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A PR O FISSÃ O DE A D M IN ISTRA D O R 5

A profissão de administrador
Segunda. parto da resposta <lo prof. Benedicto Silva ás questões formuladas
por esta revista sobre a forma ç ão da profissão de administrador
ii

No intuito de organizar e passar em re­ nomista está conquistando terreno rapidamente no


vista as idéias, boas e más, verdadeiras e fa- apreço da sociedade. Cada vez se reconhece mais
lazes, que circulam desordenadamente sobre o valor das pesquisas e estudos econômicos. Cada
a modernissima profissão administrativa, re­ vez se encarece mais a atividade dt> economista
conhecida por uns, negada por outros, igno­ profissional. Cada dia se torna mais clara a ati­
rada pela maioria, “Revista do Serviço Públi­ vidade do economista profissional. Cada dia os
c o ” lançou, pelas colunas de sua edição passa­ economistas se tornam mais especificados como
da, um inquérito oportuno, destinado a íalar grupo profissional distinto.
aos interesses dos que estudam, dos que ob­ Nem só os economistas, porem, estão sendo
servam e dos que exercem, por torça de seus valorizados pelas demandas da era neotécnica. Ao
cargos, a função administrativa. Seria es­ lado deles, outros grupos profissionais novos, já
cusado dizer que o tema escolhido para o pre­ reconhecidos ou em via de reconhecimento, apro­
sente inquérito constitue o núcleo central, a ximam-se igualmente do período áureo. Os en­
essência mesma da arte e ciência de gerir, di­ genheiros, os estatísticos, os “experts” em propa­
zendo respeito, por igual, ao administrador ganda e vários outros gozam atualmente de uma
público e ao administrador particular, interes­ situação privilegiada no mercado do trabalho, tal
sando, por igual, ao civil e ao militar, ao pro­ é a procura crescente, para emprego intensivo, das
fessor e ao estudante das ciências sociais. respectivas tecnologias, processos e métodos. Mas
Este inquérito deverá ser uma parada de o sacerdote de nova espécie, que se há de incum­
idéias sobre o administrador profissional, o bir dos ceremoniais litúrgicos da sociedade super-
“alquimista que conhece a fórmula secreta do mecanizada dos tempos modernos, não é o eco­
filtro da eficiência”, o “sacerdote de nova es­ nomista, nem o engenheiro, tampouco o estatísti­
pécie, que se há de incumbir dos ceremoniais co . E ’ o administrador. Para ele, para o que
litúrgicos da sociedade super-mecanizada dos planeja, dirige e coordena, para o taumaturgo das
tempos modernos” , a que se refere o autor do grandes empresas humanas, para o alquimista que
presente artigo. conhece a fórmula secreta do filtro da eficiência,
mil vezes mais valiosa do que a que transformasse
a argila em ouro, é que estão sendo talhadas, sob
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medida, as vestes talares com que se hão de ce­
J . M . Keynes, o maior economista inglês da lebrar os ritos e operar os milagres do trabalho

atualidade, afirmou recentemente que a Economia cientificamente organizado. Efetivamente, den­

Política está fadada a sobrepujar, em importância, tre as profissões novas, que emergem da comple­
todas as demais ciências — pelo menos durante xidade da vida moderna, a de administrador, no-
os próximos 25 anos. Ainda que se possa consi­ tadamente a de administrador público, é a mais

