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RICARDO BOSQUESI

“OUTORGA ONEROSA DO DIREITO DE CONSTRUIR”

PUCSP

1
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO - PUC/SP
MESTRADO EM DIREITO DO ESTADO
SUB-ÁREA DE DIREITO URBANÍSTICO E AMBIENTAL
RICARDO BOSQUESI

“OUTORGA ONEROSA DO DIREITO DE CONSTRUIR”

Dissertação apresentada à
Banca Examinadora da Pontifícia
Universidade Católica de São
Paulo, como exigência parcial para
obtenção do título de MESTRE em
Direito do Estado, sob a orientação
da Professora Doutora Lucia Valle
Figueiredo.

São Paulo
2006

2
RICARDO BOSQUESI

OUTORGA ONEROSA DO DIREITO DE CONSTRUIR

Esta dissertação foi julgada adequada para a obtenção do título de Mestre em Direito e
aprovada em sua forma final pela Coordenação do Curso de Pós-Graduação em Direito
da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, na área de Direito do Estado.

Banca examinadora:

______________________________________________________________________

______________________________________________________________________

______________________________________________________________________

São Paulo, ______ de _______________ de 2006.


3
Dedico este trabalho à memória de meu avô,
Manuel Ferreira da Silva Teixeira.

4
Agradeço à Danny, minha esposa, pela força e
compreensão de sempre.

5
A aprovação da presente Dissertação não
significará o endosso do Professor Orientador,
da Banca Examinadora e da Pontifícia
Universidade Católica à ideologia que a
fundamenta ou que nela é exposta.

6
RESUMO

Trata-se do solo criado, instituído pela Lei Federal nº 10.257, de 10 de julho de 2001 –
Estatuto da Cidade, como instituto jurídico e político adotado pela Política Urbana. Sua
estrutura, elementos constitutivos, fundamentos e finalidades são objetos de
investigação deste trabalho.
Analisa-se a viabilidade de sua aplicação na concretização das diretrizes gerais
propostas no Estatuto da Cidade e princípios contidos na Constituição Federal, em
relação ao controle do uso do solo e ordenação adequada das cidades. Porém, serve para
alertar da possibilidade de seu desvirtuamento, quando ausente um plano de instituição
e controle objetivo, criterioso, impessoal e antes de tudo, moral, por parte do Município.
Mal empregado, servirá como fator de agravamento das desigualdades sociais,
permitindo práticas especulativas, socializando-se as perdas e privatizando-se os lucros
decorrentes da atividade urbanística do Poder Público.
Diante do quadrante normativo do Estatuto da Cidade em relação ao solo criado (por
ser norma geral), pouco se pode afirmar acerca da sua eficiência, como instrumento
político e jurídico da Política Urbana.
Dependerá muito mais do Município, da maneira que foi estruturado o solo criado, por
meio de seu Plano Diretor e Lei Municipal específica, o sucesso ou insucesso na
concretização dos objetivos da Política Urbana. Vários aspectos do solo criado foram
deixados ao Município para que os instituíssem de forma mais próxima a sua realidade,
no âmbito de sua competência discricionária. Neste ponto, sobreleva-se o papel da
doutrina e jurisprudência que estão se formando (haja vista a recente positivação pelo
Estatuto da Cidade), a fim de que possam ofertar parâmetros para orientar sua criação e
melhoria ou, ao menos, apontar os pontos que fatalmente poderão levar ao desvio de
finalidade.

Palavras-chave: Solo Criado. Política Urbana. Fundamento. Finalidade.


Desvirtuamento.

7
ABSTRACT

This one is about the created ground, instituted by the Federal Law nº 10,257, of July,
10th of 2001 - Statute of the City, as legal and politician institute adopted for the Urban
Politics. Its structure, constituent elements, base and purposes are objects of inquiry of
this work.
It is analyzed the viability of its application, in the concretion of the general lines of
direction proposals in the Statute of the City and principles contained in the Federal
Constitution, relation to the control of the use of the ground and adequate ordinance of
the cities. However, it serves to alert of the possibility of its disparagement, when absent
a plan of institution and objective control, careful, impersonal and before everything,
moral, by the City. Badly employee, will serve as an aggravation factor of the social
inaqualities, allowing speculatives practices, socializing the losses and privatizing the
decurrent profits of the urbanistic activity of the Public Power.
Ahead of the normative quadrant of the Statute of the City in relation to the created
ground (for being general norm), little can affirm concerning its efficiency, as legal and
politician instrument of the Urban Politics.
It will depend much more on the City, in the way that was structuralized the created
ground, by its Managing Plan and specific City Law, the success or failure in the
concretion of the objectives of the Urban Politics. Some aspects of the created ground
had been left to the City so that they instituted them close to reality, in the scope of its
discretional ability. In this point, important is the role of the doctrine and jurisprudence
that are forming (has seen the recent normatization by the Statute of the City), so that
they can offer parameters to guide its creation and improvement or, at least, to point the
points that fatally will be able to lead to the purpose shunting line.

Word-Key: Created Ground. Urban Politics. Base. Purposes. Disparagement.

8
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO……………………...…………………………….....................…..........
… 10

1. DIREITO DE PROPRIEDADE E SUA FUNÇÃO SOCIAL. DESENVOLVIMENTO E

RELEVÂNCIA DAS NORMAS URBANÍSTICAS


…....................................................................................… 12

2. O SOLO CRIADO
…………............................................................................................. 23

3. OUTORGA ONEROSA DO SOLO CRIADO PREVISTA NO ESTATUTO DA CIDADE


.…..........… 33

4. COEFICIENTE DE APROVEITAMENTO BÁSICO E COEFICIENTE DE APROVEITAMENTO


MÁXIMO
….....................................................................................................................… 45

5. DA CONTRAPARTIDA
….............................................................................................… 52

6. SOLO CRIADO E TRANSFERÊNCIA DO DIREITO DE CONSTRUIR


…...............................… 65

CONCLUSÃO
…………..............................................................................................……. 73

REFERÊNCIAS
……………........................................................................................……. 79

9
INTRODUÇÃO

O tema ora proposto, solo criado, deixa mais evidenciado o


instituto do que a nomenclatura utilizada pelo Estatuto da Cidade: outorga onerosa do
direito de construir. Esta última terminologia é mais restrita, não representando o
próprio instituto do solo criado, mas uma de suas facetas, ou seja, o ato administrativo a
ele consectário.
O presente trabalho tem por objetivo analisar o instituto jurídico
do solo criado sob vários aspectos: as causas ou fontes materiais que conduziram sua
elaboração, seus elementos constitutivos, regime jurídico (plexo de normas acerca do
instituto), forma, natureza jurídica, finalidades e possíveis efeitos.
A tarefa não é fácil, em razão da recente positivação deste
instituto por meio da Lei Federal nº 10.257, de 10 de julho de 2001 (Estatuto da
Cidade), inclusive no que se refere à pesquisa bibliográfica e jurisprudencial, pois é
necessário maior amadurecimento do instituto.
Outra dificuldade a ser enfrentada diz respeito às múltiplas formas
possíveis de positivação do instituto, no âmbito da competência discricionária
municipal, pois o Estatuto da Cidade não ingressou em minúcias acerca de sua estrutura,
como é evidente, por tratar-se de lei geral. Assim, o universo de peculiaridades, de
“modelos” diferenciados é muito grande em razão do interesse local.
Contudo, o estudo se restringirá na análise do instituto em face da
Política Urbana Constitucional, com o cumprimento das finalidades desta política (em
razão de ter sido criado como um instrumento desta política), previstas na Constituição
de forma expressa e implícita e pelo quadrante normativo do Estatuto da Cidade.
A partir deste corte epistemológico, as discussões cingir-se-ão
quanto à estrutura possivelmente hábil do solo criado, que possa cumprir seu objetivo
institucional, bem como ressaltar os pontos passíveis de desvio de finalidade. Pretende-
se, pois, ofertar uma base teórica (mas, com vistas à observância prática), contribuir
para aclarar pontos obscuros e alertar acerca dos possíveis aspectos, que possam
desvirtuá-lo ou torná-lo ineficiente.
Será abordado na primeira parte do trabalho acerca do “Direito de

10
Propriedade e sua Função Social”, do “desenvolvimento e relevância das normas
urbanísticas”. Fixa-se neste tópico o contexto o regime do “direito de propriedade”,
estritamente relacionado ao instituto do solo criado, que nela intervém como
instrumento da Política Urbana. Este é um ponto de contextualização econômica, social,
política e jurídica do solo criado, em face da função social da sociedade e dos
instrumentos normativos que visam concretizar referido princípio.
Na segunda parte serão verificados os fundamentos ou
pressupostos teóricos do atual solo criado, fazendo-se uma análise sobre o solo criado
da Carta de Embu. Fixados os pressupostos teóricos e os fundamentos do solo criado,
na seqüência será analisado o solo criado, conforme positivado no Estatuto da Cidade.
Será enfrentado o instrumento do solo criado em relação aos objetivos da Política
Urbana, dos mecanismos possíveis de sua implementação para que seja um instrumento
eficiente da Política Urbana.
Nas outras seções que seguirão, serão analisados com mais
detalhes os elementos que constituem o solo criado: o coeficiente de aproveitamento
básico, coeficiente de aproveitamento máximo e a contrapartida. No que toca ao
coeficiente de aproveitament básico, cuidar-se-á de sua definição; da distinção quanto
aos outros índices urbanísticos; se poderá ser único ou diferenciado; dos limites de sua
fixação; da antinomia dos interesses envolvidos e dos critérios assecuratórios da
isonomia. Quanto ao coeficiente de aproveitamento máximo, será analisado o limite de
sua fixação; sua função; se deverá ser único ou diferenciado e suas distinções com o
coeficiente de aproveitamento básico.
Em seguida, como importantíssimo elemento do solo criado, será
analisada a contrapartida, ou seja, os encargos decorrente da outorga (onerosa,
portanto) do direito de construir. Serão abordados os seguintes pontos: definição;
exigência ou isenção; da forma de exigí-la; dos fundamentos da exigência; das
finalidades dos recursos provenientes do adimplemento da contrapartida; natureza
jurídica; controle do recurso e sua aplicação.
Por fim, a última parte cuidará de verificar se o solo criado possui
a transferência do direito de construir como elemento indispensável, se é ou não
necessário para sua configuração; dos cuidados e critérios para adoção da transferência
de potencial adicional construtivo, caso utilizado.

11
1 DIREITO DE PROPRIEDADE E SUA FUNÇÃO SOCIAL.
DESENVOLVIMENTO E RELEVÂNCIA DAS NORMAS
URBANÍSTICAS.

A propriedade, no Direito Romano Clássico, era concebida como


absoluta. Seu titular tinha a faculdade de usar, gozar, fruir e dispor do bem de forma
ilimitada. José Cretella Júnior (1993, p. 218) atesta muito bem esta característica:

O proprietário, no direito romano, coloca-se em posição especial diante da


coisa, da “res”. Exerce sobre elas todos os direitos – ‘jura’ – possíveis. Pode
usá-la, fruí-la e, em qualquer sentido, destruí-la. O jus utendi, fruendi e
abutendi – os três jura – caracterizam, pois, o mais absoluto dos direitos.
Só o proprietário dispõe desse poder integral, individual, intransferível sobre a
coisa que lhe pertence. É nesse sentido que se fala no traço individualista do
direito de propriedade romano, pelo menos em seus primeiros tempos. (grifos
nossos)

Existia em Roma, nesta época, uma dicotomia clara entre o


Direito Público e Direito Privado, de forma mais nítida que hoje, pois as normas de
direito público eram mais restritas. Com o desenvolvimento da cidade, surgiram
marcantes normas relacionadas à “urbs”, que limitaram a propriedade privada:

Na nossa óptica, os primórdios do ordenamento jurídico urbanístico actual


encontram-se no Direito Romano [...]
Poderemos arrumar o conjunto das regras jurídicas urbanísticas dos romanos
em quatro grandes grupos: normas destinadas a garantir a segurança das
edificações, de modo a evitar riscos para os que nelas habitavam e para o
público em geral; normas dirigidas à tutela da estética das construções; normas
que visavam a salubridade das edificações; e, finalmente, disposições com um
objectivo mais amplo, que poderemos designar de ordenamento do conjunto
urbano.
[...] não existia no direito romano um corpo unitário de normas jurídicas
urbanísticas, tal como é entendido na actualidade, e eram desconhecidos do
léxico jurídico do povo romano alguns dos institutos mais importantes do
direito urbanístico hodierno. Mas, apesar disso, não faltavam no direito
romano várias regras jurídicas cujo o fim genérico era a tutela do interesse
público no domínio do urbanismo, tanto no aspecto da salvaguarda da
segurança, estética e salubridade das edificações, como no de um correcto
ordenamento dos aglomerados urbanos. Não será, por isso, descabido afirmar
que também no campo do direito do urbanismo se manifestou a genialidade do
espírito jurídico romano. (CORREIA, 2001, p.139, 141)

É oportuna a observação de Hely Lopes Meirelles (2000, p. 421)


quanto à expressão regulamentação edilícia, remetendo-se a este período:
12
A expressão regulamentação edilícia originou-se da atividade dos edis
romanos incumbidos da administração da cidade, e que através de edictus
dispunham sobre a urbe e suas construções. Daí as derivações correntes em
nossa língua: edil (vereador); edilidade (Câmara de Vereadores); edilício
(relativo a edil ou edilidade). Regulamentação edilícia, atualmente, abrange
todas as normas municipais de ordenamento urbano, provenham da Câmara ou
do prefeito.

Com a queda de Roma e o início da idade média (Alta Idade


Média), instalou-se o feudalismo, vindo a maior parte da população, inicialmente, a se
concentrar no campo. Nesta época, com a decadência das cidades, as normas
urbanísticas também seguiram a mesma sorte. Os Senhores Feudais, grandes
proprietários de terras, exerciam poder absoluto sobre a propriedade dos imóveis rurais
e de todos os indivíduos que lá viviam. É marcante, neste período, o perfil
“individualista” da propriedade, pois estava atrelada à idéia de poder, fragmentado em
cada feudo.
Posteriormente, renascem as cidades, como relata Costaldello (et
al., 2004, p. 88):

[...] No entanto, como desenvolvimento e conseqüentes mudanças dos feudos,


certos senhores construíram muralhas distanciadas da casa principal,
propiciando a moradia dos camponeses e uma estrutura social diversa.
Intimamente ligados à revolução agrícola, dois fatores tiveram relevância no
desenvolvimento social da época: renascimento do comércio e, com ele, o
ressurgimento e o fortalecimento das cidades. [...] Burgos, aldeias e vilas
tornaram-se independentes, desligando-se do seu antigo senhor feudal, fazendo
nascer a “burguesia”, formada, em sua maioria, pelos negociantes.

Com a decadência do regime feudal, nos séculos XIV e XV, a


nobreza foi perdendo seu poder econômico e político, paralelamente à ascensão da
burguesia. Diante disto, a nobreza se uniu ao soberano, advindo o período do Estado
Absoluto.
Neste, o poder pessoal do monarca se confundia com o próprio
Estado. Com a centralização de seu poder, o Estado passou a se caracterizar como
opressor da propriedade e liberdade individual, intervindo de forma arbitrária na
propriedade privada, impondo aos súditos diversas condições e limites, tais como
“sistematizações das fachadas que dessem para as ruas ou praças mais importantes, com
a finalidade de se obter uma regularidade arquitetônica. Outras vezes, a intervenção do
soberano ia ao ponto de ordenar, em diferentes casos, onde e como os súditos deviam

13
construir.” As intervenções, na grande maioria, eram de cunho estético, fundadas numa
concepção monumentalista ou estética do monarca (CORREIA, 2001, p.145).
Com o desenvolvimento das idéias iluministas, no Século XVIII,
a burguesia, que já detinha um poder econômico forte, confrontou-se com o modelo
vigente, desencadeando-se na Revolução Francesa, em que se apregoou a intervenção
mínima do Estado, o seu enfraquecimento, a fim de que fossem assegurados os direitos
inatos ao homem, dentre eles o direito à propriedade, como expressão “jus-naturalista”.
Pela doutrina do Estado liberal (também denominado Estado –
mínimo ou Estado – polícia), que se corporificou no Século XIX, a ele caberia somente
a função de vigilância da ordem social e proteção contra as ameaças externas. Neste
contexto de não – intervenção, a propriedade foi erigida como garantida pessoal,
natural, inviolável e sagrada, nos termos do art. 2º e 17 da Declaração dos Direitos do
Homem e do Cidadão (SANTOS, M. W. et al., 2005, p. 209).
Com a inviolabilidade do direito de propriedade, houve neste
período escassa intervenção do Poder Público na propriedade e, por conseguinte, pouca
produção de norma de conteúdo urbanístico, prevalecendo o princípio da liberdade de
construção, que somente se infirmava por meio de parcos regulamentos, fundados em
razões de segurança, ordem pública e salubridade das edificações.
É importante consignar ainda que, diferentemente do período
absolutista, toda a intervenção na propriedade por parte do Poder Público somente se
legitimaria mediante lei, submetendo-se o próprio Estado ao princípio da legalidade,
para proporcionar segurança jurídica aos administrados.
Se a consolidação do modelo liberal de Estado proporcionou, por
um lado, um progresso econômico acentuado, fomentou a revolução industrial,
valorizou o indivíduo como ser livre; por outro, trouxe sérios problemas que
influenciaram na sua própria superação.
Dalmo de Abreu Dallari (1991, p. 235), retrata muito bem este
aspecto:

Em primeiro lugar, a valorização do indivíduo chegou ao ultra-individualismo,


que ignorou a natureza associativa do homem e deu margem a um
comportamento egoísta, altamente vantajoso para os mais hábeis, mais
audaciosos ou menos escrupulosos. Ao lado disso, a concepção individualista
da liberdade, impedindo o Estado de proteger os menos afortunados, foi a
causa de uma crescente injustiça social.

14
Como reflexo da revolução industrial, surgiu uma classe de
proletariado, que foi se aglomerando nas cidades, sem um mínimo de dignidade quanto
ao acesso ao trabalho, remuneração, moradia, saúde, lazer, higiene, etc. Este efeito
nefasto do liberalismo impulsionou, em contrapartida, o aparecimento de idéias
socialistas que proclamavam a intervenção do Estado, para socorrer a maioria excluída e
garantir os direitos fundamentais do homem.
Portanto, verificamos deste escorço histórico que, enquanto na
Monarquia Absoluta o Estado era considerado opressor da liberdade individual, no
liberalismo, o individualismo exacerbado da classe ou pessoas mais fortes, sob o ponto
de vista sócio-econômico, acabou ocasionando opressão da maioria da população, pela
falta de acesso aos direitos e garantias fundamentais.
Esta conjuntura propiciou o desenvolvimento de idéias socialistas,
chegando-se no século XX à configuração de um modelo de Estado – social ou Estado
de serviço (DALLARI, D. A., 1991, p. 237), que interfere na sociedade para diminuir os
efeitos das desigualdades econômicas e sociais, impondo, por meio de sua força
legítima, direitos e garantias fundamentais do ser humano.
Influenciados pelas Constituições da Alemanha (Weimar) e do
México, muitos países passaram a consignar em sua Carta Política expressas
disposições sobre garantias e direitos fundamentais do homem.
Afirma Correia (2001, p. 138) que foi exatamente nesta época, ou
seja, desde o final do século XIX, que houve um incremento da legislação urbanística,
“com a finalidade de minorar os males decorrentes das chamadas cidades industriais,
também apelidadas de ‘cidades carvão’, repletas de bairros operários [...] caracterizados
pelas condições desumanas e carecidos dos requisitos mínimos de higiene e de
habitabilidade”.
O direito urbanístico tornou-se relevante, desenvolvendo seus
institutos na medida em que Poder Público intervinha concretamente, de forma ativa e
não meramente regulamentar, para sanar os problemas do crescimento desordenado das
cidades e outros oriundos da concentração urbana.
Houve, com isto, profunda alteração no direito de propriedade,
atrelando-o a uma função social, por meio de expressa previsão constitucional,

15
conforme artigo 14, nº 2, da Constituição Alemã; artigo 33, nº 2, da Constituição
Espanhola e o artigo 42, da Constituição Italiana.
Na Espanha, a promulgação da Constituição de 1978 deu ênfase
ao princípio da função social da propriedade, fomentando o desenvolvimento do direito
urbanístico. Inferem-se do texto constitucional diretrizes aos Poderes Públicos para
atuarem na melhoria da qualidade de vida dos habitantes, promover acesso à moradia,
evitando a especulação imobiliária e distribuindo os encargos e benefícios da atividade
urbanística. Antonio Carceller Fernández (1997, p.21) sintetiza bem estes preceitos:

1. O que reconhece o direito de propriedade privada e determina que a


função social deste direito delimita seu conteúdo, de acordo com as leis
(art. 33.1 e 2).
2. O que obriga os poderes públicos a promover as condições necessárias e a
estabelecer as normas pertinentes para fazer efetivo o direito a uma
habitação digna e adequada, regulando a utilização do solo de acordo com
o interesse geral para impedir a especulação e fazendo participar a
comunidade nas mais valias geradas pela ação urbanística dos entes
públicos (art. 47).1

Ao impor o cumprimento da função social, relacionando-a ao


exercício do direito de propriedade, inevitavelmente somos levados à análise das
normas urbanísticas, que cuidam de ordenar o desenvolvimento harmônico da cidade,
por meio de instrumentos capazes, em tese, de proporcionar o acesso aos direitos
fundamentais, previstos nas Cartas Políticas. A propósito, Brewer Carías (1980, p. 83),
com muita perspicácia, já vinculava a concretização da função social dos bens imóveis
urbanos à função urbanística. Vejamos:

Com efeito, pode-se dizer que no campo urbano, a função social que deve
cumprir o direito de propriedade de acordo com a Constituição, concretiza-se,
indubitavelmente, numa “função urbanística” que permite ao legislador o
estabelecimento de limitações, obrigações, restrições e contribuições sobre a
propriedade por razão de interesse urbanístico.
Desta forma, a propriedade do solo urbano está muito longe de ser uma
propriedade absoluta e ilimitada. Ao contrário, tem sido talvez a “função
urbanística” um dos elementos que mais tem contribuído no mundo

1
No original: “1. El que reconoce el derecho a la propriedad privada y determina que la función social de
este derecho delimita su contenido, de acuerdo con las leyes (art. 33.1 y 2).
2. El que obriga a los poderes públicos a promover las condiciones necesarias y a
establecer las normas pertinentes para hacer efectivo el derecho a una vivienda digna y adecuada,
regulando la utilización del suelo de acuerdo con el interes general para impedir la especulación y
haciendo participar a la comunidad em las plusvalías que genere la acción urbanística de los entes
públicos (art. 47)”.

