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FACULDADE ALDETE MARIA ALVES

ÉLSON DE OLIVEIRA EVANGELISTA

SEQUESTRO RELAMPAGO

ITURAMA
2007
ÉLSON DE OLIVEIRA EVANGELISTA

SEQUESTRO RELAMPAGO

Monografia apresentada como requisito


parcial para a conclusão do curso de bacharel
em Direito, da Faculdade Aldete Maria
Alves, sob a orientação da Professora Ilidia
Aparecida da Silva.

ITURAMA
2007
ÉLSON DE OLIVEIRA EVANGELISTA

SEQUESTRO RELAMPAGO

Monografia apresentada como requisito


parcial para a conclusão do curso de bacharel
em Direito, da Faculdade Aldete Maria
Alves, sob a orientação da Professora Ilidia
Aparecida da Silva.

BANCA EXAMINADORA

_________________________________________________________
Orientador: Prof. Ilidia Aparecida da Silva

_________________________________________________________
Professor:

_________________________________________________________
Professor:

Iturama: _____ de _____________________de 2007.


Dedico aos meus pais, José Evangelista e Maria Conceição
Evangelista, meu irmão Edílson Oliveira Evangelista,
minha Esposa Bessié Marques Leonel a meu filho Gabriel
Marques Evangelista, Pelo apoio e incentivo constantes,
que me proporcionaram a oportunidade deste feito.
Obrigado!!! .
AGRADECIMENTOS

Agradeço em primeiro lugar Deus, por ter me


dado forças para vencer os obstáculos que
sugiram em minha vida. A minha família pela
colaboração, paciência e apoio em mais essa
difícil jornada. A todos os meus professores,
pois muito contribuíram para o meu
crescimento pessoal e profissional.
“Onde há Deus, há justiça”

Rui Barbosa
RESUMO

Seqüestro Relâmpago é uma modalidade recente de crime, denominado impropriamente pela


mídia nacional, quando o autor age com violência ou grave ameaça, constrangendo a vítima à
lhe entregar seus pertences,como a entrega do cartão de credito e sua senha ou até mesmo
obrigando o sujeito passivo a efetuar saques em caixas eletrônicos, ocorrendo também a
privação de liberdade do sujeito passivo e que esta privação perdure por tempo inferior ao do
seqüestro propriamente dito. É um conjunto de ações repugnantes em qualquer sociedade,
efetivamente deve ele fazer parte do rol das condutas selecionadas como alvo da expressão
Penal, que são: o roubo, a extorsão, e a extorsão mediante seqüestro, consideradas gravemente
lesivas aos bens jurídicos, cujo objetivo fundamental é a ofensa do bem patrimonial e a
liberdade pessoal do sujeito passivo. Pela pratica da ação advirá vantagem econômica para o
sujeito ativo que praticou ou para terceiros. Há divergência doutrinaria sobre o tema, a correta
adequação típica do crime no Direito Penal, com a individualização constitucional da pena e
a questão da segurança pública no âmbito da política criminal.

PALAVRAS CHAVE: Seqüestro; Crime; Roubo; Extorsão.


RESUMO

Kidnapping Lightning is a recent modality of crime, denominated improperly by the national


media, when the author acts with violence or record threat, constraining her slays when giving
him/her your pertences,como the delivery of the card of I credit and your password or even
forcing the passive subject to make drafts in electronic boxes, also happening the privation of
freedom of the passive subject and that this privation lasts long for inferior time to the of the
kidnapping. It is a group of repugnant actions in any society, indeed it owes him to do part of
the list of the conducts selected as objective of the Penal expression, that are: the robbery, the
extortion, and the extortion by kidnapping, considered seriously harmful to the juridical
goods, whose fundamental objective is the offense of the very patrimonial and the passive
subject's personal freedom. For the he/she practices of the action it will happen economical
advantage for the active subject that practiced or for third. There is divergence it would
indoctrinate on the theme, the correct typical adaptation of the crime in the Penal Right, with
the constitutional individualização of the feather and the public safety's subject in the ambit of
the criminal politics.

KEYWORDS: I Kidnap; Crime; I Rob; Extortion.


SUMÁRIO

INTRODUÇÃO.....................................................................................................................................................10
CAPÍTULO I - O CRIME NO DIREITO PENAL BRASILEIRO.................................................................12
1.1 INTRODUÇÃO....................................................................................................................................................12
1.2 CONCEITO DE CRIME........................................................................................................................................12
1.3 CONCEITO DE CRIME FORMAL..........................................................................................................................13
1.4 CONCEITO DE CRIME MATERIAL.......................................................................................................................15
1.5 CONCEITO MODERNO MATERIAL DE CRIME....................................................................................................17
1.6 CONCEITO ANALÍTICO DE CRIME.....................................................................................................................18
CAPÍTULO II - DOS CRIMES CONTRA O PATRIMÔNIO........................................................................20
2.1 ROUBO – ART. 157 DO CÓDIGO PENAL............................................................................................................20
2.2 EXTORSÃO – ART. 158 DO CÓDIGO PENAL......................................................................................................22
2.3 EXTORSÃO MEDIANTE SEQÜESTRO – ART. 159 DO CÓDIGO PENAL................................................................28
CAPÍTULO III - O SEQUESTRO RELÂMPAGO..........................................................................................33
3.1 A MÍDIA NACIONAL.........................................................................................................................................33
3.2 SEQÜESTRO RELÂMPAGO..................................................................................................................................34
3.3 INTRODUÇÃO....................................................................................................................................................34
3.4 TIPICIDADE.......................................................................................................................................................36
3.5 TIPICIDADE DO SEQÜESTRO RELÂMPAGO.........................................................................................................36
3.5.1 ANÁLISE DA PRIMEIRA HIPÓTESE DE SEQÜESTRO RELÂMPAGO..............................................................38
3.5.2 ANÁLISE DA SEGUNDA HIPÓTESE DE SEQÜESTRO RELÂMPAGO...............................................................45
CONCLUSÃO.......................................................................................................................................................48
REFERENCIAS......................................................................................................................................................50
10

INTRODUÇÃO

Desde os primórdios o homem vive cercado pela ocorrência de fatos sociais. Dentre
tais eventos, os gerados pela exteriorização da vontade dos indivíduos solicitam a todo
instante a elaboração de normas que regulem a convivência entre os mesmos.
Este trabalho tem como objetivo, a adequação dessa dicotomia fato-norma ao
acontecimento social do “seqüestro relâmpago” ainda não acolhido especificamente pela
legislação criminal pátria.
O homem vem sendo e sempre será tolhido em sua liberdade, já que seu
comportamento deve estar invariavelmente adstrito aos limites ali impostos.
Dessa forma, vislumbra-se um ilícito jurídico no exato instante em que qualquer
integrante do corpo social olvida o cumprimento dos ditos preceitos, ultrapassando os liames
neles traçados e, via de conseqüência, agindo em desacordo com o ordenamento vigente. O
gênero ilícito jurídico, assim demonstrado, tem no ilícito penal a sua espécie mais relevante,
tendo em vista serem protegidos nesse último os bens de maior importância para os
componentes da sociedade.
Daí decorre o raciocínio segundo o qual falar em Direito Penal significa discorrer
acerca da violência exercida contra determinados bens, cuja tutela necessariamente precisa ser
exercida pelas normas criminais, haja vista terem os demais ramos do Direito demonstrado a
sua incapacidade de, sozinhos, conferirem aos mesmos a proteção indispensável.
O Seqüestro Relâmpago, assim impropriamente denominado pela mídia nacional, vem
sendo caracterizado como uma conduta típica nuclear, constante de restringir a liberdade do
ser humano como forma de obter indevida vantagem econômica.
Neste aspecto, surgem insinuações incorretas por parte da imprensa no tocante à
verdadeira adequação típica, pois, conforme o caso, enseja a ocorrência de roubo, extorsão ou
extorsão mediante seqüestro, confundindo não só o homem leigo, no aspecto legislativo,
como também o operador do direito.
Os legisladores infraconstitucionais buscam a tipificação do denominado “Seqüestro
Relâmpago” como crime, visando minorar o dilema enfocado.
O objeto fundamental do Seqüestro Relâmpago está na ofensa ao bem patrimonial e na
liberdade pessoal do individuo, consistindo, inicialmente, na privação da liberdade exercida
por um ou mais sujeitos ativos contra determinados sujeitos passivos, ainda que dita privação
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perdure por espaço de tempo inferior ao que normalmente verifica na ocorrência de um


seqüestro propriamente dito.
Num segundo plano, verifica-se a opção que o sujeito passivo teria, em tese, de forma
a identificar tipicamente a conduta criminosa, constante de subtrair mediante violência,
constranger ou seqüestrar, tudo sob o enfoque patrimonial em primeiro plano.
O Seqüestro Relâmpago é uma modalidade recente de crime e ocorre quando o autor
age com violência ou grave ameaça, constrangendo a vítima a lhe entregar seus pertences,
mais precisamente, nos casos envolvendo saques em caixas eletrônicos.
A presente pesquisa tem como foco o que seria denominado como um crime de gênese
singular, sem ordenamento jurídico para o especifico delito, no entender da imprensa e dos
legisladores infraconstitucionais e demais que comungam deveria constar esse crime do rol
dos delitos tipificados como hediondos, num contraponto com os estudiosos do Direito Penal.
Para tanto, será abordada em três capítulos, sendo que o primeiro tratará de: “O Crime
no Direito Penal Brasileiro”, onde será definido o conceito de crime no formal, material e
analítico.
O segundo capítulo “Dos Crimes contra o Patrimônio”, definirá e analisará os crimes
de roubo, extorsão e extorsão mediante seqüestro do Código Penal Brasileiro.
No terceiro capítulo, entitulado de “O Sequestro Relâmpago”, analisará o seqüestro
relâmpago pela mídia nacional, como ele é caracterizado, e discorrerá sobre o seqüestro
relâmpago, nos pensamentos de doutrinadores e juristas.
Finalmente, na conclusão, verá que sendo um crime recente, tem tipificação do crime
de extorsão mediante seqüestro, art. 159 do Código Penal.
12

CAPÍTULO I - O CRIME NO DIREITO PENAL BRASILEIRO

1.1 Introdução

Noxa, no antigo Direito Romano, segundo Mommsen, era o termo designativo da


conduta delitiva. Evoluiu para noxia, que significava “dano”.
Este, porém, estava intimamente ligado aos conceitos de reparação e retribuição do
mal causado, pelo que expressava mais a natureza dos efeitos do ato delitivo, que,
propriamente, o significado da infração. Apareceram, então, outros termos, como expressão
própria da conduta delituosa e não de suas conseqüências jurídicas. Daí a adoção das
seguintes expressões: scelus, maleficium, flagittum, fraus, facinus, peccatum, probrum,
delictum e crimen, com predominância das duas últimas. A expressão “delito”deriva de
delinquere, abandonar, resvalar, desviar-se, significando abandono de uma lei.
Crimen vem do grego cerno, indicativo dos mais graves delitos.
Na Idade Média foram empregados os termos crimen e delictum, este indicando
infração leve, aquele, grave. Na Itália foi adotada a expressão reato. Nos países de língua
castelhana empregaram-se os termos “delitos”, “crimes” e “contravenções”, sendo que
“infração” designa as três condutas delituosas. Na Alemanha são também empregados os três
termos, indicando “crime” (Verbrechen) o que para nós é infração. Na Inglaterra, offence é
expressão comum e genérica, abrangendo os indictable crimes, sujeitos a acusação, que se
dividem em felony e misdemeanor segundo a maior ou menor gravidade. Nos Estados Unidos
da América do Norte os crimes se tripartem em treasons, felonies e misdemeanors.
Mirabete (2001, p.95) menciona que: “observado-se o conteúdo do fato punível,
consegue-se uma definição material ou substancial; e examinando-se as características ou
aspectos do crime, chega-se a um conceito, também formal e mas analítico da infração penal”.

1.2 Conceito de crime

É importante ressaltar que, antigamente, o Código Criminal de 1830 e o Código Penal


de 1890 traziam o conceito de crime. Tal não ocorre na legislação atual, mas, no entanto,
embora se diga que a conceituação tenha sido relegada à doutrina, a sua realização mais
completa (analítica) é apenas possível através da busca das disposições espalhadas pelo
Código.
13

Para Jesus (1998, p.117):

Doutrinariamente, o termo “infração” é genérico, abrangendo os “crimes ou delitos”


e as “contravenções”. Pode ser empregado o termo delito ou crime. O CP usa as
expressões “infração”, “crime” e “contravenção”, aquela abrangendo estes. O CPP
emprega o termo "infração", em sentido genérico, abrangendo os crimes (ou delitos)
e as contravenções (exs.: arts. 4º, 70, 72, 74, 76, 77, 92 etc.). Outras vezes, usa a
expressão “delitos” como sinônimo de “infração” (exs.: arts. 301 e 302).

