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17/04/2024, 12:03 Reflexões de um Jovem sobre a Escolha de uma Profissão

Reflexões de um Jovem sobre a Escolha de


uma Profissão

Karl Marx

10/16 de Agosto de 1835

Primeira Edição: Archiv für die Geschichte des Sozalismas und der Arbeiterbewegung, Ed. K. Grünberg,
Leipzig, 1925; escrito entre 10 e 16 de Agosto de 1835.
Fonte: https://www.marxists.org/archive/marx/works/download/Marx_Young_Marx.pdf
Direitos de Reprodução: licenciado sob uma Licença Creative Commons.

A própria natureza determinou uma esfera de atividade no qual os animais devem se mover,
e eles pacificamente se movem dentro dessa esfera, sem tentar ir além ou sequer suspeitar de
outra.

Para o homem, também, a divindade concedeu um objetivo geral, o de enobrecer a


humanidade e a própria divindade. Mas ela deixou para o homem a tarefa de buscar os meios
pelo qual esse objetivo pode ser alcançado, deixou para os homens o trabalho de escolher a
posição na sociedade mais adequada a cada um, a partir da qual cada indivíduo pode elevar a si
mesmo e a sociedade.

Essa escolha é um grande privilégio do homem perante o resto da criação, mas ao mesmo
tempo, é um ato que pode destruir sua vida, arruinar seus planos e fazê-lo infeliz. Uma
consideração séria dessa escolha é, portanto, a primeira tarefa de um jovem que está começando
sua carreira e que não quer deixar suas questões mais importantes ao acaso.

Todos possuem um objetivo em vista, o qual ao menos para o possuidor parece ótimo, e
realmente é quando sua mais profunda convicção, a mais profunda voz de seu coração, pronuncia
que se é ótimo. A divindade nunca deixa os homens totalmente sem um guia, ela fala
suavemente mas com certeza.

Mas essa voz pode ser facilmente afogada, e aquilo que tomamos como inspiração pode ser
produto do momento, o qual outro momento pode, talvez, destruir. Nossa imaginação, às vezes, é
incendiada, nossas emoções agitadas, fantasmas voam diante de nossos olhos e nós
mergulhamos de cabeça nas mais impetuosas sugestões do instinto, as quais nós imaginamos
que a própria divindade nos apontou. Mas aquilo que nós ardentemente abraçamos logo nos
repele e vemos toda a nossa existência em ruínas.

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Devemos, portanto, examinar seriamente se nós realmente fomos inspirados na escolha de


nossa profissão, se nossa voz interior aprova isso, ou se essa inspiração é uma ilusão e o que
tomamos como um chamado da divindade foi apenas autodecepção. Mas como podemos
reconhecer essa ilusão sem rastrear a fonte da própria inspiração?

O que é ótimo brilha, e esse brilho desperta ambição, essa ambição pode facilmente ter
produzido a inspiração, ou aquilo que tomamos como inspiração, mas, a razão não pode mais
conter o homem que está tentado pelo demônio da ambição e ele mergulha de cabeça no que
esse impetuoso instinto sugere: ele não mais escolhe sua posição na vida, em lugar disso, sua
posição é determinada pelo acaso e pela ilusão.

Não somos chamados a adotar a posição que nos oferece as mais brilhantes oportunidades,
essa não é aquela que, ao longo dos anos que talvez a manteremos, nunca irá nos cansar, nunca
irá amortecer nosso zelo, nunca irá deixar nosso entusiasmo crescer frio, mas aquela no qual nós,
em breve, veremos nossos desejos insatisfeitos, nossas ideias insatisfeitas e então invejaremos
contra a divindade e amaldiçoaremos a humanidade.

Mas não é apenas ambição que pode despertar entusiasmo repentino por uma profissão em
particular, nós talvez a tenhamos embelezado em nossa imaginação e embelezamento é a causa
em razão da qual isso nos parece o que a vida tem de melhor a oferecer. Nós não a analisamos,
não consideramos seus encargos totais, a grande responsabilidade que nos impõe, a vimos
apenas de uma grande distância e distância é algo enganoso.

Nossa própria razão não pode nos guiar aqui, pois ela não é baseada na experiência nem na
observação profunda, sendo enganada pela emoção e cega pela fantasia. Para quem então
devemos nos voltar? Quem pode nos ajudar onde nossa razão nos trai?

Nossos pais, que já atravessaram a estrada da vida e experimentaram a severidade do


destino, nosso coração nos diz isso.

E se mesmo assim nosso entusiasmo persistir, se nós continuarmos a amar uma profissão e
crer que somos chamados para ela, mesmo após examiná-la a sangue frio, após termos
considerados seus encargos e estarmos familiarizados com suas dificuldades, então nós devemos
adotá-la, assim nem somos enganados pelo entusiasmo e nem a precipitação nos leva embora.

Mas nem sempre somos capazes de atingir a posição para a qual acreditamos sermos
chamados, nossas relações sociais têm, até certo ponto, começado a serem estabelecidas antes
mesmo de estarmos em uma posição para determiná-las.

Nossa própria constituição física é frequentemente um ameaçador obstáculo, que não deixa
ninguém burlar seus direitos.

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É verdade que podemos tentar passar por cima disso, mas então nossa queda será ainda
mais rápida, nós estaremos nos aventurando a construir em cima de ruínas, assim toda nossa
vida será uma infeliz luta entre o princípio mental e o físico. Mas quem é incapaz de reconhecer
os elementos conflitantes dentro de si próprio, como pode ele resistir ao tempestuoso estresse da
vida, como ele pode agir calmamente? E, é a partir da calma, sozinha, que grandes atos podem
surgir, ela é o único solo onde frutos maduros se desenvolvem com sucesso.

