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PONTIFÍCIA UNIVESIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

Gabriela Moccia de Oliveira Cruz

A COMPETÊNCIA LEGISLATIVA SUPLEMENTAR DO MUNICÍPIO NA


CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988

MESTRADO EM DIREITO

SÃO PAULO

2012
Gabriela Moccia de Oliveira Cruz

A Competência Legislativa Suplementar do Município na Constituição Federal


de 1988

MESTRADO EM DIREITO

Dissertação apresentada à Banca


Examinadora da Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo,
como exigência parcial para obtenção
do titulo de MESTRE em Direito
Constitucional, sob a orientação do
Prof. Doutor Roberto Baptista Dias da
Silva.

SÃO PAULO
2012
BANCA EXAMINADORA

_______________________________

_______________________________
_______________________________
_______________________________
DEDICATÓRIA

Dedico esse trabalho aos meus


pais por terem contribuído com o meu
processo de aprendizado. Dedico
também ao meu irmão, Arthur, por todo
carinho e admiração. Dedico ao meu
amigo Kleyton Rogério, que me ajudou
nos períodos mais difíceis, com seu
conhecimento e dedicação e a todos os
meus amigos por compreenderem
certas ausências. Dedico ao meu
marido, Fábio, por todo o incentivo e
por acreditar, sempre, que eu seria
capaz. E, ao final, dedico esse trabalho
ao meu orientador Roberto Baptista
Dias da Silva, que me orientou, orienta
e orientará em muitos momentos da
minha vida.
A COMPETÊNCIA LEGISLATIVA SUPLEMENTAR DO MUNICÍPIO NA
CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988

O foco desse estudo é especificamente a atuação legislativa


suplementar dos Municípios. A competência municipal tem dois focos de
atuação: as matérias de competência exclusiva do ente local e as matérias de
competência concorrente, ou seja, aquelas que são por ele compartilhadas
com a União e os Estados. Para o exercício das competências concorrentes, a
Constituição Federal estabelece, no seu artigo 24, uma regra: as normas gerais
serão editas pela União e a suplementação dessas normas fica a cargo dos
Estados e do Distrito Federal. Apesar do artigo 24 não incluir os Municípios, o
ente foi contemplado com a competência legislativa suplementar no artigo 30,
inciso II da Constituição Federal, que lhe dá permissão para suplementar
legislação Federal e Estadual “no que couber”. Discutimos o tema a partir do
estudo da origem da federação, da análise histórica da Federação brasileira e
da organização municipal no Brasil e de conceitos trazidos pela Constituição
Federal de 1988, que alçou o Município a ente federado. Seguimos analisando
as interpretações oferecidas pelos Tribunais brasileiros e pela doutrina
especializada. Assentada essa discussão, partiremos para análise de quatro
casos concretos: a queima da palha da cana-de-açúcar em alguns municípios
do interior paulista, a distribuição gratuita de sacolas plásticas em
supermercados, a entrada de pessoas usando capacetes em locais públicos ou
abertos ao público e da acessibilidade nos grandes estabelecimentos
comerciais das municipalidades. Apesar da centralização costumeira de
decisões no âmbito da União que desprestigia a atuação municipal nos casos
analisados, identificamos uma tendência de reorientação dessa interpretação
pelos Tribunais brasileiros e doutrina que vai ao encontro do que defendemos:
uma atuação mais contundente dos Municípios na Federação, por ele ser o
locus político mais próximo da sociedade.

Palavras-Chave: Federação. Federação brasileira. Competência


Concorrente. Competência Suplementar. Município.
THE SUPPLEMENTAL LEGISLATIVE JURISDICTION OF THE
MUNICIPALITY IN THE FEDERAL CONSTITUTION OF 1988.

The focus of this study is the supplemental legislative competence of the


municipalities, specifically. The municipal jurisdiction has two foci of activity: the
matters of exclusive competence and matters of concurrent jurisdiction, ie,
those that are shared by the local entity with the Union and the States. For the
exercise of the concurrent jurisdiction, the Federal Constitution provides in
article 24, a rule: the general norms are edited by the Union and are
supplemented by the States and Federal District. Although article 24 did not
mention the municipalities, the entity was awarded by the supplemental
legislative competence in the article 30, II, which gives it permission to
complement Federal and State laws “as appropriate”. We follow analyzing the
interpretations offered by the Brazilian courts and the specialized doctrine.
Settled this discussion, we depart for the analysis of four cases: the straw
burning of sugar cane, the free distribution of plastic bags in the supermarkets,
the entry of people wearing helmets in public places or open to the public, and
accessibility at commercial establishments. Despite the usual centralization of
decisions in the framework of the Union, which depreciates municipal activity in
the analyzed cases, we identified a trend of reorientation of this interpretation by
the Brazilian courts and doctrine that confirms what we defend: a stronger role
of the municipality in the Federation, because it is the closest political entity of
the society.

Keywords: Federation. Brazilian Federation. Concurrent Jurisdiction.


Supplemental Jurisdiction. Municipality.
ÍNDICE

INTRODUÇÃO ................................................................................................... 9

CAPÍTULO 1 – Federação .............................................................................. 16

1.1. Surgimento .............................................................................................. 16

1.2. Características e requisitos para manutenção do Estado federal ...... 21


1.2.1. Descentralização política ............................................................................ 22
1.2.2. Autonomia dos entes federados ................................................................. 24
1.2.3. Repartição de competências e rendas ....................................................... 25
1.2.4. A Constituição Federal ................................................................................ 27
1.2.5. União indissolúvel dos entes federados – proibição de secessão .......... 28
1.2.6. Órgão incumbido do controle de constitucionalidade das leis ............... 28

CAPÍTULO 2 – O município na história constitucional brasileira .............. 30

2.1. Histórico brasileiro .................................................................................. 30


2.1.1. O município e a Constituição de 1824 ........................................................ 32
2.1.2. O município e a Constituição de 1891 ........................................................ 35
2.1.3. O município e a Constituição de 1934 ........................................................ 38
2.1.4. O município e Constituição de 1937 ........................................................... 39
2.1.5. O município e a Constituição Federal de 1946........................................... 41
2.1.6. O município e a Constituição de 1967/69 ................................................... 43
2.1.7. O Município e a Constituição de 1988 ........................................................ 44

2.2. Autonomia municipal na Constituição de 1988 ................................... 50

CAPÍTULO 3 - O Município e a repartição de competência da Constituição


Federal Brasileira de 1988 ............................................................................. 54

3.1. Importância do ente local ....................................................................... 54

3.2 Critérios de Repartição de Competências ............................................. 62


3.2.1 Das competências da União ......................................................................... 68
3.2.2 Das competências dos Estados membros .................................................. 69
3.2.3 Das competências dos Municípios .............................................................. 70
3.2.4 Da definição de competências para o ente local ........................................ 71
3.2.5 O interesse local e a repartição constitucional de competências ............. 76
3.2.6 A repartição de competência constitucional e a competência suplementar
do Município “no que couber” .......................................................................... 79

CAPÍTULO 4 – Competência suplementar municipal: análise de casos ... 94

4.1. Queima da cana-de-açúcar ..................................................................... 97

4.2. Proibição de sacolas plásticas ............................................................ 105

4.3. Ingresso ou permanência de pessoas utilizando capacete ou


qualquer tipo de cobertura que oculte a face, nos estabelecimentos
comerciais.................................................................................................. 113

4.4. Instalação de cestos nos veículos mencionados na lei estadual e nos


estabelecimentos ...................................................................................... 116

CONCLUSÃO ................................................................................................ 120

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .............................................................. 128


9

INTRODUÇÃO

A Constituição de 1988 prevê que o Brasil é uma República Federativa


dotada de quatro entes federados: União, Estados, Municípios e Distrito Federal1.

Os entes federativos, com autonomia política e administrativa, têm conjunta


e individualmente, o papel de desenvolver as diretrizes a eles atribuídas na
Constituição Federal.

A Constituição Federal garantiu aos entes federados e, portanto, também


aos Municípios, além do poder de autoadministração e autogoverno, o poder de
auto-organização. Nesse sentido, com o advento do novo Texto Constitucional, os
Municípios ganham uma nova posição e atribuição: são entes federados, dotados
de competência para editar leis orgânicas, equiparadas a uma Constituição, que
assumem, no plano municipal, a responsabilidade por estabelecer diretrizes para
atuação do Poder Executivo e do Poder Legislativo.

A repartição de competência constitucional, além de ser uma das garantias


de autonomia dos entes federados relativa à auto-organização, autogoverno e
autoadministração, também identifica as atribuições dos entes federados, de modo
que um não invada as competências do outro, mantendo assim o funcionamento
da Federação.

As competências materiais e as competências legislativas municipais


dispostas na Constituição Federal e na Lei Orgânica colaboram para que o
1
O presente trabalho seguiu a padronização gramatical instituído pelo Acordo Ortográfico da
Língua Portuguesa de 16/12/1990 promulgado pelo Decreto nº 6853 de 2008. Para efeito de
uniformização, cumpre anunciar que federalismo (e suas derivações como Estado federal, federal,
etc) serão grafados em minúscula quando se referirem à teoria ou abstrações. Sua grafia se dará
em maiúscula quando se referir a um estado federal em concreto (como Federalismo do Brasil,
Estado Federal brasileiro, etc). Estão a salvo as citações, que preservarão todas as suas
características. O mesmo vale para estados e municípios, que serão grafados em letras
maiúsculas quando se fizer referência a eles a partir da Constituição de 1998, seguindo, desse
modo, a terminologia constitucional.
10

Município cumpra a sua missão, que é o desenvolvimento do seu território e da


sua população.

Com base na Constituição de 1988 pode-se dizer atualmente que ao


Município são designadas competências privativas materiais, quando discriminam
o que cabe exclusivamente aos Municípios, competências privativas legislativas
relacionadas ao interesse local, e às competências concorrentes de caráter
material comum e legislativo suplementar.

A competência de interesse local (CF, art. 30, I), por não ser explícita em
um rol taxativo, ou mesmo por não ter uma definição clara sobre critérios e limites,
tem se revelado de interpretação controversa. De todo modo, acreditamos que a
falta de definição é, por outro lado, uma forma de preservar a autonomia
municipal, já que dessa maneira pode-se lidar de modo mais flexível com os
interesses locais, que são mutáveis no tempo e no espaço.

Já o artigo 30, inciso II, da Constituição Federal cuida da competência


legislativa municipal para suplementar leis federais e estaduais, no que couber.

E assim acabamos por anunciar outra expressão que gera polêmica no


universo das competências locais, referente à possibilidade da competência
suplementar municipal ‘’no que couber’’. E dependendo da sua interpretação
podemos restringir ou alargar as competências das municipalidades.

Para alguns autores2 a expressão significa que deve haver o interesse local
para que o Município possa legislar de maneira suplementar, ou seja, não há que
se falar em suplemento de legislação federal ou estadual pelo Município quando a

2
É o caso, por exemplo, de Fernanda Dias Menezes de Almeida, que acredita que não há falar-se
em competência concorrente se não houver interesse local. Fernanda Dias Menezes de Almeida,
Competências na Constituição de 1988, p. 139.
11

matéria não é caracterizada como de interesse local. Outros3 defendem que


depende do caráter da lei municipal que, se mais protetiva de direitos que a
estadual ou federal, deve prevalecer, vez que zela pelo bem-estar dos munícipes.
Nesse ponto, cabe destacar o princípio da subsidiariedade, que sugere em
matéria concorrente, a atuação prioritária do ente periférico, mais próximo da
comunidade, devendo os órgãos centrais e mais distantes das demandas locais
atuarem somente quando faltar competência àquele. No caso da Federação
Brasileira, identificamos o Município como o ente autônomo mais próximo das
demandas locais, em seguida estão os Estados-membros e, por fim, o poder
central, a União.

Independente do entendimento é certo que, apesar do artigo 24 da


Constituição Federal que trata da competência legislativa concorrente entre União,
Estados e Distrito Federal, não mencionar os Municípios, o artigo 30, II, inseriu-os
na esfera das competências legislativas concorrentes. Assim como o artigo 23 da
Carta Federal estabeleceu no rol das competências materiais comuns, a atuação
conjunta entre todos os entes federados, incluindo expressamente, os Municípios.

Cabe ressaltar que a competência concorrente foi inaugurada pela


Constituição Federal de 1934, em razão da adoção do federalismo cooperativo,
sendo vista como uma alternativa possível para a descentralização do poder da
União, sem desconfigurar, todavia, a Federação, zelando pela uniformidade e
unidade nacionais. A Constituição de 1988 manteve esse arranjo político-
institucional por meio dos artigos 23, 24 e 30, II, dentre outros, conferindo novos
tons que aqui serão objeto de discussão.

Assim, levando em conta a Federação brasileira e suas peculiaridades, este


trabalho vai analisar as competências atribuídas aos Municípios na repartição de

3
Lesley Gasparini Leite e Ana Thereza Machado Junqueira defendem que em caso de
competência concorrente em matéria ambiental, a lei mais protetiva deve prevalecer. Lesley
Gasparini Leite e Ana Thereza Machado Junqueira, Política Municipal de Meio Ambiente, p. 29.
12

competências constitucional criada em 1988 e, mais especificamente, tem como


objetivo voltar os olhos para aquilo que comumente não se discute: a competência
legislativa suplementar municipal.

A discussão aqui estabelecida visa investigar se ao longo da vigência da


Constituição Federal, que alçou o Município à categoria de ente federado, as
competências municipais e principalmente a competência suplementar tem sido
explorada e interpretada de modo a propiciar aos municípios um desenvolvimento
autônomo, como determina a Constituição. Em suma, o estudo visa elucidar se as
interpretações doutrinárias e jurisprudenciais, em casos de conflitos de leis
federais, estaduais e municipais que tratam de matéria concorrente, têm sido
favoráveis ao fortalecimento do ente municipal ou não.

Para tanto, no capítulo primeiro, trataremos do surgimento da federação e


suas características e requisitos necessários para a sua manutenção e no capítulo
segundo cuidaremos de analisar o histórico, fundamentos e motivações que
levaram o Estado brasileiro a adotar essa forma de organização e a sua evolução
até os dias atuais.

Seguiremos no capítulo terceiro fazendo uma análise da importância do


ente local para a Federação Brasileira, para a consecução dos seus objetivos e
para a democracia.

E por fim, aprofundaremos o estudo sobre a autonomia municipal


estabelecida pela Constituição Federal de 1988, tratando especificamente da
repartição de competência referente à produção legislativa suplementar do ente
municipal4. A regra para a atuação conjunta dos entes federados está disposta
nos parágrafos 1º, 2º, 3º e 4º do artigo 24 da Constituição Federal:

4
A competência legislativa suplementar que nos referimos pode ser própria ou imprópria. Própria
quando tratar de matérias que demandem especificamente a atuação legislativa (CF, art. 24), já a
competência legislativa suplementar imprópria advém da execução de algumas competências
materiais comuns (CF, art. 23) que demandam a produção de leis.
13

“Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar


concorrentemente sobre:
(...)
§1º - No âmbito da legislação concorrente, a competência da União
limitar-se-á a estabelecer normas gerais.
§ 2º - A competência da União para legislar sobre normas gerais não
exclui a competência suplementar dos Estados.
§ 3º - Inexistindo lei federal sobre normas gerais, os Estados exercerão a
competência legislativa plena, para atender a suas peculiaridades.
§ 4º - A superveniência de lei federal sobre normas gerais suspende a
eficácia da lei estadual, no que lhe for contrário”.

E apesar de os Municípios não estarem contemplados no artigo 24, a


possibilidade de suplementar legislação estadual e federal se encontra no artigo
30, inciso II:

Art. 30. Compete aos Municípios:


II - suplementar a legislação federal e a estadual no que couber.

A suplementação municipal pode ser no sentido de complementar


legislação já existente ou mesmo de suprir a falta de legislação federal ou
estadual. E com base nesses artigos, jurisprudência e doutrina, analisaremos o
significado e as possibilidades dessa atuação.

Por fim, no capítulo quarto, aplicaremos esses conceitos em quatro casos


concretos referentes a temas atuais e relevantes para a análise da autonomia
municipal. Com base na repartição de competências constitucional e na
competência suplementar municipal, discutiremos o que cabe à legislação
municipal frentes às situações vivenciadas no dia a dia da vida política das
comunas.

O primeiro caso será o da elaboração de lei local que proíbe a queima da


palha de cana-de-açúcar nos municípios produtores desta planta. Ainda
relacionado ao meio ambiente, seguiremos tratando da proibição imposta pelo
14

poder legislativo de alguns Municípios a estabelecimentos comerciais de


distribuírem gratuitamente sacolas plásticas.

Analisaremos também a possibilidade de o Município dispor sobre algumas


questões relacionadas à segurança dos munícipes. Concretamente ponderaremos
a atuação legislativa municipal que proíbe a entrada em estabelecimentos
comercias de pessoas com os rostos cobertos. Por fim, discorreremos sobre a
possibilidade de o ente local defender os direitos das pessoas com deficiência, por
meio de lei que impõe aos estabelecimentos comerciais a necessidade de colocar
cestos em carros motorizados.

Importante explicar que o recorte metodológico foi construído tendo em


vista a repartição de competência e os conflitos que essa sistemática encontra
quando aplicada à realidade. As demandas da sociedade civil geram uma
produção legislativa municipal que em razão de princípios como o da democracia,
da federação e da subsidiariedade5 devem ser consideradas quando analisadas
pelos tribunais responsáveis por preservar a repartição de competências.

Não são raras as vezes que as ações e produções legislativas municipais


esbarram no critério de repartição de competências constitucional, demandando a
ação do Poder Judiciário, que ao longo dos 20 anos de vigência da Constituição
de 1988 tem reafirmado a centralização das atribuições federativas para a União,
determinando que em matéria concorrente, cabe mais à União do que aos
Estados e mais aos Estados do que aos Municípios atuar, seja por meio de
produções legislativas ou por meio de participação efetiva na elaboração das
políticas públicas de âmbito nacional.

5
A respeito do princípio da Subsidiariedade tratam Miguel Carlos Madeiro, Princípio da
Subsidiariedade na Federação Brasileira, José Alfredo de Oliveira Baracho, O princípio da
Subsidiariedade: conceito e evolução, Raul Machado Horta, Federalismo e o Princípio da
Subsidiariedade e José Francisco Cunha Ferraz, O princípio da subsidiariedade no Estado Federal
Brasileiro de 1988.
15

Todavia, como veremos ao longo do trabalho, a atuação concorrente é alvo


de interpretações controversas e existem entendimentos que zelam pela atuação
suplementar municipal em matéria legislativa concorrente e corroboram com a
nossa posição de deslocar nessas situações, algumas decisões do centro para os
poderes periféricos.

O foco do nosso exame é, portanto, um ente da Federação, o Município, e


mais especificamente o que cabe ao Município suplementar quando a matéria
indicar atuação legislativa concorrente entre os entes federados. Desse modo, os
casos concretos que serão analisados contribuirão para a realização de um estudo
qualitativo acerca das possibilidades municipais problematizadas ao longo desse
trabalho.
16

CAPÍTULO 1 – Federação

1.1. Surgimento

A origem da federação, assim como conhecemos, advém dos Estados


Unidos da América6, que da luta contra o absolutismo como forma de exercício de
poder estabelecido na Inglaterra, construiu para si um arranjo institucional que
conciliou o exercício do poder no seu território com democracia7.

Após várias tentativas dos Estados de se fortalecerem diante da Inglaterra,


com a formação da Confederação dos Estados americanos, modelo adotado
desde a Independência, que contava com Estados soberanos que não se
subordinavam às determinações de um poder nacional, surge, no ano de 1787, a
ideia de um novo pacto entre os Estados, cujos escritos e pensamentos deram
origem à obra Os Federalistas, conforme segue:

“A utilidade da União para vossa prosperidade política; A insuficiência da


atual Confederação para preservar essa União; A necessidade, para a
consecução dessa meta, de um governo pelo menos tão vigoroso quanto
o proposto; A conformidade da Constituição proposta com os verdadeiros
princípios do governo republicano; Sua analogia com vossa Constituição
estadual; A segurança adicional que sua adoção proporcionará à
8
preservação dessa espécie de governo, à liberdade e à propriedade"

Assim, mediante análise crítica do modelo da confederação, os autores


federalistas buscaram o aperfeiçoamento da união dos Estados, impossibilitando a

6
Dalmo de Abreu Dallari discorre que “o estado federal é uma criação do século XVIII. Estado
federal corresponde a determinada forma de Estado, criados pelos norte-americanos no final do
século XVIII. As federações que alguns autores pretendem ver na antiguidade, na idade média, ou
nos primeiros séculos da Era Moderna, foram apenas alianças temporárias, com objetivos
limitados”. Dalmo de Abreu Dallari, O estado federal, p. 7.
7
Não podemos nos furtar de mencionar que, a despeito do resultado apresentado, qual seja, o
arranjo federativo - que é o que nos interessa para o desenvolvimento deste trabalho - o processo
para se chegar a isso foi longo, acalorado e tortuoso (a obra Os Federalistas evidencia que esse
arranjo surgiu no seio de uma sociedade cingida que apaziguou suas animosidades a fim de fazer
frente à ex-Colônia, aos demais países e às suas necessidades internas).
8
Alexander Hamilton, Os Artigos Federalistas, artigo n. I, apresentação, p. 96.
17

retirada unilateral dos Estados-membros do pacto federativo, bem como prevendo


a criação de um poder central conferido à União.

