro : os teci-
~ao da Real Fazenda de Goa .. , 26 de mar~o de 1776, ob.cit., p. 105 ; " O rdcm do Marqués de dos mais finos nao sairiam da colonia, os panos estampados indianos
Pomb.11 para a Junta da Adminisrra~iio da Real Fazenda de Goa .. , 13 de fovcrc1ro de 1776 ,
ob.cit, p. 121. Pinto 1990, vol. 8, 11° 1, jan.-jnn., p. 48.
iriam ser utilizados como moeda no tráfico de escravos da costa ocidental
9 "Ordens régias que seguiram para a India no navio Sr° Antó nio e Polife mo .. , 2 1 de mar~o de africana (Pedreira, 1994, pp. 55, 95 e 97).
1779, ob. cit., p . 172.

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388
O ANTIGO REGIME N O S TROP IC OS A D I NAM IC A I Ml'tl< I AL l'UKIUl.>Ut>,..
CAPITULO 12

Balagate, para retornarem carregados com cerca de 180 a 21 O toneladas ópio da província do Bhiar, desde o último quartel do século XVIII
de marfim, 150 mil a 180 mil patacas e, em menores quantidades, carapa- (Farooqui, 1995, pp.450-451). 13 Para conseguirem envolver-se no co-
~as de tartaruga, maná, caurim, aljofres, ambar, escravos e ouro (Hoppe, mércio de estupefacientes, os indi anos desenvolveram o cultivo de pa-
1970, p. 219; Antunes, 1992). poula em larga escala na Índia central e ocidental, em particular na
Ao mesmo tempo, intensificaram-se as rela~óes que historicamente província de Malwa, tcrritório que ainda náo se encontrava sob domí-
uniam os diversos entrepostos comerciais da costa ocidental da Índia e do nio político britanico. O envio de grandes remessas do chamado ópio de
Extremo O riente. Malwa para a China contribuiu para a recupera\;áO económica de um
O comércio da Índia portuguesa com Macau e China conheceu novo conjunto de pequenos partos do noroeste da Índia e constituiu urna for-
impulso a partir de 1784- 1785, devido ao rápido aumento das exporta- ma de os comerciantes guzerates contornarem e romperem o monopó-
~óes de algodáo guzerate, despachado por baneanes e parti culares in- lio ingles. De igual forma, a participa~áo de comerciantes do Estado da
gleses de Calcutá e Bombaim, para os mercados do sueste asiático. Entre Índia e de outros negociantes portugueses, que havia muito se encontra-
1787 e 1789, as rendas do porto de Bombaim provenientes das remes- vam estabelecidos em Bombaim e Surrate no comércio transoceanico de
sas de algodáo em rama para a China "aumentaram 250 mil rupias co- texteis e ópio, possibilitou a acumula<;áo do capital nccessário a cons-
locando o valor desse comércio entre 4 e 5 milhoes de rupias". Para se tru\;áo de navios e aquisi~áo de cargas para o comércio com o Brasil,
ter um termo de compara~áo, em 1790, os mercadores de Bombaim afir- Angol a e Mo~ambique.
mav am que seu comércio rendía a Companhia Inglesa de Comércio o Em tra\;0S gerais, foi essa a forma como evol uíram, desde o final do
equivalente ao total de todas as receitas das outras mercadorias expor- século XVIII e início do século XIX, as rela\;óes dos portugueses nos vá-
tadas pelo porto. Cerca de 100 mil fardos de algodáo, que correspondiarn rios circuitos asiáticos e como se articularam os diferentes espa~os do
a cerca de 2,5 a 3,5 milhóes de corjas (500 milhóes a 700 milhóes de Império, ocupando o Brasil o papel de principal pólo produtivo e Portu-
panos) de valor superior a 4 milhóes de rupias, eram anualmente expor- gal o d~centro de decisáo política.
tados de Bombaim e Surrate para a China (Subrahmanyam, 1987, p.500).
Ora, foi neste colossal comércio de texteis indianos que negociantes de
diferentes áreas do lmpério portugues asiático participaram ativamen- 2. TÉXTEIS E METAIS PRECIOSOS: NOVOS VÍNCULOS NO COMÉRCIO
te. A casa comercial dos irmáos Mhamai Kamat (Camotim), um a das mais
INDO-BRASILEIRO (1809-1819)
abastadas famílias hindus de Goapp (Borges, 1998, pp. 667-686), e a de
Rogério Faria, um dos mais importantes negociantes de tecidos e ópio
Sem pretender entrar na polemica sobre se o aumento das exporta\;óes de
residente em Damáo, sáo certamente exemplos paradigmáticos da ex-
produtos das fábricas do reino pode ser considerado ou náo o testemunho
tensáo das rela\;óes comerciais do Império, pois iam desde Macau e o
mais expressivo do crescimento da economia portuguesa na charneira do
porto de Lintin, na China, passando por Mo\;ambique e Brasil até Por-
século XVIII, parece evidente que o desenvolvimento do comércio exter-
tugal.
Tal como aconteceu com a exporta~áo de texteis com o Ex tremo
O riente, também a origem e evolu~áo do comércio do chamado ópio de
llNas rcrr,,s férrc1s e bem 1rngadAs de Benare~, Gh;1zipur e Parna, culrivavam-se grandes quan·
Malwa, especialmente em Damáo, relacionaram-se a intensa atividade ridadcs de p;1ponl;1s que produzi;1m cerca de 7 mil a 8 mil CdlXAS d e ópio rlt' Be11gnla com o
económica no G uzerate e com a rea\;áO dos comerciantes indianos ao peso ;1proximado de 507 .500 ,, 58 0.000 q uilos que s;1íam de Calcur;í em dire~iio ao sueste

monopólio que britanicos exerciam sobre a prod u~áo e o comércio de asi.luco (Farooqui, 1995, pp. 450-451 ).

393
392
CAPÍTULO 12 O ANTIGO REGIME N O S TR Ó P ICOS A DINÁMICA IMPER I AL PORTUGUESA

no portugues até a abertura dos porros do Brasil, em 1807, se deveu espe-


cialmente a reexporta~áo de produtos coloniais e ao papel preponderan-
te do mercado brasileiro para a exporta~áo de produtos industriais (tecidos GRÁFICO J. O COMÉRCIO INDO-BRASILEIRO (1809-1819)
de algodáo e linho) e agrícolas (vinho).
Pelo contrário, entre 1808 e 1819, o impacto do comércio colonial na
economi a portuguesa entrou num período que Valentim Alexandre clas-
sifi cou de "vacas magras" (Alexandre, 1986, pp. 22-40).
Ainda assi m, náo contrariando tal classifica~áo, talvez essa "magreza", •······ % exportayoes de
no que apenas diz respeito as trocas comerciais com a Ásia - que nao tcxteis Indianos para
o Brasil
foram objeto de estudo de Valentim Alexandre nem dos outros historia-
--•.4 importac;6es de
dores que se tem debru~ado na análise das Balanfas por náo terem pra- ouro e prata
brasileiros de Goa
ti camente expressáo alguma no contexto do comércio externo portugues
ANOS
- , possa ser parcialmente expli cada se se tiver em conta que, no qua-
dro da aber tura dos porros brasileiros, as reexporta~óes de produtos asiá-
ticos para os portas da América portuguesa realizadas via Lisboa foram
em grande parte substitu ídas pelo comércio direto entre o Brasil e o espa-
~o índico.
Antes de entrar na análi se um pouco mais pormenorizada dos Ma-
pas, convém real~ar algumas conclusóes: o Brasil14, especialmente o GRÁFICO 11. IMPORTA<;ÓES DE TEXTEIS EM GOA (1809-1819)
Rí o de Janeiro, foi a parcela do Império que mais se benefi ciou do
comércio transocean ico com o Índico, correspondendo as remessas de
mercadorias indianas, em média, a 73,4% do total das exporta~óes do
porto de Goa; por o utro lado, 97% dessas mercadorias indianas, que 120 •······ % importac;óes
de texteis de
seguiam o rumo do Brasil, eram compostas por texteis; a esmagadora 100 +--------=----~-.-..~----
ªº ~--------~"-
Surrate de Goa
maioria dos tecidos reexportados por Goa era de origem guzerate e
~ 60 +----------7"'--
provinha do porto de Surrate e, em menor quantidade, dos chamados 40 +.::=;,,,..,>,r-----.,.---- - - % importac;óes
20 ~---\--:,,,tt=-:........;i"'o'-----
de texteis dos
portos do su!; fin almente, foram enviadas a Goa quantidades apreciá- portas do Sul
0 +-....-....--r--r--r--r-.--.--.--"T--i de Goa
veis de ouro e prata brasi leiras que, no entanto, estavam longe de pa-
gar os generos asiáticos.
ANOS

14
Nos Mapas o re rriró ri o brAsilc ,ro cr,1 des ,g nAdo po r Br,,s,I, Amé ric,, , R,o de Janc,ro e
B.,h,a.

39 4 3 9 5
O ANTIGO REGIME NOS TRÓPICOS A DINÁMICA I MPERIAL PORTUGUESA

menos desde o século XII. Na verdade, urna melhor administrac;áo do


capital que circulava no grande comércio ultramarin o favorecía o de-
2. 1. O R/O DE JANE/RO CHARNEJRA ENTRE AS ROTAS DO ATLÁNTICO E DO INDICO
senvolvime nto do uso de instrument os de crédito e transferenc ia de
fundos que eram relativame nte seguros e representav am custos ope-
O valor total dos texreis (algodáo em bruto, tecidos finos e fazendas
rativos baixos.
de ma.nufatura mais simples) remetidos para o Rio de Janeiro, entre 1809
e 1819, girou em torno de 8:400:000$ 000 réis (c. de 2.370.000 libras
esterlinas), urna quantia enorme se rivermos em conta que o total de ouro
e prata brasileira enviado para Goa, no mesmo período, para saldar a fa-
tura dos texteis, foi apenas de 656:948$9 00 réis (185.055 libras esterli-
nas). Por estranho que pare~a, isso significa que nas rransac;óes entre Goa
e o Rio de Janeiro o valor do ouro e da prata apenas cabria cerca de 1/ 13
dos texreis indianos.
Como explicar o grande desequilíbr io nas tracas comerciais entre
Goa e o Rio de Janeiro registrado nos Mapas? Será que ele é assim tao
expressivo , ou até mesmo real? Na verdade, estas sáo questóes cen-
trais cujo esclar ecimento nao pode ser iludido, qualquer que seja a
conclusa.o. 15
Um dos aspectos que convém ter em conta diz respeito as formas de
liquidac;áo dos tecidos asiáticos. Como é sabido, na Índia náo era forc;o-
so que o pagamento de mercadoria s se fizesse com dinheiro a vista, pelo

llRudy Bauss minimiza a questao .10 conceber um espas:o atlanrico luso-brasileiro globalmente
responsável pelas rrocas com Goa. Assim, enguanto adiciona as verbas de Lisboa e do Rio de
J.111eiro rel.1nvas ih export.1~óes de metal precioso desras pra)as para ,1 fndia, esqnece-se de Contornando essa questiio, Bauss tcnta de cerra forma ¡ustificar ",1s cifr,1s sig111ficanv,1-
fazer o mesmo no que respeita aos do1s íluxos d1snnros de mercadorias indianas que de Go,1 mente inferiores cit.id.is n.1s fontes", ding1ndo su.1 ,Hens:iio p.ir.1 o comérc10 luso-br.1sileiro
se dirigem, 11m para o R10 e outro p.1ra L1sbo,1. Se rivesse utilizado um cntério uniforme, teria como Beng.1la e a costa do Corom.1ndel. Contudo, mesmo "num.1 generalius:ao ,1br.1ngente",
venf1cado que - e a nosso ver essas siio as pnnc1pa1s q uestóes q ue a documentas:iio suscita - ,1s cifras d.1~ Balaui;as e dos Mapas n.io no~ fornecem d,1dos que nos perm1ta111 afirm,1r qne ..2/
.1s 560 mil libras esrerl111.1s em onro e prdC.1 .1nu.1lmente exportados de Portugal e do Brasil 3 dos tec1do~ v111h.1m do Gu1cr.1te e 1/3 de Beng.1).1 e d,1 Cost.1 do Corom,111del". Bem pelo
p.1ra Go.i entre 1816 e 1819 nao cheg.1v.1m p.ira s.1ld.1r as cerca de 850 mil libras de produros
contrário, as referidas fon tes .1penas .1ssin.1l.1m 1mporta~óes de téxte1s do Bengala em monun-
indianos que anualmente chegavam ao espas:o atlántico luso-brasileiro durante esses quatro
tes rela riv,1mcnte modesros, n.i ordem de 193:2 19$500 réis, p.ir.1 os anos de 1817 e 18 18. No
anos; teria igualmente constatado que as 20 mil libras esterlinas exportadas do Brasil para a
en tanto, baseado n.1 obra de Am.iles Tnp,1th1, B.1uss .1firm.1 que a1111dlmcnte entrav.im em C.11-
India representavam menos de 5% do toc.11 dos meta1s preciosos que saíam de Lisboa para o
cut.l 150 mal hbr.is esterl111.1s (585:750$000 ré1s) de ouro e pr,Hd luso-br.1sile1r.1 sem refenr d
mesmo desnno, valor inexplicável para quem, como Bauss, pretende que urna das suas princi-
que trans.1s:óes corresponderi,1 essa qu.1ntia (Bauss, 1997, Tabela 4, p. 279; Tripathi, 1979).
pais researcb (i11di11gs scja a de que "as exportas:óes goesas seguiam irres1stivelmente para o
Nao rendo podido consultar a obr.1 de Tnp.ith1, náo nvemos oportunid.ide de satisfazer .1 cu•
Br.1s1I". NJo se percebe entiio como é que 5% do meul precioso proveniente do "espas:o atliin-
nos1dadc. Serv1r1.1 o ouro e pr.1t.1 amoed.1d.1 111rroduz1d.1 em C.1lcur.l par.i p.1g.1r .1s faz.end.1s
nco" cheg.1r1.1m par.1 Sdld,ir m.11s de 90% dos tcxte1s .1s1.ltlcos importados pelo mesmo espas:o,
assin.1l.1das nos Mapas de 1817 e 1818 ou p.1ra liquid.u verbas de merc.idon,1s beng.1lis
e que corrcspondem li parcel,1 11nportada pelo Brasil.
cransacionadas dirct.imente com Portug.11 e com o Brasil?

396
397
MAPA DE IMPORTA<;ÓES DE GOA
(1809-1819)
ANO
LOCALJDADE 1809 1810 181 1 1812 1813 1814 1815 1816 1817 18 18 1819

Lisboa 238356 9 1982 103803 17675 170196 90354 253241 139813 309342

América 833 143220 163351 379051

Brasil 58942 331262 104998

Rio de Janeiro 453828 269081 466102 173843


Bahia 46690 53661 38400 n
l>
-o
Macau 80444 30086 43402 108412 173075 182525 78925 63016 290810
"'
ID
207455 65781 ....
e
o, r
Mov,,mbique 102920 11 227 87633 8 1726 44774 15969 59871 42959 10433 169281 116574 o
Surra 1e 706438 1769045 1752208 1603900 378615 356373 963 137 2705442 2906731 4098080 3385934 ;::;

D iu 46609 28743 25316 43757 2946 110 324 150 1650 7 142

Damao 19598 27555 24803 9416 2766 692 366 852 31803
Rajapur 11387 22235 36103 25808 15392 194 18 13599 15793 7446 4475 41749

Bawiagar 3 133 5067 646 252 364 586

Masca1e 9667 38476 25044 20480 11 451 21902 7707 11205 2264 2141 1466

Pond:I 841 99 49650 52616 124240 113426 124675 134748 102276 113656 149765 149336

Balaga1e 1363532 521 280 192087 81 767 60898 440943 179243 692534 733878 455214 1318664

o
l>
z
....
Salc<1e 4764 5137 "o
,,
Bardez 688 2730

Sul 340473 564995 4 18933 243303 175685 28 1799 484694 205 192 143487 106603 310513 ";::
Bomba1m 515738 421742 265152 4 13587 228107 284961 252308 223006 276782 361 143 291019 z
o
231
Porpatane
,,....
1918 0-
Malvona -0

n
B:ílllCOIIO 1952 o
"'
1326 82
"'
ID
Madrasta )>

ID
18674 547153 96912 o
Bengala
z
l>•
Mdond i 2250 4785 3453 2209 2400 1170 ;::
9900 661 n
Maurícias )>

Portos N or1e 557129 1118042 ;::


-o

Ceilao 1212 ,,
m

l>
T OTAL 2301607 3733407 3 190456 3153 127 1289951 2280499 2375316 4772464 5305373 6901731 7362658
-o
Arquivo Nacional, Junta do Comércio, imporca~ao e expo rta\AO , Mapas das importa{óes e das exportm;óes da ropita11ia de Goa (1 809- 18 19 ), ex. 44 8, o,,
(pct.2).
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MAPA DE EXPORTA<;ÓES DE GOA (1809-1819) RÉIS

ANO

LOCALIDADE
1809 1810 1811 181.2 1813 1814 1815 1816 18 17 1818 1819

Lisboa 135990 10800 230300 491578 1309756


Amfric• 1423336 1827117 2157962 1926556

Brasil ' 1807980 373981 1600596


R,o dr Janriro , 3212694 3937243 4334044 5470203 r,

Bahia
..,
l>
l>
o
} 46250 12965 79737 577687 ...
e
o
Mac•u 2021 0612 14449 45200 6 1931 40363 14997 109094 373696 605461 362838
~

o
MO\•mbiqur 78824 16406 26986 188593 8328 138250 46331 83580 120627 68755 77935 ;:;

Surralr 1200 4450 1326 467

Diu 120 1657 5684 1969 7262 1247 785 41 8 3053 1467 1702
Dami\o 11220 893 11766 10646 9295 5822 3344 800 1967 13497 8704
Ra1apur 14635 13949 33271 9664 14838 2 1503 17677 18292 3318 18690
Bawtagar 5746 2074 437 40 777 846 60 273
Mascatr 3736 4022 7297 85245 168 11 12665 9843 9290 9280 6048 5760

Pond~ 1369 2587 549 15222 3561 4499 9294 672

o
l>
z
....
8265 30371 39963 33463 6028 1 42860 e,
11187 8302 24160 31381 57780 o
Balagatr
:1)

Salcrtr 15435 15677 '"


e,

Bardn 267355 91 23 3::

40924 23942 8947 22339 5781 '"


10673 5416 32793 27025 46764 34171 z
Sul o
45 1968 330131 442973 .,.
170858 218807 2710.17 459633 334697 453698
Bomb-,im 128871 142559 ....
:1)

Porpaianr 805 908 ..,o


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Malvona 10529 o
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714l
l> Ba11co110 l>
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12745
Madrosta 2

7586 9909 2280 l>


Maurícias '!:
12201 64 10 23480 19130 8015 13409 ,.
Mr londi )

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Bengala

Ponos
9632 "'
2

Nortr
4982242 6901731 7029219
1869735 2075542 2503704 2550348 2357973 1429103 213571.l 4483590
- TOTAL
-- ----
Arqnivo N.1cional, Junt• do Comémo, ,mporta~o e exporu~iio, Mapas da., importfll;óes e das expor~es da capitauia de Coa (J 809-1819), ex.
448 , (pct. 2).
CAPÍTULO 12 O ANTIGO REGIM E NOS TROP I COS A DINÁMICA IMPERIAL PORTUGUESA

mas de cvolw;ao dificil mente veri fi cável por nao existirem registros, como exportada para África O riental e Índia. Desde 1808 as exportac;óes de ouro
é óbvi o, o contrabando foi, na virada do século, urn a prática generalizada para Portugal váo ser signifi cativamente inferiores. Nesse ano, aliás, náo
no Brasil e em todo o Impéri o. O comércio praticado por muitos navíos existem registros de saídas de o uro para o reino, enguanto para os anos
ingleses que navegavam no Atlántico Su!, supostamente para combaterem de 181 6 a 1820 eles sáo praticamente insignificantes. Na época de D. Joáo
os franceses ou para se dedi carem a pesca da baleia, e os direitos alfande- VI, os baixos números da balanc;a comercial portuguesa e a progressiva
gários, trucas de armazenagem e o utros impostos que encareciam as mer- perda do papel de entreposto reexportador de Portugal fazem sobressair
cadori as compeliram os comerciantes ao contrabando e fuga ao fisco e a intensidade da crise e a ineficácia administrativa metropolitana e coloni-
suscitaram das auto ridades inúmeras propostas para que as alfandegas al18, nomeadamcnte "a diversidade de critérios vigentes nas várias alflinde-
fossem arrendadas (Mauro, 1981, p.113). O rdenados em atraso de um gas [que] dnva lugar a sistemática e incontrolável evasño fiscal" (Bonifácio,
ou mais anos, afrouxa ainda mais a autoridade do Estado, que sem meios 1987, pp. 78-80). Náo dispondo de estimativas do contrabando entre o Brasil
tende, dentro de certos limites, a "permitir e compreender" com alguma e a Índia e náo ousando avanc;ar mimeticamente com a tese de J obson
bonomia o contrabando, o dolo e a incúria da administrac;áo ultramarina Arruda que sustenta, ainda que sob reserva, que o déficit das relac;óes
portuguesa. Comparando, a incapacidade de a Coroa recompensar devi- comerciais da m etrópole com o Brasil "seria nño apenas o indício, mas a
damente os servic;os dos seus vassaJos, nomeadamente po r meio do paga- própria medida do contrabando efetuado, que assim se poderia qunntificar
mento pontual de soldos adequados, foi igualmente responsável pela forma indiretamente", limitamo-nos, nessa fase da investigac;áo, a realc;ar a enor-
de certo modo permissiva de encarar o excesso de carga ilegal transpo rta- me incidencia do fenómeno (Alexandre, 1986, p . 29).
da nos navíos da Carreira. O uso de letras de cambio e o contrabando parecem poder explicar,
Por o utro lado, a permanencia da Corte no Río de J aneiro, com todas pelo menos em parte, o desequilíbrio nas tracas comerciais do Brasil com
as suas conseq üencias políticas, económicas e sociais, o rigina tal escassez a Índia, entre 1809 e 1819. Quer isto dizer qu e, se realmente houve
de ouro na colonia que foi necessário atuar de modo a estancar a fuga do desequilíbrio, ele situar-se-ia dentro de limites que permitiam prosseguir
metal precioso, que se fazia especialmente para Inglaterra. Simultanea- o giro comercial sem rupturas.
mente, introduziram-se novas técnicas de explorac;áo de ouro para aumentar Sem pretender entrar na análise do papel que tiveram os texteis de
a produc;áo. Sem grande sucesso. "O pouco ouro extraído era cuida- Surrate nos tráficos brasileiros, tanto na colonia como em Angola, o que
dosamente contrabandeado de modo a evitar-se o pagamento do quinto me parece importante realc;ar é que comerciantes e panos asiáticos cria-
real. O ouro trazido por fraude era pago no Rio a 3 e 5% acima do prefO ram um poderoso elo entre Ásia, Brasil, África e a metrópole. Afina! o
oficial que pagava o fisco as barras de airo em pefas nmoedndas. Este ouro Império é um todo.
em barra já tinha pago o quinto: o ouro em pó que saía de [Minas Gerais, Para além dos texteis indianos, o Rio de Janeiro importou de Goa urna
Mato Grosso e Goiás] lucrava portanto 20% ganhando além disso com pequeníssima quantidade de mercadorias muito diversas que náo só se
ser muito fácil de transportar, mais apto a ser falsificado e mais difícil de destinava ao consumo privado dos mercadores que a transportavam como
contrastar." (Ribeiro, 1972, pp. 131-132.) Como conseqüencia, a partir asatisfac;áo das necessidades de urna clientela rescrita e mais abonada. Entre
de 1808, a utilizac;áo de o uro em pó como moeda corrente naquelas capi-
tanías foi proibida e substituída por moedas de ouro, prata e cobre. A es- 1so Princípe Regente, reclamando a "exacta observancia" do alvará de 22 de abril de 1648,
cassez de ouro no Brasil foi táo acentuada que a ,moeda proveniente das emite urna porraraa q ue proíbe "que se embarque o u navegue para o Estado do Brnz1I dmhe,ro
algum sem que precedao os registros, e licen~as do diro Conselho da Fazenda". "Porraria
colonias espanho las, depois de cunhada com a marca portuguesa, passou prohibindo a exporca~iio de moeda de Porcugal", 23 de ma,o de 1815, in Corre,o Bruzilie11se
a circular legalmente de forma ainda mais intensa, chegando m esmo a ser auArm11z.é111 L1terñr10, vol. XIV, Londres 1815, p. 788.