derar exagerada essa opinião, é inegável que o eco- importante de todas, aquela para a qual o futu-
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ro se abre de par em par, carregado de responsa­ são elementos distintos, assim como em todo pro­
bilidades, mas ao mesmo tempo cheio de promes­ cesso há uma técnica de direção e uma técnica de
sas e sefluções. execução, Spengler sustenta que a arte e ciência
Apresentada com esses ares de axioma, exal­ de dirigir pressupõe um “talento inato” . “Quer
tada por essa roupagem verbal superlativa, a afir­ se trate de caçar grandes animais — diz ele, tex­
mação talvez pareça demasiado afoita. Cumpre tualmente, — de construir templos, de lançar uma
justificá-la. empresa guerreira ou agrícola, quer se cogite de
Respondendo às questões que me foram fundar um estabelecimento comercial ou de orga­
submetidas pela “Revista do Serviço Público” , nizar a viagem de uma caravana, uma rebelião e
a propósito da profissão administrativa, declarei, até mesmo um crime — sempre o primeiro re­
no fim do artigo anterior, que o advento do ad- quisito é uma cabeça empreendedora e inventiva
nistrador profissional, cuidadosamente treina­ para traçar a idéia e dirigir a execução, para co­
do, cada vez mais indispensável — se é possivel mandar e para distribuir as tarefas. Numa pa­
haver gradação em matéria de indispensabilida- lavra, alguem que tenha nascido para chefe de
de — em todas as organizações em que numero­ outros que não o são” .
sas pessoas se encontrem a serviço de um obje­ E ’ que, nas empresas “verbalmente dirigidas”
tivo comum, é uma conseqüência imperativa da não existem apenas duas espécies de técnicas mas
própria multiplicação e subdivisão das atividades tambem duas espécies de homens, diferenciados
humanas. pelo fato de seus talentos se moverem nesta ou na­
Examinando-se, ainda que de relance, a cena quela direção: “homens nascidos para mandar e
mundial contemporânea, tanto nos domínios dos homens nascidos para obedecer, sujeitos e objetos
negócios públicos como no setor da economia par­ do processo político e econômico” .
ticular, não é dificil de se verificar que ao mes­ “Governar, decidir, guiar, comandar é uma
mo tempo em que a especialização intensiva e arte — conclue Spengler — uma técnica dificil e,
»
multiforme, aumentando a lista das profissões, como qualquer outra, pressupõe um talento inato” .
desdobrando os ofícios, seccionando as ocupações Ignorando ou talvez menosprezando a obra de
e estreitando os 'tipos de atividade individual, Taylor e de Fayol, Spengler insiste em revitalizar
opera no sentido de dividir e subdividir o tra­ a “idéia diretriz” das gerações passadas, para as
balho, a ação grupai, por outro lado, desenvol­ quais o administrador, como o poeta, não se forma
vida para ia realização de propósitos de larga — nasce. O verdadeiro chefe “já nasce feito” ,
envergadura, opera no sentido de reunir na em ­ com o quem é bom.
presa os trabalhadores. Consoante essa teoria, que ainda agora en­
A divisão do trabalho, assim extremada pela contra abonadores do estofo de Spengler, o pro­
especialização, e a concentração dos trabalhadores, blema da chefia administrativa consiste em desco­
imposta pela necessidade de fundir e coordenar o brir o chefe nato, o homem para o lugar. Uma
esforço, sem o que a maioria dos desígnios humanos vez desnichado esse indivíduo raro, “nascido para
jamais poderia ser realizada, tornaram indispensá­ chefiar” , todos os demais problemas relaciona­
vel um sistema adequado de administração, dando dos com a função administrativa se resolvem au­
ensejo ao aparecimento do administrador profis­ tomaticamente, a um aceno da sua varinha de
sional . condão. As relações humanas, fonte eterna de
perplexidades mesmo para os psicólogos, as ques­
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tões complexas de planejamento, os métodos de
Depois de reconhecer e afirmar o fato óbvio trabalho, as regras de organização — tudo isso
de que em toda empresa o planejar e o executar carece de importância em face da habilidade con­
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gênita do chefe predestinado. Ele administra, dústrias deverão ser formados na sua arte e de
isto é, planeja, organiza, dirige, coordena e con­ que nenhum administrador nato, por habil que
trola a golpes de talento inato, descobrindo, para seja, poderá lutar com um bom êxito contra ho­
cada caso, a solução mais convinhavel. mens bem organizados — mesmo que se trate de
Essa teoria, a do “chefe nato” , foi desmora­ homens ordinários e até medíocres — cujos esfor­
lizada há cerca de 40 anos pelo advento do cha­ ços se ajustem, somando-se, através da coorde­
mado taylorismo. nação.
O scientific management, com que o genial O criador da organização científica do traba­
engenheiro americano revolucionou a arte de ad­ lho ridiculariza a teoria da capacidade adminis­
ministrar, elevando-a à dignidade de ciência, tem trativa trazida do berço, sustentando na sua obra
por base o princípio fecundo de que sempre há teórica e demonstrando pelas suas espetaculares