Apesar de não podermos trabalhar por muito tempo e, raramente, felizes com uma
constituição física que não é adequada à nossa profissão, o pensamento de sacrificar nosso bem-
estar pelo dever, de agir vigorosamente apesar de sermos fracos, continua a surgir. Mas se nós
escolhemos uma profissão para qual não possuímos talento, nunca poderemos exercê-la
dignamente, nós logo perceberemos, com vergonha, nossa incapacidade e diremos à nós mesmos
que somos criaturas inutilmente criadas, membros da sociedade que são incapazes de cumprir
sua vocação. Então a mais natural consequência é autodesprezo, e qual sentimento é mais
doloroso e menos capaz de ser compensado por tudo o que o mundo exterior pode oferecer?
Autodesprezo é uma serpente que roí o peito, suga o sangue vital do coração e mistura-o com
seu veneno de misantropia e desespero.

Uma ilusão acerca de nossos talentos é um erro que se vinga de nós, e mesmo que não
encontremos com a censura do mundo exterior, isso faz surgir uma dor mais terrível em nosso
coração do que a dor infringida pela censura.

Se nós considerarmos tudo isso, e se as condições de nossas vidas permitirem que


escolhamos qualquer profissão que gostarmos, nós podemos adotar aquela que nos assegura

maior valor(1), aquela baseada em ideias cuja veracidade estamos completamente convencidos,
que nos ofereça o âmbito mais amplo para trabalharmos pela humanidade e para nós mesmos
chegarmos perto do objetivo geral para o qual cada profissão é apenas um significado: perfeição.

O valor de uma profissão é aquele que mais ergue um homem, o qual transmite alta nobreza
à suas ações e seus esforços, que o faz invulnerável, admirado pela massa e elevado acima dela.

Mas valor somente pode ser assegurado por uma profissão a qual não seremos apenas
ferramentas servis, mas na qual agimos independentemente em nossa própria esfera. Só pode
ser assegurado por uma profissão que não demande atos repreensivos, mesmo se repreensivos
apenas na aparência, uma profissão onde o melhor pode seguir com nobre orgulho. A profissão
que assegurar essas condições, no mais alto grau, nem sempre é a mais alta, mas sempre é a
mais preferível.

Entretanto, assim como uma profissão que não nos assegura valor nos degrada, nós
certamente sucumbiremos sob os fardos de uma que se baseia em ideias que mais tarde
reconheceremos como falsas.

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Não temos outro recurso senão o autoengano e a salvação desesperada, aquela obtida pela
autotraição.

Essas profissões que não são tão envolvidas com a vida como são preocupadas com
verdades abstratas são as mais perigosas para um jovem cujos princípios ainda não são firmes e
cujas convicções ainda não são fortes e inabaláveis.

Ao mesmo tempo, essas profissões parecem ser as mais exaltadas caso tiverem raízes
profundas em nossos corações e se somos capazes de sacrificar nossas vidas e esforços pelas
ideias que nelas prevalecem.

Elas podem conceder felicidade ao homem que tem vocação para elas, mas destroem quem
as adota precipitadamente, sem reflexão, cedendo aos impulsos do momento.

Por outro lado, a grande consideração que temos pelas ideias as quais nossa profissão é
baseada nos dá uma alta posição na sociedade, aumenta nosso valor e torna nossas ações
incontestáveis.

Quem escolhe uma profissão que valoriza muito, estremecerá a ideia de ser indigno a ela,
ele irá agir de maneira nobre apenas se sua posição for nobre.

Mas o guia que deve nos conduzir na escolha de uma profissão é o bem-estar da
humanidade e nossa própria perfeição. Não se deve pensar que esses dois interesses possam
estar em conflito, que um tenha que destruir o outro, pelo contrário, a natureza humana é
constituída de modo que ele apenas pode alcançar sua própria perfeição trabalhando pela
perfeição, pelo bem, de seus iguais.

Se ele trabalhar apenas para si mesmo, ele pode até se tornar famoso, um grande sábio, um
excelente poeta, mas ele nunca poderá ser perfeito, um homem pleno.

A história chama de grandes esses homens que se enobreceram trabalhando pelo bem
comum, a experiência aplaude como o mais feliz aqueles que fizeram o maior número de pessoas
felizes, a própria religião nos ensina que o ser a quem todos devem se espelhar se sacrificou pelo
bem da humanidade, e quem se atreveria a reduzir a nada tais julgamentos?

Se escolhermos a posição na vida a qual podemos trabalhar pela humanidade, nenhum


encardo irá nos pôr para baixo, pois esses encargos são sacrifícios pelo bem de todos, então não
experimentaremos alegria mesquinha, limitada e egoísta, mas nossa felicidade irá pertencer à
milhões, viveremos de ações silenciosas mas em constante trabalho, e sobre nossas cinzas serão
derramadas quentes lágrimas de pessoas nobres.

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Notas de rodapé:

(1) O valor a que se refere Marx no trecho não é o valor monetário (Value) e sim o valor
pessoal (Worth). Nota da tradução. (retornar ao texto)

Inclusão 03/05/2017

Última atualização 03/08/2017

https://www.marxists.org/portugues/marx/1835/08/16.htm 5/5

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