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FADISP – FACULDADE AUTÔNOMA DE DIREITO

OS EFEITOS DO TOMBAMENTO NA PROPRIEDADE


IMOBILIÁRIA PRIVADA

DENISE ORTIZ DE CARVALHO

SÃO PAULO
2010
DENISE ORTIZ DE CARVALHO

OS EFEITOS DO TOMBAMENTO NA PROPRIEDADE


IMOBILIÁRIA PRIVADA

Monografia apresentada à banca


examinadora da Faculdade Autônoma de
Direito – FADISP, como exigência parcial
para a obtenção do grau de Especialista em
Direito Imobiliário, sob a orientação do
professor César Calo Peghini.

SÃO PAULO
2010
BANCA EXAMINADORA

____________________________

____________________________

____________________________
AGRADECIMENTOS

Tenho a imensa satisfação em agradecer primeiramente ao meu orientador,


César Calo Peghini, por sua atenção e disponibilidade em me atender, bem como
por suas pertinentes observações quanto ao trabalho. Agradeço, principalmente,
pelo interesse que demonstrou pelo conteúdo do trabalho.

À professora Tânia Mara Ahualli, pela orientação inicial quanto à organização


dos conteúdos em capítulos.

À Eric Smith e à Jess Taylor pela tradução do resumo do trabalho para a


língua inglesa. À Nel Moraes Cardim, pela amizade e por possibilitar minha
aproximação com eles.

Ao meu pai, Luiz Fernando Pereira de Carvalho, pelo apoio sempre


demonstrado e pela revisão do texto.

À minha mãe, Beatriz Ortiz de Carvalho, por sua admiração.

Aos amigos Alexandre Teles e Azeite de Leos, pelo carinho, pelas


confidências e pelo espaço disponibilizado para elaboração de parte do trabalho, em
seu atelier.

Aos amigos Gabriela Sassi, Wilson Alcântara, Carlos Habe e Anaí dos Anjos
Marinho Teles pela amizade e companheirismo ao longo dessa jornada.

À Faculdade Autônoma de Direito – Fadisp e à sua equipe.


RESUMO

O presente trabalho de conclusão do Curso de Especialização em Direito


Imobiliário pretende analisar os principais efeitos do instituto administrativo do
tombamento na propriedade imobiliária privada. Atualmente não se admite mais o
exercício pleno da propriedade privada sem se considerar o princípio da função
social da propriedade.

No entanto, o instituto administrativo do tombamento sobre a propriedade


imobiliária resulta em importantes implicações no tocante à preservação das
características históricas e artísticas do imóvel tombado, bem como dos imóveis da
vizinhança do bem tombado.

Esse ônus imposto ao proprietário do imóvel tombado por vezes proporciona


um resultado oposto do que o pretendido pelo Poder Público, pois o proprietário não
consegue suportar o ônus do tombamento sobre sua propriedade e não recebe
estímulos para a preservação de seu imóvel.

Palavras-chaves: Propriedade. Função Social da Propriedade. Limitações ao


Direito de Propriedade. Tombamento. Efeitos.
ABSTRACT

This final paper for the degree program for Specialization in Real Estate Law
analyzes the principal impacts of legal preservation (“landmarking”) on private
property. Current law requires that the social function of privately held property be
considered.

However, legal preservation of real estate carries important implications


regarding the preservation of historical and aesthetic characteristics not just of the
landmarked property but also of properties in its vicinity.

The onus this places on the owners of properties affected by landmark


designation often produces results opposite those intended by authorities, as owners
cannot bear the financial burden such legal preservation places on them.

Key-words: Property. Social function of Property. Limitations to Property Law.


Legal Preservation. Landmarking. Effects.
SUMÁRIO

Introdução..................................................................................................... 10

1. O Direito de Propriedade......................................................................... 15

2. A Função Social da Propriedade............................................................ 22

2.1. Antecedentes históricos.......................................................................... 22

2.2. A função social da propriedade na Constituição de 1988....................... 24

2.2.1. A função social da propriedade e o Poder de Polícia do Estado........... 29

2.3. A função social da propriedade no Código Civil de 2002....................... 30

3. As limitações ao Direito de Propriedade............................................... 36

3.1. Limitações de direito privado ao exercício do direito de propriedade..... 37

3.2. Limitações de direito público ao exercício do direito de propriedade: a


intervenção do Estado na propriedade privada............................................. 39

4. O Instituto do Tombamento.................................................................... 42

4.1. Panorama histórico-legislativo................................................................ 42


4.1.1. Origem do termo “tombamento”: Portugal........................................... 42

4.1.2. A preservação do patrimônio cultural e o instituto do tombamento no


Brasil e no Estado de São Paulo................................................................... 45

4.2. Competências legislativas e preservacionistas referentes ao


patrimônio cultural e ao tombamento na Constituição de 1988..................... 57

4.3. Espécies e procedimento........................................................................ 59

4.4. Alguns exemplos de tombamentos de imóveis....................................... 64

5. Efeitos do Tombamento na Propriedade Privada................................. 70

5.1. Da transcrição e averbação do tombamento no Cartório de


Registro de Imóveis …................................................................................... 70

5.2. Da alienabilidade de bens tombados e do exercício do direito de


preferência pelo Poder Público...................................................................... 76

5.3. Da fiscalização, da conservação e da alterabilidade do imóvel


tombado......................................................................................................... 79

5.3.1. Da alterabilidade do bem tombado no âmbito do Iphan...................... 80

5.3.2. Da alterabilidade do bem tombado no âmbito do Condephaat............ 81

5.4. Dos efeitos do tombamento nos imóveis situados no entorno do


imóvel tombado: servidão administrativa....................................................... 84
5.4.1 Da transcrição e da averbação das restrições impostas ao imóvel 87
serviente no registro imobiliário.....................................................................

Conclusão..................................................................................................... 90

Referências Bibliográficas.......................................................................... 101


10

Introdução

O presente trabalho pretende abordar os efeitos do instituto do tombamento


na propriedade imobiliária privada. A preservação de bens imóveis “portadores de
referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da
sociedade brasileira1” é de grande relevância para o desenvolvimento espiritual e
intelectual da sociedade, bem como um “instrumento de cidadania, como um ato
político e, assim sendo, um ato transformador, proporcionando a apropriação plena
do bem pelo sujeito, na exploração de todo o seu potencial2”.

Essas referências, quando encontradas na propriedade imobiliária, podem


ensejar ao proprietário o ônus da preservação e da conservação ao ter seu imóvel
tombado pelo Poder Público.

O efeitos do tombamento na propriedade privada são variados e dependem


das características específicas do bem considerado como patrimônio cultural e do
interesse público. Ocorre que, por vezes, tais efeitos podem levar à inviabilidade da
exploração econômica do bem, isto é, o exercício pleno do direito de propriedade.

No âmbito constitucional, o direito de propriedade é um direito fundamental,


uma garantia, resguardados no caput do artigo 5º da Constituição e nos incisos XXII
e XXIII, segundo os quais “é garantido o direito de propriedade” e “a propriedade
atenderá a sua função social”.

O direito à cultura é igualmente protegido por normas constitucionais,


assegurado pelos artigos 5º, LXXIII, que garante o direito do cidadão em propor
ação popular contra atos lesivos ao patrimônio cultural realizados pela administração
pública e pelo artigo 216 da Lei maior.

1
Constituição da República Federativa do Brasil, art. 216, caput.
2
Maria Célia Teixeira M. Santos, A preservação da memória enquanto instrumento de cidadania.
Cadernos de Museologia, 1994. p. 68.
11

Caberá, outrossim, ao Ministério Público, a promoção de inquérito civil e da


ação civil pública “para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente
e de outros interesses difusos e coletivos” (art. 129, inciso III).

Diante do conflito de normas constitucionais, a garantia do direito de


propriedade resta mitigada em decorrência das demais, como a função social da
propriedade e ao direito à cultura, já citados.

Como poderá ser observado no primeiro capítulo desta monografia, o Código


Civil dispõe, no caput do artigo 1.228, que o direito de propriedade implica na
possibilidade que tem o proprietário de “usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de
reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha”, de maneira
absoluta, exclusiva e perpétua.

Porém, o domínio resta hoje revestido pelo princípio da função social da


propriedade, de forma que o proprietário, como um ser social, não pode vir a
prejudicar a coletividade em prol de seus interesses individuais.

Essa disposição não se encontra somente na Constituição, como também no


próprio Código Civil, no parágrafo primeiro do artigo 1.228, que assim dispõe: “o
direito de propriedade deve ser exercido em consonância com suas finalidades
econômicas e sociais e de modo que sejam preservados, de conformidade com o
estabelecido em lei especial, a flora, fauna, as belezas naturais, o equilíbrio
ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e
das águas”. Esse tema será abordado no segundo capítulo do presente trabalho.

Em virtude desse princípio, foram criados institutos de Direito Privado e de


Direito Público a fim de limitar o exercício absoluto do direito de propriedade, com o
escopo de garantir o bem-estar social, que será abordado no terceiro capítulo deste
trabalho.
12

A preocupação com o patrimônio cultural fez com que se editasse – após


algumas tentativas na década de 20 do século XX - em 1937, o Decreto-Lei nº. 25,
que prevê a obrigatoriedade da preservação de bens considerados de importância
cultural, artística e histórica, por meio do instituto administrativo do tombamento. A
partir da criação do referido decreto, muitas outras leis foram editadas ao longo do
século XX e XXI.

São órgãos responsáveis pelo tombamento de imóveis na cidade de São


Paulo3 o Iphan, de âmbito federal, o Condephaat, de âmbito estadual paulista, e o
Conpresp, de âmbito municipal. No entanto, este trabalho ater-se-á, somente, à
legislação federal e estadual paulista.

O tombamento é uma das mais sérias intervenções do Estado sobre a


propriedade privada, pois determina a inalterabilidade do bem imóvel tombado e,
consequentemente, impõe ao proprietário a onerosa obrigação de conservar e
preservar o bem com as suas características originais ou remanescentes.

Esse instituto possui procedimento administrativo específico e poderá incidir


sobre a propriedade privada de diferentes formas, que não apenas o tombamento
específico de prédio.

O capítulo quatro cuidará dos aspectos históricos referentes ao instituto do


tombamento em Portugal e no Brasil, competências, legislações, bem como
oferecerá alguns exemplos de como o tombamento poderá incidir na propriedade
privada.

Os efeitos do tombamento sobre a propriedade privada serão tratados no


capítulo cinco, último desta monografia. O imóvel tombado, de maneira definitiva ou
provisória, passa a responder a um regime jurídico diferenciado, pois passa a ser

3
A cidade de São Paulo, os demais estados-membros da República Federativa do Brasil - bem como
seus respectivos municípios - possuem, igualmente, competência para instituir, mediante lei, órgãos
com essas atribuições, responsáveis, portanto, pela preservação cultural, artística e histórica de bens
materiais (móveis ou imóveis) e imateriais. No entanto, por uma opção de corte metodológico, este
trabalho não analisará as respectivas legislações.
13

considerado como de utilidade ou necessidade pública. Dessarte, passa a ser regido


por princípios do Direito Administrativo, como o Princípio da Indisponibilidade e da
Supremacia do Interesse Público.

São esses efeitos que geram direitos e obrigações propriamente ditos ao


proprietário. Na prática confere ao proprietário mais deveres do que direitos, como
poderá ser observado.

Afinal, como já dito, o proprietário terá que arcar com o ônus da conservação
do imóvel e qualquer alteração que nele pretenda realizar, terá que requerer
autorização do órgão responsável, mesmo que seja uma simples pintura do imóvel.

O tombamento definitivo deve ser inscrito no registro imobiliário, conferindo


maior segurança jurídica aos eventuais adquirentes da propriedade privada,
atendendo, assim, o princípio da publicidade. Outrossim, permite que Estado exerça
o direito de preferência quando da alienação do imóvel tombado.

O Poder Judiciário do Estado de São Paulo alterou o Provimento CGJ


58/1989 por meio do Provimento 21/2007 e trouxe importantes e significativas
alterações no tocante à questão registral de imóveis tombados definitiva e
provisoriamente.

As sanções administrativas serão igualmente tratadas no último capítulo,


como multas e obrigações de fazer ou não fazer, no caso de descumprimento das
determinações impostas ao proprietário pelo órgão responsável pelo tombamento.

Os imóveis localizados na circunvizinhança do imóvel tombado também


poderão ser igualmente atingidos pelos efeitos do tombamento, a fim de se
preservar a visualidade do imóvel tombado.

Finalmente, na conclusão, será apresentada uma reflexão quanto ao ônus do


tombamento na propriedade imobiliária privada. Muito embora o tombamento seja
14

considerado um dos meios mais eficazes e garantidores da preservação da memória


brasileira, na prática acaba por gerar sérias consequências, causadas pela
excessiva onerosidade que é imposta ao proprietário do imóvel tombado.

Essa dicotomia tem efeitos práticos bastante relevantes, diante do estado real
em que se encontram os bens imóveis tombados nas cidades brasileiras,
principalmente no tocante aos imóveis privados. O alto custo da restauração e da
conservação pelas quais o proprietário do bem imóvel fica obrigado a arcar acaba
por gerar, em consequência, inadimplemento das obrigações impostas.
15

1. O Direito de Propriedade

O direito de propriedade é o cerne do direito das coisas 4, que é o conjunto de


normas que objetivam regulamentar as relações entre coisas e pessoas, de bens
suscetíveis de apropriação pelo ser humano. No entanto, não são todos os tipos de
bens que são suscetíveis de apropriação, mas somente aqueles que são úteis e
raros, destinados à satisfação das necessidades do homem. Tais bens dividem-se
em materiais – móveis ou imóveis - e imateriais5.

Inserem-se no direito das coisas os direitos reais e a posse. Essa última, em


linhas gerais, conforme a teoria objetiva de Ihering, adotada pelo Código Civil,
separa a posse da propriedade e, ao mesmo tempo, “coloca a relação possessória a
serviço da propriedade”6. Segundo o disposto no artigo 1.196 do Código Civil,
“considera-se possuidor todo aquele que tem de fato o exercício, pleno ou não, de
algum dos poderes inerentes à propriedade”. A posse portanto, é uma relação de
fato que tem o possuidor em relação à coisa, coincidindo ou não com o direito de
propriedade e os direitos reais.

O direito das coisas localiza-se no Livro III da Parte Especial do Código Civil
brasileiro, sendo que o Título I desse livro trata exclusivamente sobre a posse. O
Título II enumera e especifica os direitos reais. Os títulos III a X referem-se
especificamente a esses direitos, quais sejam: a propriedade, a superfície, as
servidões, o usufruto, o uso, a habitação, o direito do promitente comprador do
imóvel, o penhor, a hipoteca, a anticrese.

Mister se faz discorrer acerca da distinção entre direitos reais e pessoais, que
já foi objeto de discussão pela doutrina.

4
Silvio Rodrigues. Direito Civil, v. 2. 30ª ed. São Paulo: Saraiva, 2002. p.3-4.
5
Maria Helena Diniz, Curso de direito civil brasileiro, v.4: direito das coisas. p.03-04
6
Maria Helena Diniz, ibidem, p. 38.
16

O direito romano não disciplinou os direitos reais, pois a propriedade era um


poder sobre a coisa e não um direito7. A diferenciação entre esses dois direitos se
iniciou no século XII, sob influência do direito canônico, quando surgiram as
expressões jus in re – poder imediato sobre a coisa - e jus ad rem – direito à coisa,
estabelecido por uma relação obrigacional8. Foi com os autores medievais que se
iniciou a conceituação da propriedade9.

No século XIX, teorias a respeito dos direitos reais foram desenvolvidas:


teorias monista ou unitária e clássica ou realista10. A teoria monista subdivide-se em
personalista e impersonalista ou monista objetivista.

Para teoria personalista, desenvolvida por Ferrara, Ortolan, Ripert, Planiol e


Windscheid11, não era possível que o direito pudesse se relacionar diretamente à
coisa, uma vez que a todo direito corresponde uma obrigação. Dessa maneira, para
esses autores, o direito real tratava de uma obrigação passiva universal. Se um bem
está sob o poder de outrem, os demais têm o dever geral de absterem-se de
qualquer ingerência sobre o bem.

A teoria monista-objetivista ou impersonalista de Gaudemet e Saleilles12


colocava o direito real e obrigacional num mesmo patamar, sem distinção, já que
essa teoria buscava a despersonalização do direito e transformava as obrigações
em direitos reais, pois eram passíveis de patrimonialização.

A legislação civilista pátria adotou a teoria clássica ou realista de


Bonnecase13. Essa teoria distingue o direito real do obrigacional. Como já dito, o
direito real é a relação entre pessoa e bem, sem intermediários, que se traduz em
apropriação de riquezas e tem por objeto um bem material, oponível erga omnes.

7
Maria Helena Diniz, op. cit. p.10.
8
Ibidem, p.10-17.
9
Antonio A. Queiroz Telles, Tombamento e seu regime jurídico, São Paulo, 1992, p. 33.
10
Maria Helena Diniz, Ibidem, p.11-13.
11
Ibidem. p. 11-12.
12
Ibidem. p. 12-13.
13
Ibidem. p.13.
17

Por outro lado, o direito obrigacional é uma relação entre pessoas, envolve uma
prestação, positiva ou negativa.

Os direitos reais também se distinguem dos direitos da personalidade, muito


embora haja divergência na doutrina. Maria Helena Diniz inclui os direitos autorais, a
propriedade científica, literária e artística como direitos reais14.

No entanto, Gofredo da Silva Telles Júnior estabelece a diferença entre os


direitos reais e os de personalidade15. Afirma que os direitos reais são direitos de ter
coisas. Tais direitos se distinguem, portanto, do direito de personalidade que, muito
embora esse se refira à propriedade, não é no mesmo sentido de propriedade que
se emprega nos direitos reais. O direito de personalidade consiste “no que é próprio
das pessoas, no modo próprio de ser, pelo qual uma personalidade se caracteriza, e
que independem, por completo, das disposições do Direito.”16.

Para o autor, a propriedade a que se refere o direito real é igualmente própria


das pessoas, mas distinta delas. Trata-se de uma extensão da personalidade, “uma
extensão sobre bens que não são qualidades da personalidade, mas que se tornam
bens das pessoas, por força da lei”17.

Silvio Rodrigues, citando Lafayette, afirma que o direito real “é que afeta a
coisa direta e imediatamente, sob todos ou sob certos respeitos e a segue em poder
de quem quer que a detenha”18. E em seguida afirma:

“É o direito que se prende à coisa prevalecendo com a exclusão da concorrência


de quem quer que seja, independendo para o seu exercício da colaboração de
outrem e conferindo ao seu titular a possibilidade de ir buscar a coisa onde quer
que se encontre, para sobre ela exercer seu direito. Uma vez estabelecido o direito
real, em favor de alguém, sobre certa coisa, tal direito se liga ao objeto, adere a ele

14
Maria Helena Diniz, Curso de direito civil brasileiro, v.4: direito das coisas. p.4.
15
Gofredo da Silva Telles Júnior, Iniciação na Ciência do Direito. p. 308-309.
16
Ibidem, p. 309.
17
Ibidem, p. 309.
18
Silvio Rodrigues, Direito Civil: v. 05: direito das coisas. p. 5.
18

de maneira integral e completa, como se fosse mancha misturada à sua cor, como
se fosse uma ferida ou uma cicatriz calcada em sua face” (Grifos nossos).

O direito real é, portanto, oponível erga omnes, adere diretamente ao bem do


titular, de modo que esse tem o direito de sequela e preferência sobre aquele. É
estabelecido em lei e obedece ao numerus clausus19.

O Código Civil brasileiro, em seu artigo 1.225, elenca os direitos reais. Em se


tratando de bem móvel, são adquiridos pela tradição (CC, art. 1.226), ou pelo
registro no Cartório de Registro de Imóveis, no caso de bens imóveis ((CC, art.
1.227 e Lei 6.015/1973, art. 167). Dessarte, os direitos reais não são adquiridos por
simples disposição contratual, pois essas referem-se somente a obrigações
contraídas pelas partes. Para que haja a transferência do domínio deverá ocorrer a
entrega do bem20.

Como já assinalado, o direito de propriedade é o cerne do direito das coisas,


é direito sobre coisa própria. Nele estão garantidos o exercício dos direitos de gozo,
uso e disposição, bem como o de reivindicá-lo de quem injustamente o detenha21, de
modo absoluto, exclusivo e perpétuo22, concomitantemente. Os demais direitos reais
como o usufruto, a anticrese e a servidão, são direitos reais sobre coisa alheia, que
implicam no exercício de algum dos direitos elencados sobre o bem de outrem, mas
não implica no exercício da totalidade dos mesmos23.

Dentre as teorias acerca do tema, predomina na doutrina a teoria da natureza


humana24. Para ela, o homem, por seu instinto de sobrevivência e de conservação, é
levado a se apropriar de bens da natureza, para satisfazer as suas necessidades. É
por meio do domínio privado dos bens, que ele, o ser humano, poderá se
desenvolver. E, como um ser social, seus atos de apropriação tornam-se direitos,
assegurados pela sociedade, que deverão ser defendidos para que a mesma possa

19
Silvio Rodrigues, op. cit. p. 75.
20
Ibidem, p. 92-94.
21
Maria Helena Diniz, op. cit . p. 117-118;
22
Ibidem, p. 119-121.
23
Silvio Rodrigues, op. cit. p. 259.
24
Maria Helena Diniz, op. cit., p. 116; Silvio Rodrigues, op. cit. p. 81.
19

sobreviver. A propriedade é, portanto, condição para a existência do ser humano e


pressuposto para sua liberdade. Para essa teoria, desenvolvida por partidários do
jusnaturalismo, a defesa da propriedade é a defesa da própria sociedade.

Para Gofredo da Silva Telles Júnior25 a propriedade é uma coisa, um bem que
pertence a alguém, diferentemente do direito de propriedade, pois esse é uma
permissão legal. É direito subjetivo que tem o titular de gozar, usar e dispor do bem,
como e quando melhor lhe aprouver, conforme os preceitos legais. O Dicionário
Aurélio define propriedade como qualidade de próprio, especial, particularidade,
caráter26.

O vocábulo propriedade, segundo Maria Helena Diniz, origina-se do latim


proprietas, derivado de proprius, isto é, aquilo que pertence a uma pessoa. Poderá
também originar do termo domare, que significa dominar. Domínio é o poder que se
tem sobre coisa própria, e essa se sujeita ao titular. Ambos os termos, propriedade e
domínio, são usados para designar a mesma coisa27.

No Código Civil brasileiro a previsão do direito de propriedade encontra-se no


Livro III, “Dos Direitos das Coisas”, Título III.

O artigo 1.228 assim dispõe:

“O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de


reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha”.

Refere-se, portanto, aos jus utendi, jus fruendi e jus abutendi. O primeiro é o
direito de usar a coisa conforme a vontade do proprietário, sem modificar sua
substância. O segundo é o direito de se apropriar dos frutos, naturais ou civis, que
advenham da coisa. É o direito de exploração econômica sobre a coisa. Finalmente,
o jus abutendi é o direito do proprietário de dispor da coisa, podendo vender, doar,
gravar e até mesmo destruí-la. Dessa maneira, a propriedade é perpétua, e só se
25
Gofredo da Silva Telles, op. cit. p.311.
26
Aurélio Buarque de Holanda, Novo Dicionário Básico da Língua Portuguesa: Folha/Aurélio. p. 533.
27
Maria Helena Diniz, Curso de direito civil brasileiro, v.4: direito das coisas. p. 115
20

extingue por meio de lei ou por disposição do proprietário. Há também o direito de


reaver a coisa, o rei vindicatio, que é o exercício do direito de sequela, de perseguir
a coisa de quem ela injustamente a detém28.