Segundo Janice Helena Ferreri:

“Dos 13 Estados que compuseram a princípio a federação, 12 já tinham


suas próprias Constituições, que curiosamente possuíam muita
semelhança em seus dispositivos com o que disciplinado na futura
Constituição Federal. Havia nas Constituições dos Estados, disposições
sobre a separação dos Poderes, Congresso Bicameral e Declaração de
Direitos. A supremacia do poder federal veio com a aceitação pelos
Estados da Constituição Federal, impondo superioridade da União, em
9
face da legislação dos Estados, como também da legislação federal.”

Todavia, para que os Estados se mantivessem fortes, definiram-se alguns


poderes que seriam reservados à União. Os demais poderes, ou seja, os poderes
remanescentes seriam dos Estados e do Povo, conforme determinação da
Emenda n° 10 de 1789.

Nesse caso, o modelo federativo seria capaz de frear as decisões


soberanas dos Estados, estabelecendo, todavia, poderes limitados à União. Ao
conferir poderes limitados à União e larga autonomia aos Estados, em tese, o
poder se mantém descentralizado.

Para Paulo Bonavides:

“No Estado Federal os Estados membros estão mais a dar do que a


receber. Fixa-se sob esse aspecto a importância capital da participação
do Estado na Federação, acentuando-se aí por excelência outro ângulo
verdadeiramente federativo do sistema – o ângulo da participação.
Temos então a organização federal implicando a dualidade do poder
legislativo, repartindo em duas casas, uma representativa do conjunto
10
dos cidadãos e outra representativa dos Estados” .

9
Janice Helena Ferreri, A Federação. In Por uma nova federação, coord. Celso Bastos, p.18.
10
Paulo Bonavides, Ciência e Política, p.143.
18

Vale ressaltar que, com a institucionalização da federação, ganham força a


teoria das constituições escritas, o governo representativo republicano, a
declaração dos direitos individuais, a supremacia da Constituição e a separação
dos poderes.

É possível identificar, portanto, que nos Estados Unidos da América a ideia


de democracia surge atrelada ao federalismo. Para a história democrática
americana um conceito esteve ligado ao outro. De certo modo, o Estado federal
encarna um ideal, e não é possível identificá-lo apenas como uma forma de
organização espacial do poder do Estado, visto que é um atributo da democracia
pluralista ao impor necessariamente a descentralização do poder11.

Os Estados unitários, por sua vez, não se tornam instantaneamente


autoritários. Isto porque também podem ser descentralizados, embora seja uma
descentralização que não desloca o centro decisório do poder, a descentralização
administrativa para Paulo Lopo Saraiva12, atinge somente a organização da
Administração Pública. Já a descentralização política cria pessoas constitucionais,
dotadas de capacidade e competências para dirigir seus próprios destinos,
algumas delas com capacidade constituinte.

Dessa forma, concluímos que ambas são espécies do mesmo gênero, mas
a descentralização administrativa diverge da descentralização política, visto que
na primeira ocorre a criação de novos entes jurídicos, sem que surjam novas
pessoas políticas, como é o caso da segunda.

Para Luís Roberto Barroso:

É preciso que se evite, contudo, a associação imediata do conceito de


centralização, ao Estado Unitário, e de descentralização, ao Estado
Federal, pois inúmeras outras variáveis influenciam no resultado dessa
equação. Não é meramente acadêmica a hipótese de haver Estados

11
Paulo Lopo Saraiva, Federalismo regional, p.19.
12
Ibid., p. 13-15.
19

Unitários que se inclinem, flagrantemente, para a descentralização de


seus serviços, enquanto inversamente, Estados ditos federais que
13
tendam aceleradamente, para a centralização.

Alguns Estados unitários modernos como Espanha e a Itália, por exemplo,


se organizaram de forma regional, sendo institucionalmente descentralizados por
meio de autarquias regionais dotadas de autonomia. A prática desses Estados tem
valorizado e respeitado a autonomia regional, de modo a fortalecer as regiões.

Portanto, apesar de não estabelecermos aqui um vínculo necessário entre


democracia e Estado federal, a descentralização, imposta naquele é necessária
em maior ou menor grau para garantir não só a eficiência do Estado, mas também
o status democrático.

Retomando a história dos Estados Unidos, que atrela estado federal à


democracia14, identificamos um esquema democrático representativo, definido
como república. Na democracia indireta tem-se o regime em que o povo, titular e
fonte do poder, transmite a representantes as missões de governar, legislar e
julgar, uma vez que é impossível que todo o povo possa atuar diretamente nessas
funções. Para James Madison:

“Uma república que defino como um governo em que está presente o


esquema de representação abre uma perspectiva diferente e promete o
remédio que estamos buscando. Examinemos os pontos em que ela
diverge da democracia pura e compreenderemos tanto a natureza do
remédio como a eficácia que ele deve extrair da União.
Os dois grandes pontos de diferença entre uma democracia e uma
república são: primeiro, delegação de governo, nesta última, a um
pequeno numero de cidadãos eleitos pelos demais, segundo, o maior
numero de cidadãos e a maior extensão do país que a última pode
15
abranger.”

13
Luís Roberto Barroso, Direito Constitucional Brasileiro: o problema da Federação, p. 25
14
Moses Finley na sua obra Democracia moderna e antiga, explica a origem da palavra grega -
democracia. A segunda metade da palavra significa poder, ou governo, daí autocracia é o governo
de um homem só, aristocracia, governo pelos aristoi, os melhores, a elite; democracia, governo
pelo demos, o povo. Demos era uma palavra versátil, com diversos significados; entre eles, o de “o
povo como um todo” e “as pessoas comuns”. Moses Finley I, Democracia moderna e antiga, p.33.
15
James Madison, Os Artigos Federalistas, artigo n. X, p. 137.
20

Para esse autor federalista, a república ajusta a voz pública de modo que
os representantes do povo, chamados para essa tarefa depurariam e ampliariam a
opinião do povo. É nesse ponto que a Federação americana ganha fortes
contornos democráticos, ou seja, a possibilidade de um governo forte, mas ao
mesmo tempo descentralizado e representativo, e por isso mais próximo da
realidade dos cidadãos.

É de se notar, todavia, que a Federação americana e sua complexa forma


organizacional sofreu alterações ao longo dos anos: a descentralização entre seus
entes, garantida e fixada pela determinação de competências centrais e
periféricas, foi sendo reinterpretada pela Suprema Corte, que desenhou um novo
federalismo a partir de 1930.

Segundo Gilberto Bercovici:

“Desde o modelo original norte-americano, as definições e características


dos vários tipos de federalismo, todavia, nunca podem ser consideradas
como absolutas. Afinal, o federalismo norte-americano caracteriza-se
pela decisiva atuação da Suprema Corte na sua configuração no decorrer
da evolução histórica.
Após a guerra civil, a interpretação da Suprema Corte buscou ressaltar
os poderes estaduais frente à União, enfatizando a separação rígida de
competências (federalismo dual). O que ocorreu com o federalismo
americano, a partir do New Deal, foi a transformação das relações União-
Estados, dando origem às tendências fundamentais das políticas públicas
desenvolvidas posteriormente.
Com o New Deal houve, de fato, uma tendência fortemente
centralizadora. No entanto, a centralização excessiva foi posta de lado
quando o Governo Federal se deu conta da necessidade da colaboração
dos poderes subnacionais para a realização do ambicioso programa
proposto por Roosevelt: passou-se, então, a enfatizar não mais a
competição, mas a coordenação e cooperação entre União e Estados,
16
com o desenvolvimento do federalismo cooperativo” .

Os problemas causados pela depressão exigiram uma maior intervenção do


Estado para solucionar a crise, e isso deu início à mudança do federalismo dual

16
Gilberto Bercovici, Dilemas do Estado Federal Brasileiro, p. 20-21.
21

para o federalismo cooperativo, que sugere uma atuação conjunta da União com
os estados.

Concluímos no sentido de que o federalismo é uma forma de organização


política moderna, mas que precisa ser revisto e atualizado de modo a atender as
necessidades da população e do funcionamento da administração pública.

Reforçando essa ideia, Luís Roberto Barroso defende que:

“O federalismo é dinâmico, sujeito as oscilações motivadas por uma


sociedade em permanente transformação, a exigir novas posturas e
17
diretrizes no equacionamento e solução de novas questões”.

Apesar desses diversos arranjos federativos, existem requisitos ou


elementos necessários para a caracterização de um Estado federal.

Cabe ressaltar que o Estado federal é gênero do qual a federação é


espécie. Ou seja, os Estados Federais guardam características básicas que serão
trabalhadas de acordo com as especificidades de cada país ao desenhar a sua
própria federação.

Paulo Bonavides18 enfatiza que a federação, assim como o sistema


representativo ou a separação dos poderes, é das poucas ideias novas que a
moderna ciência política trouxe nos três últimos séculos. Defendemos que essa
importante inovação deve ser utilizada a favor do bem-estar da sociedade,
ajustando o modelo criado às peculiaridades de cada realidade.

1.2. Características e requisitos para manutenção do Estado federal

17
Luís Roberto Barroso, Direito Constitucional Brasileiro: o problema da Federação, p.3.
18
Paulo Bonavides, Ciência e Política, p.136.
22

A ideia do Estado federal consiste basicamente na descentralização


política, na autonomia dos entes federativos, na repartição constitucional de
competências entre os entes federados e na atribuição de rendas aos órgãos
autônomos.

Dalmo de Abreu Dallari19 e Fernanda Dias Menezes de Almeida20


identificam outras duas: a Constituição Federal como base jurídica e a proibição
da secessão.

Entendemos adequada a visão dos autores, visto que com os dois outros
elementos de identificação (Constituição Federal e proibição de secessão),
buscam distinguir o Estado federal da Confederação (que não é forma de Estado).

Assim, analisaremos os conceitos de descentralização e autonomia política,


repartição de competências e rendas, Constituição Federal e da proibição de
secessão, assim como o de um órgão incumbido do controle de
constitucionalidade das leis, como requisito para a manutenção da Federação. A
nosso ver, tais elementos são indispensáveis para a existência e manutenção do
Estado federal.

1.2.1. Descentralização política

A descentralização política é o modo pelo qual o Estado se organiza ou


exerce o seu poder político (aplicado a um território).

Paulo Lopo Saraiva21 conceitua descentralização como algo que retira do


centro, atribuindo a direção de atividades a uma pluralidade de organismos não
centrais.

19
Dalmo de Abreu Dallari, O estado federal, p.10-20.
20
Fernanda Dias Almeida de Menezes, Competências na Constituição de 1988, p. 10-16
21
Paulo Lopo Saraiva, Federalismo Regional, p.13.
23

Assim, Estado federal é a repartição do poder político num dado território,


possibilitando que mais de uma pessoa exerça em nome próprio competências
que lhes são atribuídas pela Constituição Federal. Essa divisão vertical de
poderes o difere, por exemplo, do Estado unitário, que não exerce o seu poder
político de forma dividida, mas sim, centralizada em determinado território, visto
que apesar de delegar funções administrativas que serão executadas pelo órgão
descentralizado - uma extensão do poder central em determinado local -, as
competências do aparato político do Estado unitário encontram-se num só ponto.

Nas palavras de José Afonso da Silva:

“Se existe unidade de poder sobre o território, pessoas e bens, tem-se


Estado Unitário. Se ao contrario, o poder se reparte, se divide, no espaço
territorial (divisão espacial dos poderes), gerando uma multiplicidade de
organizações governamentais, distribuídas regionalmente, encontramo-
nos diante de uma forma de Estado composto, denominado Estado
22
Federal ou Federação de Estados”.

A descentralização do poder tanto é uma finalidade em si mesmo como


processo. Quando se fala da estrutura, ressalta-se o Estado com vários governos,
convivendo sob um mesmo espaço, com competências próprias; por sua vez, o
federalismo como processo implica pluralidade e ajustamento.23

A pluralidade é o ponto crucial da associação entre a descentralização e a


democracia, visto que a pluralidade guarda o respeito e a atenção às diversidades
culturais, sociais e econômicas localizadas dentro de um mesmo território.

Para Celso Ribeiro Bastos24 a federação tornou-se a forma de organização


do Estado democrático, visto que a sua organização descentralizada permite que
a decisão seja tomada pelo centro de poder mais próximo daqueles a que se
22
José Afonso da Silva, Curso de direito constitucional positivo, p.98-99.
23
Dalmo de Abreu Dallari, O estado federal, p.53-54.
24
Celso Ribeiro Bastos, A Federação no Brasil, p.2. Cabe observar que não há, contudo, uma
relação de causa e efeito intransponível entre Federação e democracia, como, por exemplo, a
Bélgica.
24

sujeitam, permitindo assim maior participação da sociedade no exercício desse


poder25.

1.2.2. Autonomia dos entes federados

A distinção entre soberania e autonomia é importante no estudo do Estado


federal criado pelos Estados Unidos. Na confederação, os estados são
juridicamente iguais e se conservam autônomos e soberanos, já na federação os
estados não gozam de soberania, mas de autonomia.

A autonomia consagra a cada ente integrante da federação nacional o


exercício de determinados poderes, para que possa cumprir com o papel que a
Constituição lhes destina, e atribui aos entes da federação capacidade política
para eleger os seus representantes e elaborar a sua própria Constituição, assim
como capacidade legislativa para editar o seu aparato legal, capacidade financeira
para instituir e arrecadar seus tributos e aplicar suas rendas e, por fim, capacidade
administrativa para organizar e gerir os seus próprios serviços públicos.

Janice Helena Ferreri acredita que:

“Para se caracterizar a verdadeira Federação, é preciso, antes de tudo, o


reconhecimento da autonomia política dos Estados federados e
igualdade jurídica entre eles, uma repartição constitucional de
competências: políticas, administrativas, legislativas, de modo a
possibilitar-lhes capacidade de organização, administração e legislação
próprias, não sujeitas à autoridade de outra pessoa política, mas apenas
26
a própria norma constitucional”.

Podemos afirmar que a autonomia dos entes federados é baseada no seu


poder de auto-organização, autoadministração e autogoverno.

25
Cabe reforçar que não há, contudo, uma relação de causa e efeito intransponível entre
Federação e democracia, como é o caso, por exemplo, da Bélgica.
26
Janice Helena Ferreri, A Federação. In Por uma nova federação, coord. Celso Bastos, p. 16.
25

O poder de autogoverno se traduz na possibilidade dos entes federados


terem poderes legislativo e executivo próprios. O Poder Legislativo é composto por
parlamentares, eleitos pelos cidadãos para um mandato de prazo determinado,
enquanto o Poder Executivo tem como chefe do poder público um representante
eleito pelo voto popular para um mandato também com prazo determinado.

A auto-organização se traduz como a mais importante para assegurar a


autonomia das diversas esferas de poder da federação e significa a possibilidade
dos entes elaborarem leis que servem como diretrizes para as suas ações.

Já a autonomia para a autoadministração se dá pela capacidade dos entes


federados de executarem as leis e buscarem por seus próprios meios realizar o
bem comum, ou seja, prestar e organizar os seus próprios serviços.

Para Luís Roberto Barroso, “a autonomia singulariza as relações jurídicas


das unidades periféricas com o poder central, participando ela da própria natureza
do Estado Federal”.27

Entendemos, desse modo, que a autonomia garante a participação desse


vários centros de poder na formação da vontade federativa e as formas pelas
quais se traduzem a autonomia não podem ser analisadas individualmente, mas
sim de maneira conjunta.

Portanto, ao estudar a organização de um Estado federal, cabe ter em


mente a autonomia traduzida no poder de auto-organização, autogoverno e
autoadministração dos entes federados, sendo um imperativo a qualquer
federação, por mais que sejam distintas entre si.

1.2.3. Repartição de competências e rendas

27
Luís Roberto Barroso, Direito Constitucional Brasileiro: o problema da Federação, p.24.
26

A repartição de competências é a concretização da autonomia atribuída aos


entes federados pela Constituição Federal.

Para Esther Bueno Soares, “a divisão de competências é questão


fundamental entre os entes federativos, dela dependendo a harmonia dos
poderes” 28.

É importante ressaltar que a repartição de competências estabelece um


relacionamento possível entre os entes federados. Dessa maneira, as suas
atuações serão previstas e orquestradas de modo que o modelo federativo possa
ter êxito. Caso contrário, o poder central e os poderes periféricos viveriam em
constante conflito sem parâmetros de atuação conjunta e das partes, sobrepondo
atividades e fazendo mau uso do dinheiro público.

Fernanda Dias Menezes de Almeida afirma que:

“Se a grande inovação do federalismo está na previsão de dois níveis de


poder – um poder central e poderes periféricos -, que devem funcionar
autônoma e concomitantemente, é manifesta a necessidade de tal
29
partilha”.

Por se tratar de uma organização descentralizada, a distribuição de


competências no Estado federal deve ser equilibrada, de modo que não haja a
supremacia de nenhum ente federado sobre o outro.

Outro pressuposto do Estado federal diz respeito às finanças e recursos


públicos, que são condição para o cumprimento das atribuições constitucionais
designadas a cada ente federado, que precisa de recursos financeiros para
cumprir com a sua missão. Sem recurso não há de se falar em autonomia e sem
autonomia não há como se falar em federação, e, assim como a possibilidade de

28
Esther Bueno Soares. União, Estados e Municípios. In Por uma nova federação, coord. Celso
Bastos, p.81.
29
Fernanda Dias Menezes de Almeida, Competências na Constituição de 1988, p. 14.
27

instituir de tributos, também é necessária uma repartição de rendas entre os entes


federados, instituída pela Constituição Federal.

Para Celso Ribeiro Bastos:

“Nada mais contraditório ao espírito federativo que qualquer um dos seus


entes permanecer adstrito à aquiescência de um outro para conceder-
lhes somas necessárias ao desenvolvimento dos seus propósitos.
Portanto, é ínsito à federação que os níveis de governo desfrutem da
30
possibilidade de criar e arrecadar tributos.”

Assim, é imprescindível que os entes federados possam instituir tributos e


repartir renda tendo como resultado o controle de suas contas e receitas, para que
possam cumprir com as competências que lhes são designadas pela Constituição
Federal, com a autonomia que lhes é garantida.

1.2.4. A Constituição Federal

Para Fernanda Dias Menezes de Almeida, “um traço característico da


Federação, que a diferencia da Confederação é a base jurídica de uma e de
outra”.31

Vale lembrar que a Constituição não se apresenta para outros autores que
tratam do tema como característica da federação. De todo modo, a importância da
Constituição para a federação é inegável, visto que é a base legal que garante a
união entre os entes federados.

Na confederação temos como base de um acordo entre os Estados, um


tratado. Nesse documento, os Estados se vinculavam com a garantia de se
manterem soberanos e é exatamente por essa razão que poderiam romper com a
aliança unilateralmente a qualquer tempo.

30
Celso Ribeiro Bastos. A Federação e o Sistema Tributário. In Por uma nova federação, coord.
Celso Bastos, p.96.
31
Fernanda Dias Menezes de Almeida, Competências na Constituição de 1988, p. 12.
28

Na federação, por sua vez, o instrumento jurídico designado para ser base
legal da união entre os estados é a Constituição.

1.2.5. União indissolúvel dos entes federados – proibição de secessão

Uma outra característica do Estado federal é a união indissolúvel dos entes


federados, ou seja, diferentemente da confederação, não se reconhece o direito
de secessão do conjunto que compõe a federação.

Para Dalmo de Abreu Dallari32 a regra, no Estado federal, é que as


unidades federadas não podem se desligar da federação, isto é, não se reconhece
o direito de secessão.

