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Cardinalidade

Rosário Fernandes - Matemática Discreta

March 24, 2024

Rosário Fernandes - Matemática Discreta Cardinalidade


Definição
Sejam A e B dois conjuntos.
Dizemos que A e B têm o mesmo número de elementos se
existir uma função total bijetiva f : A −→ B.
Neste caso, denotamos A ≈ B.
Dizemos que A é dominado por B se existir uma função
injetiva total f : A −→ B.
Neste caso, denotamos A  B.
Dizemos que A é estritamente dominado por B se A  B e
A 6≈ B.
Neste caso, denotamos A ≺ B.

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Exemplos

1. A função total f : N −→ 2N tal que f (n) = 2n é bijetiva.


Logo,
N ≈ 2N.

2. A função total g : Z −→ N tal que



2n se n ≥ 0
g(n) =
−2n − 1 se n < 0

é bijetiva. Logo,
Z ≈ N.

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Exemplos

3. Sendo A = {1, 2, 3} e B = {a, b, c, d}, a função total


h = (A, graph(h), B) tal que

graph(h) = {(1, a), (2, c), (3, b)}

é injetiva e não existe nenhuma função total bijetiva de A


para B. Logo,
A ≺ B.

4. A função total t : Q −→ R tal que f (x) = x é injetiva. Logo,

Q  R.

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Definição
Para cada n ∈ N,

[0] designa o conjunto ∅

e para n > 0,

[n] designa o conjunto {1, 2, . . . , n}.

Definição
Um conjunto A diz-se finito se A ≈ [n], para algum n ∈ N. Caso
contrário, dizemos que A é infinito.
Um conjunto A diz-se contável se A  N.

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Exemplos

1. Sendo A = {a, b, c}, a função total f = (A, graph(f ), [3]) tal


que
graph(f ) = {(a, 1), (b, 2), (c, 3)}
é bijetiva. Logo, A ≈ [3] e A é finito. Porque

g = (A, graph(f ), N) é função total injetiva, A  N, ou seja,


A é contável.
2. A função total h : 3N −→ N tal que h(3n) = n é injetiva.
Logo, 3N  N e podemos afirmar que 3N é contável.

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Proposição
(Teorema de Cantor)
(a) Os conjuntos R e N não têm o mesmo número de elementos,
ou seja, R 6≈ N.
(b) Qualquer que seja o conjunto A, não existe nenhuma função
total sobrejetiva de A em 2A (conjunto das partes de A,
P(A)). Consequentemente, A 6≈ 2A .

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Demonstração
(a) Vamos ver que R 6≈ N.
Suponhamos que existe uma função total bijetiva f : N −→ R.
Então,
f (0) = k0 , d01 d02 d03 . . . ,
f (1) = k1 , d11 d12 d13 . . . ,
f (2) = k2 , d21 d22 d23 . . . ,
...
f (n) = kn , dn1 dn2 . . . dn,n+1 . . . ,
...,
em que para n ∈ N, kn ∈ Z e dni ∈ N, com i ≥ 1.

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Demonstração
O número real
z = 0, d1 d2 d3 . . . dn . . . ,
tal que 
1 6 1
se dn,n+1 =
dn = ,
2 se dn,n+1 = 1
para todo n ≥ 0 verifica

dn 6= dn,n+1 , ∀n ∈ N.

Donde, z 6∈ Im(f ) e f não é sobrejetiva. Contradição.

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Demonstração
(b) Vamos ver que A 6≈ 2A .
Suponhamos que existe uma função total bijetiva g : A −→ 2A .
Seja
B = {a ∈ A : a 6∈ g(a)}.
Temos que B ⊆ A mas, para todo a ∈ A,

a ∈ B ⇔ a 6∈ g(a).

Ou seja, B 6= g(a), ∀a ∈ A. Donde, B 6∈ Im(g) e g não é


sobrejetiva. Contradição.

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Definição
Seja X um conjunto e A ⊆ X. A função caracteristica de A,
denotada por χA , é a função

χA : X −→ {0, 1},

tal que 
1 se x ∈ A
χA (x) = .
0 se x ∈
6 A

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Exemplo
Seja X = {a, b, c, d, f }. Consideremos A = {a, f }. Então,

χA = (X, graph(χA ), {0, 1})

tal que

graph(χA ) = {(a, 1), (b, 0), (c, 0), (d, 0), (f, 1)}.

Sendo B = {a, b, c}. Então,

χB = (X, graph(χB ), {0, 1})

tal que

graph(χB ) = {(a, 1), (b, 1), (c, 1), (d, 0), (f, 0)}.

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Definição
Seja X um conjunto. Seja {0, 1}X o conjunto das funções
caracteristicas de X em {0, 1}, ou seja,

{0, 1}X = {χA : A ⊆ X}.

Seja
χ : 2X −→ {0, 1}X ,
tal que
χ(A) = χA , ∀A ⊆ X.

Seja
S : {0, 1}X −→ 2X ,
tal que S(f ) = {x ∈ X : f (x) = 1}, ∀f ∈ {0, 1}X .