404 405
CAPITU LO 12 O ANTIGO REGIME NOS TRÓPICOS A DINÁMICA IMPERIAL PORfUCJUt>A

essas mcrcadorias, que representavam apenas cerca <le 1% do total <las do norte, principalmente em Surrate e Bombaim, para carr_egar tecidos
exportac;óes de Coa, contam-se a pimenta 19 , a canela 2 o cravo11 e 0 º, guzerates. Outros, interrompiam a viagem em Moc;amb1que ou nas
cardamomo22, especiarias principalmente usadas como aromarizantes na Maurícias para carregar cera e marfim que levavam para Surrate e Bom-
culinária. De Coa, também saíram reduzidas quantidades de "mantimen- baim, ou paravam na ida para o Brasil para traficar escravos.
tos": sagu 13 , azcite, coco, chá, ccrveja, vinhos tintos e vinhos da Madcira Para além dos navios que se dirigiam ou escalavam em Coa, outros
e do Porto. Finalmente, ao Rio de Janciro chegaram louc;as de porcelana houve que estabeleceram a ligac;áo direta entre o Brasil e os porros do
e cairo, cujas fibras extraídas da casca <la noz do coco cram muiro utiliza- Malabar, Bengala, Cuzerate e costa oriental africana, muito antes da aber-
das na confecc;áo de tapetes, no fabrico de cordame e na calafctagcm de tura dos porros brasileiros.
navios devido a sua clasticidade e incorruptibilidade na água. Tomemos O exemplo da rota com a costa moc;ambicana, para ond_e
Em relac;áo ao movimento comercial entre o Brasil e a Índia, os Ma- navegaram numerosos navíos da América do Sul pertencentes a comerci-
pas indicam a entrada de 36 navíos em Coa. Só nos anos de 1817 a 1819, antes de Montevidéu, Buenos Aires, Rio de Janeiro, Bahía e Pernambuco
chegaram a aportar quatro, oito e sete navios, respectivamente, cifras que que estavam envolvidos no tráfico de escravos iniciado em 1~94 ~ qu~ se
estavam ao nível dos anos áureos da Carreira da Índia. A maioria dessas desenvolveu com especial a.lento até cerca de 1830. Nas tres pnme1ras
embarcac;óes partiu do Rio de Janeiro, o que parece confirmar a tese de décadas de 1800, os navios negreiros brasileiros foram presenc;a assídua
Fragoso a propósito da "dinámica própria" dos comerciantes privados na costa oriental africana. Durante esse período, o tráfico evoluiu "de um
cariocas (Fragoso, 1992, p. 307). Da Bahia largara.ro cinco navios e de pouco menos de 1.500 escravos exportados anualmente de Quelimane,
Pernambuco apenas um. Convém entretanto realc;ar que as roras entre o até 1817 (...) para 3615 [nesse m esmo ano]. Indo em aumento, de 1819
Brasil e o Índico nao se dirigiram apenas ao porto de Coa. Cerca de me- até 1825, a exportafiíO anual oscilou entre 5.000 e 6.000" (Capela, 1993,
ta.de dos navios que navegavam em direc;áo a Índia fazia escala nos porros p. 144). Entre 1814 e 1819, a maioria dos navíos qu~ demand~u o porto
de Quelimane, na regiáo da Zambézia, também provmha do Rio e ~ans-
19A p1111e11t11 (Pipe, 11igru111 L.), r,1mbém couhecid,1 por pimenteir.t-da-íudia, p1menra-do-reino portava bebidas alcoólicas, generas alimentares, mic;angas, coral e, ainda,
e pimeura-redond,1, é orinnda d,1 cost,1 ocidenr.11 d,1 Índ1,1 e Ceil,io. É nm.t cspeciaria muico pequenas quantidades de panos de negro. Em troca, carregou ~~-05~ es-
us,1d.1 no tempero e couscrva~iio de alimentos, em p,1rricnl,1r d,1s carnes, en ch idos, mo lhos e
sopas. Er.1 rambém usada na farmacopéi,1 porque f.1cilir.iva a digestiio, fnn c ionava como
cravos, que renderam de direitos alfandegários 108.331$517 re1s (CirneJ
vasodilaudor, ,11iriconvulsivo e ,111titóssico, pois Ídciliuva as secre~ócs das vías respiratórias. 1890, p. 47). 24 ~ , • •
Arn,1v:1 t,1mhém como ,1frod1sí,1rn e e~nn111!.111tc do ,,petitc (Fcrr;;o, 1999, pp. 58-59). Mais estimulante do que constatar as importantes e necessar1as cifras
!uA c,111ela (C11111111110111u111 ver11111, J. Pre~I.), 1g1ulmentc dcs1gn,1d.1 de c,1ncl,1, c.tnclc,r.t, c,1nclc1fa-
de-ceiliio, canela-de-ceil:io, é origin,íru d,1 ilha de Ceiliio. A canela é princip,1lmcnte utilizada que envolveram o comércio de almas em Áfri~ talvez seja an~isar, ainda
na do~ana ou como arom,1nzante de bebidas (Ferriio, 1999, pp.48-49). que de forma muito sucinta, a atuac;áo das d1fer~n_tes comun~dades mer-
21 0 cravo (Syzygium aromaticum L. Merr. & Pcrry), também conhec,do por cravinho, é nma
cantis envolvidas oeste tráfico no espac;o do Impeno portugues e compa-
especiarrn oriunda das Mo lucas. É especialmente usado na culinária e na ,ndústna para
arom,ttiz.ir molhos e alimentos. Osen ó leo é urihz.ido n,1 farmacopé,a, na cura de cánes dcntárias rar as merca.dorias utilizadas. A •

e n,1 perfumaría (Ferriio, 1999, pp. 51 -52). Os comerciantes indianos, que pertenciam a urna numerosa coloma
22
0 cardm1101110 (El/etaria carda11101111m1 L. Maton), rambém chamado de card.tmo mo-de-
malabar, é oriundo das zonas úmidas do oeste dos G,1tes, a nma alcirnde de 700 a L.500 m.
Usado como a ro matizan te n,1 do~aria, t,1111bém o era na medicina como masticatório por vez.es i•oos 35 navios que deram entrada em Qnehmane · 16 eram omm
· d os do R·o 8 da Bahi;1 • 10
1 , .
o1ssociado ao bétel (Ferriio, 1999, p. 51 ). de Penumbuco e 4 da ,lha de Mo~amb,que. Transporravam ma1s de 4.400 hrros de v_mh 0
liO , agu, rambém conhec,do como farinh,1-de-pau, é a fécula de um cerro genero de palme ira nuco, ccrc,1 de ¡ 0.500 hrro, de .1gu.trde11re, 2..6 19 ma~os de m1ssanga e ourra~ merc;4dona~~;
que foi, segundo D iogo do Couro, "o mantimento ordinário como a nossa farinha de trigo, menor peso económico. Todos eles partiam carregados de escravos: 7.497 para o Rio, 2.
muy so1dio, e que farra, e n,"io enfama". Cf. D.dg.tdo, 1919, vol. 11, p. 270. para a Bahia e 4 .880 para Pernambuco ver: Cirne, 1890, P· 47.

406 407
CAPITULO 12 O ANTIG O REGIME N OS TRÓPICOS A DINÁMICA I MPERIAL PORTUGUt5A

em Mor;amhique e mantinham seculares lar;os familiares, económicos e preferiam. A razáo parece óbv ia: os comerciantes brasileiros estavam to-
culturais em toda a costa oriental africana, exportaram sobretudo texteis. talmente dependentes do custo dos tecidos fixados pelo indianos que con-
É óbvio que isso náo significa que os bnnennes só estivessem envolvidos trolav am o processo produtivo e o modo de obtenr;áo dos tecidos na
na traca de panos por marfim, ouro e escravos mas, táo-somente, que os origem. Sujeitos a intensa concorrencia indiana, as margens de lucro dos
tecidos eram os principais artigas do seu comércio. Na verdade, nem comerciantes brasileiros, caso as houvesse, seriam táo reduzidas que náo
mesmo os preceitos da sua religiáo, que os proibia de beber álcool ou matar compensava os custos e o risco das viagens interoceanicas.
qualquer ser vivo, impediu que vendessem vinho, armas e pólvora aos cafres Depois, o fato de comerciantes franceses e brasileiros introduzirem
. is o·f na costa o riental africana mcrcadorias diferentes das que tradicionalmen-
mor;amb1canos. 1 erentemente, os traficantes franceses das ilhas do
Índico adquiriam escravos em traca de milhares de patacas, barris de pól- te levavam os bnnennes náo afetou a capacidade de consumo do mercado
vora, armas e pipas de diversas qualidades de vinho, enquanto os trafi- mo~ambicano. O u seja, se também tivessem traficado escravos com tex-
cantes brasileiros utilizaram os "comestíveis" e o mesmo tipo de cachar;as teis asiáticos, o mercado em pouco tempo ficaria "inundado", criando
que difundiram em larga escala no tráfico de escravos angolanos. Caberá algumas dificuldades ao desenvolvimento de todo o com ércio na colonia.
entáo perguntar por que razáo os traficantes brasileiros, responsáveis pela Entre outras conseqüencias, o prer;o dos texteis cairia inevitavelmente, o
permuta de grandes quantidades de tecidos asiáticos em Angola, náo de- que significa que, para comprar um escravo que em média custava cin-
calcaram essa prática para Mor;ambique. qüenta panos, teriam de entregar o dobro dos panos, ou mesmo mais; os
Antes de mais nada, porque os comerciantes brasileiros dificilmente africanos, dispondo de urna maior oferta de tecidos de algodáo baratos,
poderiam competir com os indianos em matéria de prer;os dos panos de náo sentiriam necessidade de obter as mesmas quantidades de marfim,
proveniencia asiática, que eram os que negros da costa oriental africana escravos e ouro, as principais mercadorias do tráfico internacional; os
moradores pobres da ilha de Mor;ambique, Cabaceiras e outros entrepostos
comerciais viveriam próximos do limiar da subsistencia, pois encontra-
LIQs cosrnmcs, d prárica social e relig iosa dos b1111e1111es siio geralmenre identificados comos
da rchgiao ¡ama. Esra rehgiao fundada, no século VI a.C., acredir.1va qne roda ,1 vida esrava
vam-se muito dependen tes de qualquer altera~áo do prer;o dos panos para
impregnada de espirito e qne nao só os animais mas rambém os corpos i1unimados dispunham prosseguirem os seus pequenos negócios.
de a lma individual. Cada alm a rinha uma cria~iio disrintd e rransm igrava de vid,1 para vida de Do ponto de vista social, a diversificar;áo das mercadorias contribuiu
acorde com scus mcrccimenros. Em tra~os gerais, o objetivo a aringir pela donrrina jaiuista dd
salva~iio era a libcrw,;iio d o espirito da scrvidiio que lhe era imposta pela maréria cm conscqUén-
para que os negócios entre bnnennes, portugueses, brasileiros e franceses
cia do karma, os residuos dos con¡unro dos aros pcssoa1s. O cam1nho a seguir era o da ru ptura evoluíssem sem grandes tensóes sociais e políticas. Já o mesmo náo diría-
na intcrmmávcl cade1a do nascimenro e morre por mais da ascese e da al,ims11 , ou nao-violen - mos em rela~áo as alterar;óes provocadas nas sociedades africanas devido a
cia. Este é o corpo doutrinário jni1111 que caracreriz.a o modo de comporrnmenro social e eco-
nómico dos ba11ea11es, riio claramente descritos por Duarre Barbosa no in icio do século XVI. intensifica~áo da exportar;áo de escravos, ao afluxo de bebidas alcoólicas,
A agriculrnra e a cna~iio de gado ernm anv1dades qne lhcs esravam vedadas porque O arado armas e pólvora (Antunes, 1992, pp. 302-307; Capela, 1993, pp. 158-165).
fcre a tcrra e mara os pequcnos animais. Praricavam a "caridade a tudo o q ue era vivenre,
Pelo contrário, a diversificar;áo de mercadorias e a intensificar;áo do
crarando co m grande c111d,1do os c:ies, o~ gdtos, burro~, cobras, !agarros, sevandijas, inscros, as
mesmas pulgas, e piolhos". Daí que se possa esrabelecer urna íntima relai,;iio entre os jaiuas e tráfico negreiro reanimaram a economia mor;ambicana, em particular na
a arividade comercial. Os ba11em1es eram vegetarianos, a q uem nao era permitido comer algo regiáo dos prazos da Znmbézin,1.6 e provocou durante as primeiras déca-
que rivessc rido vida . Aré a água que bebiam rinha que ser romadd em vaso fe 1ro por eles e ser
previamente filtrada e fervida para que ndo ingerissem pequenos seres vivo~. Nada adquiriam
dOS pormgueses, ncm mesmo alimentos "que siio unicamenre vegeraes que mandiio v1r de sua~ uo pmz.o é o afornmcnro da rerra em rri!s vidas, isro é, em tres gerni,;oes, dado pela Cor~a me-
rerras" : Mroz, fariuha de grao, conservas de frura~ e espec1arias. O ¡11i11i, mo exerccu profun- diante o pagamento de um foro an ual cm ouro cm pó. Na succssao do prazo, as filhas r111ham
da influencia na vida mdiana, a1nda bcm v1sível, na nossa época, pelas amudes e pensamenros preferencia ~obre os filhos, m,1s n.1 ,1m,encu daq11el,1s o pmz.eiro podía 111dicar_~11alqucr pes~~·•
de Gd ndh1 para O suceder. Em Mo~ambique, os prazos loc;ilizavam-se, grosso modo, na reg1ao da Zimbézi.1 .

408 409
CAPÍTULO 12 O ANTIGO REGIME NOS TRÓPICOS A DINAMICA IMPERIAL PORTUGUESA

das do século XIX urna progressiva baixa do prer;o dos escravos para, no 160 toneladas pudessem chegar ao porto fluvial. Os navíos de maior porte
final da década de 1820, voltarem a subir de novo, mas sem atingir as eram obrigados a ancorar ao largo, senda as mercadorias baldeadas para
cifras de meados do século XVIII (Capela, 1993, pp. 167-168). pequenas embarcar;óes. Surrate tornou-se um centro comercial impor-
tante, onde mercadores de diversas religióes e castas, nomeadamente
hindus, mur;ulmanos, jainas e parses, desenvolveram harmoniosamente
3. GOA, PONTO DE ENCONTRO DOS CIRCUITOS COMERCIAi$ DO IMPÉRIO ASIÁTICO urna intrincada rede comercial que ligou os porros da costa ocidental
com o Brasil, a costa oriental africana e o Extremo Oriente. Curiosa-
A análise global das relar;óes comerciais de Goa revela a existencia de um mente, as mercadorias que Goa enviou para Surrate nos anos de 1809,
pequeno mas diversificado comércio com os portas da Índia, sul da Arábia, 1811, 1812 e 1813 - a maior parte relacionada comos cocos ou seus
costa oriental africana e Extremo Oriente. Entre 1809 e 1819, a média derivados - eram de valor incomparavelmente inferior. Para se ter umG--
das exportar;óes de Goa náo ultrapassou os 2%, pelo que optamos por idéia precisa, cocos, azeite de coco, copra bruta, sacas de juta, patos e
somente apresentar cifras quando a atividade mercantil foi relativamente perus somam a quantia de 2:232$900 réis.
intensa. Excetuam-se os casos de Mor;ambique, Bombaim e Macau, onde O comércio entre Bombaim e Goa foi relativamente equilibrado, urna
as saídas representaram 3%, 11 % e 3%, respectivamente. Quanto as im- vez que o valor das importar;óes desta regiáo foi superior em apenas
portar;óes, apenas sao significativas as de Surrate (44%), Bombaim (10,4%), 38.223$300 réis. De Bomb,aim, ilha que os portugueses cederam aos in-
Balagate (10,3%) Macau (4%) e Pondá (3,54%). gleses em 1665 como dote de casamento de Catarina de Braganr;a com
Como foi anteriormente sublinhado, de Surrate, um dos grandes por- Carlos II de Inglaterra, foram remetidos para Goa tecidos e algodáo em
tas de exportar;áo de texteis do G uzerate, foram enviados para Goa gran- rama, lour;as variadas, plantas medicinais e outras drogas, ar;úcar de jagra,
des quantidades de "panos de gentios", zuartes, dotins, canequins, chá, passas, cocos, figos, tamaras e sagu, salitre e, ainda, bebidas alcoóli-
tafeciras, chitas, coromandéis e longuins, todos eles tecidos de algodáo cas e especiarias diversas.
multicolor, lisos ou estampados com desenhos de elefantes e penas de De Bardez, Salsete, Pondá, e de outros territórios das denominadas
paváo estilizadas. Sem o fulgor dos séculas XVI e XVII, quando o porto Novas Conquistas, chegavam por terra pequenas quantidadcs de tecidos
de Surrate era denominado "the blessed port of the Mughals" por ser a de chita e bertangis, cera, café, manteiga, frutas e especiarias, nomeada-
principal porta para centenas de milhares de peregrinos mur;ulmanos que mente, mostarda e a pimenta-rcdonda. No retorno, animais e homens
viajavam para M eca, ou "the golden port", pela sua intensa vida comer- partiam carregados com tecidos e linhas, chá, ar;úcar, cocos e diversos ti-
cial, a cidade ainda conservava, em finais do século XVIII, urna surpre- pos de objetos de uso doméstico.
endente atividade económica, se tivermos em canta que viu impedida a De Balagate chegavam texteis baratos, equivalentes a 85% do total das
aportagem de navios de grande tonelagem devido ao assoreamento da mercadorias exportadas dessa regiáo. No caminho inverso, os balagateiros
foz do Tapti e teve de resistir as muitas investidas do expansionismo carregavam, de Goa, feni 17, vinhos tintos e brancos, gime vinho do Porto,
marata (Torri, 1982). Urna das razóes da evolur;áo do porto residiu no ar;úcar em pó, ar;úcar-candi (mais refinado), amcndoas, támaras, passas,
fato de esta se ter realizado em consonancia com o potencial comercial mel de cana, azeite, incenso, cera, folhas de sene, usadas como purgante,
do seu hinterland. O tráfico de tecidos de algodáo de todo o vale do e areca, muito utilizada como masticatório.
Kandesh <;eguia fon;osamcnte através da rede estabelecida pelos ríos Tapti A curta distancia entre Bar;aim e Goa, situa-se um conjunto de peque-
e Narmada e pela cidade de Burhanpur. Em rela<;áo ao comércio maríti-
mo, a amplitude das marés apenas permitía que navios de cinqüenta a TTf e111, femm, do concan1 p/Je11i. É um.i aguardente de ca1u,

410 4 1 1
CAPITULO 12 O ANTIG O R E GIME N O S T R ÓP I CO S A D I NÁMI C A IMPER I AL P ORT UGU ESA

nos portas que mantiveram contaros comerciais esporádicos e economi- Com a costa oriental de África tra.ficavam-se panos de cafre por prata,
camente insignificantes: Malvona, Rajapor e Bancotto. 28 ouro, patacas e meias-doblas espanholas, dentes de marfim e alguns es-
O comércio de cabotagem com os porros do su! fazia-se em centenas de cravos. O pre~o dos panos que se destinavam especialmente ao comércio
barcos pequenos e ligeiros, nomeadamenre, os parangues, manguerins, sibares de marfim e escravos era de 218.753$700 réis, o que representava cerca
e patamarins. Yinham carregados de texteis e comestíveis, especialmente a~ú- de 80% das exporra~ócs de Goa com Mo~ambique. Em contrap~tida,
car de jagra, manteiga, hucho de peixe, asas de tubaráo, coco, azeite de coco, enguanto o valor total de moeda e metais preciosos enviados de Africa
pimenta e tamarindo, para partirem com breu, salitre, ferro, chá, pipas de Oriental foi de 151.291$200 réis, o valor do marfim e escravos foi de
vinho, madeiras, grasas de rolhas e diversos materiais de constru~áo. 13.448$400 e 29 .017$5 00 réis, respectivamente.
Os partos de Damáo e Diu mantiveram com Goa um tráfico comercial De Macau, no Extremo O riente, vinharn navíos com a~úcar, xales,
continuo mas economicamente pouco expressivo. Expediam alguns es- veludos, sedas, cetins, lou~as finas e de uso comum, sapatos, jogos de laca
cravos e tecidos que, embora registrados nos Mapas, estavam isentos de e sombreiros. Retornavam com frutos secos, pimenta-redonda, café, vi-
pagamento de ta){as alfandegárias. Em troca, recebiam urna reduzida quan- nho de caju, salitre e algumas caixas de ópio, especialmente nos anos de
tidade de comestíveis, bebidas alcoólicas e especiarias. Era um comércio 1816 a 1819. A média do ópio transacionado nesses quatro anos corres-
de cabotagem, realizado por embarca~óes de pequena dimensáo. Os ne- pondeu a 82,70/o do total dos produtos enviados para Macau.
gócios mais importantes eram realizados por baneanes, hindus e jainas e Finalmente, com Madrasta e Bengala, porros localizados na costa ori-
por comerciantes mu~ulmanos dessas duas pra~as com os portas da costa ental da Índia, foram muito esporádicos. Apenas em 1813 e 1814 chega-
mo~ambicana. ram navíos vindos de Madrasta. Traziam apenas texteis do Coromandel e
Com Mascate, porto do su! da Arábia, mantém-se a tendencia para levavam principalmente lou~as. De Bengala saíram somente diversos ti-
Goa prosseguir um comércio de pequena monta. Cerca de 67% das mer- pos de texteis, cerca de 3.000 arrobas de carne, um boi e 27 vacas, mas
cadorias omanitas compunham-se de frutos secos, amendoas, passas, tá- nada entrou oriundo desse porto.
maras e um conjunto de drogas de que sobressaem as gomas e resinas,
nomeadamente a assa-fétida, a goma-arábica, gulgul. Goa exportava para
Mascare cocos, manteiga, café, cera, perfume de benjoim, madeiras 3. 1 PRATICAS COMERC/AIS, NEGOCIANTES E REDES MERCANTIS AFRICANAS
(aguieiros, patingas e traves) e cabos de cairo para a constru~áo naval. E ASIÁTICAS

211
Malvona (amal Malavan) fi ca simada numa baía circundada de recifes e pequenas ilhas.
O comércio asiático, comparativamente ao afri cano, desenvolvía-se de
Relaciona-se co m o interio r através do rio Kh alavi (o u Gad), que é navegável nnma extens.io forma mais célere. Este aspecto está relacionado a natureza das principais
de 12 quiló metros. Malvona teve um papel importante até a época maraca, quando se rrans- mercadorias africanas, com a diferen~a de processos produtivos e com os
formo u num refúgao de pirar.1s.
Ra¡apor perdeu o conraro coma costa, da qua) d ista 25 qualomerros, devado ao assoreamento ritmos de transporte.
dorio Kodavali. Em 1665 ancoravam em Rajapor navios de sciscen tas to neladas. Hoje, ape- Antes de mais nada convém salientar que o escravo dificilmente pode-
nas é acessível a pcquenos ba rcos de pesca. No encanto, Rajapor co nserva rcsquícios da sua rá ser considerado matéria-prima, ou seja, um objeto ou bem básico que é
antiga prosperidade.
Bancorto (arual Banakor) sam a-se no esruário do n o Savirn, em águas c uja profundidade, transformado no processo de produ~áo. A maioria dos escravos angola-
na maré bai>ca, é de do is mcrros. A liga~ao as cidades do interior fazia-se pelo rio. Em 1880, nos que chegava a Luanda para sustentar o comércio transatlántico era
ba rcos de cinco metros de comprimenro conseguiam navegar numa única maré os 38 quilo- adquirida na Lunda, pela intermedia~áo de um conjunto de estados da
merros que scparavam o litoral de Mhapral, povoa~ao do interior que fica mais próxima
(Deloche, 1994, vol. 2, pp. 65-77). regiáo de Cuango, enguanto um número muito mais reduzido de escra-

4 1 2 4 13
CAPÍTULO 12 O ANTIGO REGIME NOS TR ÓPICOS A OINAMICA IMPERIAL PORTUGUESA

a matéria-prima, em especial o algodáo. Em poucos meses, os pan os eram Depois dessa data, os grandes comerciantes brasileiros envolvidos no co-
produzidos, transportados e acomodados em armazéns que geralmente mércio de longa distancia procuraram intensificar suas atividades no O ri-
se situavam junto aos pa rtos do golfo de Cambaia (Bérinstein, 1996). O ente por forma a alargar, proteger e tornar mais rendosas suas redes de
recurso_ ao crédito, que foi o suporte de urna extensa cadeia que se inici- negócios. 31 É sabido que as famíli as Gomes Barroso e Carneiro Leáo e os
ava na India com a aquisi~áo de fazendas pelos banennes, vai igualmente negociantes Manuel Gon!;alves de Carvalho, J oáo Gomes Vale, Manuel
desenvolver-se de forma muito rápida e simpl es pelos porros e sertoes de Caetano Pinto, Manuel Joaquim Ribeiro e José lgnácio Vaz Vieira perten-
África Oriental. 3º ceram a um pequeno núcleo mercantil carioca que, além dos negócios com
O u seja, a interven~áo económica dos comerciantes asiáticos, além de Portugal e do tráfico negreiro coma costa ocidental de África, se dedicou
compreender a área da circula!;áO de mercadorias, influenciou direta e ao comércio de longa distancia com a Índia. Este limitado grupo de ho-
decisivamente a esfera da produ!;áO. mens de negócio, cuja experiencia e riqueza asscntaram essencialmente
Por outro lado, também existiram diferen!;as quanto a natureza dos no "comércio de almas", esteve também fortemcnte envolvido no comér-
mercados africanos e asiáticos. Os mercados indianos, que tinham grande cio de cabotagem no Brasil, possuía lajas de retalho e alguns procuraram
atividade económica e abrangiam urna popula!;áO urbana incomparavel- assegurar parte da sua fortuna na "montagem de fazendas escravagistas"
mente maior (Bayly, 1983, p. 33 e pp. 111-113 ), dispunham de capacida- e em prédios agrícolas, atitudes que, entre outros aspectos de natureza
d e interna suficiente para resistir, com dinamica própria, aos múltiplos económica, revelam um profundo desejo de eleva~áo do estatuto social
desafios impostas pela concorrencia externa. Comparativamente, os mer- (Fragoso, 1992, pp. 217, 263 e 293). A harmoniza!;áO de um conjunto
cados afri canos eram de escala mais reduzida, tinham limites de consumo táo vasto de negócios que incluía o comércio de abastecimento e cabotagcm
de mercadorias estrangeiras e encontravam-se mais dependentes de fato- na costa brasileira, o tráfico de escravos africanos e o comércio de texteis
res exógenos que podem explicar, pelo menos em parte, seu caráter muí- indianos; a condu!;áO da atividade bancária e segura.dora; a utiliza~áo dos
tas vezes provisório e descontínuo. capitais de investimento em atividades estritamente económicas, designa-
Este conjunto de particularidades obrigou os "comerciantes de grosso damente a arremata!;á0 de contratos ou a aquisi~áo e arrendamento de
trato" brasileiros a estabelecer contatos diretos com outros que conheces- prédios urbanos e rurais; ou o destino que davam as fortunas particula-
sem e estiv essem integrados as redes mercantis dos grandes centros de res, nomeadamente os empréstimos ao Estado e doa~oes a comunidade,
texteis indianos, a.inda antes da abertura dos pa rtos brasileiros, em 1807. parecem ser alguns dos tra~os comuns entre os negociantes das pra!;aS de
Lisboa, Rio de Janeiro Goa, Surrate, Bombaim e de outras cidades india-
nas (Pedreira, 1995, pp. 294-391; Fragoso, 1992, p. 262-273; Gorcnstem,
J0 0s panos que perre nciam il Fazenda Real eram distribuídos a crédito pelos diversos feito res
dos porros da cosrn moi;ambicana. Estes g uardavam a qm111tidade neccss,íria aos pagamen tos
1992, pp. 189-207).
de o rdenados da ad mi111strai;iio e en tregavam o rcstilntc, também a crédito , aos comerciantes Para além dos "comerciantes de grosso trato", outros houve que, mes-
da Z 1mbéz.ia. Os panos qne pertenciam .tos ba11e1111es q ue controlaram todo o comércio grossista mo náo dispondo de táo grandes recursos, se aventuraram nos mares do
a partir da ilha de Moi;ambique eram vendidos aos comerci.tntes portugueses po r prei;os supe-
riores aos ajnstados co m os africanos e o utros indianos qne se dedicava m ;¡ venda ambnlantc
Índi co por entenderem que o comércio asiático, pela sua complexa orga-
e a retalho. Ou seja, a Fazenda Real recebia os panos dos bm,eanes e, como nao podia pagar a niza~áo, elevado risco e exigencia de moeda, podía garantir maiores opor-
pro nto, assinav.t nma " letra" o u "aval" qne ga ran ti,1 q ne a Coroa fa ria o pagamento nos ter-
mos acordados na dita letra. Frcqllentemeute, sucedía qne a sirnai;iio das fi na ni;as d o Estado
da India er.t t;io débil qne a solui;iio que se encontrava p.tra sald.1r a d ivida ~ra tazcr um peque-
J•Os Mflpt1,; n,'.to nos fornecem ,is 1dcnt1d.1des dos comcrc i,111tes e n volv1dos no comérc10
no pagamento po r conta do débito e pagar o restante, no futuro , a 1uros altos. Aco n tece
111terasi.l rico e nltramarmo. Apenas nos indicamos no mcs dos nav1os e respectivos con1,1ndan-
q ue, para pagar a <lívida, o Estad o necess1tav.1 de nova q na nnd.tde de mercado ria d os ba11ea11e,
(A.H .U., /ur/111 , ex. 40, doc. 30, 23.8 . 1696). tcs, rorns e escalas entre o Atl.innco e o Índico.