O art. 1º do Código Penal Brasileiro afirma que não há crime sem lei anterior que o
defina. Não há pena sem previa cominação legal: nullum crimen, nulla poena sine praevia
lege.
Para o nobre doutrinador Mirabete (2006, p. 81):

O conceito de crime é essencialmente jurídico. Entretanto, ao contrario de leis


antigas, o Código Penal vigente não contém uma definição de crime, que é deixada a
elaboração da doutrina. Nesta, tem-se procurado definir o ilícito penal sob três
aspectos diversos. Atendendo-se ao aspecto externo, puramente nominal do fato,
obtém-se uma definição formal; observando-se o conteúdo do fato punível,
consegue-se uma definição material ou substancial; e examinando-se as
características ou aspectos do crime, chega-se a um conceito, também formal, mas
analítico da infração penal.

Da resposta a esta questão depende todo o desenvolvimento do estudo que encetamos,


uma vez que qualquer instituto jurídico-penal tem fundamento na noção de crime.
Segundo Jesus (2005, p.150), há quatro sistemas de conceituação do crime: “a) formal;
b) material; c) formal e material; d) formal, material e sintomático”.
Dos quatro sistemas, dois predominam: o formal e o material. O primeiro apreende o
elemento dogmático da conduta qualificada como crime por uma norma penal. O segundo vai
além, lançando olhar às profundezas das quais o legislador extrai os elementos que dão
conteúdo e razão de ser ao esquema legal.

1.3 Conceito de crime formal

Afirma Jesus (1980, p.142) que este conceito deriva da análise do crime sobre o:
“aspecto da técnica jurídica, do ponto de vista da lei”. Neste sentido, Mirabete (2001, p.95)
relata abundam definições:
14

“Crime é o fato humano contrário à lei” (Carmignani). “Crime é qualquer ação


legalmente punível”. (Maggiore) “Crime é toda ação ou omissão proibida pela lei
sob ameaça da pena”. (Fragoso) “Crime é uma conduta (ação ou omissão contrária
ao Direito, a que a lei atribui uma pena”. (Pimentel)

Machado (1987, p.78) complementa o conceito:

“Todo ato ou fato que a lei proíbe sob ameaça de uma pena” (Bruno), “o fato ao qual
a ordem jurídica associa a pena como legítima conseqüência” (Liszt), “ação punível:
conjunto dos pressupostos da pena” (Mezger), “l´azione vietata dal diritto con la
minacia della pena” (Petrocelli).

Como se percebe, estes significados conceituam o crime através da descrição obtida


através de um imperativo legal vigente. Segundo Machado (1978, p.78), esta formulação é:
“claramente tautológica, a nada conduz. Pode ser, sem ofensa à verdade, reduzida a uma
igualdade matemática: o crime é o crime”. De fato, sobre o prisma da modernidade, o
conceito formal de crime não só é insuficiente e vazio, como claramente dogmático. No
entanto, não basta criticá-lo, é necessário demonstrar a sua importância, visto que, em termos,
o conceito analítico vem a resgatar um pouco desta dogmática, como será demonstrado mais
adiante.
A conceituação formal como uma definição auto-suficiente poderia ser fundamentada
através do pensamento normativista, principalmente através de Kelsen e o seu pretenso
purismo metodológico. A tentativa normativista de unificar o direito em um bloco monolítico
foi um sucesso, no entanto, o mesmo não pode ser dito sobre o esforço de firmar o direito
como uma ciência absolutamente autônoma, em atitude típica do modernismo, cujas reflexões
tanto ciências quanto nas artes procuravam objetos puros auto-referidos, visto que a existência
da insuperável interdisciplinaridade.
Muito embora a função de garantia dos direitos do cidadão (segurança jurídica) já
estivesse a muito sedimentada através do princípio da legalidade, e, aliás, com uma doutrina
que remonta à vários séculos atrás, foi o normativismo que contribuiu com o seu radicalismo
para expurgar da aplicação do direito os valores que externos a este, apesar da segurança
jurídica poder ser abalroada de outras maneiras, como leis retroativas, cuja teoria pura do
Direito não refuta, mas até explica.
A aparente suficiência de conceitos formais era proveniente da necessidade de certeza,
assim como a eliminação da insegurança que atingia os juristas, por isto, nada mais certo e
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ausente de dúvidas interpretativas que afirmar “crime é crime”. Todavia, está clara a
tautologia, assim como a impossibilidade de se utilizar deste conceito para desenhar os
critérios de orientação da materialidade legislativa, que serão tratados no segundo volume, ao
lado dos avanços da hermenêutica de Kelsen.

1.4 Conceito de crime material

Como afirma o Machado (1978, p.78): “o conceito material busca a essência [...] do
delito, a fixação de limites legislativos à incriminação de condutas”. Desta forma, o crime é
para Fragoso (1995, p.144): “um desvalor da vida social”. Segundo Garofalo (apud Machado,
1987, p.78): “a violação dos sentimentos altruísticos fundamentais de piedade e probidade, na
medida média em que se encontram na humanidade civilizada, por meio de ações nocivas à
coletividade”.
A raiz da valorização destes tipos de conceitos puramente materiais do direito pode ser
encontrada através do desenvolvimento de correntes que negavam o direito como uma
expressão autônoma, ora o caracterizando como apenas um fato social (sociologismo
jurídico), ora como expressão de relações puramente econômicas de repressão (materialismo
jurídico), o que castravam do mundo jurídico a sua capacidade de auto-alimentação científica.
Na corrente materialista econômica mais radical (marxismo vulgar), para compreender
o fenômeno jurídico, se utiliza uma compreensão sociológica baseada em fatos
economicamente valorados, na qual as condições materiais de produção e existência
econômica (a infra-estrutura) exerceriam um determinismo sobre a superestrutura, isto é,
sobre o plano cultural e psicológico, na qual se insere o estado, o direito, a política, a
consciência individual e coletiva, etc. Esta corrente era tão exacerbada que não admitia que a
superestrutura influenciasse a infra-estrutura, e, desta forma, o direito adquiria a forma de um
“instrumento de dominação do homem pelo homem”, refletindo condições concretas de
existência puramente econômica.
Evidentemente, esta teoria não era capaz de formular um importante conceito
suficiente de crime, já que, se o direito era um instrumento de dominação, não explicava
como o crime poderia ser um mal social que poderia afetar toda a sociedade, e não apenas a
sua classe dominante. Outro erro era o fato de asseverar que as correntes sociais se
constituíam principalmente por interesses econômicos.
A expressão mais correta é que as realizações subjetivas podem ser traduzidas e
expressas através dos seus equivalentes econômicos, muitas vezes de forma árdua e
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imprecisa, no entanto, apenas para aferição das conseqüências derivadas de interesses


socialmente difundidos e transplantá-los para o da economia desta sociedade, sem resumir ou
menosprezar as análises sociais que visualizam as relações sociais sobre outras perspectivas.
Outro problema do materialismo radical é que não explica porque a culpabilidade
(juízo de reprovação social) não é menor em casos de crimes contra vida que naqueles furtos e
roubos que envolvem valores monetários de enorme valia, que, na teoria, afetam as classes
dominantes no seu instrumento básico de poder. No entanto, serve de explicação para o fato
do latrocínio possuir uma pena maior que o homicídio e o estupro seguido de morte.
Existem mais coisas entre o céu e a terra do que sonha o nosso vão materialismo
radical, e é nesse sentido que o sociologismo jurídico é capaz de superá-lo, quando atribuiu
maior relevância à caracterização material do crime fundada em elementos sociais mais
complexos. Em contraposição, a sua maior desvantagem é atribuir a sociologia o papel de
ciência enciclopédica do ramo cultural, tornando a sociologia como a única ciência social
(cultural/humana).
Os juristas que aderiram a esta corrente, para poderem afirmar que o direito constituía
ciência, deveriam fazê-lo como uma subdivisão da sociologia. Desta forma, nada mais correto
que caracterizar o direito como um fato social, como outro qualquer, cuja análise também
deveria ser sociológica. Daí o surgimento do conceito puramente material do crime como algo
auto-suficiente, o que precedeu os dogmáticos normativistas neste tipo de orgulho insensato.
É desta doutrina que se origina a afirmativa que o direito é um mero reflexo da
sociedade, criado pela simples observação dos fatos sociais e suas relações, negando qualquer
abstração independente orientada exclusivamente no plano teórico, já que todas as iniciativas
criativas do direito deveriam surgir de outros fatos sociais. Destarte, o crime seria uma ofensa
ao corpo social, uma atitude patológica, que abalava a harmonia e a saúde deste organismo,
tornando necessária o tratamento (eliminação) da doença.
Seus defeitos são definidos por Machado (1987, 78):

É evidente que, pela sua amplitude conceitual, a definição material de crime tem
sabor pré-legislativo, de orientação e parâmetro à liberdade legislativa de criação de
delitos [...]. Não presta à formulação dogmática pela sua volatilidade e insegurança
conceituais.
No entanto, mesmo como definidor pré-legislativo, o conceito material puro é
incompetente, pois resume os crimes aos de dano, perigo e dano presumido (sem
comprovação prática), quando, como em caso de alguns crimes de mera desobediência, o
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sistema penal pode classificar algo como crime apenas por causa da mobilização social que se
comove a favor de tal medida, sem que este represente um problema efetivo.
Várias condutas são proibidas não porque representam ou podem potencialmente
representar algum dano, mas por razões de vontade, pura e simples. Na sociedade atual, o
surgimento destes crimes ocorre pela proliferação de toda sorte de fobias, terrores, horrores e
medos, são gerados pelo constante fluxo de informações realizadas por veículos de
informação, cujo interesse primário é de atrair o público com notícias chocantes.
Não obstante, quase todos os autores conceituados, ao definirem o conceito material
de crime, sempre trazem ao bojo uma análise material através dos olhos da modernidade, não
tratando do conceito material puro justamente por causa da sua instabilidade, instabilidade
esta que surge do fato que alguns fatos só são danosos se situados em uma determinada
conjuntura, e estas conjunturas modificam rapidamente, assim como o dano potencial destas
condutas, que pode mesmo não mais existir; enquanto, por outro lado, o direito penal é
dogmático, e a descriminalização de uma conduta não depende de uma modificação social,
pura e simples, mas um esforço despendido através do processo legislativo.
Então, atualmente, o conceito de crime não pode ser desvinculado da legislação penal,
e uma análise científica da lei deve ser necessariamente destacada como independente do
corpo social que lhe deu razão, mesmo que apenas a título de interpretação.

1.5 Conceito Moderno Material de Crime

Este conceito que foi inaugurado por Rudolf Von Ihering, e baseado neste, Machado
(1987, p.78) defende que: “crime seria o ato que ofende ou ameaça um bem jurídico tutelado
pela lei penal”, o que, ao contrário do conceito anterior, vincula a avaliação do que seja
socialmente valioso a noção de bem jurídico (valor juridicamente protegido).
Portanto, Fragoso (1995, p.145) relata que: “crime é, assim, numa definição material, a
ação ou omissão que, a juízo do legislador, contrasta violentamente com valores ou interesses
do corpo social, de modo a exigir seja proibida sob ameaça de pena”. Seria a “infração da lei
do Estado, promulgada para proteger a segurança dos cidadãos, resultante de um ato externo
do homem, positivo ou negativo, moralmente imputável e politicamente danoso”1.
Podemos destacar deste discurso dois elementos, a lei penal e o bem jurídico material
que visa proteger, sabendo que bem jurídico material não só engloba objetos materiais, como

1
Carrara, Francesco. Programa do Curso de Direito Criminal; trad. José Luiz V. de A. Franceschini e J. R.
Prestes Barra; Saraiva, 1956, vol. 1º. Pág. 45, §21. apud Jesus, Damásio Evangelista de, 1935. Direito Penal. São
Paulo: Saraiva, 1980.
18

abstratos, como os religiosos, morais e psicológicos. Destarte, o problema do conceito


material puro é solucionado, no entanto, apesar de representar um avanço em relação ao
parâmetro anterior, é apenas com o conceito analítico que podemos extrair de forma mais
exata e melhor o conceito de crime. Mesmo assim, é de grande valia o presente conceito para
a definição de critérios para incriminação de condutas.