16
contemporâneo para a transformação radical do direito de propriedade. 2

É por esta razão que o § 2º, do artigo 182, da atual Constituição


Federal do Brasil, dispõe que a “propriedade urbana cumpre sua função social quando
atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor”.
Além de se legitimar a intervenção do Estado na propriedade
privada, as normas urbanísticas, permitidas e fundadas nas diversas normas
constitucionais, passaram a conformar o próprio conteúdo deste direito.
Giogio Pagliare (2002, p. 08), descrevendo o artigo 42 da
Constituição Italiana, enfatiza a legitimidade da intervenção urbanística, com base no
princípio da função social, que acaba por limitar a propriedade privada, visando um bem
comum:

[...] A simples leitura do artigo 42, da Carta fundamental, permite considerar


por pacífica a legitimidade constitucional do direito urbanístico e, ao mesmo
tempo, identificar-se o fundamento constitucional: é mais que notório, de fato,
que tal norma afirma que a propriedade privada pode ser pela lei limitada para
fins sociais. E não é duvidoso que o correto uso e gestão do território seja um
interesse geral, represente um bem comum, constitua-se, por isto, um fim
social.3

O Brasil também sofreu a influência do modelo de Estado-social.


Embora na Constituição anterior já tivesse previsto a função social da propriedade, foi
com a promulgação da Constituição Federal de 1988 que referido princípio ganhou
alento. Ela declarou vasto elenco de direitos e garantias fundamentais, individuais,
coletivos e difusos, além de dedicar capítulo especial à política urbana.
Diante deste influxo, o direito de propriedade também evoluiu,

2 No original: “En efecto, puede decirse que em el campo urbano, la función social que debe cumplir el
derecho de propriedad de acuerdo com la Constitución, se concretiza, indubitablemente, en uma “función
urbanística” que permite al legislador el establecimiento de limitaciones, obligaciones, restricciones y
contribuciones sobre la propriedad, por razón de interes urbanístico.

En esta forma, la propriedad privada del suelo urbano está muy lejos de ser una propriedad absoluta e
ilimitada. Al contrario, ha sido contribuído em el mundo contemporâneo a la transformación radical del
derecho de propriedad”.
3
No original: “La semplice lettura dell’art. 42 della Carta fondamentale consentiva di dare per pacifica la
legittimità costituzionale del diritto urbanístico e, nel contempo, di individuarne il fondamento
costituzionale: é piú che noto, infatti, che tale norma afferma che la proprietà privata puó essere per legge
limitata per fini sociali. E non é dubbio che il corretto uso e governo del território sia um interesse
generale, rappresenti un bene comune, costituisca, quindi, un fine sociale”.

17
havendo, inclusive, necessidade de alterações das legislações infraconstitucionais, a fim
de cumprirem a nova ordem constitucional. O direito de propriedade passou a ter
vocação para o atendimento de uma função social, de maneira que somente se legitima
sua tutela jurídica se estiver perseguindo mencionada finalidade.
A Professora Lucia Valle Figueiredo (2004, p.13), com muita
sobriedade, esclarece-nos como está configurado o regime jurídico do direito de
propriedade, em virtude do novo paradigma constitucional:

O direito de propriedade já estava assegurado no artigo 153, § 22, da anterior


Constituição; todavia, somente no artigo 160, inciso V, ainda da antiga
Constituição, aludia-se à função social da propriedade. Atualmente, a situação
alterou-se. O direito de propriedade, alojado no inciso XXII, do artigo 5º, é
imediatamente “temperado” pelo subseqüente inciso XXIII: “a propriedade
atenderá a sua função social”.
Assim, parece-nos inarredável termos que compatibilizar, procurar real e
efetiva compatibilização entre direito individual de propriedade com sua
função social, direito difuso de todos nós, direito metaindividual ou
transindividual, como preferirem. Porém, direito a transcender a esfera jurídica
do indivíduo.
Em conseqüência, temos de afirmar que a Constituição não é mais garantidora
apenas de direito individual. Direi, em primeira aproximação do tema, que
impende modificar nossa concepção anterior em face do Texto Constitucional.
A Constituição de 1988, democrática, nada tem a ver com a Carta de 1967 e
sua emenda nº 1/69.
Não sei se os constituintes se deram conta do avanço e do processo a que
chegaram na Declaração de Direitos Individuais e Coletivos. Tenho para mim
que pela dimensão dada aos direitos coletivos, aos direitos difusos, esta
Constituição, se mais não tivesse feito, já teria dado enorme passo. O
progresso foi extraordinário.

A influência do novo regime jurídico do direito de propriedade,


no plano infraconstitucional, é vista claramente do cotejo entre o Código Civil
Brasileiro de 1916 e o de 2002. O artigo 525, do Código Civil de 1916, preceituava a
plenitude da propriedade, quando todos os seus direitos elementares se achassem
reunidos no do proprietário, limitada, tão somente, “quando tem ônus real, ou é
resolúvel”.
Mais enfático é o artigo 527 do mesmo Código que dispõe: “O
domínio presume-se exclusivo e ilimitado, até prova em contrário”. Logo mais à frente,
no artigo 554 e seguintes, tratam do direito de vizinhança, não se referindo, em nenhum
momento, que o exercício do direito de propriedade deverá atingir sua função social.
Enquanto no Código Civil de 1916 havia típico direito de
propriedade individualista, já no Código Civil de 2002, em consonância com a

18
Constituição Federal de 1988, existe expressa previsão de sua função social. É o que se
nota do § 1º, do artigo 1.228:

O direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as suas


finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados, de
conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas
naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como
evitada a poluição do ar e das águas.

O direito de propriedade atrelado à função social gerou estranheza


aos civilistas arraigados à concepção de propriedade absoluta. Estes sustentam que há
patente contradição lógica e jurídica da concepção de direito de propriedade afetado a
uma função social.
Contudo, entendemos que não há aludido paradoxo. Na verdade,
houve uma alteração valorativa e teleológica da ordem jurídica, por meio da
Constituição de 1988.
Deve-se partir da análise da norma constitucional e demais
normas infraconstitucionais que regulamentam a primeira, como premissas necessárias
do conteúdo, forma e extensão do direito de propriedade. A consagração da função
social da propriedade na norma constitucional é um verdadeiro axioma a ser
considerado para a compreensão da definição do direito de propriedade. A Constituição
consubstancia a opção política do Estado, que irá influenciar as demais normas que
compõem o sistema jurídico.
Para uma melhor compreensão da dimensão do direito de
propriedade, e, por sua vez, do exercício mais restrito ou mais amplo das faculdades
inerentes ao seu exercício, entre elas o direito de construir, é crucial relacioná-lo à
conjuntura político-econômica de cada Estado, firmada pelo ordenamento jurídico.
Não podemos perder de vista que o delineamento, o quadrante do
direito de propriedade, deriva da norma constitucional, conforme visto acima. O
conteúdo, forma e extensão destes direitos são decorrências da norma constitucional e
das infraconstitucionais regulamentares. Será a partir da norma constitucional vigente
em cada Estado e em determinado tempo (KELSEN, 1996, p.13) que partirão os
pressupostos axiológicos e teleológicos que moldam o conteúdo do direito de
propriedade e, por conseqüência, do direito de construir que será visto adiante.
Portanto, é descabido o argumento de que haveria contradição

19
entre direitos individuais, do proprietário, e direitos sociais, ao se vincular o direito de
propriedade à função social, pois é a própria norma que lhe imprime esta fisionomia.
Neste sentido, é oportuna a lição de Celso Antonio Bandeira de
Mello (2004, p. 714), ao afirmar que “não se deve confundir liberdade e propriedade
com direito de liberdade e direito de propriedade. Estes últimos são as expressões
daquelas, porém tal como admitidas em um dado sistema normativo”.
Lucia Valle Figueiredo (2004, p.295), corrobora este
entendimento ao dizer que:

[...] o direito de propriedade só poderá ter a feição, o perfil traçado pelo


ordenamento jurídico de determinado país em dado momento histórico. Se
não, vejamos. Poderia o direito de propriedade ser igual em país onde a
propriedade fosse coletiva ao de outro onde o regime fosse o de propriedade
privada? A resposta, por certo, há de ser negativa.

Percebeu-se acima, ao relacionar o direito de propriedade à


conjuntura política, econômica e social do Estado, que não só estes fatores condicionam
o direito, bem como são por este condicionado (SOUTO, 1985, p.162).
Na gênese da norma constitucional existe uma gama de interesses
e valores contraditórios, postos como fontes materiais ou substratos da realidade.
Caberá ao constituinte fazer o recorte da realidade social ao positivar a norma
fundamental. Este ato é político, consubstanciado numa opção e determinação dos
interesses que deverão ser tutelados pelo Estado. Uma vez firmado determinado
interesse pela positivação, este irá condicionar todas as demais normas
infraconstitucionais, devendo o aplicador do Direito estar atento a tudo isto.
Nossa Constituição Federal tutela a propriedade privada, porém,
desde que esta também satisfaça a função social, consoante mencionado acima. Tanto é
que se fez constar no inciso III, do art. 170, como um dos princípios da atividade
econômica.
O exercício do direito de propriedade de maneira nociva aos
interesses sociais é considerado um abuso deste próprio direito. Portanto, diante da
norma constitucional, referida conduta não será resguardada, ao revés, será sancionada
por meio dos instrumentos legais predispostos à tutela daquela finalidade.
Para concretizar este objetivo, normas constitucionais e
infraconstitucionais impõem aos particulares e aos Poderes Públicos deveres distintos,

20
compreendendo condutas omissivas e comissivas. Aliás, o Poder Público é o
responsável pelo controle sobre os particulares, quanto ao cumprimento das normas
urbanísticas.
Nota-se que o texto constitucional não especifica qual direito de
propriedade atenderá a função social, inferindo-se daí que todos estão afetados, recaindo
sobre a propriedade de bem imóvel, móvel, isolado ou conjuntamente, materiais,
imateriais e outros.
Daremos ênfase neste trabalho, por óbvio, à propriedade do bem
imóvel urbano. Concluímos, então, que o direito de propriedade e os demais direitos
que dele se originam, tais como o de construir, estarão vinculado aos novos parâmetros
estabelecidos pela Carta Política e normas infraconstitucionais que a regulamenta, com
vista a atingir a função social da cidade e propriedade urbana.
Foi muito feliz a iniciativa do Constituinte de 1988 ao criar um
capítulo próprio para o desenvolvimento urbano - o Capítulo II que trata da “Política
Urbana” – inserido propositadamente no Título VII, que dispõe “Da Ordem Econômica
e Financeira”. O § 2º, do artigo 182, da aludida Carta Política, estabelece que “a
propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais
de ordenação da cidade expressas no plano diretor.” Os artigos subseqüentes, da mesma
forma, visam concretizar o princípio da função social da cidade e propriedade.
A Lei Federal nº 10.257, de 10 de julho, de 2001 – Estatuto da
Cidade - surgiu para regulamentar os artigos 182 e 183 da Constituição Federal,
estabelecendo diretrizes gerais para o desenvolvimento da política urbana, bem como os
instrumentos que visam concretizar referida política. Em relação ao presente trabalho,
será analisado o instrumento previsto na alínea n, do inciso V, do artigo 4º, do aludido
Estatuto, denominado outorga onerosa do direito de construir, qualificado como
instituto jurídico e político.
Pelo que foi exposto, sobreleva-se, desta forma, a importância do
Direito Urbanístico, de seus institutos, fundamentos e princípios, que determinam a
compreensão do direito de propriedade e do direito de construir.
As demais normas, estatuídas pelo Poder Público, principalmente
pelo Município, tais como o Plano Diretor, Lei de Zoneamento, Código de Obras, de
Postura e outras leis específicas, da mesma forma, não devem se afastar do aludido

21
princípio da função social da propriedade.
Ao deixarem de perseguir esta finalidade, haverá
inconstitucionalidade, por afronta aos dispositivos supramencionados, e ainda, ao inciso
III, do art. 1º, incisos I e III, do art. 3º, que são os fundamentos e objetivos da República
Federativa do Brasil.
Portanto, não restam dúvidas de que é totalmente legítima a
intervenção do Poder Público na propriedade privada, limitando seu exercício, com base
nas normas urbanísticas mencionadas. Todavia, hoje se fala da superação ou crise do
Estado Social, situação em que não mais possuiria condições de, por si só, promover as
soluções e atender as necessidades sociais.
Apregoam que os mecanismos econômicos, sociais e jurídicos de
regulação já não são suficientes para dar conta de resolver as necessidades atuais. Em
razão deste “enfraquecimento” do Poder Público quanto à capacidade financeira e de
eficácia jurídica para impor suas soluções, diante do quadro atual da sociedade, o
mecanismo encontrado fora sua aproximação com a iniciativa privada, por meio de uma
parceria.
Não negamos o reflexo desta “nova ordem” na Constituição (por
exemplo, a Emenda Constitucional nº 19) e nas legislações infraconstitucionais,
inclusive no campo do direito urbanístico, de propositura de novos instrumentos de
financiamento das infra-estruturas urbanas, por meio da iniciativa privada, bem como de
adoção de institutos jurídicos que estavam afetos somente ao campo do direito privado e
que hoje se vêem adotados pelas Administrações Públicas.
Todavia, os valores sociais consagrados em 1988, em nossa
Constituição Federal, não poderão ser desprestigiados em face da crise do Estado-
providência.
A despeito desta nova conjuntura, o importante é que os valores
sociais devam ser preservados e nossa Constituição Federal encontra-se aberta a esta
nova realidade, considerando as previsões da gestão democrática da cidade, por meio de
audiências públicas, iniciativa de lei pelo cidadão, controle social (por meio de
Conselhos), atribuição de competência ao Ministério Público na defesa dos interesses
sociais e coletivos e outros instrumentos de garantias dos valores fundamentais.
Não basta, contudo, a previsão abstrata na Constituição Federal.

22
Medidas concretas devem ser tomadas a fim de proporcionar eficácia a estas normas.
Sabe-se que a sociedade ainda não está preparada para o exercício destes instrumentos
democráticos. Desta forma, as autoridades deverão fomentar a participação popular, por
meio da sociedade organizada e melhoria no acesso às informações.
Por fim, é importante ressaltar que, o não acatamento das
sugestões ofertadas pela sociedade, na gestão da Administração Pública, deverá ser
expressamente motivado, sob pena de tornar-se inócua aludida participação. Embora as
sugestões não vinculem, não podem ser ignoradas por completo.

23
2 O SOLO CRIADO

A preocupação acerca do instituto do solo criado surge num


contexto de concentração populacional nas áreas urbanas, com o desenvolvimento da
indústria e crescente migração sentido campo-cidade, conforme mencionado no capítulo
anterior.
A ocupação do espaço urbano, principalmente nas grandes
cidades, estava marcada por uma situação de sensível adensamento populacional,
“déficit habitacional, pela carência de qualidade de infra-estrutura, pela ocupação
desordenada das áreas urbanas, por serviços públicos deficientes, inclusive de
transporte, água, esgoto, etc” (FUNDAÇÃO PREFEITO FARIA LIMA – CEPAM,
2001, p. 320).
Paralelamente, surgiram novas técnicas de construções, visando
incrementar a utilização do solo natural, com a criação do solo artificial ou virtual:

A tecnologia das construções proporcionou o surgimento de edificações com


pisos artificiais sobrepostos ou subpostos, como unidades autônomas, a partir
do solo natural configurado pela superfície do solo. Isso importou em
possibilitar a multiplicação do solo edificável em tantos novos solos quantos
desses pisos artificiais sejam admitidos construir pela legislação edilícia ou de
zoneamento. (SILVA, 1981, p. 309-310)

O solo artificial, importante ressaltar, não é a mera ocupação do


espaço aéreo, mas de surgimento de pisos artificiais (SILVA, 1981, p. 310), com
aumento de área edificável em relação ao solo natural. Por exemplo, não é o caso de
uma torre de telefonia, mas de um edifício de apartamentos ou garagens subterrâneas.
Referida técnica de construção foi fonte material do instituto
jurídico do solo criado. Não haveria razão jurídica e nem lógica a criação da figura do
solo criado se não existissem aludidas técnicas construtivas de criação do solo artificial.
O aumento da capacidade construtiva sobre o solo urbano, na
maior parte das vezes, tende a elevar o adensamento populacional sobre a área onde está
situada a construção e seu entorno, ocasionando um descompasso entre as áreas
públicas e privadas.
Para que seja permitido o aumento do adensamento sobre

24
determinada área da cidade, sem que se possa comprometer a qualidade de vida, faz-se
necessário preparar as infra-estruturas urbanas, tais como vias, águas, esgotos,
transportes urbanos, saneamento básico, bem como outras infra-estruturas sociais, como
escolas, creches, postos de saúde, etc.
Em outros termos, se por um lado esta nova técnica de construção
se desenvolveu para aumentar o uso do solo urbano, por outro lado, gerou preocupações
no que concerne ao planejamento, gestão e controle da atividade urbanística. Isto
impulsionou discussões entre os profissionais envolvidos no estudo do desenvolvimento
urbano, de diversas áreas, tais como engenheiros, arquitetos, economistas, juristas e
outros. Estes, diante da nova realidade urbana, apregoavam maior interferência do Poder
Público na promoção, controle do uso e ocupação do solo urbano, para ordenamento
adequado das cidades.
É neste contexto que surge a idéia do solo criado, visando servir
como instrumento de controle urbanístico e de correção do adensamento urbano. Ainda,
o solo criado é considerado uma importante estratégia de repartição dos benefícios e
ônus ocasionados pelas atividades urbanísticas realizadas pelo Poder Público, tais como
construções e alargamentos de avenidas, ampliação dos serviços públicos, infra-
estruturas e equipamentos sociais. Desta forma, também evita a apropriação, pelo
particular, das mais valias sobre seus imóveis, em razão daquelas obras públicas.
Por outro lado, não se deve olvidar da existência de diferentes
realidades, causas peculiares a cada país, que levaram à elaboração do instituto do solo
criado ou análogo, dotados de mecanismos diferenciados, a fim de responderem às
respectivas necessidades. Todavia, não se nega a influência recíproca entre os diversos
institutos, de suas legislações, que são adaptadas às diferentes situações.
O solo criado foi suscitado originalmente em 1971, como criação
de um grupo de estudiosos, especialistas da Comissão Econômica da Organização das
Nações Unidas - ONU, na cidade de Roma, que tinham por preocupação ordenar os
espaços urbanos (FUNDAÇÃO PREFEITO FARIA LIMA – CEPAM, 2001, p. 335).
Para eles o direito de edificar não era um direito inerente ao
direito de propriedade, mas pertencente à coletividade. Desta forma, para que o
proprietário de um determinado imóvel pudesse construir além de uma determinada
área, deveria obter uma concessão ou autorização do Poder Público (GRAU, 1983, p.

25
60).
Na França, o denominado Teto Legal de Densidade (“Plafond
Legal de Densité”), instituído pela Lei nº 75-1.328 de 31 de dezembro de 1975,
estipulava-se que ao proprietário corresponde o direito de construir, limitado a um
coeficiente, fixado em lei. Este coeficiente legal representava a quantidade de
construção permitida, índice que expressa a proporção da área construída sobre a área
do terreno.
Fixou-se por meio da lei francesa que em todo o território francês
seria permitida a construção correspondente ao coeficiente “1”, ou seja, na extensão
igual à área do terreno, enquanto que, para a região de Paris, o coeficiente fixado era de
“1,5” (que corresponde a uma área e meia do terreno).
Caso o proprietário do terreno, ou quem de direito, pretendesse
construir além daqueles patamares legais de densidade, acima mencionados, estaria
subordinado ao pagamento de uma soma igual ao valor do terreno. A razão disto se
funda no ressarcimento do beneficiário junto à coletividade. Esta seria a titular do
direito de construir acima do patamar legal, enquanto aquele o titular do direito de
construir aquém do patamar legal (MARQUES NETO, 2002, p. 225).1
Na Itália, a Lei nº 10, de 28 de janeiro de 1977 separou o direito
de construir do direito de propriedade. Toda e qualquer construção, transformação
edilícia ou urbana, independentemente da extensão, estaria submetida a uma concessão
do direito de construir, específica, por parte do Prefeito (“sindaco”), consoante seu art.
1º, “in fine”.
Por esta lei, o direito de construir na Itália não mais seria
decorrência natural do direito de propriedade, mas dele se destaca para constituir
concessão do Poder Público. Em outros termos, o direito de construir não estaria
atrelado ao direito de propriedade, sendo que a possibilidade e forma de edificação
decorreriam dos planos urbanísticos.
Esta lei previu, ainda, uma contrapartida para a concessão do
direito de edificar, sendo que os recursos daí decorrentes já estavam afetados para
realização de obras de urbanização, restauração do patrimônio cultural imobiliário e
outros programas públicos.
1
In: Estatuto da Cidade – Comentários à Lei Federal 10.257/2001, Obra coletiva, publicada pela
Malheiros, sob a coordenação de Adilson Abreu Dallari e Sérgio Ferraz.

26
Segundo Santos (2004, p. 208), a Corte Constitucional Italiana,
em 1980, após a entrada em vigor da Lei nº 10, de 28 de janeiro de 1977, acabou
considerando que o direito de construir é inerente ao direito de propriedade. Sendo
assim, fracassou na Itália a tentativa de separação entre o direito de propriedade e o
direito de construir.
Nos Estados Unidos, o instituto do Space Adrift encontra-se
atrelado ao da transferência do direito de construir. No caso em que um imóvel que teve
seu potencial construtivo reduzido, em virtude de ter sido declarado como de interesse
histórico pelo Poder Público, autorizava-se ao proprietário alienar este potencial, não
utilizado, para que este fosse acrescentado em outro imóvel, que somente assim poderia
ver excedida a área construída.
No Brasil, as preocupações de cunho urbanístico surgiram mais
tarde, pois, a urbanização iniciou-se com o processo de industrialização, a partir de
1930, sendo que no período compreendido entre 1940 e 1980 houve um enorme
crescimento econômico. Começaram a despontar as grandes metrópoles, especialmente
São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte, para onde se dirigiam grande parte da
população rural, em busca de melhoria da qualidade de vida e garantia de emprego, já
que no campo a oferta de trabalho se definhava.
Ocorre que, o crescimento exacerbado das cidades e o
adensamento populacional, desprovido de uma política urbana adequada, acarretaram
conseqüências negativas, tais como poluição do ar e das águas, enchentes,
desmoronamentos, crianças abandonadas, violência, epidemias, congestionamento no
trânsito de veículos automotores, proliferação de habitações precárias e insalubres,
ausência de saneamento básico, surgimento de favelas e patente segregação social.
De acordo com Silva (1981, p. 54-55), na década de 60 houve
tentativa de implantar uma política urbana no Brasil, criando-se o Banco Nacional da
Habitação – BNH, as Sociedades de Crédito Imobiliário e o Serviço Federal de
Habitação – SERFHAU, consoante Lei 4.380, de 21 de agosto de 1964. O artigo 1º da
aludida Lei “determinou que o Governo Federal, através do Ministério do
Planejamento, formulasse a política nacional de habitação e planejamento territorial e
deu ao SERFHAU atribuições ligadas ao desenvolvimento urbano”.