4 17
4 16
CAPÍTULO 12 O AN T IGO REGIME NOS TRÓPICOS A DINÁMICA I MPERIAL PORTUGUES A

tunidades de participa~áo e lucro que o tráfico negreiro africano, pratica- Ribeiro Neves, abastados negociantes porn1gueses cujo q uadro genealógico
mente exclusivo dos grandes comerciantes. e trajeto comercial foi meticulosamente estudado por Ernestina Carreira
Certamente por nao pertencerem a reduzida "elite comercial " cari oca (Carreira, 1995, pp. 83-94, 77-120). Curiosamente, a primeira gera~áo
e baiana, nao sáo muitas as informa~óes sobre a atividade comercial ou de ambas as famíli as, a saber, Domingos Lopes Loureiro e António Ribei-
mesmo a identidade dos comerciantes brasileiros que embarcaram para a ro Neves, iniciou seu percurso comercial no Rio de J aneiro e na Bahia na
Índia e desenvolveram seus negócios em Goa, Bombaim e Surrate, entre década de 175 O. No fin al da década de 1770, essa experiencia estava fa-
1809 e 1819. Ainda assim, verificamos que os negociantes cariocas J oa- lida mas seus descendentes preservaram os con tatos com urna extensa rede
quim Antoni o Ferreira, J oáo Gomes Duarte, Anto nio da Luz e Luís Anto- de negociantes em todo o lmpério. Na Índia, a família Loureiro ocupou
ni o Batalha, antigos trafi cantes de escravos afri canos, foram habituais quase ininterruptamente, entre 1775 e 1822, o cargo de direto r da feitoria
freqüentadores dos portos ind ianos e participaram ativamente no comér- portuguesa de Surrate. 34 Essa condi~áo permitiu-lhes ganhar influencia
cio de texteis do Guzerate.32 Muitos outros provenientes do Río, da Bahía junto as autoridades desse porto, desenvolver intensos contaros com cli-
e de Pernambuco, de que náo conseguimos descortinar qualquer tipo de entes, capitáes de navios e armadores europeus e indianos, participar do
informa~áo sobre seu percurso na atividade mercantil, também reaJiza- comércio de texteis e ópio do Guzerate, exportar livremente suas merca-
ram diversas viagens a Goa e aos " Portos do norte". Foram eles os cario- dorias para os entrepostos portugueses da costa o riental e para Macau e
cas Francisco Gon~alves da Costa, Anto ni o J oaquim Avelar, J oaquim se envolver no comércio textil com o Rio de Janeiro através do porto de
Ignacio Lobo, Antonio dos Santos Cruz, José J oaquim Rapozo, Dezidério Goa ou diretamente dos vários "porros do no rte".
M anoel da Costa, M anuel Gon~alves da Cunha, J osé Teodoro, Ped ro Quando a Coroa portuguesa transferiu-se para o Rio de J aneiro, um
Antonio Nunes, Camilo Caetano dos Reis, J oaquim Estanislao Barbosa, dos comerciantes que terá vindo na comitiva foi Domingos Gomes Lo u-
os baianos J oaquim Gervázio e Rufino Peres Baptista e, fin almente, o reiro. Com o conhecimento das particularidades do comércio oriental
pernambucano Esteva.o J osé Alves que aproveitaram esses nichos de ne- adquirido na Aula de Comércio e com a riq ueza de que dispunha, prove-
gócio no Oriente. niente dos negócios q ue man tinha com a Índia, Domingos decidiu apro-
Estes comerciantes brasileiros com certeza mantiveram rela~óes estrei- veitar as oportunidades resultantes da abertura dos porros do Brasil para
tas com diversos membros de famíli as abastadas de o rigem portuguesa de desenvolver seus negócios asiáticos, como se pode constatar pela carta que
Bombaim, a saber Miguel e Nicolau de Lima e Sousa (Antunes, 2000)33 , envio u a Vencatesha e Narayana Camotim, em 1809:
que juntamente com Nasserwanjee Monackjee, um dos primeiros parses
r icos a ingressar no comércio de Bombaim, e, ainda, Tate, Adamson e A revo/111,,ño que trouxe a (amílin re11/ de Portugal pam o Brasil, mudan-
o utros negociantes ingleses eram dos mais importantes comerciantes de do complet111nente ,1 direftiO do comércio portugués, fez com ,¡11e eles
aJgodáo. Em Surrate, relacionaram-se com as famílias Gom es Lo ureiro e estabelecessem as suas casas comerciais 110 Rio. Eles cuidariam com
extremo zelo de q11"llJ11er tipo de negócio q11e os Camotins /hes quises-
sem con(iar.
12
As referidas iden tidades surgira m do con fro nto enrre os no mes d os coma nda ntes e sobreca r• O seu 1w1110 R.(//11/m dos An¡os 11111 mwegar pt1m partos 11ue t1lé t1gom
gas dos navíos brasileiros que rocarnm os porros de Goa e Surrare en rre os anos de 1809 e tem estado {echados 110s comerdr111tes do Bmsil. Eles espemm que a revo-
18 19 (Mr1p11s) com os no mes dos mercadores brasileiros envolvidos no comércio coma Ásrn e
África nas p runc1ras décadds do século XIX (Frdgoso, 1992; Flo reur1110, 1995, pp. 28 1-284).
"A familia Lim ;1 e So nsa fixou-se cm Bomb:iim após os pormgueses tcrem perdido ,1 viz,nlrn 14Enrre 1807 e t 822, os diretores que administranun em simulranco e, por vezes, mdisrm u-
pra~a de Ba\:a,m, cm 17 39, mas n nha conservado o essenc1dl da sua riqueza fn nd ,án,1 e esta· menre os inrercsses comerciais da Coroa e os negócios privados foram Jo,io Comes Loureiro
ru to socrn l (cf. An runes, 2000). ( 1807-181 1), scu filho homó u,1110 ( 1811-18 15) e o mn.io Hcn nquc Jo~é ( 1816- 18./../.).

4 18 4 19
CAPITULO 12

lw;iio possa be11e/1ciar o:; comercir11tl~:; da Ásin e que ns mercadoria:; do


Malnb11r te11h11111 especial procum. Solicito toda n nssisté11cin possível pnm
o se11 ,wvio e sobrecnrgn. Sinuio d11 Rocha Loureiro e D0111i11gos Álv11ro
Loureiro. JS

Nesse sentido, constatamos que Simáo da Rocha, Domingos Álvaro


e Thomaz, membros da família Loureiro provavelmente esrabelecidos
no Rio, foram responsáveis por cerca de 63,5% de tecidos guzerates
transacionad os como Brasil, em 1809.36 Quatro anos mais tarde, cerca
AP~NDICE Mapas
de 54,3% de texteis exportados para o Brasil vía Goa foram enviad os
em cons'igna~áo ao comerciante António José Viegas. Testemunho do
grau de mobilidade e diversifica~áo da atividade comercial é o fato de
todos eles terem participado no tráfi co de escravos da costa ocidental
afriq ma. Simáo da Rocha Loureiro, que também estava envolvido no
comércio luso-asiático 37 , viu seu navío negreiro Andorinha ser aprisio-
nado pelos ingleses quando, em 18 12, viajava em dire~áo ao Brasil com
tecidos ingleses e asiáticos avali ados em cerca de 15 mil -réis (Florentino,
1995, p. 134).
lsto é, o lmpério, afina!, funcionava de forma integrada.

H"Absrract 111 English o f rhe Lerter from Domingos Gome~ Loureiro & So ns ro Venc~tesh,1
and Na rayana C.1mo nm ", Rio de J,1ne1ro, 17 de 111,110 de 1809, in Teorón ,o R. de Sonza, 1985 ,
p. 947 (rrad ufiiO mmha).
J6Cifras baseadas no Append1x 5, "Texrilc consignments despatched ro Brazil via Goa. 1809-
1813" (Ce Isa Pinto, 1990, pp. 62-63). Sobre a possibilidade de esses comerciantes esrarem
estabelecidos no Rio, cf. Florentino, 1995, pp. 134-135 e 282.
J'Na rela~ao de navios que enrrara m em Goa no ano de 1809, verificamos que Simao da Ro-
cha Loureiro parr1u de Lisboa em dire~o a India como sobrecarga de um Bergannm (vide
Mapas referentes ao ano de 1809).

420
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ATLÁNTICO

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OCEANO OCEANO INDICO


MADAGASCAR
PACIFICO

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SUL

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O império porrugues, séculos XVI e XVIII


Fome: Boxer, C. R. O Jmpério Co/01110/ Portugues (14 15-1825).
Lisboa: Edi~oes 70; 1981. Mapa 7
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A Costa de Malabar
Fome: Subrahamanyam, S., O lmpério Asiático Portug1,és, 1500-1700.
. • • Rio de Jane1ro, Difel, 1993. p. 429
A África Ocidental entre os séculos XV e XVII
Fonte: Dias, Jill R., Nas vésperos do m undo m oderno: África. Lisboa, Comissao Nacional
pa ra as Comemora~oes dos Descobrimentos Portugueses, 1992. p. 72
Principais Portes de Tráfico de Partos de Tráfico de Escravos em
Escravos do Atlantico Sul Angola nos Séculos XVI 11 e XIX

Oceano
Atlantico 7 O'

Oceano
Atlantico

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N -------------------------
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., PARTE DO VICE-REINO

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u Brasil e Maranhiio-Pará no século XVIII
z Fome: Boxer, C. R. O lmpério Colonial Portugués (1415-1825).
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Autores

JOÁO FRAGOSO

Professor da Universidade Federal do Ri a de Janeiro. Doutor em hisró ria


pela Universidade Federal Fluminense, cuja tese recebeu o l.º lugar do
Premio Arquivo Nacional de Pesquisa, em 1991. Autor de diversos livros,
artigas nacionais e internacionais, entre eles: Homens degrossa aventuro:
Acumu/111, /io e hiemrq11ia 1w pm':<a 111erc1111til do Rio de ]aneiro, 1790-1830.
Ria de J aneiro: C iviliza¡;áo Brasileira, 2.:1 ed., 1998 (tese de dourorado) ;
em co-auroria com Manolo Garcia Florentino. O arcaís1110 como projeto:
Mercado atlrintico, sociedade agrári11 e elite 111erw11til e111 u11u1 eco110111ia
colo1tial tardia (Rio de Jrmeiro, c. 1790 - c. 1840). Ri o de Janei ro: Civi-
lizac,:áo Brasileira, 4.ª ed., 2001; "A nobreza da República: no tas sobre a
forma!Yáo da primeira elite senhorial do Ri o de Janei ro (sécs. XVI e XVII)",
in: Topoi. Revista de História, n. 0 l . Rio de Janeiro: UFRJ, 2000, pp. 45-
122.

MARIA DE FÁTIMA SILVA GOUVEA

Professora da Universidade Federal Fluminense Doutora pela Universi-


dade de Londres, em 1989, onde defendeu a tese Politics in Rio de ]aneiro
Provi11,ce ,mder the Empire, 1822-1889. Aurora de artigas, entre o utros:
"Redes de poder na América portuguesa: O caso dos ho me ns bons do Rio
d e Janeiro, 1790-1822", in: Revista Brasileim de História, Sáo Paulo,
Anpuh, vol. 18, n. 0 36 (1998): 297-33 0; "Po der, justi!Ya e soberanía no
Impéri o colo nial po rtugues, século XVIII", in Leituras. Revista da Biblio-
teca Nacional, n. 0 6. Lisboa, 2000; e de inúmeros verberes no Dicio1ttírio
de história colonial, dirigido por Ro naldo Vainfas, Rio de janeiro, Objeti-
va, 2000.

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AUTORES Q ANT IGQ REG\ME NO~ fHOt-'IC.,.U'.) _.... UIN~MI"-'"' 1nnr~n.,r-.o. •-•• • - - - - -

MARIA FERNANDA BAPTISTA BICALHO NUNO GON<;ALO F. MONTEIRO

Professora da Universidade Federal Fluminense. Doutora em história so- Pesquisador do Instituto de Ciencias Sociais da Universidadc de Lisboa. Pro-
cial pela USP, em 1997, coma tese "A cidade e o Império. O Río de J anei- fessor do I.S.C.T.E. Doutor em história, em 1995, pela FCSH da Universi-
ro na dinamic,1 coloni,11 portuguesa, séculas XVII e XVIII", a ser publicada dade Nova, coma tese de doutorado publicada: O aep,ísrnlo dos gm11de..~.
pela Civiliza<;áo Brasileira (no prelo). Escreveu, entre outros, o artigo "As A wsa e o patrilllónio da aristocmciil em Portugal (1750-1832), Lisboa,
Camaras Municipais no lmpério portugues: O exemplo do Ria de Janei- Imprensa N ,1cion,1l/Casa da Moeda, 1998. Entre diversos artigas e capítu-
ro" na Revisl(I Bmsileirt1 de Históri(I, vol. 18, n. 0 36, 1998. Co-auror,1, junto los de livros de sua aurori,1, organi zou a parte correspo ndente ao Anrigo
com Laura de Mello e Souza, no li vro 1680-1 72 0: O /mpério deste 1/ll(ll- Regime na obra dirigida por Cés.1r de Oliveira -História dos numidpios e
do, Sáo Paulo, Companhia das Letras, 2000. do poder Local, Lisbo,1, Círculo de Leirores, 1996; e é responsável pela or-
ganizayáo, introduyáo e notas no livro Meu pai e muito se11hor do meu co-
ANTÓNIO MANUEL HESPANHA rw;iio. Correspo11.déw.:ia do Co11.de de Assunwr para o seu pai, o Marqués de
Alonw, Vice-Reí dn Í,uiia (1 744-175 1), Lisboa, Quetzal, 2000.
Professor da Faculdade de Direito da Universid,1de N ova de Lisboa. Pes-
quisador do Instituto de C iencias Sociais, da Universidade d e Li sboa.
RONALD RAMINELLI
Doutor, em 1987, em história política e constitucional moderna pela Uni-
versidade Nova. Autor e organizador de diversos livros, entre os quais, As Professor d,1 Universidade Federal Fluminense. Atualmente é vice-coor-
vésperas do Le11ialha11. lllstit11ii;oes e poder político em Portugal - séc. denador do programa de Pós-Gradu,1~áo em história da mesma Universi-
XVII, Coimbra, Almedim1, 1994; Poder e instiluii;oes na Europa do Anligo dade. Doutor ern história soci,11 pela Universidade de Sao Paulo , em 1994,
Regime, Lisboa, Fund. C. Gulbenkian, 1984; O Antigo Regime (1620- coma tese publicada sobo título /magens da colo11izai;iio. Ri a de Janeiro/
1810), vol. 4 da História de Portugal, dirigida por J osé Mattoso, Lisboa, Sáo Paulo: Jorge Zahar/Edusp-FAPESP, 1996. Entre inúmeros artigas e
Estampa, 1993. capítulos de livros nacio nais e internacionais, é de sua autoría "Habitus
Caníbal", in: Paulo H erkenhoff (org.) O Bmsil e os holmuieses (1630-1654).
HEBE MARIA MATTOS Ria de Janeiro: Sextante/Artes, 1999; e vários verberes do Dicio1uírio de
histórill colo11ial, dirigido por Ronaldo V,li nfas, Ri a de Janeiro, Objetiva,
Professora da Universidade Federal Fluminense. Do urora em história pela
2000.
mesma Universidade, o nde foi também coordenadora do Programa de Pós-
Gradua<,:Ao, em 1998/1999. Autora de diversos li vros, artigas nacionais e
HELEN OSÓRIO
internacionais, entre eles: Das cores do sile11cio: Sig11i/'icado da liberdade
110 Sudeste escravista. Ria deJaneiro, Nova Fronteirn, 2.ª ed., 1998, tra- Professora da Universidade Federal do Ria Grande do Sul. Doutor em histó-
balho com que recebeu o l. 0 lugar do Premio Arquivo Nacional de Pes- ria pela Universidade Federal Fluminense, cuja tese, Estmióeiros, illvmdores
quisa, em 1993; "La~os de família e direitos no fin al da escravidáo", in: e comerciante..~ 1w co11stit11ii;ao da estrem11dura portuguesn ,w América: Rio
ALENCASTRO, Luiz F. de (org.) História da vida privada 110 Brasil - Grmuie de Siio Pedro, 173 7-1822, recebeu Men<;áo Honrosa do Premio Ar-
lr11pério: a corte e a modernidade, vol. 2, Sáo Paulo: Companhia das Le- quivo Nacional de Pesquisa, edii;áo 1999. Autora de vários capítulos e arti-
tras, 1997; e Escravidiio e cidada11ia 110 Brasil mo1uírquico, Río de Janei- gas, entre eles: "Estruturas socioeconómicas coloniais", in : WASSERMAN,
ro, J o rge Zahar, 2000. C. (coord) História da América Lati1u1: ci1u;o séculas. Porto Alegre, Editora

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AUTORES

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John M. (orgs.). Rnízesda A111éricr1 Lati1111, Sáo Paulo: Expressáo e Cul tura & 1996. Doutorando em história na Universidade da Califórni a (Los
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gola no tráfico ilegal de escravos", in: Panroja, Selma. Bmsil e A11goln 11ns
ANTONIO CARLOS JUCÁ DE SAMPAIO
rotns do Atl1i11lico. Rio de Janeiro, Bertrand, 1999.
Professor da Universidad e Federal de Ouro Preto, na qual é diretor do
Departamento de História. Doutor em história pela Universidade Federal
Fluminense, em 2000, coma tese Nn curvn do tempo, 1111 e11cm zill){/dt1do
l111pério: Hiemrq11iwr110 socinl e estmtégins de c/11sse 1u1 produ~tio da ex-
cluStio (Rio deja11eiro, c.1650-c.1 750). Autor dos artigas: "A pequern1pro-
dui;ao de alimentos na crise do escravismo: Magé, 1850/ 1888", in: Revistn
Cativeiro e Liberdade, Rio de Janeiro: LIPHIS/UFRJ & LABOI/UFF, 1995;
e "Família escrava e a agricultura mercantil de alimentos: Magé, 1850-
1872", in: Revistll Popu/11~t10 e Famílill, vol. 1, n. 0 l , Sao Pau lo: CEDHAU
USP, 1998.

LUÍS FREDERICO DIAS ANTUNES

Assistente de investigac;ao científi ca do Centro de Esrudos Africanos e


Asiáticos do Instituto de lnvesrigac;ao Científica e Tropical de Lisbo,1 e
Bolsista do PRAXIS XXI. Mestre em história pela Universidad e Nova de
Lisboa, em 1992, e atualmente faz doutorado na mesma insti tu ic;iio. Au-
tor de diversos capítulos de livros e artigas, entre eles: "The Trade Activities
of the Banyans in Mozambiqu e: Prívate lndian Dynamics in the Panel of
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4 7 2 473
O A TKGO REGKME OS TRÓPKCOS:
A DINÁ MICA IMPER IAL PORT UGUE SA
( SÉCUL OS XVI-XV III)

Joao Fragoso, Maria Fernand a Bicalho e Maria de Fátima Gouvea


ORGANIZADORES
..'
Prefacio de A J. R. Russell-Wood

º-
-
Cl \-11 IZACAO
BR AS II.EIR A
O ANTIGO REGIME NOS TROPICOS. A DINAMICA IMl'tKIAL t'Ut<IUUUt>A
INTRoouc;Ao

seus autores: como desfazer urna interpretac;áo fundada na irredutível tir de nossos próprios trabalhos, come<;amos a sentir a materialidade eco-
dualidade económica entre a metrópole e a colonia? Como esquecer que, nómica, política e geográfica <leste lmpério. Descobrimos que, além de
ao lado dos- e, as vezes, simultaneamente aos - conflitos entre colonos escravos da Guiné e de Benguela, chegaram ao Brasil antigos soldados do
e Coroa, inúmeras foram as negociac;óes que estabeleceram e ajudaram a Estado da Índia e ex-negociantes de Angola, fixando-se na terra, tornan-
dar vida e estabilidade ao Império? Como tecer um novo ponto de vista, do-se colonos. Reconstituindo a trajetória de alguns desses homens per-
ou um novo arcabouc;o teórico e conceitual que, ao dar canta da lógica cebemos, de forma cada vez mais nítida, que o comércio de panos indianos
do poder no Antigo Regime, possa explicitar práticas e institui<;óes pre- foi, por muito tempo, pe<;a fundamental no tráfico atlantico de escravos e
sentes na sociedade colonial? no desenvolvimento das manufaturas do Reino. Constatamos, enfim, que
~:emos que o diálogo com a recente produ<;áo da historiografia lusa os negócios de tecidos provenientes de Goa foram vitais para a produc;áo
- diálogo presente neste livro, que canta coma participa<;áo de historia- material das rela<;óes sociais do Brasil escravista, assim como da econo-
dores portugueses - possa nos dar urna pista, sobretudo no que diz res- mia de Portugal setecentista. Negócios que ligavam a América portugue-
peito a dinamica do Antigo Regime nas sociedades ibéricas. Trabalhos hoje sa, Angola e os vários espa<;os geográficos que formavam o Estado da Índia.
já considerados clássicos, como os de C. R. Boxer e de Vitorino Maga- Cabe sublinhar que tais múltiplas liga<;óes entre as diferentes partes
lháes Godinho, sempre se debruc;aram sobre o arcabou<;o do Império submetidas a Coroa portuguesa náo se esgotavam no comércio. Na ver-
portugues, apontando, há muito, caminhos que vem senda trilhados nos dade, a existencia de um mercado imperial foi fundamental para a ma-
últimos anos pela produ<;áo academica que rompe, nos dais lados do Atlan- nutenc;áo de estruturas sociais e económicas táo distantes - e distintas
ti~o, com urna visáo dualista e contraditória das rela<;óes metrópole-coló- - , como a ordem estamental e aristocrática no reino, o escravismo-co-
ma._ ~lém dessas contribui<;óes, dais outros autores tiveram um papel lonial na América e as sociedades africanas fundadas no tráfico de cati-
dec1s1vo na concep<;áo deste livro: José R. do Amaral Lapa e Luís Filipe vos. Em suma, o Império náo era táo-somente urna colcha de retalhos
Thomaz. comerciais; ele clava vida, em graus distintos, as diversas sociedades que
Amaral Lap,a publicou, em 1968, um trabalho denominado A Bahia o constituíam.
e a carreira da India. Durante muito tempo, apesar do valor atribuído a Essas conexóes comerciais eram, sem dúvida, atravessadas pela políti-
sua_ pesquisa, seu li~ro náo foi considerado leitura necessária ou obriga- ca. Os negócios e mercados imperiais eram submetidos as regras do Anti-
tóna para o entend1mento da sociedade brasileira. Vivía-se um momen- go Regime; leía-se, entre outras coisas, ao complexo sistema de doac;óes e
to em que se procurava compreender as mazelas políticas e económicas de merces régias. A expansáo e a conquista de novas territórios permitiram
do Br3:5il da atualidade por meio de grandes modelos explicativos, 0 que a coroa portuguesa atribuir ofícios e cargos civis e militares, conceder pri-
confena certo tom de exotismo as rela<;óes comerciais entre Salvador e vilégios comerciais a indivíduos e grupos, dispar de novos rendimentos
os partos orientais. Thomaz, mais recentemente, ao se dedicar ao estu- combase nos quais se distribuíam pensóes. Tais concessóes eram o desdo-
do da expansáo portuguesa e, em particular, ao analisar o Estado da Índia, bramento de urna cadeia de poder e de redes de hierarquia que se esten-
apresenta novos temas e conceitos para o melhor entendimento do Im- diam desde o reino, propiciando a expansáo dos interess~s metropolitanos,
pério luso. ~om isto ele contribuiu para a apreensáo de O Antigo Regi- estabelecendo vínculos estratégicos com os colonos.
me nos trópicos. Apesar de todas as diferen<;as políticas, económicas, sociais, religiosas
Este livro foi, portanto, concebido a partir de renovadas - porque e culturais entre Malaca, Goa, Macau, Luanda e Ria de Janeiro, as práti-
algumas andavam esquecidas - experiencias de pesquisa, e do investi- cas e instituic;óes disseminadas a partir do reino - e descritas acima -
mento em novas perspectivas teórico-metodológicas. Aos poneos, a par- acabaram resultando na formac;áo de sociedades reguladas pela economia

2 3
22
CAPÍTULO 1 o ANTIG O REGIME N OS TRÓPICOS A DINÁM I CA I MPER I AL PORTUGUESA

Pelo que antes dissemos sobre a cronologia de forma~ao dos engenhos de suas receitas saíam desses tratos. Na verdade, toda a sociedade do Antigo
e mais o quadro 2, infere-se que aquilo que poderíamos chamar de "acu- Regime portugues dependía, direta ou indiretamente, do império comer-
mula~ao primitiva" ou algo que o valha - origem da economía de cial; cabe ainda recordar que a Coroa, por meio de diversas rubricas, pas-
plnntation da Guanabara e da sua elite senhorial - ocorreu entre 15 66 e sava para as principais casas senhoriais parte dos rendimentos ultramarinos
1620. Numa época, portanto, em que dificilmente tal regiao poderia ser (Godinho, 1978, pp. 65-72). Nesse sentido, náo é de se estranhar certa
caracterizada como a~ucareira e com bases na escravidao de africanos. coincidencia entre as desveñturas do ultramar e de sua metrópole. Entre
Diante de tais números, caberia perguntar em que cenário económico 1557 e 1607, a dívida interna do Estado crescia em 250% (Magalháes,
ocorre tal acumula~ao ou, mais precisamente, quem pagou suas contas? 1993, pp. 93-98). Ao longo do século XVI, o pre~o do trigo vendido em
Como vimos, os pre~os que vinham do mercado internacional para o Lisboa aumentava em mais de 800%, o que se traduziu em fornes freqüentes
a~úcar eram bons, só que isto nao bastava para formar urna economia de (Godinho, s/d, p. 171). Coroando esses cenários de penúrias, desde as
plantation. Para se poder aproveitar as boas oportunidades, como se sabe, últimas décadas do quinhentos, Portugal era visitado por recorrentes cri-
é necessário ter recursos e crédito. Nesse sentido, as notícias que chega- ses de mortalidade (Rodrigues,1993, pp. 218-222).
vam de Lisboa e de seu Império ultramarino nao eram as melhores. Contrabalan~ando tais azares, como já insinuei, ternos os bons ventos
do Atlantico Sul. Além da alta do a~úcar, a popula~ao da América lusa
passava de 6.500 pessoas, em 1546-48, para 150 mil habitantes no final
AS CONJUNTURAS DO IMPÉRIO E DO ATLÁNTICO do século (Godinho, 1978, p. 273). Apesar do predomínio do gentio da
terra nas planta~óes de Pernambuco e da Babia (Schwartz, 1990, p. 204),
O início da montagem da sociedade colonial no Rio de Janeiro ocorreu desde finais do quinhentos o tráfico atlantico de cativos já estava em fun-
em um ambiente caracterizado por Vitorino Magalhaes Godinho como cionamento; só em Luanda, estima-se que as exporta~óes de cativos pas-
de viragem estrutural do Império ultramarino portugues. A partir de mea- saram de urna média anual de 2.600 pessoas, em 1575-1587, para 5.032
dos do século XVI o Império luso passaiia, com intensidade cada vez maior, entre 1587 e 1591 (Godinho, s/d, p. 273).
a ser atacado nas suas diversas fronteiras: do Marrocos, passando por A partir dessas últimas informa~óes náo é de se estranhar, em meio ao
Ormuz, até a lnsulíndia (Godinho, 1978, pp. 262-64). Em finais do sécu- reinado de D. Sebastiao, a existencia de discussóes sobre em quais alicer-
lo XVI, para o Estado da Índia, o futuro também nao parecia nada pro- ces o Império ultramarino deveria se basear prioritariamente: se na Índia
missor. Além da queda das receitas da rota do Cabo, da expansao dos ou no Atlantico (Brasil e África). Nas Cortes de 1562-63 já se considerava
otomanos, dos mongóis e dos safávidas do Irá, após a Uniao Ibérica, tería- mais proveitoso o Atlantico do que o Oriente; e a razao era porque, se-
mos o crescimento da presen~a dos holandeses na Ásia portuguesa (Su- gundo o texto de Salles Loureiro, a Índia "náo rendia coisa, que com ela
brahmanyam, 1995, pp. 205-256; Bethencourt, 1998, p. 290). se nao tornasse a gastar, e aquela estava perto [África-Atlantico]". Nesse
Diante de tal quadro, já em 1548, a Coroa fechava sua feitoria em contexto, percebe-se urna atlantiza~ao cada vez maior da política ultra-
Antuérpia, marcando com isto o recuo do Estado na economia e o avan~o marina, e sob as ordens do Desejado seriam tomadas medidas para
de poderosos banqueiros-mercadores transnacionais, aliados a nobreza aprofundar a presen~a lusa em Angola e na América portuguesa (Salles
portuguesa (Godinho, 1978, pp. 25-27). Loureiro, 1986, pp. 259-273).
Os efeitos dessa viragem sobre a sociedade portuguesa sao facilmente Entretanto, apesar de tais projetos de atlantiza~ao do lmpério e da
entendidos quando lembramos que, desde o último quartel do século XV, decadencia da Ásia portuguesa (Disney, 1981, p. 67), esta última, mesmo
o Estado tinha suas bases no tráfico ultramarino. Em 1506, cerca de 65% em 1619, correspondia a mais de 40% das receitas da coroa portuguesa