1.6 Conceito Analítico de Crime

A classificação analítica tem várias vantagens, como demonstra a analogia de


Machado (1987, p.79): “Ainda que, formalmente, a água seja água e, materialmente, seja um
líquido insípido, inodoro e incolor que serve para, entre outras coisas, saciar a sede,
analiticamente a sua composição é H2O”.
Preliminarmente, disciplina Fragoso (1995, p.147) que:

A expressão ´elemento´ é inadequada, pois dá a idéia de partes simples de um


composto. Seria mais adequado falar em ´características´ ou em ´requisitos´, embora
este mesmo autor admita que esta questão não afete a essência das coisas.

Existem duas formas de classificação analítica do crime. Embora a primeira


classificação (bipartida) não seja mais aceita pela doutrina, reservaremos a esta algum espaço,
assim como para a corrente dominante, que é a conceituação tripartida.
A concepção bipartida define o crime através de dois critérios: o subjetivo e o
objetivo, quer dizer a força moral e a força física, e Fragoso, (1995, p.146) ensina:

Na força moral teríamos a culpabilidade (vontade inteligente) e o dano moral do


delito, constituído pela intimidação (dano imediato) e pelo mau exemplo que o
delito apresenta; na força física teríamos a ação com que o agente executa o desígnio
malvado e o dano material do delito.

Porém, é pacífica a caracterização analítica do crime da forma tripartida, como uma


ação ou omissão típica, antijurídica e culpável. No entanto, disciplina Noronha (1979, p.113-
114) que:
19

Com segurança escreve Hungria que um fato pode ser típico, antijurídico, culpado e
ameaçado com pena ("in thesi"), isto é, criminoso, e, no entanto, anormalmente
deixar de acarretar a efetiva imposição de pena, como nas causas pessoais de
exclusão da pena (eximentes, escusas absolutórias), tal qual se dá no furto familiar
(art. 181, I e II) e no favorecimento pessoal (art. 348, §2º), nas causas de extinção da
punibilidade nas extintivas condicionais (livramento condicional e "sursis"), em que
não há aplicação de pena, mas o crime permanece.

Enquanto a ação é atividade, a omissão seria a falta de ação, falta que é uma
transgressão a uma expectativa jurídica sobre um ato considerado imperativo e necessário. A
conduta típica seria a correspondência entre o fato concreto e o modelo abstrato (previsão
legislativa), a ilicitude (antijuridicidade) é a característica deste ato, que é juridicamente
proibida, (sempre que a conduta é típica e não estão presentes os excludentes de ilicitude, quer
dizer, a legítima defesa, o estado de necessidade e o estrito cumprimento de dever legal e o
exercício regular de direito, conforme art. 19 do Código Penal).
Já a culpabilidade seria o juízo de reprovação social sobre a ação ou omissão, pois,
quando era esperado que o sujeito tomasse uma determinada atitude, toma outra proibida em
seu lugar. Todavia, a conduta, apesar de ser vedada pelo ordenamento, não é reprovável
quando o sujeito não é imputável, quando não tem potencial consciência da ilicitude ou
quando dele não se poderia exigir do indivíduo conduta diversa.
Parte bastante recessiva da doutrina diverge do aqui estabelecido, fixando que o
conceito de crime é constituído apenas de uma conduta ilegal e culpável, já que a conduta
ilegal é necessariamente típica. Outros acreditam que a culpabilidade é pressuposto da pena, e
não do crime. Como podemos perceber, nos baseamos na doutrina dominante para trabalhar
esta parte.
Baseada nesta caracterização analítica, afirma Fragoso (1995, p.147) que: “é feliz a
expressão que alguns autores empregam, segundo a qual, se se concebe o crime como um
prisma, seus componentes devem ser representados por suas faces e não como suas partes”.
20

CAPÍTULO II - DOS CRIMES CONTRA O PATRIMÔNIO

2.1 Roubo – art. 157 do Código Penal

O crime de roubo se encontra inserido no rol dos crimes contra o patrimônio. Esse
crime possui as mesmas características do furto, porém, possui fatores que agregados ao
elemento do tipo subtrair, geram um novo tipo penal. Há no roubo a subtração de coisa alheia
móvel, para si ou para outrem, porém com a existência de grave ameaça ou com o emprego de
violência contra a pessoa, os fatores que empregados fazem com que haja a entrega da coisa,
são as circunstâncias especiais que relevam sua diferença para o furto. Assim ensina Fragoso
(1988, p.342): “A distinção conceitual entre furto e roubo é que no primeiro é a subtração
clandestina; o segundo, o arrebatamento público e violento”.
Nesse sentido é a descrição típica do artigo 157 do Código Penal: “Subtrair coisa
móvel alheia, para si ou para outrem, mediante grave ameaça ou violência à pessoa, ou depois
de havê-la, por qualquer meio, reduzido à impossibilidade de resistência Pena - reclusão, de 4
(quatro) a 10 (dez) anos, e multa”.
Segundo leciona Noronha (1996 p.252-256): “O roubo nada mais é que o furto
agravado pelas circunstancias da violência física ou psíquica contra a pessoa, ou ainda por
outro meio que a impede de resistir aos propósitos e a ação do delinqüente”.
Subtrair coisa alheia móvel é retirar tudo aquilo que pertence a outrem e que pode ser
deslocado de um lugar para outro.
Grave ameaça é o prenúncio de um acontecimento desagradável com força
intimidativa, desde que importante e sério. A violência é constituída de toda forma de
constrangimento físico voltado a pessoa humana.
Qualquer outro meio é chamado violência indireta ou imprópria. Assim, aquele que
droga a vítima para enquanto ela esta desacordada, leva-lhes os seus pertences, esta
cometendo o crime de roubo e não de furto.
Segundo Nucci (2003, p.496-525): “A trombada é qualquer tipo de violência incidente
sobre a pessoa humana, com a finalidade de levar-lhe os pertences, configurando, portanto o
roubo e não o furto simples”.
Sujeito passivo pode ser qualquer pessoa que sofra diminuição (perda) patrimonial
(proprietário ou possuidor) ou que seja atingida pela violência ou grave ameaça.
21

A objetividade jurídica da lei é pretender assegurar o patrimônio e a integridade física


ou liberdade individual.
O número de vítimas não guarda equivalência com o número de delitos. Este último
será relacionado com base no número de resultados (lesão patrimonial), que o agente sabia
estar realizando no caso concreto.
É possível que um só roubo tenha duas vítimas, pois a vítima do roubo é tanto quem
sofre a lesão patrimonial, como quem sofre a violência ou grave ameaça. Ex: emprestar o
carro a alguém que venha a ser assaltado (tanto o proprietário quanto o possuidor são
vítimas).
Da mesma forma, havendo grave ameaça contra duas pessoas, mas lesado o
patrimônio de apenas uma, haverá crime único, porém, com duas vítimas.
Empregada grave ameaça contra cinco pessoas e lesado o patrimônio de três, por
exemplo, há três crimes de roubo em concurso formal.
Conforme explica Jesus (2005, p. 345-369):

Há um crime ou vários quando o sujeito, num só contexto de fato, mediante


violência ou grave ameaça, subtrai bens de varias pessoas? Supondo-se que o
agente, num bar, mediante ameaça de morte, empregando arma de fogo, subtrai
dinheiro de varias vitimas. Há multiplicidades de ofensas pessoais e de violação
possessórias. Neste caso, há concurso de crimes ou delito único? Responde por
roubos em concurso formal o sujeito que num só contexto de fato, pratica violência
ou grave ameaça contra varias pessoas, produzindo multiplicidade de violações
possessórias.

Assim, haverá concurso formal e não crime continuado, se em um só contexto o


sujeito subtrai bens de várias pessoas, ameaçando-as ou submetendo-as a violência (em
agência bancária, ônibus, residência, etc.). De acordo com a jurisprudência dominante dos
tribunais superiores, trata-se de concurso formal, e não de crime continuado.
Como ensina Parizatto (1996, p.19):

Se o agente usando de violência ou grave ameaça efetua varias subtrações de bens


que pertencem a varias pessoas, mediante uma só ação que se desdobra, todavia,
em vários atos de execução do crime de roubo, (RT 579/441, 619/400, 668/295,
714/395 e 458, JUTACRIMSP 73/437, 77/431,79/468, 82/324, 87/433, 88/365,
89/444, 91/411, Jurisprudência Brasileira Criminal 05/141, 05/144, 05/215, 05/218,
05/220, 05/237 e 05/251).
22

No entendimento de Gonçalves (2005, p. 19):

O roubo consuma-se no exato instante em que o agente, após empregar a violência


ou grave ameaça, consegue apoderar-se do bem da vítima, ainda que seja preso no
próprio local, sem que tenha conseguido a posse tranqüila da “res”. É esse
atualmente o entendimento do Supremo Tribunal Federal. Assim, segundo essa
orientação, se o agente aponta uma arma para a vitima e tira o seu relógio, mas
acaba sendo preso nesse exato instante, responde por roubo consumado.

A tentativa é possível e será verificada quando, iniciada a execução do tipo, mediante


violência ou grave ameaça, o agente não consegue efetivar a subtração; não se exige o início
da execução do núcleo “subtrair”, e sim da prática da violência.
Ensina Gonçalves (2000, p. 42):

Que apesar de serem exigidas para fins de consumação a retirada da coisa da esfera
de vigilância da vitima e a posse tranqüila, há que se ressaltar que a existência de
prisão em flagrante não implica necessariamente o reconhecimento da tentativa,
como por exemplo, no caso do flagrante ficto ou presumido, previsto no art. 302,
IV, do Código de Processo Penal, que permite que o agente seja preso algum
tempo depois da subtração.

No entendimento de Jesus (2005, p.343): “o roubo próprio permite a figura da


tentativa quando o sujeito, iniciada a execução do crime, mediante emprego de grave ameaça,
violência própria ou imprópria, não consegue efetivar a subtração da coisa móvel alheia”.

2.2 Extorsão – art. 158 do Código Penal

A definição do crime de extorsão consta do art. 158 do Código Penal: “Constranger


alguém, mediante violência ou grave ameaça, e com o intuito de obter para si ou para outrem
indevida vantagem econômica, a fazer, tolerar que se faça ou deixar de fazer alguma coisa”.
A característica básica desse crime é que o agente coage a vítima a fazer, não fazer, ou tolerar
que se faça algo, mediante o emprego de violência ou grave ameaça.
Para Capez (2004, p.418), em seu entendimento relata: “Estamos diante de uma forma
do crime de constrangimento ilegal, acrescida contudo de uma finalidade especial do agente,
consubstanciada na vontade de auferir vantagem econômica”.
23

A objetividade jurídica principal é a inviolabilidade do patrimônio. A extorsão, por se


tratar de um crime complexo, fusão de varias figuras típicas, tem por objetos jurídicos a vida,
a integridade física, a liberdade pessoal e tranqüilidade do espírito e a liberdade pessoal.
A finalidade do constrangimento (dolo genérico), no delito sob estudo, é o de obter
indevida vantagem econômica, para si ou para outrem (especial fim de agir).
Conforme destaca Bitencourt (2003, p.118): “a extorsão é muito semelhante ao crime
de roubo, oferecendo, inclusive, grande dificuldade prática para definir, in concreto, se
determinado fato pode ser classificado como roubo ou como extorsão”.
Assim, tem-se de procurar uma característica que possibilite a distinção entre os dois
delitos: tal característica se refere à obtenção de indevida vantagem patrimonial, para si ou
para outrem, a qual não se restringe a apenas a coisa alheia móvel, mas também a qualquer
interesse ou direito patrimonial alheio.
O escopo do agente é obter indevida vantagem econômica. Se a obtém o resultado será
de lesão patrimonial ao sujeito passivo.
O sujeito ativo pode ser qualquer pessoa (crime comum).
No entendimento do professor Prado (2000, p.404-418): “O sujeito passivo constrange
a pessoa, a fazer ou deixar de fazer alguma coisa, ou, ainda, a tolerar que se faça algo,
proporcionando ao autor uma vantagem ilícita”.
Pune-se a extorsão quando houver dolo. Inexiste a forma culposa. Exige-se, ainda, o
elemento subjetivo do tipo (“com intuito de”) ou o dolo especifico.
Nos termos da disposição, a finalidade do sujeito é a obtenção de indevida vantagem
econômica. O tipo exige um elemento normativo, contido na expressão “indevida”. Trata-se
de vantagem devida, o fato é atípico diante da existência do elemento normativo, passando a
constituir exercício arbitrário das próprias razões (CP, art.345).
A Súmula 76 do Superior Tribunal de Justiça dispõe que: “O crime de extorsão
consuma-se independentemente da vantagem indevida”. Ora, isto importa dizer que o crime
de extorsão é de natureza formal, devido, sobremaneira, à expressão presente no caput do
artigo 158: com o intuito de. Ocorrendo a indevida obtenção de vantagem econômica, ter-se-á
apenas o exaurimento da extorsão, a qual já se encontrava consumada.
Capez (2005, p.429) afirma que:

Há outra corrente, a qual defende ser a extorsão crime material, o qual se consuma
com a produção do resultado obtenção indevida de vantagem econômica. Trata-se
24

de posição minoritária e vencida, haja vista que o verbo do tipo não é obter, e sim
constranger com a finalidade de obter.