27
A produção de legislações esparsas não foi suficiente para dar
conta do processo de urbanização, que se acelerou após a 2ª Grande Guerra. Sofrendo
influência das Constituições do México e da Alemanha, no Brasil, a Constituição de
1934, seguidas pelas Constituições de 1946 e 1967, passaram a prever direitos e
garantias aos interesses sociais, (SOUZA et al., 1991, p. 150-151)2. Contudo, somente
com o advento da Constituição de 1988 é que ocorreu a sistematização da Política
Urbana.
Conforme mencionado, frisa-se que foi numa conjuntura de
degradação do ambiente urbano, que a discussão acerca dos fundamentos e princípios
correlatos ao instituto do solo criado ganhou corpo em nosso país. Observava-se, nesta
época o seguinte quadro: a) crescimento desordenado das cidades; b) redução
quantitativa e qualitativa dos espaços habitáveis; c) aumento da especulação imobiliária
e conseqüente dificuldade de acesso à moradia digna; d) ausência de infra-estruturas
urbanísticas e equipamentos comunitários; d) insuficiência de transportes coletivos; de
saneamento básico adequado para todos; e) restrito acesso à água tratada, etc.
Com o objetivo de criar um instrumento que pudesse minimizar
referidos problemas, observando as experiências estrangeiras, no Brasil se desenvolveu
a idéia do solo criado, consolidada num documento denominado “O Solo Criado/Carta
de Embu”, emanado num seminário realizado em São Paulo, no mês de junho de 1976,
elaborado por vários especialistas de renome nacional. Pela atualidade e importância de
suas conclusões, é oportuna a transcrição abaixo (Fundação Prefeito Faria Lima –
CEPAM, 1977):

1. É constitucional a fixação, pelo Município, de um coeficiente único de


edificação para todos os terrenos urbanos.
1.1. A fixação desse coeficiente não interfere com a competência municipal
para estabelecer índices diversos de utilização dos terrenos, tal como já se
faz, mediante legislação de zoneamento.
1.2. Toda edificação acima do coeficiente único é considerada solo criado¸
quer envolva ocupação de espaço aéreo, quer a de subsolo.
2. É constitucional exigir, na forma da lei municipal, como condição de
criação do solo, que o interessado entregue ao Poder Público, áreas
proporcionais ao solo criado; quando impossível a oferta destas áreas, por
inexistentes ou por não atenderem às condições legais para tanto
requeridas, é admissível sua substituição pelo equivalente econômico.

2
In: “Um caminho para minorar os problemas urbanos”, Obra Coletiva, publicada pela Revista dos
Tribunais, sob o título “Temas de Direito Urbanístico”, coordenada por Adilson Abreu Dallari e Lucia
Valle Figueiredo. Ainda, a respeito da evolução histórica das legislações urbanísticas no Brasil, é
interessante a exposição de SILVA (1981, p. 49-55).

28
2.1. O proprietário de imóvel sujeito a limitações administrativas, que
impeçam a plena utilização do coeficiente único de edificação, poderá
alienar a parcela não-utilizável do direito de construir.
2.2. No caso de imóvel tombado, o proprietário poderá alienar o direito de
construir correspondente à área edificada ou ao coeficiente único de
3
edificação.

Comentando a Carta de Embu, Marques Neto (et al., 2002. p.


4
226-227) leciona o seguinte:

Os consideranda do documento primam por sintetizar as bases do raciocínio


doutrinário que sustenta e justifica o instituto do solo criado. Neles vemos
registrados os seguintes pressupostos: (i) há no território urbano áreas
favoráveis a diferentes tipos de atividades; (ii) a maior propensão a algumas
atividades tende a incrementar o valor dos imóveis em algumas áreas, nas
quais haverá forte pressão para um maior aproveitamento – ensejado pelo
avanço tecnológico nas técnicas construtivas – destes terrenos, levando a um
maior adensamento nestas áreas; (iii) este processo sobrecarrega a
infraestrutura urbana; (iv) a possibilidade de adensamento, trazida pelo avanço
tecnológico, não é necessariamente inconveniente; (v) no entanto, as normas
urbanísticas habitualmente limitam tal adensamento, gerando uma valorização
desigual dos imóveis, favorecendo aqueles que podem ser mais aproveitados
do ponto de vista de multiplicação da utilização de sua área pela ocupação do
espaço aéreo ou do subsolo; (vi) o direito de propriedade é condicionado pelo
principio da sua função social, o que permite a adstrição do seu uso e
disposição a limites ou condições ditados por critérios de relevância social;
(vii) exemplos desses condicionamentos são encontrados na legislação de
parcelamentos do solo, pela qual se condiciona a divisão dos imóveis urbanos
à doação de áreas para uso publico e social.

Os fundamentos do solo criado acima apresentados foram


construídos, inicialmente, por parte dos estudiosos da área, na tentativa de apresentar
soluções práticas para o adensamento urbano. Concluíram, então, que o responsável
pelo adensamento urbano, ou seja, aquele que edifica além de um coeficiente fixado em
lei, deverá arcar com os custos que o Poder Público irá despender para realizar obras de
infra-estruturas urbanas e sociais.

3
Segundo Silva (1981, p. 315): “Ao que consta, a primeira vez que se tocou no assunto coube a Eros
Grau, Antonio Carlos Cintra do Amaral e Jorge Bartholomeu Carneiro da Cunha, em seminário interno do
antigo Grupo Executivo da Grande São Paulo – CEGRAN, que, no início de 1975, aventaram a idéia de
definição, por lei federal, de que há distinção entre direito de propriedade e direito de construir, de que
decorreria uma conclusão importante, qual seja a de que ‘não existem limitações administrativas ao
direito de edificação do proprietário, visto que tal direito não lhe pertence, sendo lhe atribuído mediante
autorização ou concessão do poder público’. Em verdade, essa idéia é ainda mais avançada do que a do
solo criado, porque não constitui simples limitação ao direito de construir, como neste, mas dissocia este
direito do direito de propriedade. Nesses termos, a idéia não prosperou.” Ainda, ressalta este autor que o
solo criado emanou de um documento que serviu de base para futuros seminários, até culminar na Carta
de Embu, redigido em 1975 pelos técnicos: Antonio Cláudio Moreira Lima e Moreira, Dalmo do Valle
Nogueira Filho, Domingos Theodoro de Azevedo Neto e Clementina de Ambrosis.
4
Vide comentário à nota número “1”, desta Seção.

29
Para tanto, o beneficiário do solo criado deverá entregar ao Poder
Público uma contrapartida, que consiste na doação de áreas ao Poder Público, na
proporção da extensão do solo criado, ou, no caso de inexistir tais áreas ou não
corresponder aos requisitos legais, deverá entregar o equivalente econômico.
Outro fundamento que se infere da Carta de Embu, diz respeito à
justa distribuição de benefícios e encargos da atividade urbanística. É legítimo cobrar
uma contrapartida do beneficiário do solo criado, que teve seu imóvel valorizado,
revertendo-se para a coletividade a devida compensação econômica. Demais, objetiva-
se desestimular a especulação imobiliária atrelada à política urbana, forma totalmente
odiosa, pois, se determinado lote poderá valer mais em função do potencial construtivo,
resultante do planejamento urbano, esta mais-valia deverá ser custeada por seu
proprietário. Enfim, todos estes fundamentos buscam concretizar o princípio da função
social da propriedade.
No Brasil é recente a positivação do instituto do solo criado,
ocorrendo apenas em 10 de julho de 2001, com a Lei Federal n 10.257,
especificamente na Seção IX, do Capítulo II.
No entanto, ressalta-se que muitos municípios, mesmo antes do
advento do Estatuto da Cidade, já dispunham em suas legislações acerca deste instituto,
sendo os casos, entre outros, de Rio de Janeiro, São Paulo, Porto Alegre, João Pessoa,
Natal e Recife5. Se isto era válido ou não, sob o ponto de vista constitucional,
atualmente pouco importa, uma vez que esta controvérsia foi superada com a entrada
em vigor do Estatuto da Cidade. No entanto, esta questão será tratada adiante.
Visto brevemente o contexto histórico e os fundamentos básicos
do instituto, interessa perscrutar acerca de seu conceito. Primeiro, é necessário ressaltar
que o solo artificial ou solo virtual, decorrente daquelas técnicas construtivas, não deve
ser encarado como sinônimo de solo criado.
Enquanto o primeiro, isoladamente, pode ser considerado mero

5
Respectivamente: Lei Complementar n° 16, de 4 de junho de 1992; Leis municipais números 9.725, de 2
de julho de 1984 e 10.209, de 9 de dezembro de 1986; Lei Complementar n° 315, de 1994; Lei
Complementar n° 3, de 30 de dezembro de 1992; Lei Complementar n° 7, de 5 de agosto de 1994 e Lei n°
15.547/91.

30
evento, ato jurídico lícito ou ilícito, a depender das circunstâncias6, consubstanciado
pelo emprego de técnicas, mão de obra e materiais na construção sobre ou sob certo
terreno urbano, além da extensão do solo natural; o solo criado, por sua vez, é a
terminologia jurídica empregada nos casos em que ocorre a possibilidade de criação do
solo artificial, após a devida outorga onerosa do direito de criar referido solo, mediante
o atendimento de determinadas condicionantes normativas, fixadas pela autoridade
competente.
Nesta esteira, se o solo artificial foi construído mediante prévia
outorga onerosa do Poder Público Municipal, tratar-se-á de solo criado. Todavia, se o
solo artificial foi construído sem prévia outorga onerosa do Poder Público Municipal,
poderá ser mero evento ou, quando vertido em linguagem competente em auto de
infração à legislação urbanística, fato jurídico ilícito.
A infração às normas de cunho urbanístico, no caso em tela,
poderá ocorrer de duas formas, quando na área onde estiver situado o solo urbano não
for possível aplicar o instituto do solo criado, com base nas normas edilícias municipais
ou quando admitido, a construção ultrapassar o coeficiente máximo previsto em lei,
consoante será visto adiante. Também poderá ocorrer na hipótese em que, embora seja
possível aplicar-se o instituto do solo criado, na área onde está situado o solo urbano
edificado, o interessado não obteve previamente a outorga onerosa do direito de
construir. Neste caso, entende-se que seja possível sua regularização, mediante o
pagamento de uma contrapartida e outorga posterior do direito de construir.
Não se adentrará, por ora, na análise dos casos em que a lei
municipal poderá permitir a venda pelos particulares do adicional construtivo. O que
importa destacar é que, originariamente, este adicional construtivo parte da outorga do
Poder Público, e que só depois, se for o caso, será concedida a transferência de um
particular ao outro, mediante controle do próprio Poder Público que o outorgou.
Retomando-se a distinção entre solo criado e solo artificial,

6
Entendemos que a construção do solo artificial, enquanto não vertido numa linguagem competente, por
meio da aplicação da norma jurídica, seja por meio do ato administrativo da outorga onerosa do direito de
construir, seja por meio de um auto de infração à ordem urbanística, será mero evento pertencente ao
campo do mundo social, mas não ao direito. É o que conclui Tárek Moysés Moussallem (2001, p. 146-
147): “Então, fato jurídico é o resultado da incidência da linguagem normativa sobre a linguagem da
realidade social, só possível pelo ato de aplicação do direito [...] Em suma: o fato jurídico é o enunciado
protocolar resultante de ato de aplicação que executa a incidência da linguagem normativa sobre a
linguagem da realidade social, localizado no antecedente de uma norma concreta”.

31
conclui-se que, o solo artificial somente será solo criado se for reconhecido
juridicamente pela autoridade pública competente, por meio do ato administrativo da
outorga onerosa do direito de construir.7
Segundo Carvalho Filho (2005, 191-192) o solo criado “é o
instituto jurídico em si, que pode ser, ou não, adotado em determinado ordenamento
jurídico [...] a outorga onerosa do direito de construir é o ato administrativo que resulta
do acolhimento do instituto; [...] é o efeito jurídico da existência do solo criado no
ordenamento”.
Conceitua-se o solo criado, portanto, como o direito de construir
resultante do ato administrativo de outorga, acima de um determinado índice de
aproveitamento básico, fixado em lei, em solo urbano situado numa zona específica, em
que haja permissão para adoção deste instituto, mediante o adimplemento, pelo
beneficiário, da prestação de uma contrapartida, fixada pela autoridade competente, para
o fim de assegurar o equilíbrio entre os encargos e benefícios resultantes da atividade
urbanística e a função social da propriedade.
Na mesma esteira, Di Sarno (2004, p. 76):

O solo criado é a possibilidade de construir acima dos parâmetros legais gerais


estabelecidos pelo Poder Público. Pelo estabelecimento do coeficiente de
aproveitamento, o Poder Público poderá indicar, no Plano Diretor, quais áreas
urbanas podem ter edificações acima deste limite estabelecido. Portanto,
aquele que quiser construir acima do permitido deverá checar se seu terreno se
encontra nas regiões onde são permitidos tais benefícios.

Silva (1981, p.313) conceitua-o como “toda edificação acima do


coeficiente único, quer envolva ocupação de espaço aéreo, quer a de subsolo”.
Contudo, como observou-se acima, toda edificação acima de um coeficiente único pode
ser considerado solo artificial, porém, nem sempre será solo criado.
Nota-se que este conceito é muito abrangente, se comparado ao
que foi apresentado acima. Fixou-se o entendimento, pois, no sentido de que a
edificação acima do coeficiente único tanto pode ser o solo criado bem como configurar
infração à ordem urbanística. Tudo dependerá da existência, ou não, do ato
administrativo da outorga onerosa do direito de criar referido solo.

7
Com o mesmo posicionamento, Marques Neto (et.al, 2003, p 232): “A outorga onerosa do direito de
construir não substitui ou se confunde com a noção de solo criado. A onerosidade da outorga é, na
verdade, uma conseqüência do estabelecimento do instituto do solo criado”.

32
Está correta a assertiva de que o “solo criado nada mais é que a
possibilidade conferida pelo Poder Público de edificar acima do coeficiente previsto em
lei” (SANTOS, M. W. et al., 2004, p. 211).8 Se o pode Público conferiu a possibilidade
de edificar acima do coeficiente previsto em lei, é porque emitiu o ato administrativo da
outorga onerosa do direito de construir e o beneficiário cumpriu o encargo, ou seja, a
contrapartida correspondente.
O solo criado é justamente esta possibilidade, ou melhor, esta
faculdade de edificar além do coeficiente básico, que surgiu da outorga do Poder
Público Municipal, com base nas leis urbanísticas. Se houve construção material ou não
sobre determinado solo urbano é irrelevante para sua caracterização, o que importa é
que o ato administrativo de outorga foi emitido.
Esta é mais uma razão pela qual o solo criado não poderá ser
confundido com o solo artificial, pois, o primeiro é um “direito subjetivo”, que consiste
na faculdade jurídica de construir além do coeficiente de aproveitamento básico
(observados os limites legais), de natureza imaterial; enquanto o segundo é a própria
construção que exorbita da extensão do solo natural, pertencente ao campo da realidade
física, do mundo material.
A fixação de limites construtivos (coeficientes básicos e
máximos) consectários ao solo criado constitui limitação à propriedade e não restrição.
Sendo assim, sua constituição pelo Plano Diretor não gera direito à indenização, em
razão de seu caráter geral. Em relação ao “direito de propriedade”, não há que se falar
nem em limitação, pois, seu conteúdo é resultado do conjunto de normas que traçam seu
regime jurídico.
Se o direito de propriedade tem conteúdo e forma definidos pelas
normas jurídicas, que lhe atribuem uma função social, não entendemos que o solo
criado seja uma limitação ou restrição ao “direito de propriedade”, mas sim um fator
que participa no delineamento de seu perfil.
Aliás, com os problemas de ordenação do solo urbano, que
surgiram com a urbanização, temas ligados ao Direito Urbanístico (planejamento,
gestão e controle urbanísticos) passaram a ser preocupações inevitáveis e mais
freqüentes para os estudiosos e governantes.
8
In: “Dos Instrumentos da Política Urbana”, Obra Coletiva, publicada pela Revista dos Tribunais, sob o
título “Estatuto da Cidade”, coordenada por Odete Medauar e Fernando Dias Menezes de Almeida.

33
Todavia, nem sempre em todo e qualquer município será admitida
a adoção do solo criado. Os Municípios têm a faculdade de utilizar, ou não, deste
instrumento urbanístico, conforme sua peculiar necessidade. A Política Urbana de cada
município será dotada dos instrumentos urbanísticos que melhor aprouver para o caso
concreto, na tríplice função Estatal de ordenação do solo urbano: planejamento, gestão e
controle.

34
3 OUTORGA ONEROSA DO SOLO CRIADO PREVISTA NO
ESTATUTO DA CIDADE

A expressão “outorga onerosa do direito de construir” advém da


Seção IX, do Capitulo II, da Lei nº 10.257, de 10 de julho de 2001 - Estatuto da Cidade.
É oportuno transcrever os dispositivos legais abaixo, para posterior descrição e análise:

Seção IX
Da outorga onerosa do direito de construir
Art. 28. O plano diretor poderá fixar áreas nas quais o direito de construir
poderá ser exercido acima do coeficiente de aproveitamento básico adotado,
mediante contrapartida a ser prestada pelo beneficiário.
§ 1º. Para os efeitos desta Lei, coeficiente de aproveitamento é a relação entre
a área edificável e a área do terreno.
§ 2º. O plano diretor poderá fixar coeficiente de aproveitamento básico único
para toda a zona urbana ou diferenciado para áreas específicas dentro da zona
urbana.
§ 3º. O plano diretor definirá os limites máximos a serem atingidos pelos
coeficientes de aproveitamento, considerando a proporcionalidade entre a
infra-estrutura existente e o aumento de densidade esperada em cada área.
Art. 29. O plano diretor poderá fixar áreas nas quais poderá ser permitida
alteração de uso do solo, mediante contrapartida a ser prestada pelo
beneficiário.
Art. 30. Lei Municipal específica estabelecerá as condições a serem
observadas para a outorga onerosa do direito de construir e de alteração de uso,
determinando:
I – a fórmula de cálculo para a cobrança;
II – os casos passíveis de isenção do pagamento da outorga;
III – a contrapartida do beneficiário.
Art. 31. Os recursos auferidos com a adoção da outorga onerosa do direito de
construir e de alteração de uso serão aplicados com as finalidades previstas nos
incisos I a IX do art. 26 desta Lei.

Observa-se dos dispositivos que, o Plano Diretor é instrumento


normativo básico, que irá estabelecer a existência, forma e extensão deste instituto,
mediante uma contrapartida a ser prestada pelo beneficiário, sem prescindir, contudo, de
uma Lei Municipal específica. O art. 28 cuida da instituição do solo criado, enquanto
que no art. 29 se refere à permissão de alteração o uso do solo. Enquanto que estes
artigos prescrevem, respectivamente, acerca dos institutos do solo criado e do direito de
alteração de uso do solo; os artigos subseqüentes, o 30 e o 31, referem-se aos atos
administrativos que constituem os primeiros, ou seja, tratam da outorga onerosa do
direito de construir e da outorga onerosa do direito de alteração de uso do solo.

35
A Fundação Prefeito Faria Lima – CEPAM (2005, p. 118-119),
considera que a outorga onerosa do direito de construir se divide em duas categorias
distintas: o solo criado e a alteração de uso. Vejamos:

Solo criado. O que é: É uma modalidade de outorga onerosa do direito de


construir, consistente no instrumento urbanístico que permite ao proprietário
ou a quem tenha interesse, adquirir o direito de construir acima do coeficiente
básico de aproveitamento [...]
Alteração do uso do solo. O que é: Outra modalidade de outorga onerosa do
direito de construir que permite ao proprietário de um imóvel dar uso distinto
daquele definido para uma determinada zona da cidade [...].

Comunga da mesma conclusão Gasparini (2002, p. 174), ao dizer


que “Essa alteração onerosa do uso é uma espécie de outorga onerosa do direito de
construir”. Porém, esta classificação é incoerente.
É um equívoco admitir a outorga onerosa do direito de construir
como gênero, do qual decorrem as espécies solo criado e alteração onerosa do uso,
porque os atos administrativos (respectivas outorgas) e seus respectivos resultados (solo
criado e alteração do uso) não devem ser confundidos.
Embora muitos tratem da outorga onerosa do direito de construir
como sinônima do solo criado, isto não se justifica, tendo em vista que o solo criado é
um instituto jurídico, instrumento da Política Urbana, enquanto que a outorga onerosa
do direito construir é ato administrativo que concede a faculdade de utilizar-se do
mencionado instituto. Ambos estão intrinsecamente ligados, um depende do outro,
porém, não devem ser confundidos.
Ainda, na Seção IX, do Capitulo II, da Lei nº 10.257, de 10 de
julho de 2001, nota-se certa imprecisão em relação à denominação, em razão de se
tratarem de duas coisas distintas: a) da outorga onerosa do direito de construir e b) da
outorga onerosa do direito de alteração de uso do solo. Conclui-se, pois, que a
denominação da Seção mencionada é mais restrita que o conteúdo nela tratado
(MARQUES NETO et al., 2002, p. 232).
Não existe, portanto, relação de gênero e espécie entre outorga
onerosa do direito de construir e solo criado em razão do que fora dito acima. Da
mesma forma, o direito de alteração de uso não é espécie da outorga onerosa do direito
de construir, mas sim, resultado da outorga onerosa do direito de alteração do uso do
solo.

