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DIONISO

Deus do vinho, deus viajante que percorreu o mundo, Dioniso, caçula dos olímpicos, teve uma vida muito
tumultuada antes de se juntar aos outros imortais. Já seu nascimento ocorreu em circunstâncias muito estranhas.
Zeus, deus soberano, era um grande sedutor. Dessa vez, a eleita de seu coração foi Sêmele, filha de
Cadmo,rei de Tebas. Apresentou-se a ela como um príncipe poderoso e obteve seus favores. Mas Hera, esposa
ciumenta de Zeus, estava atenta e decidiu se vingar. Sob a aparência da ama da jovem Sêmele, Hera disse-lhe que
não devia confiar naquele que se dizia "grande príncipe", que podia muito bem ser apenas um vagabundo. Sêmele
deveria pedir ao pretendente que desse provas de seu poder. Logo que se encontrou novamente com o amante, a
moça suplicou que ele se mostrasse como era de fato, caso contrário deixaria de acreditar nele e lhe fecharia a porta.
Zeus ficou apavorado, pois sabia que se manifestasse todo o seu poder divino provocaria uma catástrofe. Os deuses
não podiam aparecer como eram para os mortais. Precisavam se camuflar, assumir uma aparência que fosse
suportável para os olhos humanos. Mas Sêmele tanto insistiu, tanto fez valer seus encantos, que Zeus acabou
cedendo. E, de fato, foi uma catástrofe. A luz foi tão violenta, os raios tão ardentes, que o palácio pegou fogo e Sêmele,
fulminada, consumiu-se nas chamas. Zeus só teve tempo de recolher a criança que estava nela. O que fazer com
aquela criaturinha que ainda não estava plenamente formada? Zeus não hesitou: abriu sua própria coxa e pôs o bebê
dentro dela, para aguardar o momento de nascer.
Foi assim que, algum tempo depois, Dioniso nasceu da coxa de Zeus (os romanos dirão: "da coxa de Júpiter",
expressão que empregam ainda hoje). O pai confiou a criança a Ino, irmã de Sêmele. Mas Hera, levando avante sua
vingança, fez com que ela enlouquecesse, assim como seu esposo. Hermes, o deus mensageiro, recolheu o pequeno
Dioniso, por ordem de seu pai, e o levou para Nisa, região distante situada na Ásia ou na África. Lá, ele foi acolhido por
ninfas, as Mênades, e educado em plena natureza por Sileno, personagem rude mas possuidor de grande sabedoria.
Desse episódio deriva o nome do deus, pois Dioniso significa "Zeus de Nisa".
Essa educação livre e jovial deu seus frutos. Dioniso tornou-se um belo rapaz, perito em cantar e dançar, além
de conhecedor da natureza. Mas seu principal feito foi uma descoberta que iria mudar a vida dos mortais: inventou a
cultura da uva e a arte de extrair dela o vinho. Ele próprio passou pela experiência da embriaguez, e Hera aproveitou
para enlouquecê-Io. Ele só recuperou a razão depois de uma viagem ao santuário de seu pai, em Dodona, onde se
purificou. O deus resolveu então percorrer o mundo para ensinar aos homens sua preciosa descoberta. Iniciou então
um longo périplo, que da Grécia o levou até a Índia.
Acompanhado por seu fiel Sileno, por ninfas e sátiros, o deus foi recebido por Eneu, rei de Cálidon, que levou
sua hospitalidade a ponto de lhe oferecer sua mulher, Altéia. Dos amores de Dioniso e Altéia nasceu Dejanira, futura
esposa de Héracles. Para agradecer a acolhida tão calorosa, Dioniso ofereceu a Eneu a primeira cepa de videira
jamais vista por um mortal.
Na Ática, a descoberta do vinho pelos homens provocou um drama: os pastores do rei, embriagados,
assassinaram seu senhor. Para puni-los, Dioniso fez suas mulheres enlouquecerem. Depois da Grécia, o deus foi para
a Ásia Menor. Na Frígia, encontrou Cibele, a grande deusa da região. Cibele iniciou-o em seu culto, em que, com
danças e transes, era celebrada a renovação da natureza. Dioniso guardou-o na lembrança. Como deus da vegetação
e do vinho, instaurou festas em que se chegava ao delírio através da bebida, da música e da dança. De modo geral, o
costume do cultivo da uva, da fabricação do vinho e do culto ao deus era bem acolhido, e foi se espalhando de uma
cidade a outra, de um país a outro. Só o rei da Síria mandou arrancar as vinhas que Dioniso acabara de mandar
plantar. O deus não aceitou a medida e fez com que o rei fosse morto pela população. Depois de permanecer por
algum tempo no Cáucaso, sempre para introduzir a nova cultura e seu próprio culto, Dioniso partiu para o sul.
Atravessou os grandes rios da Mesopotâmia, o Tigre e o Eufrates, e chegou à Índia. Juntava-se a seu cortejo um
número cada vez maior de homens, mulheres, ninfas e sátiros, todos devotados ao novo culto do deus do vinho. Foi à
frente de um verdadeiro exército que Dioniso entrou nas Índias, que ele conquistou por meio das armas, da uva e
daquela nova forma de religião. As festas rituais deram lugar a faustosos desfiles, em que o deus se apresentava num
carro puxado por tigres, levando o tirso, espécie de bastão em que se enrolava um ramo de videira e com uma pinha
no topo. Ele avançava, acompanhado das divindades secundárias, em meio a gritos, cantos e danças, ao som de
flautas e pandeiros. As ninfas que participavam desses triunfos receberam o nome de bacantes, derivado do nome
latino do deus, Baco. Depois das Índias, Dioniso percorreu ainda o Egito e a Líbia, difundindo a videira e propagando
seu culto.
