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SOCIEDADE

Portugueses comem bacalhau uma vez


por semana, mas qual é o preferido da
maioria?
Ilustração Cristiano Salgado

O peixe das águas frias do ártico é o


!el amigo do português há mais de
500 anos. Atualmente, consumimos
quase um terço do bacalhau
apanhado no mundo. A sua pesca
tem sido cada vez mais restringida,
essencial para assegurar a
continuidade da mui portuguesa
tradição

  

14 DEZEMBRO 2023 19:00

Inês Loureiro Pinto (Texto), Carlos Esteves (Infogra!a) e Cristiano Salgado (Ilustração)

E ntre tantos assuntos que dividem os portugueses atualmente, se


há coisa na qual se pode concordar é no prato principal da
consoada que se aproxima. Como país à beira-mar plantado, é
natural que estejamos entre os maiores consumidores mundiais de
peixe, mas é o bacalhau que mais se come em Portugal — uma espécie
que habita a quatro mil quilómetros de distância das águas lusitanas.

As origens do bacalhau preservado como o conhecemos remontam aos


vikings, que há mais de mil anos o secavam ao ar livre para assegurarem
provisionamento durante largas temporadas no mar. Um pouco depois,
os povos bascos começaram a salgar o bacalhau. Os portugueses entram
em cena apenas no século XIV, trocando sal por bacalhau com
Inglaterra e quando, em 1473, atracam na Terra Nova, zona prolífica em
bacalhau na costa do Canadá. O peixe preservado estabeleceu-se como o
“fiel amigo” nos tempos do Estado Novo, que controlava o mercado,
tornando o seu preço mais acessível do que o peixe fresco. Ricardo Alves
cresceu numa família fiel à venda do bacalhau e hoje está ao leme da
empresa fundada pelo pai, a Riberalves. Recordando a história do
bacalhau, declara que os portugueses são “apaixonados por esta
proteína”.

Portugal é historicamente o maior importador de bacalhau da Noruega,


à frente de países como Dinamarca, Reino Unido e China. A Europa
domina o mercado, com as exceções da China, Vietname e Brasil na lista
dos dez principais consumidores. As compras do peixe norueguês têm
diminuído transversalmente ao longo dos últimos dez anos. Em 2013,
Portugal comprou mais de 50 mil toneladas de bacalhau à Noruega, e
este ano o valor não chegou a 40 mil. Ainda assim, está longe da
Dinamarca, segundo maior importador, com pouco mais de 25 mil
toneladas consumidas este ano.

A maior quebra no consumo de bacalhau deu-se entre o ano passado e


este, explicado talvez pelo aumento dos preços. De acordo com o
Observatório Europeu do Mercado dos Produtos da Pesca e da
Aquacultura (EUMOFA), o preço nominal do bacalhau importado pela
União Europeia (UE) em 2022 subiu 29,4% em relação a 2021, para 6,53
euros por quilograma. Uma análise da EUMOFA sobre o mercado de
peixe europeu em 2023 destacou Portugal e Alemanha como os países
com maior aumento de preço para o consumidor, justificado pela maior
complexidade da cadeia de valor para o bacalhau seco e salgado. O custo
para a carteira dos portugueses foi atenuado pela isenção do IVA em
bens essenciais, que terminará no final deste ano.

AUMENTO DO PREÇO NOMINAL DO BACALHAU IMPORTADO


POR PAÍSES DA UE
Fonte: EUMOFA (Observatório Europeu do Mercado dos Produtos da Pesca e da Aquacultura)

Dados da Marktest indicam que o consumo de bacalhau tem diminuído


nos últimos dez anos. De um universo de cerca de quatro mil pessoas,
80% declarou ter comido bacalhau nos 30 dias anteriores em 2013, valor
que em 2023 desceu para 71,5%. Atualmente, de acordo com a Marktest,
a maioria dos portugueses come bacalhau uma vez por semana ou duas a
três vezes por mês.

