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A Origem do consumo de bacalhau em Portugal

Dos vikings às mil e uma formas diferentes de cozinhar bacalhau, conheça a origem deste peixe e a
influência na identidade portuguesa.

POR NATIONAL GEOGRAPHIC

PUBLISHED 11/02/2021, 09:50 WET

Um prato de bacalhau acompanhado por batata a murro do chef Henrique Sá Pessoa.

Um prato de bacalhau acompanhado por batata a murro do chef Henrique Sá Pessoa.

FOTOGRAFIA DE THE WALT DISNEY COMPANY

O bacalhau é característico de Portugal, frequentemente associado à composição da mesa natalícia. É


um dos alimentos mais populares entre os portugueses e a sua introdução nos hábitos alimentares é
secular.

Os primeiros indícios relacionados com a pesca e a salga do bacalhau em Portugal, remontam ao século
XIV. Foi na época dos Descobrimentos, que os portugueses viram o bacalhau como o peixe ideal, que
resistia às longas travessias marítimas.

Os pioneiros na pesca do bacalhau foram os vikings que, na falta do sal, deixavam o peixe a secar ao ar
livre, dispostos nos barcos. Na Idade Média, o sal era um trunfo que os portugueses tinham e utilizavam
como moeda de troca com os países nórdicos, de quem importavam o bacalhau e para quem
exportavam o sal.

Da Terra Nova para terras lusitanas

A pesca do bacalhau começou pela Terra Nova e Gronelândia, em grandes veleiros, os lugres, mais tarde
substituídos pelos navios de arrasto. A seca e salga, a cura tradicional portuguesa, isenta de substâncias
químicas, preservava as propriedades nutricionais do peixe. Este processo conferia características de
aroma, sabor e textura únicas.

Foi da época dos Descobrimentos que surgiu o rótulo “bacalhau da Noruega”, uma vez que data os
relatos da primeira relação de pesca de bacalhau com o método da salga, durante essas mesmas viagens
de descobertas.

O controlo sobre a frota do bacalhau

Por volta do ano de 1506 nasceu um imposto sobre o bacalhau que entrava nos portos entre o Douro e
o Minho. Entretanto, a pesca por frotas portuguesas manteve-se irregular e acabou por ser
interrompida durante a dinastia filipina.
O consumo do bacalhau salgado seco generalizou-se durante o século XVII e, até ao século XX,
consumia-se o chamado “bacalhau inglês”. Portugal retomou as suas viagens à Terra Nova no ano de
1835, pela Companhia de Pescarias Lisbonense.

Durante séculos, o bacalhau não era visto como um alimento de primeira categoria. Em 1790, distribuiu-
se o seu consumo social, espacial e culinariamente pela cidade de Lisboa, integrando-se nos hábitos
alimentares das classes média e alta.

Assim, o peixe passou a ser consumido por aristocratas, médicos, estrangeiros e ricos que habitavam as
zonas do Bairro Alto, do Príncipe Real e da Estrela. A Casa Real chegou, inclusive, a ter os seus
fornecedores próprios, durante os séculos XVIII e XIX.

A identidade do país revista no Estado Novo

O Estado Novo afeta também diretamente o rumo do bacalhau na identidade do país. Em 1937, decorre
a primeira e única greve dos bacalhoeiros em Portugal, durante o regime salazarista, da qual surge um
conjunto de medidas de enquadramento, proteção e incentivo a estes pescadores.

O pico da captura da frota bacalhoeira portuguesa assinalou-se nas décadas de 1950 e 1960,
aumentando cerca de 60% da produção do bacalhau que se consumia, face ao ano de 1934. As viagens
duravam em torno de seis meses e o regresso era sempre feito com menos homens, do que aqueles que
haviam partido.

As condições de trabalho não eram favoráveis, eram perigosas. O nevoeiro e os icebergues eram os
principais obstáculos aos bacalhoeiros, seguidos dos fortes ventos e ondulações.

Entre as jornadas de trabalho que testavam a sua resiliência, estavam os instrumentos primitivos, como
a pesca com linhas e anzóis, as tarefas no convés e o próprio constrangimento da salga a bordo.

Portugal alcança n.º 1 na produção

Portugal aposta na qualidade do bacalhau que trata. Conta com uma frota de 13 bacalhoeiros, entre
pescas na Terra Nova, Noruega e Svalbard. Exporta bacalhau salgado seco e demolhado ultracongelado
para o Brasil, França, Angola e Itália.

Em 1958, assumia-se como produtor n.º 1 de bacalhau salgado seco e afirmava-se no mercado
internacional. A partir dos anos 60 surgem problemas motivados pela mudança do direito do mar e pela
dificuldade em encontrar novos homens com vontade de trabalhar este ofício.

A riqueza do bacalhau na gastronomia


O bacalhau é de fácil digestão e apresenta uma elevada riqueza de proteínas de alto valor biológico, de
minerais como o iodo, fósforo, sódio, potássio, ferro e cálcio, tal como vitaminas do complexo B.

Trata-se de um peixe magro, fonte de ácidos gordos polinsaturados, destacando-se pelo ómega 3,
representando um papel importante como protetor sobre o sistema cardiovascular, preventivo sobre o
cancro e promotor do desenvolvimento do sistema imunológico.

O processo de demolha do bacalhau permite reidratar os tecidos e retirar o excesso de sal, utilizado na
cura e manutenção deste. Deve ser privilegiada a gordura do azeite para a sua confeção e, em
substituição do sal, as ervas aromáticas podem assumir o lugar.

Testemunha da gastronomia portuguesa

O bacalhau alcançou uma enorme relevância na dieta do povo português devido ao seu baixo custo e à
facilidade de preservação, o que lhe valeu a alcunha de fiel amigo. Atualmente continua a ser um
sucesso devido à sua versatilidade gastronómica.

Apesar de Portugal ter uma costa imensa, trouxe o bacalhau longínquo para a sua identidade, a fim de
colmatar a quantidade insuficiente de peixe, apesar da diversidade. O consumo anual de pescado no
país varia entre os 55 e 57 quilos por habitante, sendo um dado extremamente elevado.

Neste sentido, apesar de termos um mar rico em sardinha, carapau e cavala, o bacalhau surge como
mais produtivo, fácil de conservar, rico em nutrientes e polivalente. O bacalhau testemunha, ainda hoje,
os livros de cozinha e as receitas geracionais, fazendo parte da identidade portuguesa.

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