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CAfll l UlO 1 O ANT I GO REGIME N OS TRÓPICOS A DINAM IC A IM P ER I A L PO l< I U t, Ut>A

como "refinados mercadores", usufruir em proveito própno o dinheiro sa. As camaras, em nomc do bem comum da República, intervinham no
do juízo dos órfáos e da provedoria dos defuntos e ausentes e intervir na mercado controlando os pre<;os e servi<;os ligados ao abastecimento da
arremata<;áo de impostas etc. (AHU, av, ex. 4, doc. 48). cidade (Rio de Janeiro, 1935). Mas nao só isto. No caso do Rio de Janei-
O titular do juizado de órfáos, por exemplo, controlava a arca dos ór- ro, a institui<;iio também discutia o pre<;o dos fretes para o reino e o pre<;o
fáos, cofre onde era guardado todo o dinheiro, <lívidas ativas e rendimen- do a<;úcar. Interfería, portante. naquilo que se chama pacto colonial
tos das fazendas herdados dos pais falecidos (Ord Fil., L. I, t. LXXXVIII). (Novais, 1979), podendo ainda conceder o exclusivo de bens e servi<;os
Numa economia em forma<;áo como a do Rio de Janeiro seiscentista, por- essenciais a vida comum da cidade, a exemplo do a<;ougue público. 16 En-
tanto sem mecanismos de créditos consolidados, tal arca exercia o papel - tre 1565 e 1620, época da formasáo daplantation, os camaristas por mim
desculpem o anacronismo - de urna verdadeira pouparn;a social. Um dos conñecido_Ll9talizavw 07 _pcssoas, das quais 62 (ou 58% ) já tinham
primeiros juízes de órfáos, ainda no século XVI, fora Antonio de Mariz, servido na administra<;áo real; <leste último número, 37 (60% de 62) trans-
companheiro de Mem de Sá. Seu filho e depois o genro de sua neta iriarn formaram-se ou já eram donas de moendas. Passando para as últimas
exercer o mesmo oficio. Na década de 1640 ele passaria como propriedade décadas do século, de 1662 a 1700, tenho notícias de 165 camaristas;
para a farnília Teles Barreto. 15 Numa carta anónima de 1676, os ministros <lestes, 132 (80 % do total) vinham de famílias senhoriais e 73 eram apa-
do Rio de Janeiro eram acusados de abusos: "principalmente neste juízo rerilildos dos conquistadores da regia.o (Fragoso, 2000, p 84).
dos órfáos desta cidade que por ser proprietário que (... ) em lugar de vestir Por seu turno, a presen<;a nos dois lados do Atlántico luso de mecanis-
os órfáos os deixa nus, porque todos os bens que os órfáos herdam de seus mos de acumula<;áo semelhantes - produto de um sistema de benefícios
pais ficam nas máos do juiz e escriváo e repartidores" (AHU, RJ, av., ex. 4, da Coroa e das atribui<;óes económicas da cámara - nos leva a pensar
doc. 87). que as diferentes partes do lmpério compartilharam um conjunto de me-
,:5~ como for, os pastos no Império e suas possibilidades permitiram canismos económicos que, grosso modo, poderíamos chamar de econo-
a forma<;áo de fortunas. Para os de origem nobre, os beneficios concedi- mia do bem comum. Tais mecanismos estiveram presentes nas várias
dos no além-mar eram a chance de manter/ampliar terras, rendas e pres- geografias do mar de Camóes, indepcndentemente do tipo de cstrutura
tígio na metrópole. Por meio dessas idas ao ultramar, famílias fidalgas social e económica local. Vejamos com mais calma tal conceito.
acumularam fortunas, com as quais instituíram ou aumentaram morga- Para o bom governo da República, o senado da di.mara do Rio de Ja-
dos. Sao exemplos desse fenómeno os Albuquerque e Saldanha, que esti- neiro concedeu monopólios sobre o corte da carne e o peso do a<;úcar
veram a frente, respectivamente, do governo da Índia e de Angola/Rio de (Fragoso, 2000, pp. 88-89), assim como para garantir o abastecimento de
Janeiro (Magalháes, 1993, pp. 500-503). Para alguns dos que ficaram no cativos a cidade tentou fornecer privilégios como forma de intervir no
recóncavo da Guanabara, a distribui<;áo de merces viabilizou urna acumu- tráfico atlántico de escravos em 1669 (AHU, RJ, ca., doc. 1103). Antes,
la<;áo de riquezas que mais adiante se transformaria em engenhos de a<;ú-r durante e depois de tais concessóes concelhias, o rei, também no interesse
car, ou melhor, na própria economía da p/antation. do bem comum, concedeu merces a pessoas - ou seus descendentes -
Entretanto, para compreender melhor esse último fenómeno é neces- que incidiam sobre a vida social no reino e no ultramar. Quando Sua
sário lembrar outras institui<;óes e práticas da antiga sociedade portugue-
"A inrerven~fo da c~mara nesses serores delicados do pacto colonial pode ser enconrrad:-1 em
diversas passagens das :-itas de verean\.is do Rio entre 1635 e 1650 (Rio de Jane1ro, 1935),
uo pnme1ro Teles a poss111r ral propnedade fora Diogo Teles Barrero, anrigo cap 1r~o de m- assim como na correspondencia envi.ida pela cámara a Lisbo.i, existente no Arquivo Ultrama•
fantaria ligado a Salvador Correia de S~ e Benevides. O ofício lhe fora dado pelo rea como rino (ver, em parricnlar: AHU, RJ, av., ex. 4, doc. 107 - carca de 1678; AHU, RJ , ca. , doc.
urna mercé (Fragoso, 2000, p. 52) 2123-26-carra de 1698).

4 6 4 7
C AP I TUL O 1 O ANT I G O REGIME NOS TR Ó PI C OS A D I NÁM IC A I MP E RIA L P O RT UGUE S A

ram maior peso como garantía de poder sociopolíti co e domínio sobre "auxílios militares" prestados por estes a grupos aliados indígenas29 (Knivet,
a economía do bem comum. A meu ver, este é um indicio de que a 1878, pp.183-272).
nobreza da terra adquire, nas últimas décadas do século, maior matu- Em que pese os exageras do viajante ingles ou de seu " tradutor", cabe
ridade como grupo social. Isso nao significa que as disputas no seu destacar 4uc os portugueses puderam, simultaneamcncc, esrreirar sua "ami-

I
interior tenham desaparecido, mas se baseavam, cada vez mais, em zade" com urna parcela das popular;óes indígenas e escravizar outras em
bandos intrano breza. funr;áo da própria lógica sociocultural - na falta de urna melhor expres-
Entretanto, sublinhe-se que a formar;áo de bandos náo foi urna no- sáo - presente nas sociedades indígenas. Refiro-me ao papel da guerra
vidade de fü1ai s do seiscentos. Os conquistadores e seus familiares, na reiterar;áo "social" e "cultural" de tais popular;óes (cf. Monteiro, 1994,
quando recebiam um cargo de ministro ou oficial, náo adquiriam po- pp. 27-30). Para os ortugueses a guerra significava a possibilidade de
deres mágicos nem sua autoridade era apenas sustentada pe la forr;a estabelecer amizades com alguns "grupos" indígenas e escravizar outros.
física ou simbólica da Coroa. Da mesma maneira, ocupar um lugar na ' As· relar;óes de reciprocidade dos portugueses com certos segmentos
camara náo era decorrencia dos designios de Deus. Senda mais preci- indígenas continuariam ao longo do seiscenros do recóncavo. É isto que
so, pertencer de fato a nobreza da terra signifi cava ter o "consentimen- pelo menos insinuam diversas passagens de documentos coevos, como a
to" da sociedade, ser visto por esta como nobre ou, o que é o mesmo, carta de 1645, já referida, de Francisco Souromaior a Lisboa. Q uando este
ser reconhecido como membro de um grupo de qualidade superi or. ~ governador tentou retirar os índios descidos por ordem de Sua Majestade
N este momento as negociar;óes - além daquelas com as famílias prin- das cerras dos Sá, deparou com o seguinte cenário: o "Principal desta al-
cipais da t erra e com integrantes da administrar;áo real, incl usive go- deia, aconselhado e induzido" por D. Catharina Ugarte, mulher de Gene- :
vernadores- comos estratos sociais ditas subalternos assumem papel ral Salvador Correia de Sá, responde "que náo conhecia, nem obedecía
fundam ental. Eram tais fenómenos que referendavam o poder de um senáo ao General" (AHU, RJ, av., ex. 2, doc. 57).
mini stro, garantiam a eleir;áo para o senado e possibilitavam que a Ao que parece, esse tipo de "lealdade" náo era privilégio dos Sá. Em
sociedade percebesse, numa família quinhentista, prerrogativas de 1646, o capitáo Manuel Homem Albenaz, um dos principais da terra e a
mando decorrentes da conquista. mando da governanr;a da cidade, debelou urna revolta de "negros e escra-
Com certeza, um dos pontos mais delicados e, ainda, obscuros, na vos fugitivos", com "sua pessoa, índios e escravos" (AHU, RJ, ca., doc.
construr;áo da hegemonía da no breza da terra coloni al diz respeito as 789-826). Ou seja, nesta empresa, Manuel contara com os recursos de
suas relar;óes com o "gentío da terra". Pois, se era cerro que, como afir- sua "fazenda", no caso índios e escravos. Por último, em um dos vários
mava Martim de Sá, a "gente do Brasil náo pode fazer suas fazendas conflitos de bandos da nobreza da terra, os Gurgel, com "trinra índios",
senáo com estes índios que sáo todo o seu r emédi o" (AHU, RJ, av. , ex . atacaram os engenhos de seus oponentes (AN, cód. 77, vol.3, f. 21v). Por '
1, doc. 6 - carta de 16 16), também era correto que a subordinar;áo conseguinte, a capacidade de estabelecer reciprocidades como "gentío da
dos "índios" náo podía ser feíta apenas pelas armas, por intermédio
ou náo das guerras justas. Isto é, tal 'subordinar;áo' envolvía também 29Foragido dos pormguescs, Kuive t procura abngo cm um grupo de índios ten cando convence-
los da crueldade dos lusos que "soba capa da amizade, os o pnmiam e os escrav1zava m". Tem -
negociar;óes. pos depots, com a chegada de Mamm de Sá e após ter se mostrado "corees" comos "can ibais",
Apesar de náo ser minha intenr;áo aprofundar o tema, um bom exem- estes lhe teriam entregado niio apenas "escravos" mas o próprio Knivet. Em o urra passagem,
plo dessas reciprocidades fara narrada, por Knivet, para o Rio dejaneiro o mesmo inglés descrcve que os "Wainasses tendo perdido mnitfssimos dos seus em comba te
(... ) chamaram os pormgneses em auxílio". Nesca o pcra~iio conjunta, o capitiio pormgués to mo u
de finais do século XVI. Nessas narrativas, com insistencia surgem refe- a red e em que Knivet pretendía dormir e a ceden para o chefe dos índios (Kmvet, 1878, pp.183-
rencias a "cortesía" de Martim de Sá e dos capitáes portugueses, e aos 272).

5 8 5 9
'- "4f" 1 1 V LV 1 O ANTIGO REGIME N OS TRÓPICOS A DINÁMIC A IMPERIA L PORTUGU ESA

Caberia aos conquis tadores e primciros povoado res, transfor mados to do setecentos, a outras rela~ócs sociais mais bascadas no comérci o, a
em funcionários do reí e cm camaristas, dirigir a gesta~áo da nova socic- prática da exclusáo social do público (para além dos escravos} continua -
dade nos trópicos. E nisso eles se superara m. Fazendo uso de seus cargos ría como urna das chaves para a acumula~áo de riquezas nas miios de um
e redes de alian~a, eles construírarn cngenho s e com isso se transfor ma- pequeno grupo de pessoas.
ram na primeira elite senhorial da sociedade colonial do Rio.
Por seu turno, aqueles expedien tes de Antigo Regime criaram, tam-
bém, "urna nobreza da República", de origcm "pobre" , no sentido de que
náo descendía da primeira aristocracia do Reino. Na verdade , vinha de
casas preterid as em Portugal ou entáo constituídas em meio a "infla~áo
de honras" ligada a expansá o ultramar ina. "Pobre" , também , no sentido
económ ico, ou seja, sem muito cabedal. Nesse contexto , nao é de se es-
tranhar que, nas "melhores famílias do Rio", se encontre m mercado res
- náo de grosso trato - , sertanistas, médicos etc. lsso sugerc que esta
primeira elite, em sua forma~ao, nao tinha "problem as" em rela~áo ao
mercado e talvez ao trabalho , este no seu sentido mais amplo. Da mesma
forma, era suficien temente tolerant e para aceitar cristáos-novos, sempre,
é claro, dentro de certos limites. Aqui talvez tenhamo s algumas diferen-
~as em rela~ao a elite de Goa, pelo menos do século XVII, quando ternos
a presen~a de famílias integrantes das melhores do Reino (Subral1manyam,
1995, pp. 326-335 ; cf. capítulo 8).
Porém, se esses tra~os distinguiam a primeira elite do Rio daquela do
Reino ou de outras pares do ultramar , é também certo que - como em
qualque r outra do Antigo Regime - a da Guanab ara tinha suas bases na
conquis ta e no mando político, leia-se na apropria ~áo da "econom ía do
bem comum" . Esta econom ía era formada por bens e servi~os públicos
sob a jurisdi~áo do senado e do rei, adminis trados por poucos eleitos,
porém custeado s por todos os colonos. Em razáo destas características,
tal acumula~iio económ ica excludenre rinha como pano de fundo dispu-
tas políticas entre diferentes redes de alian~a. Por seu turno, esse mesmo
ambient e gerou um mercado também influenciado pela política, e era nele
que os comerci antes, vinculados ou náo as m el/Jores famílias da terra, vi-
v1am.
Por último, se foi certo que aquela nobreza e suas práticas de acumu-
la~ao, como fenómenos majoritários, cederam espa~os, em algum mamen-

7 O 7 ,
O AN T I GO REGIME NOS TROPICOS A DINÁMICA IMPERIAL PORTUGUES A
CAPÍTULO 2

QUADRO 2: PARTICIPA~ÁO DOS HOMENS DE navíos. O u seja, mais da metade das compras e vendas sáo de grandes
NEGÓCIO DORIO DEJANEIR O NAS COMPRAS E embarca<;óes, ligadas ao comércio ultramarino e a cabotagem de longa
VENDAS DE EMBARCA~ÓES (1 711-1750) distancia. Por o utro lado, somente tres das embarca<;óes transaciona das
eram lanchas que respondi am pela imensa maioria das viagens apresenta-
l o t,d de vcnd.-1s VHN 1 % CH l %
das pelas fi an<;as.
N(1mcro 60 10 16,7 24 40,00
O domínio da elite mercantil sobre as principais rotas de comércio
Valor 7 1:414$866 8:924$000 12,5 35:418S000 49,59
está lo nge de ser uma originalidade do Rio de J aneiro setecentista . De
Fonres: Escnrnras públicas dos ca rtónos do Primeiro e Segundo Ofícios de Norns do Rio de Janei- fato, constitui uma característi ca estrutural das sociedades do Antigo
ro ( 17 11 - 1750).
Regime (Braudel, 1985, p. 61). Também no Rio de J aneiro do final do
OBS.: 1- VHN: Parncipaffo dos homens de 11egóc10 do Rio de Janeiro nas vendas; 2- Parricipa~.io
dos homeus de negóc10 do Rio de Jane1ro nas compras. século XVIII e início do XIX era assi m. Como nos mostrajoá o Fragoso,
o comércio de longa distancia era controlado (mas náo mo nopolizado )
A atua<;áo dos homens de negócio nas escrituras mostra-se bem mais por um diminuto número de "homens de grosso trato". O com ércio
destacada do que nas fian<;as. Q uatro em cada dez compras realizadas na externo, por suas próprias característi cas (sobretudo o risco mais eleva-
pra<;a carioca eram feitas pelos ho mens de negócio, e abrangiam pratica- do e a demanda de um capital maior), era acessível a um pequeno nú-
mente a metade de todo o valor tra.nsaciona do. Também é preciso desta- mero de participant es, e urna propor<;áo ainda meno r <lestes tinha
car que tais negociantes eram comprador es líquidos, ou seja, compravam condi<;óes de participar com fr eqücncia (Fragoso, 1992, pp. 174-198).
mais do que vendiam, e enguanto suas vendas eram de embarca<;óes com No quadro 2 fi ca claro quando percebemo s a rela<;áo direta entre as dis-
valo res abaixo da média (como é comprovado pela diferen<;a entre a par- tancias das viagens empreendi das e a participa<;áo dos negociante s.
ticipa<;áo no número total de vendas e no valor das mesmas), suas com- Embora com algumas varia<;óes, cm linhas gerais a elite mercantil ten-
pras concentrav am-se nas de maior valor. Esse fato é evidenciado pela día a aumentar sua presen<;a nas rotas mais lo ngas, ligadas a um comér-
análise das transa<;óes de embarca<;óes com valor ig ual ou superio r a cio de prazos mais dilatados, devido náo somente a distancia geográfica
2:000$000 . Sáo, no total, dez transa<;ócs, das quais os negociantes do Río entre os dois lados envolvidos, mas também por conta das longas espe-
de Janeiro aparecem como comprador es em seis, que respondiam po r ras pelas mercado rias que ativavam tais eixos mercantis. lsso era verda-
57,91% do valor total transaciona do {16: 7 19$200, num valor total de de para a África mas também para Po rtugal, Sacramento e as ilhas do
28:869$20 0), o que incluí a maior transa<;áo: a compra de uma galera Atlántico portug ues.
po r 5:219$200 , por Manuel Ferreira Comes (AN, CPON, L. 118, f. 169v, Situa<;áo semelhante verifica-se na América espa.nhola. No México, os
1750). grandes comerciantes sediados na capital controlavam o comércio atlan-
É também esse perfil de investimen to da elite mercantil, concentrad o tico, do qua) participava m também, embora de forma minoritária , comer-
nas embarca<;óes de maior porte, que nos explica sua maior presen<;a nas ciantes de outras regióes, sobretudo de Vera Cruz. Ao mesmo tempo,
escrituras do que nas fi an<;as. Isso porque, nas escrituras, estáo sobre-re- monopolizavam o comércio como Oriente (o famoso "galeáo de Manila").
presentado s os tipos de embarca<;óes de maior tonelagem e valor, utiliza- Além disso, muitos desses negociantes mantinham correspond entes em
das sobretudo no comércio de longo curso, enguanto as menores, que Manila, bem como faziam empréstimo s para mercadores daquela cidade
respondiam pela esmagador a maioria do movimenco do porto car1oca, (Kicza, 1986, pp. 77-93).
aparecem muito modestame nte. Para se ter urna idéia, das sessenta escri- E por que o comércio ultramarino era táo importante? Porque em todas
turas, nada menos de 26 (43,33%) se referem a galeras e sete (11,67%), a as colonias americanas era por seu intermédio que se adquiria parte con-

8 2 8 3
CAPITULO 2 O ANTIGO REG I ME NOS TRÓPICOS A DINÁMICA I MPERIAL PORTUGUESA

ao longo dos anos criavam a ratina de contaros comerciais repetidos um aqui demonstrar que seria igualmente absurdo querer estabelecer urna
sem-número de vezes. Mas muitas vezes se tratava de rela9óes bem mais rela9áo de dependencia di reta entre as duas pra9as, como faz Jorge
estruturadas, baseadas em contratos formais, como as que se expressam Miguel Pedreira, que, baseado unicamente no Marques de Lavradio,
nas escrituras aqui apresentadas. Freqüentemente, tais rela9óes envolviam considera que os comerciantes brasileiros eram, até o final do século
ainda um forre tempero familiar. XVIII, simples "comissrírios e consignatrírios dos homens de negócio de
Tudo isso demonstra a existencia de urna rede mercantil bem estru- Lisboa" (Pedreira, 1995, p. 330), com exce9áo parcial daqueles sediados
turada na pra9a cari oca, que se utilizava de fo rmas de coopera9áo mer- em Salvador.
cantil, mecanismos de crédito etc. mui to semelhantes aos que existiam O sistema comercial portugues nunca se baseou num monopólio do
no resto da Europa no mesmo período, bem como no conjunto do Im- comércio "grosso" por urna elite mercantil (Godinho, 1980, cap. III; Pe-
pério portugues (Braudel, 1995, pp. 117-128; Pedreira, 1995, pp. 242- dreira, 1995, caps. I e 11). Como nos mostra o próprio Pedreira, essa elite
253). Mais do que isso, a documenta9áo com que trabalhamos, sobretudo sempre conviveu, nos diversos mercados em que atuou, com a concor-
as escrituras de forma9áo de sociedades, nos mostra a grande autono- rencia de pequenos comerciantes e também de mercadores de outras re-
mi a que essa elite mercantil carioca tinha em face de sua congenere por- gióes. Além disso, a própria forma de renova9áo dessa elite mercantil
tuguesa. As sociedades formadas com vistas ao comércio com Portugal lusitana impedía urna maior monopoliza9áo da atividade pela mesma: a
e/ou as ilhas atl anticas eram, na maioria, compostas somente por ho- pouca freqüencia das sucessóes familiares na atividade mercantil impossi-
mens de negócio baseados na capital flumin ense. Mesmo quando havia bilitava a forma9áo de linhagens de comerciantes que, ao longo das gera-
a participa9áo de negociantes sediados em Portugal, náo se estabelecia 9óes, acabassem por controlar em grande parte a atividade, como ocorria
nenhum tipo de hierarquiza9áo entre lusitanos e cariocas. Como vimos, em outros países da Europa (Pedreira, 1995, caps. I e II). A conseqüencia
somente em urna escri tura os homens de negócio se apresentam como inevitável dessa estrutura mercantil aberra (no que se refere ao acesso a
comissários. prática mercantil e, portanto, ao próprio grupo mercantil) foi a possibili-
Essa autonomia é também confirmada pelos dados dos registros dos dade de que as cidades menores do lmpério, ainda quando náo pudessem
envíos de o uro do Brasil para Portugal, levantados por Russell-Wood .
rivalizar coma capital do mesmo, lograssem ter um elevado grau de auto-
Analisando-os, o autor demonstra a existencia de um crescente controle
nom1a.
por parte dos negociantes cariocas do envio de ouro em barras e pedras
No caso do Rio de Janeiro, essa autonomia era refor~ada pelo caráter
preciosas para a metrópole. Tal fato aponta, segundo ele, para urna cres-
estratégico desempenhado pela cidade no comércio com as minas. Mais
cente independencia das elites mercantis coloniais <liante da metropoli-
do que o acesso a esse mercado, o que a pra9a carioca tinha era o próprio
tana. (Russell-Wood, 1998, pp. 241s). Cabe acrescentar que, dadas as
controle, que dividia com Salvador. Segundo Russell-Wood, "se no século
características das sociedades comerciais estudadas anteriormente, os en-
XVII comerciantes [do Rio] haviam adquirido .;onsiderável proeminéncia,
víos pertencentes a negociantes metropolitanos náo significam, neces-
suns posifóes tornarnm-se invulneráveis no século XVIII" (Russell-Wood,
sariamente, o controle das atividades mercantis por parte <lestes. É
provável que, em boa parte, estes envios correspondessem ao necessá- 1998, p. 237).
rio pagamento das mercadorias enviadas para os sócios cariocas. Repare-se que a elite mercantil baseada em Lisboa náo se revolta con-
tra esse estado de coisas. Ela envia seus correspondentes e participa dos
É evidente que náo pretendemos, ao afirmar tal autonomta, colocar
a ainda modesta pra9a carioca da primeira metade do setecentos em pé lucros gerados pela cria9áo de um novo mercado que recompensa seus
de igualdade com a capital do lmpério, Lisboa. Entretanto, buscamos abastecedores com o metal amarelo. Mas, sobretudo, alia-se com os gru-

94 9 5
CAPÍTULO 3 As elites económicas e a arremata~áo
dos contratos reais: o exemplo do Río
Grande do Sul (século XVIII)
Helen Osório
CAPITULO) O ANTIGO REGIME NOS TRÓPICOS A DINÁMICA I MPERIAL PORTUGUESA

Janeiro pelo menos em 1766 e 1769 (AHU, RJ, av., ex. 86, doc. 69). Em Anacleto Elias da Fonseca, e do interregno de 1775 a 1779, quando foi
1769 arrematou novamente o contrato dos dízimos do Rio Grande, tendo cobrado diretamente pela Fazenda Real, este contrato foi monopoliza-
por sócios Manuel lnácio Ferreira (deputado da Junta de Comércio e da do por Manoel de Souza Meirelles e seu sócio José Caetano Álvares, de
Companhia do Gráo-Pará) e J osé de Souza Abreu (deputado e vice-pro- 1780 a 1789. Estes dois comerciantes sediados no Rio arremataram o
ved or da Junta de Comércio). Os tres estavam entre os cem grandes quinto dos cauros e gado em pé de 1784 a 1793, e o contrato do munício
negociantes do período pombalino (Pedreira, 1995, pp. 164-167). Estes das tropas de 1780 a 1793. Portanto, monopolizaram tres dos quatro
foram os únicos grandes comerciantes de Lisboa que identificamos atu- contratos mais importantes durante toda a década de 1780. Apenas na
ando no extremo su!. primeira arremata~áo do munício houve a participa~áo, como terceiro
Os comerciantes sediados na capital do vice-reino tiveram, contraria- sócio, de um comerci ante sediado no Rio Grande, Manuel Fernandes
mente, urna presern;a maci~a nestes contratos. Anacleto Elias da Fonseca, de Mello. 26 Nesta época o contrato do munício escava anexo ao do quinto
negociante da pra~a do Rio de Janeiro pelo menos desde 1753 22, deteve, dos cauros.
com seus sócios, o contrato dos dízimos dos trienios 1765-1767 e 1771 - Na década seguinte, outro grupo de comerciantes do Rio de Janeiro
1774 e o do Registro de Yiamáo nos trienios de 1773-1775, e depois, substituiu os anteriores. Os cunhados Antonio Ribeiro de Avellar27 e An-
ininterruptamente, de 1785 a 1802. Dezessete anos seguidos, portanto! tonio dos Santos e Companhia compraram o contrato dos dízimos pela
Além disso, foi con tratador dos dízimos do Rio de J aneiro de 1770 a primeira vez em 1790, por um ano. Na arremata~áo seguinte, quando as
1778. 23 Bernardo Comes da Costa, presente na mesma pra~a desde 1761, licita~óes foram transferidas do Río de Janeiro para Lisboa, onde passa-
arrematou sozinho o contrato do registro de Yiarnáo no trienio de 1769- rarn a ser realizadas pelo Erári o Régio, incorporou-se a sociedade um
1771 e como sócio de Anacleto em 1773-1775, e de 1785 a 1790. Manoel importante homem de negócios de Lisboa: J osé Rodrigues Per eira de
de Araújo Comes, inicialmente caixeiro e administrador do mesmo con- Almeida. O trio deteve o contrato dos dízimos de 179 1 a 1796 e o do
trato em 1752, depois de estabelecido no Río de Janeiro arrematou-o nos quinto dos cauros e do munício das tropas no trienio 1794-1796. Nos
períodos de 1776-1781 e 1782-1784 24 , dez anos seguidos, portanto. Outro nove anos seguintes (1 797-1805) associou-se ao grupo Joáo Rodrigues
negociante estabelecido no Rí o de Janeiro, Custódio Barroso Basto, arre- Pereira de Almeida, comerciante de grosso trato do Rio de J aneiro, um
matou o mesmo contrato no trienio 1769-1771. Resumindo, pelo menos dos principais negociantes dos produtos do Rio Grande (Fragoso, 1992,
desde 1765 foram os comerciantes da pra~a do Río de Janeiro que domi- p. 268) e irmáo do negociante de Lisboa. Monopolizaram novamente os
naram o contrato do Registro de Yiamáo.25 tres contratos.
Da mesma forma ocorreu com o dos dízimos. Após as duas arrema- A trajetória comercial desta família é exemplar das redes, familiares e
ta~óes do lisboeta José Álvares Mira, e de outr as duas do "carioca" comerciais, que se estendiam através do lmpério e mesmo fora dele. O
pai, mercador de retrós em Lisboa, faleceu em 1795. Tres de seus oito
filhos seguiram o comércio por grosso, em Portugal, Índia -e Brasil. José
i 2se11 nome co nsta de urna represenra~fo dos comerciantes do Rio de Janeiro sobre a frota de Pereira de Almeida foi urn dos grandes con tratadores do período 1777-1822,
1753 (AHU, RJ, ca. doc. 16201). em Lisboa, e participou de seis contratos diferentes. Um de seus irmáos,
"AHTC, cód. 4042 - Informa~iio .1 reqncrimenro de Anaclcro Elias da Fonceca - , 1º/7/
1785.
i•sobre sna rrajerória comercial, vide Osório, cap. 9 , 1999; para os contratos, AHRS, cód .
1444, fl. 135, e cód . 1245, fl. 26v. l6AHRS , cód. 1245 , fls. 2-4 , 54, 58,11 7 , !l2v; cód. 1247, fls. 175v-18L
llNiio conseguimos idenri fica r os dois primeiros arremaradores desre contrato: Manuel Cor- VPa ra urna análise de sua rra¡eróna como negociante de grosso rearo , ver Fragoso, 1992 ,
dciro, de 1752, e Caerano Diogo Parreiras e Silva, de 1756. p. 295.

