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UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS - UFG.

ESCOLA DE MÚSICA E ARTES CÊNICAS - EMAC.


DISCIPLINA DE CANÇÕES DE ELIS
PROFESSOR DR. ROBERVALDO LINHARES ROSA

ANA CLARA COSTA DIAS

Trabalho final - Dissertação de Canção


Aprendendo a Jogar - Elis Regina (composição:Guilherme Arantes)

Goiânia, 07 de agosto de 2023.


Trabalho Final - Texto com caráter monográfico

Durante o semestre pude conhecer de perto a trajetória de Elis Regina e


entender melhor cada um de seus passos. A gaúcha nascida em Porto Alegre no
dia 17 de março de 1945, sempre teve uma conexão forte com a música, e sua
família ao perceber a colocou em aulas de piano, e com o passar do tempo Elis
entendeu que gostaria de ser uma pianista erudita, mas sua família não teria como
custear um piano para que ela continuasse os estudos e assim a vida já vinha a
ensinar a ela a primeira lição, de que nesse mundo existem pontes mais duras de se
atravessar. A sua relação com cantoras de rádio como sua grande diva Angela
Maria, da qual Elis declarou ser uma grande inspiração, ensinou que a voz como
instrumento pode ser muito potente e suficiente. Foi participando de programas de
rádios gaúchas que Elis passou a abraçar a música como seu grande objetivo.
Assim vieram seus projetos de início de carreira que eram majoritariamente boleros
clássicos e somados a estética de Maysa, Angela Maria com sobrancelha e olhos
destacados e topete exuberante, o que por um momento fez da menina de 15 anos
a imagem de uma mulher. Com a vinda de “Viva a Brotolândia”, “Poema de Amor” e
“O Bem do Amor”, Elis passou a encarar de frente o mercado da música e passou a
traçar rotas para alcançar seus objetivos. E assim, a artista saiu do Rio Grande do
Sul em 1964 para seguir sua carreira musical no Rio de Janeiro. Ao chegar junto de
seu pai encontrou muitas barreiras para agora ser uma “cantora de verdade”, foi
conhecendo as entranhas do mercado mainstream e se fortalecendo para não ser
engolida. A artista passa a ter contato com a bossa nova e todos os movimentos
que abraçaram este momento da música, e tudo que viria a seguir, afinal ela
desembarca justamente do ano do Golpe Militar e não poderia imaginar cada passo
que teria que dar dali para frente.

A jovem Elis tinha como objetivo aprender e se expressar, como artista tinha
a vontade de criar através de sua interpretação quase que cênica das músicas.
Chegando em solo carioca conheceu quem viria a ser seu grande amigo e professor
Miele, que ensinou a Elis muito sobre dança, teatro e potencializou sua performance
para sempre. E neste meio tempo lançou seu primeiro álbum gravado em solo
fluminense e cantando samba desta vez, nascia o disco “Samba eu Canto
Assim”(1965), onde havia uma das minhas favoritas “Menino das Laranjas”. Neste
período Elis começa a criar sua individualidade artística e características no cantar
que a diferenciavam de outras cantoras do mesmo período. Junto deste momento
houve o importante momento na carreira de Elis, quando ela se lançou de vez ao
cantar “Arrastão” no festival da canção, e vencer. Uma jovem moça com a
exuberância de interpretação como a dela passava de desconhecida para a cantora
do povo.

Passou a apresentar então o programa de Tv “O Fino da Bossa” junto de seu


companheiro de luta Jair Rodrigues, dessa parceria nasceu o disco “2 na Bossa(ao
vivo)” onde cantavam sambas interpretados no show, junto da gloriosa banda Zimbo
Trio do qual nasceria mais um álbum no mesmo ano chamado “O fino do fino”,
munido de muitas canções clássicas e seguindo proposta parecida com o anterior
com Jair. E neste meio tempo Elis conhecia um importante participante de sua
carreira. Ronaldo Bôscoli com quem Elis se casaria e teria seu primeiro filho,
adentrava sua vida, primeiro como produtor e com os conflitos e parcerias nasceu
ali um amor. Foi um relacionamento complexo que teve muita paixão mas muita
mágoa. Durante este período Elis lançava grandes pérolas de sua carreira, era
aclamada por grandes canções, teve um crescimento muito orgânico que veio
somado de duras penas. Após o lançamento de “Ela” seu último álbum ainda está
junto de Ronaldo, Elis então entendeu que era o fim, após muitas decepções
fechava este ciclo, para então abraçar uma nova fase munida de liberdade
emocional, e juventude. A partir de 1972 mudava sua banda e iniciava uma nova
proposta de musicalidade em seu trabalho.