36
Na verdade, consoante se extrai do art. 4º, inciso V, alínea n;
artigos 30 e 31, do Estatuto da Cidade, existem dois atos administrativos distintos:
outorga do direito de construir e a outorga do direito de alteração de uso. Todavia,
ocupam lugar comum no Estatuto da Cidade pelas seguintes razões: a) possuem
natureza onerosa, como regra geral; b) são tidos como espécies de instrumentos
jurídicos e políticos da Política Urbana, no Estatuto da Cidade; c) estão submetidos à
determinada Lei municipal específica, que irá dispor sobre as condições da emissão do
respectivo ato, quanto ao tipo e fórmula do cálculo da contrapartida e quanto aos casos
possíveis de isenção da contrapartida; d) têm implicações diretas com o ordenamento da
cidade; e) têm o mesmo destino da aplicação dos recursos, provenientes das
contrapartidas, cobradas pela emissão dos respectivos atos administrativos, ou seja, às
finalidades previstas nos incisos I a IX do art. 26 desta Lei.
Não será abordada a outorga onerosa do direito de alteração do
uso do solo, com profundidade merecida, por transbordar o objetivo desta dissertação, o
que se permite dizer, tão somente, que sua aplicação afronta aos objetivos da Política
Urbana, pois esta demanda um controle rigoroso do zoneamento e uso do solo. Destarte,
o art. 29, do Estatuto da Cidade é inconstitucional.
Interessa, por ora, o estudo da outorga onerosa do direito de
construir, ato administrativo pelo qual se concede a um indivíduo o direito de construir
além do coeficiente de aproveitamento básico, fixado em lei, mediante exigência de
uma contrapartida.
Em outros termos, seria correto dizer que a outorga onerosa do
direito de construir é o ato administrativo pelo qual se constitui o solo criado. Pode-se
denominá-la, portanto, de outorga onerosa do solo criado.
Gasparini (2002, p. 170), por sua vez, conceitua a outorga
onerosa do direito de construir como “a licença dada pelo Município ao particular,
proprietário de certo imóvel situado em área urbana, delimitada pelo plano diretor, para,
mediante contrapartida, construir acima do coeficiente de aproveitamento”.
Consoante Figueiredo (L.V., 2005, p. 124) a “outorga onerosa
consiste na possibilidade de edificação maior mediante contrapartida do construtor e,
além disso, deve haver possibilidade de a área comportar tal edificação”.
Ainda:

37
É, portanto, a outorga onerosa uma exceção que o Poder Público permite a um
particular de construir acima do coeficiente de aproveitamento previsto na área
em que se situa o imóvel, desde que este particular, em contrapartida, faça uma
prestação em prol do desenvolvimento das funções sociais da cidade e do bem-
estar de seus habitantes. (FRANCISCO, 2001, p. 206)

No que cinge à natureza jurídica do ato administrativo da


outorga onerosa do direito de construir, deve-se, antes de tudo, fazer um breve cotejo
com o ato administrativo da licença para construir. A licença para construir, que não se
confunde com a outorga onerosa do direito de construir, refere-se ao direito de
construir ínsito ao direito de propriedade, ou seja, aquele igual ou abaixo do coeficiente
básico de aproveitamento.
Sendo assim, o titular do direito de propriedade já possui o
direito de construir sobre determinado lote. Neste caso, quando o indivíduo obtém a
licença para construir, em nada modifica seu direito subjetivo; o que ocorre é uma mera
liberação por parte da autoridade competente, do exercício deste direito.
Daí a razão pela qual Figueiredo (L. V., 2005, p. 128) a conceitua
como “um ato administrativo constitutivo-formal, possibilitando àquele em favor de
quem foi expedida, direito de levar a cabo a construção, nos termos em que lhe foi
deferida: isto é, de acordo com o projeto aprovado e no prazo estipulado”.
Considera-se a licença para construir como ato administrativo
vinculado. Satisfeitos os requisitos legais, a Administração ficará obrigada a expedi-la.
Aqui não há margem de discricionariedade para a Administração.
A outorga onerosa do direito de construir, ao revés, refere-se ao
direito de construir acima do coeficiente básico de aproveitamento, que somente se
consumará por meio da obtenção deste direito junto ao Poder Público Municipal.
Desta forma, concorda-se com Figueiredo (L. V., 2005, p. 125),
que diz que “a outorga onerosa é ato constitutivo de direito, pois poderá não ser
deferida se a infra-estrutura do local não comportar o aumento de área construída, ou,
então, houver plausibilidade de isso vir acontecer”.
Possui natureza constitutiva de direito. Enquanto na licença para
construir o indivíduo já possuía o direito subjetivo de construir sobre determinado
imóvel, na outorga onerosa do direito de construir o indivíduo não possui o direito
subjetivo de construir. Nesta, o interessado deverá solicitar ao Poder Público Municipal

38
referido direito, que, aquiescendo ou não, consoante interesse da coletividade,
constituir-se-á ou não em prol daquele o direito de construir, se e quando as condições
legais e concretas autorizarem, e desde que haja a devida compensação da outorga do
direito, por meio de uma contrapartida do beneficiário.
Sendo assim, é um ato discricionário (FIGUEIREDO, L. V.,
2005, p. 125), em que a autoridade competente deverá analisar cada pedido, diante das
circunstâncias, podendo, inclusive, não deferir o pedido de outorga.
Contrariando este entendimento, Gasparini (2002, p. 172)
defende a natureza vinculada do ato administrativo da outorga onerosa do direito de
construir:

A licença para o proprietário construir acima do coeficiente de


aproveitamento é ato administrativo vinculado. É ato administrativo na
medida em que é manifestação de vontade da Administração Pública
municipal. Ademais, é vinculado, ou seja, se o terreno estiver em área urbana
descrita pelo plano diretor passível dessa espécie de intervenção urbanística e
se atendidas as demais exigências, a licença deve ser outorgada, sob pena de
restar caracterizado abuso de direito. Essa licença pode ser definida como o
ato administrativo concreto, de natureza vinculada, pelo qual a Administração
Pública municipal outorga, ao proprietário de imóvel situado em área descrita
no plano diretor como sujeita ao regime de outorga onerosa do direito de
construir acima do coeficiente de aproveitamento indicado para essa área.
(grifo nosso).

Na mesma trilha está Carvalho Filho (2005, p. 196):

A despeito de, numa primeira visão, a denominação do instituto induzir a


raciocínio diverso, o certo é que na outorga onerosa haverá a mesma
vinculação, vale dizer, mesmo quando o direito de construir for pretendido
além dos limites do coeficiente básico de aproveitamento, continuará
militando em favor do interessado a presunção de que a construção é
compatível com a ordem urbanística, como ocorre no direito de construir
dentro do coeficiente básico.
A razão é simples: a partir do momento em que as áreas nas quais se
possibilita exercer tal direito estejam previstas no plano diretor, como
estabelece o art. 28 do Estatuto, constitui direito subjetivo do proprietário
erigir sua construção dentro dos limites estabelecidos na lei. Portanto, não
poderá a Administração denegar-lhe essa pretensão. Cuida-se de direito
subjetivo instituído por lei [...].

Segundo este último raciocínio, se o Plano Diretor e lei específica


municipal especificaram as áreas sujeitas ao instituto, a forma e requisitos de sua
concessão, o tipo e o quantum da contrapartida ou isenção, o estoque por área, e, uma
vez verificado que houve total enquadramento aos termos mencionados, não existem

39
razões para se negar o ato de outorga. Diante disto, acaba por categorizar o ato
administrativo de outorga do direito de construir como vinculado.
No entanto, não se pode concordar com esta posição. Já foi dito
que o solo criado encontra-se no Estatuto da Cidade como um instrumento jurídico e
político de efetivação da política urbana. Sendo assim, deverá estar em consonância
com o plano urbanístico. No entanto, admite-se que nenhum plano é infalível ao ponto
de afastar eventual equívoco ou imprevisão.
As autoridades municipais e os técnicos envolvidos no
planejamento não devem conceber o Plano Diretor como um fim em si mesmo, mas
como um instrumento, veículo de identificação da realidade urbana, que propõe
mecanismos de alterações ou manutenções desta realidade, conforme o caso,
objetivando o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantindo o
bem-estar de seus habitantes.
De acordo com as peculiaridades de cada município, de cada área
ou região, serão necessários mecanismos distintos para solucionarem os problemas
existentes. O Plano Diretor não é mera formalidade legal, deve estar sensível a tudo
isto, para que assim, possam ser previstos quais os tipos de instrumentos que irão
atender a específica necessidade.
Dependendo da peculiaridade do Município, poderá optar pela
instituição ou não de determinados instrumentos, entre eles, o solo criado.

Desde logo, verifica-se que, em face da realidade municipal analisada, a


concepção, estruturação e dimensionamento dos aludidos instrumentos será
diversa. Não há que se falar, necessariamente, na aplicação efetiva de todos os
instrumentos incondicionalmente por todos os municípios. É preciso ter
presente que a norma do art. 30 e seus incisos da Constituição Federal garante
ao Município “legislar sobre assuntos de interesse local”. A vetusta norma
constitucional não só garante efetivamente o princípio da autonomia
municipal, em seus vários aspectos, mas, inclusive, serve para diagnosticar e
implementar, como bem lhe aprouver, a concretização dos instrumentos
urbanísticos. Haverá município que, por suas dimensões geográficas e
econômicas, não necessitará desse ou daquele instrumento urbanístico.
(CEPAM, 2001, p. 319-320)

O mesmo se diz em relação à aplicação do solo criado, seja no


momento da sua escolha como instrumento normativo que irá compor o Plano Diretor,
bem como da conveniência e oportunidade para emissão do ato administrativo da sua
outorga, se já previsto no Plano Diretor como instrumento da Política Urbana.

40
Frisamos nosso entendimento, no sentido de que há
discricionariedade tanto no momento da avaliação política quanto à adoção ou não
deste instituto, da forma e extensão na previsão normativa, bem como há
discricionariedade no momento da emissão do ato administrativo da outorga onerosa.
Fala-se em discricionariedade para o legislador municipal. O
Estatuto da Cidade estabeleceu um quadrante normativo, no âmbito das normas gerais
de fixação de diretrizes do instituto do solo criado. Por outro lado, deixou vários pontos
a serem preenchidos pela legislação municipal, tal com fixação de índices, estipulação
do “quantum” da contrapartida e outros, conforme as peculiaridades do Município.
Em relação ao ato administrativo da outorga onerosa, também
defendemos sua natureza discricionária. Não se pretendendo delongar no conceito de
discricionariedade, por suplantar o objetivo deste trabalho, é válido adotar, por ora, o
ensinamento de Celso Antonio Bandeira de Mello (2003, p. 09; 48):

Haveria atuação vinculada e, portanto, um poder vinculado, quando a norma a


ser cumprida já predetermina e de modo completo qual o único possível
comportamento que o administrador estará obrigado a tomar perante casos
concretos cuja compostura esteja descrita, pela lei, em termos que não ensejam
dúvida alguma quanto ao seu objetivo reconhecimento. Opostamente, haveria
atuação discricionária quando, em decorrência do modo pelo qual o Direito
regulou a atuação administrativa, resulta para o administrador um campo de
liberdade em cujo interior cabe interferência de uma apreciação subjetiva sua
quanto à maneira de proceder nos casos concretos, assistindo-lhe, então, sobre
eles prover na conformidade de uma intelecção, cujo acerto seja irredutível à
objetividade e ou segundo critérios de conveniência e oportunidade
administrativa. Diz-se que, em tais casos, a Administração dispõe de um
“poder” discricionário.
[...] Discricionariedade, portanto, é a margem de liberdade que remanesça ao
administrador para eleger, segundo critérios consistentes de razoabilidade, um,
dentre pelo menos dois comportamentos cabíveis, perante cada caso concreto,
a fim de cumprir o dever de adotar a solução mais adequada à satisfação da
finalidade legal, quando, por força da fluidez das expressões da lei ou da
liberdade conferida no mandamento, dela não se possa extrair objetivamente,
uma solução unívoca para a situação vertente.

Além das normas urbanísticas, o contexto fático também irá


condicionar o ato administrativo da outorga onerosa do direito de construir. Não dá
para a norma prever abstratamente todas as condições para a outorga onerosa do direito
de construir, razão pela qual deixa à apreciação da autoridade competente qual será a
melhor medida.
Isto não caracteriza, em hipótese alguma, um poder arbitrário,
ilimitado por parte da autoridade competente. Plano Diretor e norma municipal

41
específica deverão prever os critérios a serem considerados no momento da apreciação
do requerimento de outorga onerosa do direito de construir. Estes critérios deverão, por
sua vez, afinar com os objetivos da política urbana.
Desta assertiva, dois pontos merecem esclarecimentos: 1) quais
serão estes critérios?; 2) quais serão os objetivos da política urbana a serem perseguidos
pelo solo criado?
Em relação à primeira indagação, a resposta insere-se no campo
do poder discricionário do legislador municipal. Substitui-se o problema? Há de se
dizer que no momento da criação do solo criado no Plano Diretor e no momento da
criação da norma municipal específica, deverão ser analisadas as peculiaridades de
cada Município e assim, fixá-los em sintonia com a realidade que lhe serviu de
substrato. Desta forma, fica difícil estabelecer aqui quais seriam os critérios específicos
a serem observados, pois cada realidade moldará o tipo ideal.
O certo é que todos deverão perseguir os objetivos da política
urbana. Admitimos que, ao dizer que os objetivos da política urbana se fundam no
“bem estar social de seus habitantes”, na “finalidade pública” em nada esclarece o
problema, pois estaríamos utilizando termos vagos por demais, com imprecisão
semântica que impossibilitaria vislumbrar-se, pelo menos, a idéia do que se pretende
com referida política. A parte final do “caput” do art. 182, também possui referido
conceito jurídico indeterminado: “tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento
das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes”.
Embora contenha uma imprecisão semântica, não são termos
ocos, tendo um norte, que nos faz inferir um conteúdo possível à luz das circunstâncias
reais do caso concreto. Em relação específica ao solo criado, considerando seus
elementos fundamentais, como instrumento jurídico e político da política urbana, pode-
se de antemão expressar os objetivos por ele visados, que serão vistos adiante, cabendo
agora somente o elenco: a) promover o ordenamento adequado da cidade, evitando-se o
adensamento das áreas em face de novas construções; b) servir de instrumento de
isonomia, na justa distribuição dos ônus e benefícios da atividade urbanística; c) servir
como instrumento de correção ou redução das externalidades negativas do mercado
imobiliário.
Se da aplicação do instrumento do solo criado resultar no

42
sacrifício destas metas, a autoridade deverá negar o pedido de outorga. Para tanto,
deverá motivar expressamente sua decisão, com base nas circunstâncias do caso
concreto, explicitando as previsões do plano em antinomia com a realidade posta no
momento da outorga, prejudicial aos preceitos da Política Urbana.
Demais, quanto mais se executa o plano urbanístico, mais ele se
torna obsoleto. Como o desenvolvimento urbano é mutante, o que se planejou ontem
como ideal, hoje poderá ser prejudicial, em virtude da alteração da realidade que lhe
serviu de base ao planejamento.
Assim, deve-se tomar a devida cautela no momento da concessão
da outorga onerosa do direito de construir, ao se verificar se é útil ou prejudicial a
aplicação do instituto do solo criado. O Plano Diretor e demais normas urbanística
possuem caráter dinâmico. A Política Urbana pode fracassar se houver aplicação cega
do plano, sem se perscrutar, a cada momento de sua aplicação, sobre a subsunção do
plano à realidade.
Se houve alteração dos pressupostos fáticos considerados pelo
plano, em face da nova realidade, posta em análise no momento da outorga, não há
como aplicá-lo formalmente, sob pena de se desvirtuar dos objetivos e dos
fundamentos de determinado instrumento urbanístico. Em suma: não se aplica o mesmo
instrumento, para necessidade diversa, ou seja, se a “ratio” é outra, outro deve ser o
instituto aplicado.
Em virtude destes argumentos, não há como sustentar que a
outorga onerosa do direito de construir possua natureza vinculada. Encará-la como tal é
um erro, que poderá comprometer o ordenamento adequado da cidade e a consecução
de sua finalidade social.
Ilustrando, temos a seguinte hipótese: um Município instituiu em
seu Plano Diretor e Lei Municipal Específica o instrumento do solo criado; tomou por
base a infra-estrutura existente em determinada área e seu entorno, bem como o
adensamento provável (§ 3 , do art. 28, do Estatuto da Cidade), fixando o coeficiente
de aproveitamento máximo e respectivo estoque para a zona. Por meio da lei específica
aludida, determinou as condições a serem observadas para a outorga, a forma do
cálculo para sua cobrança e a contrapartida do beneficiário.
Passado um tempo, referida zona e seu entorno adensou-se mais

43
que o previsto, tanto pelo volume quanto pelo período esperados, acarretando
congestionamentos nas ruas e transtornos decorrentes da falha na prestação dos
serviços públicos em geral. Esta situação poderia não ter sido prevista, seja pela própria
impossibilidade de vislumbrá-la, seja pela falha do planejamento. Perante esta situação,
seria correto exigir da autoridade responsável conceder novas outorgas? Isto não iria
agravar mais ainda o problema?
Não se trata de apologia ao descumprimento das normas de
cunho urbanístico. Frisa-se que a atividade urbanística está calcada no princípio da
legalidade, contudo, o que se pretende, de fato, é assegurar a finalidade da Política
Urbana, bem como todos os demais princípios correlatos a esta atividade. No caso,
acima de qualquer interesse individual, prevalece o interesse público.
Na gestão e controle do desenvolvimento urbano, as autoridades
e técnicos envolvidos, freqüentemente se deparam com o inesperado ou com fatores
negativos que acabam se desenvolvendo de forma mais célere que o estimado. Por isto,
esta preocupação não é ignorada pelas legislações.
Exemplo disto é o Plano Diretor de São Paulo (Lei nº 13.430, de
13/09/2002), que no art. 212, §§ 3º e 4º, exige monitoramento freqüente sobre o
impacto na infra-estrutura e no meio ambiente, decorrente da concessão da outorga do
potencial construtivo adicional, e, caso este monitoramento constate que haja uma
tendência de saturação da ocupação de determinada área da Cidade, no período de um
ano, a concessão da outorga onerosa do potencial construtivo adicional e a
transferência do direito de construir poderão ser suspensas, no prazo de 180 (cento e
oitenta) dias, por meio de Decreto do Executivo.
Este posicionamento está em sintonia com o princípio da coesão
dinâmica, implícito ao planejamento urbano. Daniela Campos Libório Di Sarno (2004,
p. 51) explica que:

O princípio da coesão dinâmica surge justamente para que as modificações


feitas pelas interferências urbanísticas sejam continuadas por ações que
tenham pertinência e nexo com o contexto. As mesmas prioridades, o mesmo
enfoque deverá se dado para as ações urbanísticas de um certo local em certo
tempo. A dinâmica do planejamento é fundamental para a eficácia deste
princípio. Na medida em que certo plano seja aplicado, ele vai se
desatualizando com relação ao seu objeto, justamente por transformá-lo.
Assim, o plano deverá prever mecanismo de revisão e atualização de seu
conteúdo. É a coesão dinâmica.

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Se este princípio parte da premissa, já constatada, de que a
própria aplicação do plano altera a realidade, demandando a alteração do planejado,
pela mesma razão poderá deixar de se outorgar o direito de construir (ou seja, aplicar o
solo criado), caso se verifique que este ato não mais se coaduna com o interesse
público. Não quer dizer que a autoridade tenha um poder arbitrário. Há sim um poder
discricionário, em que se exige a devida motivação do ato denegatório da outorga.
Como dispositivos que concretizam aludidos princípios, temos,
também, o § 3º, do art. 40, do Estatuto da Cidade, que obriga a revisão do Plano Diretor
pelo menos a cada 10 (dez) anos, ao passo que no inciso III, do art. 42, do mesmo
Estatuto, dispõe que o plano diretor deverá conter, no mínimo, sistema de
acompanhamento e controle.
Foi dito alhures que muitos municípios no Brasil, mesmo antes
do advento do Estatuto da Cidade, já dispunham nas suas legislações acerca do solo
criado. No entanto, apesar da doutrina e Carta de Embu terem delineado aludido
instituto, posicionou-se no sentido de que havia inconstitucionalidade na sua
implantação, somente com base na legislação municipal, sem que houvesse prévia Lei
Federal que o regulamentasse.
Bastos (1993, p. 223-224), em parecer acerca do projeto de Lei
do Plano Diretor do Município de São Paulo, emitido em 25 de março de 1991,
concluiu haver inconstitucionalidade da previsão de instrumentos da política urbana,
fundando-se na necessidade de prévia lei federal:

O projeto sob comento em muitos pontos é inconstitucional por precipitação.


É dizer, por ter se adentrado por questões que a Lei Magna da República
exige uma prévia normatividade federal. No sempre citado artigo 182, já é
feita uma primeira referência à lei federal quando fica estatuído que a política
de desenvolvimento urbano, nada obstante executada pelo Poder Público
Municipal, há de obedecer às diretrizes gerais fixadas em lei federal. Idéia que
vem reforçada pelo § 4º, do mesmo artigo que ao autorizar a exigência da
promoção do adequado aproveitamento da propriedade deixa certo que tal
medida só pode ser levada a efeito se antecedida de lei federal.

A definição jurídica do instituto do solo criado e requisitos de


sua outorga implica diretamente no campo de definição e conformação do direito de
propriedade. Sendo assim, as normas gerais definidoras do instituto, inegavelmente,
devem ser legisladas pela União, em virtude de sua competência privativa, nos termos
do art. 22, inciso I, da Constituição Federal.
45
É que somente à União compete definir, por meio de lei geral,
cada instrumento de consecução da Política Urbana, segundo inciso IX, do art. 21,
cumulado com art. 24, inciso I, § 1º e art. 182, caput.
Foi o que fez, por meio do Estatuto da Cidade, estando superada
esta controvérsia jurídica, definindo-se o instituto do solo criado e regulamentando os
requisitos elementares para sua outorga.
A partir daí, o Município passou a ser encarado como principal
agente da Política Urbana. De acordo com o art. 30, inciso I e II, cumulado com art.
182, §§ 1º e 2º, da Constituição Federal, a ele compete executar a Política de
desenvolvimento urbano, utilizando-se do Plano Diretor como instrumento básico.

Atente-se, ainda, para o poder expressamente concedido ao município para


promover o adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e
controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano, preceituado
no art. 30, inciso VIII, da Constituição Federal, sem se esquecer da
competência municipal para executar a política de desenvolvimento urbano,
com o objetivo de ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da
cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes. (CEPAM, 2005, p. 24)

Embora já houvesse previsão desta competência, desde a


promulgação da Constituição Federal de 1988, somente com a instituição das normas
gerais por parte da União, ou seja, do Estatuto da Cidade, possibilitou ao Município
assumir juridicamente esta incumbência constitucional.

O Município deve estar preparado ou preparar-se para essa missão


constitucional que lhe incumbe através da Lei 10.257/2001. Sua condição de
ente federativo torna-o mais responsável em face da Política Urbana porque,
mesmo atuando na esfera local, ele deverá responder pelo bom êxito de uma
política nacional, naquilo que lhe toca. É o caso de se recordar que o
Município, embora “parte” da Federação, tem a missão do “todo” (a União),
uma vez que estão em jogo os interesses maiores da nação. (MILARÉ,
2004, p. 631).

Para que o Município cumpra sua missão constitucional,


utilizando-se do solo criado como instrumento da Política Urbana, deverá observar a
estrutura normativa necessária. Em suma, deverá conciliar a Constituição Federal, o
Estatuto da Cidade, o Plano Diretor Municipal juntamente com a Lei de Zoneamento e,
por fim, a Lei Municipal Específica.
Pela Constituição Federal institui-se a Política Urbana, dispõe

46
sobre seus princípios e objetivos, além de estabelecer a competência municipal para seu
desenvolvimento. O Estatuto da Cidade regulamenta a Constituição Federal quanto a
esta matéria, estabelecem-se as diretrizes gerais, fundamentos e finalidades da Política
Urbana. Para tanto, ele ainda define os diversos instrumentos que atuam no
planejamento, gestão e controle de referida política.
O Plano Diretor, por sua vez, é o instrumento básico da política
de desenvolvimento e de expansão urbana1. Nele se farão constar:
a) Os aspectos físicos, econômicos e sociais atuais e os desejados pela sociedade, com
mecanismos que visem alterar a realidade presente, na busca de uma melhor qualidade
de vida da população, propiciando o exercício de seus direitos básicos, tais como
moradia, transporte público, saneamento básico, saúde, educação, lazer e trabalho
(consoante o art. 182, § 1º, da Constituição Federal);
b) Planejamento do desenvolvimento urbano, explicitando os objetivos básicos da
política urbana (consoante o art. 30, VIII, da Constituição Federal e o art. 4º, III, a, do
Estatuto da Cidade), estabelecendo diretrizes a serem observadas pelo proprietário da
terra urbana, para que se possa cumprir a função social, obstaculizando seu uso nocivo;
c) Previsão do instituto do solo criado, fixando as áreas onde será aplicável;
d) Coeficiente de aproveitamento básico único para toda zona urbana ou, se for o caso,
diferenciado para áreas específicas na zona urbana (questão controvertida, que será
vista adiante);
e) Definição dos limites máximos a serem atingidos pelo coeficiente de
aproveitamento, considerando a “proporcionalidade entre a infra-estrutura existente e
aumento de densidade esperada em cada área” (§ 3º, do art. 28, do Estatuto da Cidade).
Importante observar, ainda, a forma de positivação do Plano
Diretor. Para a aprovação do Plano Diretor, deverão ser observados os procedimentos
previstos no Estatuto da Cidade, no art. 40, § 4º, incisos I ao III, consistentes em
“audiências públicas e debates com a participação da população e de associações
1
José Afonso da Silva, em parecer sobre “Aspectos Relevantes da Lei nº 13.260/01 – Operação Urbana
Água Espraiada”, sob a organização da EMURB – Empresa Municipal de Urbanização e Centro de
Estudos Jurídicos da Procuradoria Geral do Município de São Paulo – CEJUR, emitido em data de 04, de
abril, de 2002, explica que: “O sistema de planos urbanísticos concebido pela Constituição e agora
consolidado no Estatuto da Cidade se assemelha ao sistema italiano que agrupa os planos urbanísticos em
duas categorias: planos urbanísticos gerais e planos urbanísticos especiais. O plano diretor é o plano
geral do sistema brasileiro. É assim que a Constituição o concebe quando estatui que o plano diretor é o
instrumento básico da política de desenvolvimento e expansão. [...] É plano, porque estabelece os
objetivos a serem atingidos. É diretor, porque fixa as diretrizes do desenvolvimento urbano municipal”.