As constituições federais devem garantir expressamente a união


indissolúvel dos Estados, rechaçando veementemente o direito de secessão.

É com base nesse preceito constitucional que a Guerra Civil Americana


(1861 a 1865), mais conhecida como Guerra da Secessão, teve como vitoriosa a
União americana, diante de 11 estados decididos a deixar a Federação.

1.2.6. Órgão incumbido do controle de constitucionalidade das leis

Vale lembrar que para que a repartição de competência funcione a contento


é imprescindível que exista um órgão específico incumbido do seu controle,
visando assim à manutenção do Estado federal. Desse modo, identificamos o
órgão incumbido do controle de constitucionalidade das leis como um requisito
para a manutenção e restabelecimento da forma federativa dos Estados.

32
Dalmo de Abreu Dallari, O estado federal, p. 16
29

Para José Roberto Anselmo33 o controle de constitucionalidade evoluiu da


forma de controle político para um enérgico controle jurídico de constitucionalidade
das leis.

A origem do controle jurídico de constitucionalidade se deu nos Estados


Unidos da América com o julgamento do caso “Marbury x Madison”, relatado pelo
presidente da Suprema Corte norte-americana, Jonh Marshall no ano de 1803.

Dessa maneira, o controle de constitucionalidade se dá por meio de uma


analise jurídica da norma e tem importância por ser uma forma de controlar e
manter a unidade do ordenamento jurídico, impedindo a subversão dos valores
Constitucionais e em razão disso, tem como função preservar ou restabelecer as
competências definidas para os entes federados conjunta e individualmente.

Como vimos, as características e os requisitos expostos impõem ao Estado


federal uma série de providências e somente assim será possível identificar e
manter uma federação capaz de cumprir com os seus objetivos.

33
José Roberto Anselmo, O papel do Supremo Tribunal Federal na concretização do Federalismo
Brasileiro, f. 145.
30

CAPÍTULO 2 – O município na história constitucional brasileira

2.1. Histórico brasileiro

Diferentemente do que aconteceu com os Estados Unidos da América, o


Brasil definiu a sua forma federativa de maneira oposta: enquanto os Estados
soberanos norte-americanos buscavam certa união a bem de unirem forças contra
os mandos da sua colônia, a Inglaterra, no Brasil, o poder central abriu mão de
parte da sua autonomia, conferindo poderes aos Estados-membros.

Desse modo, os Estados-membros brasileiros nunca foram soberanos e a


eles foi somente conferida autonomia. Corroborando com a nossa ideia, João
Camilo de Oliveira Torres afirma que “o federalismo entre nós quer dizer apego ao
espírito de autonomia, nos Estados Unidos, associação de estados para defesa
comum.” 34

Segundo Pontes de Miranda, no Brasil a federação encontra fundamento da


unidade para o múltiplo. A explicação, de acordo com o autor, consegue repor nos
devidos termos o problema perturbante da estruturação federal no Brasil, qual
seja: o Estado passou do unitarismo à Federação em virtude de um processo
administrativo, “ato esse essencialmente subordinado à unidade de foco
jurisferante, ou de desagregação”.35

Nas palavras do autor, a criação da Federação brasileira foi fruto de um ato


administrativo, o que impossibilita uma verdadeira descentralização política, ou
seja, a transferência da decisão dos centros de poder para a periferia.

Apesar dos problemas identificados na formação da origem da Federação


brasileira entendemos que não há desabono em se formar uma federação partindo

34
João Camilo de Oliveira Torres. A formação do Federalismo no Brasil, p. 151.
35
Pontes de Miranda, Comentários à Constituição de 1967. Tomo III (arts. 1º - 7º).
31

de um Estado unitário, como foi o caso brasileiro, que seguiu seu próprio curso
histórico.

Manuel Correia Andrade e Sandra Maria Andrade defendem que o Brasil


conta com diversas peculiaridades históricas, sociais e geográficas que devem ser
levadas em consideração quando tratamos da Federação:

“No caso do Brasil, o país se caracteriza por sua grande extensão


territorial, suplantado apenas pela Federação Russa, pelo Canadá, pelos
Estados Unidos e pela República Popular da China, e convém salientar
que todos os cinco são federações ou confederações.
É muito complexa a natureza das federações. Essa complexidade resulta
ora da extensão territorial unida às diversidades regionais, ora de
diferenças culturais. A influência da formação histórica também é muito
grande, daí resultando, muitas vezes, a união de vários Estados para
formar um estado soberano, ou a descentralização de um estado ou de
um império unificado a procura de um equilíbrio, visando evitar uma
secessão.
O Brasil é um país colonizado pelos europeus, que dominaram os
indígenas aqui encontrados e trouxeram para cá os negros de pontos
diversos da África, fazendo com que nos tornássemos um país
plurinacional, plurirracial e pluricultural e teve em seu processo federativo,
peculiaridades. O país oscilou, no período colonial, entre um governo
centralizado na Bahia, até 1763, a partir daí, no Rio de Janeiro e entre
governos divididos com sede no Rio de Janeiro e na Bahia.
Em seguida, por mais de um século, o Brasil foi dividido em 2 (dois)
Estados, o do Brasil e do Maranhão (de 1621 a 1774). Depois da
Independência, sob a forma de monarquia de governo, institui-se um
36
governo altamente centralizado (1824)”.

Também como uma situação peculiar da história federativa brasileira,


contamos com a figura do município. Desde a colonização portuguesa, o território
brasileiro convive com organizações chamadas de Conselhos que se
37
transformaram ao longo da história em Câmaras Municipais . Assim, seguindo as

36
Manuel Correia Andrade e Sandra Maria Andrade, A Federação Brasileira: Uma análise
geopolítica e geosocial, p. 10-13.
37
Os municípios, apesar de terem encontrado algum espaço no Brasil Colônia, foram uma
implantação aos moldes de Portugal. Para José Afonso da Silva, “nas zonas de exploração
agrícola, floresceu uma organização municipal, que teve profunda influência no sistema de poderes
da colônia. O Senado da Câmara ou Câmara Municipal, constituiu-se no órgão do poder local. Era
composto de vários ‘oficiais’, à imitação do sistema de Portugal. Seus membros eram eleitos dentre
os ‘homens bons de terra’, que, na realidade, representavam os grandes proprietários rurais. Assim
foi na zonas açucareiras. Mas, nas zonas pastoris e mineradoras, essa organização municipal não
encontrou condições para prosperar, salvo no fim da colônia com a decadência da mineração e
32

regras portuguesas por meio das Ordenações do Reino de Portugal, moldou-se no


Brasil a organização do município, que por meio das Câmaras Municipais,
compostas de: juízes ordinários, com competência para julgar questões civis e
criminais; vereadores, com funções administrativas, como as de fiscalizar, zelar,
guardar, dentre outras; e a figura dos procuradores. Assim, as Câmaras eram
identificadas como um espaço da vida política local e do Brasil - Colônia.

Para Celso Ribeiro Bastos:

“A sujeição dos assuntos locais as disposições genéricas e distantes das


ordenações filipinas, fazia na realidade da comuna brasileira, um centro
38
vitalizado e regozijante de independência na condição da coisa pública.”

Não à toa, por ocasião da Independência brasileira, as Câmaras são


chamadas a opinar sobre a Constituição do Império.

Para entendermos a Federação aqui formada e a posição do município na


vida política brasileira, analisaremos as Constituições desde a época do Império
até a Constituição Federal de 1988, que vige no Brasil atualmente.

2.1.1. O município e a Constituição de 1824

A primeira constituição brasileira é de 1824 e foi outorgada por Dom Pedro


I. Nesse período as capitanias foram elevadas a províncias, porém, devido ao
caráter centralizador e da característica unitária adotada pela monarquia brasileira,
os governadores das províncias seriam meros delegados do Governo Imperial.

O ato adicional de 12 de agosto de 1834 sugeriu certa descentralização e,


embora sem autonomia, as províncias foram dotadas de poder legislativo próprio e

maior estabilidade populacional”. José Afonso da Silva, Curso de Direito Constitucional positivo, p.
72.
38
Celso Ribeiro Bastos, A Federação no Brasil, p.38-39.
33

tutela sobre os municípios. Porém, a lei de interpretação reforçou o centralismo


inicial do governo retirando algumas atribuições das províncias.

Sobre as organizações municipais, em alguns artigos da Constituição


podemos notar a sua posição na administração política brasileira:

Art. 167 – Em todas as cidades e vilas ora existentes e nas mais, que
para o futuro se criarem, haverá Câmaras, as quais competem o Governo
econômico e municipal das mesmas vilas e cidades.

Art. 168 – As Câmaras serão eletivas e compostas do mínimo dos


Vereadores que a lei designar, e o que tiver obtido maior número de
votos será presidente.

E finalizava no sentido de que:

Art. 169 – O exercício de suas funções municipais, formação das suas


posturas policiais, aplicação das suas rendas e todas as suas particulares
e úteis atribuições serão decretadas por lei regulamentar.

Nessa época existiam duas correntes: a que defendia a autonomia dos


municípios, insertos numa federação de províncias e a que defendia a
centralização do poder, atribuindo aos municípios caráter meramente
administrativo.

A corrente vencedora, tendo em vista o exercício unitário e centralizador do


poder nessa época, foi a de somente conferir aos municípios poderes
administrativos, fato que se deu pela lei regulamentar (Lei de Organização
Municipal de 1/10/1828) prevista no artigo 169 da Constituição Federal.

Victor Nunes Leal defende que as Câmaras foram por um período


instrumento da aristocracia rural de rebeldia contra a colônia e que, se por um lado
a reformulação dos seus poderes foi positiva, visto que ao separar as atribuições
administrativas e judiciárias possibilitaria a melhor organização do serviço público
local, por outro, representava o início da redução da autonomia municipal.
34

Em suas palavras:

“A ênfase que pôs a Lei no caráter administrativo das municipalidades,


por um lado constituía eficiente processo técnico de redução de sua
autonomia, e por outro, concorria para impedir que os municípios se
tornassem centros de atividade política mais intensa, capazes de
estimular os interesses e aspirações das camadas inferiores da
população.
As câmaras tinham sido outrora instrumento da aristocracia rural em suas
manifestações de rebeldia contra a colônia, e tiveram papel ativo,
embora, de eficácia duvidosa, no próprio movimento da independência.
Depois que os sucessores daqueles agitados colonos haviam conseguido
dominar o poder político central, essa antiga função das câmaras não era
39
mais bem vista, mas sim motivo de repressão” .

Assim, devido a interesses políticos, aos municípios, na Constituição de


1824, não se conferiu autonomia, mas, por meio das Câmaras Municipais, foram
designadas funções administrativas à organização local.

Mesmo saindo vencedora a corrente favorável à centralização, figuras


políticas da época, como o parlamentar Tavares Bastos40, defensor da Federação,
acreditava ser irracional a centralização em um país de dimensões continentais,
de diferentes formações étnicas, de grandes distâncias e de baixo relacionamento
continental entre as várias províncias.

Gilberto Bercovici entende que:

“O Federalismo brasileiro não era unanimidade entre os Estados. Alguns


em ascensão econômica, o desejavam (como São Paulo). Outros como
as províncias do Norte, viam no auxílio do poder central a sua única
41
esperança, devido as péssimas condições econômicas vigentes”.

Percebemos, portanto, que as discussões sobre o modelo organizacional


do Estado brasileiro eram complexas e dependiam de uma análise profunda
acerca das diversas realidades brasileiras.

39
Victor Nunes Leal, Coronelismo, enxada e voto, p. 74.
40
A.C. Tavares Bastos, A província, p.21-22.
41
Gilberto Bercovici, Dilemas do Estado Federal Brasileiro, p.31
35

2.1.2. O município e a Constituição de 1891

Com a deposição de Dom Pedro II, inaugura-se no Brasil em 1891 uma


nova ordem constitucional inspirada no modelo norte-americano. Isso porque
podemos identificar na estrutura e organização do Estado brasileiro o estado
federativo, a forma de governo republicana e o sistema de governo
presidencialista, figuras essas criadas pela democracia americana. As províncias
foram elevadas a estados federados e tiveram sua autonomia ampliada.

Tamanha a vontade de aproximar-se do modelo americano, o Brasil ganhou


o nome de Estados Unidos do Brasil.

A autonomia estadual, nos moldes da federação dual americana, pressupõe


uma repartição de competências rígida entre os entes federados. No Brasil não foi
diferente e apesar das suas peculiaridades, a Constituição de 1891 estabeleceu
poderes enumerados para a União e os remanescentes para os Estados.

Ao estabelecerem um modelo federativo tal e qual o norte-americano, os


municípios foram deixados à margem do pacto federativo. Autores da época
tomados pelo ideal estadunidense, como José de Castro Nunes, afirmaram que as
regras fundamentais do regime (federativo) repousava não sobre as liberdades
municipais, mas sobre a autonomia dos Estados, uma vez que não estava nas
cogitações do constituinte formar uma federação de municípios, mas sim dos
Estados42.

Nessa linha o Art. 68 da Constituição Federal garantia que:

Art. 68 – Os Estados organizar-se-ão de forma que fique assegurada a


autonomia dos municípios em tudo quanto respeite ao seu peculiar
interesse.

42
José de Castro Nunes, Do Estado Federado e sua Organização Municipal, p.68.
36

Para Eugênio Franco Montoro,43 a autonomia dos Estados e dos municípios


estava prevista na Constituição de 1891. Porém, no que diz respeito ao município,
apesar do artigo 68 lhe garantir autonomia em tudo que respeitasse o seu peculiar
interesse, ou seja, tudo aquilo que impactasse mais ao município do que aos
demais entes federados, os estados-membros da Federação detinham o poder de
organizar os municípios, além de serem responsáveis por preservar a autonomia
municipal. E dessa maneira, o Estado-membro poderia conceder o máximo ou o
mínimo de autonomia aos municípios.

Portanto, o município estava à mercê do Estado, que poderia lhe conferir


autonomia organizacional, no sentido de elaborar as suas próprias leis orgânicas
ou, no sentido oposto, determinar a organização municipal de acordo com as suas
conveniências partidárias, políticas e econômicas.

Apesar de a grande maioria dos Estados tomarem para si as organizações


locais de acordo com seus próprios interesses, sem atentar ao peculiar interesse,
os Estados de Santa Catarina e do Rio Grande do Sul44 concederam nas suas
constituições estaduais a faculdade dos centros locais organizarem suas cartas
próprias, estabelecendo, no mais, alguns detalhes da organização municipal.

Desse poder conferido aos estados, institui-se uma política entre estados e
União conhecida como política dos governadores, e entre estados e municípios a
figura do coronel por meio da política do coronelismo ganha destaque. A política
dos coronéis consiste basicamente em uma troca de favores: o município ganha
benefícios, caso o chefe local apoie os candidatos ao governo do estado. Victor
Nunes Leal ao estudar a figura do coronelismo, explica que:

“Muitos chefes municipais, mesmo quando participam da representação


política estadual ou federal, costumam ser tributários de outros, que já
galgaram, pelas relações de parentesco ou amizade, pelos dotes
pessoais, pelos conchavos ou pelo simples acaso das circunstâncias, a

43
Eugênio Franco Montoro. O município na Constituição Brasileira, p. 38-41.
44
José de Castro Nunes, Do Estado Federado e sua Organização Municipal, p. 122-124.
37

posição de chefes e grupos ou correntes, no caminho da liderança


estadual ou federal. Mas em todos esses graus da escala política impera,
como não podia deixar de ser, o sistema de reciprocidade (...)
O bem e o mal, que os chefes locais estão em condições de fazer aos
seus jurisdicionados, não poderiam assumir as proporções habituais sem
45
o apoio da situação política estadual para uma e outra coisa.”

O autor defende que a cultura coronelista não surgiu na Primeira República,


sendo ela um resquício da Colonização. De todo modo, não há que se negar o
fato de o mau uso do poder feito pelos estados ter fortalecido tal cultura.

Apesar dos estados não concederem autonomia legal aos municípios,


concediam aos chefes locais aliados da base governista uma autonomia
extralegal, que por vezes encobria atos criminosos de violência contra aqueles
que não se dispunham a colaborar com as eleições.

De fato, o despreparo de algumas das províncias brasileiras ao receberam


atribuições tão relevantes era latente. Celso Ribeiro Bastos destaca que “as
províncias foram transformadas em Estados-membros da Federação em 1889,
mas tudo isso de maneira graciosa ou como uma dádiva do poder central.” 46

Manuel Correia Andrada alerta para mais uma questão relevante: esse
elevamento gracioso das províncias a entes federados aconteceu sem levar em
conta o nível de desenvolvimento econômico e cultural de cada uma delas47.

Como o federalismo dual adotado pela Constituição Federal de 1824 não


pressupõe ações conjuntas, sem a ajuda da União as condições de alguns
estados menos preparados se agravaram durante a República e a diferença entre
o desenvolvimento e evolução de cada Estado-membro da Federação cresceu.
De modo que o único ponto em comum dos estados era a absorção dos

45
Victor Nunes Leal, Coronelismo, enxada e voto, p. 43.
46
Celso Ribeiro Bastos, A Federação no Brasil, p.29.
47
Manuel Correia de Andrade e Sandra Correia de Andrade, A Federação Brasileira: Uma análise
geopolítica e geosocial, p.48-49.
38

municípios em troca de votos e poder da escolha dos candidatos à Presidência da


República.

Assim, apesar de a Constituição prever uma autonomia municipal, sem,


contudo, considerá-lo ente federado, a possibilidade de auto-organização por meio
da elaboração das leis orgânicas locais ficou a cargo dos estados, que tinha a
prerrogativa de fazer valer ou não essa autonomia, o que na prática inviabilizou o
fortalecimento do poder conferido aos municípios.

Conclui-se que as discussões sobre o modelo federativo brasileiro não se


ativeram à diversidade e às peculiaridades do nosso país, resultando numa prática
que precisou ser revista.

2.1.3. O município e a Constituição de 1934

Em razão da revolução de 1930 e do seu contexto social, surgiu um novo


Texto Constitucional, que consagrou direitos individuais, econômicos e sociais.
Embora diferente daquele que conferia largos poderes aos estados, a Constituição
manteve a autonomia estadual, mas adensou os poderes da União e redefiniu a
área de atuação municipal.

A Constituição estabelecia que:

Art. 13 – Os municípios serão organizados de forma que lhes fique


assegurada a autonomia em tudo quanto respeite ao seu peculiar
interesse, e especialmente: I – a eletividade do Prefeito e dos Vereadores
da Câmara Municipal, II – a decretação dos seus impostos e taxas, e a
arrecadação e aplicação das suas rendas, III – a organização dos
serviços de sua competência (...)

Identificamos no Texto Constitucional a previsão de autogoverno, com a


eleição de prefeitos e vereadores, bem como a possibilidade de organização dos
39

serviços de sua competência e ainda autonomia financeira ao possibilitar, por


meio de decreto, a instituição de impostos e taxas municipais.

Outro avanço que podemos identificar no Texto Constitucional diz respeito


não só a prestação de serviços exclusivos pelos municípios, mas também a
possibilidade de o ente local tratar de questões do seu peculiar interesse.

A carta de 1934, a exemplo do que vinha acontecendo no mundo48,


inaugurou no Brasil o federalismo cooperativo49, que vislumbrava uma ação
conjunta da União e dos estados para o combate às endemias e às secas no
Nordeste, bem como uma sistemática de repartição de competências concorrente
entre os entes federados.

No entanto, não foi possível verificar na prática os resultados dessas


alterações, visto que em 1937 a carta foi revogada e em 10 de setembro do
mesmo ano já vigorava a Constituição do regime de Getúlio Vargas.

2.1.4. O município e Constituição de 1937

Para o jurista Celso Ribeiro Bastos50, o texto da Constituição Federal de


1937 busca inspiração no modelo fascista, e possui traços eminentemente
autoritários.

Em razão disso, apesar da nova carta conservar alguns fundamentos


essenciais da democracia, como, por exemplo, a eleição para vereador, a
autonomia municipal ficou abalada, assim como a autonomia dos estados. Os

48
Constituição Alemã de 1910 e Constituição Austríaca de 1920.
49
O federalismo cooperativo pode ser identificado principalmente com as previsões dos artigos 140
e 177 da Constituição Federal de 1988.
50
Celso Ribeiro Bastos, Curso de Direito Constitucional, p.200.
40

prefeitos passaram a ser nomeados pelos governadores dos estados,


denominados interventores federais.