Portanto, para que possamos diferenciar o delito de extorsão do delito de


constrangimento ilegal, é preciso restar comprovada a intenção de o sujeito passivo obter,
para si ou para outrem, indevida vantagem econômica: havendo a intenção, o tipo é o do
artigo 158, caso inexista a intenção, o tipo é o do artigo 146.
Nucci (2005, p.648) ensina que:

Há três fases para o cometimento da extorsão. Na primeira, o agente constrange o


sujeito passivo, mediante violência própria. Na segunda, o sujeito passivo,
constrangido, se sente coagido a fazer/tolerar que se faça/deixar de fazer alguma
coisa. Na terceira, o sujeito ativo obtém a indevida vantagem econômica.

A extorsão tentada é admissível, de modo que se estiverem presentes todas as demais


elementares, mas a vítima, em virtude do constrangimento sofrido, não ceder à vontade do
autor, não há que se falar em consumação do delito (artigo 14, II). Observe-se que, como o
crime é formal, a tentativa só será possível se o crime for cometido por escrito. Ora, o uso da
violência própria, a qual não seja idônea para constranger o indivíduo, não produz a
consumação do crime: se a ameaça foi enviada por escrito o sujeito passivo, e, por
circunstâncias alheias à vontade do sujeito ativo, não veio a chegar às mãos da vítima, haverá
a tentativa; de outro modo, se o sujeito ativo enviou a ameaça ao sujeito passivo e esta chegou
às mãos deste, o delito terá se consumado; terceira e última hipótese: se a ameaça por escrito
chega às mãos do sujeito passivo e este não se sente ameaçado: entendemos que haverá
tentativa, porque o elemento constrangimento (núcleo do tipo) não foi atingido por motivos
alheios à vontade do agente.
A pena prevista no caput do artigo 158 será aumentada de um terço até metade se o
crime for cometido por duas ou mais pessoas ou se for cometido com o emprego de arma.
Portanto, vejamos cada causa de aumento da pena:
Extorsão cometida por duas ou mais pessoas. Note que a redação do § 1º não faz
menção ao concurso de duas ou mais pessoas, de modo que, na extorsão, a co-autoria é causa
de aumento de pena, enquanto a participação não provoca tal aumento. Portanto, faz-se
indispensável à participação efetiva e presencial na execução material do tipo penal, mesmo
25

que um dos co-autores seja inimputável. Com isto, estabelecemos que o delito de extorsão é
de natureza jurídica monossubjetiva, ou de concurso eventual
Extorsão cometida com o emprego de arma. O emprego de arma imputa maior temor à
vítima, diminuindo-lhe a capacidade de resistência. Arma, deve-se salientar, não é apenas
aquele instrumento destinado ao ataque ou à defesa (arma própria), mas também qualquer
outro instrumento que possa ser utilizado com o fim de diminuir a capacidade de resistência
da vítima (arma imprópria). O emprego de arma, mesmo que não efetue disparo, propicia ao
agente maior êxito na ação delituosa, acentuando a gravidade do injusto, bastando, pois, que o
sujeito ativo porte a arma ostensivamente, isto é, não é preciso que faça uso da arma.
Questão tormentosa é a das armas de brinquedo e das armas desmuniciadas. O
problema do porte se estende ao Estatuto do Desarmamento (Lei nº 10.826/03), o qual
revogou expressamente a Lei nº 9467/97, a qual previa como crime o porte de arma de
brinquedo ou de simulacro, lei esta que era coadunada pela Súmula 174 do Superior Tribunal
de Justiça: nos crimes de roubo, a intimidação feita com arma de brinquedo autoriza o
aumento da pena, tal Súmula foi, todavia, revogada pelo mesmo Tribunal, de modo que se
operou a abolitio criminis em relação à arma de brinquedo. Duas são as correntes para a
questão da arma de brinquedo e da arma desmuniciada.
A corrente minoritária, defendida por Capez (2005: 295), entende que: “se o porte é
ostensivo, usado com o propósito de infundir medo, ocorre a majorante”. Isto é: no caso da
arma de brinquedo, mesmo que o porte desta não seja mais previsto como crime, se ela for
utilizada para infundir medo na vítima, ocorre a majorante do § 1º. Ora, há que se observar à
redação do artigo 157, § 2º, I: se a violência ou ameaça é exercida com emprego de arma.
De acordo com esta redação, tanto faz se a arma é própria ou imprópria, e tanto faz se
a violência é física ou moral, o importante é que a violência própria seja provocada mediante
o emprego de arma, de modo a, idoneamente, facilitar a finalidade de subtrair coisa móvel
alheia, para si ou para outrem.
Bitencourt (2003, p.86-87), apesar de não fazer coro ao posicionamento de Capez, faz
importante ponderação: “a simulação de estar armado ou a utilização de arma de brinquedo,
quando desconhecida ou não percebida pela vítima, constituem grave ameaça,
suficientemente idônea” para poder reduzir o sujeito passivo à impossibilidade de resistência.
Ora, não se pode exigir da vítima, que esta saiba ou não que a arma é de brinquedo, ou que a
arma esteja desmuniciada.
26

A corrente francamente majoritária argumenta que a razão de ser da qualificadora está


sedimentada na potencialidade lesiva e no perigo que a arma real causa, e não no maior temor
infligido à vítima.
O Ministro Sepúlveda Pertence, em seu voto no julgamento do RHC 81.057 (25/ 05/
2004 – Informativo 385, Supremo Tribunal Federal), afirma que a teoria moderna do direito
penal, partindo dos princípios da necessidade da incriminação, da lesividade e da
ofensividade, mesmo que o crime seja de mera conduta (para a sua configuração não é
necessário resultado material exterior à ação), não se pode admitir a existência de delito sem
que haja lesão efetiva ou potencial ao bem jurídico tutelado. Para que haja a ofensividade
típica (aquela reprovável pela norma penal), é preciso que estejam aliadas a danosidade real
do objeto (arma real – no sentido de não ser de brinquedo – e municiada, ou com
possibilidade real de ser municiada) e a conduta criadora de risco proibido relevante (isto é, o
dolo do agente).
Assim, podemos depreender que, para a corrente francamente majoritária, a inaptidão
da arma (seja ela de brinquedo, seja ela desmuniciada) proporciona a atipicidade da conduta,
haja vista que não há potencialidade lesiva da arma de fogo simulada, de brinquedo ou
desmuniciada. Além disso, o sistema penal brasileiro tem por escopo punir a culpa lato sensu
do agente, e, como no delito sob estudo só há a forma dolosa, a análise deverá recair sobre o
dolo do agente, ou seja, sobre a conduta criadora de risco proibido relevante do agente, risco
este que inexiste quando o agente porta arma de brinquedo ou arma desmuniciada, haja vista
que tais armas não produzem a ofensividade típica definida alhures.
São dois posicionamentos que apresentam argumentos fortes, de modo que, por ora,
nos posicionamos favoráveis à linha de entendimento majoritária.
A extorsão apresenta-se qualificada ou por lesão corporal grave ou por morte. Veja-se
cada qualificadora:
Caso a extorsão for praticada mediante violência física, e desta resultar lesão corporal
grave, a pena será de sete a quinze anos de reclusão e multa. A lesão corporal que qualifica a
extorsão é aquela prevista pelo artigo 129, §§ 1º e 2º, de modo que, necessariamente, deve o
resultado qualificador decorrer pelo menos de conduta culposa do agente (artigo 19). O
sujeito ativo só responde pela extorsão qualificada pelo resultado lesão corporal, se esta for
grave, independentemente de a ter produzido mediante conduta culposa (caso em que o delito
seria preterdoloso) ou mediante conduta dolosa.
Na hipótese da extorsão se for praticada mediante violência própria, e desta resultar
morte, a pena será de vinte a trinta anos de reclusão e multa. Não há extorsão qualificada pelo
27

resultado morte quando há a morte de co-autor do delito de extorsão, uma vez que a morte do
co-autor “não é meio, modo ou forma de agravar a ação desvalisosa” do delito qualificado;
ora, o tipo penal exige que a violência seja cometida contra o sujeito passivo, e não contra um
dos sujeitos ativos. (BITENCOURT, 2003, p.112)
Deve-se, contudo, tomar cuidado com o erro quanto à pessoa (artigo 20, § 3º). Jesus
(1998, p.528) explica que:

Se o agente, pretendendo matar a vítima, acabar matando o co-autor, responde pelo


crime de extorsão qualificada, como se tivesse atingido quem realmente queria
atingir. Quando há a morte de terceiro resultante da troca de tiros entre policiais e
assaltantes, para que haja a qualificadora, deve-se comprovar que um dos
assaltantes foi quem efetuou o disparo da bala que atingiu o terceiro; entretanto,
havendo dúvida, os assaltantes não podem ser responsabilizados, em virtude do
princípio in dubio, pro reo.

Ainda na extorsão qualificada pelo resultado morte, há duas observações a fazer. A


Lei nº 8.072/1990, em seu artigo 1º, III, assim dispõe: “são considerados hediondos os
seguintes crimes, todos tipificados no Decreto-Lei nº 2.84o, de 7 de dezembro de 1940 –
Código Penal, consumados ou tentados: III – extorsão qualificada pela morte (art. 158, § 2º)”.
A segunda observação a fazer se refere à consumação e tentativa: não se pode aplicar
a Súmula 610 do Supremo Tribunal Federal (há crime de latrocínio, quando o homicídio se
consuma, ainda que não realize o agente a subtração de bens da vítima) ao crime de extorsão
qualificado pelo resultado morte, haja vista que é crime formal, o qual independe da obtenção
de vantagem econômica indevida (caso em que seria crime material) para a sua consumação,
de modo que devemos aplicar, portanto, a Súmula 96 do Superior Tribunal de Justiça: o crime
de extorsão consuma-se independentemente da obtenção da vantagem indevida.
Além do artigo 157, § 2º, V, podemos dizer que: “o artigo 158, caput, é um dos
exemplos de seqüestro-relâmpago, figura atípica, mas que encontra três exemplos no Código
Penal, de modo que o terceiro é o do caput do artigo 159”.
A doutrina cita o exemplo de Tício que, encontra-se na agência de certo Banco, às
20h00 de um sábado, sacando dinheiro e é surpreendido por Mélvio, o qual o constrange,
mediante uso de arma, a entregar-lhe o cartão magnético e lhe fornecer a senha do mesmo, de
modo a acompanhar Mélvio a vários caixas eletrônicos existentes na Cidade, para sacar
dinheiro, para si, da conta de Tício.
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O professor Jesus (2005, p.343) defende que:

A tentativa é admissível. Ocorre quando o sujeito passivo, não obstante


constrangido pelo autor, por intermédio da violência física ou moral, não realiza a
conduta positiva ou negativa pretendida por circunstancias alheias a sua vontade.