um melhor meio de realizar qualquer operação. realizações práticas, não somente que é possivel
Preliminarmente, não parece verossímil que mas tambem vantajoso formar administradores, as­
um administrador impreperado, por assombrosa sim como se formam engenheiros, médicos, den­
que seja a sua capacidade inata, possa escolher tistas, advogados.
sempre, intuitivamente, entre milhares, o melhor Fayol, por sua vez, acredita e apregoa que
método de realizar cada uma das numerosas e o ensino administrativo, “necessário a todo mun­
diversas operações em que se desdobra o traba­ do”, é susceptível de formar bons administrado­
lho proteiforme de um ministério, ou mesmo o res, exatamente como o ensino da engenharia tem
trabalho uniforme, mono-produtor, de uma fabri­ formado milhares de bons engenheiros.
ca. Objetar-se-á que a escolha de normas e mé­ Profundamente convencido de que se pode
todos pode e deve ficar a cargo dos especialistas, ensinar e aprender a administrar, Fayol chega
incumbindo-se o adminiistrador exclusivamente ao extremo de preconizar a instituição do en­
das operações descritas por F ayol. Sim, mas é sino administrativo em todos os niveis, da esco­
preciso não esquecer que a responsabilidade final la primária à superior.
da decisão cabe intransferivelmente ao adminis­ Conta-se que, certa vez, alguem perguntou
trador. Que ele se forre ao trabalho de exami­ a Edison onde conseguia ele inspiração para in­
nar detalhes técnicos, delegando essa e outras ta­ ventar tantas coisas. “Inspirando-se” na conheci­
refas similares aos especialistas, está certo e e da definição de Buffon, Edison respondeu espiri­
vantajoso. A parte que lhe fica, porem, requer tuosamente: As minhas invenções representam
igualmente alta especialiazção e não apenas cul­ 1% de inspiração e 99 de transpiração. Com­
tura geral, antecedentes de competência e não binando esse dito atribuído a Edison com a famo­
apenas qualidades inatas. Alguns dos amplos sa frase de Buffon — Le Génie n’est autre chose
problemas naturalmente afetos ao orgão de che­ qu’une grande aptitude à la patience — a sabedo­
fia, com o o da previsão e o do planejamento, já ria popular cunhou uma versão mais sintética, mui­
envolvem tal complexidade nas grandes empresas, to correntia nos Estados Unidos — N ove décimos
que bastam, só por si, para exaurir ou desmora­ do gênio é suor (Nine tenths of genius is sweat) .
lizar a capacidade de qualquer administrador im­ Hasley, autor bem conhecido por parte dos
provisado, ainda que possuidor de acentuadas apti­ que estudam administração de pessoal, responde
dões para os misteres do mando e da coordenação. ao postulado da ciência popular — O administra­
No prefácio que escreveu, em 1911, para seu dor nasce, não se faz, com esse outro postulado,
livro Principies of Scientific Management, disse oriundo da mesma fonte — N ove décimos do g ê­
Taylor que daqui por diante é necessário que nos nio é suor. E sem mais preâmbulos, Hasley ar­
habituemos à idéia de que os nossos chefes de in­ gumenta que tem sido demonstrado à saciedade
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que qualquer pessoa de inteligência normal, dis­ rais que sabem lutar e generais que sabem apenas
posta a servir aos outros, pode adquirir considerá­ fugir. A enumeração não teria fim.
vel maestria para administrar, desde que estude Apesar das opiniões de Taylor, Fayol, Halsey
os princípios e métodos pertinentes e os aplique e Schell, o ponto de vista de Spengler contem cer­
ccncienciosa e persistentemente. ta aparência de verdade, que demanda comentá­
Schell, outro autor familiar aos estudiosos de rio.
questões administrativas, constata (é propositado Cem efeito, quando visita uma grande orga­
o galicismo, ouviu?) que a idéia de que a facul­ nização moderna, seja uma fábrica de automóveis
dade de dirigir constitue uma dádiva divina, anda ou um ministério, surpreendendo na intimidade a
muito disseminada. A arte de administrar é um sucessão e a simultaneidade das operações necessá­
dom, alguma coisa que se traz do berço. Conse­ rias à produção de uma simples peça de traba­
quentemente, o êxito dos bons administradores é lho, o observador se sente fortemente inclinado a
pura verificação do que “estava escrito” no livro concordar com o sombrio pensador alemão.
do destino.
As diversas tarefas que cumpre organizar e
Situando-se equidistantemente dos extremos, coordenar, de modo que os diferentes materiais,
Schell concorda, até certo ponto, com essa idéia. instrumentos, ferramentas, máquinas e homens,
Segundo ele, há um número limitado de qualida­ desde o cientista até o mais modesto trabalhador,
des essenciais que, sem dúvida, veem do berço. se encontrem, em número suficiente, no momento
Sem elas, ninguém conseguirá desempenhar satis­ próprio e no lugar adequado, e entrem em funcio­
fatoriamente o papel de chefe. Com elas, o su­ namento sem atritos, desperdícios e interrupões in­
cesso vem naturalmente. desejáveis — exigem do administrador qualidades