Se juntava agora a um parceiro que a ajudou a se reerguer e conhecer um


amor tranquilo que a inspirava a ser branda e se conhecer melhor musicalmente.
Cézar Camargo Mariano vinha para somar, e construiu com Elis grandes e
aclamados álbuns da artista, e com isto um relacionamento muito pra cima, que
enfeitava as canções e shows teatrais que nasceram dessa parceria. Além claro dos
filhos Pedro Mariano e Maria Rita que João Marcelo fechavam a tríade de filhos de
Elis. Mas como muitos relacionamentos, esse casal acabou após 9 anos de
parceria. Foi um amor que transbordou e que foi muito difícil superar, tanto que dois
anos após Elis iria nos deixar. E neste final de vida Elis trouxe interpretações
tocantes que passavam esse sentimento de uma busca pela força interna.

Não podemos esquecer que neste mesmo período, durante toda a trajetória
da carreira da Elis a ditadura militar estava em seu auge e ela sentiu cada um dos
seus momentos e foi afetada por isso. Ao analisarmos a trajetória da artista
podemos perceber sua grande capacidade de se levantar diante das atribulações.
Sendo uma mulher sem familiares na indústria musical para a inserir nesse mercado
ela teve que levantar a cabeça para muitas situações degradantes. Em diversas
canções ela trouxe esse traço de sua personalidade. Na canção “O Bêbado e o
Equilibrista” de Aldir Blanc e João Bosco, por exemplo, a letra e a melodia eram tão
importantes que fizeram da música um hino da batalha travada contra a repressão.
E isso foi notado em diversas pesquisas que demonstraram a força de Elis em
diferentes áreas da vida. Em “Vou Deitar e Rolar (Quaquaraquaqua)” de Baden
Powell / Paulo César Pinheiro, onde ela aborda o fim de um relacionamento difícil e
o trajeto para se recuperar de uma relação como trauma. Tendo estes exemplos
como base podemos ver em Elis uma insistência na vida e uma força que a
manteve de pé por muito tempo, mas que infelizmente não resistiu às dores em
somatória acumuladas.

Busquei na discografia de elis qual mexia comigo de uma forma diferente e


que fizesse sentido para momentos diversos da minha vida, e assim selecionei
“Aprendendo a Jogar”, a reencontrei em momento pontual, refiz meu carinho por ela
ao ouvi-la dando a devida atenção da forma que aprendi na disciplina. Esta canção
sempre mexeu comigo pela mensagem, mas ao pesquisar entendi por que ela me
atravessou de forma tão forte. A música passa uma mensagem sobre perseverança
de forma bem humorada e mostra a potência que existe no ato de rir dos nossos
processos.

Aprendendo a Jogar é uma composição de Guilherme Arantes feita a pedido


da própria Elis. Nasceu em 1980, no mesmo ano do último álbum de estúdio da
artista, que nos deixou em 1983. As músicas contidas neste disco podem ter um
apelo mais comercial quando colocamos em perspectiva geral, mas trata-se de um
álbum de rebarbas e depois de uma vida dolorida e a carreira existindo junto da
ditadura militar e tudo de pior nele contido. “Elis” de 1980 trouxe o hit instantâneo do
qual irei dissertar neste trabalho. Guilherme Arantes é um compositor paulista, é um
dos poucos pianistas brasileiros a integrar o hall da fama da secular fabricante
teuto-americana de pianos Steinway & Sons, estando em companhia de nomes
como Guiomar Novaes, Franz Liszt, George Gershwin e Duke Ellington. É
considerado um hitmaker, por ter sido o compositor de grandes sucessos
emplacados em sua própria voz e nas de inúmeros outros artistas tais como
Caetano Veloso, Maria Bethânia, Nando Reis, Roberto Carlos, Belchior, Gal Costa e
MPB4. E com Elis não seria diferente, no site de sua filha ao revisitar a discografia
Maria Rita nos mostra a história por trás da canção por mim escolhida;