2.3 Extorsão mediante seqüestro – art. 159 do Código Penal

Contempla o Código Penal no art. 159 mais um crime de extorsão. Cuida-se contudo,
da privação da liberdade da vítima tendo por fim a obtenção de vantagem, como condição ou
preço do resgate.
A exemplo dos delitos dos artigos 157 e 158, o delito de extorsão mediante seqüestro é
crime complexo e pluriofensivo. Pluriofensivo porque os bens jurídicos tutelados são o
patrimônio do indivíduo, a liberdade pessoal e a integridade física e psíquica da pessoa.
Complexo porque engloba os crimes de extorsão (artigo 158) e de seqüestro (artigo 148).
Deste modo, segundo Bitencourt (2003, p.136) “temos de prestar atenção ao nomen
iuris dado pelo legislador ao tipo previsto no artigo 159: extorsão mediante seqüestro, ou seja,
a definição trazida pelo caput do artigo 159 deve ser interpretada com cautela”.
Trata-se de crime hediondo em todas as modalidades simples ou qualificada (Lei
8.072/90).
A objetividade jurídica imediata é a inviolabilidade do patrimônio. De forma
secundária, o CP tutela também a liberdade de locomoção. Trata-se de crime complexo, em
que, há um tempo, o legislador protege dois bens jurídicos: um referente ao patrimônio e
outro concernente à liberdade pessoal.
Sujeito ativo é qualquer pessoa.
Sujeito Passivo é qualquer pessoa. Pode ocorrer hipótese de dois sujeitos passivos: um
que é seqüestrado e outro a quem se dirige à intenção do agente de obter qualquer vantagem,
como condição ou preço do resgate. Ex: o sujeito seqüestra uma criança pretendendo obter
resgate de seus pais. Há dois sujeitos passivos. Um a criança; outro, seu representante legal.
Tratando-se de crime formal, pune-se a mera atividade de seqüestrar pessoa, tendo a
finalidade de obter resgate. Assim, embora o agente não consiga a vantagem almejada, o
delito esta consumado quando a liberdade da vitima é cerceada.
O seqüestro é delito permanente, protraindo-se no tempo o seu momento consumativo,
e formal, vale dizer, realizado o ato de seqüestrar a pessoa, detê-la, estará consumado o crime,
29

independentemente da obtenção da vantagem, tendo em vista que se trata de delito de


intenção, existindo um especial fim de agir expresso pela locução com fim de obter vantagem
(elemento subjetivo especial do tipo).
Verifica-se, de plano, com o aludido nomen iuris do tipo penal, que se trata de
modalidade especial do delito de extorsão: muda-se o verbo constranger pelo verbo
seqüestrar, de modo que a finalidade é a mesma: obter, para si ou para outrem, indevida
vantagem econômica. De se ressaltar que tal vantagem serve como condição ou como preço
do resgate do seqüestrado.
Na extorsão mediante seqüestro o momento consumativo ocorre com o seqüestro da
vítima, de modo que se torna desnecessária a obtenção de indevida vantagem econômica, de
modo que é suficiente que seja insinuada. Reproduzimos, assim, a Súmula 76 do Superior
Tribunal de Justiça, uma vez que o crime sob estudo é modalidade especial do delito de
extorsão: o crime de extorsão consuma-se independentemente da vantagem indevida, o que
importa dizer que se trata de crime formal (basta observar a expressão no caput do artigo 159:
com o fim de, a qual é a mesma do caput do artigo 158, com o intuito de).
Ocorrendo a indevida obtenção de vantagem, ter-se-á apenas o exaurimento do delito,
o qual já se encontrava consumado. Portanto, para que possamos diferenciar o delito de
extorsão mediante seqüestro do delito de seqüestro/cárcere privado, é preciso restar
comprovada a intenção de o sujeito passivo obter, para si ou para outrem, indevida vantagem.
Havendo a intenção, o tipo é o do artigo 159, caso inexista a intenção, o tipo é o do
artigo 148. A priori, a tentativa faz-se possível, embora, em concreto, ou seja, difícil sua
configuração, uma vez que seqüestrada à pessoa, o crime já terá se consumado, a não ser que
o agente inicie a execução do crime e, por circunstâncias alheias à sua vontade, o delito não se
consuma.
A tentativa é possível, pois o agente pode ter frustrada sua ação de seqüestrar, isto é,
quando esta realizando os atos tendentes à privação da liberdade do sujeito passivo, tem a
ação interrompida por circunstancias alheias à sua vontade.
Seqüestrar alguém significa privá-lo de sua liberdade, impedir sua locomoção. A
vítima, nos termos da lei, deve ser um “ser humano”, uma pessoa. Por isso, a privação de
liberdade de animal de estimação, de raça, mesmo que tenha por finalidade a obtenção de
resgate, caracteriza tão-somente o crime de extorsão.
A ação incriminadora é seqüestrar pessoa, isto é, arrebatá-la, detê-la, tirá-la de
circulação. O seqüestro objetivo obter qualquer vantagem, como condição ou preço do
resgate.
30

É o dolo, que deve abranger os elementos objetivos do tipo. Não há a forma culposa.
Exige-se, ainda, o elemento subjetivo do tipo especifico - “com o fim de obter, para si ou para
outrem, qualquer vantagem, como condição ou preço do resgate”. É o dolo especifico na
doutrina tradicional.
O artigo 148, que trata do delito de seqüestro e de cárcere privado, tutela a liberdade
física individual, de modo que, como a liberdade é um bem jurídico disponível, não haverá
crime quando, para o cerceamento da liberdade, houver consentimento válido da vítima, mas,
se em algum momento houver dissentimento da vítima, restará configurada a liberdade
cerceada e o tipo penal em questão.
O seqüestro consiste, segundo a lição doutrinária, na privação da liberdade de
locomoção do sujeito passivo, não implicando em seu confinamento.
Para haver, efetivamente, o seqüestro, é preciso que o agente atue com a intenção de
seqüestrar, ou seja, é necessária a presença do dolo específico de privar a pessoa de sua
liberdade.
De acordo com Mirabete (2005, p.187):

Se tal elemento subjetivo estiver ausente, ou seja, se o agente atua por outro intento
que não o de seqüestrar a vítima, não se configura o seqüestro, o mesmo se dando
em relação ao cárcere privado, de modo que o crime será de constrangimento ilegal.

Na mesma esteira, ensina Fragoso (apud Mirabete, 2005, p.185): “a privação da


liberdade mediante seqüestro ou cárcere privado é espécie subsidiária ao delito de
constrangimento ilegal, já que se impede a liberdade de locomoção do sujeito passivo”. Ao
que aduz Capez (2005, p.310): “a finalidade for coagir outrem para que faça ou deixe de fazer
algo, o crime será de constrangimento ilegal”.
Depreendemos, pois, que se o agente não tiver o dolo de seqüestrar, e sim o de coagir
outrem para que faça/tolere que se faça/deixe de fazer alguma coisa, haverá o crime de
extorsão (artigo 158), e não o de extorsão mediante seqüestro (artigo 159).
Difere-se o delito do artigo 159 do delito do artigo 148 pela seguinte razão: no crime
de seqüestro/cárcere privado, o agente tem o dolo de privar a liberdade da vítima, sem disso
pretender auferir qualquer vantagem patrimonial; no crime de extorsão mediante seqüestro, o
agente tem o especial fim de obter vantagem econômica indevida. Assim, temos o que
corriqueiramente se chama seqüestro-relâmpago, em um de seus exemplos no Código Penal.
31

Como se trata de crime comum, o sujeito passivo, bem como o sujeito ativo, pode ser
qualquer pessoa. Repetimos a lição dada alhures de que todo crime complexo pode apresentar
dois sujeitos passivos: aquele que sofre a lesão patrimonial e aquele que sofre o seqüestro. A
pessoa jurídica pode figurar como sujeito passivo da lesão patrimonial, mas não do seqüestro.
Em sua forma simples, a extorsão mediante seqüestro apresenta como pena in abstrato
a reclusão de oito a quinze anos. Pena esta que poderá ser qualificada de acordo com uma das
situações seguintes: a) a pena será de reclusão de doze a vinte anos, se o seqüestro durar mais
de vinte e quatro horas, se o seqüestrado for menor de dezoito anos, se o seqüestrado for
maior de sessenta anos, ou se o crime for cometido por bando ou quadrilha; b) a pena será de
reclusão de dezesseis a vinte e quatro anos se do seqüestro cuja finalidade seja a extorsão
resultar lesão corporal de natureza grave; c) a pena será de reclusão de vinte e quatro a trinta
anos se do seqüestro cuja finalidade seja a extorsão resultar morte. Veja-se cada qualificadora:
Na o seqüestro durar mais de vinte e quatro horas. A duração do seqüestro por mais de
um dia aumenta o sofrimento da vítima, bem como de seus familiares.
Caso o seqüestrado for menor de dezoito anos. A lei presume que o menor de dezoito
tem sua resistência diminuída em relação ao sujeito ativo do crime. Deve-se ter em mente que
o sujeito passivo deve ser menor de dezoito anos e maior de quatorze anos, haja vista que a
Lei nº 8.072/90, traz a previsão de aumento da pena de metade se o sujeito passivo for menor
de quatorze anos de idade. Assim, a qualificadora só incidirá se o sujeito for maior de
quatorze anos e menor de dezoito anos na data do delito; se for menor de quatorze anos,
incidirá o caput do artigo com aumento de metade da pena prevista.
No caso do seqüestrado for maior de sessenta anos. A lei presume que o maior de
sessenta anos tem sua resistência diminuída em relação ao sujeito ativo do crime. A inclusão
do idoso nesta qualificadora decorre do Estatuto do Idoso.
Se o crime for cometido por bando ou quadrilha. A definição de quadrilha ou bando
encontra-se no artigo 288: associação de mais de três pessoas, com a intenção de formar
bando ou quadrilha, para o fim de cometer crimes. Deve-se prestar atenção ao objetivo da
quadrilha ou do bando ser o de cometer mais de um crime, de modo que se mais de três
pessoas tiverem como objetivo a prática de um único crime, não há que se falar em bando ou
quadrilha, e, por conseguinte, na incidência da qualificadora.
Acaso, do crime resultar lesão corporal de natureza grave. A doutrina tem entendido
que tal situação pode ser tanto preterdolosa quanto dolosa, de modo que é indiferente para a
cominação da pena se o resultado mais grave foi produzido por culpa (involuntariamente) ou
32

por dolo (voluntariamente) do agente. E mais: se o resultado mais grave decorreu do seqüestro
ou da extorsão. Em qualquer desses casos incidirá a qualificadora.
Se do crime resultar morte. O resultado morte resultante do seqüestro ou da extorsão
no crime em apreço, produz o tipo penal mais severamente punido, in abstrato, no Código
Penal brasileiro. Repetimos que é indiferente para a cominação da pena se o resultado adveio
de culpa (caso preterdoloso) ou de dolo (caso doloso).
O § 4º, por fim, apresenta uma causa de diminuição de pena (minorante), apresentando
a seguinte redação: se o crime é cometido em concurso, o concorrente que o denunciar à
autoridade, facilitando a libertação do seqüestrado, terá sua pena reduzida de um a dois terços.
Para a concessão da minorante, são necessários três requisitos: a) o crime deve ser cometido
em concurso de pessoas (artigo 29); b) um dos concorrentes deve denunciar o crime à
autoridade; c) a denúncia deve facilitar a libertação do seqüestrado. Trata-se do instituto da
delação premiada. Como se pode depreender dos requisitos, o escopo da delação premiada, a
despeito do nome que lhe é dado, é o de facilitar a libertação da vítima seqüestrada e punir os
demais criminosos, e não o de premiar o delator.
33

CAPÍTULO III - O SEQUESTRO RELÂMPAGO

3.1 A Mídia Nacional

O Seqüestro Relâmpago, assim impropriamente denominado pela Mídia Nacional,


vem sendo caracterizado como uma conduta típica nuclear, constante de restringir a liberdade
do ser humano como forma de obter indevida vantagem econômica.
A Mídia, sob o modelo de uma força crepuscular capaz de influenciar na dicotomia
apresentada, com nítida ressonância no sistema penal como um todo.
Ora, nesse contexto é inegável o papel da mídia na adoção de medidas emergenciais,
otimizando o emprego promocional e simbólico do sistema eminentemente repressivo, jamais
reeducador ou ressocializador, com distribuição igualitária de direitos e deveres.
Com efeito, a notícia sobre o crime fascina a humanidade desde os primórdios. Trata-
se de um fascínio sobre o que motiva o crime e principalmente sobre a pessoa do criminoso,
diferenciando-o do homem de bem.
O que se alardeia, ainda, que muito de nossa legislação penal é irracional, portanto,
obsoleta, tornando o público moralmente indignado e atenua suas emoções em vinganças.
Na elaboração da notícia do crime e do que motivou o criminoso, não seria a imprensa
como um todo e a mídia mais precisamente, representantes de um poder que na verdade não
mostra suas garras, alegando sempre a "liberdade de imprensa".
Segundo Franco (2001, apud Silva, 2007), quando asseverou sua preocupação com o
crescente exercício de um jornalismo sem jornalistas, exarando que:

Há uma grave crise de reportagem. Repórteres já não saem às ruas. Fontes


interessadas, sem dúvida conhecedoras das debilidades provocadas pela síndrome
da concorrência, têm encaminhado algumas denúncias consistentes. Outras, no
entanto, não se sustentam em pé. Duram o que dura uma chuva de verão. Como
chegam, vão embora. Curiosamente, quem as publica não se sente obrigado a dar
nenhuma satisfação ao leitor. Grandes são os riscos de manipulação informativa
que se ocultam sob o brilho de certos dossiês que têm batido às portas das
redações. Precisamos, por isso, desenvolver um redobrado esforço de qualificação
das matérias que chegam às nossas mãos. Tais cuidados éticos, importantes e
necessários, não podem ser indevidamente interpretados como uma manifestação
de apoio às renovadas tentativas de controle externo da imprensa. Sou contra a
censura. Minha defesa da ética passa, necessariamente, por uma imprensa livre".
34

É inegável que a liberdade de imprensa deve prevalecer sobre a censura, mas jamais
ser confundida com libertinagem de imprensa, impregnada numa condenação imediata de
quem quer que esteja relacionado como suspeito da prática de uma conduta criminosa, num
verdadeiro espetáculo.
Isto revela que alguns setores da imprensa já adquiriram consciência de sua influência
na sociedade e as conseqüências do poder com o qual se reveste a mídia.
Pelo comportamento da mídia, diante de uma situação não comprovada, promoveu a
conseqüente execração pública das pessoas envolvidas, onde a sociedade, com base nas
informações difundidas nos meios de comunicação, julgou os acusados antes da devida
apreciação do caso pelo judiciário. As seqüelas emocionais dos envolvidos, com certeza, são
insanáveis. Constata-se serem, os mesmos, as verdadeiras vítimas de toda esta celeuma
amplamente propagada nos veículos da mídia nacional. A Lei Máxima assegura que são
invioláveis as intimidades, a vida privada, a honra, a imagem das pessoas, assegurada o
direito de indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.