47
representativas dos vários segmentos da comunidade”; “publicidade quanto aos
documentos e informações produzidos” e “acesso de qualquer interessado aos
documentos e informações produzidos”.
A inobservância deste procedimento é causa de nulidade, a ser
declarada pelo Judiciário. Não é mera formalidade, mas mecanismo de controle por
parte da sociedade civil, sendo garantia da gestão democrática da cidade. Na audiência
pública deverão ser registradas em ata todas as sugestões.
As autoridades municipais não têm obrigação de incluir o
instituto do solo criado no Plano Diretor, como instrumento da política urbana. Tudo
irá depender de sua necessidade peculiar. É mais freqüente sua inclusão nos grandes
centros, nas capitais, onde o problema do adensamento populacional e escassez da
infra-estrutura urbana são maiores.
Contudo, se na audiência pública houver sugestão no sentido de
instituir o solo criado, o não acatamento demandará expressa motivação. As sugestões
deverão ser apreciadas quanto à conveniência e oportunidade na elaboração do Plano
Diretor. O ato discricionário que não acatar referidas sugestões demandará expressa
motivação, sob pena da exigência da participação popular tornar-se inócua, mera
formalidade, desprovida de propósitos.
A falta do Plano Diretor impede a instituição do solo criado.
Nesta hipótese, não haveria fixação do coeficiente básico e máximo de aproveitamento
(§§ 2º e 3º, do art. 28, do Estatuto da Cidade), e, por conseguinte, imposição de limites
normativos expressos ao exercício do direito de construir.
Se o direito de propriedade é resultado do plexo de normas que
ditam seu regime jurídico, o que dizer, neste caso, da ausência do Plano Diretor e de
fixação dos aludidos índices? Carvalho Pinto (2005, p. 280-281) nos responde,
socorrendo-se à teoria alemã do princípio da vinculação situacional:

Se o conteúdo da propriedade urbana é definido pelos planos urbanísticos,


como se caracteriza este conteúdo nas cidades que não dispõem de planos em
vigor? O princípio da vinculação situacional é utilizado pela doutrina alemã
para determinar o regime jurídico das áreas que não estejam sujeitas a nenhum
plano de ordenamento territorial ou limitação setorial. Admite-se que seu
regime normal é o que corresponde à manutenção da situação existente.
[...] Os terrenos não edificados, mas dotados de infra-estrutura, podem receber
edificações semelhantes às existentes em seu entorno [...] Admite-se apenas
uma edificabilidade limitada, em harmonia com a utilização atualmente
praticada [...].

48
Não entendemos que possa o Judiciário, na ausência de previsão
do solo criado no Plano Diretor, exigir das autoridades sua inclusão. Se forem
observados todos os trâmites legais exigidos para a elaboração do Plano Diretor e se
optou por não instituí-lo, não poderá o Judiciário usurpar a função do Executivo, que
teve a iniciativa do projeto e do legislativo, que deliberou a respeito. Não há de se falar,
no presente caso, de ausência de política urbana. Esta fora instituída com o perfil
adequado à realidade.
A ausência do instituto, no caso, não pode ser considerada como
omissão ou negligência das autoridades que elaboraram o planejamento urbano, mas
sim, fora opção de não consagrá-lo como instrumento, preferindo outros em face da
peculiaridade local.
Ainda quanto ao arcabouço legislativo necessário para a
instituição do solo criado, não devemos olvidar da importância da Lei de Zoneamento,
que, a despeito de ser norma distinta do Plano Diretor, integra-o, por meio do
mapeamento e fixação dos limites territoriais das diversas áreas urbanas, bem como seu
respectivo regulamento. Em relação ao solo criado, a Lei de Zoneamento exerce seu
papel em conjunto com o Plano Diretor, ao estabelecer um zoneamento rigoroso,
delimitando as áreas urbanas, fixando as dimensões mínimas dos lotes e, por fim,
classificando os tipos de uso permitidos para cada área.
Por fim, de acordo com expressa previsão do art. 30, do Estatuto
da Cidade, para instituir o solo criado é necessário criar lei específica, que irá tratar das
condições a serem observadas para a outorga onerosa; da espécie e “quantum” da
contrapartida; da fórmula de cálculo para a cobrança da contrapartida e dos casos
passíveis de isenção do pagamento da outorga.
Pensamos que o objetivo de se exigir “lei específica” prende-se à
razão de proporcionar maior flexibilidade na sua instituição, respondendo às
circunstâncias, possibilidades, objetivos e interesses públicos do momento e de cada
área. Se tudo fosse previsto abstratamente no Plano Diretor, para toda e qualquer
ocasião, haveria um distanciamento muito grande das reais necessidades, das
peculiaridades e condições que orientarão a concessão da outorga do direito de
construir, por parte do Poder Público Municipal.

49
4 COEFICIENTE DE APROVEITAMENTO BÁSICO E
COEFICIENTE DE APROVEITAMENTO MÁXIMO

O coeficiente de aproveitamento é definido no § 1º, do artigo 28,


do Estatuto da Cidade, como a relação entre a área edificável e a área do terreno. De
acordo com Eros Roberto Grau (1983, p. 56), "o coeficiente de aproveitamento
expressa a relação entre a área construída (isto é, a soma das áreas dos pisos utilizáveis,
cobertos ou não, de todos os pavimentos de uma edificação) e a área total do terreno em
que a edificação se situa".
Criou-se a figura do coeficiente de aproveitamento para regular e
controlar a densidade das edificações. Por exemplo: se um terreno possui duzentos e
cinqüenta metros quadrados, será permitida a construção na extensão de quinhentos
metros quadrados se o coeficiente de aproveitamento fixado for “2”.
O coeficiente de aproveitamento qualificado como “básico” pelo
Estatuto da Cidade, no caput do art. 28 e seu § 2º, é o potencialmente explorável sem
que haja necessidade de outorga onerosa do direito de construir pelo Poder Público.
Abaixo ou igual a este coeficiente básico, somente se requer a licença para construir,
dispensando-se a outorga onerosa do direito de construir e prestação de contrapartida
ao Município.
Em outros termos, o coeficiente de aproveitamento básico é um
índice que serve de marco distintivo da titularidade do direito de construir sobre certo
imóvel. Abaixo ou igual a ele há o direito de construir inerente ao direito de
propriedade, onde seu titular é o mesmo do direito de propriedade, ao passo que, acima
dele, o direito de construir pertence à coletividade.
Neste último caso, somente poderá ser exercido o direito de
construir se houver concessão da outorga ao Poder Público Municipal e o particular
prestar uma contrapartida. Também será possível, consoante norma municipal, adquirir
o potencial construtivo de outro particular. Porém, este direito que fora transferido, tem
por origem a outorga, não se dispensando o controle e ratificação de seu exercício, por
parte do Município.
Nos termos do § 2º, do art. 28, do Estatuto da Cidade, o

50
coeficiente de aproveitamento básico, fixado no Plano Diretor, poderá ser único para
toda a zona urbana, bem como poderá ser distinto para áreas específicas dentro da zona
urbana. Portanto, coeficiente de aproveitamento básico não se confunde com
coeficiente único.
A estipulação de coeficiente de aproveitamento básico
diferenciado pelo Plano Diretor poderá configurar uma situação de iniqüidade, de
desrespeito ao princípio da isonomia, estimulando, inclusive, a especulação imobiliária.
Constata o mesmo problema Júlia Verna Ferreira de Souza (et al.,
1991, p. 161-162), apregoando-se a adoção de coeficiente único como solução:

[...] o índice de aproveitamento, como já referido, tem se mostrado, por si só,


mecanismo insuficiente para o efetivo e racional controle do uso do solo
urbano.
Com efeito, sendo variável, isto é, havendo diferentes coeficientes de
aproveitamento em diferentes zonas, os terrenos cujo o coeficiente de
aproveitamento for maior, terão, como conseqüência, uma maior valorização,
enquanto os terrenos de coeficiente menor sofrerão uma queda de valor. Vale
dizer, os terrenos valorizam-se ou depreciam-se em decorrência do volume de
construção que poderão suportar em função do coeficiente de aproveitamento.
Trata-se de situação iníqua, atentatória do princípio da igualdade, já que dá
tratamento desigual aos proprietários de terrenos que, assim, aleatoriamente,
ganham ou perdem.
[...] O que se pretende, então, para corrigir a distorção a pouco assinalada é,
exatamente, o estabelecimento de um coeficiente único, de tal forma que o
direito de construir do proprietário encontre seus limites nesse mesmo
coeficiente único. A construção que venha exceder esse coeficiente será solo
criado.

No mesmo diapasão Barreira (et al., 1998, p. 27):

Em geral, estabelecem-se índices diferenciados para as diferentes zonas,


procedimento este que, se por um lado demonstra-se razoável em razão dos
objetivos urbanísticos, por outro perpetra regalias incompatíveis com o
princípio isonômico, pois importa em propiciar valorização superior àqueles
terrenos aos quais incidam coeficientes maiores. Chegou-se, assim, à idéia da
fixação de um coeficiente único, cuja superação constituiria solo criado.

O solo criado idealizado pela Carta de Embu previu somente o


“coeficiente único de edificação para todos os terrenos urbanos”. A previsão de
coeficiente “diferenciado para áreas específicas dentro da zona urbana” positivou-se
por meio do mencionado § 2º, “in fine”, do art. 28, do Estatuto da Cidade.
Conclui-se que seria melhor se o próprio Estatuto da Cidade
tivesse fixado o coeficiente de aproveitamento básico e único para todos os municípios,

51
garantindo o mínimo de conteúdo ao direito de propriedade. Isto porque é a União o
ente da federação competente para esta matéria, nos termos do inciso I, do art. 22, da
Constituição Federal. No entanto, a fixação de índice de aproveitamento acima deste
patamar básico possui cunho urbanístico, de competência municipal.
É o que fez a França por meio da Lei nº 75-1.328 de 31 de
dezembro de 1975 (“Plafond Legal de Densité”), que instituiu coeficiente construtivo
correspondente a “1” para todo o território francês, enquanto que, para a região de Paris,
fixou-se o coeficiente de “1,5”.
Não se tem pela Constituição da República Federativa do Brasil
de 1988 o conteúdo exato do direito de propriedade. Ela o reconhece e o condiciona a
uma função social, segundo visto anteriormente. Contudo, a dificuldade é de se saber
decifrar e entender o conceito jurídico indeterminado da “função social da propriedade”.
A despeito desta imprecisão, há como compreendê-lo em face da
realidade de cada Município. O art. 182, § 2º, estatui que a “propriedade urbana cumpre
sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade
expressa no plano diretor”. Portanto, será o Plano Diretor que determinará referido
conceito da função social, da maneira que melhor satisfaça o interesse local, respeitado
o direito fundamental do conteúdo mínimo da propriedade.
Para que o Município elabore seu Plano Diretor, como
instrumento básico da política de desenvolvimento e de expansão urbana (art. 182, § 1º,
C.F./88), prevendo o solo criado, inclusive, como instrumento de sua consecução, deve
existir prévia lei federal que disponha sobre as diretrizes gerais de referida política.
Embora o Estatuto da Cidade não tenha já fixado o coeficiente de
aproveitamento básico, seria um erro afirmar, categoricamente, que toda e qualquer
fixação deste índice pelo Município desemboca na inconstitucionalidade.
Esta conclusão dependerá da forma como foi instituído. Para se
preservar a constitucionalidade do instituto do solo criado, é evidente que o Poder
Público Municipal não poderá prescindir da razoabilidade, restringindo demasiadamente
o exercício do direito de construir, fixando coeficiente e aproveitamento básico
restritíssimo, que leve ao esvaziamento do direito de propriedade. Deve-se reservar um
mínimo possível de coeficiente construtivo ínsito ao direito de propriedade, que faculte
ao seu titular o exercício deste direito.

52
Segundo Bastos (1993, p. 214), o conteúdo do direito de
propriedade pode ser retirado do próprio sistema constitucional:

É certo que a própria Constituição não explicita a substância deste direito. Isto,
contudo, não significa que tenha utilizado uma palavra oca cuja significação
fique inteiramente ao talante da legislação ordinária. Embora com nuanças, em
todos os países onde a propriedade privada é consagrada, há um núcleo de
prerrogativas asseguradas e tidas como um componente mínimo de sua
essência.

Como frisado anteriormente, almejando-se conferir maior


segurança jurídica e evitar agressão à propriedade (e inconstitucionalidade), o ideal é
respeitar o mínimo de fruição natural da propriedade, ou seja, o volume natural da área
do terreno, por meio da fixação de coeficiente de aproveitamento básico “1”.
Este também é o entendimento de Silva (1981, p. 311):

[...] a fixação do coeficiente de aproveitamento único iguala esta equação


econômica. Esse coeficiente único pode ser qualquer um, mas o mais lógico e
razoável consiste no coeficiente de aproveitamento correspondente a 1 (um), o
que equivale a reconhecer a todo o proprietário de terreno o direito de erguer
nele uma construção correspondente, em metros quadrados, a tantos metros
quadrados quantos ele tiver, ou seja, cada metro quadrado de terreno lhe dará o
direito de construir um metro quadrado de edificação, coeficiente esse que
poderá ser utilizado totalmente ou não, respeitados evidentemente os demais
índices urbanísticos previstos para a zona.
Para construir nesse limite, o interessado precisará apenas de obter a
correspondente licença da Prefeitura, tal como ocorre atualmente para toda a
construção.

Se por razões outras não for possível respeitar o coeficiente


básico fixado no volume da área do terreno, tal como ocorre no imóvel tombado, é
justo que se compense o proprietário por meio do instituto da “transferência do direito
de construir”, previsto no art. 35 do Estatuto da Cidade.
O critério que deve guiar o legislador na fixação do coeficiente
de aproveitamento básico é o interesse público visado pela política urbana, atentando-
se ao princípio da igualdade, impessoalidade, moralidade e eficiência (artigos 5º e 37,
“caput”, da Constituição Federal). Será legítima esta interferência legislativa se o ato
político de decisão estiver pautado em justificativas de ordem técnica, juridicamente
motivada, para evitar desigualdades e favoritismos. Ressalta-se, neste momento, a
importância da participação popular nas audiências públicas, como forma de controle.
Marques Neto (et al., 2002, p. 236) defende que o coeficiente de

53
aproveitamento básico deverá observar três parâmetros, a saber:

O primeiro é ditado pelo princípio da impessoalidade, de modo a interditar o


estabelecimento de coeficientes básicos que onerem ou desonerem,
imotivadamente, indivíduos específicos ou situações particulares. O segundo,
decorrente do princípio da finalidade, traduz-se na adstrição dos critérios para
estabelecimento do ou dos coeficientes básicos de aproveitamento a partir das
razões urbanísticas balizadoras do plano diretor. Por fim, há que se ter em
conta que a fixação do coeficiente básico não poderá ser tal que sirva para
desnaturar o direito de propriedade, condicionando toda a edificação à
obtenção de outorga onerosa do direito de construir pelo proprietário.

O coeficiente de aproveitamento básico é distinto da taxa de


ocupação. Os dois devem ser aplicados, conjuntamente, como forma de disciplina do
ordenamento do solo urbano, mas, enquanto o primeiro controla a densidade das
edificações, o segundo disciplina o espaço entre as elas.
Grau (1983, p. 56) define a taxa de ocupação como a “[...]
relação entre a área ocupada (isto é, a projeção em plano horizontal da área construída
acima do nível do solo) e a área total do terreno”. Dimensiona a extensão da área acima
da superfície do solo que poderá ser ocupada pela construção. Infere-se daí que o índice
máximo da taxa de ocupação é “1”, corresponde a toda área do lote.
A propósito, Silva (1997, p. 228) esclarece que:

[...] taxa de ocupação e o coeficiente de aproveitamento (também denominado


de índice de ocupação e índice de utilização, respectivamente) são dois
instrumentos básicos para definir uma distribuição eqüitativa e funcional de
densidades (edilícia e populacional) compatíveis com a infra-estrutura e
equipamentos de cada área considerada. Pelo primeiro desses índices
urbanístico, estabelecem-se os limites de ocupação do terreno, isto é, define-
se a área do terreno que será ocupada pela edificação. Equivale, pois, à
superfície de terreno edificável. Pelo segundo, define-se o grau de
aproveitamento do terreno, isto é, fixa-se a quantidade de edificação, em
metros quadrados, que pode ser construída na superfície edificável do terreno.

Segundo Barreira (et al., 1998, 26-27):

A taxa de ocupação refere-se a área do terreno que poderá ser utilizada para a
construção. Significa dizer que, se por hipótese for fixada a taxa de 0,3, a
construção poderá ocupar 30% da projeção horizontal do terreno. Esse fator,
portanto, jamais será superior a 1 e, via de regra, aproxima-se de 0,5 (50% do
terreno); a utilização é controlada através de coeficiente de aproveitamento,
que é a relação entre área do lote e o total de construção. Uma área de
1.000m2 localizada em zona onde o coeficiente é 2 poderá receber construção
de até 2.000m2. A primeira, pois, indica o espaço que a edificação ocupa do
terreno e o segundo, a sua densidade.

54
O Estatuto da cidade refere-se ao coeficiente de aproveitamento
máximo, no § 3º, do art. 28, que remete ao Município a fixação dos limites máximos
daquelas construções que ultrapassem o coeficiente de aproveitamento básico. Este
índice é o teto admitido para construção oriunda da outorga onerosa do direito de
construir. Em outras palavras, o coeficiente de aproveitamento máximo é o volume
máximo de construção permitido para o solo criado, de acordo com previsão do Plano
Diretor. A fixação do coeficiente de aproveitamento máximo é de competência
municipal, sendo um típico índice urbanístico.
Para que seja estabelecido este coeficiente máximo, no momento
da elaboração do Plano Diretor, os técnicos e autoridades municipais deverão tomar por
base a proporcionalidade entre a infra-estrutura existente e o aumento de densidade
esperada em cada área.
Segundo Carvalho Filho (2005, p. 201):

[...] É de grande relevância prognosticar referida adequação. Se a demanda


atual e a projetada, resultantes da construção, forem de tal ordem que a infra-
estrutura local não possa atende-las, será necessário impedir esse tipo de
construção. Como é sabido, vários gravames de ordem urbanística poderão
atingir moradores e usuários da área.
Desse modo, não há como deixar de averiguar se os serviços componentes da
infra-estrutura poderão dar suporte à demanda oriunda da construção. De fato,
o aumento exagerado de moradores, ou de usuários, pode acarretar
indesejável colapso na execução de serviços públicos, como energia,
saneamento básico, água, transportes, educação, assistência médica, etc.
Ademais, o Estatuto, como já vimos, estabelece, em várias passagens, a
importância da proporcionalidade entre infra-estrutura e demanda para fins de
política urbana. Para exemplificar, citem-se o art. 2 , I (garantia do direito a
cidades sustentáveis), VI “a” (utilização inadequada de imóveis urbanos); VI,
“d” (empreendimentos geradores de excessivo tráfego); VI, “f” (deterioração
de áreas urbanizadas), dentre outros.

Não é fácil apurar com critérios de objetividade o real significado


da expressão “proporcionalidade entre a infra-estrutura existente e o aumento de
densidade esperada em cada área”. A despeito desta imprecisão semântica, a apreciação
técnica da realidade de cada município, das condições das suas diversas áreas, serão os
pressupostos fáticos necessários para o estabelecimento do coeficiente máximo de
aproveitamento.
Vejamos comentário de Marques Neto (et al., 2002, p. 237), no
mesmo sentido:

Duas notas defluem necessárias. Primeiro, que o Estatuto fixou como

55
parâmetro de limitação da criação do solo não a infra-estrutura projetada ou
potencialmente a ser desenvolvida, e sim a infra-estrutura já existente quando
da definição dos limites máximos (é dizer, quando da elaboração do plano
diretor). Outra, que a proporcionalidade preconizada deverá ser
detalhadamente demonstrada e deverá ser detalhada para cada região da
cidade. Se acima criticamos a possibilidade de diferenciação local entre os
coeficientes básicos de aproveitamento, considerando-a inconveniente e
incompatível com o instituto do solo criado, no tocante aos limites máximos a
diferenciação é de rigor. Só com a regionalização destes limites é que se pode
ter o solo criado com um forte caráter de ordenação urbanística, esvaziando
seu caráter de instrumento de arrecadação.

Com base nestes estudos, o Plano Diretor poderá estabelecer


diferentes coeficientes de aproveitamento máximos, para distintas zonas, sem que isto
ofenda o princípio da isonomia. Em relação ao coeficiente de aproveitamento máximo a
conclusão é distinta do caso de fixação diferenciada do coeficiente de aproveitamento
básico.
O estabelecimento diferenciado de índices, no caso do
coeficiente de aproveitamento máximo, é justificado pelas condições factuais de cada
área, ou seja, da infra-estrutura existente, apuradas e justificadas por meio de critérios
objetivos.
Demais, a fixação diferenciada do coeficiente máximo de
aproveitamento, por outro lado, não representa iniqüidade entre os proprietários de
diversas áreas, nem muito menos estímulo à especulação imobiliária, pois, a construção
acima do coeficiente de aproveitamento básico não é gratuita, não representando, desta
forma, um favor legal ao proprietário.
A aquisição do direito de construir além do coeficiente de
aproveitamento básico, até o limite do coeficiente de aproveitamento máximo, depende
da outorga do solo criado e está atrelada ao cumprimento de uma contrapartida, por
parte do beneficiário.
Para a correta e segura aplicação do instituto do solo criado, não
basta fixar o coeficiente de aproveitamento básico e máximo. É necessário, ainda,
estabelecer para cada área um estoque de potencial construtivo, em metros quadrados,
que poderão ser objetos de solo criado.
Ainda, é importante haver previsão de mecanismos de
acompanhamento da evolução das respectivas outorgas, da quantidade de potenciais
construtivos consumidos e o saldo de estoque, principalmente, quanto ao controle das

56
transferências do direito de construir.

57
5 DA CONTRAPARTIDA

Contrapartida é o ônus financeiro no qual se obriga aquele que


teve para si o benefício de construir além do coeficiente de aproveitamento básico, por
meio do instituto do solo criado, decorrente da outorga do Poder Público Municipal.
Consoante Gasparini (2002, p. 171):

Contrapartida é a compensação que o beneficiário da licença para construir


acima do coeficiente de aproveitamento entrega ao Município. Contrapartida é
expressão ampla que significa uma compensação, um contrapeso em dinheiro
(entrega de certo valor), em bens (doação de área para alargamento de via
pública), em construção (execução de um viaduto) ou em serviço (execução de
pavimentação).