Ricardo Alves destaca que o mercado “português tem sido muito


resiliente, fiel ao consumo” face a outros países, como o Reino Unido,
que usa o bacalhau no seu icónico fish and chips, e que “tem optado por
mudar para outras espécies com preço mais competitivo”, como o
hadoque e o escamudo, ambos da família do bacalhau. “Cada português
consome cinco quilos de produto acabado de bacalhau por ano, o que
equivale a 20 quilos de peixe vivo. Consumimos praticamente um terço
do bacalhau pescado no mundo”, sublinha o administrador da
Riberalves.

Ainda que claramente dominante nas opções dos portugueses, o típico


bacalhau seco tem perdido alguma relevância para o congelado no
mercado nacional. Em 2022, 51,2% dos portugueses entrevistados pela
Marktest declararam comprar mais bacalhau seco, de entre as variações
do produto, enquanto 26,7% apontou escolher o demolhado congelado,
e 12,6% o congelado, com mais frequência. “O bacalhau teve esta grande
transformação nos anos 90 — até lá vendia-se apenas seco e sem marca”,
explica Ricardo Alves, que considera que o lançamento do bacalhau
demolhado congelado por João Alves no início do século “veio
transformar” o mercado.

“A conveniência foi a grande inovação num produto com 500 anos e, no


futuro, outras coisas terão de surgir, como um produto sem espinhas,
eventualmente”, conclui. Das 23 mil toneladas que a Riberalves vendeu
em 2023, 70% correspondem a bacalhau demolhado ultracongelado e
apenas 30% a bacalhau seco. Ambos passam pelo processo da “cura
portuguesa”, que matura o bacalhau no sal entre quatro a 12 meses. O
tempo de cura, mas também a qualidade do peixe vivo e o corte são
fatores essenciais para um bacalhau de qualidade. “Os portugueses
podem fazer um presunto bom, mas os espanhóis é que são bons a fazê-
lo; é diferente”, compara o administrador da Riberalves. Como o
presunto está para Espanha e “o churrasco para o Brasil”, a “expertise
portuguesa” está para o bacalhau.

TIPO DE BACALHAU MAIS CONSUMIDO EM PORTUGAL

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Fonte: TGI (Target Group Index), Grupo Marktest


POR BACALHAU MAIS SUSTENTÁVEL

A Noruega compete com a Islândia e a Rússia pelas quotas de pesca de


bacalhau nos mares árticos. É nesta zona que se encontra a maior
população de bacalhau do planeta, da espécie gadus morhua. No mar de
Barents, a norte da Noruega e da Rússia, encontra-se o aclamado skrei,
palavra norueguesa que descreve o bacalhau “errante” que navega estas
águas frias na sua idade adulta. Da musculatura que adquire resulta uma
carne nutritiva que é considerada pelos noruegueses como o melhor
bacalhau que se pode comer.

Os stocks de bacalhau têm vindo a diminuir. Em 2019, a UE impôs uma


proibição da pesca no mar Báltico durante seis meses em resposta a uma
grande quebra de stocks naquela zona. O bacalhau do mar de Barents
perdeu o certificado de pesca sustentável do Marine Stewardship
Council (MSC) em 2021 para o bacalhau que está localizado mais
próximo da costa, para assegurar a manutenção das populações, tendo
entretanto recuperado a distinção. A biomassa de bacalhau, tanto jovem
como adulto, nesta zona, atingiu um pico em 2013 e tem caído desde
então. As quotas anuais de pesca têm assistido a diminuições
progressivas de 20% a cada ano e haverá uma nova diminuição das
quotas no mar da Noruega e de Barents para o próximo ano, para cerca
de 454 mil toneladas.

EXPORTAÇÕES MUNDIAIS DE BACALHAU NORUEGUÊS


Fonte: Norwegian Seafood Council

Ricardo Alves revela um “contraciclo” na sua empresa, que vai aumentar


para o ano a importação de bacalhau norueguês e islandês em cerca de
5% em volume e 10% em valor. “Mesmo com a redução de quotas,
estamos a vender mais”, resume o administrador da Riberalves. Não
parece que Portugal vá ficar sem o seu fiel amigo tão cedo, mas é
necessário exigir bacalhau pescado com práticas mais conscientes para
garantir que a tradição se prolongue.

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