““Toca o telefone, e é a Elis Regina. Ela disse: eu quero uma música sua.
Deu uma tremedeira nas pernas”, lembra Guilherme Arantes no dia em que a
cantora telefonou pedindo um hit. Ele estava em São Paulo e foi convidado pela Elis
para uma audição no Rio. Não tinha muita coisa para mostrar porque gravava todas
as minhas músicas e ela queria uma inédita.Guilherme voltou para São Paulo e
cinco dias depois estava com a letra pronta da música “Aprendendo a Jogar”,
lançada no álbum “Elis”, em 1980. Era uma brincadeira com os ditos populares que
ele vivia misturando. “Água mole em pedra dura, vale mais do que dois voando,
sabe essas coisas loucas. A Elis gravou e em quinze dias estava nas rádios.
Estourou em primeiro lugar”. O compositor também se lembra de um dos momentos
inesquecíveis ao lado de Elis. “Eu tive o prazer imenso de ter visto os tapes do
Vinicius de Moraes que ela tinha. A Elis era uma conhecedora do âmago de Vinícius.
Não tem como não se apaixonar por uma mulher daquela, é magnético. Está você
com a Elis vendo a história do Vinicius de dentro, isso é uma coisa que eu nunca
vou esquecer.”

Com esse trecho é possível perceber que Elis buscava em Guilherme uma
música para alavancar esse momento de sua carreira. Munida da mensagem de
força e poder “Aprendendo a Jogar” vai além de um hit para fazer dinheiro, virou um
cântico que acompanha quem alcança a maturidade de saber que não se sabe de
nada, que aprendemos com o processo.
1. Análise Musical

Seguindo o método de análise musical ensinado em sala de aula, “Aprendendo a


Jogar” trata-se de um pop
clássico dos anos 70/80 com
um groove inacreditável. A
canção tem como poética
principal o humor, é munida de
uma melodia descolada e da
interpretação teatral de Elis. A
faixa tem 4:09 min, e é segundo
minha leiga interpretação
dividida em; Introdução, A, B,
A’, B’, A”, B”, coda. A canção
tem duas variações que se
repetem três vezes durante
toda a faixa. Elis inicia a canção
com alguns vocalizes seguindo
e quase se mesclando com o
baixo e a bateria que iniciam e
dão o tom da música. Aos
poucos a guitarra entra
complementando. Elis é
acompanhada de backing
vocals que durante o acento
das frases repetem de forma
quase instrumental “Dig dig dig dig dig da cá, ah, ah” quatro vezes e voltam no início
de “A, A’, A” e coda” até o encerramento da faixa. Além da vocalização usada durante
toda a música, o baixo dita o pulso da música, acompanhando a forte letra.

Analisando estrofe por estrofe podemos notar repetições e mudanças de


clima. Como dito anteriormente a música se inicia com o clima já de empolgação e
aceleração. Ela insere um vocalize que imita o som que o baixo está emitindo. Em
seguida ela insere a primeira estrofe de fato com o título da canção, e o repete duas
vezes; “Vivendo e aprendendo a jogar, Vivendo e aprendendo a jogar”, da primeira
vez que a frase é dita para a segundo há uma mudança de nota que identifica o
reforço da mensagem como se fosse uma pessoa refletindo mesmo sobre o tema.
Tendo dado o start a letra ela dá continuidade a linha de raciocínio, e completa uma
conclusão acerca do aprender a jogar com :“Nem sempre ganhando, Nem sempre
perdendo, Mas, aprendendo a jogar”, o que encerra a colocação perfeitamente,
pois, o processo de “Aprender a Jogar” que pra mim é uma metáfora para aprender
a viver é justamente este caminho onde se acerta e erra constantemente mas que
tudo, por fim, é aprendizado. O tom dessa parte dado pela melodia entoada por Elis
mostra justamente o sentimento de aceitação ao intensificar o fim da palavra
"ganhando” e da palavra "perdendo” e completar colocando ar na palavra "mas”
para identificar a aceitação e a fadiga. E assim estava constituída a estrofe que iria
se repetir 6 vezes durante toda a canção, sendo que sempre que aparece é repetida
duas vezes. Toda vez que uma estrofe acaba existe um rápido solo que mais me
parece uma ponte ou até mesmo um acento que faz uma marcação intensificada,
quase que épica entre as estrofes.