Reforçando os conceitos já tecidos, o artigo 1.231, do já referido diploma


legal, prevê que o direito de propriedade é pleno e exclusivo, até que se prove o
contrário. É exclusivo, pois é exercido sem a concorrência de terceiros e, portanto,
oponível erga omnes. É pleno, como também absoluto, pois o proprietário poderá
exercer esse direito como bem entender29.

O direito de propriedade é um um direito individual30, também denominado


pela doutrina como de direito de primeira dimensão31. Oriundo do individualismo32 do
século XVIII de onde surgiram as primeiras declarações de direitos, diz “respeito às
liberdades públicas e aos direitos políticos, ou seja, direitos civis e políticos que
traduzem o valor de liberdade”33.

Carlos Weiss, citando Canotilho, explica:

Segundo explica Canotilho, os direitos humanos de inspiração liberal são


essencialmente aqueles de autonomia e defesa, possuindo o caráter de normas de
distribuição de competências entre o Estado e o indivíduo, com nítida ampliação do
domínio da liberdade individual, partindo-se do postulado teórico da preexistência de
tais direitos em relação ao Estado, para justificar a impossibilidade de este interferir
na órbita individual, salvo para garantir a própria prevalência do máximo de liberdade
possível para todos.”34.

28
Maria Helena Diniz, op. cit. p. 117-121.
29
Ibidem, p. 120.
30
José Afonso da Silva, Curso de Direito Constitucional Positivo. p.176.
31
De acordo com Carlos Weiss, em seu livro Direitos humanos contemporâneos (p.42 - 43),
apresenta os pensamentos de Paulo Bonavides e de Cançado Trindade. Para o primeiro, o termo
“geração” deve ser substituído pelo termo “dimensão”, uma vez que “geração” pode induzir a uma
ideia de superação ou de substituição de uma geração por outra. O segundo afirma que os direitos,
ao contrário dos seres humanos, não têm o condão de gerar novos direitos a fim de substituir os pré-
existentes.
32
José Afonso da Silva, ibidem. p. 176.
33
Pedro Lenza. Direito constitucional esquematizado. p. 670.
34
Carlos Weiss, ibidem. p. 38.
21

A Declaração de Direitos do Bom Povo da Virgínia, de 12 de janeiro de 1776


– anterior, portanto, da Constituição dos Estados Unidos da América que data de 17
de setembro de 1787 - que declarava, de início:

“Que todos os homens são, por natureza, igualmente livres e independentes, e têm
certos direitos inatos, dos quais, quando entram em estado de sociedade, não podem
por qualquer acordo privar ou despojar seus pósteros e que são: o gozo da vida e da
liberdade com os meios de adquirir e de possuir a propriedade e de buscar e
obter a felicidade e segurança.” (Grifo nosso).

Nas palavras de José afonso da Silva, citando MirkineGuetzévitch, a


Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão tomou por “empréstimo a técnica
das declarações americanas”35. Essas declarações são o “reflexo do pensamento
político europeu e internacional do século XVIII”36. Editada no contexto da Revolução
Francesa, afirmava em seu artigo 17:

“Como a propriedade é um direito inviolável e sagrado, ninguém dela pode ser


privado, a não ser quando a necessidade pública legalmente comprovada o exigir e
sob condição de justa e prévia indenização.”.

As Revoluções Americana e Francesa puseram “fim à concepção medieval da


propriedade, onde o domínio pertencia a várias pessoas, sob o nome de domínio
iminente do Estado, domínio direto do senhor e domínio útil do vassalo37”. Foi,
portanto, no início da Idade Contemporânea, que a propriedade retomou seu caráter
individualista que se conhecia na Antiguidade, em especial no período romano.

Ao Estado não cabia regular a vida do particular, que dispunha de total


liberdade. Delimitaram-se competências entre Estado e particular, de modo que
aquele somente poderia intervir na sociedade para garantir a liberdade entre os
particulares.

35
José Afonso da Silva, op. cit. p.157.
36
Ibidem, p. 157
37
Silvio Rodrigues, op. cit. p.79-80.
22

2. A Função Social da Propriedade

2.1. Antecedentes históricos

A partir dos conceitos tecidos no capítulo anterior, poder-se-ia concluir, a


partir da Doutrina Civilista e das Declarações de Direitos datadas do final do século
XVIII, que o direito de propriedade é absoluto e o bem sobre o qual esse direito recai
está protegido de qualquer ingerência de terceiros e do poder do Estado.

No entanto, para que prosperasse o bem-estar social, para que a convivência


entre os particulares fosse harmônica, o Estado passou a interferir no direito de
propriedade, de modo a delimitar o exercício desse direito, contrapondo-se ao
excessivo individualismo antes instaurado38.

Muito embora a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão tenha


afirmado que a propriedade é inviolável e sagrada, ela também admitia a perda da
propriedade, por disposição legal, mediante prévia e justa indenização.

O Código Civil francês, também conhecido como Código de Napoleão,


elaborado no século XIX e vigente até os dias de hoje, preleciona, no artigo 544, que
a propriedade é “o direito de gozar e dispor das coisas de modo absoluto, contanto
que isso não se torne uso proibido pelas leis ou pelos regulamentos.”39.

Percebe-se que, mesmo na retomada do direito de propriedade como um


direito absoluto, a redação dos textos legais da época permite interpretar que era
admitida a ingerência do Estado sobre a propriedade. Porém, essa ingerência era
bem menor que a dos dias atuais, pois se limitava, muitas vezes, aos direitos de
vizinhança40.

38
Maria Sylvia Zanella Di Pietro, Direito Administrativo. p. 118.
39
Ibidem, p. 118.
40
Ibidem, p. 118.
23

Já em meados do século XIX os movimentos sociais exigiram que o Estado


voltasse a intervir na atividade privada, de modo a frear o capitalismo industrial da
época41, limitando o exercício do direito de propriedade, pois esse não mais poderia
ser exercido ilimitadamente. O direito de propriedade passou, portanto, a ser
encarado como um direito que favorecesse também a sociedade e não somente o
proprietário42.

No Brasil, o direito de propriedade foi garantido em sua plenitude, em


consonância com a doutrina civilista, na Constituição do Império (art. 179, inciso
XXII) e na Constituição de 1891 (art. 72, §17), com ressalvas somente à
desapropriação mediante indenização.

Na Constituição de 1934 surgiu, pela primeira vez, além da previsão quanto à


desapropriação, a ressalva de que o direito de propriedade não poderia ser exercido
contra o interesse social (art. 113, item 17).

A Carta de 1937 previu a possibilidade de desapropriação por necessidade ou


utilidade pública e leis que regulariam o conteúdo e os limites do direito de
propriedade (art. 122, item 14). Esses artigos, em ambas as Constituições,
situavam-se em capítulos que tratavam dos direitos e garantias fundamentais.

Em 1946 foi promulgada nova Constituição - “produto de uma postura


intervencionista e assistencialista adotada pelo Estado brasileiro após os anos 3043” -
que, além de garantir o direito de propriedade no capítulo que trata dos direitos
individuais, atrelou-o, outrossim, ao bem-estar social, no Título “Da Ordem
Econômica e Social”, artigo 147:

41
Carlos Weiss, op. cit, p. 39.
42
Maria Helena Diniz, Curso de direito civil brasileiro, v.4: direito das coisas. p. 112.
43
Gustavo Tepedino e Anderson Schreiber, A garantia da propriedade no direito brasileiro. Revista da
Faculdade de Direito de Campos, Ano IV, nº 6, junho de 2005. Disponível em:
<http://www.scribd.com/doc/25148569/A-GARANTIA-DA-PROPRIEDADE-NO-DIREITO-BRASILEIRO-Tepedino-
e-Anderson-Schreiber-101> Acesso em: 04 maio 2010.
24

“O uso da propriedade será condicionado ao bem-estar social. A lei poderá, com


observância do disposto no art. 141, §16, promover a justa distribuição da
propriedade, com igual oportunidade para todos.”. (Grifos nossos)

O autor desse artigo, o então senador Ferreira de Souza (1889-1975),


afirmava que a propriedade tem função social, que o proprietário poderia,
logicamente, explorar sua propriedade, mas essa somente se justifica se tiver
utilidade, concorrer para o bem comum e gerar riquezas para a coletividade44.

A função social da propriedade, como princípio, foi expressamente incluída


nas Cartas Constitucionais de 1967 (art. 157, inciso III) e na Emenda nº 1 de 1969
(art. 160, inciso III), nos títulos que tratavam da ordem econômica e social, além de
garanti-los tradicionalmente nos direitos individuais, nos artigos 150, § 22, e 153, §
22, respectivamente.

2.2. A função social da propriedade na Constituição de 1988

A atual Constituição da República, inicialmente, elenca a propriedade como


inviolável, no caput do artigo 5º, que trata dos direitos e deveres individuais e
coletivos. Nos seus incisos, garante esse direito, com a ressalva referente à função
social da propriedade, bem como estabelece regras e limitações quanto ao instituto
da desapropriação (incisos XXII a XXIV), in verbis:

“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade
do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos
seguintes:

(…)

XXII - é garantido o direito de propriedade;

XXIII - a propriedade atenderá a sua função social;

44
Maria Sylvia Zanella Di Pietro, Direito Administrativo. p. 122-123.
25

XXIV - a lei estabelecerá o procedimento para desapropriação por necessidade ou


utilidade pública, ou por interesse social, mediante justa e prévia indenização em
dinheiro, ressalvados os casos previstos nesta Constituição;”.

A exemplo do que já estava previsto, de certa forma, desde a Constituição de


1946, o princípio da função social da propriedade está igualmente previsto no Título
VII que trata da ordem econômica e financeira do Brasil, no artigo 170, da Lei Maior.
Atrela-se a esse princípio, a preservação do meio ambiente:

“A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa,


tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social,
observados os seguintes princípios:
(...)
II – propriedade privada;
III – função social da propriedade;
(…)
VI - defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o
impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e
prestação45;
(...)” (Grifos nossos)

Influenciada pela doutrina italiana, a Constituição brasileira adota a tese de


que a propriedade não é um instituto único, mas sim vários institutos, relacionados a
diversos tipos de bens como as propriedades urbana, rural, pública, privada, social,
de bens de consumo, de bens de produção, etc.46.

Considera-se como um dos principais avanços da Constituição47 o inciso VI do


artigo 170, que prevê a defesa do meio ambiente, que limita a iniciativa privada, de
modo que a propriedade privada “deixa de cumprir a sua função social – elementar
para a sua garantia constitucional – quando se insurge contra o meio ambiente.”48.

45
Inciso com redação dada pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003.
46
José Afonso da Silva. op. cit. p. 274.
47
Édis Milaré, Direito do ambiente. A gestão ambiental em foco. Doutrina. Jurisprudência. Glossário.
p. 155.
48
Ibidem.
26

Ainda no Título VII, a Constituição trata da política de desenvolvimento urbano


e rural, respectivamente nos artigos 182 e 186. O primeiro objetiva “ordenar o pleno
desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus
habitantes”. O segundo preleciona o seguinte:

“A função social é cumprida quando a propriedade rural atende, simultaneamente,


segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, aos seguintes requisitos:
I – aproveitamento racional e adequado;
II – utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio
ambiente;
III – observância das disposições que regulam as relações de trabalho;
IV - exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores.”.
(Grifos nossos).

O artigo 216 da Constituição da República, que será melhor analisado no


capítulo quatro desta monografia, prevê a preservação do patrimônio cultural, no
Título VIII da Constituição, que trata da Ordem Social, prevendo restrições ao
exercício do direito de propriedade. Os incisos IV e V desse artigo regulam também
a propriedade imóvel:

“Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial,


tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à
ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais
se incluem:

I - as formas de expressão;
II - os modos de criar, fazer e viver;
III - as criações científicas, artísticas e tecnológicas;
IV - as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às
manifestações artístico-culturais;
V - os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico,
arqueológico, paleontológico, ecológico e científico.
§ 1º - O Poder Público, com a colaboração da comunidade, promoverá e
protegerá o patrimônio cultural brasileiro, por meio de inventários, registros,
vigilância, tombamento e desapropriação, e de outras formas de acautelamento
e preservação.
§ 2º - Cabem à administração pública, na forma da lei, a gestão da documentação
governamental e as providências para franquear sua consulta a quantos dela
necessitem.
27

§ 3º - A lei estabelecerá incentivos para a produção e o conhecimento de bens e


valores culturais.
§ 4º - Os danos e ameaças ao patrimônio cultural serão punidos, na forma da lei.
§ 5º - Ficam tombados todos os documentos e os sítios detentores de
reminiscências históricas dos antigos quilombos.
§ 6 º É facultado aos Estados e ao Distrito Federal vincular a fundo estadual de
fomento à cultura até cinco décimos por cento de sua receita tributária líquida, para o
financiamento de programas e projetos culturais, vedada a aplicação desses recursos
no pagamento de49:
I - despesas com pessoal e encargos sociais;
II - serviço da dívida;
III - qualquer outra despesa corrente não vinculada diretamente aos investimentos ou
ações apoiados.” (Grifos nossos)

Ainda no título VIII, o artigo 225 especifica a preservação do meio ambiente,


citada no artigo 170. Tal como ocorre com a preservação do patrimônio cultural,
esse artigo prevê, igualmente, restrições ao direito de propriedade, em especial com
relação aos incisos III, V, VII dos parágrafos primeiro, segundo e quarto:

“Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso


comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder
Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e
futuras gerações.
§ 1º - Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:
(...)
III - definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus
componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a
supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que
comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção;
(...)
V - controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e
substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio
ambiente;
(...)
VII - proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que
coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou
submetam os animais a crueldade.
§ 2º - Aquele que explorar recursos minerais fica obrigado a recuperar o meio
ambiente degradado, de acordo com solução técnica exigida pelo órgão público
competente, na forma da lei.
(...)

49
Parágrafo sexto e respectivos incisos incluídos pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003.
28

§ 4º - A Floresta Amazônica brasileira, a Mata Atlântica, a Serra do Mar, o Pantanal


Mato-Grossense e a Zona Costeira são patrimônio nacional, e sua utilização far-se-
á, na forma da lei, dentro de condições que assegurem a preservação do meio
ambiente, inclusive quanto ao uso dos recursos naturais.
(…).”. (Grifos nossos)

A propriedade, portanto, somente poderá ser legitimamente exercida se


atender aos ditames constitucionais, tendo o dever de preservar o meio ambiente,
seja cultural ou natural, estando o proprietário sujeito a sanções caso descumpra a
função social da propriedade.

Édis Milaré, acerca do tema, explicita:

“O meio ambiente, como fator diretamente implicado no bem-estar da


coletividade, deve ser protegido dos excessos quantitativos e qualitativos da
produção econômica que afetam a sustentabilidade e dos abusos das liberdades
que a Constituição confere aos empreendedores, Aliás, a própria Ordem
Econômica, analisada em seguida, requer garantias de obediência às
regulamentações científicas, técnicas, sociais e jurídicas relacionadas com a
gestão ambiental.50”.

A atividade econômica, portanto, resta limitada à sua função social e não


pode ser exercida de maneira abusiva de modo a gerar consequências danosas
para a sociedade. Afinal, como explicita o caput do artigo 225 citado acima, “o meio
ambiente é bem de uso comum do povo e prevalece sobre qualquer direito individual
de propriedade”51.

50
Édis Milaré, Direito do ambiente. A gestão ambiental em foco. Doutrina. Jurisprudência. Glossário.
p. 154.
51
Paulo Luiz Netto Lôbo, A constitucionalização do direito civil, disponível em:
<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=507>. Acesso em: 04 maio 2010.
29

2.2.1. A função social da propriedade e o Poder de Polícia do


Estado

Para Maria Sylvia Zanella Di Pietro, o poder de polícia do Estado é o


instrumento que assegura à sociedade a função social da propriedade e é acionado
quando surgem interesses conflitantes entre particulares ou entre o particular e o
Estado52. A propriedade “sai da órbita do direito privado e passa a constituir objeto
do direito público e a submeter-se a regime derrogatório e exorbitante do direito
comum”53.

Tradicionalmente, o poder de polícia implicava em imposições de obrigações


de não fazer pelo Estado ao particular. No entanto, houve uma ampliação desse
poder, de modo que passou igualmente a exigir obrigações de fazer e deixar fazer54.

Porém, não se deve confundir o poder de polícia e as limitações do exercício


do direito de propriedade com a função social da propriedade. Aqueles são
vinculados ao exercício do direito de propriedade do indivíduo, enquanto que o
princípio da função social da propriedade é “elemento da estrutura e do regime
jurídico da propriedade”55, regido especialmente por normas constitucionais, mas
também por normas administrativas, urbanísticas, civilistas e, principalmente, da
ordem econômica, como nos ensina José Afonso da Silva:

“Esse conjunto de normas constitucionais sobre a propriedade denota


que ela não pode mais ser considerada como um direito individual nem como
instituição de Direito Privado. Por isso, deveria ser prevista apenas como uma
instituição da ordem econômica, como instituição das relações econômicas, como nas
Constituições da Itália (art. 42) e de Portugal (art.62). É verdade que o art. 170
inscreve a propriedade privada e a sua função social como princípios da ordem
econômica (incs. II e III). Isso tem importância, porque, então, embora prevista entre
os direitos individuais, ela não mais poderá ser considerada puro direito

52
Maria Sylvia Zanella Di Pietro, op. cit. p. 120.
53
Ibidem, p. 120.
54
Maria Sylvia Zanella Di Pietro, op. cit. p. 120 – 121.
55
José Afonso da Silva. Curso de Direito Constitucional Positivo. p. 270-273.
30

individual, relativizando-se seu conceito e significado, especialmente porque os


princípios da ordem econômica são preordenados à vista da realização de seu
fim: assegurar a todos existência digna conforme os ditames da justiça
social.56”. (Grifos nossos)

O princípio da função social da sociedade, portanto, nas palavras de Pedro


Escribano Collado, “introduziu, na esfera interna do direito de propriedade, um
interesse que pode não coincidir com o do proprietário e que, em todo caso, é
estranho ao mesmo” 57.

2.3. A função social da propriedade no Código Civil de 2002

Antes da aprovação e promulgação do Código Civil de 2002, houve algumas


tentativas de revisão e de reforma do Código Civil de 1916, como o anteprojeto do
Código de Obrigações de 1941, de autoria de Orozimbo Nonato, Filadelfo Azevedo e
Hahnemann Guimarães e outro anteprojeto de autoria de Orlando Gomes, Caio
Mário da Silva Pereira e Sílvio Marcondes, enviado ao Congresso em 1965.

Em 1967 Luiz Antônio da Gama e Silva nomeou uma comissão para a


elaboração de um novo código civil. Essa comissão foi composta pelos juristas
Miguel Reale, supervisor do projeto, José Carlos Moreira Alves, Agostinho Alvim,
Sílvio Marcondes, Ebert V. Chamoun, Clóvis Couto e Silva e Torquato Castro58.

O primeiro anteprojeto apresentado em 1972 procurava manter a estrutura do


Código Civil de 1916, porém buscou reformular “os modelos normativos à luz dos
valores éticos e sociais da experiência legislativa e jurisprudencial”59.

56
Ibidem, p. 270-271.
57
José Afonso da Silva. Curso de Direito Constitucional Positivo. p. 283 apud de Pedro Escribano
Collado, La propriedad privada urbana: encuadramento y régimen, p.122.
58
Maria Helena Diniz, Curso de direito civil brasileiro, v.1: teoria geral do direito civil. p. 51.
59
Ibidem.
31

A exposição de motivos que acompanhou o projeto apresentado ao


Congresso Nacional em 10 de junho de 197560 delineou as diretrizes do Novo
Código Civil, algumas abaixo transcritas:

“f) Atualizar, todavia, o Código vigente, não só para superar os


pressupostos individualistas que condicionaram a sua elaboração, mas também
para dotá-lo de institutos novos, reclamados pela sociedade atual, nos domínios das
atividades empresárias e nos demais setores da vida privada.”
(...)
p) Dar ao Anteprojeto antes um sentido operacional do que conceitual,
procurando configurar os modelos jurídicos à luz do princípio da realizabilidade, em
função das forças sociais operantes no País, para atuarem como instrumentos de
paz social e de desenvolvimento61.

Em 1984 foi publicado no Diário do Congresso Nacional o projeto de lei do


código civil, com sua redação final. Porém ele teve que ser revisto em virtude da
promulgação da Constituição de 1988. Finalmente, em 2002, foi publicado o Novo
Código Civil62.

Miguel Reale, supervisor da comissão elaboradora do Código Civil, assinala


que o referido diploma legal é a “constituição do homem comum”63, uma vez que
esse ordenamento regula as relações civis do indivíduo, desde antes do seu
nascimento até depois de sua morte64. Foram, três os princípios basilares para a
edição desse novo ordenamento: eticidade, socialidade e operabilidade.

A Exposição de Motivos já citada, explicita tais princípios, de modo que os


interesses sociais se sobrepõem aos interesses individuais:

60
Miguel Reale. in: Senado Federal, Novo Código Civil: exposição de motivos e texto sancionado. p.
17. Disponível em: <http://www2.senado.gov.br/bdsf/bitstream/id/70319/2/743415.pdf >.
61
Miguel Reale, op. cit. p. 25-26.
62
Maria Helena Diniz, . ibidem, p. 51.
63
Miguel Reale, (prefácio), Novo código civil brasileiro: lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002: estudo
comparativo com o código civil de 1916, Constituição Federal, legislação codificada e extravagante. p.
09.
64
Ibidem.
32

“Quando a Parte Geral, além de fixar as linhas ordenadoras do sistema, firma os


princípios ético-jurídicos essenciais, ela se torna instrumento indispensável e
sobremaneira fecundo na tela da hermenêutica e da aplicação do Direito. Essa
função positiva ainda mais se confirma quando a orientação legislativa obedece a
imperativos de socialidade e concreção, tal como se dá no presente Anteprojeto.

Não é sem motivos que reitero esses dois princípios, essencialmente


complementares, pois o grande risco de tão reclamada socialização do Direito
consiste na perda dos valores particulares dos indivíduos e dos grupos; e o
risco não menor da concretude jurídica reside na abstração e olvido de
características transpessoais ou comuns aos atos humanos, sendo indispensável,
ao contrário, que o individual ou o concreto se balance e se dinamize com o
serial ou o coletivo, numa unidade superior de sentido ético.65”.

Para Miguel Reale, portanto, a eticidade refere-se à superação do formalismo


jurídico presente no Código Civil de 1916, optando-se por normas genéricas, para
“possibilitar a criação de modelos jurídicos hermenêuticos”66, referindo-se à
probidade e à boa-fé, contrariando o Código de 1916 que inscrevia determinações
estritamente jurídicas. O objetivo é o de garantir a eficácia do referido
ordenamento67.

O segundo – socialidade – como já explicitado no trecho da Exposição de


Motivos acima transcrito, busca superar o caráter individualista que permeava o
código anterior68, passando a ter um aspecto mais paritário e socialista, de acordo
com as necessidades da realidade social69.

