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A jovem Elis tinha como objetivo aprender e se expressar, como artista tinha
a vontade de criar através de sua interpretação quase que cênica das músicas.
Chegando em solo carioca conheceu quem viria a ser seu grande amigo e professor
Miele, que ensinou a Elis muito sobre dança, teatro e potencializou sua performance
para sempre. E neste meio tempo lançou seu primeiro álbum gravado em solo
fluminense e cantando samba desta vez, nascia o disco “Samba eu Canto
Assim”(1965), onde havia uma das minhas favoritas “Menino das Laranjas”. Neste
período Elis começa a criar sua individualidade artística e características no cantar
que a diferenciavam de outras cantoras do mesmo período. Junto deste momento
houve o importante momento na carreira de Elis, quando ela se lançou de vez ao
cantar “Arrastão” no festival da canção, e vencer. Uma jovem moça com a
exuberância de interpretação como a dela passava de desconhecida para a cantora
do povo.
Não podemos esquecer que neste mesmo período, durante toda a trajetória
da carreira da Elis a ditadura militar estava em seu auge e ela sentiu cada um dos
seus momentos e foi afetada por isso. Ao analisarmos a trajetória da artista
podemos perceber sua grande capacidade de se levantar diante das atribulações.
Sendo uma mulher sem familiares na indústria musical para a inserir nesse mercado
ela teve que levantar a cabeça para muitas situações degradantes. Em diversas
canções ela trouxe esse traço de sua personalidade. Na canção “O Bêbado e o
Equilibrista” de Aldir Blanc e João Bosco, por exemplo, a letra e a melodia eram tão
importantes que fizeram da música um hino da batalha travada contra a repressão.
E isso foi notado em diversas pesquisas que demonstraram a força de Elis em
diferentes áreas da vida. Em “Vou Deitar e Rolar (Quaquaraquaqua)” de Baden
Powell / Paulo César Pinheiro, onde ela aborda o fim de um relacionamento difícil e
o trajeto para se recuperar de uma relação como trauma. Tendo estes exemplos
como base podemos ver em Elis uma insistência na vida e uma força que a
manteve de pé por muito tempo, mas que infelizmente não resistiu às dores em
somatória acumuladas.
““Toca o telefone, e é a Elis Regina. Ela disse: eu quero uma música sua.
Deu uma tremedeira nas pernas”, lembra Guilherme Arantes no dia em que a
cantora telefonou pedindo um hit. Ele estava em São Paulo e foi convidado pela Elis
para uma audição no Rio. Não tinha muita coisa para mostrar porque gravava todas
as minhas músicas e ela queria uma inédita.Guilherme voltou para São Paulo e
cinco dias depois estava com a letra pronta da música “Aprendendo a Jogar”,
lançada no álbum “Elis”, em 1980. Era uma brincadeira com os ditos populares que
ele vivia misturando. “Água mole em pedra dura, vale mais do que dois voando,
sabe essas coisas loucas. A Elis gravou e em quinze dias estava nas rádios.
Estourou em primeiro lugar”. O compositor também se lembra de um dos momentos
inesquecíveis ao lado de Elis. “Eu tive o prazer imenso de ter visto os tapes do
Vinicius de Moraes que ela tinha. A Elis era uma conhecedora do âmago de Vinícius.
Não tem como não se apaixonar por uma mulher daquela, é magnético. Está você
com a Elis vendo a história do Vinicius de dentro, isso é uma coisa que eu nunca
vou esquecer.”
Com esse trecho é possível perceber que Elis buscava em Guilherme uma
música para alavancar esse momento de sua carreira. Munida da mensagem de
força e poder “Aprendendo a Jogar” vai além de um hit para fazer dinheiro, virou um
cântico que acompanha quem alcança a maturidade de saber que não se sabe de
nada, que aprendemos com o processo.
1. Análise Musical
O tom dado nesta parte onde os ditados são citados tem a sensação épica da
interpretação cênica de Elis, citada no texto de Taglianetti (BORÉM; TAGLIANETTI,
2014) que lemos e que mostra como a artista
aplicava essa teatralidade nas interpretações, como
não desperdiçada uma sequer palavra sem que seu
sentimento posse incorporado a ela. Ela trás nesta
música uma sensação de pulso mesmo, onde
sentimos quase que cada batida de seu coração,
isso aparece na respiração e impostação de voz em
momentos específicos e a velocidade como as
palavras são ditas. Ela estende a letra “o’ na palavra
mole por exemplo para acompanhar a melodia, e a
letra “u” na palavra dura, para seguir o pulso imposto
nesta ponte antes citada. E no complemento da
frase ela diz “mais vale que dois voando” subindo e
descendo as notas dando a sensação de voo e
mudança de lugar. Então entendemos aqui como
Elis trabalha a teatralidade nas interpretações, assim como explicado em sala de
aula através de técnicas de vocalização, impostação de voz etc.