1 18 1 19
CAPITULO 3 O ANTIGO REGIME NOS TRÓPICOS A DIN ÁMICA IMPERIAL PORTUGUESA

sim, abrigada a transportar, a sua custa, em seus barcos e carretas, os rela<;áo aos nove anos de dura<;áo dos contratos, mas também sobre a acei-
mantimentos até as fronteiras, distantes dez, vinte léguas. Finalmente, ta<;áo de letras da Fazenda Real pelo "seu intrínseco valor", para paga-
também mencionavam o "usurário negócio" da compra das letras da mento dos mesmos. Um parecer da Contadoria Geral afirmava desconhecer
Fazenda Real aos "miseráveis que náo podem haver seu pagamento", as razóes pelas quais o contrato fora feíto nesses termos. 48 Quanto aova-
pela oitava parte de seu valor, com as quais os contratadores ajusta- lor ter sido baixo, observava-se que apenas as arremata<;óes seguintes
vam as contas dos pagamentos dos contratos, com "notória fraude do poderiam dirimir a questáo, pois a arremata<;áo feita no Erário, de qual-
crédito da Fazenda Real". quer forma, havia obtido um grande aumento em rela<;áo as anteriores,
Em seu parecer sobre este requerimento, solicitado pelo ministro realizadas no Rio de Janeiro. Concluíam, referindo-se aos contratos de
D. Rodrigo de Souza Coutinho, o governador Sebastiáo Cabral da Meirelles e Álvares:
Camara concordou com todas as reclama<;óes feitas pelos estancieiros
e lavradores, considerando como a mais "dura e prejudicial" das exi- .•.por JSSO 1u'io admira que os contratadores antecedentes lucrassem um
gencias dos contratadorcs a do transporte da "muni<;áo de boca" até grmuie cabedal, traze,ulo o Contrato por táo diminuto prei;o, mas essa
as guardas da fronteira.47 Explicava que, embora a cláusula náo fosse omissáo era da Junta dn Faze1uia do Río de Jm1eiro, que náo averiguava
nova, nao deveria ter subsistido a última demarca<;áo de limites, pois com o devi11 o i11trí11..~eco valor de$te rendimento... •9
os territórios tinham se ampliado muito. Se os armazéns antes se situ-
avam próximos as fronteiras, naquele momento se encontravam um As própnas autoridades administrativas realizaram algumas estimati-
no centro do continente e o outro no "interior das fronteiras", enguanto vas quantitativas dos lucros obtidos pelos contratadores. Vamos analisá-
o grosso das tropas estava distribuído pelas guardas, postos avan<;ados las agora. Elas sáo mais abundantes para o contrato do quinto dos couros
e vários acampamentos. O governador sugeria que os contratadores do que para o dos dízimos, pois havia um registro mínimamente formali-
arcassem com o ónus desse transporte. Desconhecemos se tal requeri- zado sobre os couros que eram exportados. ~ ~
mento e os pareceres resultaram na derroga<;áo das obriga<;óes impos- Urna primeira e mais grosseira avalia<;áo foi feíta pelo brigadeiro Rafael
tas pelos contratadores. Ternos, no entanto, neste episódio, um duplo Pinto Bandeira, quando exercia interinamente o governo da capitanía.
exemplo: primeiro, do poder dos contratadores e de sua capacidade Tomou por base as exporta<;óes de couros e gado em pé do ano de 1790,
de impor seus interesses, fosse pela Junta da Fazenda do Rio de Janei- calculou o valor do quinto aos pre<;os correntes naquele ano. Oeste total
ro, ou pelo Erário Régio em Lisboa, segundo, a questáo do abastecí-
mento das tropas exemplifica concretamente a expansáo da fronteira,
48Depois de admitir o excessivo prazo do contra ro, o auror do parecer acrescentava: "... en•
seus reflexos na vida cotidiana da popula<;áo, sobre quem recaíam seus
quanto também a condi¡;ao que se concedeu aos contratado res de se lhe aceitar em cada quar-
custos.
tel a quantia de 1: 160$000 em letras da Fa zenda Real, pelo seu intrínseco valor, as qua is eles
No próprio Erário Régio-sob presidencia, desde 1801, de D. Rodrigo hao de comprar aos propner.\rios com um grande rebate e só nesse artigo levam cerro um
de Souza Coutinho - , reconheceram-se os prejuízos havidos. Náo só em ganho mutro vantajoso: porém as razóes por que eles obriveram de S.A.R. estas mercés, sao as
que eu ignoro ; porquanro esre negóc10 fo1 rrarado no tempo do meu anrecessor e do Exmo .
Sr. Marques de Ponte de Lima, que enriio era o prcsidenre do Real ErárioM. Contadoria Geral,
7
• u ••• o que sucede é cureg.tr nm semelhA11te e tao pesado ónns sobre os m1seráveis lavradores Lisboa, 11/10/1 803 (AHTC, cód. 4082 - fl. 4).
e esrancieiros, cujas embarca¡;óes, carrerns e servcnres se empregam nas condn¡;óes e recondu~óes .,M ... porque combinados os pre~os porque andavam arrematados pela Junta da Fazenda do RJ
da farinha de gnerra A grandes distancrns... " Oficio do governador Sebasriiio X . da Veiga Cabra! com os porque foram arremarados pelo Erário, conhecer-se-:i que principalmente o contrato
dA Cámara .10 ministro D. D1ogo de Souza Co nnnho, Rio Grande, 18/02/1800 (AHU, RG, do Sº dos couros e gado em pé teve um aumento prodigioso, qual fo¡ a diferen¡;a que há entre
av., ex. 7, doc. 25). 20:000$000 no rrienio a 74:000$000 rambém no trienio." (AHTC, cód . 4082- fl. 4).

13 O 13 1
De forma geral, a hisroriografia tem considerado como urna contradi~áo
o surgimento de novas sociedades escravistas nas Américas, no contexto
da consolida~áo dos Estados modernos na Europa e do virtual desapare-
cimento da escravidáo como institui~áo no continente europeu. Conside-
ra, via de regra, motiva~óes de ordem económica para explicar o fenómeno,
sejam as for~as econó micas desencadeadas pela expansáo comercial eu-
ropéia, seja a insuficiencia demográfi ca de algumas regióes da América
para garantir trabalho compul sóri o, ainda que náo escravo, aos inreresses
da coloniza~áo (Novais, 1979; Schwartz, 1988). Por outro lado, a histo-
riografia também tem enfatizado a importancia do pensamento religioso
para a legitima~áo da escravidáo moderna, especialmente no q ue se refe-
re ao encaminhamento diferenciado que tomou a questáo em rela~áo as
popula~óes nativas da América e aos africanos. Mesmo no ambito dessas
abo rdagens, entretanto, a escravidáo tem sido tomada como adapta~áo
um tanto for~ada, pelo imperativo dos interesses económicos, a lógica de
funcionamento das sociedades católicas e protestantes da Europa durante
a época moderna (Vainfas, 1986; Alencastro, 2000).
Este texto parte da perspectiva inversa, considerando a legitimidade e
a existencia prévia da instirui~áo da escravidáo no Império porrugues como
condi~áo básica para o processo de constitui~áo de urna sociedade católi-
ca e escravista no Brasil colonial. Para tanto, buscará destacar e discutir
algumas características das sociedades do Antigo Regime, em geral, en-
guanto concep~áo de sociedade que legitimava e naturalizava as desigual-
dades e hierarquías sociais. Enfatizará, especialmente, como a expansáo
do Império portugues e de seu ordenamento jurídico pressupuseram uma
contínua incorpora~áo da produ~áo social de novas rela~óes costumeiras
de poder, entre elas a escravidáo.

1 43
CAPITULO 4 O ANTi GO REG I ME NOS TROPICOS A DI NAM I C A I MPER I AL PORlUC,Ut)A

eles poderiam conceder. 10 Enquanto escravos, teriam filh os escravos. Para na) ou "crioulo" (escravo ou ex-escravo nascido no Brasil), na medida em
além das disputas teológicas próprias do século XVII, era este o ponto que estas tendiam a congelar socialmente o status de escravo ou de liber-
prático de divergencia entre o memomndum dos capuchinhos e a peti<;áo to. A emergencia de urna popula<;áo livre de ascendencia africana, náo
de D. Louren~o. necessariamente mesti<;a, mas necessariamente dissociada já por algumas
Náo se pode deixar de considerar, no que se refere a argumenta<;áo de gera~óes da experiencia mais direta do cativeiro, consolidou a categoria
Louren~o, talvez urna possível influencia das tradi<;óes de funcionamento "pardo livre" como condi<;áo lingüística necessária para expressar a nova
da escravidáo de linhagem na África central, de cujas reis ele se dizia des- realidade, sem que recaísse sobre ela o estigma da escravidáo, mas tam-
cender. Tradicionalmente, a escravidáo de linhagem tendia a incorporar bém sem que se perdesse a memória dela e das restri<;óes civis que impli-
os descendentes de suas escravas a estrutura de parentesco que as manti- cava (Mattos, 1998; Faria, 1998; Soares, 2000).
nha em cativeiro, liberando-os em urna ou duas gera<;óes do estatuto de Ou seja, a expressáo "pardo livre" sinalizará para a ascendencia escra-
escravo ou cativo. (Meillassoux, 1995; Miller, 1988; Thorthon, 1992; va africana, assim como a designa<;áo "cristáo-novo" sinalizara para a as-
Balandier, 1965) No lmpério portugues, entretanto, seguindo a tradi<;áo cendencia judaica. Este parece ser exatamente o caso de Louren~o, "homem
da legisla<;áo romana, mesmo forros, ainda assim os ex-escravos se man- pardo" que orgulhosamente proclama sua ascendencia real africana, mas
teriam ligados a seus ex-senhores, que poderiam inclusive revogar a alforria que em nenhum momento se reporta a urna ascendencia européia. Lou-
concedida, alegando ingratidáo. Somente aqueles que nunca haviam sido ren~o é apresentado como um "homem pardo" no único documento con-
escravos poderiam se considerar plenamente súditos livres de Sua Majes- sultado por Gray redigido em portugues, provavelmente náo porque fosse
tade. Mesmo nessa condi<;áo, enquanto descendentes de libertos, por pelo mesti~o, mas porque já havia nascido livre.
menos quatro gera<;óes a eles estaria vedado o acesso aos altos cargos Desse modo, a escravidáo e a multiplica<;áo de categorias sociais refe-
públicos e eclesiásticos, bem como as honrarias reservadas aos cristáos- ridas a popula<;áo afrodescendente se mostrariam como a face mais visí-
velhos. vel da constante expansáo do Antigo Regime em perspectiva atlántica.
Nesse contexto, a própria constru<;áo da categoria "pardo", confor- Nesse contexto, surgiriam inicialmente as irmandades de homens pretos
me acabou se estruturando na sociedade colonial brasileira, é uma resul- e pardos, que depois se subdividiriam entre si. 11 A partir de urna concep-
tante específica desse tipo de raciocínio aplicado a situa<;áo colonial. É a <;áo de sociedade que se queria imóvel, mas estava em constante transfor-
partir do século XVII que as cláusulas de limpeza de sangue passam siste- ma<;áo, engendrava-se, no limite, toda urna nova ordem social do· outro
maticamente a incluir os pardos e seus descendentes (Carneiro, 1988). Na lado do Atlántico. Neste processo, cabia a justi~a real arbitrar os conflitos
verdade, pelo menos no Brasil, durante todo o período colonial, e mesmo e dar solu<;áo as situa<;óes imprevistas que constantemente surgiam entre
até bem avan<;ado o século XIX, os termos "negro" e "preto" foram usa- seus súditos no mundo colonial. Nesse contexto, abriam-se exce~óes e
dos quase exclusivamente para designar escravos e forros. Em muitas áreas consolidavam-se novas possibilidades sociais.
e períodos, o termo "preto" foi sinónimo de africano e os índios escravi-
zados eram chamados de "negros da terra". Ao que parece, o termo par-
11Na Península JbéncA e cm PortugAI, cm cspcc1dl, as prime1ras 1rm,111dddes étn1cds tem o n-
do, de simples designa<;áo de cor, ampliou sua significa<;áo quando se teve
gem 110 século XVI. No caso porrugues, Didier Laho n historia a cisiio dd irmandade d o Ros.í-
de dar canta de urna crescente popula<;áo para a qual náo eram mais cabí- rio, dando o rigem ¡¡ primeird lrmandade de Nossa Senhora d o Rosário dos Pretos, em 1565.
veis as classifica<;óes de "preto" (escravo ou ex-escravo de origem africa- Para a Espanha, Bernard Vincent também data as primeiras confrarias étnicas d o século XVI.
ta pamr do final do século XV e, em especial, ao longo dos séculas XVII e XVIII, que pdrdos
e precos se sep¡¡ram cm diferentes irmandadcs e se multiplicam, no mundo coloniJI, :ts devo-
'ºAs Ordena~óes Filipi1us dispunhdm explicitamenre nesre sentido (Malheiros, 1976). t;ócs dirns "de n:tt;ao" (Lahon, 2000, cap. 3; Vinccnt, 1999; Sodres, 2000).

15 4 155
CAPITULO 5 O A NTIGO REGIME NOS TROPICOS A OIN AMI C A IMPERIAL PORTUGUESA

Enguanto Clavero - um histori ado r do direito de urna elegancia inte- • os ofi ciais régios gozavam de urna prote~áo muito alargada dos
lectual sofisti cad a - enfatizou a pluralidade e a intangibilidade das seus direitos e atribui~óes, podendo faze-los valer mesmo em con-
jurisdi~óes como um tra~o característico da constitui ~áo política da fronto com o rei e tendendo, por isso, a minar e expropriar o poder
primeira mode rnidade (Clavero, 198 1), Albaladejo - um destacado real.
histo riado r do período moderno - sublinho u o papel desempenhado
pelos quadros ideológicos e institucionais impostos ao arbítrio do prín-
cipe no seio da mo narquia dos Áustri a (Albaladejo, 1993). O utros se O IMPÉRIO E A METRÓPOLE
!hes seguiram, q uer do lado dos historiadores gerais, quer do dos his-
to riadores do direito. A rmagem de centraliza~áo ainda é mais desajustada quando aplicada ao
Em Portugal, meu liv ro As vésperas do Leviathan questionou urna sé- império ultramarino. Aí, alguns mód ulos (Timor, Macau, costa oriental
rie de idéias estabelecidas sobre a constitui~áo moderna po rtuguesa, reve- da Áfri ca) viveram em estado de quase total autonomía até o século
lando um peso insuspeitado (mas facilmente suspeitável) de poderes XIX. Mas mesmo a Índia era objeto de um controle tornado mui to re-
(nomeadamente, das cámaras e das institui~óes eclesiásticas ou senhoriais), moto pelos nove meses que demorava a comunica~áo com a m etrópole
que tiravam partido da fraq ueza do poder, nos seus aspectos do utrinais e (Hespanha e Santos, 1993). Apesar de, como já se sugeriu, a teoria da
institucionais, para ganhar um espa~o de efetiva, ainda que discreta, au- a~áo política relativa ao ultramar fosse algo mais permissiva. De qual-
tonomía. Ulteriores pesquisas - levadas a cabo por novas gera~óes de quer modo, alg umas concep~óes correntes sobre a histó ria política e
historiadores2 - aprofundar am a investiga~áo em campos monográficos, institucio nal do lmpério portugues carecem de urna profunda revisáo,
chegando a resultados q ue creio no fundamental consistentes com os meus já que a visáo do minante é a da centralidade da Coroa, com as suas ins-
pontos de vista. titui~óes, o seu direito e os seus oficiais.
O q ue resulto u foi um conceito novo da monarquía portuguesa (pelo A sobrevivencia dessa imagem pode ser explicada por urna interpre-
m enos até meados do séc. XVIII), agora caracterizada como urna mo nar- ta~áo ingenua - ainda q ue ideologicamente significativa - das insti-
quia corporativa, em que: tui~óes históricas, fundada em preconceitos enraizados acerca da rela~áo
colonial. 3
• o poder real partilhava o espa~o político com poderes de maio r ou Do ponto de V"tsta do colonizador, a imagem de um lm pério cen-
meno r hierarquia; tralizado er a a única que fazia suficientemente jus ao genio coloniza-
• o direito legislativo da Coroa era limitado e enquadrado pela dou- dor da metrópole. Em contrapartida, admitir um papel constitutivo das
trina jurídica (ius commune) e pelos usos e práti cas jurídicos lo- for~as perifé ricas reduziria o brilho da empresa imperial. 4 Do ponto
ca1s; de vista das elites coloni ais, um colonialismo absoluto e centralizado
• os deveres políti cos cediam per ante os deveres m or ais (gra~a, condiz m elhor com urna visáo histórica celebrador a da independen-
piedade, misericórdi a, gratidiío) o u afetivos, decorrentes de la-
~os de amizade, insti tucio nalizados em redes de amigos e de
'Problemas semelhanres na hisroriografia iraliana, Musi, 1999.
clientes; •Nao é por acaso q ue a hisroriografia romántica e nacionalista alimenro u várias teorías que
destacavam o cará rer intencional e programático da expansao porruguesa - "Plano das Indias",
" Escala de Sagres", " Polírica de segredo", " ldéia imperial" e, ralvez, a idéia de um "Pacto
2 colonial" c uidadosamente deliberado , estabelccendo o modelo de ttocas comerciais entre a
Nnno Monreiro, José Manuel Snbril. Mafalda Soares d,1 Cuuha, Maria Fernanda O liva!, Pedro
CMdun, Ángela Xav,er, Au,1 Cnsr111a Nog11c1ra d,1 Silva. metrópole e o ultramar.

16 6 167
CAPÍTUL O 5 O ANTI GO REGIME N OS TRÓP ICOS A D I NÁM ICA IMPERIAL PORTUGUESA

res \ocais podiam criar um espai;o de poder autónomo efetivo. Dai que a garantiu ainda a prote\;iiO das terras dos índios33 , estabelecendo o paga-
rela\;áO hierárquica entre o governador-geral (ou vice-rei) e os governado- mento de urna renda34, apesar de as sesmarias, de acordo tanto com a
res \ocais podia ser descrita, ainda nos inícios do século XIX, da form_a se- do utrina como coma lei 35 , nao serem "bens da Coroa", de m odo a que
guinte: os governadores das capitanias eram autónomos no qu~ ~espe1tava sua concessáo tivesse de ser confirmada pelo rei.36
ao governo local ("económico") das suas províncias, estando su1e1tos ao go- Os ouvidores dos donatários deviam inspecionar a legalidade da con-
vernador-geral apenas em matérias que dissessem respeito a política geral e \ cessao e do uso da terra, depois de concedida. Com a contínua incorpora-
a defesa de todo o Estado do Brasil (Mendon\;a, 1972, vol. II, pp. 805-807). ~ªº das capitanías a administra~ao direta da Coroa, seja por vacatura, seja
( A mais importante das atribui\;óes dos d~natários, mais _tarde ~~s go- por compra, a concessao das sesmarias passou a competir aos governado-
\vernadores \ocais, era a concessáo de sesman as, a forma mais trad1c1onal, res das capitanías, enquanto a inspe\;iiO da legali~ade era cometida a iuízes
contínua e decisiva de concessáo de terras no Brasil (cf., v.g., Reg. Tomé demarcantes letrados propostos pelas camara.37
l de Sousa, 1549, caps. 8 e 10). 28 _ Resumindo, podemos dizer que um dos atas de poder mais importan-
/ Qualquer que fosse o título de aquisi\;áo - questáo que remete a ce- tes numa colonia "de planta~ao" - a concessao de terras para agricultar
lebrada questáo dos títulos originários das coloniza\;óes européias - , os - dependia dos governadores das capitanías, enquanto a aval ia~áo su-
reis de Portugal consideravam a si mesmos como senhores das terras do cessiva da legalidade do uso da terra pelos sesmeiros estava a cargo de
Brasil que náo estivessem ocupadas por colonos ou nativos (e, neste últi- magistrados mais ou menos dependentes das elites locais.38
mo caso, ainda sob condi<;áo de seu domínio ser reconhecido como tal Também no domínio da justi\;a, era central o papel dos governadores
nos termos das doutrinas primo-modernas sobre a legitimidade do uso e dos seus ouvido res, que, de acordo comas primeiras doa\;óes decapita-
das coisas). E autorizaram os donatários a conceder terras a pessoas (náo- nias, gozavam de plena jurisdi\;áO criminal e de urna vasta jurisdi\;áO cível
eclesiásticas)29, que as quisessem cultivar. 30 De acordo com o primeiro (até 100 000 rs.) em rela\;iiO aos escravos, nativos e peóes.39 Essa jurisdi-
regimento dado a um governador-geral (Tomé de Sousa, 1549, caps. 8 e ~ao só veio a ser parcialmente restringida (nomeadamcnte, no crime, re-
1O), as terras vagas deviam ser dadas em sesmaria a livre-arbítrio do_go- lativamente a ingenuos) pela cria\;iiO do governo-gcral, em 1549.
vernador, isentas de impostos (exceto de dízimos eclesiásticos). Leg1sla- Nos níveis mais baixos da administrai;ao, nomeadamente em matérias
\rªº ulterior31 náo apenas \imitou a q uantidade de terra a concedern , mas de justi\;a, havia novos fatores de incoerencia e autonomía, originados pelas
deforma~óes, intencionais ou nao, do direito, as maos "de pessoas sim-
2'1 Base legal: Ord. Fil., IV,43, 13 ; para o enquadramenro doutrinal, ver Cabedo, 1601. ples e ignorantes, que náo sabem ler nem escrevcr ", facilmente corrompi-
2'Auro rizando expressamente a doac;iio de sesmarÚJs a entidades eclesi.isticas, CR de 7 .8 .1727 das o u assustadas pelos poderosos das terras. Com freqüencia, os capitáes
(apud Mendonp, 1972, vol. 11, p. 782). ..
10s ase JUrl
· 1 ·. O•d
'd'ca , , . F,·t ., IV.43
, , 13 ·, enquadramento doutrinal, Cabedo, 1601 , vol. 11, deC/$10
112; ulterior legisla~iio {para além d a anteriormente citada): CR. d e 16._3. 1682; 2?.1.1699, HEnfatacamente, co ntra os abusos na co ncessao de cerras de nativos cm scsma n a, CR de
27.11.1711, 28.3. 1743. Alvar.i de 3.5. 1770, sobre o regime das sesmar,as na Bah1a. Houve 17.1.1691, Prov1s.'.io de 28.2.17 16 (Mcndonc;a, 1972, vol. 11, pp. 783 ).
14 Nos fürnis d o séc. XVII foi áVenrado o pagamento de nma renda, contudo, scm succsso prá·
urna nova regulamenra~ao global nos fins do século XVIII, Alvará de 5 .10.1795; a sua cxecu•
c;ao foi, rodavia, suspensa um ano mais carde ( 1O. 12.1796) (Mendo nc;a, 1972, vol. 11, p. 785); rico (Mendonc;a, 1972, vol. 11, pp. 783-784 ).
scndo insrirnído nm novo sistema pela Carta de Lei (CL) 22.6. 1808 (concessiio pelos gover· ' 1 Cf. prov1sao de 5. 12.1653; sobre as classificd~ócs do11tr1nd1s de bcns da corod, Fre1re, 1789,

nadores, carra pelo (en tao brasileiro ) Desembargo do PafO). C f. rambém, para detalhes pro· tom. l . ttt. 7, §§ 3-4: Hespanha, 1994, p. 414.
16Cf. CR de 23.11.1698.
cess11a1s, Alvará de 25 .1.1 809.
11 17Cf. re~oln~ao de 27. 11.1761 (Mcndonc;a, 1972, vol. 11, pp. 780 ss.).
Nomcadamente, CR de 27.12.1695 (Mendon~a, 1972, vol. 11, PP· 780ss).
J2CR de 27.12.1695: urna só co ncessiio a cada benefici.irio , com a .irea m.ixima de 4 x 1 lé- •~sobre conccs~cs mmc1r,1s, ver Mendon~·• , 197 2, vol. 1, p. 295.
guas; CR de 7 .12.1697: 3 x 1 (éguas (o u 1,5 légua quadrada); CR de 15.6.1729, e 15.3.1531 : 1'Cf. cartd de doa~iio a Dudrte Coelho, 25.9.1534 (Mendonc;a, 1972, vol.!, pp. 13 1ss (jurisdi-

:\reas menores nas estradas para Mutas


· Gera1s· e nas cerras mm· é nas.
· ~ócs, 132); mais rarde, reg1menro ouvidorcs gcr,1is, 11.3. 1669 (Mcndonc;a, 1972, vol. 1, p.83).

l 78 l 79
Modelo quase universal e relativamente uni forme de organiza~ao lo-
cal em todo o território da monarquía portuguesa e suas conquistas,
as camaras foram, segundo C. R. Boxer, institui~óes fun damentais na
constru~áo e na manuten~áo do Império ultramarino. Elas se constituí-
ram nos pilares da sociedade colonial portuguesa desde o Maranháo
até Macau, pois garantiam urna continuidade que governadores, bis-
pos e magistrados passageiros náo podiam assegurar (Boxer, 1981, pp.
263-282).
Dentre as principais características da organiza~áo municipal de Por-
tugal no Antigo Regime, poderíamos citar sua grande uniformidade
institucionaJ. 1 Segundo Nuno Gon~alo Monteiro, "todo o território con-
tinental da monarquía portuguesa estava coberto por concelhos, desig-
nados oficialmente como cidades, vi/as, concelhos, coutos e honras, sem
que dessas distintas designa~óes resultassem significativas diferem;as"
(Monteiro, 1993, p. 304). Tais concelhos - enquanto unidades admi-
nistrativas - cram dirigidos por uma dmara, composta em geral por
um juiz-presidente - que podia ser tanto juiz ordinário, caso eleito lo-
calmente, quanto juiz de fara, se nomeacJo pelo rei - , dois vereadores e

' Cf. o "Regimento dos ofic,ais d,1s cidadcs, vi),1s e lugares destcs reinos", extrato das Or-
de11,1~ó es Afo11sin,1s (mudos d o sécu lo XV). 111co rporado 11,1s Orden,1,;ó es M,1n11el11us
(1521) e reproduzido, quase sem altern,;óes, nas Ordcna,;óes Filip1n~s (1 60J). Ve r, pnnc1-
palmente, o Livro I, tírulos 65 ,1 6 9, dedicados :\s atrib111,;óes de juízes e vercado res, .to
processo ele1ror.t l e ,\s competcnc1,1s de ,llmo r,1cés e procuradores. Cf., p.Ha 11m,1 descn•
,;Jo m,11s deralh,1d,1 d,1 ele1~ao, c o mpos1f J O, fun~oes e proccd1me11ros d,1s dm.1r,1s, Boxer,
1981, 263-282.