Por fim, o terceiro e último princípio norteador – operabilidade – que visa


“estabelecer soluções normativas de modo a facilitar sua interpretação e aplicação
pelo operador do Direito”. Com isso, pretende-se a aplicação do código ao caso
concreto pelo juiz70.

65
Miguel Reale, op. cit. p. 25-33.
66
Ibidem, p. 13.
67
Ibidem.
68
Ibidem.
69
Maria Helena Diniz, Curso de direito civil brasileiro, v.1: teoria geral do direito civil. p. 51.
70
Miguel Reale, (prefácio),op. cit,p. 16.
33

O próprio Código Civil brasileiro ressoa o princípio da função social da


propriedade, de modo que o parágrafo primeiro do artigo 1.228 afirma o seguinte:

o
§ 1 O direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as
suas finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados, de
conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas
naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como
evitada a poluição do ar e das águas. (Grifos nossos)

Como se vê, o parágrafo primeiro prevê a finalidade econômica e social da


propriedade, como também a preservação do ambiente natural e cultural, estando
em consonância com os ditames constitucionais previstos nos títulos VII, que trata
da ordem econômica, e VIII, referente à ordem social, da Constituição Federal.

Dessa maneira, a propriedade não está somente adstrita às relações civis. O


direito de propriedade, bem como o direito civil, devem ser interpretados à luz da
Constituição, devendo “o jurista interpretar o Código Civil segundo a Constituição e
não a Constituição segundo o Código71”. Esse fenômeno é comumente chamado
pela doutrina de constitucionalização do direito civil.

Paulo Luiz Netto Lôbo diferencia constitucionalização de publicização do


direito civil:

“Em suma, para fazer sentido, a publicização deve ser entendida como o
processo de intervenção legislativa infraconstitucional, ao passo que a
constitucionalização tem por fito submeter o direito positivo aos fundamentos de
validade constitucionalmente estabelecidos. Enquanto o primeiro fenômeno é de
discutível pertinência, o segundo é imprescindível para a compreensão do moderno
direito civil72.”.

71
Paulo Luiz Netto Lôbo, A constitucionalização do direito civil, disponível em:
<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=507>. Acesso em: 04 maio 2010.
72
Ibidem.
34

José Camacho Santos estabelece a mesma diferença e compartilha do


entendimento anterior:

“O termo "constitucionalização" não é sinônimo de "publicização".


Constitucionalização do Direito Civil significa fenômeno pelo qual a ordem civil,
ordinariamente privada, é submetida às diretrizes da Lei Maior, direta ou
indiretamente. Não se cinge, portanto, àquelas situações em que há regra
constitucional regulando, específica e diretamente, assuntos afeitos à ordem
infraconstitucional. Mais que isso, preconiza a submissão a que toda sistemática civil
se sujeita, em sede hermenêutica. Enuncia obediência restrita às diretrizes,
delineamentos e pautas axiológicas traçadas pela Carta Política. Pois, não mais há
dúvida de que é o Direito Civil que deve ser interpretado segundo a Constituição,
jamais o contrário.

Já a tal publicização do Direito Civil, em que pese equivocadamente dada


como termo equivalente, trata-se de fenômeno menor, que se configura com a mera
intervenção do Estado na ordem privada, restringindo ou dirigindo a atuação das
pessoas. Porém uma ressalva se impõe: a intromissão, por mais justificada que seja,
não terá o condão de transformar relação ontologicamente privada em pública, pelo
só fato da intervenção73”. (Grifos nossos)

O direito civil deve estar em consonância com o princípio da dignidade da


pessoa humana. Gustavo Tepedino, em seu artigo “Normas Constitucionais e Direito
Civil”, explica:

“Com efeito, vive-se hoje cenário bem distinto: a dignidade da pessoa


humana impõe transformação radical na dogmática do direito civil,
estabelecendo uma dicotomia essencial entre as relações jurídicas existenciais e as
relações jurídicas patrimoniais. Torna-se obsoleta a summa divisio que extremava, no
passado, direito público e direito privado(...)
(…)
O desafio do jurista de hoje consiste precisamente na harmonização das
fontes normativas, a partir dos valores e princípios constitucionais. O novo Código
Civil deve contribuir para tal esforço hermenêutico – que em última análise significa a
abertura do sistema -, não devendo o intérprete deixar-se levar por eventual sedução

73
José Camacho Santos. O novo código civil brasileiro em suas coordenadas axiológicas: do
liberalismo a socialidade. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/revista/Rev_45/Artigos/Art_jose.htm#VIII>
35

de nele imaginar um microclima de conceitos e liberdades patrimoniais


descomprometidas com a legalidade constitucional. Portanto, o Código Civil de 2002
deve ser interpretado à luz da Constituição, seja em obediência às escolhas políticos-
jurídicas do constituinte, seja favor da proteção da dignidade da pessoa humana,
princípio fundante do ordenamento.74”.

Assim, o direito de propriedade, impregnado de socialidade, passa a ser


regido pelo princípio da função social da propriedade e pela Constituição. Veda-se o
uso abusivo da propriedade, de modo a permitir que a sociedade extraia os
benefícios do exercício do direito de propriedade. Passa, portanto a ser
compreendido na esfera do direito público, como um direito maior do que o direito
individualista das relações civis, atrelado ao bem-estar social, aos interesses sociais,
à necessidade e à utilidade pública75.

74
Gustavo Tepedino, Normas constitucionais e direito civil. Revista da Faculdade de Direito de
Campos, Ano IV, nº 4 e Ano V, nº 5 – 2003 – 2004. Disponível em:
<http://www.scribd.com/doc/6486487/Normas-Constitucionais-e-Direito-Civil-Artigo-de-Tepedino>
Acesso em: 04 maio 2010.
75
Maria Helena Diniz, Curso de direito civil brasileiro, v.4: direito das coisas. p. 112.
36

3. As limitações ao Direito de Propriedade

Como visto nos capítulos anteriores, o direito de propriedade não pode mais
ser exercido de modo absoluto. O exercício desse direito está subordinado à
Constituição que o regula e delimita, juntamente com normas infraconstitucionais.

O domínio tem sofrido, portanto, limitações constitucionais e legais em prol do


bem-estar social e da coexistência pacífica entre os particulares, impostas pela vida
em sociedade. E mais: a propriedade tem que ser produtiva, não se admitindo um
acúmulo de bens por parte do indivíduo por pura especulação. O direito de
propriedade tem que respeitar, portanto, os anseios e necessidades da complexa
sociedade contemporânea76.

Com exceção da desapropriação que implica na perda completa do direito da


propriedade, as limitações à propriedade interferem no caráter absoluto do exercício
do direito de propriedade. As limitações, em geral, recaem sobre um dos direitos
relacionados à propriedade: direitos de uso, disposição e gozo. Afora as limitações
constitucionais referentes à função social da propriedade, verifica-se limitações no
campo do Direito Privado e no campo do Direito Público77. Trata-se da publicização
do direito, de modo que, como dito no capítulo anterior, o Estado interfere na
propriedade privada por meio de leis infraconstitucionais.

Como já assinalado, o objetivo do presente trabalho é abordar o conflito entre


o direito de propriedade e um dos institutos jurídicos que limitam a propriedade: o
tombamento.

No entanto, antes de entrar no capítulo que abordará o assunto, é importante


tecer breves conceitos sobre as limitações mais relevantes existentes no nosso
ordenamento jurídico.

76
Maria Helena Diniz, op. cit. p. 252-254; Maria Sylvia Zanella Di Pietro, op. cit., p. 120-122.
77
Antonio Augusto Queiroz Telles, Tombamento e seu regime jurídico. p. 40 apud de José Cretella
Júnior, Dicionário de Direito Administrativo. p.512.
37

3.1. Limitações de direito privado ao exercício do direito de propriedade

Historicamente, as primeiras restrições ao exercício do direito de propriedade


foram as que estabeleciam limites entre os particulares, com o escopo de evitar
eventuais conflitos entre os mesmos.

São os direitos de vizinhança, institutos jurídicos do direito civil que se


caracterizam pela bilateralidade e fundam-se na ideia da convivência harmônica
entre os particulares proprietários ou possuidores de prédios vizinhos ou confinantes
78
. Implicam, portanto, em comportamentos negativos e positivos por parte dos
proprietários.

São obrigações propter rem. Esse tipo de obrigação tem natureza mista79,
pois nem são obrigações in re e nem ad rem, já explanadas no primeiro capítulo.

A obrigação propter rem origina-se da posição que o devedor tem em relação


à coisa, de natureza acessória. Para que esse tipo de obrigação surja, é necessário
que os sujeitos sejam titulares de um direito real, isto é, que tenham poder imediato
sobre a coisa80.

São obrigações que decorrem da lei. Podem recair em decorrência da


titularidade de um mesmo bem ou em relação a bens distintos, limítrofes,
confinantes81.

O termo propter, origina-se do latim, que significa “em razão de”. Dessa
maneira, a obrigação propter rem significa, terminologicamente, em razão da coisa.
Por exemplo: em um condomínio, cada proprietário deverá assumir o pagamento

78
Maria Helena Diniz, op. cit. p. 252-253, 263-265; Maria Sylvia Zanella Di Pietro, op. cit. p. 118.
79
Sílvio de Salvo Venosa, Direito civil: teoria geral das obrigações e teoria geral dos contratos. p. 60-
61.
80
Ibidem. p. 61.
81
Ibidem.
38

das despesas do condomínio relativas à sua parte no imóvel. Deflui, portanto, da


copropriedade82.

No âmbito do direito de vizinhança, não basta apenas que o ato cometido por
parte de um dos proprietários, no exercício do domínio, seja lícito. Se, por um acaso,
desse exercício decorrer um dano à propriedade vizinha ou incomodar o vizinho, o
autor do fato danoso estará incorrendo em exercício irregular do seu direito, que
pode vir a ser cessado pelo vizinho prejudicado83.

Nesse sentido, o artigo 1.277 do Código Civil é claro ao dispor:

“O proprietário ou o possuidor de um prédio tem o direito de fazer cessar as


interferências prejudiciais à segurança, ao sossego e à saúde dos que o habitam,
provocadas pela utilização de propriedade vizinha.”.

Os direitos de vizinhança, por serem obrigações propter rem, estão elencados


no mesmo título do Código Civil que trata dos direitos reais, nos artigos 1.277 a
1.313. São eles: das árvores limítrofes, da passagem forçada, da passagem de
cabos e tubulações, das águas, dos limites entre prédio e do direito de tapagem, do
direito de construir.

Há outras limitações ao domínio, inerentes ao direito privado, que não o


direito de vizinhança, disciplinadas pelo Código Civil, como as dos artigo 548 a 550,
que interferem no jus abutendi do proprietário, apenando como “nula a doação de
todos os bens, sem reserva de parte ou renda suficiente para a subsistência do
doador” (art. 548), à doação em testamento que ultrapasse à parte que legalmente
poderia dispor (art. 549) e a doação do cônjuge adúltero para seu cúmplice,
podendo ser decretada a nulidade se reclamada pelo outro cônjuge ou herdeiros, até
dois anos depois da dissolução da sociedade conjugal.

82
Sílvio de Salvo Venosa, op; cit., p. 60
83
Maria Helena Diniz, op. cit., p. 266.
39

3.2. Limitações de direito público ao exercício do direito de


propriedade: a intervenção do Estado na propriedade privada

O Estado também poderá impor restrições ao domínio, por meio de


autorizações legais, norteados por normas constitucionais. Essas limitações estão
condicionadas ao interesse e utilidades públicas e sociais84.

A Constituição Federal elenca algumas das restrições à propriedade, como a


desapropriação por necessidade ou utilidade pública, desapropriação-sanção, a
requisição de bens, a expropriação, o tombamento de bens materiais e imateriais de
valor histórico, artístico e cultural, de paisagens naturais notáveis, dos antigos
quilombos e a distinção entre a propriedade do solo e a do subsolo que pertence à
União. A repressão ao abuso do poder econômico é igualmente regulada pela Lei
Fundamental do país.

Essas limitações constitucionais relacionam-se com ramos do Direito


Administrativo. Serão impostas ao proprietário, com fundamento no Princípio da
Supremacia do Interesse Público, e fiscalizadas pelo poder de polícia do Estado85.
Também podem se relacionar com o direito penal, como a expropriação de terras
em que haja cultivo ilegal de plantas psicotrópicas (art. 243).

São modalidades de restrição à propriedade privada, reguladas pelo ramo do


direito administrativo: limitações administrativas, ocupação temporária, requisição de
imóveis, tombamento, servidão administrativa, desapropriação, edificação e
parcelamento do solo, compulsórios86.

As limitações administrativas poderão impor ao particular certas obrigações


como as de não fazer, deixar fazer e fazer, de acordo com a necessidade da
administração, sem direito de indenização ao proprietário. São limitações que

84
Maria Sylvia Zanella Di Pietro, op. cit. p. 125-126.
85
Antonio Augusto Queiroz Telles, Tombamento e seu regime jurídico. p. 36.
86
Maria Sylvia Zanella Di Pietro, ibidem. p. 119.
40

decorrem de normas abstratas e gerais e são dirigidas a propriedades


indeterminadas. Nelas, não há um interesse público especificado. Poderão tratar de
temas como salubridade, segurança e defesa nacional. Atingem o caráter absoluto
da propriedade, pois impede que o proprietário exerça os direitos de uso e fruição
com plenitude87.

A ocupação temporária é a utilização da propriedade imóvel do particular pelo


Estado de maneira temporária, gratuita ou onerosa. Assim, atinge o caráter
exclusivo da propriedade, uma vez que o Estado, transitoriamente se apropria do jus
utendi do direito de propriedade que antes era exercido somente pelo proprietário.
Cretella Júnior88 nos ensina que a ocupação temporária somente se justifica se
atender aos requisitos: realização de obras públicas, necessidade de ocupação de
terrenos vizinhos, inexistência de edificação no terreno ocupado, obrigatoriedade de
indenização e prestação de caução prévia quando exigida.

A requisição administrativa é, além de intervenção do Estado na propriedade


privada, também intervenção no domínio econômico. Pode ser imposta sobre bens
móveis e imóveis, serviços, a fim de satisfazer necessidades públicas inadiáveis e
urgentes, em tempo de guerra ou de paz – em caso de perigo público iminente89.

A auto executoriedade é característica marcante da requisição administrativa,


uma vez que independe da aquiescência do proprietário e de apreciação pelo Poder
Judiciário. É posteriormente indenizável90.

A servidão administrativa tem as mesmas características da servidão civil.


Difere-se dela, pois a servidão civil somente se perfaz em relação a dois imóveis
particulares, gravando o imóvel serviente em favor do dominante, no Registro de
Imóveis. Já a servidão administrativa é instituída por meio de lei e em favor de um
serviço público ou um imóvel, privado ou público, no qual o serviço é prestado91.
87
Maria Sylvia Zanella Di Pietro, op. cit. p. 125-126.
88
Maria Sylvia Zanella Di Pietro,ibidem. p.129 apud de José Cretela Júnior, Comentários às leis de
desapropriações. p.496.
89
Maria Sylvia Zanella Di Pietro, ibidem, p. 128-130.
90
Ibidem.
91
Ibidem, p. 143-148.
41

Trata-se de direito real de gozo, de natureza pública, que atinge os caracteres


da perpetuidade e exclusividade da propriedade, pois transfere alguns poderes do
domínio ao Poder Público ou seus delegados. O bem serviente presta uma utilidade
ao dominante, seja ele coisa ou pessoa. O titular do domínio do bem serviente, salvo
exceções em lei, não tem direito à indenização92.

Outra intervenção do Estado na propriedade privada é o instituto do


tombamento, que tem o escopo preservar aspectos histórico, artísticos e culturais de
bens móveis e imóveis, que será discutido no capítulo a seguir.

92
Maria Sylvia Zanella Di Pietro, op. cit..p. 145.
42

4. O Instituto do Tombamento

O tombamento é um dos institutos de direito administrativo do nosso


ordenamento jurídico para que se cumpra o mandamento constitucional referente à
preservação e promoção do patrimônio cultural brasileiro, seja federal, estadual,
municipal ou do Distrito Federal, incidindo sobre bens móveis e imóveis.

Porém, os efeitos desse instituto interferem diretamente no direito de


propriedade, causando repulsa pelos proprietários, no tocante à utilização
econômica do bem.

Bens móveis ou imóveis são passíveis de tombamento, de acordo com a


legislação vigente. No entanto, o presente trabalho dará maior atenção ao
tombamento de bens imóveis e seus efeitos.

4.1. Panorama histórico-legislativo

4.1.1. Origem do termo “tombamento”: Portugal

O termo “tombamento” é aplicado no Brasil como instituto jurídico de direito


público que tem por fim inscrever bens de importância cultural em livros do tombo.
Tombar, entre os demais significados e nos ensinamentos de Aurélio Buarque de
Holanda93, é verbo que implica em “fazer o tombo”, e tombo, por sua vez, significa
“inventário de terrenos demarcados”, bem como “registro de coisas ou fatos
referentes a uma especialidade ou a uma região”. Tombar é, portanto, registrar em
livro do tombo.

93
Aurélio Buarque de Holanda. Novo dicionário da língua portuguesa. p. 639.
43

Esse termo foi criado por influência da existência do Arquivo da Torre do


Tombo, em Lisboa, Portugal. O Arquivo, existente desde o século XIV situava-se em
uma das torres do Castelo de São Jorge. No século XVIII, Portugal sofreu os abalos
de um terremoto que fez ruir a torre. Os documentos foram recuperados dos
escombros e o Arquivo da Torre do Tombo foi transferido para o edifício do mosteiro
de São Bento da Saúde, onde permaneceu até 1990, quando foi construído edifício
próprio para abrigá-lo94.

Ao longo da história, a função do Arquivo da Torre do Tombo se alargou.


Inicialmente, guardava documentos da administração do reino, dos vassalos, do rei,
das possessões ultramarinas e das relações de Portugal com os demais reinos.
Servia também para a emissão de certidões, espaço para consulta e empréstimos
de documentos. No século XIX, abrigou um espaço para ensino e formação de
funcionários da diplomacia portuguesa e documentos dos tribunais do Antigo
Regime, das corporações religiosas e arquivos históricos do ministério das
finanças95.

No século XX, o Arquivo da Torre do Tombo passou pelas denominações de


Arquivo Nacional, Arquivo Geral, Instituto dos Arquivos Nacionais/Torre do Tombo –
IAN/TT. Nesse século sua nomenclatura foi novamente alterada para Arquivo
Nacional da Torre do Tombo – ANTT – subordinado à “Direcção-Geral de Arquivos” -
DGARQ, do Ministério da Cultura de Portugal. Tem como função precípua
salvaguardar, valorizar e divulgar o patrimônio arquivístico da nação Portuguesa96.

Vale ressaltar que, muito embora o Brasil, por influência portuguesa, tenha
adotado o termo “tombamento” para o procedimento administrativo que visa proteger
e registrar, em livros do tombo, o patrimônio cultural do país, Portugal não utiliza
esse termo para o mesmo fim. Para aquele país, as atividades administrativas que

94
O histórico apresentado neste trabalho a respeito da Torre do Tombo foi retirado do website do
Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Portugal. In: http://antt.dgarq.gov.pt/.
95
Ibidem.
96
Ibidem.
44

visam proteger e salvaguardar o patrimônio cultural de bens móveis e imóveis são


denominadas de classificação e inventariação97.

A primeira legislação portuguesa data do século XVIII, quando Dom João V


criou a Academia Real de História Portuguesa e determinou por meio do Alvará de
20 de Agosto de 1721, que a instituição inventariasse e conservasse os
monumentos relativos aos antigos povos que se fizeram presentes na Península
Ibérica como os romanos, os persas, os árabes e os fenícios98.

No século XIX, no ano de 1876 foram editadas leis que versavam sobre
restauro, inventariação e conservação de bens imóveis. Em 1880 houve a primeira
relação de monumentos classificados, resultado do esforço da “Real Associação de
Arquitectos e Arqueólogos Portugueses (RAAAP)”. Em 1882 o governo português
criou a Comissão dos Monumentos Nacionais, responsável pela inventariação e
classificação dos monumentos nacionais, no âmbito do Ministério das Obras
Públicas99. Outras leis foram editadas ao longo do século XX, culminando com a
atual “Lei de Bases do Património Cultural Português”, Lei 107/2001, publicada em 8
de setembro de 2001100.

Pode-se concluir, portanto, que em Portugal, não foi utilizado pelos


legisladores, o termo “tombamento” como instituto legal para preservar bens móveis
ou imóveis, materiais ou imateriais referentes à identidade cultural de seu país.

De acordo com a Lei 107/2001, classificação implica no “acto final do


procedimento administrativo mediante o qual se determina que certo bem possui um
inestimável valor cultural101”. Inventariação é “o levantamento sistemático,
actualizado e tendencialmente exaustivo dos bens culturais existentes a nível
nacional, com vista à respectiva identificação102”. O procedimento de classificação de
97
Portugal, Lei de Bases do Património Cultural Português nº. 107/2001.Arts.18º e19º.
98
Antonieta Vera de Sousa, A Evolução do Conceito de Património e das Normas Legais, 2007. In:
http://adepa-alcobaca.org/patrimonio.html.
99
Ibidem.
100
Portugal, Lei de Bases do Património Cultural Português nº. 107/2001. In:
<http://www.dgarq.gov.pt/files/2008/10/107_2001.pdf >
101
Ibidem, art. 18º.
102
Ibidem. Art. 19º.
45

bens imóveis passou a ser regulado pelo recém publicado Decreto 309/2009 de 23
de outubro, que entrou em vigor no início do ano de 2010.

4.1.2. A preservação do patrimônio cultural e o instituto do


tombamento no Brasil e no Estado de São Paulo

No Brasil, ainda durante o período Colonial e durante o Império, houve


singulares preocupações com o patrimônio brasileiro. No século XVIII, o então vice-
rei do Estado do Brasil, D. André de Melo e Castro, preocupado com a destinação e
desfiguração do Palácio das Duas Torres - erigido pelo então governador da colônia
holandesa no Brasil, Maurício de Nassau, - escreveu ao governador da Capitania de
Pernambuco, Luiz Pereira Freire de Andrade. Na carta, datada de 5 de abril de
1742, expressou a importância daquele edifício como memória histórica nacional103.

Durante o Império, Luiz Pedreira do Couto Ferraz expediu ordens ao diretor


das Obras Públicas da Corte para que tomasse cuidado com os reparos em
monumentos históricos, não destruindo, assim, as inscrições neles presentes104.

No século XX, surgem outras preocupações acerca da proteção de bens


históricos, artísticos e culturais. Os primeiros projetos de lei iniciaram-se na década
de 20.

Em 1920, o então presidente da Sociedade Brasileira de Belas Artes Bruno


Lobo, pediu para que Alberto Childe elaborasse um anteprojeto de lei para a defesa
do patrimônio artístico nacional. Porém essa empreitada transformou-se apenas em
um ofício, sem êxito105.

103
Antonio Carlos Brasil Pinto. Turismo e meio ambiente: aspectos jurídicos. p.15.

104
Ibidem. p.15-16.
105
Beatriz Mugayar Kühl. Arquitetura do ferro e arquitetura ferroviária em São Paulo:
reflexões sobre sua preservação. p. 200.
46

Em 1922 foi criado, no Rio de Janeiro, o Museu Histórico Nacional por meio
do Decreto 15.596/1922, a quem cabia a salvaguarda e a comunicação de bens
móveis de valores históricos106.