“Mas entre os indivíduos dotados dessas qua­ e predicados excepcionais.

lidades em grande escala — opina Schell — e os


que não as possuem de todo, há um grande nú­ A N Á L IS E F U N C IO N A L DA A D M IN IS T R A Ç Ã O
mero de pessoas que as possuem em grau moder-
rado” . Estas são as pessoas “cujo sucesso pode ser- Que qualidades serão essas? Não vamos re­
prejudicado pela crença de que a arte de dirigir produzir as listas teóricas com que os vários au­
é função de um sexto sentido, uma faculdade in­ tores, desde Fayol até os mais modernos, como o
tuitiva que desafia explicações, um “palpite” que citado Hasley, por exemplo, inclusive os literatos,
indica sempre a conduta correta no momento ccm o André Maurois, tentam ilustrar as suas teo­
exato” . rias sobre a arte de gerir e comandar.

Os argumentos de Schell são reversíveis, po­ Para o objetivo que temos em vista, basta-

dem ser usados em relação a qualquer técnica ou nos uma ligeira indagação sobre o que fazem os

arte. Todos sabemos que há certos indivíduos administradores. Atentemos para esta questão:

mais bem dotados do que outros para aprender e que faz um administrador, aquele que, seja na qua­

praticar a medicina, a engenharia, a advocacia, o lidade de proprietário, sócio, gerente assalariado,

sacerdócio, a arte militar, e tc ., porque possuem ou na de chefe executivo, ministro, secretário de

em alto grau as qualidades essenciais ao exercício Estado, diretor de repartição ou chefe de secção,

de uma ou de outra dessas profissões. E ’ por tem sob sua responsabilidade o comando de su­

isso que há bons médicos e médicos ruins, exce­ bordinados e a execução de um trabalho?

lentes engenheiros e engenheiros fracassados, ad­ Segundo a análise funcional de Fayol, a té­
vogados eficientes e advogados a quem ninguém cnica administrativa se desdobra em prever, or­
confia o patrocínio da causa maj^ simples, gene­ ganizar, dirigir, coordenar e controlar.
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Prever, na linguagem faioliana, tem signifi sempre vigilante para que o plano de ação seja
cado mais amplo do que aquele que usualmente posto em prática e levado avante exatamente como
se atribue a esse verbo — significa perscrutar o foi traçado.
futuro, à luz dos melhores elementos informativos Se tivèrmos presente que “organização é a
disponíveis sobre o passado e o presente, e prepa­ forma de toda associação humana que se consti­
rar o programa de ação. Em outras palavras, si­ tua para realizar um propósito comum” ; se, alem
gnifica preparar-se para o futuro, tendo em vista, disso, convirmos em que coordenação é, no sen­
segundo o critério da máxima conveniência, cs tido lato, “o ajustamento harmônico do esforço
propósitos da empresa. grupai para o fim de lhe imprimir unidade de
Organizar é constituir o duplo organismo — ação na busca de um propósito comum ao grupo”
social e material — da empresa. E ’ estabelecer — já teremos os elementos teóricos hoje mais
a estrutura formal de autoridade, através da qual aceitos, sobre o trabalho que deve competir a um
todas as unidades de trabalho são integradas na administrador, público ou particular .
empresa, definidas no conjunto e coordenadas no
sentido do propósito em vista.
Dirigir é a tarefa contínua — relevantíssi-
ma por todos os títulos — de tomar decisões cla­ Depois do que ficou dito até aqui, impõe-se
ras, incorporá-las em ordens e instruções gerais o reconhecimento de que a administração já cons-
ou específicas, conforme o caso, e fazê-las chegar titue, só por si, com o a medicina e a engenharia,
ao conhecimento dos subordinados no momento uma profissão distinta. A sua ética, as suas exi­
oportuno. gências de formação e trenamento, o seu espírito
Coordenar é unir, ligar, harmonizar todos os de grupo social, as suas peculiaridades — tudo
esforços e todos os atos. E ’, em outras palavras, isso tende a assumir formas nítidas no decurso dos
a função de estabelecer e manter relações adequa­ próximos anos.
das entre as várias partes em que o trabalho es­ Não cometeria o atrevimento de aprofundar
teja dividido. mais o assunto. Deixo-o aqui, maltratado, em
Controlar é verificar, a posteriori, se o pro­ suspenso, à disposição dos que podem tratá-lo bem,
grama está sendo executado de acordo com as nor­ com sabedoria e agudeza, isto é, à disposição das
mas estabelecidas e as ordens dadas. E ’ estai competências especializadas na matéria.

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