O Estado Novo, assim como ficou conhecido o governo autoritário de


Getúlio Vargas, buscou desenvolver o sentimento nacionalista, alavancando a
atividade industrial do país e demarcando fronteiras com os programas de
colonização do Mato Grosso, Amapá, Goiás, dentre outros51.

Gilberto Bercovici52 ressalta que o DASP – Departamento Administrativo do


Serviço Público, criado em 1937, controlava todo o Estado Novo de modo que não
havia nenhuma atuação legislativa dos entes federados sem a permissão do poder
central. Nessa época institui-se um regime de tutela administrativa, política e
financeira, causando um agigantamento da administração central.

Todavia, em virtude do interesse histórico sobre a autonomia e


competência dos municípios, apesar do Texto Constitucional não ter encontrado
espaço para ser colocado em prática, o municipalismo foi prestigiado ao
estabelecer uma competência certa ao município centrada na ideia da autonomia
em torno do peculiar interesse.

Segue abaixo um trecho constitucional:

Art. 28 – a autonomia dos municípios será assegurada: I – pela eleição


do Prefeito e dos Vereadores; pela administração própria no que
concerne ao seu peculiar interesse e, especialmente: a) à decretação e
arrecadação dos tributos de sua competência e a aplicação das suas
rendas; b) a organização dos serviços públicos locais (...)

51
Manuel Correia de Andrade e Sandra Maria Correia de Andrade alegam que “nesse período os
partidários da centralização procuravam fazer uma redivisão político territorial não só para diminuir
as diferenças de dimensão entre os vários Estados como também com a redefinição de fronteiras
provocar um arrefecimento dos sentimentos nativistas aos Estados”. Manuel Correria de Andrade e
Sandra Maria Correia de Andrade, A Federação Brasileira: Uma análise geopolítica e geosocial, p.
60.
52
Gilberto Bercovici, Dilemas do Estado Federal Brasileiro, p.42.
41

Podemos dizer, portanto, que a Constituição assegurava ao município


autonomia política, administrativa e financeira. Outro avanço no contexto municipal
que difere o Texto Constitucional de 1932 do anterior, disse respeito à arguição de
inconstitucionalidade das leis estaduais que ferissem a autonomia municipal.

Raul Machado Horta53 identifica que a Constituição possibilitou que o


Supremo Tribunal Federal também se manifestasse sobre a autonomia municipal,
assunto que antes não merecia tratamento pela Corte.

Identificamos aí um traço importante para a garantia da autonomia dos


entes federados atribuída aos municípios, qual seja: a análise por um órgão
específico sobre as suas competências e possíveis desmandos de outras esferas
governamentais na sua autonomia.

2.1.5. O município e a Constituição Federal de 1946

A Constituição de 1946 resgata o federalismo cooperativo de 1934,


marcando a sua plenitude, que pode ser definido como a busca da cooperação
entre União e entes federados, equilibrando a descentralização federal, com os
imperativos da integração econômica nacional. Apesar de manter a predominância
da União na Federação, o Texto Constitucional é alvo de elogios, e no período de
1946 a 1964 é possível identificar avanço nas conquistas populares54

53
Raul Machado Horta, A posição do município no direito constitucional federal brasileiro, p.113.
54
Para Gilberto Bercovici “a política durante o período democrático da Constituição de 1946
tornou-se mais abrangente do que até então fora. Com a extensão da cidadania e ampliação do
voto, embora os analfabetos continuassem a não votar, amplos setores inferiores das classes
medias e um contingente respeitável de trabalhadores, pela primeira vez, participaram do processo
político-eleitoral. Foi sob a vigência desta Constituição na década de 50, que a questão regional
ganhou importância no debate político nacional. A política estatal desenvolvida em regiões
problemas, como o Nordeste e a Amazônia, voltou-se no sentido de reduzir os desníveis existentes
entre as varias parte do país. Os vários órgãos criados (como a Superintendência do
desenvolvimento do Nordeste – SUDENE) tinham por função dinamizar as forças produtivas de
suas áreas de atuação e integrá-las ao sistema nacional”. Gilberto Bercovici, Dilemas do Estado
Federal Brasileiro, p. 42-58.
42

Para Luís Roberto Barroso:

“Sob o ângulo político, o período que se iniciou em 1946 foi o único de


toda a nossa história que permitiu certa autenticidade no processo
representativo. Ainda que as injunções financeiras tenham traçado limites
restritivos, o fato é que os estados gozaram dos poderes da auto-
organização, autogoverno e auto-administração. Na incipiente
democracia que se instalara, o regime federativo, ainda que condicionado
por um preocupante processo de centralização, encontrou campo para
55
prosperar.”

No que diz respeito aos municípios, Celso Ribeiro Bastos56 acredita ter sido
esse o período de renascimento do municipalismo brasileiro onde a expressão
peculiar interesse passa a significar “tudo aquilo que fosse interesse predominante
do município”.

Raul Machado Horta57 trabalha com o conceito de federalismo cooperativo


aliado ao histórico brasileiro, afirmando que dispondo de recursos de envergadura,
a União deveria redistribuir, por determinação constitucional, parcelas de suas
rendas com os estados e com os municípios. Entretanto, o autor relata que,
durante esse período, governo federal não se limitou a repassar as verbas e por
conta do seu histórico centralizador e autoritário invadiu o território estadual,
planejando políticas regionais, sem a participação dos estados.

Outra questão identificada pelo autor relaciona-se à intensificação dos


contratos entre os municípios e o governo federal sem a participação dos estados
durante esse período. Esse tipo de relação altera a estrutura federativa que até
então vigorava no Brasil: a do município como parte integrante do estado-membro.
Uma vez que a União travava e firmava convênios diretamente com o município, o
estado, por conseguinte, perdia a sua força diante dos entes locais.

55
Luís Roberto Barroso, Direito Constitucional Brasileiro: o problema da Federação, p. 48.
56
Celso Ribeiro Bastos, A Federação no Brasil, p. 39.
57
Raul Machado Horta, A posição do município no direito constitucional federal brasileiro, p.11-46.
43

Sem realizar uma análise aprofundada sobre a postura do governo federal,


visto que o município também sofre com a atuação autoritária da União, essa
sistemática reaviva a discussão sobre a posição do município na Federação.

No entanto, a Constituição teve um período curto e por isso não foi possível
identificar avanços ou problemas oriundos da sua forma de organização.

2.1.6. O município e a Constituição de 1967/69

A despeito da boa aceitação da Constituição Federal de 1946, a partir de


1961 mudanças contundentes aconteceram no cenário político brasileiro e a
Constituição sofreu diversas emendas. Em 1964, dentro de um quadro político
institucional instável, as forças armadas tomaram o poder do Estado Brasileiro.

Luís Roberto Barroso acredita que a reforma tributária nacional de 1965


serviu juntamente com outros instrumentos, para o fortalecimento da União a
extremos incompatíveis com o regime federativo e em nome da racionalidade
tributária reduziu-se a competência dos estados e dos municípios para instituírem
tributos, impondo um esquema rígido para aplicação dos recursos transferidos
pela União. 58

Sob o peso das mudanças, o Texto de 1946 é substituído pela carta de


1967, que tinha como preocupação maior a segurança nacional e, em nome disso,
algumas distorções e manipulações constitucionais foram possíveis.

A Constituição Federal previa que:

Art. 16 - a autonomia dos municípios será assegurada: I – pela eleição do


Prefeito e dos Vereadores; pela administração própria no que concerne
ao seu peculiar interesse e, especialmente: a) à decretação e

58
Luís Roberto Barroso, Direito Constitucional Brasileiro: o problema da Federação, p. 49.
44

arrecadação dos tributos de sua competência e a aplicação das suas


rendas; b) a organização dos serviços públicos locais (...)

No entanto, a despeito da garantia constitucional, os municípios perderam a


sua autonomia. Extinguiram-se as eleições para prefeitos da capital e das cidades
que eram consideradas de segurança nacional. Os chefes locais eram nomeados
pelos estados, com a prévia anuência do Presidente da República

Autores59 ressaltam que sob o nome de federalismo de integração – que


garantia um poder maior da União no poder econômico -, o regime militar suprimiu
características básicas e imprescindíveis da Federação.

Em 13 de dezembro de 1968, o ato institucional n º 5 previu medidas


autoritárias, suprimindo dentre outras disposições constitucionais, os direitos
políticos e o congresso nacional. Em razão disso, para garantir a legitimidade
dessas mudanças, houve uma Emenda à Constituição, que ao todo resultou em
40 (quarenta) alterações ao texto de 67.

A Emenda Constitucional 1, como foi denominada, pode ser considerada


praticamente uma nova Constituição, com previsão de pena de morte, prisão
perpetua, confisco, dentre outras medidas de caráter autoritário e repressor
suprimindo desse modo a autonomia municipal na prática.

2.1.7. O Município e a Constituição de 1988

Celso Ribeiro Bastos reclama para a Constituição de 1988 o nosso próprio


modelo democrático e representativo alertando que:

“Entraria em linha de discussão, eis que restam ainda inaproveitadas as


incomensuráveis reservas de participação ativa do município da gestão

59
Assim defende Gilberto Bercovici, Dilemas do Estado Federal Brasileiro, p. 51 e Luís Roberto
Barroso, Direito Constitucional Brasileiro: o problema da Federação, p. 51.
45

da coisa pública. Se essa participação é por vezes difícil nos Estados e


mais ainda na União, ela encontra um campo excelente de aplicação no
seio das entidades municipais. A relativa exiguidade do território e a
existência de uma relação de vizinhança ensejam modalidades
participativas praticamente ilimitadas. É uma questão de criatividade
60
intelectual e vontade política”.

Não exatamente como desejava Celso Ribeiro Bastos, mas com grande
evolução e ineditismo, a Constituição de 1988 modificou a posição do Município61
no arranjo federativo brasileiro, visto que a sua inclusão como parte integrante da
Federação, reconheceu a sua capacidade de auto-organização e a ampliação de
suas competências.

Desse modo, altera-se a configuração da Federação que passa a ter três


planos, ou seja, são três ordens jurídicas atuando num mesmo território.

Alguns autores não concordam com essa modificação na estrutura


federativa, isto por que sustentam não ser possível uma Federação de Municípios,
mas tão somente de estados. José Afonso da Silva, apesar de aceitar que a
Constituição Federal de 1988 consagrou a tese de que os Municípios são
entidades federativas de terceiro grau, alega que:

“Essa é uma tese equivocada, que parte de premissas que não podem
levar à conclusão pretendida. Não é porque uma entidade territorial tenha
autonomia político-constitucional que necessariamente integre o conceito
de entidade federativa. Nem o Município é essencial ao conceito de
federação brasileira. Não existe federação de Municípios. Existe
federação de Estados. Estes é que são essenciais ao conceito de
62
qualquer federação.”

O autor argumenta que, ao reconhecer o caráter federativo dos Municípios,


estamos admitindo que a Constituição se resguarda de uma eventual secessão
municipal. No entanto, a sanção indicada pela Carta Magna ao ente local nesse

60
Celso Ribeiro Bastos, A Federação no Brasil, p.45.
61
Como alertamos inicialmente, passaremos, daqui para diante, a utilizar letras maiúsculas para
nos referirmos ao entes federados de modo concreto (União, Estados e Municípios) em
consonância com o Texto Constitucional em vigor.
62
José Afonso da Silva, Curso de direito constitucional positivo, p. 474-640.
46

caso não é a de intervenção federal, mas estadual, o que, de acordo com o autor,
ratifica que os Municípios continuam a ser divisões político-administrativas dos
seus respectivos Estados-membros, e não da União. Para exemplificar, ele aponta
para a criação, incorporação, fusão e desmembramento de Municípios que
dependem de lei estadual (CF, art. 18, § 4º).63

Outro argumento utilizado pelo autor é no sentido de que caso os


Municípios sejam considerados divisões políticas do território da União, os
Estados, cujos territórios são repartidos em Municípios, não teriam território
próprio.

Por fim, José Afonso da Silva ressalta que na Constituição Federal existem
onze ocorrências das expressões ‘unidade federada’ e ‘unidade da Federação’ (no
singular e no plural) referindo-se apenas aos Estados e Distrito Federal, nunca
envolvendo os Municípios (CF, arts. 34, II,IV e V, 45, § 1, 60, III, 85, II, 132, 159,
§, 2, 225, §, 1, III; ADCT, arts. 13, § 4, e 32, § 9)”.

Na mesma linha José de Castro Nunes defende “que seria absurdo supor
que cada Estado constituísse uma federação em miniatura de base comunal”64.

Entretanto, apesar dos argumentos de peso apresentados, há autores,


como Fernanda Dias Menezes de Almeida65 que consideram que a nossa
Federação desde a origem desenvolveu-se em três planos, identificando-se uma
tríplice estrutura que compreende a ordem central, estadual e a municipal. E como
sustentáculo desta postura, a Constituição de 1988 conferiu ao Município a
capacidade de auto-organização que lhe faltava, por meio da possibilidade dos
Municípios elaborarem as suas próprias Leis Orgânicas, bem como alargou as

64
José de Castro Nunes, Do Estado Federado e sua Organização Municipal, p. 73.
65
Fernanda Dias Menezes de Almeida, As competências na Constituição de 1988, p. 96.
47

suas competências, nos termos dos artigos 1º e 18 da Constituição Federal, que


preveem, respectivamente:

Art. 1º – A República Federativa do Brasil, formada pela união


indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se
em Estado Democrático de Direito (...)
Art. 18 – A organização político-administrativa da República Federativa
do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os
Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição.

A nosso ver, de fato, não é um traço comum das federações a participação


de entes locais (distrito, cantão, município, dentre outros) na sua formação. Assim,
elevar a ente federativo o Município é uma inovação da Carta de 1988 e da
Federação brasileira.

Não concordamos, porém, que tal decisão tenha sido para se resguardar de
uma secessão municipal. Ora, nem da secessão estadual, quando da elevação
das províncias a Estados-membros. A Federação brasileira, como argumentamos,
observa outro percurso histórico, nem bem os Municípios, assim como os Estados
tiveram soberania antes de terem autonomia. A formação da nossa forma
federativa encontrou fundamento da unidade para o múltiplo, ou seja, o movimento
sempre foi o de transferir poderes do centro para a periferia e por isso a secessão
não é um fantasma que ronda a nossa Federação, como rondou a Americana, por
exemplo. Não podemos desconsiderar essa peculiaridade, em favor de um
conceito rígido de federação que, como sabemos, é uma construção político-
social, de ordem institucional, que se adequou às particularidades do Brasil.

E a Constituição Federal, ao garantir aos Municípios autonomia nos


aspectos político, administrativo e financeiro, inaugurando, ainda, a expressa
integração dos Municípios na Federação brasileira, dotou-os também de
competências que traçam o âmbito de sua autonomia política.
48

A Ministra Carmem Lúcia Antunes Rocha, por meio da ADI 3.549-5, que
questionava a possibilidade de o Estado de Goiás estabelecer regras para a
vocação sucessória dos cargos de prefeito e vice-prefeito em caso de dupla
vacância, em virtude da omissão de regra local, sustenta que:

“Não se há de esquecer, entretanto, que mesmo no modelo de


descentralização constitucionalmente adotado, o Estado Brasileiro
formou-se por entidades voltadas para o centro. Nesse contexto,
perigosa é a interpretação constitucional - e mais ainda a prática
constitucional que conduz à restrição das autonomias das unidades
66
federadas, por desvirtuar a própria ideia de federação.”

Assim, apesar de o Município não dispor de algumas características que


têm a União e os Estados-membros, como por exemplo, Judiciário próprio e
participação no Senado, são dotados, todavia, de Poder Executivo e Legislativo
próprios (CF, art. 29, I), bem como de competências exclusivas e concorrentes
(CF, art. 30 e art. 23).

Portanto, a argumentação de que o ente local não é totalmente autônomo,


em razão de alguns artigos constitucionais não o incluírem na formação federativa,
se dá, a nosso ver, em desprestígio da previsão expressa de que o Município é
um ente federativo e, logo, do princípio da unidade da Constituição. E, exatamente
por identificarmos a Constituição como um todo, não reputamos como possível
que a referência àqueles dispositivos imobilizem, a ponto de tornar sem valor, os
artigos 1º, 18, 23, 29 e 30, da Constituição Federal.

Assim, concluímos que o Município, com a autonomia que lhe foi reservada,
participa de maneira efetiva não só para a consecução dos seus objetivos, mas
para a vontade da federação, integrando de modo essencial essa forma de Estado
adotada no Brasil após 1988.

66
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADI 427.463–9. Relator (a): Min. Carmem Lúcia Antunes
Rocha. Publicação: 31/10/2007.
49

Além dos avanços municipais, cabe lembrar que a Constituição de 1988


adere ao federalismo cooperativo. Nele tem-se um crescimento da atuação da
União frente à ordem econômica e uma preocupação com o desenvolvimento de
políticas sociais pelo Estado brasileiro, o que sugere uma intervenção estatal em
escala nacional, abordando, para tanto, uma atuação conjunta dos entes
federados por meio das competências concorrentes.

Gilberto Bercovici entende que:

“As tensões do federalismo contemporâneo, situadas basicamente entre


a exigência da atuação uniformizada e a harmônica de todos os entes
federados e o pluralismo federal, são resolvidas em boa parte por meio
da colaboração e da autuação conjunta das diversas instâncias
67
federais.”

O federalismo de 1988 se desenvolve sob essa ótica cooperativa, com a


repartição de competências estabelecendo matérias de interesse comum a todos
os entes federados, incentivando as relações intergovernamentais. Essas relações
pressupõem, inclusive, a cooperação técnica e financeira da União e dos Estados
para a execução das tarefas municipais. Outra questão do federalismo cooperativo
que atinge os Municípios é a possibilidade do ente local suplementar legislação
federal e estadual de modo a contemplar as suas peculiaridades locais.

No que tange à instituição de tributos, coube aos Municípios instituir taxas e


impostos de incidência local, e participar da repartição de rendas entre União e
Estados. A repartição de rendas entre os entes federados é uma das principais
características do novo federalismo, a arrecadação de tributos em maior escala é
feita pela União, que deve repassar aos Estados e aos Municípios parte dessa
arrecadação, assim como os Estados devem repassar aos Municípios parte de
seus tributos68.

67
Gilberto Bercovici, Dilemas do Estado Federal Brasileiro, p. 58.
68
A repartição desses tributos está definida nos artigos 157, 154, 158 e 159 da Constituição
Federal de 1988.
50

Concluímos no sentido de que, apesar da evolução municipal na prática


não ser linear, tendo em vista períodos autoritários que desprezaram os
dispositivos constitucionais que dispunham sobre a autonomia municipal, as
Constituições brasileiras registram a importância do ente local para a construção
política do Estado Brasileiro, de modo que a Constituição de 1988, ao alçá-lo a
ente federado, petrificando essa cláusula, de modo a protegê-la de alterações que
tendam a aboli-la, legitima uma cultura tipicamente brasileira.

Nesse sentido, Carmem Lúcia Antunes Rocha acredita que a nossa cultura
é mais municipalista do que estadualista e ressalva que:

“Nós brasileiros somos mais municipalistas que federalistas no sentido de


atermos à entidade federada, à entidade estadual. Exemplo disso é
quando alguém pergunta a alguém – ‘De onde você é?’ a pessoa sempre
faz referência ao Município e não ao Estado. O que é bem contrário, por
exemplo, ao que acontece nos Estados Unidos, em que eles são
evidentemente mais estadualistas, até por que os Estados Unidos, no
seu próprio nome indica que as entidades federadas é que se uniram
69
dando origem ao Estado norte-americano.” .

Dessa forma, o Município como ente federado demonstra uma dimensão


evolutiva da história da Federação caracteristicamente brasileira. Porém, é
importante ressaltar que apesar de previsões constitucionais favoráveis acerca da
autonomia municipal, é preciso consolidar em termos práticos a posição de ente
federado dos Municípios.

2.2. Autonomia municipal na Constituição de 1988

A autonomia constitucional atribui à União, aos Estados e aos Municípios


capacidade política para eleger os seus representantes e elaborar a sua própria
Constituição; capacidade legislativa para editar todo o seu aparato legal, nos
estritos termos da faculdade constitucional; capacidade financeira para instituir e
69
Carmem Lúcia Antunes Rocha, O papel do Município na federação brasileira, p. 89.
51

arrecadar seus tributos e aplicar suas rendas; e capacidade administrativa para


organizar e gerir os seus próprios serviços públicos.

