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Letras em dia, Português, 10.

° ano Questão de aula – Educação Literária

Nome: N.º: Turma:

Avaliação: O professor:

Luís de Camões, Os Lusíadas


Lê atentamente as estâncias 78 a 82 do Canto VII de Os Lusíadas, de Luís de Camões.

78 Um ramo na mão tinha... Mas, ó cego, 81 E ainda, Ninfas minhas, não bastava
Eu, que cometo1, insano2 e temerário3, Que tamanhas misérias me cercassem,
Sem vós, Ninfas do Tejo e do Mondego, Senão que aqueles que eu cantando andava
Por caminho tão árduo, longo e vário! Tal prémio de meus versos me tornassem:
Vosso favor invoco, que navego A troco dos descansos que esperava,
Por alto mar, com vento tão contrário, Das capelas9 de louro que me honrassem,
Que, se não me ajudais, hei grande medo Trabalhos nunca usados me inventaram,
Que o meu fraco batel se alague cedo. Com que em tão duro estado me deitaram!

79 Olhai que há tanto tempo que, cantando 82 Vede, Ninfas, que engenhos10 de senhores
O vosso Tejo e os vossos Lusitanos, O vosso Tejo cria valerosos,
A Fortuna me traz peregrinando, Que assi sabem prezar, com tais favores,
Novos trabalhos vendo e novos danos: A quem os faz, cantando, gloriosos!
Agora o mar, agora esprimentando Que exemplos a futuros escritores,
Os perigos Mavórcios4 inumanos, Pera espertar engenhos curiosos,
Qual Cânace5, que à morte se condena, Pera porem as cousas em memória,
Nũa mão sempre a espada e noutra a pena; Que merecerem ter eterna glória!
CAMÕES, Luís de, 2014. Os Lusíadas
80 Agora, com pobreza avorrecida, (Org. de Emanuel Paulo Ramos), Canto VII,
Por hospícios6 alheios degradado; est. 78-82. Porto: Porto Editora (pp. 258-259)
Agora, da esperança já adquirida,
De novo, mais que nunca, derribado;
Agora, às costas escapando a vida7,
Que dum fio pendia tão delgado,
Que não menos milagre foi salvar-se
Que pera o Rei judaico8 acrecentar-se.

1. cometo: me aventuro; 2. insano: insensato, louco; 3. temerário: ousado, imprudente; 4. Mavórcios: guerreiros (relativos a Marte, deus
da guerra); 5. Cânace: figura mitológica, filha de Éolo, deus dos ventos, forçada pelo pai a suicidar-se por manter relações incestuosas
com um dos irmãos. Antes de se suicidar, já com a espada suspensa na mão esquerda, redigiu uma carta com a direita, pelo que é
lembrada com a pena numa das mãos e a espada na outra; 6. hospícios: locais onde se acolhem viajantes, necessitados ou doentes;
7. às costas escapando a vida: alusão ao naufrágio de Camões no mar da China; 8. Rei judaico: referência a Ezequias, rei de Judá, que,
sabendo que ia morrer, viu atendido o seu pedido a Deus de mais quinze anos de vida; 9. capelas: grinaldas; 10. engenhos: talentos,
saberes.

1. Identifica o destinatário das palavras do poeta e justifica a sua referência ao longo das estâncias.

2. Explicita o valor expressivo da anáfora «Agora».

3. Analisa a crítica expressa na estância 82.

LDIA10 © Porto Editora


Letras em dia, Português, 10.° ano Sugestões de resolução

Questão de aula – Educação Literária

Luís de Camões, Os Lusíadas

1. O destinatário do poeta são as Ninfas do Tejo e do Mondego («Ninfas do Tejo e do Mondego», est. 78, v. 3, «Ninfas
minhas», est. 81, v. 1, «Ninfas», est. 82, v.1), a quem dirige uma invocação («Vosso favor invoco», «se não me ajudais,
hei grande medo/Que o meu fraco batel se alague cedo.», est. 78, vv. 5, 7 e 8), pedindo a inspiração que julga ser
merecida, tendo em conta todo o seu investimento pessoal e sofrimento («Olhai que há tanto tempo que, cantando/O
vosso Tejo e os vossos Lusitanos,/A Fortuna me traz peregrinando,/Novos trabalhos vendo e novos danos», est. 79, vv.
1-4). É também às Ninfas, que se queixa da ingratidão de que se sente vítima na estância 81. Os portugueses
(«aqueles que eu cantando andava») afinal são ingratos, pois em vez de reconhecimento e descanso («Tal prémio de
meus versos me tornassem:/A troco dos descansos que esperava,/Das capelas de louro que me honrassem») recebe o
esquecimento e é deixado à sua má sorte («Trabalhos nunca usados me inventaram, / Com que em tão duro estado me
deitaram!»).

2. A anáfora «Agora» introduz a enumeração dos «trabalhos» e «danos» sofridos pelo «eu». Assim, realça não só a
quantidade e a variedade de situações e emoções vividas pelo poeta como também cria um efeito de simultaneidade de
vivências ou de rápidas mudanças, criadoras de instabilidade.

3. Na estância 82, o sujeito poético critica, explorando a ironia, os senhores de Portugal que não apoiam nem dignificam
os que, como ele, cantam os feitos gloriosos dos portugueses (vv.1-4). Por outras palavras, critica o menosprezo dos
poderosos pelos artistas, denunciando a sua incapacidade para reconhecerem a importância da arte na preservação da
memória nacional. Nos versos 5 a 8, o poeta antecipa a consequência desta postura – a desmotivação dos futuros
escritores para cantar os feitos portugueses («Que exemplos a futuros escritores»), o que conduzirá ao
enfraquecimento da memória coletiva («Pera porem as cousas em memória,/Que merecerem ter eterna glória!»).

LDIA10 © Porto Editora

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