Segundo Mário Ferreira de Pragmácio Telles, em 1923, deputado


pernambucano Luís Cedro apresentou um projeto-lei na Câmara dos Deputados
com vistas a criar, “com sede na cidade do Rio de Janeiro, a Inspetoria dos
Monumentos Históricos dos Estados Unidos do Brasil, para o fim de conservar os
imóveis públicos ou particulares, que no ponto de vista da história ou da arte
revistam um interesse nacional”107.

Esse projeto não foi aprovado pelo Congresso Nacional, porém algumas das
suas disposições são muito assemelhadas com as disposições do vigente Decreto-
lei nº 25 de 1937108. O instituto jurídico que o proponente delimitou para a
preservação dos bens históricos e artísticos denominava-se, como ocorre em
Portugal, classificação109.

De acordo com Laura Regina Xavier, o poeta e então deputado pelo Estado
de Minas Gerais Augusto de Lima apresentou um projeto de lei com o escopo de
coibir a saída de obras de arte brasileiras para o exterior, em 1924110.

Em 1925 o relator Jair Lins da comissão designada pelo então presidente do


Estado de Minas Gerais Mello Viana, apresentou projeto de lei destinado à
catalogação111 dos bens a serem preservados, bem como a criação de políticas
públicas de preservação.

106
Antonio Augusto Queiroz Telles, Tombamento e seu regime jurídico. p. 22.
107
Artigo 1º do projeto-lei de Luis Cedro. In: Mario Ferreira de Pragmácio Telles. Entre a lei e as
salsichas: análise dos antecedentes do Decreto-lei 25/37. Disponível
em :http://www.cult.ufba.br/enecult2009/19408.pdf.p. 04.
108
Mario Ferreira de Pragmácio Telles. Ibidem,p. 04-05.
109
Ibidem, nota de rodapé nº. 9.
110
Laura Regina Xavier. Patrimônio em prosa e verso: a correspondência de Rodrigo Melo Franco de
Andrade para Augusto Meyer, 2008. p.16.
111
Segundo Mario Ferreira Pragmácio Telles, Ibidem, nota de rodapé nº. 9.
47

Mário Ferreira de Pragmácio Telles reconhece institutos semelhantes que


estão presentes no vigente Decreto-lei 25/1937, in verbis:

“São muitas as contribuições do anteprojeto de Jair Lins, porém listam-se,


aqui, as principais: (a) o direito de preferência; (b) a exclusão dos bens estrangeiros
da catalogação; (c) os tipos de catalogação – voluntária/compulsória e
definitiva/provisória; (d) Exigência de registro no Registro Geral de Hipotecas; (e)
Proibição de construção nova no ‘entorno’.”.
(...)
Ademais, entende-se que foi Jair Lins quem primeiro elaborou uma proposta
de proteção da vizinhança do bem catalogado, conceito que evoluiu, ao longo do
tempo, e ficou conhecido como “entorno” do bem catalogado, o qual tem
correspondência direta com o art. 18 do DL 25/37.” 112.

Entre os anos de 1926 a 1928 iniciativas estaduais lograram êxito nos


Estados da Bahia, Pernambuco e Minas Gerais, nos quais foram criadas as
Inspetorias Estaduais de Monumentos Históricos113.

Em 1930, o deputado pelo Estado da Bahia, José Wanderley de Araújo Pinho,


apresentou outro projeto de lei que compilava as ideias presentes nos projetos
anteriores e, nas palavras de Mário Ferreira de Pragmácio Telles:

“Ademais, o anteprojeto de Wanderley Pinho, continha previsão de um


Conselho Deliberativo e Consultivo da Defesa do Patrimônio Histórico-artístico
Nacional (art. 22 do anteprojeto), o qual é correspondente ao art. 14 do DL.”.114

Em 1933 a cidade de Ouro Preto foi erigida a Monumento Nacional pelo


Decreto 22.928 de 12 de junho de 1933, primeira lei federal relacionada à
preservação de bens culturais imóveis115.

O revogado Decreto 24.735 de 14 de julho de 1934 instituía novo regulamento


ao Museu Histórico Nacional e a ele atribuía função reguladora do patrimônio
112
Mario Ferreira de Pragmácio Telles, Ibidem. p.05.
113
Laura Regina Xavier, Ibidem. p. 16; Antonio Carlos Brasil Pinto. op. cit. p.17.
114
Mario Ferreira de Pragmácio Telles, Ibidem. p.08.
115
Laura Regina Xavier, Ibidem. p. 16; Antonio Carlos Brasil Pinto. op. cit. p.18.
48

nacional. Previa, igualmente, limitação legal ao exercício do direito de propriedade


em prol da proteção do patrimônio cultural. Criou a Inspetoria de Monumentos
Nacionais – IPM. De acordo com artigo 72 do decreto, “Os immoveis classificados
como monumentos nacionaes não poderão ser demolidos, reformados ou
transformados sem a permissão e fiscalização do Museu Histórico Nacional”116.

Foi somente com a promulgação da Constituição de 1934 que, pela primeira


vez, previu-se -- no artigo 10, inciso III -- a proteção das belezas naturais e dos
monumentos de valor histórico ou artístico de competência concorrente da União e
dos Estados. O artigo 148 do capítulo “Da Educação e da Cultura” determinava que
a União, os Estados e os Municípios protegessem “os objetos de interesse histórico
e o patrimônio artístico do País”117.

Em 1936, o escritor modernista Mário de Andrade, à frente do Departamento


de Cultura e Recreação da Prefeitura de São Paulo, a requerimento do então
Ministro Gustavo Capanema, encaminhou ao Ministério da Educação e Saúde
Pública um anteprojeto de lei para a criação de um serviço de defesa do patrimônio
artístico nacional118. Mario Ferreira Pragmácio Telles afirma que foi nesse
anteprojeto que surgiu a denominação “tombamento” para o instituto jurídico voltado
para a preservação de bens culturais119.

No ano seguinte, a Lei 378 de 13 de janeiro de 1937 criou o Serviço do


Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – Sphan, que funcionava
experimentalmente desde 1936, sob direção de Rodrigo Melo Franco de Andrade.
Sua função precípua era conservar, enriquecer e divulgar o patrimônio histórico e
artístico120.

116
Laura Regina Xavier, ibidem. p. 16; Brasil, Decreto 24.735 de 14 de julho de 1934. in:
<http://www6.senado.gov.br/legislacao/ListaPublicacoes.action?id=31712.>
117
Antonio Carlos Brasil Pinto. Turismo e meio ambiente: aspectos jurídicos. p. 18; Brasil,
Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, 1934. In:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituiçao34.htm.
118
Beatriz Mugayar Kühl. Arquitetura do ferro e arquitetura ferroviária em São Paulo:
reflexões sobre sua preservação. p. 201.
119
Mario Ferreira Pragmácio Telles. ibidem, nota de rodapé nº. 9.
120
Antonio Augusto Queiroz Telles, Tombamento e seu regime jurídico. p. 23.
49

O Sphan passou por algumas denominações ao longo de sua história:


Diretoria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, Instituto do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional, Secretaria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional,
Instituto Brasileiro do Patrimônio Cultural121. Em 1994, por meio da Medida Provisória
nº. 752, volta a denominar-se Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional –
Iphan, com função de identificar, salvaguardar, tombar, fiscalizar e documentar o
patrimônio cultural do país122.

A Carta Constitucional de 1937, outorgada em 10 de novembro, previa no


artigo 134, que os monumentos históricos, artísticos e naturais “gozam da proteção
e dos cuidados especiais da Nação, dos Estados e dos Municípios”. E versava que
os “atentados contra eles cometidos serão equiparados aos cometidos contra o
patrimônio nacional”.

Em 30 de novembro do mesmo ano, baseado nos projetos de Mário de


Andrade, Jair Lima, Wanderley Pinho, nas legislações brasileiras então vigentes e
nas francesa e mexicana123, foi publicado o Decreto-Lei nº. 25 instituindo o
instrumento jurídico do Tombamento, vigente até os dias atuais.

O artigo 1º e o parágrafo 2º do referido diploma legal conceituam como


patrimônio histórico e artístico nacional os bens móveis e imóveis, cuja conservação
seja de interesse público, e trata os monumentos e paisagens do mesmo modo, in
verbis:

“Art. 1º Constitue o patrimônio histórico e artístico nacional o conjunto dos bens


móveis e imóveis existentes no país e cuja conservação seja de interêsse
público, quer por sua vinculação a fatos memoráveis da história do Brasil, quer
por seu excepcional valor arqueológico ou etnográfico, bibliográfico ou artístico.

121
Ibidem, p. 24.
122
REVISTA Museu. Iphan comemora 70 anos de atuação no Brasil. In:
http://www.revistamuseu.com.br/emfoco/emfoco.asp?id=11653
123
Laura Regina Xavier, op. cit. p. 16-17.
50

§ 1º Os bens a que se refere o presente artigo só serão considerados parte integrante


do patrimônio histórico o artístico nacional, depois de inscritos separada ou
agrupadamente num dos quatro Livros do Tombo, de que trata o art. 4º desta lei.

§ 2º Equiparam-se aos bens a que se refere o presente artigo e são também sujeitos
a tombamento os monumentos naturais, bem como os sítios e paisagens que
importe conservar e proteger pela feição notável com que tenham sido dotados
pelo natureza ou agenciados pelo indústria humana”.

Demais leis foram editadas no Brasil com o escopo de reforçar e


regulamentar a proteção do patrimônio cultural, artístico, histórico e arqueológico. O
Código Penal criminalizou condutas que implicassem na destruição, inutilização ou
deterioração de coisa tombada (art. 165) e na alteração de aspecto de local
especialmente protegido por lei (art. 166)124.

Os referidos artigos do Estatuto Repressor prevê pena de “detenção, de seis


meses a dois anos, e multa” para quem “destruir, inutilizar ou deteriorar coisa
tombada pela autoridade competente em virtude de valor artístico, arqueológico ou
histórico” (art. 165), e pena de “detenção, de um mês a um ano, e multa” para quem
“alterar, sem licença da autoridade competente, o aspecto de local especialmente
protegido por lei” (art. 166).

No entanto, para Édis Milaré125, esses artigos foram implicitamente revogados


pela Lei nº. 9.605/1998, cujo artigo 62 impõe pena mais grave – para crime doloso -
qual seja:

“Destruir, inutilizar ou deteriorar:


I - bem especialmente protegido por lei, ato administrativo ou decisão judicial;
II – arquivo, registro, museu, biblioteca, pinacoteca, instalação científica ou similar protegido
por lei, ato administrativo ou decisão judicial.
Pena – reclusão, de três meses a três anos, e multa.

124
Antonio Augusto Queiroz Telles, Ibidem, p. 24.
125
Édis Milaré, Direito do ambiente. A gestão ambiental em foco. Doutrina. Jurisprudência. Glossário.
p. 280.
51

Parágrafo único. Se o crime for culposo, a pena é de seis meses a um ano de detenção, sem
prejuízo da multa.”.

O Decreto-Lei 3.365 de 21 de junho de 1941 dispõe sobre a desapropriação


por utilidade pública e a alínea k do artigo 5º, inclui no rol dos casos de declaração
de utilidade pública, o patrimônio cultural, histórico e artístico de bens móveis ou
imóveis126, in verbis:

“k) a preservação e conservação dos monumentos históricos e artísticos, isolados ou


integrados em conjuntos urbanos ou rurais, bem como as medidas necessárias a
manter-lhes e realçar-lhes os aspectos mais valiosos ou característicos e, ainda, a
proteção de paisagens e locais particularmente dotados pela natureza;”.

O Decreto-Lei 3.866 de 29 de novembro de 1941, composto por único artigo,


autoriza o Presidente da República a cancelar, de ofício ou em grau de recurso, o
tombamento de bens pertencentes a pessoas de direito público ou privado, por
interesse público, desde que tenham sido tombados pelo Iphan127.

Com a promulgação de nova Constituição em 18 de setembro de 1946, que


instituiu, no artigo 175, dever do Poder Público na proteção de obras, monumentos e
documentos de valor histórico e artístico, como também dos monumentos naturais,
sem fazer remissão ao instituto do tombamento. As Cartas Constitucionais de 1967
e 1969 acompanharam a Constituição de 1946 nos artigos 172 e 180,
respectivamente128.

Ainda na vigência da Constituição de 1946, na década de 1960 o direito de


propriedade foi mais uma vez restringido – sem fazer alusão ao tombamento - em
favor das jazidas arqueológicas e pré-históricas com a publicação da Lei 3.924 de 26
de julho de 1961129.

126
Ibidem, p. 24-25.
127
Antonio Augusto Queiroz Telles, op. cit., p. 25.
128
Antonio Augusto Queiroz Telles, op. cit.
129
Ibidem.
52

O Estado de São Paulo criou, em 1968, o Conselho de Defesa do Patrimônio


Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico – Condephaat, por meio da Lei 10. 247
de 22 de outubro, órgão responsável pelo tombamento de bens culturais do referido
ente federativo. Em 1969 foi publicado o Decreto-Lei 149 que dispõe sobre o
tombamento de bens móveis e imóveis situados no Estado de São Paulo130.

Sob a vigência da Carta de 1969, foi editada a Lei 6.292 de 15 de dezembro


de 1975, que determinava a homologação da inscrição do bem a ser tombado no
livro do tombo, pelo então Ministro da Educação e Cultura, hoje Ministro da Cultura
131
.

No ano de 1979 foi criada, no Estado de São Paulo, a Secretaria da Cultura


do Estado de São Paulo pelo Decreto 13.426. Em 1983, publicou-se o Decreto
20.955, que reorganizou a Secretaria132.

A Constituição Federal de 1988 procurou dar maior atenção à proteção do


patrimônio cultural do país, prevendo que o Estado garanta, no artigo 215, os
“direitos culturais e o acesso às fontes da cultura nacional” e que incentive a
“valorização e a difusão das manifestações culturais”. Seus parágrafos e incisos
explicitam:

§ 1º - O Estado protegerá as manifestações das culturas populares, indígenas e afro-


brasileiras, e das de outros grupos participantes do processo civilizatório nacional.
§ 2º - A lei disporá sobre a fixação de datas comemorativas de alta significação para
os diferentes segmentos étnicos nacionais.
§ 3º A lei estabelecerá o Plano Nacional de Cultura, de duração plurianual, visando ao
desenvolvimento cultural do País e à integração das ações do poder público que
conduzem à133:
I - defesa e valorização do patrimônio cultural brasileiro;

130
Ibidem, p. 27.
131
Ibidem, p. 26.
132
Esse decreto revogou os artigos artigos 2º a 133 e os artigos 150 a 207 do Decreto 13.426/1979
que, por sua vez, foi revogado pelo Decreto 50.941/2006. Ambos decretos reorganizaram a referida
Secretaria da Cultura do Estado de São Paulo e mantiveram a vigência das normas relativas ao
procedimento do tombamento constantes nos artigos 134 a 149 do Decreto 13.426/1979 (art. 158 do
Decreto Estadual 50.941/2006).
133
Parágrafo 3º e incisos incluídos pela Emenda Constitucional nº 48, de 10 de agosto de2005.
53

II - produção, promoção e difusão de bens culturais;


III - formação de pessoal qualificado para a gestão da cultura em suas múltiplas
dimensões;
IV - democratização do acesso aos bens de cultura;
V - valorização da diversidade étnica e regional.

O artigo 216 conceitua “patrimônio cultural”, in verbis:

“Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens da natureza material e imaterial,


tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à
ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais
se incluem:
I – as formas de expressão;
II – os modos de criar, fazer e viver;
III – as criações científicas, artísticas e tecnológicas;
IV – as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às
manifestações artístico-culturais;
V – os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico,
arqueológico, paleontológico, ecológico e científico.”.
§1º - O Poder Público, com a colaboração da comunidade, promoverá e protegerá
o patrimônio cultural brasileiro, por meio de inventários, registros, vigilância,
tombamento e desapropriação, e de outras formas de acautelamento e preservação.
§2º - Cabem à administração pública, na forma da lei, a gestão da documentação
governamental e as providências para franquear sua consulta a quantos dela
necessitem.
§3º - A lei estabelecerá incentivos para a produção e o conhecimento de bens e
valores culturais.
§4º - Os danos e ameaças ao patrimônio cultural serão punidos, na forma da lei.
§5º - Ficam tombados todos os documentos e os sítios detentores de reminiscências
históricas dos antigos quilombos.
§6º134 - É facultado aos Estados e ao Distrito Federal vincular a fundo estadual de
fomento à cultura até cinco décimos por cento de sua receita tributária líquida, para o
financiamento de programas e projetos culturais, vedada a aplicação desses recurso
no pagamento de:
I – despesas com pessoal e encargos sociais;
II – serviço da dívida;

134
Parágrafo inserido pela EC42/2003.
54

III – qualquer outra despesa corrente não vinculada diretamente aos investimentos ou
ações apoiados (Grifos nossos).

Conforme Édis Milaré, a Constituição procurou alargar o conceito de


patrimônio de acordo com os modernos conceitos científicos acerca do tema:

“Assim, o patrimônio cultural é brasileiro e não regional ou municipal,


incluindo bens tangíveis (edifícios, obras de arte) e intangíveis (conhecimentos
técnicos), considerados individualmente e em conjunto; não se trata somente
daqueles eruditos ou excepcionais, pois basta que tais bens sejam portadores de
referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos que formam a
sociedade brasileira.135”(Grifo do autor)

O autor continua, em sequência, ressaltando a importância da participação da


comunidade para a preservação dos bens culturais:

“A solução, portanto, parece estar na atuação da comunidade, que deve


participar da preservação do patrimônio cultural em conjunto com o Poder
Público, como recomendado pelo §1.º do art. 216 da Constituição. De fato, a atuação
da comunidade é fundamental, pois ela, como legítima produtora e beneficiária dos
bens culturais, mais do que ninguém tem legitimidade para identificar um valor
cultural, que não precisa ser apenas artístico, arquitetônico ou histórico, mas
também estético ou simplesmente afetivo. A identificação ou simpatia da comunidade
por determinado bem pode representar uma prova de valor cultural bastante superior
àquela obtida através de dezenas da laudos técnicos plenos de erudição, mas muitas
vezes vazios de sensibilidade. Além de significar, por si só, uma maior garantia para a
sua efetiva conservação.136”.

Em 08 de janeiro de 2010, foi ajuizada perante o Supremo Tribunal Federal


uma arguição de descumprimento de preceito fundamental de nº. 206137 pela
Procuradora-Geral da República em Exercício, Sandra Cureau, requerendo que o
artigo primeiro do Decreto-lei nº 25/1937 seja interpretado conforme a Constituição,
evitando, assim, interpretações jurisprudenciais díspares.
135
Édis Milaré, Direito do ambiente. A gestão ambiental em foco. Doutrina. Jurisprudência. Glossário.
p. 264.
136
Ibidem, p. 266.
137
ADFP 206, petição inicial. Disponível em:
<http://www.stf.jus.br/portal/peticaoInicial/verPeticaoInicial.asp?base=ADPF&s1=206&processo=206>
55

Segundo a autora da ação, até a promulgação da Constituição, o


entendimento jurisprudencial e doutrinário majoritário, conforme o Decreto
questionado, era de que a proteção somente era válida caso o bem, objeto de
proteção, “estivesse intimamente vinculado a fatos memoráveis da história do Brasil,
ou que tivesse excepcional valor arqueológico, etnográfico, bibliográfico ou artístico
ou, ainda, se se tratasse de sítios ou paisagens de feição notável, por obra da
natureza ou do homem.138”.

Em seguida, a autora cita diversas Convenções europeias que tratam do


assunto, demonstrando o alargamento da noção de patrimônio cultural, não mais
compatível com a redação do artigo 1º do Decreto-lei 25/1937.

O objetivo da referida ADPF 206 não é o de sucumbir do ordenamento


jurídico o Decreto 25/1937, mas sim, que seja interpretado de acordo com o artigo
216 da Constituição da República, com efeito vinculante e eficácia erga omnes.

A Procuradoria-Geral da República clama, portanto, por um novo


entendimento jurisprudencial, adequando o Decreto-lei à Constituição e não a
Constituição ao Decreto-lei, in verbis:

“A força inercial da jurisprudência, contudo, terminou por escurecer os novos


horizontes conceituais da proteção de tais bens, como portifólios espirituais dos
povos, dando ao texto constitucional interpretação conforme o Dec-Lei n.º 25/37. Ou,
como disse o Ministro Sepúlveda Pertence: uma 'interpretação retrospectiva da
Constituição, consistente em amoldar-se a Constituição nova aos assentamentos da
ordem constitucional pretérita, de modo a que, não obstante a mudança, tudo
continue como era”.(Grifo da autora)
Assim sendo, é passada a hora de invertermos a ótica hermenêutica,
dando ao Decreto-Lei nº. 25/37 interpretação conforme a Constituição de 1988.”
139
. (Grifos nossos)

138
Ibidem, fls. 03.
139
ADFP 206, petição inicial. op. cit. fls. 12-13.
56

Resta agora aguardar o julgamento da ADPF, de relatoria do ministro Ricardo


Lewandowski.

Os instrumentos administrativos de preservação do patrimônio cultural são


inúmeros, como se apreende da intelecção do parágrafo 1º do artigo 216, como o
tombamento, o inventário, registros, vigilância e a desapropriação. Inclusive, a
Constituição “tomba” desde já, os documentos e sítios referentes à cultura dos
quilombolas.

A preservação das jazidas arqueológicas, antes prevista em norma


infraconstitucional, passou a ser prevista constitucionalmente. Outrossim, a Lei
Maior inclui no rol de bens pertencentes à União, os sítios arqueológicos e pré-
históricos (art.20, X).

No Estado de São Paulo, a proteção ao patrimônio cultural está prevista nos


artigos 260 a 263 da Constituição Estadual de 05 de outubro de 1989. De acordo
com o artigo 261, a proteção dos bens culturais está a cargo do Condephaat. O
artigo 262 informa o dever do Poder Público em incentivar as manifestações
culturais, prevendo, no inciso VIII, a preservação dos documentos, registros e obras
de valor histórico ou científico. O artigo 263 demonstra preocupação quanto à
dificuldade de preservação e restauração do patrimônio cultural, inclusive quanto
aos bens tombados, prevendo estímulos legais aos empreendimentos privados e
aos proprietários dos bens tombados.

No início desse século, foi publicada a Lei 10.257/2001, denominada de


Estatuto da Cidade. Ela prevê, no artigo 35, a possibilidade, por meio de lei
municipal, da transferência do direito de construir conferido a um imóvel para outro,
ou aliená-lo por escritura pública, caso aquele tenha sido considerado necessário
para fins de preservação, isto é, caso o imóvel esteja tombado. No mesmo ano foi
publicada a lei paulista nº. 10.774/2001, regulamentada pelo Decreto 48.439/2004,
que dispõem acerca das multas por danos causados ao patrimônio com proteção
legal.
57

Em 7 de outubro de 2003, o artigo 137 do Decreto 13.426/1979 que trata do


procedimento do tombamento do Estado de São Paulo, foi alterado pelo Decreto
48.137 no que tange às áreas envoltórias dos bens imóveis tombados pelo
Condephaat.