Portanto, depois de promulgada a Constituição Federal de 1988, a


autonomia do Município é baseada no seu poder de auto-organização,
autogoverno e autoadministração, que conjuntamente são poderes que conferem
autonomia a todo e qualquer ente federado.

O poder de autogoverno se traduz na possibilidade dos Municípios terem


poderes legislativo e executivo próprios. O Poder Legislativo municipal é composto
por Vereadores, eleitos pelos cidadãos do Município para um mandato de 4
(quatro) anos a ser exercido na Câmara Municipal; o Poder Executivo tem como
chefe o Prefeito, também eleito pelo voto popular para um mandato de 4 (quatro)
anos, chefiando a Prefeitura Municipal. É dessa forma que está garantido o
autogoverno desse ente federado (CF, art. 29, inc. I).

A autonomia de autoadministração se consolida por meio da execução e


gestão dos serviços públicos propriamente locais, como por exemplo: transporte
coletivo urbano, polícia das edificações, coleta de lixo, ordenação do uso do solo
urbano, dentre outros (CF, art. 30, V e VIII).

Já a autonomia para a auto-organização se dá pela possibilidade do


Município editar a sua lei orgânica (CF, art. 29, “caput”) que serve como diretriz
para as ações do Município e estar em consonância com as constituições
estaduais e a Constituição Federal. Além disso, o Município pode editar outras
leis, conforme as competências atribuídas a ele na Constituição Federal pela
repartição de competências.

Pinto Ferreira destaca que:

“É claro que essa autonomia só terá validade prática desde que o


município tenha poder legiferante. Daí se evidencia a doutrina de que os
52

municípios realmente têm competência para elaborar normas jurídicas a


70
que propriamente se pode dar o nome de lei.”

Concordamos com Pinto Ferreira ao ressaltar a importância da auto-


organização e da possibilidade de o Município editar leis para a consolidação e
implementação da sua autonomia.

Como decorrência dessa autonomia, a repartição de competências


identifica as competências legislativas e materiais de caráter exclusivo ou
concorrente do ente local.

A autonomia municipal relacionada à auto-organização foi reconhecida


pelas outras Constituições brasileiras com base no interesse local. A Constituição
Federal de 1988 inovou, estabelecendo outras competências aos Municípios, mas
manteve a competência baseada no interesse local no seu artigo 30, inciso I.
Devemos ressaltar que o interesse local não sugere uma situação que seja
exclusivamente local, e sim predominantemente local. Isto é, os Municípios
cuidarão dos temas que lhes foram deferidos no âmbito local, atentando ao que
lhes afeta em maior grandeza e em menor proporção, à União e aos Estados.

No que diz respeito à instituição de tributos, cabe aos Municípios instituir


taxas e impostos de incidência local, tais como: imposto predial territorial urbano,
imposto sobre serviço, taxas de luz, água, dentre outros serviços prestados pelo
próprio ente local (CF, art. 30, inc. III e art. 145). Ademais temos a repartição de
receitas tributárias prevista nos artigos 157, 154, 158 e 159 da Constituição
Federal que visam a uma transferência de receitas tributárias dos entes federados
de maior abrangência, União e Estados para os de menor abrangência, Estados e
Municípios.

70
Pinto Ferreira, Comentários à Constituição Brasileira, p. 249.
53

Além disso, e com vistas à preservação da autonomia municipal, os artigos


34 e 35 a Constituição Federal de 1988 regulamentam o instituto da intervenção
federal por meio de um rol taxativo de possibilidades. Desse modo, a União não
poderá intervir nos Estados e Municípios, nem mesmo os Estados poderão intervir
indiscriminadamente no ente local, mas tão somente nos casos expressamente
previstos constitucionalmente.

Devemos ressaltar, por fim, que a Constituição de 1988 garante que a


autonomia municipal seja preservada por meio de ação jurisdicional.

No Brasil, compete ao Supremo Tribunal Federal, originariamente, garantir


a autonomia Municipal, cabendo, também de modo originário, aos Tribunais de
Justiça estaduais tratar de conflitos federativos. As decisões oriundas desses
órgãos, nesses casos, terão eficácia erga omnes. Ademais, a todos os órgãos
jurisdicionais, de modo geral, cabe a solução de tais conflitos por meio do controle
difuso e concreto da constitucionalidade, sendo que, nessas situações, a decisão
terá validade somente entre as partes envolvidas no processo judicial.

Após análise do histórico municipal, podemos afirmar que essas medidas


previstas na Constituição de 1988 são de extrema importância para preservação
do ente local, que sempre esteve à mercê de mandos e desmandos dos Estados e
da União.
54

CAPÍTULO 3 - O Município e a repartição de competência da Constituição


Federal Brasileira de 1988

3.1. Importância do ente local

Cabe observar que os governos federal e estadual, ao menos no Estado


brasileiro, território com largas divisas e grande diversidade, estão distantes das
demandas da comunidade local que em tese são mais facilmente identificadas e
executadas pelo Poder Público municipal.

A justificativa para a autonomia e importância da descentralização política


municipal baseia-se em razões de ordem demográfica, geográfica, histórica,
social, política e econômica. Na opinião de André Franco Montoro “o poder
concentrado facilita o clientelismo, a corrupção e o desvio de recursos de
dinheiros’’.71

Manuel Correia Andrade e Sandra Correia Andrade sustentam que:

“É muito complexa a natureza das Federações. Essa complexidade


resulta ora da extensão territorial unida às diversidades regionais, ora de
diferenças culturais. A influência da formação histórica também é muito
grande daí resultando, muitas vezes, a união de vários Estados para
formar um estado soberano ou a descentralização de um estado ou de
um império unificado à procura de um equilíbrio, visando evitar uma
72
sucessão”.

E revelam que no Brasil existem estados cujo Índice de Desenvolvimento


Humano - IDH se aproxima ao de países desenvolvidos, como é o caso do Rio
Grande do Sul, e, por outro lado, engloba um estado como o Piauí, que tem um

71
André Franco Montoro. A Indispensável reforma Política, passim.
72
Manuel Correria Andrade e Sandra Correia Andrade, A Federação Brasileira: Uma análise
geopolítica e geosocial, p. 12-20.
55

IDH baixo como o verificado no Congo, que atualmente enfrenta uma guerra
civil.73

Isso demonstra que o Brasil, com o seu vasto território, apresenta


diferenças de todos os níveis (social, econômico e cultural) na sua Federação.
Portanto, os desníveis sociais são somados aos econômicos e às diferenças
culturais.

Uma característica cultural da história brasileira diz respeito ao Município


que teve o seu valor reconhecido e se transformou ente federado com a
Constituição de 1988.

Celso Ribeiro Bastos sustenta que:

“Vemos no Municipalismo não só uma tendência que encontra sólidas


raízes na nossa formação política e cultural, como também um dos
recursos e mananciais ainda não totalmente explorados na via da
democratização e descentralização do poder.”

E continua o autor:

“É no Município que todos vivemos e é da satisfação de suas


necessidades básicas que deflui, em grande parte, o nosso bem-estar
74
individual: todavia, o Município não retém as rédeas ultimas do poder.”

Depreendemos dos argumentos do autor que o município é o lugar onde


todos vivemos e por isso tem papel importante na realização do bem comum,
porém sob a égide do Estado Moderno não podemos nos referir a um município
dotado de soberania. Assim como o autor, não defendemos a atuação do

73
De acordo com a Fundação SEADE, o Índice de Desenvolvimento Humano – IDH, é uma medida
comparativa usada pela Organização das Nações Unidas – ONU, para classificar os países pelo
seu grau de "desenvolvimento humano" e para separar os países desenvolvidos (muito
alto desenvolvimento humano), em desenvolvimento (desenvolvimento humano médio e alto)
e subdesenvolvidos (desenvolvimento humano baixo). A estatística é composta a partir de dados
de expectativa de vida ao nascer, educação e PIB (PPC) per capita (como um indicador do padrão
de vida). Fundação SEADE, sem página. Site da Fundação SEADE.
74
Celso Ribeiro Bastos, A Federação no Brasil, p. 37-38.
56

Município de maneira soberana, mas acreditamos que o ente local, dentro da


abrangência territorial do Estado, continua sendo o espaço de convivência mais
próximo entre os cidadãos e por isso devemos trabalhar para o fortalecimento da
sua autonomia.

Reforçando a importância do ente local, Pierre Joseph Proudhon argumenta


que as organizações municipais são base da federação:

“Federação, isto é, pacto, contrato, tratado, convenção, aliança, etc., é


um convênio pelo qual um ou muitos chefes de família, um ou muitos
municípios, um ou muitos grupos de municípios ou Estados, se obrigam
recíproca e igualmente, uns para com os outros com a finalidade de
preencher um ou muitos objetivos particulares que desde então recaem
75
sobre os delegados da federação de maneira especial e exclusiva.”

Por outro lado, encontramos autores, como é o caso José de Castro


Nunes e José Afonso da Silva que não consideram os Municípios como entes
federados.

Como já defendemos, somos a favor da tese que ressalta a importância do


Município para o comprometimento dos envolvidos numa federação. No Brasil, é
notório que apesar da falta cooperação (legislativa, técnica e financeira) entre os
entes federados para a consecução das políticas sociais dispostas no rol do Artigo
23 da Constituição Federal, o Município tem se consolidado como peça chave na
execução dessas políticas76. No caso da Saúde, da Educação77, e principalmente

75
Pierre Joseph Proudhon, “El principio federativo”, p.64.
76
Sobre a municipalização e execução de políticas públicas pelos entes locais, Fernanda Henrique
Cupertino Alcântara defende que “o movimento de municipalização, tanto das responsabilidades
administrativas quanto da própria capacidade de geração de receita própria para atender às
demandas locais de fato, é hoje uma realidade incontestável. A descentralização tem sofrido
alternância pendular com a centralização no decorrer da história política brasileira e sempre foram
muitas as discussões acerca dos problemas e benefícios que ela proporciona. De um modo geral,
este artigo tentou demonstrar que frente às alternâncias no poder de perspectivas prós e contras à
descentralização, a municipalização do comando, dos projetos, das decisões e dos recursos é hoje
uma materialização desse longo processo. Os dados elencados demonstram meu argumento
acerca das implicações do processo de descentralização para as políticas públicas, principalmente
as de geração de renda. Discutir um tipo de política pública específica requer, não apenas o
conhecimento a respeito da estrutura e impactos de cada programa, como também o contexto no
qual esse foi inserido. Dessa forma, justifica-se a análise do desenvolvimento da administração e
57

da Assistência Social, a municipalização das políticas tem sido um grande


diferencial para a efetiva gestão dos serviços públicos. E se pudéssemos nos
utilizar de ações cooperadas e conjuntas dos entes federados, o Brasil
apresentaria, sob o nosso ponto de vista, uma evolução econômica e social ainda
maior.

Não obstante, os Municípios ainda são espaços que facilitam a atuação da


sociedade civil na vida pública. No ente local identificamos os processos de
audiências públicas em que o povo é informado e ouvido para orientar tomadas de
decisão do Poder Público. Outra prática que se desenvolve no Poder Executivo
local diz respeito ao Orçamento Participativo, no qual alguns cidadãos constroem
conjuntamente com gestores públicos as prioridades orçamentárias para aquele
Governo. Na esfera do Poder Executivo ainda há outros espaços para a
participação do cidadão. Dentre eles, podemos citar os conselhos que existem nos
níveis federal, estadual e municipal.

Assim, essas novas formas de participação permanentes da sociedade


aprimoram a democracia, independentemente de representação. Estes
instrumentos ampliam o conteúdo democrático da vida política, ensejando maior
eficiência econômica e social nas ações de governo e uso de recursos públicos.
Podemos dizer ainda que os novos mecanismos de participação popular
constituem espaço de educação política cidadã, ao mesmo tempo em que

implementação de programas deste tipo, tendo por referência as mudanças ocorridas, no que diz
respeito ao próprio conceito de município como unidade da federação, com suas
responsabilidades, atribuições e características”. Fernanda Henrique Cupertino Alcântara,
Municipalização e políticas públicas: a regulamentação como projeto e prática social como
resposta, p. 258-259.
77
Apesar da evolução do sistema educacional com a implantação do processo de municipalização,
Jean Mário Araújo Costa e Maria Couto Cunha, explicam após estudo de casos concretos que a
política de descentralização do ensino em Municípios pesquisados da Bahia, desenvolveu-se de
forma totalmente despojada da relação com o princípio cooperativo federativo, tornando-se uma
questão predominantemente política, econômica e financeira, que teve como consequência a
subordinação do órgão local frente aos demais entes. Jean Mario Araújo Costa e Maria Couto
Cunha, A Municipalização do ensino e o regime de colaboração: um estudo em dois municípios do
território do sisal do semiárido baiano. Jean Mário Araújo e Maria Couto Cunha, p. 20.
58

controlam as atividades de governo, quanto ao cumprimento dos compromissos


dos governantes ou da captação de novas sinalizações políticas. E por isso
afirmamos, sem hesitar, que o Município é peça-chave nesse processo de
aprimoramento da qualidade democrática.

No entanto, não nos cegamos para a realidade e identificamos algumas


fragilidades ligadas à organização municipal.

A primeira diz respeito à proliferação do número de Municípios na década


de 1990, quando houve o “boom municipal”, ou seja, muitos Municípios foram
criados, logo após a promulgação da Constituição Federal de 1988. E, em razão
dessa criação desenfreada de entes locais, identificamos que não são todos os
governos municipais que realmente podem contribuir para a erradicação das
desigualdades regionais, desenvolvimento local e para os demais objetivos da
República Federativa do Brasil.

Uma parte relevante dos Municípios não gera receita própria e acabam por
se valer da receita do Fundo de Participação dos Municípios – FPM para arcar
com os gastos da sua estrutura política e administrativa, gerando uma
descompensação na receita de todos os Municípios.

Um estudo realizado por José Murad Filho sobre a criação de Municípios no


Estado do Maranhão reforça a afirmação:

“Em termos das finanças municipais, a resposta costuma estar na


duplicidade de despesas que passa a existir, sobretudo no caso das
despesas inerentes às atividades de gestão e controle da coisa pública.
Do lado da receitas, ao contrário, não há uma correspondente geração de
novos recursos. As receitas do novo município só poderão advir de um
78
deslocamento de outros municípios, dentro do mesmo Estado.”

78
José Murad Filho, Sobre a criação de novos municípios, sem página.
59

Para o autor, o FPM é o segundo item mais importante nas finanças


municipais maranhenses, atrás apenas do Fundo de Manutenção e
Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da
Educação - FUNDEB, correspondendo, em média, a cerca de um quarto da
receita total dos Municípios maranhenses, participação que sobe para mais de um
terço, no caso dos pequenos Municípios. E o que pode ser identificado na criação
de um novo Município é que a receita do FPM, que cabe a todos os Municípios do
Estado, será redistribuída, conforme um critério exclusivamente populacional, que
beneficia as localidades de menor porte, porém, tal ação diminui a fatia das verbas
do FPM destinadas às localidades pré-existentes.

No estudo o autor propõe também algumas simulações realizadas para a


divisão da receita de FPM, com base em diferentes cenários de criação de
Municípios:

Os números demonstram que num processo de emancipação de Municípios,


quem mais perde, em termos de FPM, são os Municípios que permanecem
intactos. O autor destaca que:

“nas simulações realizadas, além do número de localidades criadas, dois


outros fatores afetam as perdas dos municípios mantidos intactos: sua
60

própria população e a população dos municípios emancipados, variáveis


79
que guardam uma relação inversa com o decréscimo de receita.”

Em outras palavras, o autor ressalta a necessidade de um questionamento:


se é possível identificar que a emancipação de alguns Municípios pode causar um
impacto negativo sobre a receita dos Municípios que não participam diretamente
do processo. Para fazer frente a essa questão é preciso analisar com cuidado a
criação desses entes, que ao visarem a geração de um melhor serviço para
populações distantes de um centro político, podem acabar por prejudicar outros
Municípios criados com essa mesma intenção.

Vale ressaltar um dado interessante trazido pelo estudo: entre 1988 e 1996,
período que possibilitava a criação de novos Municípios com base em critérios
definidos por lei complementar de âmbito estadual, houve um boom de novos
Municípios. Na comparação com o ano de 1984, data anterior à promulgação da
Constituição Federal, o número de Municípios existentes no Brasil passou de
4.090 para 5.507 no ano 2000.

Mônica de Melo, ao estudar a realização de plebiscito para a criação de


novos Municípios, destaca que:

“Esse é o plebiscito previsto há mais tempo no Brasil e que tem gerado


diversos problemas devido à proliferação de municípios sem viabilidade
econômica, criados sem que pudessem manter-se independente de
verbas federais, já que com a Constituição de 1988 houve uma
80
centralização dos recursos para posterior distribuição.”

A autora ressalta ainda que o Congresso Federal, como forma de sanar a


criação desenfreada de Municípios, introduz com a Emenda Constitucional nº 15
exigências como o “Estudo de Viabilidade Municipal”.

79
José Murad Filho, Sobre a criação de novos municípios, sem página.
80
Mônica de Melo. Plebiscito, Referendo e Iniciativa Popular: mecanismos constitucionais de
participação popular, p.162-163.
61

Ainda assim, não somos contrários à criação de Municípios, já que, se


responsavelmente concebidos e geridos, podem alavancar o desenvolvimento
local e regional: o fato de o Município, cumpre reiterar, ser o ente federado que
está mais próximo do cidadão, propicia genuinamente a identificação e a captação
de demandas da sociedade, considerando seus aspectos peculiares, permitindo,
assim, a formulação de políticas públicas compatíveis. Tal questão está
intimamente relacionada à maior eficiência econômica e social na alocação dos
recursos públicos, o que gera desenvolvimento para aquele território.

Portanto, esperamos a regulamentação da Emenda Constitucional nº 15/96,


que determinou a necessidade de uma definição de parâmetros nacionais, para a
criação de novos Municípios.

A segunda fragilidade diz respeito à organização administrativa e financeira


dos Municípios.

Segundo Vitor Nunes Leal:

“O argumento, muito usado, de que a autonomia local favorece as


administrações perdulárias ou corruptas, pela impossibilidade de um
controle do alto, é geralmente documentado com a experiência do regime
de 91 na maior parte dos Estados. Mas, se o Estado, no regime de 91,
dispunha de completa ascendência política sobre os chefes locais,
porque não a exercia no sentido de moralizar a administração municipal?
Por que só a utilizava para impor candidatos nas eleições estaduais e
federais? Essas perguntas desnudam o fato verdadeiro que o próprio
argumento encobre. A ‘vista grossa’ que os governos estaduais sempre
fizeram sobre a administração municipal, deixando de empregar sua
influência política para moralizá-la fazia parte do sistema do compromisso
do ‘coronelismo’”.

E segue alegando que:

“A concentração do poder em nosso país, tanto na ordem nacional como


na provincial ou estadual, processou-se através do enfraquecimento do
município. Não existe a menor contradição nesse processo. É sabido que
o poder central na Monarquia, não mantendo relações como o município
senão para o tutelar, assentava sua força política no mando
incontrastável exercido pelos presidentes de província, delegados de sua
62

confiança. Consequentemente, o próprio poder central se consolidou


através de um sistema de concentração do poder provincial, isto é pelo
81
amesquinhamento dos municípios”.

Concordamos com o autor e atribuímos à desorganização administrativa e


financeira a carência da prestação de serviços no âmbito municipal, sendo, em
grande parte, responsabilidade de todos os entes federados, não somente do ente
local.

Aliás, é assim que está desenhada a nossa Federação de 1988: as


responsabilidades conjuntas e a repartição de verbas entre os entes federados
pressupõem a participação de todos para a consecução do bem comum e,
consequentemente, o ganho de um é resultado do esforço de todos, assim como
as fragilidades de um evidenciam a desordem de um todo.

Portanto, mais do que atribuir responsabilidade pelas fragilidades


administrativas e financeiras apresentadas pelos Municípios, é importante voltar o
olhar para a fragilidade do pacto federativo que não sustenta a estrutura criada
para a realização das tarefas municipais. Para a melhor organização das
atividades locais, seria crucial a atuação conjunta e a cooperação efetiva dos
entes federados visando à consecução quantitativa e qualitativa do bem comum.