3.2 Seqüestro relâmpago

3.3 Introdução

Desde os primórdios o homem vive cercado pela ocorrência de fatos sociais. Dentre
tais eventos, os gerados pela exteriorização da vontade dos indivíduos solicitam a todo
instante a elaboração de normas que regulem a convivência entre os mesmos.
A adequação dessa dicotomia fato-norma ao acontecimento social do seqüestro
relâmpago ainda não foi acolhido especificamente pela legislação criminal pátria, conforme
será analisado.
De fato, sob os ditames dos preceitos normativos, o homem vem sendo e sempre será
tolhido em sua liberdade, já que seu comportamento deve estar invariavelmente adstrito aos
limites ali impostos.
Dessa forma, vislumbram-se um ilícito jurídico no exato instante em que qualquer
integrante do corpo social olvida o cumprimento dos ditos preceitos, ultrapassando os liames
neles traçados e, via de conseqüência, agindo em desacordo com o ordenamento vigente. O
gênero ilícito jurídico, assim demonstrado, tem no ilícito penal a sua espécie mais relevante,
tendo em vista serem protegidos nesse último os bens de maior importância para os
componentes da sociedade.
35

Daí decorre o raciocínio segundo o qual falar em Direito Penal significa discorrer
acerca da violência exercida contra determinados bens, cuja tutela necessariamente precisa ser
exercida pelas normas criminais, haja vista terem os demais ramos do Direito demonstrado a
sua incapacidade de sozinhos, conferirem aos mesmos a proteção indispensável.
Segundo Toledo (1999, p.6): “O objetivo fundamental da norma penal é a tutela de
bens, valores e interesses, para além dos quais inexistiria tutela possível”.
Possui, destarte, o Direito Penal natureza peculiar de meio de controle social
formalizado e secundário, já que procura resolver conflitos interindividuais que se mostraram
resistentes aos meios extrapenais de controle.
Para Bitencourt (2003, p.43):

O Direito Penal não constitui um “sistema exaustivo” de proteção de bens jurídicos,


de sorte a abranger todos os bens que constituem o universo de bens do indivíduo;
representa sim um “sistema descontínuo” que seleciona apenas alguns dos fatos
considerados ilícitos por outros ramos da ciência jurídica ou, em outras palavras,
consideram em seus objetos tão somente os ilícitos jurídicos que devem ser
criminalizados ante a ineficácia da proteção extrapenal.

Eis, portanto, o caráter fragmentário do Direito Penal, através do qual, num primeiro
passo, seleciona-se o objeto a ser posto sob a proteção social e, posteriormente, confere-se
relevância punitiva tão somente às condutas que atinjam esse objeto ou, ao menos, visem a
esse fim.
Assim, por ser, indiscutivelmente, o seqüestro relâmpago um conjunto de ações
repugnantes em qualquer sociedade, efetivamente deve ele fazer parte do rol das condutas
selecionadas como alvo da repressão penal. Destarte, é a finalidade deste ensaio perquirir
quais dispositivos normativos que hoje o alcançam.
Com efeito, da referida fragmentariedade surge uma construção tipológica
individualizadora das condutas que são consideradas gravemente lesivas àqueles bens
jurídicos que, necessitam da tutela penal.
Esta a representação esquemática do tipo legal; figura que atravessou desde os fins do
século XIX e durante todo o século passado um período de constantes modificações em seu
conceito e campo de abrangência.
36

A fim de desenvolver o presente tema, é salutar a demonstração resumida de dita


evolução, vez que no seu decorrer o tipo penal açambarcou inúmeros elementos que, embora
não fizessem parte de seu conceito inicial, hoje são indispensáveis à sua configuração.

3.4 Tipicidade

Nossas atuais normas penais obedecem a essa nova formatação da estrutura delitiva,
estando nelas contidas todas as condutas proscritas pela nossa sociedade.
Assim, para que qualquer um do povo possa ser destinatário de uma sanção de
natureza criminal, faz-se mister, a princípio (pois não se está analisando a ilicitude e a
culpabilidade da ação), que a conduta concreta seja idêntica à conduta paradigmática traçada
numa das normas penais vigentes (nulla poena sine praevia lege); e o esforço intelectivo que
o intérprete faz para saber, em cada caso específico, qual das normas penais prevê a ação
incriminada é o que se chama de “Juízo de Tipicidade”.
Consiste, portanto, o “Juízo de Tipicidade” na separação de cada um dos elementos da
conduta tida como ilícita para posterior contraste entre eles e os elementos das condutas
descritas abstratamente numa ou em nalgumas capitulações jurídicas, até que se encontre a
identidade entre uma e outra. É a busca do intérprete pelo tipo ou tipos penais que possuam,
ainda que previstos abstratamente, os elementos componentes da conduta do agente.
Com efeito, ensina o festejado Cezar Roberto Bitencourt (2003, p.234) que:

Há uma operação intelectual de conexão entre a infinita variedade de fatos possíveis


da vida real e o modelo típico descrito na lei. Essa operação que consiste em analisar
se determinada conduta apresenta os requisitos que a lei exige, para qualificá-la
como infração penal, chama-se Juízo de Tipicidade.

3.5 Tipicidade do seqüestro relâmpago

Como é cediço, o seqüestro relâmpago constitui-se num fato social cada vez mais
freqüente. Também é sabido não existir no Código Penal Brasileiro o tipo denominado
seqüestro relâmpago, sendo este, na realidade, um nome impróprio desprovido de precisão
técnica. De uma forma ou de outra, novo, ou não tipificado especificamente, a sua conduta é
hoje possibilitada em função do avanço tecnológico, que não podia ser previsto pelo
legislador de 1940.
37

Em razão dessas constatações, restou aos operadores do Direito a interpretação dos


tipos penais já existentes de forma a adequar o fato, como já se disse, impropriamente
denominado seqüestro relâmpago, a algum ou alguns deles. Eis o objetivo deste trabalho.
De fato, o uso demasiadamente continuado de cheques pelos integrantes da classe
média e da alta, o acesso facilitado a bens de consumo que interessam aos marginais, a
possibilidade de saques de dinheiro em espécie em bancos caixas eletrônicos cujo
funcionamento não é interrompido (24 horas), dentre outras causas são, incontestavelmente,
as causas propulsoras do aparecimento e da proliferação da prática do delito em discussão.
Reflexo ainda da inversão de valores que vivenciamos, onde o respeito pela liberdade
e integridade alheias anda esquecido, o seqüestro relâmpago, como o próprio nome já
exprime, consiste inicialmente na privação da liberdade exercida por um ou mais meliantes
contra determinada pessoa ou pessoas, ainda que dita privação perdure por espaço de tempo
inferior ao que normalmente se verifica na ocorrência de um seqüestro propriamente dito.
Com finalidade meramente didática, passa-se a analisar a conduta do ilícito em foco
como sendo praticada apenas por um agente contra uma única vítima, tendo em vista ser
importante, não a particularidade referente ao concurso de pessoas, mas sim aquela
respeitante à adequação típica.
A intenção do autor do fato é, geralmente, dupla, pois o visa, a uma, subtrair da vítima
alguns de seus pertences, como relógio, carteira, celular, bolsa, carro, óculos, pulseira e o que
mais de valor estiver em seu poder; e, a duas, constranger a vítima a lhe entregar o cartão da
sua conta corrente, bem como a respectiva senha para, posteriormente, estando a vítima ainda
com a sua liberdade privada, serem efetuados saques em caixas eletrônicos de dinheiro em
espécie.
É essencial frisar, no entanto, que, apesar de ser normal a germinação na mente do
sujeito ativo da idéia de promover todos os atos supradescritos, nem sempre podem os
mesmos ser praticados em sua totalidade pelos motivos mais diversos, os quais estão além do
querer do agente.
Por isso, é indispensável à constatação de que o seqüestro relâmpago, como fato social
não tipificado com esse nomem júris, possui duas hipóteses de consumação, a saber:
Na primeira, o criminoso consegue por em prática tudo aquilo que idealizou, pois,
privando a liberdade da vítima, subtrai um ou alguns pertences que estavam na posse da
mesma e ainda realiza saques em caixas eletrônicos com o cartão bancário desta;
Na segunda, contudo, por um motivo qualquer (ex: a vítima estava só com a carteira e
nesta não tinha dinheiro, nem cheques; ou o agente receoso por estar praticando um delito,
38

concentrou-se apenas nos saques realizados nos caixas eletrônicos e não buscou as
subtrações), o sujeito ativo, após privar a vítima de sua liberdade, mas sem subtrair-lhe objeto
algum, apenas a coage a efetivar saques nos chamados bancos 24 horas ou a tolerar que tal
seja feito com o seu cartão bancário.
De plano, verifica-se, com facilidade, que o ilícito vulgarmente denominado de
“seqüestro relâmpago” não se exaure no ato único de o delinqüente exigir o fornecimento pela
vítima da senha do cartão bancário, como chegou-se a pensar.
O fato social conhecido por “seqüestro relâmpago” é plurissubsistente, ou seja, sua
execução desdobra-se em, no mínimo, dois atos sucessivos, de vez que sempre estão
presentes, pelo menos, a privação da liberdade e a coação acima citada.

3.5.1 Análise da Primeira Hipótese de Seqüestro Relâmpago

Apenas para lembrar, a hipótese que será agora analisada é a do criminoso que, por
conseguir por em prática tudo aquilo que idealizou na fase da cogitação do iter criminis,
subtrai um ou alguns pertences do ofendido e ainda obtém êxito quanto à efetuação de saques
em caixas eletrônicos com o cartão bancário deste.
De forma objetiva, pode-se dizer que o agente praticou:
a) a abordagem à vítima, utilizando-se de violência ou sob a ameaça de, do que
decorreu a privação da liberdade durante todo o itinerário do ilícito;
b) o apossamento dos bens de propriedade da vítima, tais como: carteira, celular,
relógio etc;
c) a coação para que o ofendido efetue saques ele próprio ou forneça ao sujeito ativo a
senha do seu cartão bancário e, por fim;
d) a efetivação dos saques nos caixas eletrônicos com a posterior liberação da vítima.
Verifica-se, de logo, que o ato de privar a liberdade foi praticado pelo agente com a
finalidade específica de assegurar a consumação dos atos posteriores, os quais efetivamente
importaram em prejuízo ao patrimônio da vítima.
Pode-se dizer, portanto, que o ato ilícito consumado quando da privação da liberdade
da vítima foi cometido como o fim único de possibilitar o sucesso de toda a empreitada
criminosa, isto é, tanto do desapossamento dos pertences da vítima quanto dos saques de
dinheiro nos bancos 24 horas.
Assim, tendo em vista ser a consumação das subtrações e dos saques o motivo que
leva o sujeito ativo a praticar o “seqüestro relâmpago”, analisar-se-á primeiramente a
39

tipificação dessas condutas (subtração / saque) para, apenas posteriormente, adequar-se ao