A Secretaria da Cultura do Estado de São Paulo foi novamente reorganizada


em 2006 pelo Decreto 50.941, que por sua vez instituiu a Unidade de Preservação
do Patrimônio Histórico – UPPH, vinculada funcionalmente ao presidente do
Condephaat. Essa unidade é responsável pelos estudos referentes ao tombamento,
ao inventário, ao restauro e cadastramento de conjuntos arquitetônicos e
arqueológicos, dentre outras atribuições. Esse Decreto revogou o decreto
20.955/1983, citado anteriormente.

A nova estrutura regimental do Iphan foi aprovada e publicada pelo Decreto


6.844, no ano de 2007. O decreto estabelece as funções, composição, atribuições e
competência da instituição, para a efetivação do patrimônio cultural no âmbito
federal.

4.2. Competências legislativas e preservacionistas referentes ao


patrimônio cultural e ao tombamento na Constituição de 1988

Todos os entes da Federação brasileira têm igualmente o dever de zelar pelo


patrimônio cultural, tratando-se de competência comum entre os Estados, os
Municípios, o Distrito Federal e a União. Essa competência não é legislativa, mas
sim, administrativa. Está prevista no artigo 23 da Constituição Federal,
especificamente nos incisos III a IV:

“Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos
Municípios:
(...)
58

III - proteger os documentos, as obras e outros bens de valor histórico, artístico e


cultural, os monumentos, as paisagens naturais notáveis e os sítios arqueológicos;
IV - impedir a evasão, a destruição e a descaracterização de obras de arte e de
outros bens de valor histórico, artístico ou cultural;
V - proporcionar os meios de acesso à cultura, à educação e à ciência;
VI - proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas
(...); (Grifos nossos)

O artigo 24 da Lei Maior prevê competência concorrente entre os Estados,


Distrito Federal e União para legislar sobre a matéria, especificada nos incisos VI a
VIII:

“Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar


concorrentemente sobre:
(...)
VI - florestas, caça, pesca, fauna, conservação da natureza, defesa do solo e dos
recursos naturais, proteção do meio ambiente e controle da poluição;
VII - proteção ao patrimônio histórico, cultural, artístico, turístico e paisagístico;
VIII - responsabilidade por dano ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e
direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico.(...); (Grifos
nossos)

Caberá, portanto, à União estabelecer as normas gerais, já fixadas, no


tocante ao tombamento, pelo Decreto-Lei 25/1937, recepcionado pela Constituição
de 1988.

Quanto à competência legislativa municipal acerca do assunto, essa somente


será permitida a fim de satisfazer necessidade local. No entanto, os Municípios
estão adstritos ao ordenamento jurídico federal e estadual, bem como às respectivas
ações fiscalizadoras (art. 30, I, II e IX da CF).
59

4.3. Espécies e procedimento

O tombamento é um procedimento administrativo140 que sujeita um bem como


de utilidade pública, e passa a um regime jurídico diferenciado no tocante ao
exercício do direito de propriedade. Esse procedimento culmina com a inscrição do
bem no referido livro de tombo.

Na esfera federal é o Iphan quem tem a atribuição de promovê-lo, por meio


do Conselho Consultivo do Patrimônio Cultural (arts. 2º, I, e 11 do anexo I do
Decreto 6.844/2009). Cabe ao presidente da instituição assinar os atos de
tombamento e submetê-los ao Ministro da Cultura para a homologação (inciso IX do
art. 21 do anexo I do referido Decreto).

Na esfera paulista a atribuição é do Condephaat, sendo que o tombamento


somente se efetivará por meio de resolução do Secretário da Cultura para
posteriormente inscrever o bem no respectivo livro (art. 139 do Decreto estadual
13.426/1979).

Há três espécies de tombamento: tombamento de ofício, voluntário e


compulsório. O primeiro recai sobre bens públicos e os demais sobre bens da
propriedade privada141.

O tombamento de ofício ocorre por meio de notificação do Presidente do


Iphan ou da entidade estadual ou municipal competente à pessoa jurídica de direito
público detentora ou guardiã do imóvel tombado142. Segundo o artigo 144 do Decreto
Estadual 13.426 de 1979 do Estado de São Paulo, “o tombamento de bens
pertencentes ao Estado ou aos Municípios se fará compulsoriamente comunicada,
obrigatoriamente, a iniciativa da medida ao órgão interessado.”.
140
Há outras formas de preservação do patrimônio cultural como a promoção por lei específica – a
exemplo, a elevação da cidade de Ouro Preto a monumento nacional pelo Decreto 22.928/1933 – e
por via judicial, por meio de ação civil pública ou de ação popular. (Édis Milaré, op. cit. p. 275-280;
Maria Sylvia Zanella Di Pietro, op. cit. p. 133).
141
Maria Sylvia Zanella Di Pietro, op. cit. p. 135.
142
Ibidem.
60

O tombamento voluntário pode ocorrer em duas hipóteses. Uma, que


consiste no requerimento do tombamento pelo próprio proprietário, desde que o bem
imóvel cumpra os requisitos técnicos para que possa ser considerado como
patrimônio cultural143, a juízo do Conselho Consultivo do Patrimônio Cultural do
Iphan (art. 7º do Decreto-Lei 25/1937), ou do Condephaat, no Estado de São Paulo.
A segunda implica na anuência, por escrito, do proprietário ao tombamento de seu
bem quando notificado pelo órgão responsável144.

Os bens tombados pelo Iphan localizados no Estado de São Paulo são


automaticamente inscritos nos livros do tombo paulistas (art. 149 do Decreto
Estadual 13.426/1979), tratando-se de uma modalidade de tombamento de ofício
pelo Poder Público paulista.

A última modalidade de tombamento, bem como a mais complexa, é o


compulsório. Como nas anteriores, inicia-se com a notificação pelo órgão
competente. O proprietário tem o prazo de 15 dias, contados a partir do
recebimento, para anuir ou apresentar razões da impugnação (art. 9º, 1, do Decreto-
Lei 25/1937 e artigo 143 do Decreto Estadual 13.426/1979). No caso do proprietário
permanecer silente, o Presidente do Iphan determinará o tombamento por simples
despacho. No Estado de São Paulo, o tombamento será “submetido à aprovação do
Secretário da Cultura” (art. 143, § 1º do Decreto Estadual 13.426/1979).

Apresentadas as razões, essas serão encaminhadas ao órgão, para sustentar


as suas razões, em 15 dias. Após, remete-se o processo administrativo ao Conselho
Consultivo do Patrimônio Cultural do Iphan, ou ao órgão competente correspondente
nos Estados ou Municípios, que terá 60 dias para proferir decisão final (art. 9º, item 3
do Decreto-lei 25/1937). Se a decisão for favorável ao proprietário, arquivar-se-á o
processo145. Do contrário, será determinada a inscrição do bem no respectivo livro do
tombo, salvo se o Ministro da Cultura (ou o Secretário da Cultura em se tratando de

143
Maria Sylvia Zanella Di Pietro, op. cit. p. 135.
144
Ibidem.
145
Ibidem. p. 136.
61

procedimento estadual) não o homologar, no caso de ilegalidade ou ausência de


interesse público.

O artigo 9º, do referido decreto-lei afirma que da decisão de tombamento não


caberá recurso. Porém, esse artigo foi revogado pelo Decreto-Lei 3.866/1941, que
prevê o cancelamento do tombamento, por ato do Presidente da República, por
interesse público, de ofício ou em grau de recurso146.

A inteligência desse diploma permite interpretar que há possibilidade de


interposição de recurso pelo proprietário que teve seu bem tombado pelo Iphan,
para o Presidente da República. No Estado de São Paulo, ao recurso caberá
apreciação do Governador (art. 143, §3º, do Decreto Estadual 13.426/1979).

O tombamento compulsório pode ser provisório ou definitivo (art. 10 Decreto-


lei 25/1937). O primeiro se perfaz no momento em que o proprietário é notificado. O
último, com a homologação pelo Ministro da Cultura no âmbito federal e com a
inscrição do bem no livro do tombo147.

Caso o órgão responsável pelo tombamento não cumpra com os prazos


assinalados no decreto-lei, o proprietário do imóvel poderá recorrer ao Poder
Judiciário e requerer o cancelamento do tombamento, conforme voto em recurso de
apelação com revisão, in verbis:

“(...) Certo é que o proprietário se pronunciou administrativamente contestando


o tombamento, mas o CODEPAC nada deliberou a respeito no prazo legal nem
enviou o expediente ao Poder Executivo para decisão do Conselho Consultivo no
prazo de sessenta dias, de acordo com os artigos 143, §2º do Decreto Estadual
13.426/79, 9º do Decreto Lei Federal n. 25/1937, e 185 do Decreto Estadual n
20.955/83.
Bem ponderaram os representantes do Ministério Público e o Juízo que o
proprietário não pode ficar por tempo indefinido à mercê da autoridade
administrativa, com base em doutrina (Maria Coeli Simões Pires, Da Proteção ao
Patrimônio Cultural, Livr. Del Rey Ed. B. Horizonte, 1994, pág. 142/143) e julgado
146
Maria Sylvia Zanella Di Pietro, op. cit. p. 137.
147
Ibidem, p. 135.
62

deste Tribunal de Justiça (MS n. 161.210-1/SP, 4ª Câm. Cível, rel. Des. Olavo
Silveira, 05.10.95).
Ante o exposto, nega-se provimento aos recursos oficial e voluntário e
mantém-se a sentença por seus próprios fundamentos.”148; (Grifos nossos)

O julgado acima se refere à apelação com revisão em mandado de segurança


impetrado por proprietário de imóvel, tombado provisoriamente, contra a autoridade
coatora, a prefeitura de Piracicaba.

Segundo consta do relatório, o Conselho de Defesa do Patrimônio Cultural de


Piracicaba – Codepac, responsável pelo tombamento de bens naquela cidade,
notificou o proprietário em 14 de outubro de 2004. Apresentada a contestação da
notificação dentro do prazo legal pelo proprietário, o Conselho deveria proferir
decisão em 60 dias. No entanto, permaneceu inerte até 30 de agosto de 2006, data
de impetração do mandado de segurança, desrespeitando totalmente a disposição
legal acerca do assunto.

O juízo da Comarca de Piracicaba concedeu a segurança e declarou a


caducidade do tombamento provisório realizado pelo Codepac.

Como se vê, além da demora quanto à decisão de tombamento definitivo, a


ausência de notificação poderá ensejar mandado de segurança a fim de cancelar o
tombamento, conforme sentença proferida, com trechos abaixo transcritos:

“A ordem deve ser parcialmente concedida.


Em relação à efetivação da notificação pelo Diário Oficial, razão assiste
aos impetrantes.
Tratando-se o tombamento de forma de intervenção do Estado na
propriedade privada, necessária a observância do princípio do devido processo
legal. , ampla defesa e contraditório, já que o ato imporá sérias restrições ao direito
constitucional assegurado aos cidadãos (art. 5º, inciso XII, da CF).
Destarte, com o surgimento do interesse na proteção de determinado
bem, levando-se em conta seu valor histórico e cultural, e o conseqüente início do
procedimento de tombamento provisório, imprescindível a intimação dos
148
TJSP, Câmara Especial do Meio Ambiente. Apelação com revisão nº. 652.204-5/0-00 - Piracicaba.
Relator Des. Antonio Celso Aguilar Cortez.
63

interessados para que possam apresentar defesa à respeito das restrições que
serão impostas aos bens de sua propriedade.
(...)
Como dito anteriormente, o ato praticado não atingiu o efeito pretendido pela
legislação, pois não possibilitou aos impetrantes terem efetivo conhecimento do
procedimento.
Assim, diante da irregularidade do ato de notificação, o procedimento de
tombamento nº. 36.363/97 é nulo.
(...) Como bem ressaltado pelo Promotora de Justiça, ‘o processo de
tombamento deve estar concluído no prazo de noventa dias, admitindo-se
apenas uma modesta extensão, uma vez que a lei não determina o prazo para
remessa do processo ao Conselho Consultivo’ (fls. 320).
Esclareço que o prazo foi estipulado após detida análise das disposições
legais existentes sobre a matéria.
No presente caso, o ato que deu início ao procedimento de tombamento
provisório foi expedido em 15.7.97 (fls. 53) e, passados mais de doze anos, não foi
proferida qualquer decisão sobre o assunto.
(...)”149 (Grifos nossos)

O Estado tem, portanto, discricionariedade para determinar a abertura de


processo de tombamento, desde que respaldado por decisão de corpo técnico e
especializado. No entanto, por se tratar de grande restrição ao direito de
propriedade, o procedimento administrativo deve atender aos prazos e às
disposições constantes nas respectivas leis, sob pena de caducidade do ato.

A necessidade de notificação é imprescindível para a efetivação do


tombamento da propriedade privada, bem como o respeito aos prazos legais.
Porém, como será visto no próximo capítulo, que trata dos efeitos do tombamento, a
legislação não deixa claro quanto à necessidade de notificação de proprietário de
imóveis localizados no entorno do bem tombado.

149
TJSP, 4ª Vara de Fazenda Pública da comarca de São Paulo. Mandado de Segurança nº.
053.09.006725-0. Juiz de Direito André Salomon Tudisco.
64

4.4. Alguns exemplos de tombamentos de imóveis

Há várias maneiras pelas quais o Estado pode interferir na propriedade por


meio do tombamento. De acordo com o interesse público, o tombamento poderá
atingir a totalidade ou uma parcela da propriedade. Os imóveis, rurais ou urbanos,
poderão ser tombados isoladamente ou conjuntamente, independentemente, se
pertencentes ao mesmo proprietário ou de proprietários diferentes.

Após a homologação do tombamento pelo ministro ou secretário da cultura, o


bem é inscrito no livro do tombo. No Iphan são quatro os livros de inscrição do bem,
a saber: Livro do Tombo Arqueológico, Etnográfico e Paisagístico; Livro do Tombo
Histórico; Livro do Tombo das Belas Artes e Livro do Tombo das Artes Aplicadas
(art. 4º do Decreto-Lei 25/1937). No Estado de São Paulo há os mesmos livros que
os do Iphan, porém o Decreto 13.426/1979 criou o Livro do Tombo das Artes
Populares (art. 139).

Os livros do tombo no âmbito federal encontram-se localizados no Arquivo


Noronha Santos, com sede no Rio de Janeiro. Em São Paulo os livros localizam-se
no Centro de Documentação do Condephaat.

A inscrição de um imóvel pode ocorrer em um único livro de tombo, como, por


exemplo, o tombamento de um sobrado localizado à Praça General Osório, em
Angra dos Reis, Rio de Janeiro. Nesse caso, não foi tombado apenas um único
imóvel, mas um conjunto arquitetônico150. Outrossim, poderá ocorrer a inscrição de

150
“Sobrado à Praça General Osório, s/n (Angra dos Reis, RJ)
Descrição: Localizado na Praça General Osório, ocupa a maior parte da área entre a praia e
praça que constitui adro para as duas igrejas carmelitas de Angra. Este conjunto é um dos últimos
remanescentes íntegros do acervo residencial da cidade, datando sua construção dos séculos
XVIII/XIX. O conjunto apresenta frontaria voltada para o conjunto carmelita, balcão com gradil de
ferro, para o qual se abre sequência de portas enquadradas em cantaria de arenito com verga
arqueada e folhas de vidraça. Na fachada voltada para o mar, as aberturas são emolduradas com
madeira. Aos vãos do sobrado correspondem igual número de portas no andar térreo.
Endereço: Praça Central Osório, s/n – Angra dos Reis – RJ
Livro Histórico
Inscrição: 421 Data: 17-12-1969
Nº Processo: 0794 – T – 67
65

bens em dois ou mais livros de tombo, demonstrando que um bem imóvel poderá ter
concomitantemente valores histórico, artístico e paisagístico151. Poderá ser tombada
somente parte de um imóvel, como um jardim ou um elemento arquitetônico152.

Observações: O sobrado integra um conjunto arquitetônico com outros prédios


tombados no mesmo Processo.”. (Grifos nossos)
Arquivo Noronha Santos: in: http://www.iphan.gov.br/ans/inicial.htm.
151
“Casarão do Chá (Moji das Cruzes, SP)
Descrição: Edifício representativo da imigração japonesa no Brasil foi projetado por Kazuo
Hanaoka, em 1942, para abrigar uma fábrica de chá. Utilizando elementos construtivos ocidentais –
telhas marselha, esquadrias, taipa de mão – e soluções formais inspiradas na arquitetura dos
castelos e templos do Japão obtém resultado de grande plasticidade, identificado com a cultura
japonesa no Brasil.
Endereço: Fazenda Katakura, bairro de Cocuera – Moji das Cruzes - SP
Livro Histórico
Inscrição: 503 Data: 14-8-1986
Livro Arqueológico, Etnográfico e Paisagístico
Inscrição: 092 Data: 14-8-1986
Livro de Belas Artes
Inscrição: 575 Data: 30-9-1985
Nº Processo: 1124 – T – 84”. (Grifos nossos)
Arquivo Noronha Santos: in: http://www.iphan.gov.br/ans/inicial.htm.
152
“Hospital São João de Deus: jardim (Cachoeira, BA)
Descrição: O antigo Hospital de Caridade de Cachoeira foi criado pelo Frei Antônio Machado,
de Nossa Senhora de Belém, em 1729. A Ordem de São João de Deus, de Lisboa, recebeu-o por
doação em 1754, passando à Santa Casa da Misericórdia, em 1826. Em 1912, o quintal da igreja é
transformado em jardim. Do tipo francês, ainda que tardio, apresenta canteiros de desenho
geométrico e gradil com colunas coroadas por vasos, pinhas, cachorros e leões de louça. O
centro do jardim é marcado por uma fonte de mármore com três golfinhos.
Endereço: Praça Doutor Aristides Milton – Cachoeira - BA
Livro Arqueológico, Etnográfico e Paisagístico
Inscrição: 009 Data: 9-7-1940
Nº Processo: 0202 – T – 39
Observações: O jardim fica localizado nos fundos da Capela do Hospital São João de Deus”.
(Grifos nossos)
Arquivo Noronha Santos: in: http://www.iphan.gov.br/ans/inicial.htm.

“Portão do Cemitério de Ares (Ares, RN)


Descrição: Elevada à categoria de Vila de Ares em 1760, fora anteriormente aldeia indígena
onde se instalaram os jesuítas. O frontispício do cemitério de Ares foi considerado obra bastante
expressiva no Barroco. Datada de 1822, sua construção fora atribuída ao capuchinho Frei Herculano,
quando esteve em Ares. Considerada a peça mais sugestiva de todo o estado, com seus ornamentos
do Barroco, como decoração mural, segundo Câmara Cascudo, possui frontispício de composição
simétrica, com cinco divisões feitas por colunas compósitas. Na divisão central, em arco pleno e
frontão em forma de sino encimado por cruz, existe seu vão de acesso. Duas divisões ornadas por
motivos florais, ladeando o arco. Nichos em arco pleno cercado por ornatos, vazam as duas divisões
extremas. Motivos florais nas bases e no rodapé. Pináculos em forma de lótus fechados sobre a
cornija, coroando as colunas.
66

Há casos de tombamentos de imóveis nos quais se “tomba” o prédio, bem


como seu entorno, sejam eles jardins, quintais, árvores. Bens móveis integrantes do
imóvel poderão ser igualmente tombados153.

Muros de imóveis poderão ser igualmente tombados juntamente com alguns


prédios da propriedade. Foi o que ocorreu no processo de tombamento de alguns
prédios da Universidade Mackenzie, na cidade de São Paulo, de acordo com a

Endereço: - Ares - RN
Livro Histórico
Inscrição: 351 Data: 23-8-1962
Nº Processo: 0669 – T – 62”. (Grifos nossos)
Arquivo Noronha Santos: in: http://www.iphan.gov.br/ans/inicial.htm.
153
“Terreiro da Casa Branca (Salvador, BA)
Outros Nomes: Ilê Axé Iyá Nassô Oká
Descrição: Segundo conta a tradição oral, por volta da primeira metade do século XIX, três
africanas da nação nagô fundaram um Terreiro de Candomblé numa roça nos fundos da Igreja
Barroquinha, em pleno centro da cidade. Os levantes de negros ocorridos neste período
desencadeiam forte repressão, fazendo com que as manifestações religiosas fossem perseguidas, e
que a comunidade da Casa Branca transferisse o terreiro para o Engenho Velho, um subúrbio da
cidade, em meados do século passado. O terreiro da Casa Branca é um exemplar típico do modelo
básico jeje-nagô, sendo o centro de culto religioso negro mais antigo que se tem notícia da Bahia e do
Brasil, considerando com a “matriz da nação nagô”. É possível ligar suas origens à Casa Imperial dos
Ioruba, representando um monumento onde sobrevive riquíssima tradição de Oió e de Ketu,
testemunho da história de um povo. Situado em terreno com declive, o terreiro possui uma
edificação principal – A Casa Branca – distribuídas à sua volta, em meio à vegetação ritual – o
Mato – com imensas árvores sagradas e outros assentamentos, além das habitações da
comunidade local. Esta espacialidade não pode ser entendida separadamente dos ritos que aí
se desenvolvem, apesar de todas as mutilações e transformações sofridas pelo Terreiro ao
longo do tempo, não foram descaracterizados, devido ao forte apego às tradições. O simbolismo
dos elementos componentes do conjunto e as características do culto é que devem determinar as
diretrizes de sua preservação.
Endereço: Avenida Vasco da Gama, 463 – Salvador - BA
Livro Histórico
Inscrição: 504 Data: 14-8-1986
Livro Arqueológico, Etnográfico e Paisagístico
Inscrição: 093 Data: 14-08-1986
Nº Processo: 1067 – T – 82
Observações: O tombamento inclui uma área de 6800 m2 com as edificações, as árvores
e principais objetos sagrados.”. (Grifos nossos)
Arquivo Noronha Santos: in: http://www.iphan.gov.br/ans/inicial.htm.

“Base Aérea da Santa Cruz: hangar de zepelins (Rio de Janeiro, RJ)


Outros Nomes: Aeroporto Bartolomeu de Gusmão: hangar de zepelins
Endereço: Santa Cruz – Rio de Janeiro - RJ
Livro Histórico
Inscrição: 550 Data: 3-12-1998
Nº Processo: 0994 – T – 62
Observações: O tombamento inclui as pontes rolantes, os elevadores, as escadas de
acesso, o motor, o mecanismo de abertura das portas principal e secundária, e a estação de
passageiros anexa”. (Grifos nossos)
Arquivo Noronha Santos: in: http://www.iphan.gov.br/ans/inicial.htm.
67

Resolução SC-27, do Secretário da Cultura do Estado de São Paulo, de 15 de


dezembro de 1993154.

Bairros inteiros poderão ser tombados, como aconteceu com o bairro do


Pacaembu na Capital paulista, de acordo com a Resolução SC-8, de 14 de março de
1991155.