E a toada da música continua com mais uma repetição das duas estrofes
iniciais nos insistindo em dizer que vivemos e aprendemos a jogar, nem sempre
ganhando nem sempre perdendo, mas estamos afinal aprendendo a jogar. Desta
vez a utilização de vocalizações se intensifica, e chegamos a última estrofe que
aborda ditados populares e nos transporte a finalização da música. Ela entoa então
a frase final, “Quem tem amigo cachorro, quer sarna pra se coçar, boca fechada não
entra besouro, macaco que muito pula quer dançar”, Essa para mim é a mais
coerente e simples de correlação, pois os três ditados citados estão quase que em
sua integralidade, não fragmentados como os anteriores, sinto inclusive que houve
uma gradação entre as estrofes nos envolvendo na linha de raciocínio. O primeiro
ditado está em sua integra, que consiste em “Quem tem amigo cachorro, quer sarna
para se coçar” que nos mostra como não podemos esperar resultado diferente se
sabemos a origem e o futuro esperado de algo. Em seguida temos “Boca fechada
não entra besouro” que eu já conhecia com a palavra ‘mosca” no lugar de besouro,
que acredito que possa ter sido integrada para que uma rima fosse constituída. O
sentido do ditado vem do fato de que muitas coisas podem ser evitadas se você
guardar pra si/ ou seja não falar tudo que te passe na cabeça, mantendo sua boca
fechada. E por fim temos “macaco que muito pula, quer dançar”, que vem da
movimentação dos primatas de galho em galho e que pode ser interpretada como
uma analogia a quem muito escolhe ou muda de posição fica sem, neste caso
“dança” no sentido se perder a vez. Tendo com a união das três interpretações um
grande ensinamento de vida sobre a posição que nos colocamos diante das
decisões que tomamos na vida, na primeira sobre
quem escolhemos ter ao nosso lado, sendo ele o
“amigo cachorro” e as “sarnas” que ele pode nos
trazer, em seguida uma relação ao ditado que nos
mostra que seguir nosso processo e escolher
guardar algumas informações pode nos ajudar e
nos proteger. E por fim não escolher de mais pois
podemos perder oportunidades ao nos colocar
nessa posição afinal quem muito escolhe pode
também encontrar alguém que escolha por ele.
A canção tem sua potência destacada nas duas apresentações ao vivo que
fui capaz de encontrar. A principal foi feita no programa ‘Fantástico” em 1980 e em
uma icônica apresentação no programa apresentado por Gal Costa. Nas duas
apresentações podemos perceber a força com que Elis apresenta a canção e a
potência contida na sua interpretação, que cativa claro a recepção do público. A
música assim como muitas outras feitas anteriormente por Guilherme Arantes foi um
hit e em pouco tempo estava na boca do povo. A letra é extremamente cativante e
demonstra uma mensagem muito forte a quem assim como Elis vinha desde 64
sentindo os trancos da vida de forma mais bruta. A carreira e o enfrentamento da
cantora se deram junto dos passos da ditadura, e isso influenciou muito em sua
saúde mental e o que seria seu futuro não só como artista mas como pessoa.
Em minha pesquisa
encontrei em arquivos imagens
do lançamento do single da
canção, a capa é muito
interessante pois trás uma
estética que eu não conhecia
para o trabalho da artista. A
música faria parte não só do
álbum “Elis” de 1980 como no
álbum póstumo “Vento de
Maio”.
Chegando ao fim de sua carreira Elis tinha como foco os shows e sua interligação
com os álbuns lançados, com isso seu parceiro Mariano a apoiava e incentivava seu
lado artístico. O casal viveu muita coisa e construiu muitas propostas artísticas,
diante de tantas dificuldades tiveram na arte uma chance de sobreviver à ditadura.
Com o tempo, os conflitos interiores de ambos os artistas acabaram por gerar o
rompimento do casal. Com isso, Elis passou por uma fase difícil o que gerou o fim
de sua carreira com seu falecimento. O último álbum tem essa energia de tentativa
final, somado a o último respiro de sua arte, e a pressão da indústria sobre seu
trabalho que contribuiu com seu decline.
Referências
MARIA, Júlio. Elis Regina: nada será como antes. São Paulo: Editora Master
books, 2015.
OSNY, Arashiro (Org.). Elis Regina por ela mesma. São Paulo: Martin Claret, 2004