fato típico já delineado o elemento privação da liberdade.
Posto isso, tem-se que a primeira ação a ser tipificada (apossar-se o agente dos bens
que estão em poder da vítima) configura, ineludivelmente, o tipo penal descrito no caput do
art. 157 do Código Penal. De fato, conforme pode ser facilmente constatado, todos os
elementos integradores do delito de roubo estão presentes na referida conduta.
Como um crime comum, pode ser praticado por qualquer pessoa e, por essa razão, a
figura do delinqüente que pratica os chamados "seqüestros relâmpagos" adequa-se
perfeitamente ao sujeito ativo previsto abstratamente pela norma.
Igualmente, a conduta descrita na aludida capitulação jurídica (art. 157 CP), espelha
perfeitamente à ação sob comento, pois diz que pratica roubo quem: “Subtrair coisa móvel
alheia...”, não havendo, ainda, como negar a presença do elemento normativo do tipo,
especificado no termo “alheia”, vez que evidentemente não será subtraído bem de propriedade
do autor do fato.
Ademais, está presente na ação delituosa em tela tanto o dolo, isto é, à vontade de
subtrair, quanto o elemento subjetivo especial do tipo contido na expressão “[...] para si ou
para outrem [...]”.
E, por fim, constata-se que o desapossamento em questão somente foi possível graças
à ação violenta ou terrivelmente ameaçadora do agente, conforme exigência expressa do
dispositivo em foco.
Assim, relembrando a conduta sob análise, pode-se ter como certa a infringência pelo
agente, numa primeira ação, do tipo penal de roubo, haja vista o desapossamento que sofreu a
vítima de seu celular, de seu relógio, de sua pulseira, de seu carro etc.
Questiona-se, no entanto: e a coação exercida sobre a vítima para que ela própria
efetue os saques nos caixas eletrônicos ou venha a fornecer a senha de seu cartão bancário,
não estaria também compreendida na consumação do clássico delito contra o patrimônio o
roubo.
O Seqüestro Relâmpago evidentemente não há previsão legal com essa definição, tem
se dado essa denominação àquelas condutas delituosas em que o autor da infração, visando a
subtrair bens da vitima, mantém na privada da liberdade momentaneamente, enquanto que as
condutas praticadas pelos sujeitos que mantêm a vítima sob seu domínio com o desiderato de
obter qualquer vantagem de natureza patrimonial e irão incluir sempre nas condutas previstas
nos arts. 157, 158 ou 159 do Código Penal.
40

O Seqüestro Relâmpago é uma modalidade recente de crime. Acontece quando o


autor, mediante violência ou grave ameaça, constrange a vítima a lhe entregar seus pertences
que possui no momento ou os que estão em sua residência ou, o mais comum, entregar seu
cartão de crédito e dirigir a um caixa eletrônico para retirar dinheiro obrigando a vítima a lhe
fornecer a senha.
O objeto fundamental do Seqüestro Relâmpago, está na ofensa ao bem patrimonial e à
liberdade pessoal do individuo, consistindo, inicialmente na privação da liberdade exercida
por um ou mais sujeitos ativos contra determinados sujeitos passivos, ainda que dita privação
perdure por espaço de tempo inferior ao que normalmente verifica na ocorrência de um
seqüestro propriamente dito.
Neste aspecto, surgem insinuações incorretas por parte da imprensa no tocante à
verdadeira adequação típica, pois, conforme o caso enseja a ocorrência de roubo, extorsão ou
extorsão mediante seqüestro, confundindo não só o homem leigo no aspecto legislativo, como
também o operador do direito.
Os legisladores infraconstitucionais buscam a tipificação do denominado “Seqüestro
Relâmpago” como crime, visando minorar o dilema enfocado.
Como leciona Jesus. (2000), em artigo de sua lavra denominado: “Seqüestro
Relâmpago”, disserta esplendidamente acerca do enquadramento típico da conduta delituosa
que consiste no constrangimento da vítima pelo sujeito ativo para efetivar os saques ou
entregar o cartão magnético e fornecer a respectiva senha.
Segundo explica, “existem três orientações que distinguem o tipo penal de roubo do
tipo de extorsão, sendo duas delas minoritárias e uma outra, hoje, amplamente dominante
entre os jurisconsultos”.
De acordo com a primeira das teorias minoritárias, o crime de extorsão reclama um
intervalo temporal entre a conduta constrangedora do autor, o comportamento da vítima e a
obtenção da indevida vantagem econômica; lapso este no qual a vítima não pode ficar
fisicamente a mercê do extorsionário, o que diferenciaria essa capitulação da do roubo.
Para os que defendem essa teoria, a conduta de constranger alguém a fornecer sua
senha de acesso aos caixas eletrônicos constituiria crime de roubo e não de extorsão, pois que,
conforme Noronha (2005, p.481): “não há extorsão quando o mal prenunciado é atual ou
iminente e a obtenção do objeto material, contemporânea”.

Entretanto, Hungria preleciona (2005, p.67):


41

[...] dizer-se que no roubo a violência e a locupletação se realizam no mesmo


contexto de ação, enquanto na extorsão há um lapso de tempo, ainda que breve,
entre uma e outra, é distinguir onde a lei não distingue. Tanto pode haver extorsão
com violência atual e locupletação futura quanto com violência e locupletação
contemporâneas.

Na realidade, embora a teoria sub examine advenha da doutrina italiana, mais


especificamente da lição do iluminado mestre Carrara que dizia: “no roubo o mal é iminente e
o proveito contemporâneo; na extorsão, o mal prometido é futuro e futura a vantagem a que se
visa”, não há substrato jurídico algum que a ampare no ordenamento vigente em nosso país.
A segunda das correntes minoritárias citadas por Jesus (2000) em seu artigo
denominado “Seqüestro Relâmpago:” esposa a idéia de que no roubo o agente toma a coisa ou
obriga a vítima (sem opção) a entregá-la; enquanto que na extorsão a vítima pode optar entre
acatar a ordem ou oferecer resistência” .
Na esteira desse entendimento, a ação em estudo (constranger alguém a fornecer sua
senha de acesso aos caixas eletrônicos) também configura o crime de roubo e não extorsão,
haja vista estar à vítima, como dito, sem poder optar por agir de forma diferente. (RSTJ
104/489 e RT 718/429).
A crítica feita, todavia, é a de que, se aplicada essa orientação, haveria um
esvaziamento do tipo legal previsto no art. 158 do Código Penal (extorsão), posto que apenas
em raríssimos casos concretos teria o julgador prova suficiente de que na psique do
constrangido tinha ele a opção de entregar ou não ao malfeitor o bem por ele visado.
Ademais, como é sabida, toda a teoria do delito, hoje baseada na responsabilidade
subjetiva, tem como referencial o subjetivismo do agente criminoso. Noutras palavras, funda-
se no processo causal que toma forma no campo intelectivo do autor do fato e exterioriza-se
através de sua atividade.
Ora, condicionar a ocorrência de determinado tipo penal ao subjetivismo do sujeito
passivo representa um ato de repúdio à moderna teoria do delito, vez que importa num
retrocesso à responsabilidade objetiva e numa negação da humanização do direito penal.
Impunha-se, então, que o tino diferenciador fosse baseado em elementos objetivos ou,
se subjetivos, relacionados ao agente criminoso.
Dessa necessidade, eis que surgiu a última orientação, hoje indiscutivelmente
majoritária, segundo a qual “o critério mais explícito e preciso na diferenciação entre a
42

extorsão e o roubo é o da prescindibilidade ou não do comportamento da vítima”. (RT


720/438)
Conforme explicita Damásio (2000) no artigo supra-referido:

Quando o autor pode obter o objeto material dispensando a conduta da vítima, trata-
se de roubo; quando, entretanto, a consecução do escopo do agente depende
necessariamente da ação do sujeito passivo, cuida-se de extorsão.

Com efeito, está ao inteiro arbítrio do ladrão, pratique a vítima algum ato ou não,
apossar-se da carteira, da bolsa, do relógio, do celular, do carro, cartão de crédito. Ele detém o
domínio do resultado do ilícito. Porém, não se dispondo a vítima a efetivar os saques ou a
fornecer a senha de seu cartão bancário, não haverá saque algum a ser efetuado nos caixas
eletrônicos; o domínio do resultado é da vítima.
Se fala em domínio do resultado, não se está fazendo menção à opção da vítima em
agir ou não agir da forma solicitada pelo coator, está-se referindo ao fato de que o marginal
não conseguirá de forma alguma atingir seu desiderato sem que a vítima pratique pelo menos
um ato. Por exemplo, se a vítima ao ser abordada pelo assaltante desmaiar ou entrar em estado
de choque, o meliante, naquele instante, poderá até praticar a extorsão, posto que esta se
consuma com o mero constrangimento (crime formal), mas exauri-la, efetuando saques nos
caixas eletrônicos, será impossível.
Aí, neste entendimento, parece estar a diferenciação perfeita entre roubo e extorsão.
Nesse diapasão, conclui-se que na hipótese sob análise, a do criminoso que subtrai um
ou alguns pertences do ofendido e ainda efetua saques em caixas eletrônicos com o cartão
bancário deste, houve, conforme incansável demonstração, um crime de roubo e outro de
extorsão.
De notar que a ida da vítima ao banco 24 horas ou a efetuação de saques pelo autor do
fato, constitui-se em mero exaurimento da ilícita extorsão, consumado desde a efetiva coação
do agente sobre a vítima.
Por serem crimes que, embora do mesmo gênero, não são da mesma espécie, inadmite-
se, conforme remansosa jurisprudência inclusive da Suprema Corte, continuidade delitiva
entre o roubo e a extorsão. Deve, portanto, o autor do fato sob comento responder por roubo
em concurso material com a extorsão. (RTJ 100/940 e RT 733/696)
43

Contudo, resta à moldura típica que se está desenhando o enquadramento do ato


criminoso praticado quando da privação da liberdade do sujeito passivo.
Sustenta-se que, por existir um conflito aparente de normas penais, deve ser aplicado
na espécie o princípio da consunção ou absorção, segundo o qual o crime-meio deve sempre
ser absorvido pelo crime-fim.
Argumentam que a privação de liberdade, in casu, por ter servido de meio para a
consumação do roubo e da extorsão restou absorvida por um ou por outro e, dessa forma, em
nada influenciaria no momento de se definir quais os tipos penais transgredidos pelo agente.
Há nesse posicionamento, entretanto, um equívoco quanto ao princípio regente do
conflito aparente de normas a ser aplicado.
O ato que importa em privação de liberdade tanto está descrito, de forma genérica, no
art. 148 do Código Penal, sob o nomem juris de “seqüestro ou cárcere privado”, quanto
noutros dispositivos do mesmo Estatuto Substantivo os quais, no entanto, o prevêem inserido
num contexto específico.
É o que ocorre, por exemplo, no inc. V, do § 2º, do art. 157 (roubo qualificado pela
restrição da liberdade) e no caput, do art. 159 (extorsão mediante seqüestro).
Ora, como se sabe, de acordo com a doutrina majoritária, o chamado conflito aparente
de normas pode ser solucionado através da aplicação de três princípios: o da especialidade, o
da subsidiariedade e o, da consunção ou absorção.
Aplica-se o primeiro quando uma norma penal, dita especial, reúne todos os elementos
de uma outra (norma geral) acrescidos de mais algum, denominado elemento especializante.
Eis a solução procurada. Como visto, o art. 148 do C.P. é a norma penal geral no que
respeita ao ato ilícito "privação da liberdade". Contudo, quando esse ato ilícito é praticado
num contexto específico - durante a consumação de um roubo ou de uma extorsão -, deve-se
aplicar não o art. 148, mas sim os dispositivos que prevêem o elemento especializante, ou
seja, o contexto no qual o ato foi praticado (art. 157, §2º, V, e art. 159, caput, ambos do C.P.).
Por esse motivo, razão jurídico não há para que se aplique, ao invés do princípio da
especialidade, o da consumação para resolver essa pendenga.
Ademais, afora a constatação de que o caso em estudo se adapta com perfeição ao
princípio da especialidade, cumpre trazer à baila esclarecedora lição de Bitencourt (2003,
p.169) a seguinte descrição: a seguir transcrita:
44

O princípio fundamental para a solução do conflito aparente de normas é o princípio


da especialidade que, por ser o de maior rigor, é o mais adotado pela doutrina. Os
demais princípios são subsidiários e somente devem ser lembrados quando o
primeiro não resolver satisfatoriamente o conflito.