154
“(...) Artigo 1º. – Ficam tombados como bens culturais de interesse histórico-arquitetônico pelo
significado histórico-cultural que representou a nova postura liberal do ensino que propôs em nossa
cidade e pela tipologia arquitetônica que a caracterizou, os edifícios abaixo discriminados situados na
área do Instituto Mackenzie:
(...)
7) Muro de Arrimo da Rua Maria Antonio e Rua Itambé, desde o portão da engenharia na
primeira até o portão da Reitoria, na segunda; jardins compreendidos pelo limite da Rua Maria
Antonia e Rua Itambé até a Escola de Arquitetura, e da Rua Itambé até o edifício 7 da planta geral
(Diretórios Acadêmicos), inclusive o jardim entre a Faculdade de Arquitetura e este edifício 7, na
frente do Castelinho; monumento aos alunos do Mackenzie mortos na Revolução de 32 na esquina
das Ruas Maria Antonia e Itambé, herma de Horácio Lane, em frente à Faculdade de Agricultura.
(...)”.(Grifos nossos) SC 27/93. Imprensa oficial, Caderno: Executivo - I, 16/12/1993, pág. 53. in:
imprensaoficial.com.br/PortalIO/DO/Popup/Pop_DO_Busca1991Resultado.aspx?
Trinca=139&CadernoID=ex1&Data=19931216&Name=13967CG0034.PDF&SubDiretorio=0&Pagina=
53.
155
“(...) considerando as extraordinárias finalidades ambientais e paisagísticas decorrentes de
implantação do bairro do Pacaembu nas encostas do vale do ribeirão de mesmo nome;
considerando a excelência do traçado urbano e topografia que o caracterizam, decorrentes do
loteamento empreendido pela Companhia City de acordo com os princípios básicos da “gardencity”
inglesa;
considerando a significativa taxa de densidade arbórea e alta porcentagem de solos
permeáveis capazes de garantir climas urbanos mais a menos para a cidade como um todo, Resolve:
Artigo 1º - Ficam tombados na área do Pacaembu e Perdizes, no município de São Paulo, os
seguintes elementos:
I – o atual traçado urbano, representado pelas ruas e praças públicas contidas entre os
alinhamentos dos lotes particulares;
II – a vegetação, especialmente a arbórea, que passa a ser considerada como bem
aderente;
III – o padrão de ocupação dos lotes, do qual decorre a existência de grande porcentagem
da área verde e solo permeável, bem como baixa taxa de densidade populacional;
IV – o belvedere público localizado no final da rua Inocêncio Unhate que se constitui em
local privilegiado para a fruição das qualidades paisagísticas e ambientais do bairro.
(...)”.(Grifos nossos) . SC 08/91. Imprensa oficial, Caderno: Poder Executivo - Seção
I, 16/03/1991, pág. 37. in:
http://www.imprensaoficial.com.br/PortalIO/DO/BuscaGratuitaDODocumento.aspx?
pagina=37&SubDiretorio=&Data=19910316&dataFormatada=16/03/1991&Trinca=NULL&CadernoID=
1/1/1/0&ultimaPagina=80&primeiraPagina=0001&Name=&caderno=Poder%20Executivo%20-%20Se
%C3%A7%C3%A3o%20I&EnderecoCompleto=/PortalIO/diario1890-1990/Entrega_2006-09-
01/Entrega_OCR_2006.09.01/000115/I05_04_02_07_05_034/1991/PODER%20EXECUTIVO/MAR
%C3%87O/16/Scan_2025.pdf
pág. 38, in:
http://www.imprensaoficial.com.br/PortalIO/DO/BuscaGratuitaDODocumento.aspx?
pagina=38&SubDiretorio=&Data=19910316&dataFormatada=16/03/1991&Trinca=NULL&CadernoID=
1/1/1/0&ultimaPagina=80&primeiraPagina=0001&Name=&caderno=Poder%20Executivo%20-%20Se
68

É de se observar que a preocupação desse tombamento é a preservação


ambiental, seja quanto à vegetação ali projetada pela Companhia City - que permite
boa qualidade climática, seja pela beleza paisagística ali desenvolvida, ou pela baixa
densidade populacional. Pretendeu-se preservar, igualmente, o traçado urbano.

Muito embora o decreto não tenha tombado diretamente nenhum imóvel, seus
efeitos incidem sobre a propriedade privada, que serão discutidos no próximo
capítulo. Ressalte-se que o referido decreto foi alterado recentemente, e já é objeto
de discussão pelo Poder Judiciário paulista.

Outro tipo de tombamento muito conhecido é o de fachada de prédio. O


interior do prédio poderá sofrer alterações. Somente a fachada é que restará
inalterada. A resolução SC 51/ 2009 determina o tombamento da fachada do edifício
do teatro paulistano Cultura Artística, bem como o painel de autoria do artista
modernista Emiliano Di Cavalcanti, situado no interior do prédio156.

%C3%A7%C3%A3o%20I&EnderecoCompleto=/PortalIO/diario1890-1990/Entrega_2006-09-
01/Entrega_OCR_2006.09.01/000115/I05_04_02_07_05_034/1991/PODER%20EXECUTIVO/MAR
%C3%87O/16/Scan_2026.pdf.
156
“(...)
O Teatro Cultura Artística desempenhou fundamental contribuição para a metropolização e
internacionalização da cultura da Cidade de São Paulo;
O Teatro Cultura Artística construído com esforço de gerações, abrigou atividades culturais
que marcaram a cena paulista, durante décadas;
O edifício que abrigou a sede da Sociedade Cultura Artística, projetado e construído entre
1942 e 1947, é representativo do programa funcional de salas de espetáculo, tendo modernizado o
padrão desse tipo de espaço na cidade;
O prédio é de autoria de Rino Levi, arquiteto reconhecido por sua contribuição para a
arquitetura brasileira do século XX;
Integra fachada frontal do prédio, concebido pelo Arq. Rino Levi, painel mural do artista
Emiliano Di Cavalcanti;
Considerando que a despeito de ter sido destruído por incêndio em agosto de 2008, manteve
íntegra sua face voltada para o espaço público, com a qual é identificada pela memória paulista,
resolve:
Artigo 1º Fica tombada a fachada remanescente do Teatro Cultura Artística localizado na
Rua Nestor Pestana nº 196, São Paulo, Capital, inclusive os elementos de vedação e caixilhos que
dela fazem parte, bem como o painel de Emiliano Di Cavalcanti que o integra
(...)”.(Grifos nossos) SC 51/2009. Imprensa oficial, Caderno: Poder Executivo - Seção
I, 03/09/2009, pág. 90. in:
http://www.imprensaoficial.com.br/PortalIO/DO/BuscaDO2001Documento_11_4.aspx?
link=/2009/executivo%2520secao
%2520i/setembro/03/pag_0090_528GD7MF4ML3De70T3IVUM8DCAI.pdf&pagina=90&data=03/09/20
09&caderno=Executivo%20I&paginaordenacao=100090
69

As resoluções de tombamento publicadas pela Imprensa Oficial do Estado de


São Paulo, conforme os exemplos anteriores, são resumidamente fundamentadas e
delimitam os elementos, objetos do tombamento. No âmbito federal, a publicação no
Diário Oficial da União é feita por meio de portaria e não contém o detalhamento das
resoluções paulistas. Porém, o edital de notificação do Iphan ali publicado contém o
detalhamento quanto ao tombamento.
70

5. Efeitos do tombamento na propriedade privada

Os efeitos do tombamento são aqueles que garantem a preservação e


conservação do bem cultural. Tais efeitos afligem muitos proprietários, pois
interferem diretamente no caráter absoluto da propriedade e na exploração
econômica do bem.

Não basta que o bem tombado seja declarado como de utilidade pública para
que se garanta a preservação do patrimônio cultural. São os efeitos do instituto que
efetivamente permitem e viabilizam a preservação e geram direitos e obrigações ao
proprietário e à entidade que realizou o tombamento. A fiscalização do bem tombado
é realizada pelos órgãos competentes e tem como lastro o poder de polícia da
Administração Pública.

5.1. Da transcrição e averbação do tombamento no Cartório de


Registro de Imóveis

Do tombamento definitivo, após homologação pela autoridade competente,


caberá ao órgão responsável providenciar a transcrição do mesmo nos livros do
Cartório de Registro de Imóveis e averbá-lo ao lado da transcrição do domínio157.

Importante salientar que, de acordo com a doutrina majoritária, a transcrição e


a averbação do tombamento definitivo no registro imobiliário não são requisitos para
a produção dos demais efeitos do tombamento, que permanecerão mesmo que o
órgão responsável se omita em cumprir a referida obrigação, constante no artigo 13
do Decreto-Lei 25/1937158. Se provisório o tombamento, por ausência de disposição
legal, não há exigibilidade da transcrição e da averbação no cartório.

157
Maria Sylvia Zanella Di Pietro, op. cit. p. 141.
158
José Afonso da Silva, Ordenação constitucional da cultura, p. 165-166.
71

Outrossim, quanto ao tombamento, mesmo que definitivo, de áreas extensas,


traçados urbanísticos e conjuntos arquitetônicos, a legislação vigente silencia quanto
à necessidade da transcrição e da averbação no registro imobiliário e muito menos
quanto à comunicação desse tipo de tombamento ao proprietário, abrindo
possibilidades de interpretações díspares acerca do tema.

O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo proferiu decisão, em sede de


agravo de instrumento159, corroborando com o entendimento da desnecessidade de
averbação ao lado do domínio de bem imóvel localizado em bairro tombado pelo
Condephaat, por meio da Resolução de Tombamento SC 02/86160.

159
“(...) Sustenta o agravante a inépcia da inicial, impossibilidade jurídica do pedido, pois não
averbado o alegado tombamento à margem da transcrição do domínio, acrescentando que
faltava interesse processual ao agravado, ao deixar de comprovar a inscrição do tombamento no
“Livro do Tombo”, (...) . No caso em testilha estão presentes as condições da ação supra
mencionada, não havendo necessidade para a sua propositura de que o tombamento esteja
inscrito no Livro do Tombo e anotado no título de domínio. (Grifos nossos). TJSP, 8ª Câmara de
Direito Público. Agravo de instrumento nº. 123.528-5/5. Relator Celso Bonilha.
160
“RES. SC 02/86, de 23/01/86, publicada no DOE 25/01/86, p. 19/20
O Secretário da Cultura, nos termos do artigo 1o do Decreto-Lei 149, de 15 de agosto de
1969 e do Decreto 13.426, de 16 de março de 1979, resolve:
Artigo 1o – Ficam tombados na área dos Jardins América, Europa, Paulista e Paulistano,
no município de São Paulo, os seguintes elementos:
(...)
Artigo 2o – A área de tombamento está contida no polígono obtido a partir da intersecção
dos eixos das vias abaixo relacionadas: Rua Estados Unidos (CADLOG 06651-6), Avenida
Rebouças (CADLOG 16919-6), Avenida Brigadeiro Faria Lima (CADLOG 06897-7), Rua Gumercindo
Saraiva (CADLOG 08527-8), Avenida Cidade Jardim (CADLOG 04933-6), Avenida Nove de Julho
(CADLOG 14804), Avenida São Gabriel (CADLOG 07671-6), Avenida Antônio Joaquim de Moura
Andrade (CADLOG 10517-1), Avenida República do Líbano (CADLOG 17003-8), Rua Manoel da
Nóbrega (CADLOG 12651-9), Rua Paulino Camasmie (CADLOG 15647-7) e Avenida Brigadeiro Luís
Antônio (CADLOG 12165-7 ).
Parágrafo único - Fica excluída do polígono de tombamento a faixa de 50 (cinqüenta) metros
definida pelo Município como corredor de uso especial Z8-CR3 na Av. Brigadeiro Faria Lima
(CADLOG 06897-7) entre a Avenida Rebouças (CADLOG 16919-6) e Rua Escócia (CADLOG 06590-
0).
(...)” (Grifos nossos) SC 02/1996. Imprensa oficial, Caderno: Poder Executivo - Seção
I, 25/01/1986, pág. 19 in:
http://www.imprensaoficial.com.br/PortalIO/DO/BuscaGratuitaDODocumento.aspx?
pagina=19&SubDiretorio=&Data=19860125&dataFormatada=25/01/1986&Trinca=NULL&CadernoID=
1/1/1/0&ultimaPagina=56&primeiraPagina=0001&Name=&caderno=Poder%20Executivo%20-%20Se
%C3%A7%C3%A3o%20I&EnderecoCompleto=/PortalIO/diario1890-
1990/Entrega_2006.09.28/000475/I05_04_01_04_02_062/1986/PODER
%20EXECUTIVO/JANEIRO/25/Scan_0801.pdf;
pag. 20 in: http://www.imprensaoficial.com.br/PortalIO/DO/BuscaGratuitaDODocumento.aspx?
pagina=20&SubDiretorio=&Data=19860125&dataFormatada=25/01/1986&Trinca=NULL&CadernoID=
1/1/1/0&ultimaPagina=56&primeiraPagina=0001&Name=&caderno=Poder%20Executivo%20-%20Se
%C3%A7%C3%A3o%20I&EnderecoCompleto=/PortalIO/diario1890-
1990/Entrega_2006.09.28/000475/I05_04_01_04_02_062/1986/PODER
%20EXECUTIVO/JANEIRO/25/Scan_0802.pdf
72

Ressalte-se que o julgado citado, além de não exigir a necessidade de


transcrição do tombamento no registro imobiliário, dispensou até mesmo a inscrição
do tombamento no Livro do Tombo.

O referido tombamento, de acordo com a resolução SC 02/86, especifica o


perímetro urbano tombado, bem como os coeficientes de aproveitamento. Porém
não especifica cada um dos imóveis por ela atingidos, não tendo sido realizada
averbação ao lado do domínio no registro imobiliário de cada imóvel ou lote ali
localizado.

As restrições quanto ao tombamento, se tivessem sido especificadas na


matrícula de cada imóvel, além de conferir maior publicidade ao procedimento,
confeririam maior segurança jurídica aos proprietários ou aos adquirentes dos
imóveis.

Em outro julgado, o Tribunal Regional Federal da 2ª Região corrobora


expressamente com esse entendimento161.

No entanto, há entendimento contrário, em que o Tribunal Regional Federal


da 2ª Região, em sede de apelação cível, manteve decisão do Juízo a quo que
exigiu, para a produção dos efeitos do tombamento em imóvel tombado, a
transcrição do tombamento ao lado do domínio no registro imobiliário162.
161
“(...)
12 – A cidade de Parati, onde a casa se encontra, foi convertida em Monumento Nacional do
ano de 1966, pelo Decreto nº 58.077. Ainda que estivesse fora dos limites do Bairro Histórico, o
imóvel do Réu estaria abrangido pelo ‘Conjunto Arquitetônico e Paisagístico da Cidade de
Parati’, e necessitaria da autorização do IPHAN para a realização de quaisquer modificações em sua
estrutura.
13 - A averbação no Registro Geral de Imóveis não é requisito para a constituição do
tombamento e nem para surtir seus regulares efeitos. Para a doutrina majoritária, tal
averbação é uma limitação administrativa à propriedade e não um ônus real. A exigência objeto
do art. 13 do Decreto-lei nº 25/37, tão somente assegura o direito de preferência do Poder
Público em caso de alienação.
(...)” (Grifos nossos). TRF2ª Região. 6ª Turma. Apelação cível nº. 2000.02.01.002902-0/RJ.
Relator Des. Federal Guilherme Calmon Nogueira da Gama.
162
“DIREITO CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. TOMBAMENTO DE IMÓVEL PARTICULAR DEVE SER NOTIFICADO AO SEU
PROPRIETÁRIO A FIM DE PRODUZIR OS EFEITOS LEGAIS. DEVE TAMBÉM SER TRANSCRITO O TOMBAMENTO NO REGISTRO
IMOBILIÁRIO.
- AÇÃO CIVIL PÚBLICA PLEITEANDO RESTAURAÇÃO E MANUTENÇÃO DE IMÓVEL TOMBADO.
73

O caso em tela contraria a doutrina majoritária. José Afonso da Silva nos


ensina que a transcrição e a averbação têm por escopo assegurar o cumprimento
das restrições legais sobre a alienabilidade do bem e do exercício do direito de
preferência a ser exercido pelo Poder Público. Em concordância com os autores
italianos Gasto Pauini e Sanduicho, afirma que os referidos atos registrais -
transcrição e averbação ao lado do domínio - têm função de publicidade reforçada:

“serve para dar eficácia apenas em relação aos sucessores do proprietário dos
bens tombados, mas só no sentido limitado de que da sua falta deriva para os
referidos sucessores a inaplicabilidade das sanções previstas para a violação do
vínculo”.163 (Grifos nossos)

Contraria, igualmente, o parecer da antiga Consultoria Geral da União, atual


Advocacia Geral da União, de autoria de Luiz Rafael Mayer, então consultor-geral da
República:

“A transcrição e a averbação não constituem elementos do processo de


tombamento, não o aperfeiçoam, nem condicionam os seus efeitos, senão em
um plano, e para fins estritos e especiais.
Com efeito, as inscrições registrárias, não tendo, de nenhum modo, o intento
de constituição de direitos reais de natureza privada, visam apenas à publicidade
que assegure a observância das restrições legais sobre a alienabilidade dos
bens tombados e o exercício das preferências do poder público. 164” (Grifos
nossos)

Resta claro que a lei, ao silenciar quanto à necessidade da transcrição e da


averbação do tombamento na matrícula dos imóveis localizados nos traçados

- A FALTA DE NOTIFICAÇÃO AO PROPRIETÁRIO QUANTO AO TOMBAMENTO DE SEU IMÓVEL, COMO A SUA TRANSCRIÇÃO
NO REGISTRO IMOBILIÁRIO CONSTITUEM, NOS TERMOS DOS ARTIGOS 5º E 13 DO DL 25/37, PRESSUPOSTOS OBRIGATÓRIOS PARA
A PRODUÇÃO DE EFEITOS LEGAIS.
- DESRESPEITADOS OS DITAMES LEGAIS, É INCABÍVEL A PRETENSÃO AUTORAL.
- EMBORA TENHA HAVIDO MODIFICAÇÃO DOS ELEMENTOS ARQUITETÔNICOS DA FACHADA, COM A RETIRADA DE UM PILAR
E A SUBSTITUIÇÃO DOS QUADRIS DE FERRO QUE COMPÕE A PORTA, NÃO HÁ COMO SE SABER SE FOI FEITO PELO AUTOR OU POR
SEU ANTERIOR PROPRIETÁRIO.
- RECURSO NÃO PROVIDO.” (Grifos nossos) TRF2ª Região. 5ª Turma. Apelação cível nº.
2001.02.01.005990-8/RJ. Relator Des. Federal Paulo Espírito Santo.
163
José Afonso da Silva, Ordenação constitucional da cultura. p. 165.
164
Ibidem, p. 283, apud de Luiz Rafael Mayer, RDA 120/406.
74

urbanos e conjuntos arquitetônicos, acaba por permitir interpretações díspares,


conforme foi demonstrado pela jurisprudência citada.

Melhor seria se a legislação exigisse a transcrição e a averbação ao lado do


domínio no registro imobiliário para todos os tipos de tombamento de imóveis,
incluindo o tombamento de conjuntos urbanos e traçados urbanos.

Diante das divergências de interpretação acerca da matéria, a Corregedoria


Geral da Justiça do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo alterou o
Provimento CGJ nº 58/1989 ao editar o Provimento CGJ nº 21/2007. Esse
provimento versa sobre as normas de serviço dos cartórios extrajudiciais do Estado
de São Paulo.

O capítulo XX do Tomo II do provimento 58/1989 prevê o registro do


tombamento definitivo no registro de imóveis (item 1, a, 35), bem como a averbação
do “tombamento provisório e definitivo de bens imóveis, declarado por ato
administrativo ou legislativo ou por decisão judicial”165.

Muito embora o provimento citado tenha sido editado no âmbito do Estado de


166
São Paulo, de acordo com a leitura do referido item , os órgãos responsáveis pelo
tombamento da União e dos Municípios devem atender às disposições nele
contidas. Para isso, basta que o imóvel tombado esteja localizado no Estado de São
Paulo.

Segundo o referido provimento, o tombamento definitivo deve ser registrado


no Livro 3 do Cartório de Registro de Imóveis, da seguinte maneira:

165
TJSP, Provimento CGJ 58/89: Tomo II, capítulo XX, seção I, item 1, b, 19.
166
Ibidem, Tomo II, capítulo XX, seção I, in verbis:
“1. No Registro de Imóveis, além da matrícula, serão feitos:
a) o registro de:
(...)
35. Ato de tombamento definitivo de bens imóveis, requerido pelo órgão competente, federal,
estadual ou municipal, do serviço de proteção ao patrimônio histórico e artístico.”.
75

“76. Os atos de tombamento definitivo de bens imóveis, requeridos pelo órgão


competente, federal, estadual ou municipal, do serviço de proteção ao patrimônio
histórico e artístico, serão registrados, em seu inteiro teor, no Livro 3, além de
averbada a circunstância à margem das transcrições ou nas matrículas
respectivas, sempre com as devidas remissões.”167. (Grifos nossos)

Muito embora não haja previsão legal para a transcrição e averbação do


tombamento provisório de imóveis, esse provimento determina a sua transcrição no
registro imobiliário, como também de imóveis considerados integrantes do
patrimônio cultural, mas não tombados, conforme a redação do item 76.2, in verbis:

“76.2. Poderão ser averbados à margem das transcrições ou nas matrículas:


a) o tombamento provisório dos imóveis;
b) as restrições próprias dos imóveis reconhecidos como integrantes do
patrimônio cultural, por forma diversa do tombamento, mediante ato administrativo
ou legislativo ou decisão judicial”168

Como pode ser percebido, acertadamente, a Corregedoria Geral da Justiça


do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, por meio do Provimento 21/2007
alterador do Provimento CGJ 58/1989, vem sanar dúvidas acerca das lacunas
existentes na legislação de proteção ao patrimônio cultural brasileiro.

Essas medidas visam dar maior segurança jurídica aos proprietários de bens
imóveis situados no Estado, exigindo, inclusive, a definição das restrições impostas
pelo tombamento, a natureza do ato e, principalmente, a notificação efetivada dos
proprietários:

“76.3. O registro e as averbações de que tratam o item 76 e o subitem 76.2 serão


efetuados mediante apresentação de certidão do correspondente ato
administrativo ou legislativo ou de mandado judicial, conforme o caso, com as
seguintes e mínimas referências:
a) à localização do imóvel e sua descrição, admitindo-se esta por
remissão ao número da matrícula ou transcrição;
b) às restrições a que o bem imóvel está sujeito;
167
Op. cit., Tomo II, capítulo XX, seção II, item 76, alterado pelo Provimento CGJ 21/2007.
168
Ibidem, item 76.2.
76

c) quando certidão de ato administrativo ou legislativo, à indicação


precisa do órgão emissor e da lei que lhe dá suporte, bem como à
natureza do ato, se tombamento (provisório ou definitivo) ou forma
diversa de preservação e acautelamento de bem imóvel reconhecido como
integrante do patrimônio cultural (especificando-a)
d) quando mandado judicial, à indicação precisa do Juízo e do processo
judicial correspondente, à natureza do provimento jurisdicional (sentença ou decisão
cautelar ou antecipatória) e seu caráter definitivo ou provisório, bem como à
especificação da ordem do juiz do processo em relação ao ato de averbação a ser
efetivado;
e) na hipótese de tombamento administrativo, provisório ou definitivo, a
notificação efetivada dos proprietários169”. (Grifos nossos)

5.2. Da alienabilidade de bens tombados e do exercício do direito


de preferência pelo Poder Público

Quando o bem tombado pertencer ao Estado, ele não poderá ser alienado a
particulares. O Decreto-Lei 25/1937 e o Decreto Estadual 13.426/1979 do Estado de
São Paulo somente permitem a transferência do mesmo para outro ente da
Federação (arts. 11 e 134, §3º, respectivamente).