19 1
r ERcE1RA PARTE As geografias políticas do Império
CAPITULO 7 O ANTIGO RE G IME N O S TR Ó PI C OS A DINÁM IC A IMPER I A L PO RT UG UESA

tanda, por vezes, com uma grande parente la que o auxiliasse nessa p1.to, somente em raras ocasióes exerciam o poder de chefia política. Pre-
tarefa; boa oratória - habilida de da maior importa ncia, sobretu do cisavam obter o apoio dos membro s do conselho para demons trar seus
quando era necessário liderar grandes a<;óes coletiva s; poder curativo poderes . Seguind o as tradi<;óes, os pajés faziam intermedia<;áo com os
- e de prever o futuro; valentia - para vingar seus antepas sados, espíritos, predizen do o futuro e curando moléstias, enguanto os caciques,
parentes e amigos mortos, própria de um grande guerreir o, cujas fei- os chefes tribais, atuavam no tempora l, realizan do guerras e solucion an-
tos eram rememo rados. "Qualqu er indivídu o que possuísse, em grau do as contend as internas .
apreciável, os atributo s indicado s acima e os símbolo s de seu reconhe- Para os missionários porrugueses, os pajés constitu íam o mais forte elo
cimento social, isto é, qualque r indivídu o que ocupasse o status de guer- entre os índios e os demonios. Os caraíbas eram os servidor es do Diabo,
reiro, era considerado apto para liderar certas afóes coletiva s ou para náo permane ciam na aldeia e recusavam-se ao convívio diário com a tri-
desempe nhar papel de relevo nas reunióes do conselh o dos chefes." bo. Viviam nas florestas e mantinh am cantatas comos espíritos . E assim
(Fernan des, 1989, p. 270.) O "conselh o dos chefes" era a institui<;áo procura vam disfar<;ar sua "malign idade" e destacar-se entre os morado -
política bási ca, destinad a a promov er o ajustam ento dos indivídu os res. Os "feiticeiros" levavam urna vida errante. Como vagabun dos, per-
como membros de um grupo local ou de urna confedera<;áo de grupos corriam as matas e retornav am a aldeia em raras ocasióes. Por intermé dio
locais. Entre os tupinam bás, havia portanto dais focos de poder: os de urna aura de mistérios, os caraíbas ganhavam a admira<;áo da tribo e
guerreir os e o conselh o de chefes. Em situa<;óes críticas, os líderes de honraria s próprias de um semideus. Os índios tratavam -nos com enorme
expedi<;óes guerreir as poderia m derrotar sugestó es proveni entes do gratidáo e ofereciam-lhes alimento s e dádivas. Os naturais da terra senti-
conselh o. Esse conselh o era compos to de velhos guerreir os, portado - am-se recompe nsados quando caíam nas boas gra\ras do caraíba, sobreru-
res qualifi cados dos conheci mentos e tradi<;óes tribais. Cunham bebe e do quando ele aceitava presente s. Em contrap artida, os mission ários
Abari-Po<;anga, por exemplo , foram descrito s como homens de idade procura ram persuad ir os índios da falsidade desses indivídu os e em váo
avan<;ada e portado res de enorme experien cia nas guerras . Mas náo demons travam a falibilidade de seus poderes. Porém, bastava urna só pa-
havia urna regra mecáni ca de sucessáo, a chefia de modo algum era lavra dos caraíbas para convence-los do contrári o. O embate clava-se con-
hereditá ria. A estrutur a do poder dependí a das circunst ancias, dos ca- tra um mimigo muito poderos o, ou melhor, contra um adversár io com
prichos dos acontec imentos . "Esse 'resíduo de incertez n' é justame nte plenos poderes sobre as tribos.
o espafO político na sociedade tupinam bá." ( Fausto, 1992, p. 390.) Os "feiticeiros" ainda promov iam curas e livravam seus adeptos de
Nos moment os críticos, os pajés desfrutavam grande prestígio , mas mtntas enfermidades. Em urna carta, o jesuíta António Pires relatou que
raramente tomavam o lugar das chefias e do conselho . Comum ente eram Satanás havia ensinado aos caraíbas muitas mentiras para impedir a salva-
velhos que praticavam o curandeirismo e aruavam como sacerdotes. Por <;áo das almas. Convenceu-os da incapacidade dos padres de combate r as
intermédio dessas "santidades ou homens sagrado s", os cspíritos se co- moléstias, enguanto os aliados do mal estavam habilitad os a curar, bas-
municav am, permitin do a tribo solucion ar querelas bélicas, distúrbi os tando sugar do carpo do enfermo as causas do maleficio. Os índios adoe-
provocados pelo clima e por epidemias (Métraux, 1979, pp. 65-75). Quan- ciam, e os curandeiros, por interméd io da magia, retirava m do scu carpo
do chegavam as aldeias, recebiam tratamen to especial, eram adulado s com artefatos , senda eles a causa do sortilégio. Com tais estratag emas, os pajés
presentes e homenageados com cantos tribais. Se falhassem, porém, per- pretend iam assegura r o domínio sobre a tribo, pois, comento u o padre
diam automat icament e todos os privilégios e, por vezes, eram castigad os Pires, "temiam ser despojado de su tyranía" (Cartas dos primeiros jesuítas,
com a marte. O bom relacionamento com os pajés podía assegura r aos
1954, v.1, p. 256).
guerreir os e chefes tribais a realiza<;áo de feítos notáveis. No enranto, re- O jesuíta António Blázquez relatou um episódio de curande irismo

l 3 4
2 35
O ANTIG O RE GIME NOS TROPICOS A DINAMICA IMPERIAL POHIUl>Ut)A
CAPITULO 1

Esta análise comparada da penetrac;áo portuguesa no Congo, Brasil e dade, urna identid ade, que pressupunh a urna hierarquia, e logo a desi-
Japáo tornou possível especular sobre as estratégias de conversáo dos gualdade. A diferenc;a nño se pautava apenas na distinc;áo entre metro-
missionários. Onde havia sociedade fortemente hierarquiza da, os missio- politanos e coloniais, mas entre cri stáos-velhos e novos; entre os puros
nários recorreram as chefias, cristianizan do-as antes de atuar nos setores de sangue e os contaminad os por "rac;as infectas" ; entre os limpos do
subalternos. Aí a estrutura social os auxiliava na propagac;áo da fé. A con- defeito mecanico e os submetidos ao trabalho brac;al. Náo sem razáo, a
versáo parria do alto da piramide e depois descia para a base, seguindo a administrac;áo metropolit ana e a lgreja difi cultavam, e por vezcs impc-
lógica hierárquica. Entre os tupinambás, os jesuítas atacavam os carrucas, diam, o acesso de colonos mestic;os, mulatos e autóctones aos quadros
livrando a populac;áo dos desmru1dos dos representan tes demoníaco s. O administrat ivos e eclesiásticos. Enfim, a conversáo era um prcssupost o
alvo do proselitismo cristáo era a comunidad e, a base da piramide, por para pertencer ao lmpério e inserir-se em urna típica sociedadc do Anti-
serem as chefias instáveis. go Regime.
Vale, porém, destacar que o ensaio pretende, sobretudo, levantar ques-
tóes e inaugurar urna perspectiva metodológica. O tema exigiria urna pes-
quisa mais alentada em urna vasta documentac;áo ainda pouco estudada. A
formac;ao das fronteiras imperiais, segundo o projeto missionário, clava-se
pela difusáo do cristiru1ismo, pela defesa de urna fé capaz de unir, sob um
mesmo propósito, pavos táo diversos. Para além do ambito económico ,
criava-se urna idenridade cristá, urna trama responsável pela propagac;ao da
"verdadeira religiáo" e pelo ordenamen to de pavos que submeteria m ao
monarca portugues. Religiáo e poder se mesclavam, enfim, para forjar a
tessitura do lmpério. Sua construc;áo náo se realizava apenas por meio de
tracas comerciais, rede administrativa e lealdade política, mas igualmente
pela estrita obediencia as leis religiosas. A conversáo, assim, promovia a
dissoluc;áo das diferenc;as culturais, políticas e confessionais, transforman -
do os povos, carpo do Império, em seguidores de Cristo e da monarquia
lusitana.
Nesse sentido, Portugal, nac;áo católica e fidelíssima, tinha como prin-
cipal missáo combater os infiéis e dilatar a fé de Cristo. Nos momentos
de crise era auxiliada por aparic;óes e forc;as divinas, resolvendo as con-
tendas em seu favor. A construc;áo da identidade portuguesa , por certo,
se fez por meio da dimensáo providencia l e messianica. No entanto, se a
catolicidad e era a marca primordial de identidade, eta promovía igual-
mente a corrosáo da unidade, pois a conversáo dos gentios náo era sufi-
ciente para homogeneizá-los. Mesmo sendo cristáos devotos, jamais os
congoleses, tupinambás e japoneses alcanc;ariam os mesmos privilégios
de portuguese s do reino. O Império portugues cristáo criava urna uni-

246 247
C APITULO 8 O ANTIGO REGIME N OS TROPICOS A D I NÁMICA IMPERIAL PORTUGUES A

Entre a escolha dos governador es e a respectiva remunera~áo existía, náo existe, tanto quanto se saiba, regimento do cargo. Parafrasean do o que se
de fato, uma conexáo estreita. O processo pelo qua! se requeria a remu- escreveu em outro lugar: "Os regimentos eram concedidos a título individual
nera~áo dos servi~os encontrava-se detalhadam ente regulament ado e, além e consistiam mais num rol de instruqóes políticas - como de resto a partir do
disso, existia uma tabela tácita para a remunera~áo de vários servi~os, século XVII tamúém emm identificados - do que numa regulamentaqiio
condiciona da, em especial, pela natureza do oficio desempenh ado, como efectiva do limúito da jurisdiqiio dos cargos.. Parece niio ter existido diferenqa
veremos adiante. significativa a este nível entre vice-reis e governadores. Qualquer um deles
concentmva funqóes legislativas, administrativas, incluindo a fazenda, e judi-
ciais." Pelo contrário: ''A distinqiio entre os títulos em anillise fez-se sentir com
3 . GOVERNADORES GERAIS E VICE-REIS DA ÍNDIA E DO BRASIL (1630- 181 O) m11ior acuidade ao nível da representaqiio do poder. E um dos momentos em
que o cerimonial o revelava com particular nitidez em quando da chegada do
O que em seguida se apresenta é um primeiro confronto entre os dados novo vice-rei e da sua tomada de posse (.. .) os custos acrescidos que implica-
recolhidos em anteriores e mais desenvolvid os trabalhos sobre os vice-reís vam estavam directamente relacionados com a criadagem, parentela e o pres-
da Índia e as primciras indica~óes recolhidas sobre os governadores ge-
11 tígio da (ida/guia que acompanhavam o vice-rei. " (Cunha e Monteiro, 1994 .)
rais e vice-reis do Brasil. A periodiza~áo escolhida, designadamente o fato
de come~armos em l 63 Oe náo em 1640, resulta de m ui tos dos processos
3. 1. Percursos e recrutnmento social
depois desenvolvidos se terem come~ado a desenhar antes da ruptura
Principiemo s pelos vice-reis da Índia. O perfil dos 24 (ou 25, se con-
políti ca da Restaura~áo. Ainda no que a Índia se refere, decidí u-se consi-
siderarmos o 1° Conde da Lousá 13 ) vice-reis selecionados em primeira máo
derar, para efeitos comparativ os com o Brasil, apenas os vice-reis e náo os
entre 1630 e 1820 pode ser resumido apresentand o alguns indicadores.
governador es e conselheiros de governo. Tal escolha decorre do fato, tam-
bém dilucidado em anteriores trabalhos, de estes últimos só serem nome- Todos tinham nascido em Portugall •, o que era comum a esmagador a
ados nas vías de substitui~áo daqueles 12 até 1767-68 e terem urna base maioria dos governantes indianos, e apenas tres se encontravam na Índia
social de sele~áo diversa, como se irá referir posteriorm ente. Por fim, 0 quando da sua nomea~áo.
Um aspecto decisivo é sua proveniencia social, particul armente no
fato de náo distinguirm os em rela~áo ao Brasil, por ora, entre governado-
período 1651-1765 , ou seja, antes da extin~áo tem porária do título, só
res gerais e vice-reís decorre do estatuto <lestes ter, literalmente, subsritu-
retomado em 1807. 15 De fato, quase todos tinham nascido em casas da
ído o daqueles, sem que as competencias respectivas ou outras dimensóes
se tenham alterado. Digam os, numa primeira análise, que os governado- "
res gerais do Brasil passaram a ser designados sistematicamente por vice- l. "Nomeddo cm 1765 p,1r,1snbsrinur o 47° vice re,, Iº Conde da Eg,1, vc10 .t fa lecer dnr.111re ,1

reis, sem que isso correspond esse a urna modifica~áo das suas atribui~óes. viagem par.ta lndu .
"Temos dúv1d,1s .1pe11,1s sobre nm caso.
Deve-se destacar que, no que se reporta as competencias jurisdicionais, llQ 47° vice-reí da fn di,1 (1758- 1765), ! ºConde da Ega, fo 1 preso q uando d a sud chegada a
Lisboa. E sen subsrimco, o 1° Co nde J ,1 LousJ, fa leceu na viagcm para a fnd i.1 , q ue fo i govcr-
nadd po r nm consclho de governo enrre 1765 e 1768. Oeste fazia parte o fidalgo " indiano" D.
"Cf. Cunhd e Monre1ro, 1994, 1995, 2000 e 2000d. Joiio José de Mclo, no meado govern,,dor e m 1767, e q ue eferivamente o fo1 ,Hé :1 sua morte
12
No período co nsiderado até 1768, em regra , os govcrnado res e os conselhe1ros de govcrn o (1 768 -1774 ). Apuen remente com a sua concordanc1a, nunca fo i fei to vice-re 1. Q uando mar-
só dssnmiam o governo do Estado d., fndid n.t fa lra (por mo rre, 11n ped 1menro ccm po r:.n o, ren em 1774, o govern,1dor nome.1do e vindo do continente pardo subsriru1r (fo1 o governo
:ttr.tso na chegada ere.) dos vice-re1s, embora parce desees fosse inic1,1lmenre nomcadd com o ocup,1do ~nrrer,,nto por nove meses pelo loc.1I F1lipc de Valdd.1res Sortom,uor), D. José Pedro
rículo de govenrndor pard ponco tem po depo 1s nsar o de v1ce-rei. Geralmente, os mesmos da Camard ( 1774- 1779) 1,I n~o recebeu o estatuto de vice-reí, orienrd~ao q ue se nu nceve de-
pdpé,~ q ne 1nd1c.:ava m o~ v1ce-re1s .tponuv,,m tdmbém qnem os dev1,1 ~nbst1t111r n.t siu fa lu . po1s dd quedd de Pomb,il.

258 259
CAPÍTULO 8
O ANTI GO REGIME NOS TRÓPICOS A DINÁMICA IMPERIAL PO RTUGUESA

cía do 2° Marques do Lavradi o fornece-nos a esse respeito muitos teste- ou em remunera~áo dos scus servi~os, e na fase mais restritiva (1670-
munhos concludentes (Lavradio, 1972 e 1978). No entanto, os motivos 1760), quando as eleva~óes a Grandeza foram quase inexistentes, os
náo seriam inteiramente coincidentes nos dois casos. Com efeito, se a vice-reis e governadores-gerais receberam mais de metade dos títulos
viagem para a Índia era bem mais demorada e os riscos militares que aí criados.
se corriam incomparavelmente mais elevados, a verdade é que os vice-
reinados brasileiros foram mais longos (pouco menos de seis anos em
média, como se disse), tendo chegado a ultrapassar urna década de du- QUADRO 4 : CASAS TITULARES EXISTENTES EM
ra~áo em cinco casos. PORTUGAL (1611-1820)16
Entretanto, convém náo esquecer que o vice-reí era em larga medida,
como se sugeriu, apenas um capitáo-general (da Bahia e depois do Rio de Incervalos Casas Vice-reís/ Média Casas Média Nº 10 1al
Janeiro) entre outros. A estrutura fundamental da administra~áo da Coroa cronológicos criadas govrrnaclores decena! extintas deceual (no final do
na colonia repousava efctivarnente nessas capitanías gerais, as quais no fim gerais• o u unirlas período)
do período pombalino chegaram a ser em número de nove e a tutelar ou- Até de 16 10 30
tras tantas dependentes (Alden, 1968 ). Todos os capitáes-generais manti-
1611-1640 28 9 9 2 1 56
nham correspondencia direta com o Conselho Ultramarino e com as
1641-1670 18 7 6 24 8 50
autoridades de Lisboa, como de resto as camaras municipais, principal ins-
1671-1700 8 4 3 7 2 51
titui~áo local com a qual tinham de defrontar. Aliás, o caso mais significati-
vo de acumula~áo de capitanías num único indivíduo deu-se, como se sabe, 1701-1730 5 2 2 5 2 51

com Gomes Freire de Andrade (futuro 1° Conde de Bobadela), que nem 1731-1760 7 5 2 10 3 48
sequer foi vice-reí, mas apenas governador do Rio de Janeiro durante tres 1761-1790 8 3 3 2 1 54
décadas (1 733-1763), e que chegou a ter oito capitanías sob sua tutela. t 791 - t 820 63 ll ll 14 5 103
•Tfrulos concedidos a vice-reis e outros governadores colon1a1s em suas vidas o u .i seus descen-
3.3. A remunernqño dos serviqos dentes em remunera~ao dos respectivos servi~os.

Como já di$semos, existiu ao longo de todo o período considerado Na verdade, a coincidencia entre o vice-reinado indiano e o título
urna estreita liga~áo entre a nomea~áo para os governos supremos da Ín- condal era claramente assumida a época. E o mesmo se verificará como
dia e do Brasil e a titula~áo. Na verdade, o desempenho daquele cargo Brasil. Sabemos, por exemplo, que o neto de um dos poucos vice-reís da
constituiu urna das principais vias de acesso a elite titular seiscentista e Índia náo agraciados (o almotacé-mor, 1698-1701) fez, antes de 1769,
setecentista, particularmente depois da Restaura~áo. De fato, no amplo "umn representnqiio n V.Mngde. sobre /he niio dnrem o título de Conde
período que vai de 1611 a 1790, mais de 1/3 do total de títulos foram con- com que se despnchnvnm os Vice-Reis"l7, e que em 1804 o 2° Conde de
cedidos a vice-reís da Índia ou a governadores-gerais e vice-reís do Brasil25, Sampaio chegou a afirmar que "o título de Conde(... ) ern (... ) umn Ta-

llTambém em remunera~.io dos servi~os de simples membros de conselhos de governo da fn- 26


Sobre os crirérios d e elabora)ao do quadro, cf. Monteiro, 1998.
dia, como Nuno Alvares Borelho, em remunera~iio de cujos servi~os foi criado, cm 1633, o 17Arquivo N.1ciona l d,1 Torre do Tombo (ANTI), Ministério do Reino, Decretos, ma~o 17 ,
co ndado de S. Miguel. nº 22.

270 27 1
CAPITULO 8 O ANT IGO REGIME NOS TRÓPIC OS A DINÁMICA I MPERIAL PORTUGUESA

da primeira nobreza da Corte. Pode mesmo afirmar-se que estariarn mais camaras municipais e as respectivas elites locais cobriain a maior parte do
a bertas a promoc;áo de fidaÍgos de província e, até, de "soldados da fortu- território povoado da colonia e eram o principal interlocutor das diversas
na" do que o topo da hierarquia do exército no continente. O estudo instáncias sul-americanas da Coroa. Mantinh~m ainda, tal como na Euro-
detalhado e minucioso do recrutamento social, da origem geográfica e das pa, por meio das petic;óes, urna comunicac;áo política freqüente com a
carreiras dos governadores das capitailias sul-americanas no século XVIII53 administrac;áo central. No fund o, constituíam o principal instrumento de
revela-se, assim, como urna tarefa essencial para o estudo dos processos integrac;áo política da colonia e das suas elites no espac;o imperial, o que
de reproduc;áo e mobilidade das elites portuguesas da época. pressupunha, tal como foi recentemente sugerido (Bicalho, 1998a e 2000),
Mas a relac;áo entre a nomeac;áo para o oficio e a remunerac;áo dos urna apreciável margem de negociac;áo. Em vez de um modelo de centra-
servic;os assim desempenhados tem, também neste contexto, de merecer lizac;áo ineficaz, talvez seja mais adequado pensar o espac;o político colo-
urna cuidadosa análise. Acresce que parece que os casos conhecidos de nial como urna constela~áo de poderes, com alguma capacidade para
significativo enriquecimento ocorrerarn sobretudo aos níveis intermédios mutuamente se limitarem, na ~ual as eli~es locai~s brasileiras_s~ e~ ~~m~am 7
e inferiores da administrac;áo colonial. Nestes se incluem, naturalmente, oliticamente, sobretudo or mterméd10 das C.fil!l_aras ml!111cJpal$. S1tu-J
alguns governadores de capitanías menores com urna longa permanencia ar o recrutamento dos governadores das capitanías nesse complexo equi-
militar no território da América portuguesa. O estudo dos retornos a Por- líbrio de poderes constituí, assim, o elemento fundamental a ponderar.
tugal e das descendencias dos governadores coloniais configura-se, assim,
como outra pec;a fundamental do nosso caderno de encargos.
Por fim, haverá que compreender até que ponto os critérios de recru-
tamento dos governadores se articulavam com os modelos de administra-
c;áo da colonia. Urna das características fundamentais da administrac;áo
portuguesa na colonia, destacada em estudos recentes, era sua divisáo, náo
só espacial, mas também setorial, em instancias múltiplas, as quais manti-
nham todas canais de comunicac;áo política com Lisboa e freqüentemente
colidiam entre si. O que é legítimo afirmar-se para a administrac;áo mili-
tar, mas igualmente para a organizac;áo fiscal e para a judicial. Nestas
pontificava a magistratura letrada (desembargadores das [desde 1751 J duas
Relac;óes, ouvidores-gerais de cada capitania e juízes de fora), constituí-
da, no caso dos desembargadores, por hacharéis, quase todos reináis e raras
vezes com origens fidalgas (Schwartz, 1973). Por fim, o mesmo se pode
afirmar ainda e de forma decisiva acerca da estrutura administrativa lo-
cal. Com efeito, tal como no continente europeu, também no território
1•No esse11c1al, rr,w1-se, se n,io nos c11gd11,in1os, de 111rrod11z1r 11.1 lc1mr,1 111srarnc1011.tl do lmpé-
brasileiro se pode falar da municipalizac;áo do espac;o político local. As
rao 11111 a ruprnrn cp1sremológ1ca simil.ar ;\ proragoniz.1dd pel.t obr,1 de Anrón10 Hesp,rnh ,1 no
qne se refere ao e11re11d1111enro d o s1srema de p o der 110 conr111enre. Só que, r.al co mo ,1 propos-
ra deste, deve ser corrigidd p.ara o período pós- 1640 por minimizar a relevancia do cenrro.
HUm rrdbalho modelar 11essd marérid, reportando-se il segunda merade do sea,cenros, é O de rnmbém a le1rura do lmpérao como um ·•sisrema de poderes" parece rer como axioma essenc,-
Bardwell, 1974. Enrre os esrudos monogr.íficos sobre ,1 esradid dos governddo res 110 Brasil e al a "ce11rrnlidade do centro", ou seja, nao a cenrrnlaz.1),io , mas d comunica)iio po lítacd qudse
s uas reld~óes comos o urros poderes nd, c,1para11us (cf. Mello, 1995; S011z.i, 1999, pp. 175-199). universal com a Co rte como pressnposto dec1s1vo d.t flexib1hdddC do sisrcma.