Trocando em miúdos, deve-se reconhecer a privação da liberdade como integrante do


delito de extorsão deslocando a tipificação jurídica do art. 158 para o art. 159 do Cód. Penal
ou, ao revés, deve-se reconhecê-la como parte componente do crime de roubo.
Nenhum intérprete pode partir do pressuposto de que o agente, quando cogitou a
prática do delito (seqüestro relâmpago), imaginou que iria, por intermédio da privação da
liberdade da vítima, infringir dois tipos penais distintos (o roubo e a extorsão).
É bem mais plausível que tenha ele imaginado que iria manter a vítima em seu poder,
sob constante ameaça ou violência, para auferir o maior proveito possível dessa situação,
subtraindo a maior quantidade possível de bens e, caso a vítima possua cartão bancário e nada
mais impeça o saque em caixas eletrônicos, efetivá-los também.
Isso precisa ser aclarado para que não se diga, durante a análise de um determinado
caso concreto, que deve a privação da liberdade ser vista como parte integrante do roubo ou
da extorsão a depender do fato típico praticado pelo agente em primeiro lugar.
Posto isso, passando à análise técnica do imbróglio, verifica-se que, embora
esquematicamente seja possível a aceitação de ambas a alternativa, juridicamente impõe a
admissão daquela em que a privação da liberdade, nesta hipótese de "seqüestro relâmpago", é
elemento do delito de roubo, qualificando-o, portanto, nos termos do supra-transcrito inc. V,
do §2º, do art. 157 do Código Penal.
Tal conclusão decorre, menos do fato de ter sido essa a intenção do legislador ao editar
a Lei 9.426/96, do que da aplicação do tradicionalíssimo princípio inspirador da atividade
interpretativa no processo penal, qual seja: o do favor rei.
Conforme assinalou Bettiol (2004, p.211):

Nos casos em que não for possível uma interpretação unívoca, mas se conclua pela
possibilidade de duas interpretações antagônicas de uma norma legal (antinomia
interpretativa), a obrigação é de se escolher a interpretação mais favorável ao réu.

Caso se na antinomia interpretativa de uma única norma legal autoriza-se a aplicação


do princípio em foco (favor rei), evidentemente que tal também se dará quando houver
45

conflito de normas sem solução proposta pelos princípios que o regem (especialidade,
subsidiariedade e consunção).

3.5.2 Análise da segunda hipótese de Seqüestro Relâmpago

Por oportuno acontecimento social que é, possui duas hipóteses de ocorrência: a que
foi acima analisada e aquela na qual o agente, após privar a liberdade da vítima, não subtrai
nenhum de seus bens, mas apenas a coage a efetivar ela própria saques nos chamados bancos
24 horas ou a tolerar que tal seja feito com o seu cartão bancário.
Consuma um “seqüestro relâmpago” com um iter criminis menor, posto que menor é o
número de ações praticadas, sendo elas: a abordagem, de onde decorre a privação da
liberdade, e o desfalque no patrimônio da vítima exercido mediante saques em caixas
eletrônicos.
A forma de ocorrência do “seqüestro relâmpago”, será primeiramente examinada a
ação delituosa que importa em efetivo prejuízo patrimonial à vítima, guardando-se para um
segundo momento o enquadramento do ato privativo da liberdade.
Assim, tem-se que, conforme demonstrado mediante as ponderações realizadas
anterior, na prática do “seqüestro relâmpago”, o desfalque no patrimônio da vítima decorrente
dos saques efetuados nos bancos 24 horas não pode ser tipificado como roubo. Configura,
doutra sorte, o exaurimento de uma extorsão em virtude da imprescindibilidade de um
comportamento da vítima, qual seja, a sua ida a caixas eletrônicos ou, no mínimo, o
fornecimento da senha de seu cartão.
E não se diga que o apossamento pelo criminoso do cartão bancário da vítima
constituiria um delito autônomo (provavelmente roubo), pois, como se sabe:
O cartão magnético por não possuir valoração econômica própria transforma-se num
objeto insusceptível de ser posto, sozinho, sob a tutela da norma penal
E, ainda que assim não fosse, estar-se-ia diante de uma situação evidente de prática de
um crime-meio (agora sim!), tanto pelo fato de a pretensa subtração do cartão magnético
prestar-se, exclusivamente, para se atingir ao exaurimento da extorsão, quanto por não haver
como se falar, in casu, na existência de norma geral ou especial.
Sabendo-se que não se trata de um crime de roubo, mas de uma extorsão, o
componente "privação da liberdade”, como visto alhures, não pode ser por ela absolvido em
função da previsão do art. 159 do Código Penal (extorsão mediante seqüestro) e da
conseqüente aplicação do princípio da especialidade.
46

Logo, o agente do “seqüestro relâmpago” em estudo pratica tecnicamente uma


extorsão mediante seqüestro.
À primeira vista, pode tal conclusão mostrar-se exagerada, dada à elevada punição
abstratamente prevista na capitulação do art. 159 do Código Penal. Entretanto, repita-se,
tecnicamente, parece não haver posicionamento mais acertado.
Há na doutrina ilustre professor Mirabete (2005, p.251), definição para o ilícito de
extorsão mediante seqüestro: “extorsão praticada tendo como meio para a obtenção da
vantagem econômica a privação de liberdade de uma pessoa”.
Ora, ocorrendo a 2ª hipótese de “seqüestro relâmpago”, pode-se dizer que houve
privação liberdade? Sim. Houve extorsão? Sim. A privação foi cometida como meio para
garantir a obtenção da vantagem econômica? Sim.
Diz o art. 159 do C.P. que comete extorsão mediante seqüestro quem: “Seqüestrar
pessoa com o fim de obter, para si ou para outrem, qualquer vantagem, como condição ou
preço do resgate".
Repetem-se os questionamentos: na hipótese de “seqüestro relâmpago” sob comento,
alguém foi seqüestrado? Sim. Essa ação foi praticada com o fim de obter-se alguma
vantagem? Sim. Tal vantagem, de indiscutível natureza econômica, seria em favor do agente
ou de algum outro comparsa seu? Óbvio. O agente impôs à vítima, como condição para ser
restituída a sua liberdade, a prática de algum ato do qual iria decorrer a vantagem visada?
Evidentemente que sim.
Desta forma, indubitavelmente, verifica-se a presença de todos os elementos do crime
de extorsão mediante seqüestro na conduta praticada pelo autor do ilícito.
Ora, ocorrendo a 2ª hipótese de “seqüestro relâmpago”, pode-se dizer que houve
privação liberdade? Sim. Houve extorsão? Sim. A privação foi cometida como meio para
garantir a obtenção da vantagem econômica? Sim.
Diz o art. 159 do C.P. que comete extorsão mediante seqüestro quem: “Seqüestrar
pessoa com o fim de obter, para si ou para outrem, qualquer vantagem, como condição ou
preço do resgate”.
Repetem-se os questionamentos: na hipótese de "seqüestro relâmpago" sob comento,
alguém foi seqüestrado? Sim. Essa ação foi praticada com o fim de obter-se alguma
vantagem? Sim. Tal vantagem, de indiscutível natureza econômica, seria em favor do agente
ou de algum outro comparsa seu? Óbvio. O agente impôs à vítima, como condição para ser
restituída a sua liberdade, a prática de algum ato do qual iria decorrer a vantagem visada?
Evidentemente que sim.
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Desta forma, indubitavelmente, verifica-se a presença de todos os elementos do crime


de extorsão mediante seqüestro na conduta praticada pelo autor do ilícito.
É razoável que alguém argumente não existir lógica na qual segundo o criminoso "A"
que apenas efetuou saques em caixas eletrônicos com o cartão da vítima responda por um
crime hediondo, quando o agente "B" que, além de ter efetuado tais saques, ainda subtraiu
inúmeros pertences da vítima irá responder por crimes não hediondos.
Tal constatação, entretanto, não é fruto da falta de lógica ou de precisão técnica. Deve-
se sim a atecnia do legislador na definição ou indicação dos delitos que passaram a ter o status
de crimes hediondos.
Ademais, em que pese o fato de o agente "A" não poder ser beneficiado por anistia,
graça, indulto, fiança e liberdade provisória, sua pena máxima não poderá exceder os 15 anos
de reclusão, enquanto que a pena máxima do agente "B" será de 25 anos de reclusão mais as
multas previstas em ambos os tipos infringidos.
Esse quadro reforça a tese de que o legislador não se muniu de técnica e precisão
suficientes quando, ao editar a lei dos crimes hediondos, valorou quais os tipos penais que
deveriam ser detentores do referido status (Lei 8.072/90 posteriormente modificadas pela Lei
8.930/94).
Destarte, sob o fito do presente ensaio, salienta-se novamente que o fato social, vulgar
e impropriamente, conhecido por "seqüestro relâmpago" possui duas hipóteses de ocorrência:
a 1ª onde se configura a prática de um roubo qualificado pela restrição da liberdade da vítima
em concurso material com uma extorsão simples; e a 2ª na qual se consuma um delito de
extorsão mediante seqüestro.
Tem este ensaio, portanto, a proposta de chamar a atenção da comunidade jurídica ao
"problema" posto aos julgadores no que tange à ocorrência e à tipificação do "seqüestro
relâmpago".
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CONCLUSÃO

O tema escolhido se deu em decorrência das dimensidades doutrinarias, onde


renomados autores expõem suas opiniões sobre a qual delito ocorre e quando se consuma; e
também com relação à segurança pública e a sua política criminal.
O homem, ainda nos primórdios de sua existência, renuncia à liberdade absoluta, dita
selvagem ou natural e opta pela organização do Estado com a pretensão de segurança, onde
trocou a liberdade insegura pela liberdade segura que só o Estado podia oferecer como esta
expressa em nossa constituição.
Para que haja uma política criminal eficiente devera haver necessidade de participação
da sociedade juntamente com o estado, e este deve investir na policia tudo isso é necessário
para se tentar controlar e reduzir a violência e a criminalidade.
Porém o Brasil carece de uma nova mentalidade de segurança pública, com interação
da sociedade, pois somente através dela conseguiremos almejar a diminuição da
criminalidade.
Porém o seqüestro como se pode perceber viola os direitos fundamentais do homem a
liberdade e a propriedade e a vida, porem dentre todos os crimes que mais desacredita o
estado e desonra a policia e conseqüentemente a sociedade.
Devido a violência e a criminalidade crescente no meio social só poderia gerar uma
nova modalidade de seqüestro o seqüestro relâmpago que já é uma opção de vida para grande
parte dos criminosos de nosso pais em grandes e medias cidades
O Seqüestro Relâmpago é uma modalidade recente de crime assim impropriamente
denominado pela mídia nacional. Acontece quando o autor, mediante violência ou grave
ameaça, constrange a vítima a lhe entregar seus pertences que possui no momento ou os que
estão em sua residência ou, o mais comum, entregar seu cartão de crédito e dirigir a um caixa
eletrônico para retirar dinheiro obrigando a vítima a lhe fornecer a senha.
O objeto fundamental do Seqüestro Relâmpago, está na ofensa ao bem patrimonial e à
liberdade pessoal do individuo, consistindo, inicialmente na privação da liberdade exercida
por um ou mais sujeitos ativos contra determinados sujeitos passivos, ainda que dita privação
perdure por espaço de tempo inferior ao que normalmente verifica na ocorrência de um
seqüestro propriamente dito.
Durante o decorrer deste trabalho, foi procurado aclarar aquilo que a técnica jurídica
indica como solução para o julgador que se depara com uma consumação de um seqüestro
49

relâmpago, mas, ao mesmo tempo, foram apresentadas algumas outras soluções que
ontologicamente escapam à técnica mais apurada, talvez numa tentativa de direcionar as
decisões rumo à Justiça.
Não se pode olvidar que, ao se comparar a situação dos agentes que praticam cada
uma das hipóteses acima comentadas, verifica-se uma distorção entre a gravidade dos atos
cometidos e a punição a eles impostos.
De fato, mesmo observando, como demonstrado, que é menor tanto a pena mínima
quanto a máxima da conduta valorada como menos ofensiva (2ª hipótese), existem uma série
de outros fatores que a tornam excessivamente gravosa.
Por seu turno, àqueles que cometem a 1ª hipótese do seqüestro relâmpago, embora
tenham eles infringido dois tipos penais, a punição igualmente é pesada.
É preciso humanizar a situação, criar uma nova capitulação jurídica que tipifique o
objeto de nosso estudo e, por fim, cominar uma pena condigna à realidade valorativa das
condutas, de forma a bem reprimi-las sem fazer das sanções um meio de sofrimento
desnecessário aos agente.
Conclui-se que se trata de uma extorsão mediante seqüestro disposto no art. 159 do
Código Penal, pois, logo o sujeito ativo que pratica um seqüestro relâmpago terá tecnicamente
praticado um crime de extorsão mediante seqüestro, onde a extorsão é praticada tendo como
meio para a obtenção da vantagem econômica e a privação de liberdade de uma pessoa, sendo
o posicionamento mais acertado onde se verifica a presença de todos os elementos do crime
descritos no tipo penal e este se adequa perfeitamente o fato a norma penal, com o delito
exposto.
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