Tendo a marcação da estrofe principal definida temos as estrofes variantes


que não se repetem que entram de forma épica com uma letra munida de absurdos
da lógica que completam a energia divertida da canção. Guilherme Arantes colocou
na canção um tipo de brincadeira que a própria Elis sempre fez, de misturar ditados
populares, e assim ele fez em toda a música. A primeira onde vemos vem após as
duas repetições da estrofe principal, ela diz “Água mole em pedra dura, Mas vale
que dois voando, Se eu nascesse assim pra Lua, Não estaria trabalhando” e o
humor está justamente na troca de palavras e quebra de expectativa. Guilherme não
faz a troca a ponto que não faça sentido, ele realoca tentando manter a coerência
mesmo que poética. Nesta estrofe ela inicia acentuando as palavras “mole” e “dura”
assim como havia feito anteriormente na outra estrofe com “ganhando” e
“perdendo”, colocando a importância peso das ambiguidades.Trás um fragmento do
ditado “água mole em pedra dura tanto bate até que fura” no início começando com
essa relação a perseverança e então, segue com a comparação e adiciona “Mas
vale que dois voando” que compõe outro ditado popular, também sobre
perseverança que diz que “mais vale um pássaro na mão que dois voando” e unindo
as duas a linha de pensamento mesmo que seja mais abstrata não fica
completamente perdida pois ele seleciona temáticas que se encaixem para que no
mínimo os fonemas deem uma harmonia narrativa.

O tom dado nesta parte onde os ditados são citados tem a sensação épica da
interpretação cênica de Elis, citada no texto de Taglianetti (BORÉM; TAGLIANETTI,
2014) que lemos e que mostra como a artista
aplicava essa teatralidade nas interpretações, como
não desperdiçada uma sequer palavra sem que seu
sentimento posse incorporado a ela. Ela trás nesta
música uma sensação de pulso mesmo, onde
sentimos quase que cada batida de seu coração,
isso aparece na respiração e impostação de voz em
momentos específicos e a velocidade como as
palavras são ditas. Ela estende a letra “o’ na palavra
mole por exemplo para acompanhar a melodia, e a
letra “u” na palavra dura, para seguir o pulso imposto
nesta ponte antes citada. E no complemento da
frase ela diz “mais vale que dois voando” subindo e
descendo as notas dando a sensação de voo e
mudança de lugar. Então entendemos aqui como
Elis trabalha a teatralidade nas interpretações, assim como explicado em sala de
aula através de técnicas de vocalização, impostação de voz etc.

Seguindo a toada a primeira estrofe se repete sendo a segunda das três


repetições de duas cada. Dessa vez a estrofe tem mesmo que com as mesmas
notas um mudança na forma como as palavras são ditas, Elis adiciona as palavras
dessa vez uma malandragem e até mesmo humor/descontração marcando a
diferença de uma para a outra. E como dito anteriormente, entre uma estrofe e outra
existe essa acentuação as vezes com uma virada às vezes com uma ponte, mas
sempre épica. Mantido o pulso da repetição da estrofe temos a certeza de que
realmente a vida tem seus processos e que um dia ganhamos e outro perdemos,
afinal até aqui já nos foi afirmado quatro vezes. Então chegamos à segunda estrofe
com ditados que tecnicamente é a sexta estrofe. Ela trás desta vez outros quatros
ditados distintos, dos quais irei dissertar, mas a estrofe na íntegra se constitui desta
forma : “Mas em casa de ferreiro, Quem com ferro se fere é bobo, Cria a fama, deita
na cama, Quero ver o berreiro na hora do lobo”. Iniciando a estrofe temos um
fragmento do ditado “Casa de ferreiro, espeto de pau” que se entrelaça com outro
fragmento de outro ditado sendo neste caso “quem com ferro fere com ferro será
ferido” e os dois assim como no caso antes citado tem uma temática semelhante, os
dois usam o ferro como tema mas com mensagens diferentes. No primeiro ditado a
casa de ferreiro se refere às práticas e ações que fazemos com nosso modo para
outras pessoas e o espeto de pau que é o contrário do de ferro exemplifica que para
nós mesmos não temos esse cuidado e potência de trabalho. Já no segundo diz que
quem com ferro fere com este mesmo material, o ferro será ferido, ou seja, o que
você faz volta para você. O sentido de ensinamento/ mensagem não é o mesmo
mas Guilherme usa da temática, neste caso o ferro para entrelaçar a frase por fim
criada “Mas em casa de ferreiro, quem com ferro se fere é bobo”, tendo inclusive
uma alteração creio que de própria autoria do autor, ao adicionar uma crítica
individual onde aponta com quem se fere com o ferro como bobo.