282 283
CAPITULO 9
o ANTIGO REGIME NOS TRÓP ICOS A DINAMICA IMPERIAL PORTUGUESA

1
Wale sal ientar, entretanto, que esse fato configurou urna notável ino- r;a de Joáo Fernandes Vieira e André Vida] de Negreiros. Tres anos de-
va~áo na forma de ser da gestáo administrativa ultramarina. A eleva~áo pois, Luanda era retomada em razáo da a~áo coordenada por Salvador
do Brasil a condi~áo de Principado representou, aquela altura, algo de Correia de Sá. Essa reconquista surgía como urna coroa~áo de esfor~os
imensa significac;áo política, especialmente quando se considera o contexto conjugados entre os súditos luso-cariocas, a Coroa e seus oficiais instala-
da Restaura~áo portuguesa.1A condi~áo de Principado evocava valores e dos no Brasil. De um lado, a cidade do Rio de Janeiro e seus "homens
nor;óes de governabilidade e vassalagem que al~avam o Brasil a urna posi- bons" passavam a acumular desde 1642 títulos e privilégios concedidos
r;áo deveras diferenciada no contexto imperial de entáo. Em grande me- pela Coroa - o privilégio dos cidadáos do Porto (1 642), a faculdade de
dida, buscava-se aproximar o Brasil, de forma mais íntima, de seu soberano nomear em caso de morte o sucessor do governador (1644) e o título de
recém-restaurado. Um rei ausente fisicamente, mas que procurava, por "leal e heróica" cidade (1647) (Bicalho, 1998, p. 258). De outro, provia-
esse expediente, reafirmar a sua presen~a e os elos que os unia a seus se finalmente solu~áo as demandas advindas do grupo de traficantes de
vassalos ultramarinos, e mais especificamente aqueles do complexo Atlan- escravos e de proprietários rurais da América portuguesa e mais especial-
tico Sul. 8 mente os da pra~a mercantil do Rio de J aneiro (Alencastro, 2000, pp. 231-
Essa alterar;áo se relacionava a um contexto político mais amplo, no 238).,Vale ainda lembrar que os homens envolvidos nessa empreitada náo
qua! a Coroa portuguesa passava a mobilizar mecanismos que melhor seriam esquecidos pela Coroa posteriormente, recebendo urna complexa
promovessem seu governo sobre o conjunto de territórios vinculados a trama de merces e privilégios que favoreciam o conjunto de todas as suas
sua soberanía. No caso do Brasil em particular, destaca-se o fato de que atividades socioeconómicas) como, por exemplo, no caso já bem estuda-
essa altera~áo se insería em um proccsso de gradativa concessáo de títulos do de Salvador Correia de Sá (Boxer, 1973, passim & Fragoso, 2000, pp.
a "conquista" americana, delineando-se urna trajetória político-adminis- 71-72).
trativa capaz de explicitar urna dada estratégia de governo. Estratégia essa
informada por urna economia política de privilégios, vale repetir, tecen-
l A propósito da eleva~áo do Brasil a condi~áo de Principado, vale ain-
da lembrar que essa decisáo aconteceu pouco antes da realiza~áo das Cortes
do vínculos e sentimentos capazes de relacionar indivíduos em ambas as portuguesas de 1645-1646 em Lisboa. A convocatória das Cortes foi acom-
margens do Atlantico. panhada da edi~áo do "Parecer do Marques de Montalváo, D. Jorge de
--.. O ano de 1645 assistiria ainda a convoca~áo das Cortes de Lisboa, a Mascarenhas, para servir nas Cortes que se fizeráo na cidade de Lisboa
recria~áo do Conselho de Estado, bem como a deflagrac;:áo da insurrei~áo em 1645". N esse texto, alertava Moltaváo sobre os perigos que poderiam
luso-brasileira em Pernambuco contra o domínio holandes, soba lideran- resultar do descontentamento gerado pelo "rumor" do "povo", afirman-
do que as popular;óes estavam táo insatisfeitas com a nova ordem portu-
sBonza Álv.1rez ;11uliso11 ,1 form,1 como os Habsbnrgo ac1011aram 111mtnros políncos, como o guesa que já mesmo questionavam se nao seria melhor volcar a antiga
de v1ce-re11udo e o do Conselho de Portng,il, enquanro me10s de supern~ao das "saudades" d o
rci se11rid,1s no remo pormgues cm raz.io do d1srnu crnmcuro fii1co causado pela U1rnio Ibérica. ordem castelhana (apud Cardim, 1998a, p. 100). \~s ex~g_encias fis_c~s -)
Afin ,tl, o "Portugal dos Filipes 11.io se nnh,1 co nsrrnído sobre ,1 res1dé11c1a do rei, m as sim sobre produzidas pela guerra de Restaura~áo, bem como a mstab1lidade polit:1ca
um,1 ,1use11c1a ". Eram assim esscs recursos nril1udos - :is vezcs de form.1 m,11s expcd1e11re, :is
gerada pela quebra da ordem outrora instituída pela Uniáo Ibérica, ali- 7
vezes menos-, n o senrido de refon;ar vínculos e nenrrnliz.tr rensóes ge radas pela forma como
Portugal hav1a se inserido nos quadros d,1 monarqu1a hisplnicá, segnindo-se o Estátuto de mentavam um quadro de instabilidade política, concorrendo para urna
Tom,1r (1581 ). Segundo o auror, 110111e11cl.1rnras como as de v1ce-re111ado - e poss1velme11re ,, maior necessidade de convoca~áo das Cortes por parte da Coroa bri-
de Pn111:1p,1do, aq111 considc r,1d,1 - co11mrní.1m-se em 111mrn ros de grande 1mporr•ncu polí-
n cá, ,1c1011ados em mornenros de m ,uor fr,1g1hd,1dc d,1 goven ub1hd,1dc e dá sobcr;1111.1 o:m cur- gantina. \
so (Bonza Álvarez, 2000, espcci,tlrncnre o c,1pírulo IV). Agr,1<lc~o a Pedro C.1rdim ,1 genero,,1 Montalváo viria também a ocupar, antes de sua morte em 1652, as
i11d1c.1~.io des,,1 1111po rra11ríss1m,1 rcfcrénn,1.
prestigiosíssimas posi~óes de procurador do Senado da Camara de Lis-

294
295
CAPITULO 9 O ANTIGO REGIME N O S TR ÓPI CO S A D I NÁM I CA IMP E R I A L P O RTU GUE SA

Segundo Stuart Schwartz, é ainda possível identificar dois tipos de período subseqüente, quando esteve a cargo do governo-geral do Brasil,
carreira na magistratura portuguesa a partir de 1680: urna que se de- possibilitaram provavelmente urna maior articula~áo entre os interesses
senvolvía no ambiente do Atlantico, através de Portugal, África portu- prevalecentes em ambas as margens do Atlantico (Gouvea, 2000a, pp.
guesa, ilhas at~anticas e Brasil; outra constituída por aqueles que serviam 329-330)
no Estado da India. O reconhecimento público do sucesso das carreiras Já !,ouren~o de Almada se apresenta como um clássico administra-
individuais desenvolvidas em ambos os cenários seria demonstrado pela dor ultramarino setecent1sta. Após ter sido govern~dor da Madeira, foi
nomea~áo para a Casa da Suplica~áo de Lisboa ou para o Tribunal da nomeado para o governo de Angola (1705-1709). Dali seguiu para o
rela~áo do Porto, definindo-se assim um circuito ampliado da carreira posto de governador-geral do Brasil (1710-1711). Nesta posi~áo acom-
da magistratura portuguesa. panhou, da Bahia, o desenrolar da Guerra dos Mascares, em 17 10, asso-
Vale por fim considerar a possibilidade de se observar urna relativa ciando-se favoravelmente aos interesses da nobreza da terra de O linda.
associa~áo entre o exercício subseqüenre de cargos de governador em re- Ao fim de seu governo, permaneceu por iniciativa própria na Bahía,
gióes do Atlantico Sul, especialmente em Angola e no Brasil durante 0 passando depois a viver em Lisboa, quando ocupou a posi~áo de mes-
século XVIH. A despeito de Russell-Wood ter afirmado náo ser O cargo de tre-sala na Corte e o posto de presidente da Junta de Comércio até sua
governador de Angola "algo desejável", é possível perceber o lugar inicial morte, em 1729.
por ele desempenhado no desenrolar de várias trajetórias administrativas Outro exemplo é o de Antonio de Almeida Soares e Portugal, primeiro
empreendidas no complexo imperial (Russell-Wood, 1998a, p. 177). Dos Mar ues do Lavradio, sobrinho do célebre cardeal D. Tomás de Almeida,
19 governadores-gerais e vice-reis que estiveram a frente do governo do primeiro patriarca de Lisboa. A maior relevancia desta personagem deveu-
Brasil entre 1697 e 1807, pelo menos cinco tiveram prévia presen~a no se as suas conexóes familiares e ao fato de ter acumulado, ao longo do tem-
governo do citado território luso-africano. Interessa aqui apenas avaliar po, fun~óes governativas de destaque, como a de governador de Angola
brevemente alguns exemplos que podem explicitar a forma como O perfil (1749-1 753) e do Brasil (1760). Sua curta permanencia na América portu-
de determinadas trajetórias administrativas individuais constituiu urna guesa resultou de sua morte súbita, em janeiro de 1760. Já seu filho, segun-
poderosa estratégia de governo do Império. do Marques do Lavradio - Luís de Almeida Soares Portugal - esteve
jQáo de Lencastre, descendente de D. Joáo II, exemplifica como de- envolvido coma administra~áo do Brasil entre 1768 e 1779, inicialmente
terminadas conjunturas históricas possibilitaram a emergencia de novos na condi~áo de governador e capitáo-general da Bahia e, a partir de 1770,
grupos no cenário político portugues. Sua trajetória administrativa ilus- como vice-rei. Sua administra~áo na América portuguesa constituiu um
tra bem como a combina~áo em urna só pessoa de experiencias diversas, exempl o clássico daquilo que se buscava realizar no ultramar na era
serviu como estratégia de governo tanto no reino quanto no ultramar. pombalina. Além de nobre de linhagem, uma das credenciais que tanto o
Participou ele de forma destacada na guerra de Restaura~áo, entre 1640 e habilitavam para o cargo era o fato de ser militar de carreira.
1665, período em que constituiu rela~óes clientelares de grande rele- ~ Talvez o exemplo mais significativo daquilo que se quer aqui demons-
vancia política. Posteriormente, deu início a sua carreira de oficial ré- trar tenha sido a trajetória administrativa de Antonio Álvares da C unha,
gio, sendo nomeado comissário-geral de cavalaria, governador de Angola Conde da Cunha. Sobrinho do destacado diplomara portugues D. Luís da
(1688-169 1) e governador-geral do Brasil (1694-1702), onde combateu Cunha, serviu em alguns dos mais importantes postos da administra~áo
o quilombo dos Palmares. Em 1704 serviu na guerra de sucessáo espa- imperial na segunda metade do século XVIII. Foi deputado na Junta dos
nhola. A seguir, passou pelo Conselho de G uerra, rendo sido, mais tarde, Tres Estados, membro do Conselho de Guerra, governador e capitáo-ge-
nomeado governador do Algarve. Sua lo nga permanencia em Angola e 0 neral de Angola (1753-1758), vice-rei do Brasil (1763-1767) e, por fim,

306 3 O7
CAPlruLo 10 A no~áo de economia colonial tardia
no Rio de Janeiro e as conexóes
económicas do Império portugues:
1790-1820
Joao Fragoso
O ANTIG O REGIME NOS TROPICO S A DINAMICA IMPERIAL PORTUGUES A

légios decorrentes daquele exclusivo. Daí se entendem medidas como os América portuguesa , a de Angola e a da Índia. Cabe sublinhar que tais
alvarás de 19/6/1772 e 12/12/1772 , por meio dos quais, limitando con- redes muicas vezes se faziam em detrimento dos interesses dos comerci -
cessóes anteriores, o comércio intercolonial era proibido, por ser "huma antes reinóis (cf. capítulos 11 e 12).
mnxima geralmente recebida e constantem ente praticadn entre todas ns Por último, deve-se lembrar que os negociantes de grosso trato coloni-
nnfóes, que da Capital, ou Metrópole Dominante, he que se deve fazer o ais tarnbém foram beneficiados por medidas - como a provisáo de 1791
Commercio, e Navegafiio para ns colonias, e niio ns colonias entre si" (apud _ que, mesmo náo terminando com exclusivo metropolita no, facilitaram
Novais, 1983, pp. 82-83; cf. capítulos 11 e 12).
0 giro de men:adorias coloniais dentro do lmpério (Novais, 1983, pp. 250-
Entretanto, antes, durante e depois de tais medidas o comércio entre 253). Nesse mesmo sentido, o alvará de 19/11/181 8-posterio r a abertu-
os domínios continuava. Ao longo do século XVII forarn frcqüentes as ra dos portas as na~óes amigas, marco para o fim do exclusivo metropolita no
procura~óe s de cunho mercantil passadas por moradores do Rio de Ja- _ determinav a que apenas as embarca~óes lusas estabelecidas nas posses-
neiro para Angola. Da mesma maneira era comum, no seisccntos, que os sóes portuguesas pudessem negociar no ultramar (Costa, 1977, p. 77). Em
arrematado res dos direitos dos escravos de Angola tivessem representan - outras palavras, tais medidas, pelo menos cm tese, garantiam q~e os princi-
tes no Rio e na Bahía; sendo estes últimos também grandes comerciant es pais parceiros comcrciais do Brasil, de Angola e do Estado da India fosse1:1
locais (muitos ligados a 'nobreza da terra') e contratado res de impostos do próprio Império luso. Entretanto, é bom que se diga que, mesmo depo1s
de suas regióes. Estes fenómenos insinuarn a existencia de urna rede mer- de 1822, essas compras e vendas entre as ,meigas conquistas portuguesas
cantil ligando as duas partes do Atlantico Sul. 7
continuariam ainda por mais algum tempo.g
Além dessas liga~óes atlanticas, existiarn, ainda no século XVII, 'rotas Seja como for, de urna maneira ou de outra, o pacto colonial ajudou
coloniais' que ligavarn pontos mais distantes do Império. Na década de para a 'integra~áo' económica do lmpério portugues, e, para os negociantes
1660, era comum os navíos que vinham da Índia pararem na Bahía e aí situados no ultramar, possibilitou sua cransforma~áo em elites locais nas
fazerem negócios (Hanson, 1986, p. 237; Lapa, 1968). Em 1670, Con-
0 conquistas, como já foi insinuado.
selho Ultramarin o ordena "no Vrey dn Índia, como por muitns vezes se
tem feíto, que todas ns emúnrcafóes que irem (sic) da Índin para o reino,
que (... ) niio tomem os Portos de Angola, e do Brasil, com proibifiiO, que A NO<;ÁO DE ECONOMIA COLONIAL TARDIA NO RIO DE JANEIRO E SEU PAPEL
nenhum dos oficinis que vierem nas nnus possam vender nenhuma sorte COMO MERCADO REDISTRIBUIDOR PARA O IMPÉRIO (1790-1830)
de fnzenda, com pena de ser perdida, eles castigados por trnnsgressores das
ordens de V. Alteza" (AHU, Angola, av., ex., 1O, doc. 17). O uso do termo tardío é de longa tradi~áo historiográfica. Com ele busca-
Durante o século XVIII, o comércio direto entre as conquistas situa- se caracterizar a etapa final de determinad o período e, simultanea mente,
das em diferentes continentes continuaría , fato que demonstra a existen-
0 início de um novo. A falta de urna melhor defini~áo, por "tardio" ou
cia de estreitos la~os entre a comunidad e de mercadores residentes na "tardía" compreend e-se um período ou época de trnnsifiiO ou, mais rara-
mente, de mudan~as aceleradas. Para o período colonial da América por-
7Urn exernplo de ul ·concr,110 dos d1re1co~ do Re1110 de Angol,1· fo, o uren1,1c,ido, em 1652, tuguesa, as coisas náo sao muito diferentes, embora com nuan~as.
por Thom,1z F1lg11e1r,1 Bulc.io. Emre seu~ sóc10~ no R10 de J,1ne1ro remos c,1pmio Balc,1ur
O
Le1ciio e seu genro Manuel Fernadez Franco {AN, cód. 61, vol. 1, f. 110). Os dois eram ram - scomo exemplo disso cernos 111vencánospos1 mortem do comercunce ·canocd' Fr,111cisco X,1vier
bém, n.i época, ,urcmacadores dos dímnos rea1s no Rio (AN, cód. 61, vol. 1, f. 164), senhores
Pires, fCl[o em 1826, e cu¡d fortun,1 fora esnm,1d,1 cm 486: 192$797 ré1s, dos qua1s 313:594$354
de engenho e membros da nobreza dd cerra. Baluz.ir erJ genro de um cx-provedor dd fazend.i
réis eram dividas arivas, dismbuld,1s por negóc10s reahudos com Angol,1, M.1l.1bar, Beng,1ld e
real {Fragoso, 2000c, p. 89 ). Sobre as l1ga~óes Brasil-Angola ver, a1nda, Alencasrro, 2000.
Mo~ambique (Fragoso, 1998).

330
33 1

J..,
CAP I TULO 11 O ANTIGO REGIME N O S TROPIC O S A D I NÁMICA I MPERIAL PORTU G UESA

Apenas a estabiliza~áo política obtida em fü1ais do século XVII permi- Os negócios privados dos governadores os punham em rota de coli-
tiu a gradual substitui~áo de governadores e oficiais formados na tradi~áo sáo com dois grupos: os negociantes do Rio de J aneiro e os contratadores
guerreira por funcionários régios interessados na manuten~iío da paz e na dos direitos de escravos. A disputa com os primeiros, que come~ou em
consolida<;áo da presen<;a portuguesa por meio do tráfico de escravos. O 1677, durou pelo menos 35 anos e girou em torno das barreiras impostas
fim das campanhas militares em Angola nao se deveu, contudo, apenas a aos navíos negreiros que iam para o Brasil. Regras e multas ficticias eram
possibilidade de substituir a guerra pela mercadoria. Na verdade, as cons- problemas corriqueiros quando os navíos tentav~ carregar escravos em
tantes campanhas de captura de escravos organizadas pelos governadores Luanda (AHU, cód. 554, fls. 131 v-132). Os únicos que zarpavam da ci-
amea~avam os interesses de estabiliza~áo e controle do limitado pedai;o dade com escravos eram os que pertenciam ou tinham conexáo com os
de terra ocupado pelos portugueses. Por outro lado, o esvaziamento des- governadores. Pelo met'los duas vezes - sempre em váo - os negociantes
tes em pro! dos negociantes se deu também em fun~áo da sele~áo de pro- do Rio solicitaram direito de carregar escravos livremente em Luanda
dutos considerados adequados a satisfa~áo da demanda africana - os (AHU, Rio de Janeiro, av., ex. 4, doc. 115; AHU, cód. 545; AHU, Rio
produtos "da terra" brasileiros. Assim, o aumento da demanda por escra- de Janeiro, av., ex. 7, doc. 32; Sampaio, 2000, pp. 144-146). Agindo
vos a partir de finais do século XVII impós solu~óes de compromisso que dessa forma, os governadores cobravam o que queriam pelos escravos
incluíam interesses locais e brasileiros - vistos como parte integrante do que vendiam no Rio- tendo acesso ao ouro das Minas Gerais (Sampaio,
sistema político e económico que resultou no segundo Império portugues. 2000, p. 175).
Na época, o início da produ~áo aurífera tornou o Rio de Janeiro es- Tanta influencia fez com que seus negócios afetassem o contrato de
tratégico como porto de entrada e distribui~áo de escravos para as Minas arrecada~áo de impostas sobre os escravos exportados em Luanda. Na
Gerais. Além de importante produtor de a~úcar, o Rio já <lava sinais de época, cabía aos contratadores náo só arrecadar os direitos dos escravos
dispor de vigorosos circuí tos de comércio locais (Sampaio, 2000, pp. 21- como também fornecer moedas para a cidade. Portanto, tratava-se de urna
23; Fragoso, 2000a). Do lado angolano, o resultado era que os governa- figura de respeitável peso político. Devido aos abusos dos governadores,
dores enviavam navíos apenas para lá, em detrimento das o utras regióes os con tratadores amea~avam abandonar a gestáo do contrato (AHU, cód.
brasileiras que transacionavam com Angola- Bahía e Pernambuco (BML, 21, fls. 335v.-337v.; BML, cód. 12, fls. 206v-208). A crise tornou-se mais
cód. 12, fls. 206v-208). 1 A situa~áo causou escassez de escravos no nor- amea~adora quando ficaram claras as dificuldades para encontrar negoci-
deste e aprofundou a op~áo da Bahía pelo tráfico com a Costa da Mina antes disposros a arrematar o contrato. Aí, sim, após o acúmulo de recla-
(Miller, 1991, p. 157; Miller, 1988, p. 461). No caso das Minas Gerais, ma~óes do Rí o e das pressóes dos contratadores, a Coroa comou urna
foram necessárias ordens expressas da Coroa portuguesa para garantir um decisáo que terminou com as disputas. Proibiu que os governadores se
fornecimento mínimo anual de duzentos escravos (AHU, cód. 545). No envolvessem nos negócios do tráfico, sob pena de serem punidos, e abriu
Rio, o monopólio dos governadores também teve conseqüencias econó- o porto de Luanda para o tráfico com todos os portos brasileiros, em 1715
micas <lanosas. Gerou urna infla~áo nos pre~os dos cativos, que pode ter (AHU, cód. 554, fls. 141-142). 2
contribuí do para a diminui~áo do número de engenhos de a~úcar do agro Passada a fase em que os governadores ditavam as regras, o tráfico
fluminense (Sampaio, 2000). angolano tornou-se um negócio dominado por negociantes provenientes
do Brasil. Apesar da pouca utilidade do fumo baiano como moeda de tro-

'Tenrando reso lver o problema, Lisboa criou coras de escravos para cada porro brnsilciro. O
Rio reria 1.200 escravos, enquanro Pernambuco, 1.300. O número de carivos que resr;1sse lAparcnremenre a decasiio s6 passou a valer em 1725 (Corréa, 1937, vol. 1, p . 357; Miller,
seria para a Bahia (AHU, cód. 545; BML, cód. 12, fl. 131). 1991 , p. 159).

34 2 34 3
CAPÍTULO 11 O ANT IGO REGIME N OS TRÓPICOS A OINAMICA IMPERIAL PORTUGUES A

comércio com Macau (a companhia de Macau) estavam envolvidos no ~óes ao Oriente. É um exemplo claro da falta ~e unidade das _po~íticas
conrraband o . 10 pombalinas. Yinha na contramáo do suposto bammento do comerc10 dos
Os freqüentcs casos de contraband o levaram a um questionam ento da pequenos negociantes conhecidos como "volantes", e~ 1755, mas se c~>~
pcdra angular do comércio com o Oriente, o sistema de frotas. Oneroso e adunava coma solu~áo adotada em Angola, onde o tráfico de escravos fo1
incluindo somente navios da própria Coroa, o sistema impedia a partici- "desregulam entado" em 1758.23 • .
pa!jáO das "naus dos particulares". O principal argumento daqueles que O fim das frotas se inseriu num contexto em que Lisboa tentava m-
pregavam mudan!jas demonstra o grau de enfraquecimento do Império centivar iniciativas particulares para retomar o controle das rotas do O ri-
portuguc~ do Oriente . Diziam que náo tinha sentido proibir os negocian- ente. Após o terremoto de 1755, o esvaziamento económico da mctrópole
tes portuguese s de participarem livremente <leste comércio se os estran- era tamanho que poucc,s navios iam ao porto da cidade. Em 1768, por
gciros já tinham acesso franco as fazendas por meio de contraband o ou exemplo, no início da profunda crise que atingiu Portugal durante o
de simples tomada de posscssócs portuguesas na Ásia (Biblioteca da Aju- pombalismo, nenhum navio foi a Goa (Carreira, 1998a; Macedo, _1985,
da, cód. 5 l-Yll-27).ii Sob um estratégico anonimato, provavelme nte de- pp. 40 e 87). O pior era que parte desse comércio tinha caído nas ma~s ~e
vido ao exacerbado mercantilis mo de fins do século XVII, tentavam negociantes "americanos", segundo os membros da Junta de Comercio
demonstrar o anacronismo de um sistema remanescente de urna época em de Lisboa. Sob o pretexto de buscarem escravos por melhores pre~os em
que Lisboa praticamen te monopolizara a distribui!jáo de fazendas na Eu- Mo~ambiqu e, esses negociantes estavam enviando navíos diretament e ao
ropa.
Longe de alterá-lo, porém, Lisboa optou por mais rigidez e impediu
que navios estrangeiro s saíssem das possessóes asiáticas transportan do llPedrearn ace,rn ;i versiio de qne os com1s~ános fornm ba111dos, mdS o f,no é qnc a extensa e
redunddnte legislai;iio conrr.i os mesmos é o melhor smdl de que seu co mérc10 n;¡o acdbou.
fazendas, em 1737 (BCU, 1867, v. 1, p. 412; Macedo, 1985, p. 59). O Em 1757 , por exemplo. d Jnnt,1 do Co mérc10 ex1g111que todos. os. que nnh,1111 recebado docn•
sistema de frotas acabou por ser flexibilizad o em 1753, quando um dos mentos. ,l!esrando niio serem com1ssános trouxe,,e m do 8rds1I documento, comprob.1tóno ,
(ANTI, Junt;i do Comérc1o, L. 104). Em 1760, o, membro, d,1 Junu e11~11uvam q ue ,ipreen·
muitos negociantes estrangeiros que viviam em Lisboa recebeu urna licen~a
der fazendds nlo cr.i Cdsrigo ~uf1c 1enre p,1rd derer os com1~.\nos e que ~eru prec1>0 decreur
real para enviar 11 navíos para Goa. A iniciativa fi cou conhccida como pena d e pn siio por s.e1s meses p,tr.i os mfrarores d.-1 le1 (ANTf, Junc..i do ~omé~c10, L. _106.' fü.
companhia da Ásia. Fracassou em pouco tempo e deixou como rastro um 120v-12 1). Em 1763, 0 controle era ciio rescrito q ue a Junta do Comérc10 env1ava ,1s lisras dos
nav,os que ,am par.i O Br.isil e cobr,lV.i reldtónos sobre a existencia de comissános volantes.
lento processo de liquida~áo de contas.u O legado da maltadada compa- nos mesmos (ANTf, Junta do Comércio, L. 329, íl. 5v.). Relatos de fins do século XVIJI
nhia pode ter contribuído , conn1do, para urna medida de ámbito mais mostram , conmdo, que os comissários continnavam fazendo seu co mércio em v.lrias partes do
amplo, o fim do sistema de frotas, em 1765. Do ponto de vista do comér- Brasil. Em 1789, a Mes;i de lnspe~ao do R10 de jdneiro ordeno u que .,s fazendds d,1s ~essods
suspettil> de serem comi~.in os. voldntes. nlo deverum ser despdchdd.t~. O r~enou umbem ~111e
cio, a medida deu total liberdade aos negociantes para armarem expedi- todos os negociantes, ca1xeiros, praricantes e gnardd Ls. dd pra~ merca1111I do R10 deverum
ser mJmculados em nm .ino ¡ANlT, Junt;i do Comérc10, mdt;O 10, ex. 36). Para md1S recld:
ma~óes sobre os comissános vol.in tes, ver ANTf, Junta do Comérc10, md~O l O, ex. 38; AN17,
.ioDIZl,l•se ene.fo que eles tmhdm mdndddo fdbncdr e venderdm e m Lnanda " ro upas grossas" Junta do Comérc10, L. 1 OO. A sobrev1dd do comérc10 m1údo nnha rcl.i,iio com dS brech,ls. n,l
de M,1can (AHU, cód. 545). A snspciu rtnh,1 fnnd,unento, como mostr,1o Cdso do o mro ndvio própna tegislai;iio qne o regulava. Em 1788, por exemplo, a lista das mercadorus que poda~m
de Macdll que fez escal.1 em Luandd e novdmente venden fazendas ;isi.lricas, em 17 17 ( AHU, ser transacionad;is pelos "mesrrcs, ofic1dis e homens do mar que navegdm desee remo PM~ o
cód. 545) Brasil" fo 1 aumentada (ANTf, Junta do Comérc10, L. 126, íls. 32-35). Ver rambém Pedre1rd,
"P,1rd ,1 perdd de possessóes nd Asu, ver Rnssel-Wood, 1997, p . 42.; e H;inson, 1981, p. 131. 1995, pp. 71, 107, 109. O cxemplo da desregnlamenm ;ao do tráfico.'111golano é usado por
11~egundo FdkOn,
as d ificuldddes dd comp,w hu fo rdm provocddas porque¡¡ Coroa niio hon• Falcon - que também acreditil no f1m dos comissános volantes- para ilustrar o carárer díspu
rou o co mprom1ss0 de 1sen~iio fiscdl m1c1alme11te concedido (Falcon, 1983, p. 470). Pedre1ra, d.1s políncas pombdlinds (Falcon, 1983, pp. 474-475). Este úl11mo .ispecto ÍlCd também pd-
por o urro lado, subhnhd que d perdd de um dos ndv1os dd companhrn que vmh;i d;i India pode tente na anáhse de M.1cedo, qne Afarnu que .1s polí11cas pomb,1 1111,1s se pd11tdv,1m pelo caráter
rnmbém ter co ntnbuíd o p,1ra d falencia dd comp;inh,a (Ped rc1ra, 1995, p. 110).
emergencia! e pel..i fa lca de pl;inejamento (Macedo, 1985, PP· 72 e 88).