3.2 Critérios de Repartição de Competências

É pacifico na doutrina que a repartição de competências é pressuposto para


a autonomia dos entes federados, visto que nela se traduz o exercício e
desenvolvimento das atividades normativas dos entes federados.82

81
Victor Nunes Leal, Coronelismo, enxada e voto, p. 52-101.
82
Raul Machado Horta, A autonomia do Estado-Membro no Direito Constitucional Brasileiro. Belo
Horizonte, 1964, p. 49.
63

Primeiramente, vale a pena definir o que é competência. Na acepção


jurídica, de acordo com José Afonso da Silva, “competência é a faculdade
juridicamente atribuída a uma entidade, órgão ou agente do Poder Público para
emitir decisões”.83

É possível identificar na Constituição Federal de 1988 que as competências


atribuídas a cada unidade da Federação brasileira são de natureza legislativa e
administrativa ou material e se repartem de forma horizontal e vertical.

Basicamente, as competências legislativas da União estão previstas nos


artigos 22 e 24; dos Estados, nos artigos 24 e 25, § 1º; dos Municípios, artigos 30,
I e II. As competências materiais ou administrativas da União estão contempladas
nos artigos 21 e 23; dos Estados, nos artigos 23 e 25, §§ 2º e 3º; dos Municípios,
nos artigos 23 e 30, III a IX.

Identifica-se que o princípio que norteia a repartição de competência é a


predominância do interesse. Assim, são garantidas à União as matérias de
predominante interesse geral, aos Estados aquelas nas quais o interesse regional
prevalecer e, por fim, aos Municípios o assunto que tiver predomínio local84.

Podemos dizer que o critério da predominância do interesse ou da variável


amplitude de interesses no tocante a cada unidade governamental consta do
ideário da repartição de competências constitucionais, segundo o qual, definidas
as competências destinadas a cada esfera federativa, à União foram destinadas
matérias de âmbito nacional, afetando os Estados e os Municípios, assim como
aos Estados, cujo exercício de suas faculdades material e legislativa alcança os
Municípios e a própria União, coube disciplinar acerca de assuntos de interesse
regional. Por fim, os Municípios cuidarão dos temas que lhes foram deferidos no
âmbito local, afetando em menor proporção, a União e os Estados.

83
José Afonso da Silva. Curso de direito constitucional positivo, p. 479.
84
Ibid., p. 478.
64

Dalmo de Abreu Dallari interpreta essa regra de forma adequada:

“Essa regra, fixada pelos federalistas do século XVIII, permite grande


flexibilidade na distribuição de competências e exige mesmo, uma
interpretação dinâmica dos dispositivos constitucionais, pois com as
modificações das condições de vida, com os progressos da ciência e da
técnica e com a mudança da significação social de muitos fatos, torna-se
conveniente, ou até necessária, a transposição de certos assuntos de
85
uma para outra esfera de competências.”

Como técnica, a Constituição brasileira enumera competências à União e


aos Municípios, deixando aos Estados os poderes remanescentes, prevendo,
todavia, competências legislativas concorrentes e materiais comuns a todos os
entes federados.

José Roberto Anselmo defende que a Constituição de 1988 acabou


adotando uma divisão de competências baseada em cinco planos:

“I – competência geral da União (art. 21);


II – competência legislativa privativa da União;
III – competência comum da União, Estados, do Distrito Federal e dos
Municípios (art. 23);
IV- competência de legislação concorrente da União, dos Estados e do
Distrito Federal (art. 24 e parágrafos);
V – competências dos poderes reservados aos Estados (art. 25, § 1º, e
86
125, § 1º, 2º, 3º e 4º).”

O modelo contempla até certo ponto a divisão de competências, visto que


faltou identificar a competência suplementar do Município (CF, 30, II), bem como
elencar as competências privativas materiais e legislativas, do ente local (art. 30, I,
III, IV, V e VIII).

Temos nos artigos 21 e 22 do Texto Constitucional, as matérias de


competência privativo-administrativas e privativo-legislativas da União. O artigo 21
da Constituição Federal contempla, por enumeração, atribuições administrativas,

85
Dalmo de Abreu Dallari, O estado federal, p.18-19.
86
José Roberto Anselmo, O papel do Supremo Tribunal Federal na concretização do Federalismo
Brasileiro, f. 168.
65

políticas, econômicas e sociais – competências materiais – da União de caráter


privativo. Já o artigo 22 prevê temas cuja competência legislativa é privativa da
União, sendo passível, porém, de delegação de questões específicas aos Estados
por meio de autorização por lei complementar.

O artigo 25, § 1º, garante aos Estados a competência residual. E o artigo


30, inciso I, estabelece as competências privativas dos Municípios.

A competência comum vem consagrada no artigo 23 da Constituição


Federal e consiste em competência de natureza material conferida a todos os
entes da Federação. Em razão do interesse público, conclama-se a preservação
de certos bens e o atingimento de certas metas de cunho social mediante esforços
conjuntos entre as diversas unidades componentes da Federação brasileira.

A União, os Estados e os Municípios concorrerão para um fim comum de


interesses para o desenvolvimento e o bem-estar nacional. Fernanda Dias
Menezes de Almeida explica que:

“A competência material do artigo 23 foi designada como competência


‘comum’, termo que, no caso, tem o mesmo sentido de ‘concorrente’.
Haverá uma concorrência de atuação nas matérias que o dispositivo
arrola. O que o constituinte deseja é exatamente que os Poderes
Públicos em geral cooperem na execução das tarefas e objetivos
87
enunciados.”

Com efeito, para que ocorra a colaboração desejada entre as esferas


federativas, também existe uma regra de atuação definida no parágrafo único do
artigo 23, que estabelece a necessidade da elaboração de leis complementares de
abrangência nacional estabelecendo os termos em que a cooperação deve
acontecer.

87
Fernanda Dias Menezes de Almeida, Competências na Constituição de 1988, p.113.
66

Gilberto Bercovici88 acredita que o federalismo cooperativo é instituído pela


Constituição no artigo 23, que elenca uma serie de matérias cuja competência é
comum entre União, Estados e Municípios. Alega, todavia, que as leis
complementares responsáveis por articular esse condomínio não são deveras
utilizadas. Ou seja, isso é um forte indício de que a cooperação entre os entes
federados não está sendo feita de forma adequada e conforme estabelecido pela
Constituição Federal, causando certo desequilíbrio na Federação brasileira.

No campo da competência legislativa concorrente, a União e os Estados


estão autorizados a legislar sobre os assuntos descritos no artigo 24 da
Constituição Federal. Nesse âmbito, a União estabelece normas gerais (art. 24, §
1º), cabendo à esfera estadual a competência suplementar, editando disposições
de acordo com as suas especificidades regionais (art. 24, § 2º), respeitando as
normas gerais da União.

Aos Municípios também coube a suplementação da legislação federal e


municipal no que couber nos termos do artigo 30, II.

Sobre o termo suplementar utilizado pela Constituição nos artigos 24 e 30


ao tratar da competência concorrente nos ateremos à diferenciação feita entre
competência “supletiva” e “complementar”, entendidas como espécies da
competência suplementar.

Na doutrina muito se discutiu o assunto quando do Texto Constitucional de


1934, que fazia uso da palavra supletiva e complementar no que dizia respeito à
competência concorrente. Nesse caso, a dúvida era se os Estados teriam
competência para suprir lei federal inexistente.

Era de comum entendimento que os Estados poderiam complementar


normas gerais definidas pela União, esmiuçando o seu conteúdo de modo a

88
Gilberto Bercovici, Dilemas do Estado Federal, p. 56.
67

adequá-lo a realidade regional. Porém a questão supletiva, relacionada a


possibilidade de o Estado legislar para o seu território em razão de ausência de lei
federal, gerava controvérsias.

Hoje a controvérsia está encerrada, visto que o Texto Constitucional se


refere à suplementação e a doutrina entende que ambas as possibilidades estão
contidas nessa expressão89. Ou seja, cabem aos entes federados na atuação
legislativa concorrente tanto complementar normas gerais como suprir lei federal
inexistente.

Por fim, a competência concorrente pressupõe modalidades. A mais comum


pode ser a que diferencia a competência concorrente horizontal ou vertical, que
também pode ser classificada como cumulativa ou não cumulativa90.

Os parágrafos do artigo 24 da Constituição Federal identificam a regra da


competência concorrente vertical ou não cumulativa, que vem a significar que a
atuação dos entes federados orbita dentre de certos parâmetros, conforme segue:
(i) § 1º - no âmbito da legislação concorrente, a competência da União limitar-se-á
a estabelecer normas gerais; (ii) § 2º - a competência da União para legislar sobre
normas gerais não exclui a competência suplementar dos Estados; (iii) § 3º -
inexistindo lei federal sobre normas gerais, os Estados exercerão a competência
legislativa plena, para atender a suas peculiaridades; (iv) § 4º - a superveniência
de lei federal sobre normas gerais suspende a eficácia da lei estadual, no que lhe
for contrário.

89
Fernanda Dias Menezes de Almeida afirma que “pela análise sistemática dos parágrafos 24,
deve-se entender que os Estados continuam sendo titulares – e agora o distrito federal também o é
– de competência complementar e de competência supletiva. Na hipótese do parágrafo 2, Estados
e Distrito Federal exercerão competência complementar, i.e., poderão pormenorizar as normas
gerais, estabelecer as condições para sua aplicação. Na hipótese do parágrafo 3 e de competência
supletiva que se trata: na ausência de normas gerais da União, Estados e Distrito Federal suprirão
a falta, legislando para atender a suas peculiaridades”. Fernanda Dias Menezes de Almeida,
Competências na Constituição de 1988, p. 134-135.
90
Manuel Gonçalves Ferreira Filho explica que a competência concorrente cumulativa existe
sempre que não há limites prévios para o exercício da competência, por parte de um ente. A não
cumulativa é que propriamente estabelece a chamada repartição “vertical”. Manuel Gonçalves
Ferreira Filho, Comentários à Constituição Brasileira de 1988, p. 189.
68

A regra da competência concorrente horizontal ou cumulativa não foi muito


prestigiada na Constituição atual e ocorre nos casos de delegação de atuação
exclusiva.

Nesse caso a Constituição Federal reparte basicamente a sua competência


de forma horizontal, quando estabelece as competências exclusivas da União e
dos Municípios, bem como os poderes remanescentes deixados aos Estados e de
forma vertical ao utilizar-se da competência concorrente não cumulativa e limitada,
ao atribuir a elaboração de normas gerais à União e de suplementação de acordo
com as especificidades regionais e locais aos Estados e Municípios.

3.2.1 Das competências da União

O artigo 21 da Constituição Federal contempla as atribuições


administrativas, políticas, econômicas e sociais da União.

Cabe também à União o exercício da sua competência legislativa privativa,


que gera regras de caráter nacional e ordenam o comportamento de todos
aqueles que se encontram no território brasileiro, desconsiderando as fronteiras
internas no País, ou seja, os centros de poder periféricos (art. 22, I).

Outra competência da União, disposta no parágrafo único do artigo 23 da


Constituição Federal, diz respeito à elaboração de leis de caráter nacional que
visam estabelecer a forma de atuação entre os entes federados para a realização
das competências comuns, ou seja, das competências materiais (não legislativas).

O artigo 24 prevê que pertence à União a competência de elaborar normas


gerais nos casos de atuação legislativa concorrente entre os entes federados.
69

Apesar da dificuldade de conceituação sobre o que venha a ser uma norma


geral91, faremos uma definição simples: as normas gerais são as regras jurídicas
aplicáveis uniformemente sobre todo o território nacional, sem qualquer distinção,
devendo a própria União, os Estados e Municípios observá-las. As normas gerais
devem ser de conteúdo genérico e amplo, fixadoras de princípios e diretrizes
fundamentais, as quais não esgotam ou exaurem a matéria objeto de
disciplinamento, pois não as detalham nem as pormenorizam, encontrando seus
limites na autonomia das unidades da Federação.

Vale distinguir que o foco de ação desses atos normativos é o Estado


Federal, e que se contrapõem às leis federais que são aplicadas, tão somente,
aos jurisdicionados da União, aqui considerada como pessoa política interna.

3.2.2 Das competências dos Estados membros

Os Estados detêm competência legislativa residual, significando dizer que


lhes foram reservadas as matérias que o Texto Constitucional não lhes vedou.

O artigo 25, § 1º estabelece que as matérias que não foram destinadas


expressamente à União, nem aos Municípios, serão de competência dos Estados,
posto que a sua competência é remanescente. Todavia, o § 2º do artigo 25
também estabelece competências materiais privativas do Estado.

O artigo 23, que trata das competências comuns, inclui os Estados no rol
dos entes federados que devem contribuir para a realização daquelas matérias e,
portanto, os Estados-membros são gozam também de competências comuns.

Há também competência estadual para suplementar legislação federal (art.


24). Tanto para complementar o diploma de acordo com as suas especificidades
regionais como supri-las na ausência de edição das normas gerais pela União, no

91
Fernanda Dias Menezes de Almeida, Competências na Constituição de 1988, p. 128 a 133.
70

exercício de sua competência supletiva (art. 24, § 3º), sendo que a edição
posterior pela União de normas gerais suspenderão a eficácia, onde houver
conflito com os preceitos gerais estaduais (art. 24, § 4º).

Constatamos, pois, que cabe aos Estados a competência legislativa


residual (art. 25, § 1º), competência privativa material (art. 25 § 2º), competência
legislativa concorrente (art. 24, § 3º e § 4º) e a competência legislativa delegada
(parágrafo único do art. 22), bem como a competência comum (art. 23).

3.2.3 Das competências dos Municípios

No tocante às unidades federativas municipais, a Constituição Federal


dotou os Municípios de capacidade legislativa, sendo de sua competência editar
normas específicas destinadas a disciplinar assuntos de interesse local, no
exercício de sua competência plena e privativa, e a suplementar a legislação
federal e estadual, no que couber, nos termos do artigo 30, I e II.

Depreende-se do artigo 30, I, da Constituição Federal, que compete ao


Município legislar sobre assuntos de interesse local, restando-lhe facultado tratar
de temas que se refiram ao seu território. São assuntos de interesse
preponderantemente local, todos aqueles comuns a todas as unidades federativas
locais, já que se referem a interesses próprios a qualquer Município.

Distinta é a competência legislativa suplementar (CF, 30, II), na qual está


presente um interesse específico de um determinado Município, cujas
características o autorizam a editar normas suplementares à legislação federal ou
estadual, quando a legislação for insuficiente para atender às necessidades
demandadas pelo Município, de acordo com as suas especificidades.
71

A competência municipal se traduz nos assuntos que são concorrentes


entre os entes federados, nas matérias de interesse local, assim como nos
assuntos considerados explicitamente de exclusividade municipal. Dessa forma,
podemos dizer que ao Município que além das competências conjuntas, são
designadas competências exclusivas explicitas e implícitas aos Municípios.

Fernanda Dias Menezes sobre as competências municipais descritas pela


Constituição de 1988 afirma que:

“afastando-se, em parte, da técnica tradicional, a Constituição de 1988


não se limitou a demarcar a área das competências municipais
circunscrevendo-as à categoria genérica dos assuntos concernentes ao
peculiar interesse do Município. Foi mantida, sim uma área de
competências privativas não enumeradas, uma vez que os Municípios
legislarão sobre os assuntos de interesse local (art. 30, I). Todavia, o
constituinte optou por discriminar também certas competências
municipais exclusivas em alguns dos outros incisos do artigo 30.
Destarte, pode-se dizer das competências reservadas dos Municípios,
que parte delas foi enumerada e outra parte corresponde a competências
92
implícitas, para cuja identificação o vetor será sempre o interesse local” .

Identificamos os outros incisos citados pela autora como aqueles que


tratam sobre arrecadação de impostos, criação, organização e supressão de
distritos, prestação de serviços municipais, uso e ocupação do solo urbano (CF,
art. 30, III, IV, V e VIII). Os demais incisos (VI, VII e IX) tratam da área de
competências matérias comuns que somadas aos temas dispostos no artigo 23
caracterizam a competência municipal para atuação conjunta com os demais
entes federados para a realização de assuntos de interesse público.

3.2.4 Da definição de competências para o ente local

Os Municípios, contando com as competências que lhes foram atribuídas


pela Constituição Federal – privativas (exclusivas e de interesse local) e

92
Fernanda Dias Menezes, Competências na Constituição de 1988, p.97.
72

concorrentes (material comum e suplementar legislativa), buscam, de acordo com


as demandas locais, disciplinar matérias, com o objetivo de implantar políticas
visando ao bem-estar e ao desenvolvimento da comunidade local e do seu
território.

Porém, não é sempre que o Município consegue discernir as matérias de


sua competência, e a discussão sobre as competências gera por vezes entraves
ao pleno desenvolvimento da autonomia municipal, visto que a Constituição
Federal não traz conceitos claros sobre expressões relevantes para a definição da
competência municipal como “no que couber” e “interesse local”, bem como
estabelece uma sistemática de repartição de competências que sugere atuações
privativas e concorrentes de maneira horizontal e vertical.

José Afonso da Silva destaca que:

“No Estado moderno, se torna cada vez mais problemático discernir o


que é interesse geral, ou nacional do que seja interesse regional ou local.
Muitas vezes certos problemas não são de interesse rigorosamente
nacional, por não afetarem a nação como um todo, mas não são
simplesmente particulares a um Estado, por abrangerem dois ou mais
93
deles”.

Entretanto, a despeito dos problemas que a falta de definição causa no dia


a dia dos Municípios, os conceitos vagos pressupõem maior flexibilidade na
interpretação da repartição de competências. Portanto, a nosso ver, a maior
dificuldade está além de questões técnicas e se revela em parte com a história do
federalismo brasileiro, que pressupõe uma cultura centralizadora das decisões,
pelo receio do mau uso político feito pelos Municípios em períodos anteriores,
como, por exemplo, a prática do coronelismo. Ressaltamos, todavia que ao
Município nunca foi dada a possibilidade de exercer livre de tutelas estaduais ou
federal, a sua autonomia.

93
José Afonso da Silva, Curso de Direito Constitucional positivo, p. 478.
73

Essa cultura ganha ainda mais força com a suposta tendência


centralizadora advinda do federalismo cooperativo, que reforça o poder da União,
não deixando alternativa para Estados e Municípios senão cumprir as ordens
desse ente todo poderoso. Porém, esse argumento não se sustenta.

Gilberto Bercovici argumenta que:

“Há dentro das correntes que combatem o Estado social, alguns autores
que consideram que a repartição de competências prevista na
Constituição de 1988, especialmente a dos artigos 23 e 24 “irracional”.
Para eles, a repartição deveria ser clara, com a eliminação das
competências concorrentes por alargarem a margem de irracionalidade.
Curiosamente, nos Estados Unidos, eterno exemplo utilizado pelos
críticos das competências comuns e concorrentes como modelo de
“racionalidade”, a possível ambigüidade da separação constitucional de
competências não é vista pelos americanos como um mal ou equivoco a
ser superado, tanto que eventuais reformas propostas nunca foram
94
superadas.”

O autor sustenta que o fenômeno centralizador ocorre no Brasil em virtude


da falta de ações coordenadas, bem como pela tentativa da tutela política e
financeira por parte da União de certas políticas sociais.

Depreendemos que reside na hipótese do autor a desorganização


administrativa e o mau uso do poder que em nada contribuem para a evolução e
consolidação da repartição de competências inaugurada pela Constituição de
1988.

Para que possamos adequar o modelo federativo e a repartição de


competências constitucional ao estágio atual de desenvolvimento social e
econômico brasileiro, é preciso romper com certos paradigmas, como o de que o
Município faz mau uso do poder que lhe é conferido ou somente os entes
centralizados podem decidir qualitativamente acerca de questões de âmbito
nacional. Ao analisarmos, por exemplo, o fenômeno do coronelismo, identificamos
que as trocas de favores não advêm de uma postura municipal, mas sim de um

94
Gilberto Bercovici, Dilemas do Estado Federal Brasileira, p. 61-68.
74

desejo estadual e federal de se manterem no poder, por meio dos votos dos
munícipes.

O Município atualmente executa grande parte das políticas nacionais e


estaduais e isso é positivo. Porém, a malfadada tentativa da tutela política e
financeira por parte da União de certas políticas continua gerando um
desequilíbrio federativo, pendendo a balança para o centro.

Esse desequilíbrio pode ser identificado pela disfunção das políticas


públicas elaboradas única e exclusivamente pela União, que não se adéquam à
realidade dos Municípios, que são obrigados a executá-las sem ao menos
participar da sua construção, ficando à mercê do financiamento e dos repasses de
verbas feito pelos entes federal e estadual, que apesar de ser previsto
constitucionalmente em alguns casos, ainda é usado como forma de tutela.