Mas ainda lhe faltava conseguir a adesão de seus compatriotas. Assim, ele voltou para a Grécia,
acompanhado de seu alegre cortejo. A acolhida nem sempre era muito amigável. O convívio com Cibele e o longo
périplo pela Ásia haviam transformado o deus. Suas longas túnicas orientais, seus tigres, suas bacantes descabeladas
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e seus ritos espetaculares, cujos participantes pareciam ter perdido a razão, despertaram a apreensão dos gregos.
Alguns, como Licurgo, rei da Trácia, e Penteu, rei de Tebas, sucessor de Cadmo, rejeitaram Dioniso por ser charlatão e
o prenderam. Quando era mal recebido, o deus se vingava de maneira terrível: enlouquecia as mulheres do lugar e, em
seu delírio, elas cometiam atos abomináveis, chegando até a matar os próprios filhos! Em sua tragédia As Bacantes,
Eurípides conta que Penteu foi morto pela mãe, que em seu delírio viu-o como animal numa caçada fatal. Para ser
reconhecido plenamente como deus, Dioniso entendeu que deveria tornar imortal sua mãe Sêmele, morta antes de seu
"segundo nascimento". Portanto, deveria procurá-Ia nos Infernos e conseguir que Hades permitisse sua saída do reino
dos mortos. Dioniso trouxe do Oriente o mirto, planta muito apreciada tanto pelos humanos como pelos deuses. Em
troca do mirto, Hades autorizou Sêmele a voltar ao mundo dos vivos. O filho de Zeus, então, pediu ao pai que
acolhesse sua mãe no Olimpo. Em lembrança da terrível cilada que Hera preparara para a infeliz Sêmele, e para ser
perdoado por sua morte pavorosa, Zeus aceitou. Sêmele tornou-se uma imortal, recebendo o nome de Tione, e seu
filho pôde permanecer no Olimpo e ser reconhecido por todos como deus.
Por ocasião de uma viagem às Cíclades, Dioniso avistou, na praia de Naxos, uma jovem encantadora que
chorava. Era Ariadne, filha do rei de Creta, Minos, que acabava de ser abandonada por Teseu, Comovido pela beleza e
pela tristeza de Ariadne, Dioniso, que recentemente obtivera o direito de morar com os imortais, levou-a para o Olimpo
e, coisa jamais vista, casou-se com ela diante dos deuses reunidos. Decididamente, Dioniso não estava agindo de
acordo com as regras habituais de estrita divisão entre humanos e deuses!
Na história da Grécia, a introdução de um culto de origem oriental como o de Dioniso subverteu as
mentalidades. Aos cultos tradicionais se acrescentaram as festas selvagens do vinho e do amor, as bacanais, que
imitavam o cortejo do deus com seus sátiros e suas bacantes desvairadas. Não seria difícil opor Apolo, o calmo deus
da razão, a Dioniso, o deus desenfreado da embriaguez. Mas não é tão simples assim. Ambos capazes de violência
destruidora e de inteligência criativa, eles são complementares e representam as duas faces inseparáveis do espírito
grego. O culto de Dioniso acabou por se implantar de forma oficial no mundo grego. Na primavera ou no outono, as
cidades organizavam grandes festas populares, as dionisíacas. As mais importantes, as grandes Dionisíacas de
Atenas, celebradas no início de março, deram origem a uma forma essencial de arte grega, o teatro. Depois do
sacrifício de um bode, declamavam-se poemas que contavam a vida e os feitos de Dioniso ou de outros grandes heróis
da mitologia. Aos poucos, esses poemas tomaram a forma de peças, cujas réplicas eram trocadas entre atores e um
coro. Essas peças eram executadas em locais expressamente destinados a esse fim e consagrados ao deus. São os
famosos teatros antigos, que foram palco das primeiras tragédias. A palavra "tragédia" vem do grego e significa "canto
do bode", lembrando o sacrifício que deu origem às representações. Além das tragédias, também se encenavam
comédias e dramas satíricos, aos quais assistia o povo reunido.
Em Roma, o culto de Baco, nome latino de Dioniso, também teve grande importância. Houve épocas em que
as bacanais populares, ancestrais do nosso carnaval, provocaram tanta desordem e tanto escândalo, que o senado
resolveu proibi-Ias. Mas persistiu o culto mais secreto, que reunia os iniciados em torno de um sacrifício, chegando a
se tornar uma das formas religiosas essenciais do Império Romano. Os adeptos de Dioniso acreditavam incorporar a
própria substância do deus ao consumirem a carne do animal sacrificado - o corpo do deus - e ao beberem uma taça
de vinho - o sangue do deus.
Na Antiguidade, Dioniso e seu cortejo foram representados com frequência em baixos-relevos e em mosaicos,
cujos melhores exemplos estão na cidade de Pompéia, na Itália. Também foram pintados em inúmeros recipientes de
cerâmica. O deus aparece vestido com uma túnica longa ou com uma pele de pantera, o rosto imberbe e a testa
coroada de hera ou de hastes de videira. Ora sentado num asno ou num tigre, ora em pé, ele leva seu tirso em uma
mão e uma taça de vinho na outra.
Desde a invenção da cultura da uva, os homens não cessaram de homenagear de múltiplas formas o deus do
vinho e dos prazeres da vida.

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