A alienabilidade do bem tombado a particulares é permitida. Para tanto, o


proprietário é obrigado a observar as regras legais. Se a transferência da titularidade
for onerosa, o Estado tem direito de preferência na aquisição do bem, na seguinte
ordem: União, Estados e Municípios. O bem deverá ser oferecido ao Poder Público
pelo mesmo preço que oferecido aos particulares. Se o Estado permanecer silente,
o proprietário poderá alienar o bem a um particular, após 30 dias contados da
notificação dos entes federativos170.

No âmbito federal, caso o proprietário não notifique o Estado e aliene o bem a


terceiro, haverá o pronunciamento de nulidade pelo juiz e a imposição de multa ao

169
Op. cit. item 76.3.
170
José Afonso da Silva, Ordenação constitucional da cultura, p. 166.
77

vendedor e ao adquirente equivalente a 20% do valor do imóvel. A responsabilidade


pelo pagamento da multa é solidária. O bem será sequestrado e poderá somente ser
levantado após o pagamento da referida penalidade e se o Poder Público não
adquirir o imóvel em 30 dias. A venda judicial de bem tombado poderá ocorrer a
particulares se o Estado for judicialmente notificado e permanecer inerte171.

A transferência de titularidade do bem tombado deverá ser comunicada ao


órgão responsável e devidamente registrada pelo adquirente, em 30 dias, sob pena
de multa de 10%, no Cartório de Registro de Imóveis, ainda que se trate de
transmissão judicial ou causa mortis172.

No caso de imóvel tombado pelo Condephaat, a transferência de propriedade


deve ser averbada ex oficio pelo serventuário do Cartório de Registro de Imóveis,
que deve comunicar o Condephaat, em seguida (art. 134, §4º do Decreto Estadual
13.426/1979).

O Provimento CGJ 58/89 do Tribunal de Justiça de São Paulo, no capítulo XX,


tomo II, seção II, item 76.1, recomenda que “o cartório comunique imediatamente o
fato ao respectivo órgão federal, estadual ou municipal competente”.

Se a alienação for gratuita, o Decreto Estadual 13.426/1979 determina que o


proprietário comunique o Condephaat com antecedência mínima de 30 dias. O
mesmo se aplica para locação, cessão de uso ou remoção de bem tombado.

Como o dever de transcrição e averbação do tombamento é do órgão


responsável pelo tombamento, se esse não o fizer, o proprietário do imóvel tombado
está desonerado de oferecer primeiramente o bem ao Poder Público173.

Muito embora o Decreto-Lei 25/1937 não tenha feito maiores ressalvas


quanto à alienabilidade do bem tombado, a obrigatoriedade que tem o proprietário

171
José Afonso da Silva, op. cit., p. 166.
172
Ibidem.
173
Ibidem.
78

em conservar o bem poderá atingir o valor econômico do mesmo174. Por ser um


custo muito alto para o proprietário, ele poderá ter dificuldades de encontrar, por
exemplo, um comprador para o seu imóvel tombado.

Inclusive, o Poder Público já recusou a nomeação à penhora de bem tombado


em processo de execução fiscal. A ré, ao oferecer bem imóvel tombado para
garantia do débito fiscal, teve o mesmo recusado pela Prefeitura de São Paulo. Em
sede de agravo de instrumento, a recusa foi confirmada pelo Tribunal de Justiça175.
No caso em tela, o bem oferecido para garantir o débito era um imóvel tombado pela
própria prefeitura, autora da referida execução fiscal, por meio do Conselho
Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade
de São Paulo – Confresa.

Diante da recusa, resta inconteste a conclusão de que o imóvel tombado


sofre grande restrição de alienação, não por decorrer da lei, mas sim pelo próprio
mercado imobiliário, pois o adquirente do bem teria que arcar com o ônus do
tombamento.

No caso acima explanado, o próprio Poder Público reconheceu


expressamente a restrição, ao recusar o referido imóvel como bem em garantia,
pelos motivos que ele mesmo provocou.

Há casos em que a decisão do tombamento definitivo libera o proprietário da


comunicação da alienação de imóvel ao órgão responsável. Essa autorização deve
estar expressa na resolução ou na portaria que tornam públicos os atos de
tombamento.

174
Antonio A. Queiroz Telles, op. cit., p. 98.
175
“PENHORA – Nomeação de bem imóvel – Recusa do credor por tratar-se de imóvel tombado
nos termos da Lei Municipal nº 10.032/95 e sujeito a limitação administrativa – Cabimento – Bem de
difícil comercialização – Razões apresentadas pelo credor que justificam a recusa dos bens
oferecidos, tanto pela dificuldade de sua liquidez, quanto pela existência de outros bens capazes de
solver a dívida – Hipótese em que, embora a execução deva dar-se de forma menos onerosa para o
devedor, não pode este dificultar a execução inviabilizando a satisfação do crédito cobrado –
Decisão mantida – Recurso desprovido.”. (Grifos nossos). TJSP, 14ª Câmara de Direito Público.
Agravo de instrumento nº. 471.766-5/4-00. Relator Gonçalves Rostey.
79

Somente nesses casos é que poderá ser o proprietário liberado da obrigação.


A já referida Resolução SC 02/86, em seu artigo 4º, determina que “a venda de
propriedades situadas na área deste tombamento independe da prévia consulta ao
CONDEPHAAT”.

5.3. Da fiscalização, da conservação e da alterabilidade do imóvel


tombado

O proprietário do bem imóvel tombado, seja provisória ou definitivamente, tem


o dever de conservar o respectivo bem. Se não tiver condições de manter as
características do prédio, o proprietário deverá levar o fato ao conhecimento dos
órgãos responsáveis pelo tombamento.

A fiscalização do bem tombado está a cargo do órgão responsável, de modo


que o proprietário não pode criar obstáculos, sob pena de multa176.

A restrição quanto à alterabilidade do imóvel tombado é um dos sérios efeitos


do instituto do tombamento sobre a propriedade privada que, por sua vez, em
hipótese nenhuma, poderá ser destruído, demolido ou mutilado177.

O possuidor de imóvel tombado, seja por decorrência de contrato de


permissão de uso entre o particular e o Poder Público, seja decorrente de contrato
de locação, está igualmente adstrito às restrições impostas ao proprietário178.

176
José Afonso da Silva, Ordenação constitucional da cultura,p. 167.
177
Ibidem, p. 166.
178
“DIREITO ADMINISTRATIVO. ALTERAÇÃO DE BEM TOMBADO SEM AUTORIZAÇÃO PRÉVIA DO IPHAN. IMPOSSIBILIDADE.
(...)
2. O juiz fez uma percuciente análise das questões postas nos autos, não merecendo a
sentença, no mérito, qualquer reforma. Os réus têm legitimidade ad causam, visto que ambos estão
diretamente vinculados às obras realizadas. O segundo réu, Município de Petrópolis, como
proprietário, constitucionalmente obrigado a proteger o bem tombado (art. 23, III, da CF/88), e
Marowil Rink Bar Ltda, possuidor permissionário, executor das obras de construção e reforma.
(..)” (Grifos nossos) TRF2ª Região. 5ª Turma. Apelação cível nº. 2000.51.06.001599-6/RJ.
Relator Des. Federal Antônio Cruz Netto.
80

5.3.1. Da alterabilidade do bem tombado no âmbito do Iphan

Segundo o Decreto-Lei 25/1937, caso ocorra furto ou desaparecimento de


elemento arquitetônico ou de bem móvel tombado juntamente com o imóvel, o
proprietário deverá comunicar o fato ao órgão responsável pelo tombamento, no
prazo de cinco dias. Se assim não o fizer, ser-lhe-á imposta multa de 10% sobre o
valor do imóvel (art. 16).

Reparos, pinturas, reformas ou restauro do bem imóvel somente poderão


ocorrer se o Iphan autorizar. Porém, se o proprietário reformá-lo sem a autorização,
ele será obrigado a pagar multa de 50% do valor do dano causado (art. 17).

Há julgados que determinam obrigações de fazer, com o fito de restabelecer o


aspecto original do bem, se alterado pela reforma179.

A conservação de um imóvel tombado poderá ser muito onerosa ao


proprietário, pois ele necessitará de mão de obra especializada, materiais e
procedimentos específicos180. O artigo 19 do referido decreto-lei, ao reconhecer a
dificuldade, possibilita ao proprietário, desde que não tenha, comprovadamente,
recursos para arcar com a conservação, informar o órgão responsável para que este
proceda às obras necessárias, às expensas da União. Segundo o § 1º do referido

179
“(...) Estando o imóvel da Apelada incluído em área regularmente tombada pelo Poder Público,
a realização de reformas que alteraram suas feições primitivas, em descompasso com as
especificações definidas pelo órgão de fiscalização, é de se dizer que houve mutilação do bem
tombado. Assim, constatada a irregularidade das obras levadas a efeito pela Ré, violando o disposto
no DL n. 25;37, impõe-se a procedência do pedido contido na ação civil pública.
Enfatize-se, ainda, que o pedido formulado pelo IPHAN cinge-se tão somente à
recomposição da fachada do prédio ao estado anterior, com a manutenção do estilo
arquitetônico exibido pelo imóvel antes das alterações efetuadas pela Ré/Apelada.
Por essa razão, dou parcial provimento ao apelo do Ministério Público Federal e integral
provimento à apelação interposta pelo IPHAN para julgar parcialmente procedente o pedido e
condenar a Apelada Ingrid Virhoff Vampre na obrigação de fazer, consistente na recomposição
das características originais da fachada do imóvel de sua propriedade, na forma como postulado
na exordial, com a cominação de multa pecuniária no valor de R$ 200,00 (duzentos reais) por dia de
atraso no cumprimento da obrigação (...)”. (Grifos nossos) TRF1ª Região. 6ª Turma. Apelação cível
nº. 2001.38.00.006666-6/MG. Relator convocado Juiz Federal David Wilson de Abreu Pardo.
180
Antonio A. Queiroz Telles, op. cit., p. 99.
81

artigo, se as obras forem consideradas necessárias pelo Iphan, elas devem ser
iniciadas em seis meses, ou poderá ser providenciada a desapropriação do bem.

Se o proprietário não comunicar o Iphan quanto à necessidade das obras, a


ele incorrerá multa correspondente ao dobro do valor do dano (art. 19, parte final).
Porém, como pode ser visto no voto da apelação cível (nota de rodapé nº. 178), não
houve cominação da referida multa, que somente determinou a obrigação de fazer,
com vistas à recomposição da fachada, em seu aspecto original.

5.3.2. Da alterabilidade do bem tombado no âmbito do


Condephaat

As restrições quanto à alterabilidade dos bens imóveis tombados pelo


Condephaat são mais específicas do que a legislação federal, prevendo multas e
procedimentos diversos em relação à legislação federal.

As resoluções do Secretário da Cultura que determinam o tombamento de


bens delimitam o grau de conservação da cada bem tombado:

“(...) Artigo 1º. – Ficam tombados como bens culturais de interesse histórico-
arquitetônico pelo significado histórico-cultural que representou a nova postura liberal
do ensino que propôs em nossa cidade e pela tipologia arquitetônica que a
caracterizou, os edifícios abaixo discriminados situados na área do Instituto
Mackenzie:
1)Edifício da Reitoria ou Edifício Mackenzie – Grau de Preservação “1” (interior e
exterior);
2)Edifício da Biblioteca Central – Grau de Preservação “1”;
3)Edifício da Faculdade de Direito - Grau de Preservação “2” (volumetria e
fachadas); (...)181”. (Grifos nossos)

181
Resolução SC-27, de 15 de dezembro de 1993. Disponível em: Imprensa oficial,
Caderno: Executivo - I, 16/12/1993, pág. 53. in:
imprensaoficial.com.br/PortalIO/DO/Popup/Pop_DO_Busca1991Resultado.aspx?
Trinca=139&CadernoID=ex1&Data=19931216&Name=13967CG0034.PDF&SubDiretorio=0&Pagina=
53.
82

No caso do “grau de preservação 1” o proprietário não poderá alterar o


aspecto do imóvel, tanto interna quanto externamente. Em relação ao grau de
preservação 2, somente a parte externa é atingida pelo tombamento, de modo que o
proprietário poderá realizar as alterações que bem entender no interior de seu
prédio.

Se o proprietário infringir as exigências do tombamento, como ocorre no


âmbito federal, à ele serão cominadas sanções pecuniárias. No entanto, a legislação
paulista é mais específica e prevê sanções diversas, de acordo com o caso
concreto.

A alteração do imóvel tombado somente poderá ocorrer com a prévia


autorização do Condephaat. O procedimento e as sanções são regidos pelo Decreto
13.426/1979 e pela Lei Estadual 10.774/2001, regulamentada pelo Decreto
48.439/2004. Essa lei dispõe sobre as alterações, delimita e conceitua as
intervenções em bens tombados, a saber - destruição, demolição, mutilação,
alteração, abandono, reparação, restauração e execução de obras irregulares.

Como já anotado no item anterior, o proprietário tem o dever de comunicar o


Condephaat se houver extravio ou furto de bem tombado, no prazo de 15 dias. Não
o fazendo, a multa pecuniária é mais rígida do que em comparação à legislação
federal, devendo pagar multa relativa a 20% sobre o valor do bem (art. 134, §4º do
Decreto 13.426/1979).

Para receber a autorização do Condephaat para alteração do imóvel


tombado, o proprietário deverá apresentar requerimento ao Presidente do Conselho,
que o autuará e instruirá, encaminhando o pedido ao Conselho Deliberativo do
Condephaat (arts. 2º e 3º do Decreto 48.439/2004). Esse conselho irá analisar e,
caso defira o pedido, estabelecerá os limites e condições (art. 4º do mesmo decreto).
Dessa decisão, o proprietário poderá recorrer administrativamente, dirigindo o
recurso ao Secretário de Cultura, na forma da Lei 10.177/1998, que regulamenta o
83

processo administrativo no âmbito da Administração paulista (art. 6º do mesmo


decreto).

Caso o proprietário não tenha recursos para a preservação do imóvel, deverá


comunicar o Condephaat. Se o referido órgão permanecer inerte, o proprietário
poderá requerer o cancelamento do tombamento (art. 134, §2º do Decreto
13.426/1979).

De acordo com a sua atribuição fiscalizatória, o Condephaat poderá,


independentemente de requerimento, comunicação e anuência do proprietário,
projetar e realizar obras no imóvel tombado (art. 136, §3º do Decreto 13.426/1979).

Para a aplicação de multas sobre infrações cometidas aos bens tombados,


será considerada a extensão do dano, a relevância do bem agredido e os efeitos
com relação ao uso social, simbólico, cultural ou científico.

Conforme o §1º do artigo 11 do Decreto 48.439/2004, para a quantificação da


multa, poderão ser igualmente considerados - a identificação do imóvel agredido, se
a alteração atingiu o bem propriamente dito ou a área envoltória protegida; se o
imóvel está tombado definitiva ou provisoriamente, listado ou protegido de maneira
diversa; o estado de conservação; a atuação do infrator, se comissiva ou omissiva,
dolosa ou culposa, sistemática ou ocasional e se a atuação foi individual ou em
concurso de pessoas.

A aplicação da multa ocorrerá independentemente das penalidades civis e


penais e do que dispuser a legislação federal, e são renováveis mensalmente até a
recuperação do imóvel agredido (art. 11 § 2º).

As infrações poderão ser classificadas em três níveis, conforme o caso


concreto e de acordo com o dano, como versam os incisos do artigo 2º do Decreto
48.439/2004, in verbis :
84

“Artigo 2º - (...)
I – leves: as infrações que importem em intervenções removíveis sem a
necessidade de restauro do bem cultural;
II – médias: as infrações que importem em intervenção reversível mediante
restauro, sem desfiguração definitiva do bem cultural;
III – graves: as ações que importem em irreversível desfiguração ou destruição do
bem cultural.”. (Grifos nossos)

A responsabilidade quanto à produção do dano é solidária entre os autores.


Podem ser autores do dano - o proprietário e o possuidor do bem, o responsável
técnico pela intervenção e o empreiteiro da obra (art. 9º).

De acordo com os incisos I a III do artigo 11 do referido decreto, o valor das


multas de infrações leves varia entre 50 a 250 Ufesps, de 500 a 5.000 para as
infrações médias e de 6.000 a 30.000 para as graves. Considerando que no ano de
2009 a Ufesp equivale a R$15,85 (quinze reais e oitenta e cinco centavos), a multa
poderá, portanto, chegar ao valor de R$ 475.500,00 (quatrocentos e setenta e cinco
mil e quinhentos reais).

5.4. Dos efeitos do tombamento nos imóveis situados no entorno do


imóvel tombado: servidão administrativa

O tombamento não só restringe o direito de propriedade do imóvel tombado,


como também os localizados na vizinhança, a fim de preservar a visualidade do bem
tombado.

As restrições são quanto a construções e a colocação de cartazes e


anúncios. No âmbito federal, de acordo com o artigo 18 do Decreto-Lei 25/1937, o
vizinho que proceder indevidamente, realizando obra não autorizada pelo Iphan,
poderá ter que desfazer a referida obra ou retirar os objetos ali colocados sob pena
de multa de 50% do valor objeto colocado.
85

No Estado de São Paulo a restrição implicava num raio de 300 metros do


imóvel tombado. No entanto, o Decreto 48.137/2003 alterou a disposição do artigo
137 do Decreto 13.426 e, acertadamente, flexibilizou a restrição, a ser definida
conforme o caso concreto.

Como o imóvel tombado passa a ser regido por um regime jurídico


diferenciado por ser reconhecido como de interesse público, o imóvel vizinho passa
por semelhante restrição. No entanto, não é limitação administrativa do direito de
propriedade como ocorre especificamente com o bem tombado.

Trata-se, portanto, de servidão administrativa, em que o imóvel dominante é o


bem tombado e servientes são os prédios vizinhos. É resultado automático do
tombamento, independentemente da notificação dos respectivos proprietários. À
eles resulta a obrigação negativa de não construir ou de não alterar prédio já
existente, ou não instalar letreiros e cartazes que impliquem na redução da
visibilidade do prédio tombado182.

O proprietário de imóvel serviente que pretender realizar obras deverá obter,


além da autorização pela municipalidade, autorização pelo órgão responsável pelo
tombamento. O Tribunal Regional Federal da 2ª Região confirmou o
entendimento, ao impedir a emissão de alvará de construção em imóvel
localizado nas adjacências do centro histórico da cidade de Paraty183.

182
Maria Sylvia Zanella Di Pietro, op. cit., p. 139.
183
“CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO – INTERVENÇÃO DO ESTADO NA PROPRIEDADE - PRINCÍPIO DA PREDOMINÂNCIA DO
INTERESSE PÚBLICO - LIMITAÇÃO DO DIREITO DE PROPRIEDADE – REGULARIDADE DA INTERVENÇÃO DO IPHAN – TOMBAMENTO:
AREAS VIZINHAS DEVEM SER PROTEGIDAS PELOS EFEITOS REFLEXOS QUE PODEM GERAR – MUNICÍPIO DE PARATY ELEVADO A
MONUMENTO NACIONAL A JUSTIFICAR A INTERVENIÊNCIA DO ESTADO NA PROPRIEDADE PARTICULAR. ILEGALIDADE DO ALVARÁ
PRETENDIDO.
1 – Havendo colisão de direitos fundamentais, como o direito à propriedade e o direito à
cultura, deve-se sopesá-los levando-se em conta o interesse público, a função social da propriedade.
2 – Os atos do IPHAN não destoam dos comandos constitucionais e da legislação que rege a
matéria, não havendo que se falar em abuso ou ofensa ao principio da legalidade, pelo simples fato
de ter a autarquia justificado a sua negativa de autorização ao empreendimento com base, também,
em anteprojeto de lei.
3 - É inquestionável a regularidade da intervenção do IPHAN na análise da viabilidade
do projeto da ré, o que se depreende da simples leitura do disposto nos arts. 17 e 18 do Decreto-Lei
nº 25/1937.
86

Se o proprietário do imóvel serviente iniciar reformas ou obras sem a


anuência do órgão e essa impedir ou diminuir a visibilidade do imóvel tombado,
poderá ele ser condenado a demolir a obra realizada184.

Certo é que a restrição imposta à vizinhança causada pelo tombamento é tão


séria quanto à restrição do imóvel tombado propriamente dito.

Não necessariamente os efeitos do tombamento de um prédio incorrerão na


restrição do direito de propriedade dos imóveis vizinhos, conforme poderá ser
observado pela já citada resolução SC 51/2009 no item 4.4 deste trabalho:

4 – É irrelevante a discussão sobre a inclusão ou não da Praia da Rosa na área de


tombamento, porque, se não a integra, é limítrofe, e qualquer construção ali desenvolvida,
envolverá a área tombada de maneira reflexa, causando-lhe efeitos, não só pela construção,
como pelas questões ambientais que surgirão do fluxo de pessoas que se intensificará.
5 – É de se reconhecer a ilegalidade do alvará pretendido, que afronta o Decreto nº
58.077/66 que elevou o Município de Paraty à condição de Monumento Nacional, merecedor de toda
proteção pelo interesse público que representa, a justificar a interveniência do poder público na
propriedade particular.
6 – Recurso improvido.” (Grifos nossos) TRF2ª Região. 6ª Turma. Apelação cível nº.
96.02.14862-4/RJ. Relator Juiz Federal Convocado Leopoldo Muylaert.
184
“(...)
Trata-se de ação civil tencionando o resguardo do entorno de bem tombado. As provas
dos autos são contundentes no sentido de que a apelada edificou no entorno de bem, sem as
devidas cautelas, não observando o limite máximo de altura, obstruindo a visibilidade do
prédio tombado, sendo certo que tais fatos foram atestados pelos fiscais do Condephaat
encarregados de analisar a questão.
(...)
Sabia a apelada, portanto, da necessidade de autorizações prévias à intervenção física
que ali terminou por concretizar, irregularmente, não interferindo na solução a ser adotada, o fato
de que outras edificações irregulares existem na área tombada, até porque não se concebe direito
adquirido em perpetrar danos ambientais com suporte na existência de outras infrações
administrativas com suporte na existência de outras infrações administrativas similares. Aliás,
interessante notar o termo de declarações colhido pela Promotoria de Justiça local (fls. 97), bem
como o ofício da Municipalidade às fls. 100.
Isto posto, dou provimento ao recurso para:
a) Impor obrigação de fazer à apelada, determinando sejam sustadas imediatamente
todas as obras e interferências no local que tenham como conseqüência a alteração do
conjunto arquitetônico tombado;
b) Obrigação de fazer, consistente em providenciar a demolição parcial da edificação
existente em desacordo com os padrões exigidos para o local em vista do tombamento existente
desde 1969, adequando-a à altura máxima de sete metros para a cumeeira e entre cinco metros
e cinco metros e meio para o beiral, bem como adequando sua fachada ao projeto previamente
aprovado pelo Condephaat, observado o prazo de 360 dias.
c) Fixo multa diária para descumprimento de quaisquer dos itens supra, no valor de R$
200,00 (duzentos reais).
(...).” (Grifos nossos) TJSP, 14ª Câmara Especial do Meio Ambiente. Apelação cível com
revisão nº. 339.395-5/7-00. Relatora Regina Zaquia Capistrano da Silva.
87

“Artigo 2º - Estabelece-se que a área envoltória dos remanescentes da Sede da


Sociedade Cultura Artística, restringe-se aos limites do próprio lote (SQL
006.012.1019), conforme faculta o Decreto nº 48.137, de 7.10.2003.” (Grifos nossos)

Porém, a exceção deverá constar expressamente da decisão de tombamento


do bem, como descrito acima.