A questão do suporte técnico também sofre disfunções, já que o Município


se vê obrigado a utilizar procedimentos desconhecidos pelos servidores locais e
as capacitações elaboradas pela União não dão conta de aparar todas as arestas.
Quando esses procedimentos não são cumpridos, em muitos casos, podem gerar
penalidades para o ente local, como a suspensão do repasse de verba para a
realização de determinada política.

A regra da cooperação estabelece que nem a União nem qualquer outro


ente federado atuar isoladamente. A decisão de cooperar é conjunta, a execução
é que se dá separadamente.

Outro desequilíbrio pode ser identificado na centralização da produção


legislativa pelo ente federal, seja para elaboração das políticas sociais acima
citadas, seja em relação a matérias que pressupõem a atuação concorrente
dispostas no artigo 24, combinada com o artigo 30, II. A suplementação municipal
é autorizada caso os diplomas federais e estaduais já não tenham exaurido a
75

matéria, guardando atenção também para não contrariá-los. A regra do artigo 24,
assim como a determinação do artigo 30, II, da Constituição Federal, não relegam
a suplementação ao último lugar, e, portanto, “no que couber”, não está
relacionado “ao que sobrar”, mas sim, àquilo que compete ao ente local dispor em
matéria de competência legislativa concorrente, considerando a sua proximidade
do cidadão e as suas peculiaridades locais.

Portanto, não nos parece haver um problema crônico com o critério utilizado
pela repartição de competências, mas sim um desvirtuamento dessa sistemática
na prática.

Sobre a questão financeira dos entes federados também temos a


contender. Entendemos que a autonomia municipal passa pela questão financeira
e apesar de sermos favoráveis a uma reforma tributária95, o simples repasse de
verba previsto constitucionalmente, sem ser usado como meio de controle pela
União em relação aos municípios, e considerando as reais necessidades locais, já
seria uma boa saída.

Precisamos, assim, nos ater às mudanças e às demandas da Federação


brasileira atual e inovar. O Brasil, sabidamente, é um país com grandes
desigualdades regionais e, se por um lado, necessita de ações uniformes que
gerem um crescimento mais igualitário, por outro, também precisa se ater às suas
complexidades. Alcançar esse equilíbrio por si só já não é tarefa fácil, visto que é
inerente à natureza federativa a tensão entre centralização e descentralização.

No Brasil, somado a isso, ainda temos práticas políticas que não


contribuem para o atingimento desse equilíbrio e, se não rompermos com a lógica
perversa, não serão as reformas (política, tributária, federativa, dentre outras),

95
Luiz Felipe D’ Ávila defende que “a reforma do Estado tem de começar pela área econômica.
Nenhum governador ou prefeito pode exercer suas obrigações constitucionais se ele não for
financeiramente independente da União. Através da legislação tributária, dos monopólios e das
estatais, o governo federal seqüestrou parte da autonomia econômica dos estados e municípios”.
Luiz Felipe D’ Ávila. A Federação Brasileira. In Por uma nova federação, coord. Celso Bastos, p.64.
76

aplicadas de modo isolado que irão sanar as deficiências do modelo federativo


atual.

Paulo Bonavides reforça que:

“Não são raros os que entendem que o federalismo se acha


irremissivelmente condenado a desaparecer na crise do Estado
contemporâneo, cuja concentração de tende cada vez mais a anular o
que ainda resta de autonomia nas coletividades jurídicas participantes da
composição federativa, mal permitindo distingui-las das unidades que
integram o Estado unitário descentralizado.
Afigura-se, nos, todavia, que não é tanto o federalismo como fenômeno
político associativo que está em crise senão uma forma doutrinária do
federalismo, aquela que se prende desde as origens e que gerou
96
determinada moldura aparentemente intocável.”

Desse modo, nos propomos aqui a pensar e analisar novas formas de


interpretação constitucional acerca da repartição de competências de modo mais
criativo e que contemple mais e melhor a realidade brasileira. Partiremos da
premissa que essa nova forma deve conferir as decisões políticas ao ente local
mais próximo da população, ou seja, o Município, sem, todavia, desconsiderar a
atuação das esferas centrais, atingindo dessa maneira um equilíbrio federativo
ainda não vivenciado no território brasileiro.

Os Estados Unidos da América experimentaram algo similar ao que


propomos: sem uma reforma constitucional, passou do federalismo dual ao
federalismo cooperativo e podemos atribuir essa mudança à flexibilidade do
modelo lá implantado e ao papel ativo e interpretativo da Suprema Corte.97

3.2.5 O interesse local e a repartição constitucional de competências

96
Paulo Bonavides, Ciência e Política, p. 145.
97
Dalmo de Abreu Dallari sobre a questão alerta que, “um dado curioso e muito expressivo é que a
implantação do novo federalismo ocorreu sem mudança formal na Constituição, isso demonstra
não só a flexibilidade dos mecanismos constitucionais norte-americanos, mas revela também o
papel dinâmico e positivo da Suprema Corte, que através da reinterpretação dos dispositivos
constitucionais tem permitido a constante atualização das regras básicas de convivência, sem
necessidade do recurso a meios extralegais”. Dalmo de Abreu Dallari, O estado federal, p.47.
77

Defendemos que a autonomia municipal se consolida pelo interesse local,


sobre o qual, a seguir, nos debruçaremos a fim de oferecer uma definição teórica.
Atingiremos esse entendimento partindo da análise do histórico municipal, da
doutrina e jurisprudência.

Fernanda Dias Menezes de Almeida esclarece que:

“Já se percebe, pois, que muito da problemática das competências


municipais gira necessariamente em torno da conceituação do que seja
esse “interesse local”, que aparece na Constituição substituindo o
peculiar interesse municipal do direito anterior.
A respeito dessa última expressão já se solidificara toda uma construção
doutrinária, avalizada pela jurisprudência de nossos Tribunais, no sentido
de fazer coincidir o peculiar interesse com o interesse predominante do
98
Município.”

Entendemos, portanto, que apesar da mudança da nomenclatura, de


peculiar interesse para interesse local, o significado continua sendo o mesmo:
aquilo que incide, mormente, sobre o Município e não exclusivamente sobre o ente
local. Assim como previsto pelas constituições anteriores ao tratarem do peculiar
interesse. Desse modo, é certo que questões de interesse local podem afetar os
Estados e também a União, porém causando menor impacto a esses do que ao
Município. Apesar de ser um trunfo para a autonomia municipal, no dia a dia esse
tipo de competência pode apresentar situações controversas sobre o que é
interesse predominante.

Nesse caso, é possível se recorrer do Poder Judiciário, que irá dirimir os


conflitos de competência, oferecendo, após análise caso a caso, a interpretação
que julgar cabível, sempre tendo em vista os parâmetros constitucionais,
delimitando, concretamente, a abrangência da competência municipal.

98
Fernanda Dias Menezes de Almeida. Competências na Constituição de 1988, op. cit., p. 97-99.
78

Sobre o interesse local, o Supremo Tribunal Federal99, por meio da decisão


do Agravo Regimental no Recurso Extraordinário 427.463–9, reconheceu a
constitucionalidade de lei municipal que trata de fila de banco e atendimento ao
público, por se tratar de matéria de interesse local (CF, art. 30, I), conforme segue:

“Ao legislar sobre o tempo de atendimento ao público nas agências


bancárias estabelecidas em seu território, o município exerceu
competência a ele atribuída pelo artigo 30, inciso I da Constituição
Federal.
A matéria respeita a interesse local do município, que não se confunde
com a atinente às atividades – fim das instituições financeiras. Ademais,
incluem-se no âmbito dos assuntos de interesse local os relativos à
proteção do consumidor. Vale mesmo dizer: o Município está vinculado
pelo dever de dispor, no plano local, sobre a matéria.
A lei municipal não dispôs sobre política de crédito, câmbio, seguros e
transferência de valores – artigo 22, inciso VII, da CB/88. Também não
regulou a organização, o funcionamento e as atribuições de instituições
financeiras. Limitou-se a impor regras tendentes a assegurar adequadas
condições de atendimento ao público na prestação de serviços, por essas
100
instituições, ao consumidor / cliente.”

Julgamos que o assunto apresentado não trata de tema econômico de


competência exclusiva da União, mas sim de assunto concernente à localidade,
uma vez que os munícipes se beneficiarão diretamente de um atendimento
bancário mais seguro e confortável. Podemos observar, assim, que não há
nenhum impedimento constitucional para a edição de lei municipal que tenha por

99
Outras decisões acerca do interesse local têm sido proferidas pelo Supremo Tribunal Federal,
como o RE 610.221RG - Santa Catarina, relatado pela Min. Ellen Gracie, em 29/04/2010, que
estabeleceu em sede de Repercussão geral o interesse local para a definição do tempo máximo de
espera de clientes em filas de instituições bancárias e o ARE 640528 Agr. São Paulo – SP relatado
pelo Min. Luiz Fux, em 06/12/2011, que estabeleceu o interesse local em casos de serviços
públicos como o de transporte, segundo a ementa: “AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO
EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. ADMINISTRATIVO. TRANSPORTE IRREGULAR DE
PASSAGEIROS. LEI MUNICIPAL Nº 7.939/97. MATÉRIA REGULADA POR LEGISLAÇÃO
INFRACONSTITUCIONAL LOCAL. SÚMULA 280 DO STF. 1. A controvérsia decidida à luz de
interpretação de lei local, revela incabível a insurgência recursal extraordinária para rediscussão da
matéria. (Súmula 280/STF: “Por ofensa a direito local não cabe recurso extraordinário”.) 2.
Precedentes: AI 822.757-AgR, Primeira Turma, Rel. Min. Cármen Lúcia, 08.04.2011, e AI
822.349/SP, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, DJ 8.11.2010. 3. In casu, o acórdão recorrido
assentou: “TRANSPORTE COLETIVO DE PASSAGEIROS – LEI MUNICIPAL QUE PROÍBE O
TRANSPORTE ALTERNATIVO POR VEÍCULOS DE PEQUENA CAPACIDADE – Alegação de
ilegalidade da proibição – Ausência de ofensa aos dispositivos constitucionais e legais invocados –
O Município tem competência constitucional para regular os serviços públicos de interesse
local. Preliminar de ilegitimidade passiva afastada” (grifos nossos).
100
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Agravo Regimental no Recurso Extraordinário 427.463–9.
Relator (a): Min. Eros Grau. Julgamento: 14/03/2006.
79

finalidade regulamentar tempo de fila nos bancos, ao contrário, é dever


constitucional do Município resguardar o interesse da comunidade local.

Assim, em uma análise da repartição constitucional de competências, o


Supremo Tribunal Federal reconheceu o interesse local por meio de uma análise
mais apurada sobre as competências municipais, afastando a tendência de, diante
do conflito, identificar a matéria como sendo de competência exclusiva da União.

Para que as competências municipais sejam definidas é necessário


sopesar os princípios federativos a fim de exaurir as possibilidades interpretativas
relacionadas à repartição de competências inaugurada pela Constituição de 1988,
por conseguinte, depurando o conflito em favor da justiça federativa, sem que isso
seja, simplesmente, uma caça no Texto Constitucional de competências privativas
com o fito de desmerecer, em última análise, a atuação municipal.

Para José Roberto Anselmo:

“O controle jurídico da constitucionalidade é muito importante, uma vez


que o controle político nas federações, geralmente pode levar ao
estabelecimento de conflitos, antes a existência de diversidade de
interesses entre o poder central e os poderes regionais. Portanto, antes
de preservar as autonomias regionais, o poder político pode produzir uma
101
verdadeira deturpação do Federalismo, aumentando o poder central.”

Desse modo, fica assente que o Poder Judiciário é um dos pilares da


federação e, de fato, têm como função garantir o equilíbrio federativo interpretando
casos que geram dúvidas sobre a atuação dos entes federados.

3.2.6 A repartição de competência constitucional e a competência


suplementar do Município “no que couber”

101
José Roberto Anselmo, O papel do Supremo Tribunal Federal na concretização do Federalismo
brasileiro, f. 145.
80

A competência concorrente diz respeito às matérias pelas quais União,


Estados, Distrito Federal e Municípios poderão atuar de forma conjunta e estão
dispostas nos artigos 23 e 24 da Constituição Federal. Ou seja, o exercício da
competência concorrente ocorre em matéria de competência material comum e
legislativa suplementar. No que diz respeito à atuação municipal, suplementar a
legislação federal e estadual significa, no entendimento aqui firmado, que o ente
local pode suprir as omissões legislativas e esmiuçar as normas existentes às
peculiaridades locais.

Em relação às competências materiais comuns dispostas no artigo 23,


Fernanda Dias Menezes de Almeida explica que:

“O rol do artigo 23 é, no entanto, mais amplo, estendendo-se, de outra


parte, também ao Distrito Federal e aos Municípios a participação nas
competências comuns, que em 1934 eram partilhadas apenas entre a
União e os Estados.
Pelas matérias especificadas percebe-se que o concurso de todos os
Poderes é reclamado em função do interesse público existente na
preservação de certos bens (alguns particularmente ameaçados) e no
cumprimento de certas metas de alcance social, a demandar uma soma
102
de esforços.”

Como vimos acima, o artigo 23 da Constituição Federal estabelece ações


que devem contar com a colaboração de todos para serem executadas, por isso o
termo competência material comum. E aqui “comum” está identificado como
sinônimo de concorrente.

O Texto Constitucional, ao delinear a competência comum das esferas


governamentais, teve por mira uma ação harmônica entre todas as unidades
federativas, não prevalecendo o interesse de um sobre o de outro, nem a
supremacia de um ente sobre a do outro. Colocam-se no mesmo pé de igualdade
no trato das questões arroladas no seu artigo 23.

102
Fernanda Dias Menezes de Almeida. Competências na Constituição de 1988, p. 113.
81

Sobre essas matérias, a Constituição indica a necessidade de edição de


leis complementares federais, que alcancem todas as unidades federativas,
visando estabelecer normas para cooperação entre a União e os Estados, o
Distrito Federal e os Municípios, de modo a garantir o equilíbrio do
desenvolvimento e do bem-estar em âmbito nacional. Tais normas de cooperação
objetivarão condutas convergentes das unidades federativas na prática de atos em
benefício dos valores constitucionais elencados no artigo 23 da Constituição
Federal que se quer preservar, fomentar ou proteger.

Com efeito, as normas que as leis complementares poderão fixar são


referentes aos temas em que a cooperação deve acontecer, para a obtenção dos
efeitos pretendidos pelo artigo 23 do Texto Constitucional, sem que seja eliminado
o poder atribuído a cada uma das unidades federativas para legislar sobre
questões de sua alçada.

É preciso se atentar ao dispositivo que trata da criação de leis


complementares para atuação conjunta dos entes federados na consecução das
competências comuns. Como já vimos, esse instrumento não é deveras utilizado
pelos entes federados. Se assim o fizessem, aquele ente que hoje se favorece
com um poder ampliado teria que mitigá-lo em prol da coordenação federativa e
isso implicaria, naturalmente, perda de poder político e é de se supor que tal perda
é indesejada por quem o detém. Assim, o ambiente político que poderia dar
concretude àquele dispositivo se apresenta como desfavorável, ainda que isso
ajudasse a fortalecer o pacto federativo e, por conseguinte, o Brasil enquanto
Estado Federativo e democrático.

É importante observar que o exercício de cada uma das competências


materiais nos faz inferir a competência legislativa de cada unidade federativa. É
dizer: na consecução de cada uma daquelas competências administrativas haverá
a necessidade, no mais das vezes, de exercitar a sua respectiva capacidade
legislativa. E a sua atuação será maior ou menor, conforme estejamos diante da
82

competência legislativa plena ou suplementar, inerente a todas as esferas


governamentais.

Luciana Temer Castelo Branco103 classifica essa atuação como legislativa


imprópria, visto que a atividade legislativa é derivada de uma competência
material.

Portanto, a competência material comum ao qual tratamos, também pode


ser suplementar quando demandar atividade legislativa do ente local. E é
justamente por isso que essa competência é importante quando da análise da
competência legislativa suplementar do Município.

No que tange à concorrência em matéria de competência legislativa


específica, a despeito de o Município não estar contemplado no artigo 24 da
Constituição, que enumera as matérias de competência concorrente da União,
Estados e Distrito Federal, ele possui competência para legislar de maneira
suplementar (CF, art. 30, II).

Isso significa que o Município, com vistas a atender às peculiaridades


locais, pode editar leis para tratar de temas disciplinados por leis federais e
estaduais, quer para esmiuçar as normas gerais editadas pela União e pelos
Estados, quer para preencher os vazios deixados pela legislação federal ou
estadual, no que couber.

Dúvidas, porém, surgem da expressão “no que couber’’. Fernanda Dias


Menezes de Almeida sustenta que:

“O próprio artigo 30, II, esclarece que a legislação municipal suplementar


ocorrerá no que couber. É preciso, pois, verificar quando cabe essa
legislação.

103
Luciana Temer Castelo Branco, Parecer CEPAM, n. 26.250 de 2006, Competência para queima
de palha de cana-de-açúcar.
83

Preliminarmente diríamos que só cabe a suplementação em relação a


assuntos que digam respeito ao interesse local. Nenhum sentido haveria,
por exemplo, em o Município suplementar legislação federal relativa ao
104
comercio exterior ou relativa à nacionalidade e a naturalização.”

A autora argumenta que, além da compatibilidade entre as leis, a expressão


“no que couber” significa que deve haver o interesse local para que o Município
possa legislar de maneira suplementar, ou seja, não há que se falar em
suplemento de legislação federal ou estadual pelo Município quando a matéria não
é caracterizada como de interesse local.

Essa visão tende a restringir em alguns casos105 a atuação municipal em


matéria legislativa concorrente. Não é à toa que a autora defende por meio de
uma ilustração que, em caso de conflito entre competências legislativas privativas
e competência legislativa concorrente, deve prevalecer a competência legislativa
privativa106.

Porém, a autora não deixa de destacar que:

“Num cômputo geral, é de convir que se ampliou a participação das


ordens periféricas na produção normativa, sendo em alguns casos
107
bastante significativa essa abertura.”

Sobre o assunto, o Ministro Gilmar Ferreira Mendes108, em palestra


proferida na Fundação Prefeito Faria Lima – CEPAM (Centro de Estudos e

104
Fernanda Dias Menezes de Almeida. Competências na Constituição de 1988, p. 139.
105
Concordamos com a autora que em algumas das matérias elencadas no artigo 24 da
Constituição Federal, não cabe ao município legislar suplementarmente, como é o caso, por
exemplo, do disposto no inciso X, que trata da criação, funcionamento e processo do juizado de
pequenas causas, isso porque o Município não tem Poder Judiciário, e desse modo organizar
serviços sobre essa matéria não estaria na sua esfera de competências, mas isso não está,
necessariamente, vinculado ao interesse local.
106
O exemplo utilizado pela autora é sobre a produção de leis municipais e estaduais que em prol
da saúde da população proibiram no início da década de 90 a venda de álcool combustível
adicionado de metanol, em razão dessa mistura ser prejudicial à saúde e ao meio ambiente.
Todavia, a autora alega que a União tem competência exclusiva para legislar sobre petróleo e por
isso, a despeito da preocupação dos Estados e Municípios, a lei federal deverá vigorar em
detrimento das outras. Fernanda Dias Menezes de Almeida, Competências na Constituição de
1988, p. 141-142.
107
Ibid, p. 126.
84

Pesquisas para a Administração Municipal), afirmou que a produção legislativa,


quando se trata de competência suplementar, ou seja, concorrente entre União,
Estados e Municípios, é vista como de atuação preferencial da União, depois dos
Estados e, por fim, dos Municípios.

Os que defendem o princípio da subsidiariedade têm demonstrado a


necessidade de seguirmos uma orientação diametralmente oposta a essa.

Esse princípio está vinculado à descentralização e pode ser entendido,


apesar da noção de suplência, como a limitação da intervenção de órgão mais
ampla em esfera menos ampla.

Segundo José Alfredo de Oliveira Baracho “a descentralização é um


domínio predileto de aplicação do princípio da subsidiariedade, sendo que a
doutrina menciona as relações possíveis entre o centro e a periferia”.109

Sendo, portanto, um princípio que se relaciona com a descentralização, os


estados federais são um campo fértil para a sua aplicação.