A onerosidade da outorga do direito de construir é tida como


regra no Estatuto da Cidade, sendo condição expressa na própria nomenclatura da
“Seção IX”, do “Capítulo II”. Outrossim, o art. 30 dispõe que “Lei municipal específica
estabelecerá as condições a serem o observadas para outorga onerosa do direito de
construir” (grifo nosso).
Segundo Carvalho Filho (2005, p. 206), a onerosidade é
inferência lógica do sistema, pois, “não haveria mesmo por que ser gracioso o
consentimento estatal. Afinal, o ato de outorga transmite benefício direto para o titular
do direito de construir [...] em locais onde a construção desejada [...] não seriam, em
princípio, viáveis”.
Esta característica nos remonta desde o solo criado da Carta de
Embu, que atribuía ao beneficiário do solo criado uma obrigação equiparável ao do
loteador. Esta onerosidade, portanto, prende-se ao próprio fundamento do instituto do
solo criado.Vejamos abaixo:

[...] É constitucional exigir, na forma da lei municipal, como condição de


criação do solo, que o interessado entregue ao Poder Público, áreas
proporcionais ao solo criado; quando impossível a oferta destas áreas, por
inexistentes ou por não atenderem às condições legais para tanto requeridas, é
admissível sua substituição pelo equivalente econômico (Fundação
Prefeito Faria Lima – CEPAM, 1977).

A contrapartida se justifica em relação a dois pontos, que ora se

58
apresentam numa relação conjuntiva (as duas justificativas estão presentes), ora numa
relação disjuntiva (somente se justifica em relação a um ponto), a depender do caso
concreto. A primeira justificativa é que a contrapartida atua como mecanismo de
indenização ao Poder Público (ou seja, da própria coletividade), quanto ao adensamento
proporcionado pelo particular, em virtude do aumento de construção. Portanto, o
recurso proveniente da contrapartida age na correção do adensamento urbano, às
expensas do causador do “adensamento”.
A segunda justificativa prende-se ao princípio da justa
distribuição do benefício e encargo da atividade urbanística. Visa-se corrigir as
externalidades negativas do mercado imobiliário, evitando que o particular se aproprie
das “mais valias” em seu imóvel, resultante de obras públicas ou se beneficie de favor
legal, decorrente do plano urbano e outras leis de cunho urbanístico.
Neste último caso, nota-se que, por circunstâncias específicas da
cidade e por razões técnicas que nortearam a elaboração do Plano Diretor, no âmbito da
opção dos instrumentos e índices construtivos disponíveis ao adequado ordenamento da
cidade, algumas áreas passam a ganhar maior relevo econômico que outras,
valorizando-se em relação às demais.
Isto ocorre, por exemplo, quando a norma estabelece que
determinado terreno urbano, pertencente à zona “X”, é permitida a construção até três
vezes a área do lote, enquanto que em outro lote, situado na zona “Y”, permite-se a
construção na extensão restrita à área do terreno. Neste exemplo, por certo, os terrenos
situados na zona “X” tendem a se valorizar mais que os terrenos situados na zona “Y”,
em função da maior potencialidade construtiva.
Não restam dúvidas, então, de que existem situações criadas por
normas de planejamento que, mesmo de forma indireta ou que não tenham almejado,
acabam beneficiando alguns proprietários de terrenos urbanos em prejuízo de outros.
Quanto ao primeiro ponto, todavia, observa-se que a construção
em solo artificial, ou seja, além do solo natural, representa um fator preocupante para o
adequado ordenamento urbano, configurando provável fator de adensamento da área.
Esta situação demanda providências do Poder Público, para ampliação da infra-estrutura
e aparelhamento urbano, que se tornaram necessários em razão do adensamento
provocado pelo beneficiário da construção.

59
Em outros termos, se um empreendedor lucra com a construção
do solo artificial, mas, conseqüentemente, gera os problemas urbanísticos acima
relatados, é inadmissível que o Poder Público empregue seus recursos em atividades
urbanísticas reparadoras, sem que se exija do beneficiário uma compensação
(contrapartida).
Há de se dizer que, para alguns urbanistas, a criação de solo
artificial pode até não culminar, necessariamente, num fator de adensamento urbano,
argumentando que isto ocorre na maioria das vezes, em bairros periféricos, onde habita
a classe econômica mais baixa da população. Portanto, nem sempre a extensão
construída em determinado terreno está diretamente e proporcionalmente relacionada ao
adensamento populacional.
Conforme constata Rolnik (et al., 2002, p. 210-211):

[...] a idéia que um aumento do coeficiente de aproveitamento traz


necessariamente um aumento de densidade no Brasil não tem sido verdadeira:
o aumento de densidade da área construída nem sempre significa o aumento da
densidade populacional. Pelo contrário, bairros que se transformam em centros
de negócios tendem a expulsar população, esvaziando-se à noite e
desequilibrando ainda mais o uso da infra-estrutura. Em São Paulo, bairros que
passaram por um grande aumento da área construída, se verticalizando na
década de 1990, como Tatuapé e Vila Madalena, tiveram um decréscimo
populacional, pois houve a troca do perfil econômico dos moradores, por um
público de mais alta renda, que exige grande área construídas por pessoa. A
densidade nas cidades brasileiras é alta exatamente onde não há investimentos
em infra-estruturas ou grande densidade construtiva,- as favelas e periferias de
todas as grandes cidades. Desta foram, o puro aumento do coeficiente de
aproveitamento pode levar ao menor e não maior aproveitamento de uma área
da cidade [...]

Por isto que o fundamento da contrapartida (e do solo criado, por


conseguinte) não pode ficar adstrito, tão somente, como instrumento de solução do
adensamento urbano. Esta circunstância caracteriza o ponto disjuntivo das justificativas
quanto à imposição da contrapartida.
Se em determinadas hipóteses se possa chegar à conclusão acima,
ainda assim se justificaria a imposição da contrapartida na aplicação do instituto do solo
criado. Neste caso, seu papel seria agir como instrumento de correção, ao menos
atenuante, das externalidades negativas do mercado imobiliário, evitando-se, assim, a
especulação.
Nestes termos, a contrapartida se funda na promoção de isonomia,

60
como instrumento de justa repartição dos encargos e benefícios, que eventualmente
possam decorrer da atividade urbanística. Se pelo plano urbano é possível construir
além de determinado coeficiente, que elevará o valor do imóvel, deve-se pagar um
preço por isto, tanto para que o recurso auferido retorne em obras de infra-estruturas ou
outras finalidades urbanísticas, bem como para evitar locupletamento do particular
decorrente da lei.

Desta forma se reconhece que o direito de construir tem um valor em si


mesmo, independente do valor da propriedade, podendo agregar ou subtrair
valor a esta.
O reconhecimento deste valor do direito de construir, concedido pela
legislação urbanística e as eventuais injustiças decorrentes da apropriação
deste valor pelos proprietários dos terrenos, foi a grande motivação da
introdução da idéia da outorga onerosa do direito de construir (ou solo criado)
no Brasil.
[...] O preço pago por este direito serviria para dotar a região dos equipamentos
urbanos exigidos pelo adensamento provocado pelas novas construções. O
objetivo deste dispositivo, seria ‘eliminar o valor diferenciado dos terrenos em
função de dispositivos legais, preservar áreas verdes e de proteção aos
mananciais e ao meio ambiente, preservar edificações de valor histórico e
obter recursos para manutenção da cidade, que seriam gerados pelo dinamismo
de sua própria economia interna.
[...] Na França, a legislação proposta pelo Ministério do Equipamento visava
corrigir a enorme distorção existente entre os altíssimos preços dos terrenos
liberados para a construção de prédios altos e os preços baixos num bairro
vizinho onde os limites para a construção eram rígidos. (ROLNIK et al.,
2002, p. 200-201)

Visa-se, com isto, evitar que determinadas pessoas se apropriem


da valorização imobiliária sem que tenham praticado qualquer esforço por isto, sendo
meramente agraciados por favor legal, tal como o planejamento urbano ou de atividade
Estatal urbanística, como obras de infra-estruturas.
Concluindo, a contrapartida atua na correção do mercado
imobiliário, no sentido de devolver à coletividade o benefício patrimonial e
proporcionar isonomia entre os diversos proprietários de imóveis urbanos, além de
poder, separadamente ou em conjunto, indenizar a coletividade pela perda social
advinda do adensamento urbano, já que a construção além de certo coeficiente poderá
também acarretar este mal, provocando a saturação dos serviços e equipamentos
urbanos.
A externalidade negativa tem sua inspiração na teoria econômica,
como explica Rodrigues (2002, p. 141):

61
Externalidade é o nome que se dá a um desvio de mercado e para se
compreender o fenômeno é necessária uma breve visitação às ciências
econômicas [...]
Externalidade pode ser positiva ou negativa, quando no preço do bem
colocado no mercado não estão incluídos os ganhos e as perdas sociais
resultantes de sua produção ou consumo, respectivamente [...]
Para ter-se outro exemplo de externalidade negativa, basta pensar numa rede
de lanchonetes que se instale próxima ao acostamento de uma via pública.
Nesse caso, pergunta-se: os produtos que ali são vendidos têm embutido nos
seus preços o custo social de um aumento do trânsito no local, da poluição
sonora, da poluição visual, etc? Ainda, é justo que aqueles que não compram
os produtos sejam “consumidores” desse efeito social negativo?

No mesmo sentido:

Externalidades são situações em que a atividade de uma unidade econômica


prejudica ou beneficia outras unidades. No primeiro caso, a externalidade é
negativa. No segundo, positiva. As externalidades negativas apresentam uma
distribuição dos custos da atividade econômica para unidades que dela não se
beneficiam.
[...] As externalidades negativas e positivas podem ser exemplificadas
respectivamente pela poluição ambiental e pela valorização imobiliária
decorrente de obras públicas. As atividades poluidoras acarretam um custo
para a sociedade, representado pelos gastos em saúde e em recuperação
ambiental. São custos gerados pela atividade poluidora, mas que não se
refletem no preço do produto final ou nos cálculos da unidade produtora.
[...] A alta densidade encontrada nas cidades também é responsável por
inúmeras externalidades nelas presentes. São muitas as atividades que
produzem ruídos, odores, tráfego, poluição do ar ou das águas, erosão, etc.
Além disso, a presença de uma edificação pode retirar a insolação, a vista, o
acesso ou a aeração de outra. Ao mesmo tempo, as obras públicas e privadas
valorizam os imóveis vizinhos, sem que sejam deles cobradas
(CARVALHO PINTO, 2005, p. 53-54).

A preocupação da justa distribuição dos benefícios e encargos,


resultantes da implementação da Política Urbana também é preocupação dos
portugueses, ao cuidarem da denominada Perequação Compensatória dos Benefícios e
Encargos Resultantes dos Planos Municipais:

De acordo com o artigo 137o. do Decreto-Lei nº 380/99, os mecanismos de


perequação compensatória a prever nos planos municipais de ordenamento do
território devem prosseguir os seguintes objetivos: a redistribuição das mais-
valias atribuídas pelo plano aos proprietários; a obtenção pelos municípios de
meios financeiros adicionais para a realização das infra-estruturas urbanísticas
e para o pagamento de indemnizações por expropriação; a disponibilização de
terrenos e edifícios ao município para a implementação, instalação ou
renovação de infra-estruturas, equipamentos e espaços urbanos de utilização
colectiva, designadamente zonas verdes, bem como para compensação de
particulares nas situações em que tal se revele necessário; o estímulo da oferta
de terrenos para urbanização e construção, evitando-se a retenção dos solos
com fins especulativos; a eliminação das pressões e influências dos

62
proprietários ou grupos para orientar as soluções do plano na direcção das suas
intenções.
Estes objetivos elencados pelo legislador não se situam no mesmo nível.
Enquanto o primeiro – o da redistribuição das mais-valias atribuídas pelo
plano aos proprietários – constitui um objectivo essencial daqueles
mecanismos, uma vez que se apresenta como conatural ao princípio da
perequação dos benefícios e encargos resultantes dos planos municipais, os
restantes são uma mera conseqüência ou um efeito do funcionamento dos
mecanismos perequativos (CORREIA, 2001, p. 490).

Se a norma municipal permite edificação acima de um coeficiente


de aproveitamento básico, possibilitando a construção de um prédio composto por
inúmeros andares, por exemplo, espera-se, como ocorre na maioria dos casos, que na
área construída e seu entorno haja um aumento de consumo sobre a infra-estrutura
existente, tal como no tráfego em vias públicas, consumo de água, serviços de esgoto,
hospitais, escolas, etc. Por isto que o § 3º, do art. 28, do Estatuto da Cidade prescreve
que a fixação do coeficiente máximo de aproveitamento, deve-se tomar por parâmetro a
“proporcionalidade entre a infra-estrutura existente e o aumento de densidade esperada
em cada área”.
Partindo da premissa necessária de que construção além de
determinado índice pode acarretar aumento do consumo da infra-estrutura urbana,
estabelecemos o seguinte raciocínio: se por um lado há um ganho, por parte do
construtor, que teve um acréscimo patrimonial com a edificação, por outro, gerou
prejuízo para toda a coletividade, que sofrerá com o consumo maior de referida infra-
estrutura urbana, proporcionando escassez e novo investimento público na área.
O Poder Público, diante do adensamento, vê-se obrigado em
ampliar a infra-estrutura existente, com dispêndio de recursos públicos, a fim de corrigir
situação gerada pelo beneficiário da construção. Há aqui, portanto, situação de
privatização dos lucros e socialização das perdas.
Não é fácil instituir, por meio de lei, uma fórmula infalível que
possa apurar com exatidão o “quantum” das perdas sociais ou os ganhos por parte do
beneficiário do solo criado, visando futura compensação ao Poder Público ou correção
das externalidades. Como bem pondera Victor Carvalho Pinto (2005, p. 49):

Para compreender o ambiente em que se desenvolve a política urbana, é


preciso estudar a características específicas do mercado imobiliário e suas
técnicas de regulação. A fundamentação do urbanismo decorre
simultaneamente da existência de falhas neste mercado e de técnicas capazes

63
de corrigi-las. Entretanto, nem o mercado nem a técnica atuam em um vazio
institucional. A eficiência do mercado depende das regras que o organizam. Da
mesma forma, a aplicação das técnicas urbanísticas variará conforme as regras
que organizam o sistema político.

Embora não se tenha uma fórmula que possa responder a todos


estes objetivos, o Município deverá buscar uma que melhor ajuste a sua realidade. O
que não se admite, todavia, é a simples isenção do pagamento da contrapartida. Esta
isenção somente será possível em caráter excepcionalíssimo, quando houver interesse
público urbanístico relevante, taxativamente previsto em lei municipal específica, nos
termos do inciso II, do art. 30, do Estatuto da Cidade.
É evidente que as hipóteses de isenção, previstas em lei, deverão
guardar relação direta com os fins da Política Urbana, específicas a cada Município.
Poderão ser previstas, por exemplo, hipóteses em que se tenha intenção de estimular a
produção de determinados usos em certas áreas, como no caso das habitações de
interesse social, instalações de equipamentos culturais ou de saúde, em áreas onde haja
carência destes espaços ou equipamentos.
Embora o inciso II, do artigo 30 do Estatuto da Cidade, estabeleça
que será lei municipal específica que irá dispor sobre as hipóteses de isenção do
pagamento da contrapartida, na grande parte dos municípios estas hipóteses estão
previstas nos Planos Diretores como meio de estimular o adensamento de determinada
região, a fim de aproveitar a infra-estrutura disponível, que é um erro. Ainda, prevêem
nas obras de caráter beneficente ou em razão da finalidade social da construção. No
caso destas duas últimas hipóteses, é um erro admiti-las, pois a ordem urbanística não
compreende atos beneficentes.
Alguns juristas entendem que, ao se conceder a isenção da
contrapartida o Município deverá observar o que dispõe o art. 14, § 1º, da Lei
Complementar nº 101, de 04 de maio de 2000 – Lei de Responsabilidade Fiscal, por
considerá-la renúncia de receita tributária. Porém, não concordamos com esta assertiva,
pois a contrapartida não possui natureza tributária.
Carvalho Filho (2005, p. 204) diz expressamente que a
contrapartida é taxa, em razão do poder de polícia:

Embora o Estatuto não o diga expressamente, a cobrança exigida ao


beneficiário do direito emana da instituição da respectiva taxa. É que os casos

64
de outorga do direito têm como fundamento o exercício do poder de polícia
pelo Município (polícia de construções e uso do solo), eis que o ato, como foi
visto, poderá ser expedido com licença ou como autorização. Esse fato gerador
está expresso no art. 145, II, da CF, e no art. 77, do Código Tributário
Nacional. Assim, quando a lei fala em “fórmula de cálculo para a cobrança”,
deve ler-se que se trata de cobrança da respectiva taxa, única contraprestação
pecuniária que guarda adequação à hipótese.

Na verdade, é um entendimento equivocado, pois a contrapartida


tem natureza de preço. É impossível fazer a subsunção da contrapartida ao art. 3º, do
Código Tributário Nacional, por várias razões.
A outorga onerosa decorre de uma faculdade do beneficiário, que
poderá requerer ou não o acréscimo de construção sobre seu imóvel, não existindo a
compulsoriedade, elemento necessário para a configuração do tributo.
A natureza da relação jurídica do instituto do solo criado, que faz
decorrer a contrapartida, está longe de ser uma relação tributária (subordinada), mais se
aproximando de relação jurídica negocial (coordenada):

A entrega desses bens imóveis ou a execução de certa obra tem a natureza de


obrigação contratual e, no caso de a contrapartida ser em dinheiro, sua
natureza é de preço público. Preço Público é o pagamento feito pelo particular
ao Poder Público segundo o valor por este unilateralmente fixado, quando
facultativa e espontaneamente adquire bens, utiliza os serviços públicos ou
aufere vantagem posta à sua disposição (GASPARINI, 2002, 178).

No mesmo sentido é a posição de Lucia Valle Figueiredo (2005,


p. 125): “A contrapartida financeira da outorga onerosa caracteriza-se como preço e
jamais será tributo, inicialmente por sua não compulsoriedade. Depois, por não se
enquadrar em qualquer dos requisitos constitucionais para poder ser”.
A contrapartida nem sempre será representada por uma “prestação
pecuniária”, pois, consoante previsão em lei, poderá ser prestada “in natura”,
compreendendo entrega de bens, serviços ou obras, impossível para os tributos.
Ainda, a contrapartida não é cobrada “mediante atividade
administrativa plenamente vinculada”, mas sim de um ato administrativo de natureza
discricionária, conforme se posicionou acerca da outorga onerosa do direito de
construir. Este ato sequer se assemelha ao lançamento tributário.
Vale lembrar que o Estatuto da Cidade (Lei nº 10.257/2001), ao
tratar dos instrumentos da Política Urbana, fez constar a outorga onerosa do direito de

65
construir e de alteração de uso na alínea “n”, do inciso V, do Art. 4º, categorizando-a
entre os “instrumentos jurídicos e políticos”. Se fosse um instrumento tributário e
financeiro, comporia o elenco do inciso IV, do Artigo 4º, do Estatuto da Cidade.
Se tivesse natureza tributária, o artigo 31 do Estatuto da Cidade
que vincula a aplicação dos recursos auferidos pela contrapartida às finalidades
previstas nos incisos I ao IX do art. 26 do mesmo estatuto, seria inconstitucional, nos
termos do art. 167, IV, da Constituição Federal, que veda afetação de receita de
“impostos” a órgão, fundo ou despesa, salvo as exceções deste mesmo dispositivo.
Ver o instituto do solo criado como tributo, é admitir a existência
de mais uma via de arrecadação, em que o Poder Público criaria uma dificuldade
(impondo coeficientes de aproveitamentos restritíssimos) para que assim, pudesse
vender facilidades (outorga onerosa do direito de construir) mediante o pagamento de
uma contrapartida. Esta intenção é odiosa, desvirtuando a finalidade crucial do instituto:
de servir como mecanismo de controle do adequado ordenamento da cidade e de
utilização do solo.
No que tange à fórmula do cálculo da contrapartida, também
deverá estar prevista na referida lei municipal específica (inciso I, do art. 30, do Estatuto
da Cidade). O Poder Público Municipal pode estabelecer vários critérios para calcular o
valor da contrapartida, inserindo-se dentro do campo da competência discricionária,
pois o Estatuto da Cidade não adentrou em minúcias quanto ao procedimento de
apuração, deixando ampla liberdade ao legislador e executivo municipal.
Embora não se tenha uma fórmula geral de apuração do valor pelo
Estatuto da Cidade, adverte Carvalho Filho (2005, p. 204) que:

[...] o valor que resultar da aplicação da fórmula prevista em lei deve


corresponder, da forma mais precisa possível, ao benefício auferido pelo titular
do direito, quando lhe é permitido construir acima do coeficiente básico da
área ou lhe é autorizada a alteração do uso do solo. Aqui será preciso recorrer-
se ao princípio da proporcionalidade para obter o justo equilíbrio que deve
revestir tal pagamento: nem poderá ser excessivo, que não permita sequer o
exercício do direito, nem irrisório a ponto de o benefício recebido pelo
particular não proporcionar a respectiva e justa contrapartida.