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Exemplo
Sendo X = {a, b}, então 2X = {∅, {a}, {a, b}, X} e

{0, 1}X = {χ∅ , χ{a} , χ{a,b} , χX }


Assim sendo, a função S : {0, 1}X −→ 2X da definição anterior
tem
S(χ{a,b} ) = {x ∈ X : χ{a,b} (x) = 1} = {a, b}.

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Proposição
Seja X um conjunto. A função χ : 2X −→ {0, 1}X é bijetiva e
total. Mais, a sua inversa é a função total S : {0, 1}X −→ 2X .

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Teorema
(Principio da casa dos Pombos) Se tivermos n + 1 pombos para
distribuir por n casas, então teremos pelo menos uma casa com
pelo menos 2 pombos.

Teorema
(Principio da casa dos Pombos) Se tivermos k pombos para
distribuir por n casas, com n < k, então teremos pelo menos uma
casa com pelo menos d nk e (menor natural superior ou igual a nk )
pombos.

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Exemplo
Consideremos seis convidados de uma festa. Então, três deles
conhecem-se mutuamente, ou três nunca foram apresentados uns
aos outros.
Consideremos que o Rui é um dos convidados da festa que está no
grupo G dos seis convidados que estamos a considerar.
Coloquemos em A os convidados de G que o Rui conhece e em B
os convidados de G que o Rui não conhece (Rui não é colocado
nem em A nem em B).
Pelo principio da casa dos pombos, A ou B tem pelo menos 3
pessoas.

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Suponhamos que é A. Sejam Ricardo, Miguel e Ana três
elementos de A. Se dois destes se conhecerem, por exemplo o
Ricardo e a Ana, então o Rui, o Ricardo e a Ana conhecem-se
mutuamente. Caso contrário, o Ricardo, a Ana e o Miguel nunca
foram apresentados uns aos outros.

Suponhamos que é B. Sejam Maria, Manuel e Vera três elementos


de B. Se dois destes não se conhecerem, por exemplo o Manuel e
a Vera, então o Rui, o Manuel e a Vera não se conhecem
mutuamente. Caso contrário, o Manuel, a Vera e a Maria
conhecem-se mutuamente.

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Teorema
(Principio da casa dos Pombos) Não existe nenhum subconjunto
X ⊂ [n] tal que X ≈ [n].

Demonstração
Afirmação (Principio da casa dos Pombos) Se f : [n] −→ [n] é
uma função total injetiva, então f é sobrejetiva.

Demonstremos a afirmação por indução em n.


Para n = 0, [0] = ∅ e f = ∅, portanto sobrejetiva.
Suponhamos que n ≥ 0 e que se f : [n] −→ [n] é uma função
total injetiva, então f é sobrejetiva.
Seja g : [n + 1] −→ [n + 1] uma função total injetiva.
(a) Se g([n]) ⊆ [n], então g|[n] é uma função total injetiva. Por
hipótese de indução, g|[n] é sobrejetiva. Mas porque g é injetiva,
g(n + 1) = n + 1 e g é sobrejetiva.

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Demonstração
(b) Se existe p ≤ n tal que g(n + 1) = p, então seja
ĝ : [n + 1] −→ [n + 1] tal que

ĝ(p) = g(n + 1)

ĝ(n + 1) = g(p) = n + 1
e
ĝ(i) = g(i), 1 ≤ i ≤ n, i 6= p.
ĝ é uma função total injetiva e ĝ([n]) ⊆ [n]. Por (a), ĝ é
sobrejetiva e g é sobrejetiva.
Pelo principio de indução, Se f : [n] −→ [n] é uma função total
injetiva, então f é sobrejetiva.

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Demonstração
Vejamos o teorema.
Suponhamos que existem um subconjunto A ⊂ [n] e uma função
total bijetiva f : [n] −→ A.
Assim sendo, a função total g : [n] −→ [n] tal que g(x) = f (x),
∀x ∈ [n] é uma função total injetiva.
Pela afirmação, g é sobrejetiva, ou seja,
Im(f ) = Im(g) = [n] 6= A (impossivel). Logo, o teorema
verifica-se.

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Corolário
Seja A um conjunto finito. Não existe nenhum subconjunto
X ⊂ A tal que X ≈ A.

Demonstração
Porque A é finito, existe uma função total bijetiva g : A −→ [n],
para algum n ∈ N. Suponhamos que existe uma função total
bijetiva f : A −→ X, com X ⊂ A.
Então, h : A −→ A tal que h(a) = f (a), ∀a ∈ A, é injetiva.
Assim, g ◦ h ◦ g −1 seria uma função total injetiva de [n] num
subconjunto de [n] diferente dele. O que é impossivel.

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Definição
Seja A um conjunto finito. O único n ∈ N tal que A ≈ [n]
chama-se a cardinalidade de A. Notação, |A| = n.

Corolário
Qualquer conjunto que tenha o mesmo número de elementos
que um seu subconjunto próprio é infinito.
O conjunto N é infinito

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Proposição
Seja n ∈ N − {0}. Seja A um conjunto e a ∈ A. Então, existe
uma função total bijetiva f : A −→ [n + 1] se e só se existe uma
função total bijetiva g : (A − {a}) −→ [n].