354
355
O ANTIGO REGIME N OS TROPICOS A OINAMIC A IMPERIA L PORTUGU E~A

47v.). 50 Atraindo ain<la mais os navios da carrcira da Índia para Portugal , ros concent ravam seus negócios em Luanda e Benguela, os estrange iros
a medida levou ao "abarrot amcnto" dos armazén s da Casa da Índia com reinavan1 absoluto s no norte de Angola. Analisan do a situa\;áo, em 1779,
fazendas de negros. Do lado angolano, contudo , longe de scrcm positivo s, as autorida des lisboetas diziam que náo podiam "ver sem grande dor que
os refl exos se traduzir am no cxccsso de fazendas asiáticas introduzidas os domínio s do Brasil tenham absorvid o em si todo o com ércio e navega-
por negocian tes " lisbonenses" que disputav am o controle do tráfi co com fiíO da costa da África, com total exclusiío de Portugal, e que aquela parte
os brasileiros (Correa, 1937, vol. 1, pp. 48-49; Miller, 1988, p. 500; Miller, que os úrasileiros niío fazem, pare todo em poder de naf6es estrangeiras"
1989, p. 391). Desconh ccendo as filigranas do comércio angolan o e sem
(AHU, cód. 549).
as alian\ras que os brasileiros tinham com as fam ílias locais, os "lisbone nses" Em 1794, um navio portugu es foi ao norte e estimou em 29 o número
tinham grandes difi culdades para obtcr retorno nos invcstim cntos feiros de navíos negreiro s na regiáo (AHU, cód. 1633). Lisboa perdia duplamcntc
em Angola (BML, cód. 24, fl. 103; ANT1~ Junta do Comércio, Livro 121 , coma situa~áo . Primeiro , nao recolhia imposta s sobre os escravos expor-
fls. 8v-9v.}. 5 1 O resultad o fo i cscasscz seguida do conseq üente aumento tados. Segundo , os embarqu es se tornaram táo intensos que fizcram min-
de pre~os dos panos asiáticos. si guar os negócios em Luanda e Benguela. Parte do cxito dos estrange iros
vinha da carreta percep~áo africana de que fazer negócios com os portu-
gueses náo era vantajoso. Como os últimos náo tinham nenhum porto no
TRÁFICO E GUERRA NO NORTE DE ANGOLA
norte, os afri canos daquela regiáo tinham de viajar até Luanda para ven-
der seus escravos. 53 No caminho , viajavam por diferent es territóri os e ti-
A crise creditíci a provoca da pela escassez de /azendas de negros se somou
nham de pagar imposta s a vários chcfes locais - sem contar os riscos de
aos crescentes embarqu es de cscravos feitos por estrange iros (ingleses,
ataques. O resultad o se refletia no prec;o dos seus cscravos. Náo conse-
franceses e holande ses) no norte de Angola. Localizados entre o Ambriz e
guiam competir com o principal forneced or de cativos para Luanda, a tcira
Cabinda, esses embarqu es tinham come~ado há pelos menos um século e
de Kassanje. Em tempos de paz, as caravana s de escravos de Kassanjc tJ-
eram, portanto , um problem a já crónico em fins do século XVIII. Na época,
nham prote~áo de milícias e náo pagavam imposta s para chcfes locais no
o problem a agravou ainda mais a perda de controle portugu es sobre o
tráfico provoca da pelos invest1m e11tos brasileiros. Enguant o os brasilei- caminho para o litorai. 5•
Os temores lisboetas cm relac;áo aos estrangciros se fundava m no exem·
plo anterior da Costa da Mina (AHU, cód. 554, fl s. 243-243 v.; 163v-16 4;
10 Jn 1c1,tlmente b~neficund AHU, cód. 909). Lá, o <lomínio holande s rornou-s e táo procmin ente que
o ,1pen,1s Go,1, o d1re1to de bnlden(tio fo, umbém estend,do ils pos•
sessóes portuguesa s de D,u e Dam,io em 1788 (AHU, cód. 962, fls 137-141 ). Antes
mesmo de os navios que navegav am com bandcira portugu esa tinham sérias difi cul-
., medid,, ser oficializ.ida, a Coroa ¡,I concedi.1 o dire,to de "baldc.t)lo ", que na pránca
s1gni•
ficd va que dS mercado rias asi.íricas desembarc adas em Lisboa pagariam apenas 4% dades para embarca r escravos na primeira metade do século XVII I. Os
de impos•
ros. A medida reve efeiros quasc imediatos. Enrre 1782 e 178 4, 34 navios fo ram expedidos
de mais at etados eramos "morado res da Bahia" - q ue controla vam o rráfi-
Lisbo,1 par,, o O riente (AN1T, Junta do Comérc10, Ls. 121 e 122; Carreira, 1998a,
p. 8 19).
11A,nda em 1786, .•pós L11,1nda
te r recebado m.11s de 12 navios de Lisboa e m me nos de 16
me,es, o govcrnado r Mossamed es sugcriu que o exccsso na oíeru de mercadoria s podcria
rcr
conseqUén crns maléficas. Ver ofíc,o do governado r de Ango la, Mossamcd es, para sioíic,o do GovernaJ or Je Angol,1, Anron,o Je V,,sconccllo,, p,u,1,Sebas11.io Xdv1cr
Marr111ho de Mcn ·
de Mello e Castro em 18 de p neiro de 1786 (AHU, Angola, av., ex. 71 ). dom;a Funado em 30 de ¡anc,ro de 1762 (AHU, Angol,1, ,,v., ex. 45).
llQfíc,o do govern,,do r de Angol,1, M,,noel de Alme1da Vasconcello s, para Marnnho l4Qíício do go~rnaJ or de Angola, Moss,1mcdcs, para M,,rnnho de Mello e C,1s1ro
de Mello cm 16
e C astro em 2 1 de serem bro de 1795 (AHU, Ango la, av., ex. 82). Oííc,o do govem d e m,,r~o de 1787 (AHU, Ango l.1, .,v., ex. 72). Além disso. hav,a umbém o d,,do íund,1 11
ador de me_ •
Angold, Manoel de Alme1d.1 e V,t>concello,, p,,ra L1112 P11110 de Souu cm l8 de ¡nlho tdl de que ,1s íazendd> o feree1d,1s pelos cstr,111ge1ro~ er,1111 melho rcs e m,11s b,1rat,1s
de 1796 (Corred
(Angola, Angola, av., ex. 84).
vol. 2. p . J 9).

366 367

4,,
CAPITULO 11

regiáo em detrimen to de Luanda e Benguela (AHU, Rio de Janeiro, av.,


71
ex. 131; Al IN, cód. A-1-4, fl. 124). Seu interesse pelo norte era porque
lá náo precisavam pagar impostos na saída de escravos. Além disso, a
mudani;a servia também para livrá-los do protecion ismo que Lisboa esta-
va entáo pondo em prática em favor dos negociantes reinóis que tenta-
vam investir no tráfico luandense.
A mudani;a se faria sentir durante toda a primeira metade do século XIX.
Tornaria os brasileiros herdeiros de redes de comérci o que os fariam autó-
nomos em relai;áo ao sempre problemá tico fluxo de escravos de Kassanje. CAPITULO 12 Texteis e metais preciosos:
Consolid aria o domínio brasileiro nas últimas décadas do tráfico angola- novos vínculos do comércio
no, além de criar condii;óes para continuar embarcan do escravos mesmo indo-brasileiro (1808-1820)
com o aumento das prcssóes antitráfic o britanicas em 1830 (Ferreira,
1996). A lógica do tráfico seria entáo sempre se expandir no sentido do Luís Frederico Dias Antunes
norte. Dessa forma, o mesmo sobrcviveria ao fim dos embarque s em Lu-
anda, em meados da década de 1840, e ao próprio fim das entradas de
cativos no Brasil (1850). Ainda sob comando brasileiro , seria entáo reor-
ganizado, na sua última fase, para alimentar seu único mercado nas Amé-
ricas-Cub a.

71 Na d écadd de 1790, ., m11dd11~d se reflenn 11.,s rcpcrid.<s recl,1111,,~ócs dos governadore s de


Angold " rcspeiro d" ,.,ise11c1d cm L11.111dd Je 11,,v,os pM.< emb,,rc.<r eserdvos (Al IU, Ango l.<,
.<v., ex. 8J; e AHU, Angold, ex. 84). P,,rd reorg,<111u~~o do rr.H,eo em fnn~ao dos mreresses
brasile1ros dpós o fim dos cmb.<rques dos ingleses e fr,111cescs, ver Millcr, 1988, pp.117, 507-
508; M,llcr, 1989d, p. 402; e M,ller, 1999, pp. 10- 11. A m11d.<11~,. se Ídru sennr no R10 de
J,111e1ro, o nde os registros porru.iraos mo~rr.,m que c .. bmd .. , e 11~0 L11,111dd, fo, o 111,uor forne-
ccdor de escr,1vo~ cnrre 1810 e 1830. Ver Flore1111110, 1995, p. 89.

378

b
A D I NÁM IC A IMPERIAL PORTUGU ESA
CAPITULO 12 O ANTIGO REGIME NO S TROPICO S

No essencial, a abertura do comércio do Oriente a privado s apenas espingar das, ferro, panos, bebidas alcoólicas, arroz, carne salgada e ou-
pretendc u aumenta r o rendime nto da navega~áo e do comérci o sem alte- tros mantime ntos. 11
rar a cvolu~áo da Cnrreira dn Índin. O grosso das patacas de prata ficava nos bolsos dos bnneane s, dos
governa dores e outros destacados oficiais da adminis tra~áo portugu esa de
Talvez seja importa nte sublinha r que o interesse do Estado de finais
Mo~amb ique. Freqüen temente , os comerci antes indianos transfor mavam
~o setecen~os no comérci o foi muito diferente daqucle do Estado quinhen -
as patacas espanho las em jóias femininas como forma de entesou ramento
t1sta. Em l111has gerais, enquant o este foi concorr ente dos comerci antes
ou refundi am-nas em mitras mocdas indianas e portugu esas para, nesta
privado s por ser parre diretam ente interessa da nos negócios, 0 Estado da
opera~áo "alquím ica", se beneficiar coma falsifica~áo. Aliás, a recunha gem
viragem do século XVIII já procura intervir na ordem econó mica de modo
de patacas espanholas com marcas de valor mais elevado foi igualme nte
a criar o quadro instituci onal mais propício ao desenvo lvimento da ativi- urna prática comum em Mo~amb ique, devido a contínua falta de moeda
dade dos particula res, ou náo fosse um Estado progress ivament e domina- portugu esa na colonia. A sistemát ica introdu~ áo de armas, muni~óe s e
do pela burgues ia nacional.
pólvora, por influenc ia direta do intenso tráfico de cscravos com as ilhas
A navega~áo e o comérci o portugu cs interasiá tico também se benefi- francesas, provoco u profund as altera~óes na sociedad e macua na medida
: iaram com o fato de a Coroa náo ter particip ado no confron to anglo- em que contribu iu para o aparecim ento de chefatur as com maior poder
frances, sobrctud o após a exp ulsiio dos franceses do continen te indiano bélico. No final do século XVIII, os macuas impedir am por diversas ve-
'
em 1778. zes, pela for~a, que milhares de escravos e carregad ores de marfim atra-
Mo~amb ique, colonia que desenvo lveu pelo menos desde a década de vessassem suas terras em dire~áo a ilha de Mo~amb ique, interrom pendo,
1730 urna rota negreira bem organiza da com Madagascar, Mauríci as (ile- assim, o comércio terrestre de longa distancia praticad o pelos mujaos. De
igual modo, o enorme afluxo de armas utilizada s na ca~a ao elefante para
de-France) e Bourbon (Réunio n), viu crescer o comérci o de escravos com
obten~á o de marfim, mercado ria de grande valor no comércio asiático,
:15 ilhas do Índico, a partir do moment o em que os franceses expulso s da
contribu iu para o aprofun damento da especializa~áo das tarefas e para o
India se transferi ram para as Maurícias. Entre 1790 e 1794, negocian tes 1
refor~o do poder económ ico das chefatur as maraves , macuas e mujaos i
portugue ses e bnnennesw de Mo~ambique vendera m legalme nte urna média
(Antunes, 1998, pp. 88-91).
de 7.000 escravos por ano para as planta~óes das ilhas Mauríci as e de Sáo
Para Mo~amb ique, partiam anualme nte um ou dois navios de Goa,
Doming os. Em troca, os franceses deixavam anualme nte mais de 100 mil
Damáo e Diu carregad os com cerca de 1 milháo de panos de várias qua-
patacas em Mo~amb ique, para além de grandes quantida des de pólvora , lidades, de tecido multicol or, provenie ntes do Guzerat e, e mi~anga de

referir ape-
"Por serem cerca de c111co dezenas de documento s a screm citados, opumos por
Ba11ea11e, vocábulo de origem s.inscriu, v1111ii, que significa mercador, e va 11i-ja11a, homem
10
mesmos se enconrram : A.H.U., nas ex. 60 a 66 que abran-
Na docu- n,1s o Mq111vo e as c,1ix,1s onde os
de ncgócio; cm gnzerAte, va11io (sing,) e vr111iya11 (plur.) ncgocianrc , uegoci,inre s. 1790 ,1 1794.
aplic.1do a gem os ano~ de
menr,1~:io portuguesa , ba11en11e era um termo funcional guzerare muiro utilizado e 12Os macnas, os marnves e os mujaos, 5;¡0 povos matrilinea res da regiiio sctentrion al de
da fndia
qualquer comercian te hindu, tal como o termo cl,atim era aplicado ao mercador Mo,;ambiq uc. As mnlheres ocupavam- se dos trdbalhos agrícolas, enquanro os homens
se dedi-
ba e e era um vocAbulo apli- a
mend1011al e do arq111pélago mala10. Na ma1or p,1rte d os casos, 11 1111 cavam a ca,;a, nomead.tm cnre do elefante, procur,1vJm obter sal, produto essenc1;1l co11ser-
banca e da
cado a membros de diversas castas h1ndus e ¡amas que faz 1am do comércio, da va,;ao dos alimenros, e produZJam armas e urensílios de trabalho em ferro. Os maraves do
aré os mu~ulmano s, que no enc.into sao maas facil- de
usur,1 suas pr111cipa1s profissóes. Por vezes, Bororo, regiiio que se sirua a norte do rio Zambeze, eram, aind;1, exímios na confec~ao
enre 111cluídos naquel,1 c,itegoru (d. Dalgado, 1919, em c0UJlllltO com fios
mente ide11r1f1cad os, foram 111corret,1m macl11ras,panos africanos que mco rporavam texcc1s de ongem indiana
vol. 1, pp. 93 -94.). de algodiio cru de produ~iio mo,;amb1ca na.

390 39 1
Q ANllúU KtUIMt NU) IKUl"'I\..U) "°' L.llf'i,.._,MI"-'"' 1w1r;;,n,..,.'- r....,n,.,...,..,,__.,...,
CAPÍTULO 12

O r ecurso ge neralizado as letras de cambio o u hundis 16 pelos extensao da rede mercantil da família Camotim Mhamai 17, urna das mais
negociantes p~ivados e firm as coi:nerciais indi anas e indo-por tuguesas importantes casas comerciais de Goa. Muitos dos membros da fam ília
no Estado da India e no resto da Asia foi, em muitos casos, estimul ado viviam de rendas agrárias em diversas comarcas da regiáo de Salsete, al-
po r form a a consolidar a carteira de cl ientes e controlar o mer cado. guns foram rendeiros do tabaco, contratadores e fornecedores do arsenal
Essa prática fo i utilizada, por exemplo, pelos baneanes g uzerates na naval, outros se dedicaram ao comércio de texteis, mantimentos, escra-
costa ori ental afri cana quando, no in ício do século XVIII, co ncederam vos e ópio, acumulando esses negócios com a atividade seguradora e de
avales, aceitaram letras, emprestaram grandes som as em dinh eiro a corretagem. No que rcspeita aos métodos e práticas comerciais, o acervo
juros e cederam enormes quantidades de panos de negro a co mercian- documental da Mhamai 1-louse conserva apólices de seguros marítimos
tes po rtugueses e africanos, de modo a torná-los dependentes do cum- de navíos de Surrate, Damáo e Goa, cartas e recibos de empréstimos de
primento das <lívidas. Para os baneanes, náo era conveni ente que a dinheiro a juros, letras de cambio e outros instrumentos de crédito sobre
<l ívida fosse to talmente saldada. Eles procuravam mante- la dentro de transa~óes a distancia com firmas inglesas e francesas e, ainda, com co-
limites economicamente aceitáveis tendo em vista prossegu ir O mo no- merciantes brasileiros, entre os quais salientamos Simáo da Rocha Lou-
pólio com ercial. Nem mesmo os elevados m ontantes de crédito e os reiro, Joao Martins Barroso, António José Viegas, Rufino Peres Baptista,
juros de reembolso difícil o u irrecuper ável demoveram os úaneanes de Esteváo José Araújo, Francisco José Colffs e Casimiro Viúva e Filhos.
co ntinuarem a atividade bancária e desenvolverem o tráfi co de mar- De igual teor sáo bs códices do Copiador Europeano pertencentes ao
fim, o uro e escr avos mo~ambicanos, porq ue constituíam prejuízos pre- fundo designado Feitoria de Surrate (H istorical Archives of Goa), em
viam ente calcul ados. particular a correspondencia dos membros da família Loureiro com ne-
Acontece que um dos problemas com q ue defrontamos é que os Ma- gociantes brasileiros, europeus e indianos de quem eram corretores (Car-
pas nao fo rnecem a identidade dos negociantes envolvidos no comércio reira, 1998, pp. 107-115).
indo-brasileiro, pelo q ue se torna difícil estabelecer a rela~ao direta entre Concl uindo, é seguro que parte do dinheiro brasileiro nao conta-
o comprador que usa um instrumento de crédito e o vendedo r o u o avalista bilizado nos Mapas seria mais tarde enviado de acordo como estipulado
que o aceita. Acresce ainda que, ao contrár io do q ue acontece nos arqui - nas letras de cambio. Essa forma de comerciar, que seguia a regra da com-
vos brasileiros que conservam no seu espóli o inventários post-mortem, pensa~áo mútua das <lívidas de modo a evitar o transporte de volumosas
processos de falencia e balan~os de casas comerciais, nao é freq üente en- quantidades de moeda, indica o elevado grau de confian~a relativamente
contrar-se nos arquivos de Goa documenta~ao similar q ue nos permita ao seu pagamento (Borges, 1998, pp. 672-683; Souza, 1995, pp. 931-947;
avaliar o peso da atividade e a riqueza dos comerciantes hindus e indo- Pinto, 1994, p. 80).
portugueses q ue parti ciparam no comércio indo-brasileiro entre 1809 e Outro aspecto a ter em conta na explica~áo do desequilíbrio das tra-
18 19. Ainda assim é possível constatar, pela correspondencia da Mahmai cas comerciais entre Goa e o Rio diz respcito ao contrabando. Fato real
Ho use (Xavier Centre of H istorical Research), o poder econó mico e a
•-c,1111011111 é ,, ..:orruptcl.1 J o termo ..:011~.1111 KA111,1t, qnc ~1g111f1..:A "111,pctor Jo, ..:A111po,, Agn ·
mensor" e está historicamcnte Assoc1,1do i\s comunidades agrícol,ts. As ongens e á evoln,;;¡o
16 históric,1 dA f,tmílrn CamotJm est.'io mu,to longe Je estAr <lecifradAs porque o nomc foi
H1111d1 é um termo que deriva do siinscrit0 111111d, que significa cobrar, coletar, recolher. Os mer-
freqilen temente usado como ",1knnh,1" <lcnv,tdo do f.tro de o ofíc,o ser hcrcd,táno . Nc111 111csmo
cadores portugueses de Surrate e Bombaim recorriam freq licntemeute aos servi~os de um sarrafo
comos documentos em línguas enropétAs (c. de 1/J dos documcnros sáo escnros cm porrngues,
(cambista ), que emitía l11111dis que av;iliz.wam o dinheiro a transferir. O n seja, o comerciante faz,a
francés, ingles. O restante está cscnro cm caracteres madi, guzcrnte e sánscrito) d1sponívc1s
um depósito cm dinheiro no cambista e cm troca obtinha um lnmdi dirigido a um agente sen qne
no arquivo do XAvier Centre of H1storic,il Rescarch (Goa) foi possívcl identificar .1, o rigens
trnb;ilhava no loc;il de trAnsferenciA. O l11111di era o eqnivalente a 11111a letm de ctimú,o e consnmí,1
urna ordem de pagamento que se baseava apenas ,u confian~a dos agentes envolvidos. da famíliA Mahmai CAmotim .

403
402
••••• ... . ........... - · · _ _ __
Mt:UIMt NU) IKVr't'-.v :, "'..,,,,."'""',__
0 ANTIGO
CAPITUL O 12

mana, geralm ente africana, mas ao contrár io dos panos asiáticos cram mer-
vos poder'. ª ser obtido pelo aprisio nament o realizado em guerras e pilha-
cadoria s que se exporta vam sem serem manufa turadas . O marfim mo-
gens nos diversos estados africanos (Miller, 1988, pp. 482-531; Dias, 1998,
c;ambicano só era trabalhado e transfo rmado em pe<;as de arte na Índia.
pp. 325-34 8).i Ainda que se queira identificar a "produ<;áo" de um es-
9
Por outro lado, o comérc io african o, cssencial para a econom ía brasi-
cravo com seu processo de gcsta<;áo e crcscim ento, facilmcnte se consta-
leira e bem conhec ido dos comerc iantes luso-brasileiros, tinha uma diná-
tará que este era lento e tinha alguma despesa, mesmo que mínima com
mica um pouco diferente cm rcla<;áo ao asiático. Os principais instrum entos
~imen.~a<;áo, ac~ndi cionam ento e transpo rte para garanti r O pre<;~ das
comerciais até eram semelhantcs: o crédito e o seguro, por exempl o, eram
pe<;as , que vanava segund o a complei<;ao e robuste z, além do sexo ida-
familiares aos negociantes luso-angolanos e luso-brasilciros, mas seu exer-
de e proven iencia. Prosseg uindo essa linha de pensam ento, pode:-s e-á
cício estava adaptad o as exigencias e ao ritmo relativa mente mais lento e
afi~mar que houve interve11<;áo no process o "produ tivo" quando se ex-
prolong ado do comérc io africano. Segundo Castro Hcnriq ues, embora "o
clu1u um número significativo de mulher es dos conting entes de escravo s
crédito concedido aos pombeiros e aos aviados african os [do estado do
para que pudess em reprodu zir e recomp or a perda de popula<;áo causada
Kassanje fosse] muitas vezes aleatório /airu./a assim mio seria] tño ruinoso
~ pelo tráfico (Miller, 1988, pp. 167-168).
como se le em muitos textos portugueses". Também no espa<;o Quioco as
As questóe s relacio1~adas a naturez a das mercad orias mo<;ambicanas
opera<;óes de crédito no comérc io de longa distancia, garanti das por co-
usadas no comérc io do Indico náo foram, no essencial, muito diferen tes
das angolan as. mercia ntes e agentes portugu eses oitocen tistas, incorre ram em "falta de
rendibi lidade" (Henriq ues, 1997, pp. 537 e 608).
No caso dos escravos da Zambézia, apenas real<;amos que eles tarnbém
Enguan to isso, o acesso ao crédito na Índia era um ato ancestr al e
poderiarn provir da popula<;áo dependenre de um prazo, que seria coerci-
bastant e dissem inado em toda a cadeia comercial. Vejamos sucinta mente
varnente recolhido e vendido pelo pmzeiro aos traficantes franceses brasi-
como se processava a aquisi<;áo de texteis que eram exporta dos de Diu
leiros e baneanes. Quanto ao marfim mo<;arnbicano, que compa rativ~e nte
para o comérc io de Moc;ambique. O primeir o aspecto a salienta r é que,
ao angolan o teve um maior peso económico nas balan<;as comerciais e urna
desde finais do século XVII, todo o process o, da produ<;áo a comer-
grande importa ncia nos negócios com o exterior, também era majoritaria-
cializa<;áo final, foi conduz ido por indiano s. Os baneanes mais ricos ou
mente obtido por meio de ca<;adas organizadas pelos nativos. Quanto a
deslocavarn-se aos centros texteis para proced er as encome ndas se tives-
extra<;áo do ouro mo<;ambicano - que no século XVIII era urna mercad o-
sem rela<;óes com os mercad ores locais ou faziam uso do correto r, um
ria de valor residual no comércio externo da coloni a-, é import ante sali-
agente comerc ial que, com sua reputa<;áo e poder económ ico, garanti a a
entar que era as diferentes autoridades africanas que compet ia organiz ar 0
confian<;a do negócio e prestigiava o nome de quem dele se servia. Em
trabalh o, recolhe r a produ<;áo, negociar com os comerc iantes portugu eses
ambas as situa<;óes, o negócio avan<;ava na base do crédito . Os correto res
e asiáticos e redistribuir os ganhos pelos seus depend entes nas zonas onde
adquiri am as fazendas por grosso em Surrate , Camba ia, Bomba im ou em
se localizavam as minas.
outras cidades guzerat es menore s por meio de contrat os realizad os com
Em suma, tanto o marfim como os escravos african os eram mercad o-
centena s de baneanes de diferen tes castas, que, por sua vez, davarn em-
rias de naturez a específica. Para sua obten<;áo concor ria a ativida de hu-
prego a milhare s de tecelóes daquela s cidades e aldeias vizinhas. Nos con-
tratos entre os correto res e os comerciantes baneanes, apenas urna pequen a
est.t qucsrao, parte era entregu e em dinheir o vivo; a outra só seria saldada no final do
ªO processo de .¡quis1~.io de cscravo~ em Angol.1 fo1 complexo. Para ,1profund dr
nomeAdd menre no que respe1td ao pdpel do con¡nnro de esudos que med 1 •
.1s re .i~oes
1avdm negócio. Era com esse dinheir o que os baneanes avan<;avam com o paga-
.
mento de urna fatia muito reduzid a do salário dos tecelóes e compra vam
d
enrre d L1111da e os d1ver~os portos d,1 costa oc1dentdl afnc.¡n,n e d, 1m p Or r·,lllCI.I OS COmerCl,lrl·
tes .¡fnc.1110s no serr.io, ve¡,1-se, entre ourros, Miller, 1988 e Dias, 1998, pp. 325-348.

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OCEANO ÍNDICO

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A Costa Oriental Africana


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