O valor máximo exigível pela contrapartida não poderá exceder


em valor unitário do metro quadrado de “solo criado” o valor unitário do terreno, pois, o
valor do acessório (“solo criado”) não poderá ultrapassar o valor total do principal (o
66
próprio terreno)1.
De uma forma ou de outra, o importante é o estabelecimento de
um mecanismo que seja capaz de manter a proporcionalidade entre o ganho para o
beneficiário do solo criado e a perda social do adensamento, ajustado com clareza,
transparência e objetividade (art. 37, “caput”, da Constituição Federal de 1988).
Mesmo que haja a fixação de uma contrapartida “in natura”, ou
seja, aquela não pecuniária, conforme tipos permitidos em lei municipal, consistente em
entrega de bens, construção ou serviços, não se prescinde do cálculo supra-referido.
Primeiro se apura a contrapartida pelo cálculo e depois se
converte na obrigação específica, com base no que for mais vantajoso para atender as
finalidades da Política Urbana (GASPARINI, 2002, p. 172).
O art. 31, do Estatuto da Cidade, direciona os recursos auferidos
pela contrapartida às finalidades previstas nos incisos I ao VIII, do art. 26 da Lei nº
10.257/2001 (art. 31), ou seja, regularização fundiária; execução de programas e
projetos habitacionais de interesse social; constituição de reserva fundiária;
ordenamento e direcionamento da expansão urbana; implementação de equipamentos

1 Na cidade de São Paulo, por meio de seu Plano Diretor (Lei nº 13.430, de 13/09/2002), adotou-se o
seguinte critério: “Art. 213 - A contrapartida financeira, que corresponde à outorga onerosa de potencial
construtivo adicional, será calculada segundo a seguinte equação: Ct = Fp x Fs x B, onde: Ct =
contrapartida financeira relativa a cada m² de área construída adicional; Fp = fator de planejamento, entre
0,5 e 1,4; Fs = fator de interesse social, entre 0 e 1,0;
B significa o benefício econômico agregado ao imóvel, calculado segundo a seguinte equação: vt ÷ CAb,
sendo vt = valor do m² do terreno fixado na Planta Genérica de Valores - PGV e CAb = Coeficiente de
Aproveitamento Básico.
§ 1º - Os fatores Fp e Fs da equação prevista no "caput" deste artigo poderão ser fixados para as zonas ou
parte delas, distritos ou subperímetros destes, áreas de Operação Urbana Consorciada e de Projetos
Estratégicos ou seus setores.
§ 2º - Os fatores mencionados no parágrafo 1º deverão variar em função dos objetivos de
desenvolvimento urbano e das diretrizes de uso e ocupação do solo, estabelecidas neste Plano Diretor
Estratégico.
§ 3º - Ficam mantidos os critérios de cálculo das contrapartidas financeiras estabelecidos nas leis de
Operações Urbanas em vigor.
§ 4º - Em caso de não cumprimento da destinação que motivou a utilização do fator Fs, o Poder
Executivo procederá à cassação ou ao cancelamento da isenção ou redução, bem como a sua cobrança
com multa, juros e correção monetária.
§ 5º - Quando o coeficiente de aproveitamento básico puder ser acrescido nas condições estabelecidas nos
artigos 166 e 297 desta lei, na fórmula de cálculo da contrapartida financeira definida no "caput" deste
artigo, o coeficiente de aproveitamento básico deverá ser substituído pelo coeficiente de aproveitamento
que resultou da redução da taxa de ocupação”.
Ainda: No caso da cidade de Natal, estabeleceu-se uma densidade básica e se vende densidades acima
desta pelo valor de 1,5% do montante total o investimento na edificação. No caso da cidade de Porto
Alegre, se realiza periodicamente um leilão de estoques de solo criado. Em outros casos, estabeleceu-se
uma porcentagem (em torno de 70%) do valor vendal do imóvel por cada metro quadrado adicional
concedido (ROLNIK et al., 2002, p. 210)

67
urbanos e comunitários; criação de espaços públicos de lazer e áreas verdes; criação de
unidades de conservação ou proteção de outras áreas verdes; criação de unidades de
conservação ou proteção de outras áreas de interesse ambiental e proteção de áreas de
interesse histórico, cultural ou paisagístico.
Este elenco é taxativo, conclusão que se chega ao analisar as
razões do veto do Presidente da República sobre o inciso IX, do art. 26, do Estatuto da
Cidade, que previa “outras finalidades de interesse social ou de utilidade pública,
definidas no Plano Diretor”.
O art. 2º, do Estatuto da Cidade, estabelece as diretrizes gerais da
Política Urbana. Conforme CEPAM (2005, p. 121-122), as diretrizes que deverão ser
perseguidas pelo instituto do solo criado, que possuem afinidade com os objetivos
traçados pelos incisos I ao VIII, do art. 26, do mesmo dispositivo legal, são os
seguintes:

A) Garantia do direito a cidades sustentáveis, entendido como o direito à terra


urbana, à moradia, ao saneamento ambiental, à infra-estrutura, ao transporte e aos
serviços públicos, ao trabalho e ao lazer, para as presentes e futuras gerações (art.
2º, I);
B) Planejamento do desenvolvimento das cidades, da distribuição espacial da
população e das atividades econômicas do município e do território sob sua área de
influência, de modo a evitar e corrigir as distorções do crescimento e seus efeitos
negativos sobre o meio ambiente (art. 2º, IV);
C) Oferta de equipamentos urbanos e comunitários, transporte e serviços públicos
adequados aos interesses e necessidade da população e às características locais (art.
2º, V);
D) Ordenação e controle do uso do solo, de forma a evitar a deterioração das áreas
urbanizadas e a poluição e a degradação ambiental (art. 2º, VI, f e g);
E) Justa distribuição dos benefícios e ônus decorrentes do processo de urbanização
(art. 2º, IX);
F) Proteção, preservação e recuperação do meio ambiente natural e construído, do
patrimônio cultural, histórico, artístico, paisagístico e arquitetônico (art. 2º, XII);
G) Regularização fundiária e urbanização de áreas ocupadas por população de
baixa renda mediante o estabelecimento de normas especiais de urbanização, uso e
68
ocupação do solo e edificação, consideradas a situação socioeconômica da
população e as normas ambientais (art. 2º, XIV).
Dentre as opções trazidas pelos incisos I ao VIII, do art. 26, do
Estatuto da Cidade, o Município terá o poder discricionário de escolher e positivar
aquelas que forem consideradas necessárias para atenderem sua peculiar necessidade,
conforme as áreas específicas, constando-as em lei municipal específica. Depois de
referida positivação em lei municipal específica, observado o art. 26, incisos I ao VIII,
os recursos auferidos pela contrapartida ficarão vinculados e mais restritos. Se não
houver esta restrição, fica a extensão dada pelo Estatuto da Cidade, que é lei geral.
A afetação não se restringe somente ao recurso pecuniário, mas a
todo tipo de contrapartida, tal como bem, prestação de serviços ou obras. Não podem
ser utilizados na saúde, educação, ou outros setores que não sejam os discriminados nos
incisos acima aludidos. Caso haja desrespeito a este art. 31, incorrerá o Prefeito
Municipal em impropriedade administrativa, ex vi do inciso IV, do art 52 do Estatuto da
Cidade. Para se evitar que o recurso ingresse no “caixa geral” da Prefeitura Municipal e
tome outro rumo senão aquele para o qual foi legalmente vinculado, o ideal é a criação
de um Fundo de Desenvolvimento Urbano, a fim de que possa ser identificado do ponto
de vista orçamentário-financeiro.
O Município deverá, ainda, criar um Conselho de
Desenvolvimento Urbano, composto por servidores municipais envolvidos na atividade
urbanística e membros de diversos setores da sociedade, para atuarem como órgão
consultivo e fiscalizador da gestão urbanística, principalmente quanto ao efetivo
destino dos recursos (em dinheiro, prestação de serviços, obras, etc) provenientes da
contrapartida, garantindo-se a gestão democrática da cidade (art. 43, inciso I, do
Estatuto da Cidade).
Na composição deste Conselho é muito importante o equilíbrio
dos interesses postos em conflito. Deve-se manter rigorosa igualdade de membros tanto
do setor público quanto do setor privado. Em relação ao setor privado, o equilíbrio
também deve existir quanto à qualidade dos representantes de classe, sendo prejudicial,
por exemplo, se todos ou a maioria dos membros fossem representantes da classe
empresária vinculada à produção do solo criado (Construtoras, incorporadoras, etc), ou
o inverso (somente a classe dos usuários) que não sentem e não representam os

69
problemas enfrentados pelo empresariado.
O Conselho não terá atribuição deliberativa em relação ao solo
criado, pois o próprio Estatuto da Cidade exige lei municipal específica acerca desta
matéria (art. 30), o que usurparia a função do legislativo. Todavia, é importante que o
Conselho atue na fase da elaboração do Plano Diretor e referida lei específica como
órgão consultivo e, após sua implantação, como órgão fiscalizador.
Por fim, o recurso proveniente da contrapartida deve estar
vinculado à respectiva área na qual ocorreu a outorga onerosa do direito de construir ou
seu entorno. Seria incoerente admitir a desvinculação espacial deste recurso, em face
do que foi explicitado. Se uma área específica sofreu os efeitos do aumento de
construção, a contrapartida se justifica para atuar na correção ou atenuante do
correspondente efeito. Pensar diferente é se distanciar dos fundamentos e justificativas
que lhe deram arrimo.
Contudo, diante do art. 31, que vincula a aplicação dos recursos
às finalidades previstas nos incisos I ao VIII, do art. 26, poder-se-ia, à primeira vista,
concluir que se tornou difícil, senão quase impossível sua vinculação à zona objeto da
outorga. Neste sentido, calharia indagar da possibilidade, por exemplo, da vinculação
do recurso na área em que ocorreu a outorga onerosa para a regularização fundiária
(inciso I, do art. 26)? Ou até mesmo para execução de programas e projetos
habitacionais de interesse social (incisoII, do art. 26)?
Se for considerado o pressuposto de aplicação do recurso na área
em que se deu a outorga onerosa do direito de construir, deverá o Poder Público
Municipal destiná-lo às necessidades de cada área, dentre o elenco do art. 26, e de
forma motivada. Se no caso concreto for impossível carrear o recurso para certas
finalidades previstas no art. 26, do Estatuto da Cidade, outras existirão neste mesmo
elenco que encontrarão perfeita utilidade, tal como implantação de equipamentos
urbanos e comunitários (inciso V, art. 26); proteção de áreas de interesse histórico,
cultural ou paisagístico (inciso VIII, art. 26) ou criação de espaços públicos de lazer
(inciso VI, art. 26).
As características da área que deverão ser levadas em
consideração, por parte do Poder Público Municipal, no momento da destinação do
recurso a certa finalidade. Não é necessário exaurir o elenco previsto no art. 26 e não há

70
impedimento em repetir a destinação do recurso quanto à mesma finalidade. Há
margem de discricionariedade dentro do elenco previsto no art. 26, do Estatuto da
Cidade, que não deixa de ser abrangente.
Ainda em relação à vinculação do recurso quanto à área onde
ocorreu o ato de outorga onerosa do direito de construir, outra questão deve ser
levantada. Nos casos em que a lei municipal permite a transferência do potencial
construtivo, de uma zona para outra, conforme será visto adiante, também é importante
verificar o destino do recurso, proveniente da contrapartida. Isto porque, pode o
município emitir vários Certificados de Potenciais Adicionais Construtivos, em relação
à determinada área e a construção decorrente do potencial ocorrer em outra.
Para evitar este desequilíbrio, mantendo a aplicação do recurso
na área onde ocorreu a construção por meio do solo criado, deverá a legislação
municipal estabelecer um mecanismo de vinculação do recurso à área onde
efetivamente ocorreu a construção. Embora todo recurso ingresse no Fundo Municipal
de Desenvolvimento Urbano, nada impede a afetação de recursos na área onde
efetivamente se construiu.
Da mesma forma que o Poder Público Municipal deverá prever
mecanismos de controle da aplicação dos Certificados de Potencial Adicional
Construtivo – CEPAC (baixa do certificado, no momento da outorga, observados os
critérios legais; bem como controle do estoque em relação à área), no momento da
emissão da outorga onerosa do direito de construir, deverá também manter um sistema
de informação ao Fundo Municipal de Desenvolvimento Urbano, para afetação do
recurso na área onde se utilizou o CEPAC.

71
6 SOLO CRIADO E TRANSFERÊNCIA DO DIREITO DE
CONSTRUIR

Antes de se estabelecer a relação entre o instituto do solo criado


e da transferência do direito de construir, temos que retomar, mesmo que brevemente,
a discussão acerca da separação ou não entre o direito de propriedade e o direito de
construir, pontos comuns, pensa-se, entre o solo criado, transferência do direito de
construir e operações urbanas consorciadas.
Foi dito anteriormente que as normas de cunho urbanístico não
podem ser consideradas como limites ao “direito de propriedade”, pois, fixou-se
entendimento consoante a corrente jus-positivista. Portanto, será o plexo de normas,
partindo-se das constitucionais, que determinarão sua existência, conteúdo, forma e
extensão.
Demais, foi visto que a positivação do instituto do solo criado
implica no reconhecimento de direito de construir até determinada extensão
(coeficiente de aproveitamento básico) e que, acima dele, somente será possível se
houver outorga (onerosa) por parte do Poder Público Municipal, respeitado o limite
máximo (coeficiente de aproveitamento máximo) fixado em lei. Vale lembrar, por fim,
que o ato administrativo da outorga onerosa foi considerado como discricionário e
constitutivo de direito.
Não se nega, portanto, que haja a separação entre o direito de
propriedade e o direito de construir. Por este ponto de vista, o direito de construir ínsito
ao direito de propriedade seria aquele abaixo ou igual ao coeficiente de aproveitamento
básico, em que se exige somente a licença para construir, enquanto que haveria outro
direito de construir destacado da propriedade e pertencente à coletividade. O
proprietário do imóvel só teria para si constituído este último direito de construir, se lhe
fosse outorgado pelo Poder Público, mediante o pagamento de uma contrapartida.
Este posicionamento não significa, em hipótese alguma, o
esvaziamento do direito de propriedade, que possa conceber coeficiente de
aproveitamento básico restritíssimo. O coeficiente de aproveitamento básico deverá ser
fixado em proporção que assegure, no mínimo, a faculdade de construção no limite do

72
solo natural, ou seja, coeficiente “1”, como fora defendido.
É necessário considerar um conteúdo mínimo ao direito de
propriedade ao imóvel urbano, que tem sua expressão na possibilidade exercer a
edificação, pois, a propriedade está prevista na Constituição Federal, no art. 5º, “caput”,
como direito e garantia fundamental do homem.
Embora este dispositivo constitucional tenha aplicabilidade
imediata (nos termos do § 1º, do art. 5o. da C.F./88), não quer dizer que haja óbice
quanto a sua regulamentação. Para atender o interesse público, as leis poderão,
perfeitamente, condicionar ou limitar seu exercício1.
Se nossa Carta Magna exige que a propriedade cumpra sua
função social, ela deixa de ser absoluta e passa a ser condicionada pelas normas e
institutos da Política Urbana. Diante deste novo regime jurídico, resta desvencilhar dos
“pré-conceitos” ditados pela ordem jurídica anterior, impregnados dos valores liberais,
a fim de ser encarada a questão da separação do direito de propriedade e o direito de
construir com neutralidade, nos termos acima explicitados. Sendo assim, é correto o
pensamento de Carvalho Pinto (2005, p. 278-279-324), abaixo transcrito:

Embora não tenha sido feita na Constituição brasileira uma separação


explícita entre o direito de propriedade e o direito de construir, esta pode ser
considerada uma decorrência natural do princípio da função social da
propriedade. A edição do Estatuto da Cidade, consagrando institutos que já
vinham sendo utilizados por diversos Municípios, como a outorga do direito
de construir, a transferência do direito de construir e as operações urbanas
consorciadas, confirma tal entendimento.
O novo regime do direito de construir exige da doutrina jurídica uma ampla
revisão dos paradigmas atualmente adotados.
[...] Como bem autônomo, o direito de construir pode pertencer tanto ao
Estado quanto aos particulares. Entretanto, sua titularidade original é da
coletividade, uma vez que o meio ambiente é um ‘bem de uso comum do
povo’.

A Comissão Econômica da Organização das Nações Unidas –

1 Segundo Victor Carvalho Pinto (2005, p. 275): “As restrições aos direitos fundamentais devem ser
gerais e abstratas, ou seja, não podem discriminar ou favorecer nenhuma pessoa ou grupo em particular.
Um ou outro segmento pode ser indiretamente beneficiado ou prejudicado, mas este não pode ser o
objetivo de quem impõe a restrição. As restrições são gratuitas, ou seja, não geram em favor do indivíduo
qualquer direito à indenização contra o Poder Público. Constituem um ônus normal, decorrente a vida em
sociedade, caracterizando como condição de convivência, a fim de que o exercício do direito de uma
pessoa não prejudique o direito de outra. Uma indenização poderá ser devida, entretanto, se a restrição
incidir sobre apenas um segmento determinado da sociedade, obrigando-o a suportar um sacrifício em
favor dos demais”.

73
ONU “acordou sobre a necessidade de afirmar a separação entre o direito de
propriedade e o direito de edificar, delegando a cada país representado na comissão o
desenvolvimento de critérios e mecanismos legais próprios quanto à sua aplicação”
(FUNDAÇÃO PREFEITO FARIA LIMA – CEPAM, 2001, p. 335).
No Brasil, quando Eros Grau, Antonio Carlos Cintra do Amaral e
Jorge Bartholomeu Carneiro da Cunha, de forma pioneira, trataram das questões
envolvendo o solo criado, adotaram claramente esta linha. Todavia, a Carta de Embu
acabou não acolhendo esta tese.
Fixada a posição acerca da possibilidade da separação entre do
direito de propriedade e o direito de construir, sem descurar do conteúdo mínimo do
direito de propriedade, indaga-se, agora, se o instituto do solo criado traz ínsita a idéia
da transferência do direito de construir.
Inicialmente, é importante analisar a transferência do direito de
construir tratada no final da “Carta de Embu/Solo Criado”, aplicável nas seguintes
hipóteses:
A) Em imóvel sujeito às limitações administrativas, que impeçam a plena utilização
do coeficiente único de edificação, dando azo à alienação da parcela não-
utilizável do direito de construir;
B) Em imóvel tombado, podendo o proprietário alienar o direito de construir
correspondente à área edificada ou ao coeficiente único de edificação.
Com base nos preceitos acima, não há como concordar que o
Clássico solo criado tenha a transferência do direito de construir como elemento
essencial em sua composição. Em outros termos, analisando a natureza ontológica do
instituto do solo criado, conclui-se que a transferência do direito de construir não é um
requisito necessário para sua configuração. O mesmo se diga em relação ao Estatuto da
Cidade, pois, não se vislumbra qualquer dispositivo expresso que possa levar à
conclusão quanto ao entrelaçamento necessário entre o solo criado e a transferência do
direito de construir.
A Seção IX, do Capítulo II, do Estatuto da Cidade, que dispõe
sobre a outorga do direito de construir e alteração de uso (do art. 28 ao art. 30), não diz
expressamente, também, que uma vez outorgado o direito de construir, acima do
coeficiente básico de aproveitamento, poderia o beneficiário vender referido direito a

74
terceiro.
A Seção X do Estatuto da Cidade se refere às operações urbanas
consorciadas, sendo que em seu art. 34 dispõe que lei específica poderá prever emissão
pelo município de quantidade determinada de certificados de potencial adicional de
construção - CEPAC, que serão alienados em leilão ou utilizados diretamente no
pagamento das obras necessárias à operação urbana. No § 1 º, do dispositivo
mencionado, há previsão de que os certificados mencionados possam ser negociados
livremente, sendo conversíveis em direitos de construir dentro da área objeto de
operação.
No art. 35, do Estatuto da Cidade, há previsão do instituto da
transferência do direito de construir, aplicável nas hipóteses em que o direito de
construir sobre determinado imóvel se restringe, por ter sido considerado necessário
para um dos objetivos previstos no inciso I ao III neste dispositivo.
Embora não se possa depreender que no Estatuto da Cidade o
instituto do solo criado esteja intrinsecamente atrelado à possibilidade de transferência
do potencial construtivo (potencial construtivo adicional decorrente da outorga onerosa
do solo criado), muitas legislações municipais têm admitido esta possibilidade.
Não se permite entender que isto seja uma inconstitucionalidade,
pois se o Estatuto da Cidade prevê os dois institutos, não haveria problema a utilização
destes dois, desde que não afronte os objetivos da Política Urbana. Demais, o que se
transfere não é, propriamente, o direito de construir, mas o potencial construtivo. O
direito de construir será constituído no ato da outorga, quando expedido pela autoridade
competente.
A questão que o caso envolve é a potencialidade construtiva,
muitas vezes representada por um certificado (CEPAC), que tem estreita ligação com o
consumo de infra-estrutura para determinada área e cumprimento do respectivo ônus
urbanístico (contrapartida).
Assim, existindo esta previsão em lei, o sujeito interessado na
construção, além do coeficiente de aproveitamento básico, terá opção de adquirir o
potencial construtivo do Poder Público Municipal, por meio da outorga do solo criado,
ou pelos particulares, por meio da transferência do aludido potencial (MARQUES
NETO et al., 2002. p. 233).

75
Alerta-se que a comercialização e transferência dos potenciais
construtivos, caso haja previsão na lei Municipal, deverá ser procedida de forma
cautelosa. O potencial construtivo pertencente a cada Município não é um bem
ilimitado, devendo estar previsto no plano diretor um estoque de área passível de
construção, observada a infra-estrutura existente (§ 3º, do art. 28, do Estatuto da
Cidade).
Sendo assim, o Poder Público Municipal não poderá se utilizar de
expedição de potencial construtivo, visando exclusivamente auferir recursos, desviando-
se de sua finalidade urbanística principal, ou seja, controlar a utilização do solo urbano e
promover o adequado ordenamento da cidade.
No Plano Diretor Estratégico de São Paulo, instituído pela Lei nº
13.430, de 13 de setembro de 2002, houve previsão expressa no art. 215, da
possibilidade de expedição do Certificado de Potencial Construtivo Adicional –
CEPAC, bem como a transferência de referido potencial, na modalidade objetiva e
subjetiva. A modalidade objetiva é a que se permite a transferência do potencial de um
lote para o outro, sendo ambos de titularidade da mesma pessoa; enquanto que a
modalidade subjetiva, ao revés, permite a negociação do potencial adicional construtivo,
para transferi-lo a outra pessoa (e outro lote, por conseguinte)2.
Ainda, conforme observou a lei paulistana, deve haver critérios de
aplicação e controle da aludida transferência, por parte do Poder Público Municipal,
para que o instituto não desvie de seu objetivo. Com base nesta lei, nos princípios e

2
Vejamos: “Lei nº 13.430, de 13 de setembro de 2002 - Art. 215. Quando o Potencial Construtivo
Adicional não for solicitado diretamente vinculado à aprovação de projeto de edificação, o Executivo
poderá expedir Certidão de Outorga Onerosa de Potencial Construtivo Adicional, vinculada a
determinado lote ou lotes, que será convertida em direito de construir com a aprovação do respectivo
projeto de edificação.
§ 1º - As certidões expedidas na forma que dispõe o ‘caput’ deste artigo, que ainda não tiverem sido
convertidas em direito de construir, poderão ser negociadas a critério da Prefeitura, desde que sejam
atendidas todas as condições estabelecidas nesta Seção, para o lote que passará a receber o Potencial
Construtivo Adicional.
§ 2º - Apresentada solicitação de transferência da certidão para outro lote, o Executivo:
a) verificará se o lote para o qual se pretende transferir a certidão localiza-se em áreas passíveis de
aplicação de outorga onerosa e se há estoque disponível, não sendo possível a transferência para as áreas
de Operações Urbanas e Áreas de Intervenção Urbana;
b) determinará o novo potencial construtivo adicional por meio da relação entre os valores dos lotes
calculada, utilizando-se os valores que constam para o metro quadrado de terreno na Planta Genérica de
Valores - PGV;
c) poderá expedir nova certidão cancelando a certidão original, com a anuência do titular desta, realizando
os procedimentos necessários à atualização e ao controle de estoque”.

76
diretrizes próprios do instituto, sugerem-se os seguintes critérios:
A) O lote destinatário da transferência do potencial adicional construtivo (onde o
CEPAC será convertido em direito de construir) submeter-se-á às mesmas
normas contidas no Plano Diretor e Lei Específica Municipal, quanto ao regime
e condições para utilização do instituto do solo criado;
B) O lote destinatário da transferência do potencial adicional construtivo (onde o
CEPAC será convertido em direito de construir) deverá ter a mesma natureza de
uso (zona de uso industrial, comercial, residencial ou misto) que o lote em que
se originou o potencial construtivo;
C) O Poder Público Municipal deverá verificar se o lote receptor do CEPAC está
inserido em área na qual se permite a aplicação do solo criado;
D) O Poder Público Municipal deverá verificar se na área onde está situado o lote
receptor, não se esgotaram os estoques para utilização do solo criado;
E) O Poder Público Municipal deverá verificar se há compatibilidade do CEPAC
com a nova área, no que concerne aos valores divergentes entre o lote que
originou o potencial construtivo e o do lote que irá recebê-lo. Por meio de um
cálculo, previsto em Lei Municipal específica, o CEPAC será convertido e
adequado para um Novo Potencial Construtivo, considerando a proporção entre
o valor representado por cada CEPAC e a exigência para o novo lote, com a
respectiva correspondência pecuniária à extensão em metros quadrados3;
F) Lei Municipal específica deverá prever a quantidade de estoque de Potencial
Adicional Construtivo (em metros quadrados), destacados por zonas e prazo
mínimo de sua duração;
G) O Poder Público Municipal deverá controlar a evolução do consumo de
estoques, acima referidos, considerando-se consumo por zona os decorrentes da
outorga onerosa do solo criado e as decorrentes de transferências do potencial
construtivo;
H) Lei Municipal específica e/ou Plano Diretor deverão prever a possibilidade de
suspensões das outorgas onerosas do direito de construir, quando na iminência
de esgotamento dos estoques, em relação a cada área.