Demonstração
Indução em N − {0} e similar à Afirmação do teorema anterior.

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Proposição
Sejam A e B conjuntos tais que A 6= ∅ e é finito. Se existe uma
função sobrejetiva f : A −→ B então B é finito e existe uma
função total injetiva g : B −→ A tal que f ◦ g = idB . Mais,
|B| ≤ |A|.

Demonstração
Indução na cardinalidade de A.
Se A = {a}, então porque f é sobrejetiva, B = {f (a)}. A função
g : B −→ A tal que g(f (a)) = a é bijetiva e f ◦ g = idB .
Suponhamos que se existe uma função sobrejetiva f : A1 −→ B1 ,
com |A1 | = n ≥ 1, então B1 é finito e existe uma função total
injetiva g : B1 −→ A1 tal que f ◦ g = idB1 .
Sejam A e B conjuntos tais que |A| = n + 1 e t : A −→ B uma
função sobrejetiva.
Se t é bijetiva, então t−1 : B −→ A é uma função total injetiva e
t ◦ t−1 = idB .
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Demonstração
Se t não é bijetiva, então t não é injetiva. Sejam a, b ∈ A, a 6= b
tais que t(a) = t(b).
Então a função t|(A−{a}) : (A − {a}) −→ B é sobrejetiva. Por
hipótese de indução, B é finito e existe uma função total injetiva
h : B −→ (A − {a}) tal que t|(A−{a}) ◦ h = idB . Mas, se
pensarmos em h : B −→ A, h é total injetiva e t ◦ h = idB . Logo,
verifica-se o resultado.
Porque g : B −→ A é função total injetiva e cada conjunto finito
tem um cardinalidade única, podemos afirmar que |B| ≤ |A|.

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Corolário
Sejam A e B conjuntos tais que A é finito e f : A −→ B é uma
função total. Então f (A) é finito e |f (A)| ≤ |A|.

Basta pensar que f : A −→ f (A) é uma função sobrejetiva e usar


a proposição anterior.

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Corolário
Sejam A e B conjuntos tais que B é finito e A ⊂ B. Então A é
finito e |A| < |B|.

Basta pensar que f : A −→ B tal que f (a) = a, ∀a ∈ A, é uma


função total injetiva, então é invertı́vel à esquerda, ou seja, existe
uma função g : B −→ A tal que g ◦ f = idA . Isto significa que g
é invertı́vel à direita. Mais, g é sobrejetiva. Pela proposição
anterior, A é finito e |A| ≤ |B|. Porque A ⊂ B, pelo principio da
casa dos pombos, |A| < |B|.

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Proposição
Sejam A e B conjuntos. Se f : A −→ B é uma função, então
f (A)  A, ou seja, existe uma existe uma função total injetiva de
Im(f ) em A.

Demonstração
Se f : A −→ B é uma função, então f : A −→ f (A) é uma
função sobrejetiva. Pela proposição anterior, existe uma função
total injetiva g : f (A) −→ A tal que f ◦ g = idf (A) . Donde,
f (A)  A.

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Proposição
Seja A um conjunto finito. Se f : A −→ A é uma função total,
então
1 Se f é injetiva, então é bijetiva.
2 Se f é sobrejetiva, então é bijetiva.

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Proposição
Seja A 6= ∅ um conjunto. A é contável se e só se existe uma
função sobrejetiva g : N −→ A.

Demonstração
A é contável se e só se existe uma função total injetiva
f : A −→ N. Isto é equivalente a afirmar que f é invertivel à
esquerda. O que equivale a dizer que existe uma função
g : N −→ A tal que g ◦ f = idA . Isto é equivalente a afirmar que
g é invertivel à direita e portanto sobrejetiva.

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Teorema
Seja A um conjunto infinito. Então existe uma função total
injetiva f : N −→ A.

Não demonstraremos este teorema.

Por este teorema concluimos que N é o menor conjunto infinito.

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Proposição
Um conjunto A é infinito se e só se existir um subconjunto B ⊂ A
tal que A ≈ B.

Demonstração
Se A ≈ B com B ⊂ A então, para não contradizer o principio da
casa dos pombos, A tem que ser infinito.
Reciprocamente, se A é infinito, pelo teorema anterior, existe uma
função total injetiva f : N −→ A.
Seja g : A −→ A a função total tal que

g(f (n)) = f (n + 1), se n ∈ N

g(a) = a, se a 6∈ Im(f ).
g é bijetiva de A em A − {f (0)} e A − {f (0)} ⊂ A

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Teorema
(Schröder-Bernstein teorema) Sejam A e B conjuntos. Se existe
uma função total injetiva f : A −→ B e existe uma função total
injetiva g : B −→ A, então existe uma função total bijetiva de A
em B. Isto é A  B e B  A então A ≈ B.

Teorema
Seja A um conjunto infinito. Então A × A ≈ A.

Teorema
Sejam A e B conjuntos. Então, ou existe uma função total injetiva
f : A −→ B ou existe uma função total injetiva g : B −→ A.
Isto é, A  B ou B  A.

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