5.4.1. Da transcrição e da averbação das restrições impostas


ao imóvel serviente no registro imobiliário

Ressalte-se que a lei vigente não exige a transcrição e a averbação das


restrições, fruto do tombamento, na propriedade localizada na vizinhança do imóvel
tombado, nem mesmo, como já assinalado, da notificação do respectivo proprietário
para apresentação de impugnação ao tombamento.

De acordo com Maria Sylvia Di Pietro, acerca da servidão administrativa


imposta pelo tombamento:

“A Servidão, no caso, surge no ato do tombamento (inscrição no Livro do


Tombo), independendo da transcrição no Registro de Imóveis. A publicidade e o
efeito constitutivo do direito real, que decorem do registro, só alcançam aquele
determinado bem, objeto do tombamento, e visam assegurar o respeito à boa-fé
de terceiros e o próprio direito de preferência das entidades públicas sobre as coisas
tombadas, em caso de alienação. É o que ficou decidido pelo mesmo despacho
presidencial de 4-2-75. Nem poderia ser diferente. O artigo 18 constitui uma
servidão, mas não delimitou seu campo de incidência, deixando ao critério subjetivo
de determinado órgão público a decisão quanto ao alcance dessa restrição em cada
caso. Assim sendo, ainda que se assegurasse ao tombamento toda a publicidade
possível, não contariam os proprietários vizinhos com critério objetivo para verificar se
são ou não alcançados pela restrição.”185 (Grifos nossos)

185
Op. cit. p. 140.
88

Em seguida, a autora sugere:

“Para assegurar-se, a um tempo, o respeito ao artigo 18 do Decreto-lei nº. 25


e a boa-fé de terceiros, necessária seria a adoção das seguintes medidas: fixação
de critério objetivo na delimitação do conceito de vizinhança, mediante determinação
da área dentro da qual qualquer construção ficaria dependendo de aprovação do
IPHAN; e imposição de averbação no Registro de Imóveis da área onerada com
a servidão ou notificação às Prefeituras interessadas para que, ao conferirem licença
para a construção, não ajam em desacordo com o IPHAN, com evidente prejuízo,
ainda, para terceiros interessados na construção.” 186

Ao que parece, a Corregedoria Geral da Justiça do Tribunal de Justiça do


Estado de São Paulo acatou uma das sugestões da eminente autora, alterando o
Provimento CGJ 58/1989, a fim de se exigir a averbação do tombamento na
matrícula dos imóveis vizinhos do bem tombado e suas respectivas restrições, como
bem explica o parecer que originou o Provimento CGJ 21/2007:

“Inegável, como se pode perceber, a existência de importantes limitações ao uso


e gozo de imóveis situados na vizinhança dos bens tombados, no mínimo
quando localizados dentro da denominada ‘área de entorno’, delimitada no próprio ato
de tombamento. Tal circunstância, por evidente, justifica igualmente, a averbação
dessa situação, nas matrículas ou transcrições dos imóveis vizinhos, atingidos
pelos efeitos do tombamento de determinado bem, como forma de dar publicidade
à coletividade em geral e a futuros adquirentes das restrições legalmente
previstas.
A mesma ideia inspiradora da averbação do tombamento provisório, acima
explicitada, tem aplicação ao caso da inscrição deste e do definitivo à margem
das transcrições ou nas matrículas dos imóveis vizinhos, já que, em relação a
estes, também se verificam restrições ao exercício do direito de propriedade –
embora não tão amplas quanto as decorrentes do tombamento em si mesmo –
resultantes de inovação fática e jurídica conseqüente, por seu turno, do ato de
tombamento do bem vizinho. ”” 187

186
Ibidem.
187
TJSP, Corregedoria Geral da Justiça, parecer dos Processo CG – 1.029/2006 de autoria dos juízes
auxiliares da Corregedoria Geral de Justiça, Álvaro Luiz Valery Mirra e Vicente de Abreu Amadei, que
deu origem ao Provimento CGJ 21/2007 que alterou o Provimento 58/89.
89

A referida alteração acrescentou o item 76.2 no Provimento CGJ 58/1989


para o fim já explicitado:

“76.2. Poderão ser averbados à margem das transcrições ou nas matrículas:


(...)
c) as restrições próprias dos imóveis situados na vizinhança dos bens
tombados ou reconhecidos como integrantes do patrimônio cultural.”188

O atendimento ao referido provimento, ao averbarem-se as restrições


advindas do tombamento de imóvel vizinho, garantirá maior segurança jurídica ao
proprietário, bem como ao adquirente do imóvel, de modo que estará ciente das
restrições que terá que respeitar, uma vez que elas acompanharão o bem,
independentemente da transferência de domínio da propriedade.

188
TJSP, Provimento CGJ 58/89, alterado pelo Provimento 21/2007.
90

Conclusão

O presente estudo teve o escopo de analisar os efeitos do tombamento na


propriedade privada. De forma que se fez necessária uma análise acerca do direito
de propriedade e sua função social, tratados nos dois primeiros capítulos.

Por ser o tombamento uma das formas de acautelamento do patrimônio


cultural brasileiro - ao lado do inventário, da desapropriação, do registro, da
vigilância e outras formas – e se tratar de um dos institutos de direito administrativo
limitador do exercício do direito de propriedade, fez-se um breve estudo acerca dos
institutos jurídicos que preveem limitações ao direito de propriedade, de direito
público e de direito privado, no terceiro capítulo.

O tombamento propriamente dito de bens imóveis foi tratado no quarto


capítulo e os seus efeitos na propriedade privada, no quinto capítulo.

De acordo com a análise e das teorias apresentadas acerca do direito de


propriedade no primeiro capítulo deste trabalho, predomina a teoria da natureza
humana, que consiste, resumidamente, na apropriação instintiva de bens da
natureza pelo ser humano, a fim de que ele satisfaça as suas necessidades.
Portanto, a propriedade é um bem que pertence a alguém e difere-se do direito de
propriedade, pois esse é uma permissão legal.

O direito de propriedade é o mais pleno direito dentre o direito das coisas, que
abrange os direitos reais e a posse. Porém a posse é uma relação de fato que o
possuidor tem com a coisa, conforme o disposto no artigo 1.196 do Código Civil,
segundo o qual “considera-se possuidor todo aquele que tem de fato o exercício,
pleno ou não, de algum dos poderes inerentes à propriedade”.

Os direitos reais diferenciam-se dos pessoais, pois o primeiro é o poder


imediato sobre a coisa e o segundo um direito à coisa, estabelecido por uma relação
91

entre pessoas que envolve uma prestação, positiva ou negativa, por parte das
mesmas. Também diferem-se dos direitos da personalidade pois esses dizem
respeito ao modo de ser da pessoa. O direito real é, portanto, aquele que afeta
direta e imediatamente a coisa, sendo o direito de propriedade o exercício pleno do
proprietário sobre o bem.

De acordo com o Código Civil, implica na faculdade que tem o proprietário “de
usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que
injustamente a possua ou detenha” (art. 1.228, caput). É direito pleno e exclusivo,
até prova contrária (art. 1.231).

É garantia constitucional, um direito de primeira dimensão que protege o


indivíduo da ingerência arbitrária do Estado, consoante com as declarações de
direitos oriundas do século XVIII. Porém, diante do exercício exacerbado do direito
de propriedade, no século XIX os movimentos sociais exigiram do Estado a sua
ingerência, de modo que esse direito pudesse favorecer a sociedade.

No Brasil, a limitação do direito de propriedade em prol do bem-estar social,


da utilidade e necessidade públicas constava nas Constituições de 1934 e 1946 e na
Carta de 1937. A expressão “função social da propriedade”, foi incluída nos títulos
que tratavam da ordem econômica e social da Carta Constitucional de 1967 e na
Emenda nº 1 de 1969.

A Constituição de 1988, como nas anteriores, garante a propriedade no título


que trata dos direitos e garantias fundamentais. Porém, ainda nesse título, exige-se
um dever189 por parte do proprietário: que a propriedade atenda a sua função social
(art. 5º, inc. XXIII). O objetivo da Constituição foi o de regular a atividade econômica,
que não pode mais ser exercida ilimitadamente sob o pretexto do exercício pleno e
absoluto do direito de propriedade. Afinal ela deve “assegurar a todos existência
digna, conforme os ditames da justiça social” (art. 170, caput).

189
Édis Milaré, Direito do ambiente. A gestão ambiental em foco. Doutrina. Jurisprudência. Glossário.
p. 543.
92

A função social da propriedade é parte integrante do regime jurídico da


propriedade, sendo impossível dissociá-la da propriedade. Está prevista em outros
momentos da Constituição, como no capítulo II do Título VII, que regula a política de
desenvolvimento urbano e rural (arts.182 e 186). A preservação do patrimônio
cultural está prevista no artigo 216, e a do meio ambiente no artigo 225.

O Código Civil de 2002 também a prevê e faz remissão expressa à


preservação do patrimônio cultural e do meio ambiente, constante no parágrafo
primeiro do artigo 1.228, estando o exercício do direito de propriedade vinculado às
“suas finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados, de
conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas
naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada
a poluição do ar e das águas”.

Esse novo diploma legal foi elaborado sob os princípios da eticidade,


socialidade e operabilidade. A eticidade visa a superação do formalismo jurídico,
dando mais espaço à probidade e boa-fé, bem como à “criação de modelos jurídicos
hermenêuticos”190. A socialidade buscou romper com o excesso de individualismo do
Código de 1916, voltando-se para as necessidades sociais. A operabilidade
pretende a aplicação da lei de acordo com o caso concreto que o juiz se encontre.

De acordo com as disposições constitucionais e em consonância com o


princípio da dignidade da pessoa humana, o Código Civil deve ser interpretado de
acordo com a Constituição. Conclui-se, portanto, pela constitucionalização do direito
civil.

A publicização do direito de propriedade implica a ingerência do Estado, por


meio de normas infraconstitucionais, que porventura podem privar o proprietário dos
atributos da propriedade, o exercício dos direitos de uso, disposição e gozo da
propriedade.

190
Miguel Reale, (prefácio), Novo código civil brasileiro: lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002: estudo
comparativo com o código civil de 1916, Constituição Federal, legislação codificada e extravagante. p.
09.
93

A ingerência do Estado no direito de propriedade pode ser definida, entre


outros, como os direitos de vizinhança, previstos no Código Civil, baseados na ideia
da convivência harmônica entre os particulares proprietários, ensejando obrigações
negativas ou positivas por parte dos proprietários. Outrossim, há limitações
administrativas da propriedade privada, norteadas pelo Princípio da Supremacia do
Interesse Público, e fiscalizadas pelo poder de polícia do Estado.

Essas limitações diferenciam-se do instituto do tombamento, que se refere a


uma propriedade determinada e as limitações à propriedades indeterminadas. São
elas: a ocupação temporária, a requisição administrativa e a servidão administrativa.

Tombar significa registrar em livro do tombo. Dá origem ao termo


“tombamento”, criado por Mário de Andrade, que implica em inscrever bens de valor
cultural nos livros do tombo. O Arquivo Nacional da Torre do Tombo, em Lisboa,
Portugal, existente desde o século XIV, é lugar destinado a salvaguardar a memória
arquivística daquele país.

A legislação portuguesa destinada à proteção dos bens culturais não utiliza o


termo tombamento, mas sim os termos classificação e inventariação.

As iniciativas legislativas de salvaguarda do patrimônio cultural no Brasil


datam desde do período colonial. Nos anos 20 do século XX a discussão ficou
intensificada, dando-se início a uma série de projetos de lei que não seguiram
adiante.

No âmbito constitucional, a primeira previsão relativa à proteção das belezas


naturais e dos monumentos de valor histórico ou artístico ocorreu com a
Constituição de 1934. As seguintes continuaram a prevê-la.
94

Nos anos 30 houve a criação do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico


Nacional – Sphan (atual Iphan) e a publicação do Decreto-lei nº 25, em 1937, que
instituiu o instrumento jurídico do tombamento.

O referido decreto-lei conceituou o patrimônio histórico e artístico nacional


como “o conjunto dos bens móveis e imóveis existentes no país e cuja conservação
seja de interêsse público, quer por sua vinculação a fatos memoráveis da história do
Brasil, quer por seu excepcional valor arqueológico ou etnográfico, bibliográfico ou
artístico”, desde que sejam inscritos no respectivo livro do tombo (art. 1º e
parágrafos).

Demais legislações federais acerca do tema foram publicadas, como alguns


artigos do Código Penal e leis especiais, com vistas à punição daquele que danificar
o referido patrimônio; a previsão de desapropriação de bens classificados como
patrimônio cultural pelo Decreto-Lei 3.365/1941; o Decreto-Lei 3.866/1941, que
autoriza o Presidente da República a cancelar o tombamento de bens pelo Iphan por
interesse público e a Lei 10.257/2001, que regula a transferência do direito de
construir conferido a um imóvel tombado para outro, ou de alienar esse direito por
meio de escritura pública.

No âmbito estadual paulista o Condephaat foi criado em 1968, responsável


pelo tombamento de bens culturais do referido ente federativo, bem como outras leis
e decretos, com o fito de preservar o patrimônio cultural no estado. A Constituição
paulista de 1989 previu a proteção ao patrimônio cultural nos artigos 260 a 263.

A Secretaria da Cultura do Estado de São Paulo, reorganizada em 2006,


instituiu a Unidade de Preservação do Patrimônio Histórico – UPPH, vinculada ao
presidente do Condephaat e responsável pelos estudos referentes ao tombamento,
ao inventário, ao restauro e ao cadastramento de conjuntos arquitetônicos e
arqueológicos.
95

A Constituição de 1988, procurando dar maior atenção à proteção do


patrimônio cultural do país, previu a garantia dos “direitos culturais e o acesso às
fontes da cultura nacional” e o incentivo à “valorização e a difusão das
manifestações culturais” no artigo 215.

O artigo 216, de maneira mais ampla do que em relação ao artigo 1º do


Decreto-lei nº 25/1937, conceituou o patrimônio cultural como “os bens da natureza
material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de
referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da
sociedade brasileira”, cabendo ao “Poder Público, com a colaboração da
comunidade” a promoção e proteção do mesmo, “por meio de inventários, registros,
vigilância, tombamento e desapropriação, e de outras formas de acautelamento e
preservação”.

Em 2010 foi proposta pela Procuradora-Geral da República em exercício a


arguição de descumprimento de preceito fundamental de nº. 206. A autora requereu
que o artigo 1º do Decreto-lei nº 25/1937 fosse interpretado conforme a Constituição,
com o fito de uniformizar o entendimento jurisprudencial acerca do conceito de
patrimônio cultural, ora alargado pela Constituição de 1988.

Não são mais os bens relacionados a fatos memoráveis da história do Brasil


que são considerados como patrimônio cultural, nem somente os bens artísticos
produzidos pela comunidade erudita brasileira. São igualmente assim considerados,
conforme a dicção dos incisos do artigo 216 da Constituição:

“I - as formas de expressão;
II - os modos de criar, fazer e viver;

III - as criações científicas, artísticas e tecnológicas;

IV - as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às


manifestações artístico-culturais;

V - os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico,


arqueológico, paleontológico, ecológico e científico.”
96

Todas essas expressões, para serem consideradas como de patrimônio


cultural brasileiro não estão mais adstritas aos cânones da erudição, restritos à uma
pequena parcela da sociedade brasileira. Estão abertas à toda sociedade, seja
detentora de bens e conhecimento, como também manifestações populares,
imprescindíveis para a compreensão da diversificada sociedade brasileira.

As espécies de tombamento sobre os bens culturais são: tombamento de


ofício, que recai sobre bens públicos, voluntário e compulsório, que recaem sobre
bens privados.

O tombamento de ofício perfaz-se por meio de notificação do Presidente do


Iphan ou da entidade estadual ou municipal competente à pessoa jurídica de direito
público detentora ou guardiã do imóvel tombado. O tombamento voluntário implica
no requerimento do tombamento pelo próprio proprietário ou por sua anuência,
quando notificado pelo órgão responsável.

A modalidade mais complexa de tombamento é o compulsório.


Detalhadamente analisado neste trabalho, o procedimento inicia-se com a
notificação pelo órgão competente. O prazo para apresentar impugnação é de 15
dias, que, em seguida será encaminhada ao órgão responsável para sustentar as
suas razões, no mesmo prazo. Após, remete-se o processo administrativo ao
Conselho Consultivo do Patrimônio Cultural do Iphan, ou ao Condephaat que
proferirá decisão em 60 dias. Caberá recurso para o Presidente da República ou
para o Governador do Estado de São Paulo.

O tombamento compulsório provisório ocorre no momento em que o


proprietário é notificado e o definitivo pela publicação de portaria pelo Ministro da
Cultura ou por meio de resolução do Secretário da Cultura no Estado de São Paulo.
Após, ocorrerá a inscrição do bem no livro do tombo.
97

Jurisprudências foram apresentadas neste item para demonstrar o


entendimento da matéria nos tribunais brasileiros, acerca da demora da decisão final
de tombamento, bem como pela ausência de notificação, ensejadoras do
cancelamento do tombamento do imóvel.

O proprietário não pode ficar adstrito à morosidade do Estado, pois sua


demora pode implicar em sérios danos para o patrimônio daquele, uma vez que fica
proibido de promover alterações no imóvel, e de reparos necessários à sua
conservação. Se há disposição legal sobre prazos, esses devem ser cumpridos por
ambas as partes, pois muito embora a propriedade tenha que atender à sua função
social, ela não pode ficar adstrita ad eternum à vontade do Estado.

Os efeitos do tombamento na propriedade privada são variados. Os órgãos


responsáveis pela tutela do patrimônio cultural têm obrigação de promover a
transcrição do tombamento definitivo nos livros do Cartório de Registro de Imóveis e
averbá-lo ao lado da transcrição do domínio.

Ocorre que há omissões legislativas acerca de áreas extensas, conjuntos


arquitetônicos e traçados urbanísticos, até mesmo quanto à comunicação aos
proprietários dos imóveis ali situados, o que gera as mais diversas interpretações
jurisprudenciais, bem como insegurança jurídica dos proprietários.

No entanto, mesmo que não haja a averbação e o registro, os efeitos do


tombamento continuarão a incidir na propriedade privada. Pois, para a melhor
doutrina, essa obrigação tem a função de publicidade reforçada, de modo a garantir
somente o exercício do direito de preferência do bem pelo Estado, quando da
alienação do mesmo.

A fiscalização do bem imóvel tombado cabe aos órgãos responsáveis pelo


tombamento. A conservação e a restrição à alterabilidade do imóvel tombado são
sofridas pelo proprietário, bem como pelo possuidor, que poderão ser incorridos em
multa, se não respeitarem as restrições nele impostas. Acaso pretenda realizar
98

pequenos reparos ou alterar o bem, o Poder Público deverá ser comunicado e


autorizar a obra.

Os imóveis localizados na vizinhança do imóvel tombado também sofrem


restrições, mesmo não tendo sido tombados, e têm o dever de preservar a
visualidade do bem tombado. É servidão administrativa, resultado automático do
tombamento do imóvel vizinho.

As restrições são as mais variadas, desde à colocação de cartazes até a


realização de obras e construções. O proprietário de imóvel vizinho deverá,
igualmente, obter autorização dos órgãos responsáveis, sob pena de desfazimento,
refazimento, retirada de objetos e multa.

Ocorre que, muitas vezes o proprietário do imóvel vizinho não é notificado


dessa servidão e a lei não exige sua transcrição e a averbação no Cartório de
Registro de Imóveis.

Para sanar os problemas advindos das omissões legislativas, muito bem


vinda foi a iniciativa da Corregedoria Geral da Justiça do Tribunal de Justiça do
Estado de São Paulo, objetivando a orientação e uniformização dos entendimentos
jurisprudenciais, conferindo maior segurança jurídica aos proprietários de imóveis
tombados e de imóveis localizados na vizinhança.

Ao alterar o Provimento CGJ nº 58/1989 com a publicação do Provimento


CGJ nº 21/2007, previu-se a obrigatoriedade do registro do tombamento definitivo,
bem como a averbação do tombamento provisório, definitivo e de imóveis não
tombados, porém considerados como integrantes do patrimônio cultural. Outrossim,
esse provimento exige ainda, que o registro e a averbação especifiquem as
restrições sofridas pelos imóveis e a prova da notificação do tombamento ao
proprietário.
99

Quanto aos imóveis localizados no entorno do bem tomado, esse provimento


exige a averbação do tombamento nas matrículas dos imóveis vizinhos, bem como
as restrições por eles sofridas.

Lamenta-se que as disposições do referido provimento não tenham sido


objeto de lei federal, pois se o fosse, teriam efeito em todo território nacional e não
gerariam mais dúvidas e inseguranças acerca do assunto.

Afinal, se a obrigação de promover a averbação e o registro no Cartório de


Registro de Imóveis é do Estado, este tem que cumprir e notificar todos os
interessados, de modo que, se assim não o fizer, não poderá reclamar do
proprietário algo que ele desconhece.

Os efeitos do tombamento deveriam estar averbados em todas a matrículas, e


adstritos à referida averbação. Assim, garantir-se-ia uma maior publicidade aos atos
relacionados ao acautelamento de bens de valor cultural, de modo que o proprietário
ou o adquirente do imóvel preservado não teria a surpresa da restrição dos direitos
uso, gozo e disposição de sua propriedade.

É bom que se diga que a sociedade é beneficiária das restrições impostas


àquela propriedade tombada, que passa a fruir de suas características e seus
elementos arquitetônicos, históricos, artísticos e culturais às custas do proprietário.
O custo da preservação desses bens culturais, em geral é muito alto, pois muitas
vezes o proprietário necessitará de pessoal especializado e capacitado para a
restauração e preservação do bem. Por outro lado, o proprietário não pode mais
olvidar que a propriedade tem função social, que deve ser atendida, pois faz parte
de seu regime jurídico. O patrimônio cultural é, de fato, um bem de todos.

Para que essa contradição possa ser sanada, os entes federados poderiam
agir conjuntamente para, por exemplo, estabelecer benefícios fiscais aos
proprietários de bens tombados. A ausência de políticas públicas a fim de estimular
o proprietário, faz com que tombamento lhe cause problemas.
100

Muito embora o Decreto-lei nº. 25/1937 preveja a desapropriação quando da


comprovação de insuficiência de recursos por parte do proprietário e a legislação
estadual paulista, o cancelamento do tombamento, o Estado quase não oferece
contrapartidas suficientes ao proprietário.

São poucas as políticas públicas que estimulam a prática da preservação. O


resultado, na maioria das vezes, acaba por ser o oposto do pretendido. O Estatuto
da Cidade prevê a alienação do direito de construir restringido pelo tombamento,
que poderá recompensar o proprietário. No entanto, para que exerça esse direito,
depende da criação de lei por parte de seu município.

A memória do país, como já aconteceu no passado, poderá cada vez mais


restar prejudicada, devido à falta de incentivos eficazes.
101

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