3
No mesmo sentido, o Município de Curitiba estabelece uma fórmula que insere no cálculo os diferentes
valores das áreas emissoras e receptoras do potencial construtivo, conforme os artigos 4º e 5º, da Lei nº
9.803, de 03 de janeiro de 2000.

77
É importante destacar o item “B” acima, dispondo que o “lote
destinatário da transferência do potencial adicional construtivo (onde o CEPAC será
convertido em direito de construir) deverá ter a mesma natureza de uso (zona de uso
industrial, comercial, residencial ou misto) que o lote em que se originou o potencial
construtivo”.
Esta condição é necessária e deverá constar expressamente de lei.
Permitir a transferência do potencial construtivo para outra zona de diferente uso
significa alterar substancialmente a natureza da construção e do potencial originário. O
Plano Diretor, ou ao menos a Lei Municipal específica, deverão constar como
impedimento transferências do potencial construtivo entre áreas onde os usos sejam
diferentes.
Não se pode transferir o potencial construtivo de um lote onde a
zona seja industrial para zona onde a zona seja residencial. Em cada tipo de uso existem
critérios distintos de apreciação da realidade, para se permitir a construção por meio da
aplicação adicional do potencial construtivo, representado pelo CEPAC. Permitir a
alteração qualitativa do potencial construtivo, ao invés de atuar como fator de
ordenamento adequado da cidade, será um obstáculo ao estabelecimento de um
planejamento rigoroso.
No que tange ao procedimento de distribuição dos potenciais
adicionais de construção, representados pelos Certificados de Potencial Adicional de
Construção – CEPAC, caso este seja adotado pelo município como forma de viabilizar
o solo criado, não se deve olvidar de sua vinculação ao princípio da legalidade, da
indisponibilidade dos bens públicos e, por fim, pelo princípio da licitação. Assim, estará
vinculado a um procedimento que proporcione isonomia entre os interessados e a
melhor vantagem para o Município.
Deve-se adotar procedimento licitatório, na modalidade do leilão,
sendo que e o valor pago será o da proposta vencedora, ou seja, a mais vantajosa: o
maior preço, desde que seja igual ou superior ao cálculo do preço mínimo, previsto em
lei municipal específica (inciso I, do art. 30).
A propósito, Floriano de Azevedo Marques Neto (et al., 2002, p.
240) entende que:

[...] a lei específica referida no art. 30 deverá prever procedimento licitatório

78
simplificado, sendo admissível inclusive, no nosso entender, a previsão, na
legislação municipal, de modalidade licitatória específica, para o que a
modalidade de leilão se nos apresenta como paradigma bastante adequado.
Não se diga, em oposição a este entendimento, que assim se estaria ferindo o
art. 22, XXVII, da Constituição, conjugado com o art. 22, § 8º, da Lei
8.666/1993. Primeiro porque a modalidade de leilão já está prevista na Lei
Geral de Licitações, cuidando-se aqui apenas de ampliar as hipóteses de sua
aplicação, para colher situação não prevista naquela lei nacional. Segundo
porque o Estatuto da Cidade, também lei nacional e superveniente, acabou por
dar expressa autorização para que lei fixe condições para a outorga onerosa (o
que, a nosso ver, envolve procedimentos), sem ressalvar qualquer exigência à
licitação. Por fim, porquanto o Supremo Tribunal Federal já se manifestou no
sentido de considerar inconstitucional a previsão na Lei Nacional de
Licitações de regras que limitassem a autonomia dos demais entes federados
para dispor dos bens de que são titulares (ADIN 927-3-RS, J. 3.11.1993, IN
RTDP 12/173 E SS., SÃO PAULO, MALHEIROS EDITORES; 1995).

Por outro lado, se a legislação municipal vincular a venda do


potencial adicional construtivo somente aos proprietários de lotes da respectiva zona,
estar-se-á diante de um caso de inexigibilidade de licitação, nos termos do artigo 25 da
Lei 8.666/1993. Impossibilitando-se concorrência, o valor a ser pago será o resultado do
cálculo previsto em lei específica, acima referida. No entanto, se a quantidade de
estoque de potencial adicional de construção ofertada for pequena, que não dê para
todos os proprietários daquela área, justifica-se da mesma forma o procedimento
licitatório entre eles.
Se a legislação municipal restringir a compra de CEPAC somente
se o interessado provar a condição de proprietário de imóvel em que será aplicado o
potencial construtivo, por certo facilitará o controle. Por outro lado, isto poderá reduzir
o número de interessados e inviabilizar o resultado esperado pelo instituto, além de
impedir que eventual interessado na compra de certo terreno, tenha garantida a
possibilidade de construir além do coeficiente básico de aproveitamento.
Isto foi dito em relação à venda dos potenciais adicionais de
construção, por parte do Poder Público. Se houver transferência destes potenciais
construtivos pelos particulares, será o próprio mercado, em cada município, que irá
ditar o preço. Mesmo que haja transferência de particular para particular, não se
prescinde do controle do Poder Público, devendo a lei municipal específica adotar um
sistema próprio.
Deve-se reforçar o entendimento de que o Certificado de
Potencial Adicional de Construção não representa, propriamente, o direito de construir.
Na verdade, ele é um título representativo de um potencial adicional de construção,
79
sendo um ativo patrimonial, conversível em direito de construir. Antes de sua
conversão, porém, deverá passar pelo crivo do Poder Público (por meio da outorga
onerosa do direito de construir), que verificará a consonância de sua aplicação com as
finalidades da Política Urbana.
O interessado levará o projeto da obra, que, por exceder o
coeficiente de aproveitamento básico, deverá se fazer um pedido de outorga onerosa do
direito de construir, acostando o Certificado de Potencial Adicional de Construção,
como modalidade de pagamento da respectiva contrapartida.
Após a baixa do CEPAC, com a incorporação do direito de
construir além do coeficiente básico, deverá ocorrer a averbação deste direito sobre o
lote, junto ao Cartório de Registro de Imóveis competente. Se o CEPAC foi
proveniente de outro lote, ou seja, foi objeto da transferência do potencial construtivo
de um lote para outro, deverá ocorrer o registro, fazendo-se constar o lote originário e o
destinatário.
A autoridade pública verificará o procedimento previsto em lei,
para a respectiva outorga, tal como a autenticidade do CEPAC; compatibilidade e
adequação do CEPAC à área que será construída em face do valor da contrapartida;
possibilidade de conceder outorga na área onde se pretende construir; existência de
estoque na área onde se pretende construir etc, conforme explicitado acima. Somente
depois de verificadas as condições necessárias previstas em lei e julgadas conforme, a
autoridade expedirá o ato administrativo da outorga do solo criado, sendo este o
momento exato da conversão do CEPAC em direito de construir, propriamente dito.
Converge no mesmo sentido Carvalho Pinto (2005, p. 287-288):

Na verdade, o plano urbanístico não atribui, por si só, direitos de construir,


mas potenciais construtivos. Os potenciais definidos pelos índices urbanístico
do plano transformam-se em direitos de construir após o cumprimento de
ônus urbanístico, pelos quais o proprietário contribui para financiar a infra-
estrutura da cidade. Ônus é um “comportamento que o sujeito deve adotar
para alcançar uma determinada vantagem, que consiste na aquisição ou na
conservação de um direito”. É o atendimento aos ônus urbanísticos que
permite ao proprietário incorporar ao seu lote o direito de construir previsto
no plano.

O legislador municipal deverá fixar um prazo decadencial para o


resgate, ou melhor, conversão do CEPAC em direito de construir, a fim de evitar a
especulação. Contudo, o prazo não deverá ser muito curto, sob pena de gerar descrédito
80
neste mecanismo.

81
CONCLUSÃO

1. A análise do instituto do solo criado implica na discussão


acerca da propriedade e direito de propriedade. A propriedade está prevista na
Constituição Federal de 1988 como direito e garantia fundamental. Contudo, a ela foi
afetada uma função social, razão pela qual o “direito de propriedade” será
regulamentado, tendo seu conteúdo, forma e extensão delineadas pelo plexo de normas
que acabam configurando seu perfil.
2. Desta forma, se o solo criado é um instrumento político e
jurídico de intervenção na propriedade, que visa concretizar sua função social, não
representa uma limitação ao direito de propriedade, mas é um dos fatores que
participam de sua conformação.
3. Foram estabelecidas algumas distinções terminológicas,
necessárias, envolvendo o solo criado, a fim de evitar confusões conceituais,
freqüentemente encontradas nas leis e na doutrina. Assim, o solo criado não pode ser
confundido com o solo artificial, pois o primeiro é instituto jurídico, enquanto que o
segundo é o resultado da construção além do solo natural. O solo artificial poderá
configurar solo criado se houver previamente uma outorga do direito de construir, mas
poderá, por outro lado, configurar infração à ordem urbanística se ausente a outorga
onerosa do direito de construir.
A infração à ordem urbanística decorrente da construção do solo
artificial poderá se configurar como “construção clandestina” ou “construção ilegal”.
Ocorre a construção clandestina quando na zona em que está situada a construção seja
possível a utilização do solo criado (inclusive, podendo regularizá-la); enquanto que,
haverá construção ilegal (sujeita à demolição) quando na zona em que ocorrera a
construção não seja permitida a aplicação do instituto do solo criado.
Distingue-se, ainda, o solo criado da outorga onerosa do direito
de construir. O solo criado é um instituto jurídico, instrumento da Política Urbana,
enquanto que a outorga onerosa do direito construir é ato administrativo que concede a
faculdade de utilizar-se do mencionado instituto. Ambos estão intrinsecamente ligados,
um depende do outro, porém, não devem ser confundidos. Também não se confunde a

82
outorga onerosa do direito de construir com a outorga onerosa de alteração do uso,
pois são atos administrativos distintos, que se referem, respectivamente, ao solo criado
e outorga do direito de alteração do uso do solo.
4. A outorga onerosa do direito de construir não se confunde com
a licença para construir. Esta última se dá quando a construção é realizada em extensão
abaixo ou igual ao coeficiente de aproveitamento básico e a construção que ultrapassar
referido índice será objeto da outorga onerosa do direito de construir.
A licença para construir possui natureza constitutivo-formal, pois
o beneficiário já possuía seu direito subjetivo inerente ao direito de propriedade, sendo
este ato meramente liberatório de direito. A outorga onerosa do direito de construir, por
sua vez, é ato constitutivo de direito, pois o beneficiário não possuía o direito de
construir acima do coeficiente de aproveitamento básico, que só se constituiu após a
concessão por meio do Poder Público Municipal. Por fim, enquanto a licença é ato
administrativo vinculado, a outorga onerosa do direito de construir é ato administrativo
discricionário, pois para sua concessão é necessário avaliar um conjunto de situações
referentes à realidade urbanística do momento, em face do princípio da coesão
dinâmica, tal como a evolução e existência de estoque para a área ou outros fatores que
possam acarretar dano ao interesse público.
5. O coeficiente de aproveitamento básico, elemento constitutivo
do solo criado, é a linha distintiva da titularidade do direito de construir entre o
proprietário do lote e a coletividade, sendo que abaixo e igual a ele o direito de
construir é inerente ao direito de propriedade (conteúdo mínimo do direito de
propriedade, objeto da licença para construir), enquanto que, acima dele, o titular é a
coletividade (objeto de outorga onerosa do direito de construir). Sem descurar do
conteúdo mínimo do direito de propriedade, neste ponto admite-se a separação entre o
direito de propriedade e o direito de construir.
Embora previsto pelo § 2º, do art. 28, do Estatuto da Cidade,
fixação de coeficiente de aproveitamento básico diferenciado para diversas áreas, isto
poderá representar afronta à isonomia entre os distintos proprietários. Uma área que
possui coeficiente de aproveitamento básico maior que outra, possivelmente valorizará
mais que a outra. Portanto, não se admite a apropriação deste benefício, de forma
gratuita, sem qualquer esforço do proprietário, por mero “favor legal”.

83
Para evitar referida iniqüidade, propôs-se a fixação de coeficiente
de aproveitamento básico único no Plano Diretor, para todo o território municipal.
Ainda, para que não haja esvaziamento do direito de propriedade, mantendo-se o
mínimo possível de seu conteúdo, apregoou-se a fixação do índice “1”, representativo
da área do solo natural. Neste coeficiente, o proprietário do lote poderá construir no
limite da área do próprio lote, sem se utilizar do instituto do solo criado.
6. O Plano Diretor também deverá fixar o coeficiente de
aproveitamento máximo, que ao contrário do coeficiente de aproveitamento básico,
deverá ser diferenciado em relação às zonas, conforme a proporcionalidade da infra-
estrutura existente e o aumento de densidade esperada para cada área (§ 3º, do art. 28,
do Estatuto da Cidade).
O estabelecimento diferenciado de índices, no caso do
coeficiente de aproveitamento máximo, é justificado pelas condições de cada área, ou
seja, da infra-estrutura existente, apuradas e justificadas por meio de critérios objetivos.
Não representa, portanto, afronta ao princípio da isonomia entre os proprietários de
diversas áreas, pois a construção acima do coeficiente de aproveitamento básico não é
gratuita, não representando, desta forma, um favor legal ao proprietário, considerando
que a construção dentro deste limite está atrelada ao cumprimento de uma
contrapartida, por parte do beneficiário.
7. Mencionada contrapartida é elemento crucial para a
compreensão do solo criado. Sua cobrança se ampara em dois pontos, que ora se
apresentam numa relação conjuntiva (as duas justificativas estão presentes), ora numa
relação disjuntiva (somente se justifica em relação a um ponto), a depender do caso
concreto. A primeira justificativa é que a contrapartida atua como mecanismo de
indenização ao Poder Público (ou seja, da própria coletividade), quanto ao adensamento
proporcionado pelo particular, em virtude do aumento de construção. Portanto, o
recurso proveniente da contrapartida age na correção do adensamento urbano, às
expensas do causador do referido “adensamento”.
A segunda justificativa prende-se ao princípio da justa
distribuição do benefício e encargo da atividade urbanística. Visa-se corrigir as
externalidades negativas do mercado imobiliário, evitando que o particular se aproprie
das “mais valias” em seu imóvel, resultante de obras públicas ou se beneficie de favor

84
legal, decorrente do plano urbano e outras leis de cunho urbanístico.
8. A contrapartida tem natureza de preço e não de tributo, pelas
seguintes razões:
A) Não é compulsória, pois decorre de uma faculdade do beneficiário, que poderá
requerer ou não o acréscimo de construção sobre seu imóvel. Não nasce de uma relação
subordinada, mas coordenada;
B) A contrapartida nem sempre será representada por uma “prestação pecuniária”, pois,
consoante previsão em lei, poderá ser prestada “in natura”, compreendendo entrega de
bens, serviços ou obras, impossível para os tributos;
C) A contrapartida não é cobrada “mediante atividade administrativa plenamente
vinculada” (lançamento);
D) O Estatuto da Cidade (Lei nº 10.257/2001), ao tratar dos instrumentos da Política
Urbana, fez constar a outorga onerosa do direito de construir na alínea “n”, do inciso
V, do Art. 4º, categorizando-a entre os “instrumentos jurídicos e políticos”. Se fosse um
instrumento tributário e financeiro, comporia o elenco do inciso IV, do Artigo 4º, do
Estatuto da Cidade;
E) Se tivesse natureza tributária, o artigo 31 do Estatuto da Cidade que vincula a
aplicação dos recursos auferidos pela contrapartida às finalidades previstas nos incisos I
ao IX do art. 26 do mesmo estatuto, seria inconstitucional, nos termos do art. 167, IV,
da Constituição Federal, que veda afetação de receita de “impostos” a órgão, fundo ou
despesa, salvo as exceções deste mesmo dispositivo.
9. O recurso proveniente da contrapartida deve estar vinculado às
finalidades previstas nos incisos I ao VIII, do art. 26 do Estatuto da Cidade (consoante
art. 31 do mesmo Estatuto). Para tanto, deverá ser criado um Fundo de
Desenvolvimento Urbano, para que não se dê entrada do recurso no caixa geral da
Prefeitura e se perca o controle e afetação legal. Também deverá ser criado um
Conselho de Desenvolvimento Urbano (com composição paritária público/privada,
sendo esta última distribuída entre os diversos segmentos da sociedade), com atribuição
consultiva e fiscalizadora.
10. Entende-se que a vinculação do recurso também se dá em
relação à área na qual ocorreu a outorga onerosa do direito de construir ou seu entorno.
Seria incoerente admitir a desvinculação espacial deste recurso, em face dos

85
fundamentos que justificam a cobrança da contrapartida, pois se uma área específica
sofreu os efeitos do aumento de construção, será nela o emprego do recurso para
correção ou atenuante do correspondente efeito.
Embora seja difícil conciliar a aplicação do recurso na área
específica em que ocorreu a outorga onerosa do direito de construir, em face da
vinculação do art. 31 (que vincula a aplicação dos recursos às finalidades previstas nos
incisos I ao VIII, do art. 26), o certo é que dentro do elenco do art. 26, conforme o caso
concreto (ou seja, as características da área que deverão ser levadas em consideração,
por parte do Poder Público Municipal, no momento da destinação do recurso a certa
finalidade), conclui-se que não é necessário exaurir o elenco previsto no art. 26 e não
há impedimento em repetir a destinação do recurso quanto à mesma finalidade. Sendo
assim, há margem de discricionariedade dentro do elenco previsto no art. 26, do
Estatuto da Cidade, que não deixa de ser abrangente.
11. A mesma vinculação espacial do recurso deverá ser
observada no caso da transferência do potencial adicional construtivo de uma área para
outra. Neste caso, o recurso deverá ficar onde foi aproveitado o potencial adicional
construtivo, ou seja, onde ocorreu a outorga onerosa do direito de construir (e fora dado
o CEPAC como pagamento da contrapartida). Para tanto, Lei Municipal específica
deverá prever mecanismos de controle da aplicação dos recursos, por meio de um
sistema de informação ao Fundo Municipal de Desenvolvimento Urbano, para afetação
do recurso na área onde se utilizou o CEPAC.
12. A transferência do direito de construir não é elemento
indispensável para a configuração do instituto do solo criado. Na realidade, o que
ocorre é a transferência de potencial adicional construtivo, de um lote para outro
(dentro da mesma área ou área distinta, conforme a previsão legal). O solo criado
somente passará a existir após o ato da outorga onerosa do direito de construir, que
utilizará do potencial adicional construtivo, anteriormente adquirido, dando-se baixa no
CEPAC (Certificado de Potencial Adicional Construtivo) como adimplemento da
contrapartida.
13. É evidente que deverão existir critérios firmes para a
aplicação da transferência do potencial adicional construtivo atrelada à outorga
onerosa do direito de construir, a fim de que esta não se afaste do objetivo de controlar

86
o uso do solo urbano e promover o adequado ordenamento da cidade. Destacam-se,
portanto, os seguintes:
A) O lote destinatário da transferência do potencial adicional construtivo (onde o
CEPAC será convertido em direito de construir) submeter-se-á às mesmas
normas contidas no Plano Diretor e Lei Específica Municipal, quanto ao regime
e condições para utilização do instituto do solo criado;
B) O lote destinatário da transferência do potencial adicional construtivo (onde o
CEPAC será convertido em direito de construir) deverá ter a mesma natureza de
uso (zona de uso industrial, comercial, residencial ou misto) que o lote em que
se originou o potencial construtivo;
C) O Poder Público Municipal deverá verificar se o lote receptor do CEPAC está
inserido em área na qual se permite a aplicação do solo criado;
D) O Poder Público Municipal deverá verificar se na área onde está situado o lote
receptor, não se esgotaram os estoques para utilização do solo criado;
E) O Poder Público Municipal deverá verificar se há compatibilidade do CEPAC
com a nova área, no que concerne aos valores divergentes entre o lote que
originou o potencial construtivo e o do lote que irá recebê-lo. Por meio de um
cálculo, previsto em Lei Municipal específica, o CEPAC será convertido e
adequado para um Novo Potencial Construtivo, considerando a proporção entre
o valor representado por cada CEPAC e a exigência para o novo lote, com a
respectiva correspondência pecuniária à extensão em metros quadrados;
F) Lei Municipal específica deverá prever a quantidade de estoque de Potencial
Adicional Construtivo (em metros quadrados), destacados por zonas e prazo
mínimo de sua duração;
G) O Poder Público Municipal deverá controlar a evolução do consumo de
estoques, acima referidos, considerando-se consumo por zona os decorrentes da
outorga onerosa do solo criado e as decorrentes de transferências do potencial
construtivo;
H) Lei Municipal específica e/ou Plano Diretor deverão prever a possibilidade de
suspensões das outorgas onerosas do direito de construir, quando na iminência
de esgotamento dos estoques, em relação a cada área.
14. O CEPAC deverá ter um prazo para ser utilizado, pois, caso

87
contrário poderá servir de especulação, desvirtuando-se a finalidade para o qual foi
constituído. Portanto, Lei Municipal específica ou o próprio Plano Diretor deverá
prever o prazo decadencial de sua utilização.
15. Diante do quadrante normativo do Estatuto da Cidade em
relação ao solo criado (por ser norma geral), pouco se pode afirmar acerca da sua
eficiência, como instrumento político e jurídico da Política Urbana. Contudo, dois
pontos prejudiciais foram apontados:
a) O § 2º, do art. 28, “in fine”, que prevê a possibilidade de fixação de coeficientes de
aproveitamentos distintos para diversas áreas: pelos motivos afirmados no item “5”,
acima;
b) O art. 31, que vincula a aplicação do recurso aos incisos I ao VIII, do art. 26, quando
se parte do pressuposto necessário de aplicação do recurso na mesma área da outorga
onerosa do direito de construir: pelos motivos afirmados no item “10”, acima.
16. Por outro lado, dependerá muito mais do Município, da
maneira que foi estruturado o solo criado, por meio de seu Plano Diretor e Lei
Municipal específica, o sucesso ou insucesso na concretização dos objetivos da Política
Urbana. Vários aspectos do solo criado foram deixados ao Município para que os
instituíssem de forma mais próxima a sua realidade, no âmbito de sua competência
discricionária. Neste ponto, sobreleva-se o papel da doutrina e jurisprudência que estão
se formando (haja vista a recente positivação pelo Estatuto da Cidade), a fim de que
possam ofertar parâmetros para orientar sua criação e melhoria ou, ao menos, apontar
os pontos que fatalmente poderão levar ao desvio de finalidade.

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