Seguindo a linha de raciocínio temos a continuação da estrofe que diz “Cria a


fama, deita na cama, quero ver o berreiro na hora do lobo”, estrofe essa que é mais
complexa e exige um pouco mais de reflexão por não serem ditados tão conhecidos
como os anteriores. Ela começa com um fragmento de “quem cria fama, deita na
cama” que segundo interpretação popular trás a reflexão sobre como as pessoas se
aproveitam de um trabalho que não é seu, e em seguida outro fragmento do história
infantil milenar de Pedro eo Lobo, onde pedro gosta de brincar dizendo aos amigos
e pessoas de sua comunidade de um lobo na floresta e quando eles chegam não há
lobo algum, e depois de mentir sobre isso tantas vezes quando realmente havia um
lobo ninguém acreditou nele, o que trás a moral da história sobre mentira e respeito.
A união das duas pode parecer muito abstrata e difícil de assimilar, mas com uma
linha de raciocínio mais ousada podemos estabelecer sim uma relação. Na primeira
temos como temática o roubo de méritos e na segunda temos a mentira como
pauta, se relacionando com o tema e o momento que vivia Elis podemos ver como
uma crítica a política como a indústria musical da qual ela travava uma batalha por a
alguns anos estar frustrada por não poder mais tocar o que realmente gostava, e ter
visto chegar a movimentação ultracomercial dos anos 80, e o afastamento da arte
como objetivo principal. Tanto dói essa temática que nesta estrofe Elis acentua e faz
um drive na palavra “bobo” deixando-a quase imperceptível, somado a extensão da
nota ao finalizar a estrofe com a palavra “lobo”.

E a toada da música continua com mais uma repetição das duas estrofes
iniciais nos insistindo em dizer que vivemos e aprendemos a jogar, nem sempre
ganhando nem sempre perdendo, mas estamos afinal aprendendo a jogar. Desta
vez a utilização de vocalizações se intensifica, e chegamos a última estrofe que
aborda ditados populares e nos transporte a finalização da música. Ela entoa então
a frase final, “Quem tem amigo cachorro, quer sarna pra se coçar, boca fechada não
entra besouro, macaco que muito pula quer dançar”, Essa para mim é a mais
coerente e simples de correlação, pois os três ditados citados estão quase que em
sua integralidade, não fragmentados como os anteriores, sinto inclusive que houve
uma gradação entre as estrofes nos envolvendo na linha de raciocínio. O primeiro
ditado está em sua integra, que consiste em “Quem tem amigo cachorro, quer sarna
para se coçar” que nos mostra como não podemos esperar resultado diferente se
sabemos a origem e o futuro esperado de algo. Em seguida temos “Boca fechada
não entra besouro” que eu já conhecia com a palavra ‘mosca” no lugar de besouro,
que acredito que possa ter sido integrada para que uma rima fosse constituída. O
sentido do ditado vem do fato de que muitas coisas podem ser evitadas se você
guardar pra si/ ou seja não falar tudo que te passe na cabeça, mantendo sua boca
fechada. E por fim temos “macaco que muito pula, quer dançar”, que vem da
movimentação dos primatas de galho em galho e que pode ser interpretada como
uma analogia a quem muito escolhe ou muda de posição fica sem, neste caso
“dança” no sentido se perder a vez. Tendo com a união das três interpretações um
grande ensinamento de vida sobre a posição que nos colocamos diante das
decisões que tomamos na vida, na primeira sobre
quem escolhemos ter ao nosso lado, sendo ele o
“amigo cachorro” e as “sarnas” que ele pode nos
trazer, em seguida uma relação ao ditado que nos
mostra que seguir nosso processo e escolher
guardar algumas informações pode nos ajudar e
nos proteger. E por fim não escolher de mais pois
podemos perder oportunidades ao nos colocar
nessa posição afinal quem muito escolhe pode
também encontrar alguém que escolha por ele.

A canção se finaliza em tom de festa com a


repetição de onomatopeias do início da canção em
clima de festa somada a vários vocalizes que
completam a melodia. Uma coletânea de 1 minuto
e 12 segundos de “dig dig dig dig dig da cá ah ah” em toda sua maestria e variação,
um encanto do início ao fim. Não posso imaginar uma forma melhor de finalizar a
canção do que com o que Elis sabe fazer de melhor que é criar.

A canção tem sua potência destacada nas duas apresentações ao vivo que
fui capaz de encontrar. A principal foi feita no programa ‘Fantástico” em 1980 e em
uma icônica apresentação no programa apresentado por Gal Costa. Nas duas
apresentações podemos perceber a força com que Elis apresenta a canção e a
potência contida na sua interpretação, que cativa claro a recepção do público. A
música assim como muitas outras feitas anteriormente por Guilherme Arantes foi um
hit e em pouco tempo estava na boca do povo. A letra é extremamente cativante e
demonstra uma mensagem muito forte a quem assim como Elis vinha desde 64
sentindo os trancos da vida de forma mais bruta. A carreira e o enfrentamento da
cantora se deram junto dos passos da ditadura, e isso influenciou muito em sua
saúde mental e o que seria seu futuro não só como artista mas como pessoa.

Em minha pesquisa
encontrei em arquivos imagens
do lançamento do single da
canção, a capa é muito
interessante pois trás uma
estética que eu não conhecia
para o trabalho da artista. A
música faria parte não só do
álbum “Elis” de 1980 como no
álbum póstumo “Vento de
Maio”.

Culturalmente no Brasil vinha crescendo um


movimento globalizado da música e um foco
maior na rentabilidade das músicas e por
resultante um afastamento da parte artística da
coisa, se repetia e se copiava muito, sempre com
objetivo financeiro. Elis como um alguém que tinha
assinatura com gravadora acabou cedendo a essa
pressão por não ter mais escolha, o que somou a seu
adoecimento, justamente sua infelicidade ao que
produzia. Nessa onda o que a salvou pelo menos por
um período foi após a criação de falso brilhante a inserção da estrutura cênica aos
seus espetáculos e a transformação em shows de fato. Assim crescia o
engrandecimento de sua performance como artista e a valorização do seu show
como arte.

Chegando ao fim de sua carreira Elis tinha como foco os shows e sua interligação
com os álbuns lançados, com isso seu parceiro Mariano a apoiava e incentivava seu
lado artístico. O casal viveu muita coisa e construiu muitas propostas artísticas,
diante de tantas dificuldades tiveram na arte uma chance de sobreviver à ditadura.
Com o tempo, os conflitos interiores de ambos os artistas acabaram por gerar o
rompimento do casal. Com isso, Elis passou por uma fase difícil o que gerou o fim
de sua carreira com seu falecimento. O último álbum tem essa energia de tentativa
final, somado a o último respiro de sua arte, e a pressão da indústria sobre seu
trabalho que contribuiu com seu decline.
Referências

ORIGGAMI. Pelo repertório: Aprendendo a Jogar. Disponível em:


<https://maria-rita.com/pelo-repertorio-aprendendo-a-jogar/>. Acesso em: 18 ago.
2023.

‌ lis Regina - “Aprendendo a jogar” (Fantástico 1980). Disponível em:


E
<https://www.youtube.com/watch?v=Ft0tvgBpkik>. Acesso em: 18 ago. 2023.

‌ lis Regina - Aprendendo a Jogar. Disponível em:


E
<https://www.youtube.com/watch?v=UQnga_JP2UU>. Acesso em: 18 ago. 2023.

‌ m 19 de janeiro de 1982, a música perdeu Elis Regina Carvalho da Costa. A


E
música de hoje é Aprendendo a Jogar, de autoria de Guilherme Arantes - ( 08’
06” ) - Rádio Câmara. Disponível em:
<https://www.camara.leg.br/radio/programas/266608-em-19-de-janeiro-de-1982-a-m
usica-perdeu-elis-regina-carvalho-da-costa-a-musica-de-hoje-e-aprendendo-a-jogar-
de-autoria-de-guilherme-arantes-08-06/?pagina=323>. Acesso em: 18 ago. 2023.

Elis Regina - Aprendendo A Jogar. Vinil compacto Disponível em:


<https://www.discogs.com/pt_BR/release/4138804-Elis-Regina-Aprendendo-A-Jogar
>. Acesso em: 18 ago. 2023.

Elis Regina. Site Oficial Disponível em:


<http://www.elisregina.com.br/Eternamente/Fotos/>. Acesso em: 18 ago. 2023.

‌Elis Regina. Site Oficial Disponível em:


<http://www.elisregina.com.br/Eternamente/Cronologia>. Acesso em: 18 ago. 2023.

‌ECHEVERRIA, Regina. Furacão Elis. São Paulo: Leya, 2012.

MARIA, Júlio. Elis Regina: nada será como antes. São Paulo: Editora Master
books, 2015.

OSNY, Arashiro (Org.). Elis Regina por ela mesma. São Paulo: Martin Claret, 2004

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