Assim explica Miguel Carlos Madero:

“A subsidiariedade pressupõe para a sua aplicação, que a organização


social componha-se de coletividades autônomas que devem ser
respeitadas no desempenho de suas competências até o limite de suas
capacidades e a intervenção da unidade maior somente se efetiva se
comprovada a incapacidade material ou técnica, da unidade menor no
desempenho de suas competências.
Ademais deve haver uma primazia da pessoa e das coletividades
menores na tomada de decisões, em relação às coletividades maiores,
isto é, as decisões e execução das atividades públicas devem ser
110
tomadas pelas autoridades que estiverem mais próximas do cidadão.”

108
Gilmar Ferreira Mendes, Seminário sobre o Pacto Federativo Brasileiro, Fundação Prefeito Faria
Lima - CEPAM, 2011, sem página.
109
José Alfredo de Oliveira Baracho, O princípio da subsidiariedade: conceito e evolução, p. 51.
110
Miguel Carlos Madeiro, O princípio da Subsidiariedade e o Federalismo Brasileiro, f.152.
85

Isto significa que dentre as unidades autônomas existentes no Estado


federal deve-se identificar como ponto de integração entre Estado e cidadão o
ente mais próximo da comunidade e dar-lhe poder de decisão preferencial em
relação aos demais entes nas matérias que lhe competirem.

Em resumo, seria a regra de ouro sugerida por Celso Ribeiro Bastos: “nada
será exercido por um poder de nível superior, desde que possa ser cumprido pelo
inferior.” 111

A aplicação do princípio da subsidiariedade precisa ser formulada de


acordo com as especificidades de cada Federação. No caso brasileiro
identificamos o Município como ponto de integração entre o Estado e o cidadão. E
a repartição constitucional de competências é a porta de entrada para esse
princípio.112

Apesar de não identificar ou garantir expressamente o princípio da


subsidiariedade, a Constituição de 1988 adotou uma sistemática de repartição de
competências que delega aos Municípios competências privativas (materiais e
legislativas) e concorrentes (material comum e legislativa suplementar). Desse
modo, ao Município foi conferido, em algumas matérias, principalmente nas que
lhe são exclusivas, o poder de decisão frente aos demais entes federados. Em
relação às competências concorrentes, de acordo com o princípio da
subsidiariedade, as decisões deveriam ser tomadas primeiramente pelos
Municípios e depois em caráter de suplência, pelos Estados e União.

Todavia, a decisão do ente local teria que respeitar os limites da sua própria
autonomia. No Brasil, identificamos esses limites na repartição de competências

111
Celso Ribeiro Bastos, A Federação brasileira, p. 2.
112
José Alfredo de Oliveira Baracho aponta que “a doutrina francesa destaca que é na organização
federal que o princípio encontra, sob o plano político, sua mais significativa expressão, sendo o
ponto crucial a repartição de competências”. José Alfredo de Oliveira Baracho, O princípio da
subsidiariedade conceito e evolução, p. 97.
86

que, além de estabelecer as competências municipais, prevê, em matéria


concorrente, a necessidade do estabelecimento de normas gerais pela União,
para que, então, ocorra a atuação suplementar dos Municípios.

Nesse ponto identificamos uma questão complexa. Essa regra limitadora do


artigo 24 tende a centralizar as decisões nas mãos da União, atuando de maneira
contrária ao princípio da subsidiariedade, ou pode ser vista como um parâmetro
positivo para as decisões municipais?

José Francisco Cunha Ferraz Filho entende que o caráter da competência


concorrente no Brasil constitui um instrumento de centralização das decisões
políticas, dificultando a concretização do princípio da subsidiariedade em sua
plenitude:

“Entendemos que de fato é no âmbito das competências concorrentes,


por força de sua natureza de suplementaridade e complementaridade ali
inseridas, que o princípio em foco se apresenta com maior nitidez.
Contudo, ao nosso ver, não está totalmente inserido no campo da
legislação concorrente, ainda mais com a nuance centralizadora com que
113
foi concebido.”

Apesar da questão não se revelar de fácil solução, consideramos que a


interpretação da regra pode ser diferente dessa. É fato que existe uma tendência
centralizadora na estrutura e nas decisões que permeiam a Federação brasileira.
Mas, a depender da interpretação que se tenha diante de determinada estrutura,
as decisões podem ser diversas. Desse modo, se a interpretação da regra do
artigo 24 encaminhar-se no sentido de limitar a atuação da União ao
estabelecimento de normas gerais, que, como vimos, caracterizam-se como
diretrizes, a suplementação dos entes mais próximos dos cidadãos pode, de fato,
ter o condão de decidir por certas peculiaridades favoráveis e protetivas ao
cidadão.

113
José Francisco Cunha Ferraz, O princípio da subsidiariedade no Estado Federal Brasileiro de
1988, f. 120-122.
87

As normas gerais, a nosso ver, se corretamente utilizadas e elaboradas são


bons parâmetros para a atuação do Município, que não é um ente soberano e por
isso deve seguir as normas estabelecidas para todo o território nacional. Por
exemplo, o Estatuto da Cidade (Lei nº 10.257, de 2001) institui princípios como o
da função social da propriedade e o da participação popular. A gestão democrática
da cidade surge, também, como diretriz geral desse diploma (art. 2°, II). Outras
diretrizes gerais contemplam a sustentabilidade, o planejamento ambiental, a
cooperação intergovernamental e a colaboração entre os entes privados e o
governo, para que assim como base nesses princípios, os Municípios elaborem os
seus planos diretores.

O que a Constituição não admite são leis federais, neste âmbito, que
esgotem a matéria, remanescendo aos Estados e Municípios preencher possíveis
espaços vazios deixados por essas leis. Esse tipo de norma não só pode como
deve ser extirpada do ordenamento jurídico por meio do controle de
constitucionalidade. Esse é o caso da Lei nº 8.666, de 1993 que, ao estabelecer
as normas gerais sobre licitações e contratos administrativos, praticamente
exauriu a matéria, não deixando espaço de atuação legislativa para os Estados e
muito menos para os Municípios.

Raul Machado Horta114 defende que a revisão constitucional é


desnecessária para esse fim e a essa tese também nos perfilhamos, porém

114
Raul Machado Horta acredita que “no caso específico do federalismo brasileiro, dada a
preexistência da competência supletiva ou complementar, prevista nas Constituições Federais de
1934, 1946 e 1967, e da competência da legislação concorrente ou mista, adotada na Constituição
Federal de 1988, com explicitação enumerada de suas matérias, localizadas, as formas pretéritas
da competência supletiva ou complementar, e a forma contemporânea da legislação concorrente
ou mista, na área da repartição de competências da Federação, por equivalência da legislação
supletiva ou complementar, anteriormente, e da legislação concorrente, atualmente, com os
objetivos e finalidades do princípio da subsidiariedade, concluo pela desnecessidade, em tese, da
atividade do poder constituinte de revisão para introduzir no texto constitucional brasileiro o
princípio constitucional da subsidiariedade, considerando a equivalência entre o princípio e a
legislação concorrente, dotada de natureza subsidiária, complementar ou supletiva. O princípio da
subsidiariedade projetou-se na autonomia da subsidiariedade constitucional.
A Constituição Federal Brasileira, que dispensa emenda ou revisão para integrar no seu texto o
princípio equivalente da subsidiariedade por considerar suficiente a legislação concorrente ou
88

também é possível uma reforma para que se restabeleça, sem dúvidas, o princípio
da subsidiariedade na nossa organização federativa.

O Ministro Gilmar Mendes apesar de identificar a flagrante


inconstitucionalidade de Lei nº 8.666, de 1993, não citou o princípio da
subsidiariedade ou mesmo a regra de ouro de Celso Ribeiro Bastos, porém
afirmou que a competência concorrente deve ser mais bem aproveitada de modo
a garantir a atuação dos entes federados na execução e legislação das matérias
concorrentes, o que a nosso ver é um avanço.

É certo que o princípio da subsidiariedade é um ideal a ser atingido quando


tratamos da competência legislativa suplementar dos Municípios, de todo modo,
as mudanças devem ocorrer de maneira gradual, assim serão, a nosso ver, mais
contundentes e duráveis.

A transferência de competências do centro para a periferia pode beneficiar


os Estados e os Municípios, e o cidadão consequentemente, sem que ainda se
decida pela opção diametralmente oposta a que se tem adotado na interpretação
da repartição de constitucional de competências, isto é, a de determinar que em
todas as matérias de atuação concorrente a decisão seja precipuamente do
Município. Se na análise caso a caso de situações que tenham respaldo popular115
e que sejam paradigmáticas, ocorrer a transferência de poder do centro para a
periferia (da União para os Estados e Municípios e dos Estados para os
Municípios), já teremos um avanço no equilíbrio federativo brasileiro que poderá
evoluir para a concretização do princípio da subsidiariedade.

mista, no âmbito da repartição de competências”. Raul Machado Horta, Federalismo e o Princípio


da Subsidiariedade, sem página.
115
José Alfredo de Oliveira Baracho destaca que “o princípio da subsidiariedade é considerado
como instrumento utilizável pelos governantes, na procura de equilíbrios, necessários para redefinir
as novas mudanças procuradas pela sociedade na compreensão e efetivação de suas
necessidades”. E conclui ressaltando que “a cidadania ativa é pressuposto básico para a
efetivação do princípio da subsidiariedade”. José Alfredo de Oliveira Baracho, O princípio da
subsidiariedade conceito e evolução, p. 90-100.
89

A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal tem usado a regra


estabelecida pelo artigo 24, ou seja, a de suplementação das normas gerais pelos
entes federados periféricos, no sentido de amesquinhar a autonomia local e
regional em prol do poder central116. Porém, com a força adquirida pelo Poder
Judiciário e pelo Supremo Tribunal Federal e da agenda que se desenha para a
Suprema Corte117, uma nova forma de interpretar essas competências desponta
no cenário brasileiro.

Cabe observar, todavia, qual tem sido o entendimento predominante do


Supremo Tribunal Federal acerca da competência concorrente legislativa (própria
ou imprópria), por meio da decisão proferida pela Ministra Ellen Gracie ao julgar

116
José Roberto Anselmo avalia o papel do Supremo Tribunal Federal na concretização do
federalismo brasileiro e destaca que “depois de promulgada a Constituição de 1988 ainda não
existia uma definição dos parâmetros que seriam adotados com relação à forma federativa, o que
reforça a tese da força interpretativa do Judiciário para conduzir a uma versão mais ou menos
centralizadora do Federalismo”. Para identificar a posição do Supremo Tribunal Federal após a
promulgação da Constituição, o autor analisou algumas decisões de casos concretos proferidas
pela Suprema Corte (ADI 280-5/MT Mato Grosso. Relator Min. Francisco Rezek, 1994. ADI
750/92/RJ, Rio de Janeiro. Relator Min. Octavio Galloti, 1992. ADI 2623, MC/ES, Espírito Santo.
Relator Min. Mauricio Correia, 2002. ADI 2752 MC/DF, Distrito Federal. Relator Min. Joaquim
Barbosa) e para os defensores da descentralização as suas conclusões não são as mais otimistas,
o autor demonstrou que a “o Supremo Tribunal Federal sob a justificativa da adoção do
Federalismo cooperativo, praticamente transformou a Federação Brasileira em um Estado
Unitário”. Além dessa justificativa, o autor identifica uma série de fatores que podem contribuir na
sua visão para a ocorrência desse fenômeno: “a) unidade do ordenamento jurídico nacional; b) a
técnica de divisão de competências sem o deferimento de um rol específico de competências
exclusivas para os Estados; c) o preenchimento do conteúdo dos assuntos que foram
expressamente atribuídos à União. Nesses casos observa-se que o STF sempre difere
competência à União, deixando de lado a competência legislativa do Estado, ou seja, a
interpretação adotada sempre atrai a matéria sub judice para uma das hipóteses descritas como
competência da União”. José Roberto Anselmo, O papel do Supremo Tribunal Federal na
concretização do Federalismo brasileiro, f. 161-171.
117
Como defendido por Ana Paula de Barcellos, o Judiciário ganha legitimidade pelos seguintes
motivos: a) o Judiciário, tendo em vista que foi criado pela própria Constituição, compõe o poder
político nacional da mesma forma que o Legislativo e o Executivo; b) os órgãos de cúpula do
Judiciário têm alto grau de representatividade, na medida em que são formados pela vontade do
Executivo e do Legislativo; c) os magistrados estão aptos a agir com independência, pois, para
tanto, gozam de prerrogativas asseguradas constitucionalmente; d) as atividades jurisdicionais,
além de públicas e motivadas, encontram fundamento e limites nas normas jurídicas; e) as
decisões judiciais, no mais das vezes, são passíveis de revisão por outros órgãos do Judiciário; f) o
processo jurisdicional, uma vez que garante às partes amplo contraditório, é mais participativo do
que qualquer outro processo público; g) os grupos minoritários “sempre terão acesso ao Judiciário
para a preservação de seus direitos”. Ana Paula de Barcellos, A eficácia jurídica dos princípios
constitucionais: o princípio da dignidade da pessoa humana, p. 231-232.
90

Medida Cautelar na ADI 2.396/MS, que suspendeu lei estadual que proibia,
mediante certas restrições, a produção e comercialização do amianto:

“O espaço de possibilidade de regramento pela legislação estadual, em


casos de competência concorrente abre-se: (1) toda vez que não haja
legislação federal, quando então, mesmo sobre princípios gerais, poderá
a legislação estadual dispor; e (2) quando existente legislação federal
que fixe os princípios gerais, caiba complementação ou suplementação
para o preenchimento de lacunas, para aquilo que não caiba
complementação ou suplementação para o preenchimento de lacunas,
para aquilo que não corresponda à generalidade; ou ainda, para a
definição de peculiaridades regionais. Precedentes. 6 – Da legislação
estadual, por seu caráter suplementar, se espera que preencha vazios ou
lacunas deixados pela legislação federal, não que venha dispor em
118
diametral objeção a esta.”

Os Tribunais em decisões recentes têm variado essa tendência


centralizadora.

Apesar de não estar diretamente relacionado ao Município, se faz


importante citar, por se tratar de um caso paradigmático ao possibilitar uma
interpretação mais criativa sobre essa competência: o Supremo Tribunal Federal
mudou de entendimento sobre a produção legislativa de alguns Estados proibindo
a produção e comercialização do amianto a despeito da Lei Federal nº 9.055, de
95 que permite, mediante certas restrições, a comercialização do produto,
negando liminar para a suspensão da Lei Estadual nº 12.684, de 2007, na medida
cautelar em Ação Direta de Inconstitucionalidade n º 3.937-7, alargando, assim, os
limites da competência suplementar.

O Ministro relator, Marco Aurélio, fez questão de advertir que em Ação


Direta de inconstitucionalidade idêntica a essa, a Corte tinha julgado a lei estadual
Paulista inconstitucional por terem assentado não competir ao Estado
competência para proibir a comercialização do amianto no seu território. Porém, o
voto vista do Ministro Joaquim Barbosa, seguido por outros Ministros que negou

118
BRASIL, Supremo Tribunal Federal, Medida Cautelar na ADI 2.396/MS. Relator (a): Min. Ellen
Gracie, 2001, p. 1-2.
91

cautelar a autora da Ação, baseou-se na autonomia dos Estados-membros, na


repartição constitucional de competências e nos princípios da precaução e da
prevenção no que diz respeito à saúde, conforme segue:

“A distinção entre lei geral e lei específica é inaplicável ao caso de leis


sobre amianto. E isto por uma razão simples: em matéria de defesa da
saúde, matéria em que os estados têm competência, não é razoável que
a União exerça uma opção permissiva no lugar do Estado, retirando-lhe a
liberdade de atender, dentro de limites razoáveis os interesses da
119
comunidade.”

O Ministro Eros Grau acompanhando o voto vista, apontou ainda para a


necessidade de a Corte declarar inconstitucional a Lei Federal nº 9.055, de 1995
que prevê a possibilidade da comercialização do amianto, propondo inclusive que
o diploma fosse declarado inconstitucional naquele momento e caso não houvesse
essa possibilidade, por ser outro o pedido, o fizessem na ADI 4.066 que questiona
a Constitucionalidade da Lei Federal.

Tal a importância da decisão para o Município que os efeitos já se notam: o


Tribunal de Justiça de São Paulo ao julgar, na Ação Direta de
Inconstitucionalidade n° 126.780.0/8-00, constitucional Lei Municipal n° 1.952, de
1995, de Paulínia, que veda a utilização de fogo na colheita da cana-de-açúcar, a
despeito da Lei Estadual n° 11.241, de 2002 que prevê a redução gradual da
queima da cana, com extinção prevista para o ano de 2031. Contrariando,
inclusive jurisprudência do próprio Tribunal que já havia julgado inconstitucional a
lei do Município de Ribeirão Preto que proibia a queima da palha da cana–de-
açúcar, exatamente pela existência de Lei Estadual que previa a proibição
gradativa da queima e pela invasão municipal em competência da esfera do
Estado de São Paulo (ADI 125.060.0/5).

Por meio de Recurso Extraordinário (RE 586.224/SP) o Estado de São


Paulo e o Sindicato da Indústria da Fabricação do Álcool do Estado de São Paulo

119
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade 3.937-7. Relator: Min.
Marco Aurélio de Mello, DJE n. 192, Publicação em 10/10/2008.
92

requereram liminar contra decisão do Tribunal de Justiça que julgou Constitucional


a Lei do Município de Paulínia que vedava a queima da palha da cana–de-açúcar.
A Ministra Ellen Gracie deferiu a liminar suspendendo os efeitos da lei municipal,

Entretanto, com o desligamento da Ministra Ellen Gracie do Colegiado em


2011, a relatoria foi designada ao Ministro Luiz Fux, que para o julgamento do
mérito entendeu necessária a escuta de órgãos e entidades ligados às áreas
ambiental e de saúde, bem como alegou que a Câmara Municipal de Paulínia
relatou que a queima da palha da cana-de-açúcar causa prejuízos econômicos,
além de problemas de saúde para a população da municipalidade. Ressaltou
ainda que o Ministério Público apresentou argumentos a favor do Município,
avaliando ter o ente competência para legislar sobre questões ambientais,
interesse local e sobre a política de desenvolvimento urbano.

Desse modo, concluiu o Ministro no sentido de ter certeza de que todos


esses dados são relevantes para a aferição da constitucionalidade da
suplementação efetuada pela lei local.

Outra deliberação que prestigiou a competência municipal foi a do Tribunal


do Rio Grande do Sul acerca da lei local que proibia o ingresso ou permanência
de pessoas utilizando capacete ou qualquer tipo de cobertura que oculte a face,
nos estabelecimentos comerciais, públicos ou abertos ao público. A Ação Direta
de Inconstitucionalidade n° 126.780.0/8-00, que questionava a constitucionalidade
da Lei n° 1.952, de 1995, do Município de Novo Hamburgo foi julgada
improcedente. E foi declarado que cabe ao município suplementar a Lei Federal nº
9503, de 1997, que regulamenta o Código Nacional de Trânsito, além de
reconhecer o interesse local para tratar de questões relacionadas à segurança dos
munícipes, em detrimento da ideia de que o Município não pode legislar sobre
segurança pública, uma vez que essa matéria só compete aos Estados e a União
de acordo com o artigo 144.
93

Essas decisões, portanto, nos fazem vislumbrar uma reorientação da


jurisprudência do Poder Judiciário, que vai ao encontro do que defendemos neste
trabalho, ou seja, que a repartição de competências da Constituição de 1988
prestigiou algumas matérias, as deixando sob o impacto da legislação concorrente
da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios para que haja
materialmente uma atuação mais equilibrada das forças que compõem a
Federação, prestigiando, ademais, o desempenho municipal, que está mais
associado às demandas do cidadão.

Dessa maneira, quando a atuação suplementar municipal ganhar


prestígio, poderemos identificar claramente o princípio da subsidiariedade no
artigo 24 da Constituição Federal, sem, todavia, estar expresso no texto.
94

CAPÍTULO 4 – Competência suplementar municipal: análise de casos

O objetivo do presente capítulo é identificar e analisar, a partir de casos


concretos de competência legislativa concorrente (própria ou imprópria), o que
cabe ao ente local definir por meio da suplementação de leis federais e estaduais.

Além disso, observaremos como esta regra da repartição de competências,


inaugurada pela Constituição de 1988, vem sendo interpretada pelos entes locais,
pela doutrina e pela jurisprudência.

Os casos que analisamos tratam de temas de extrema relevância, que


apresentam implicações generalizadas, vez que têm potencial para afetar toda a
população local, quando já não o fazem. Desse modo, são demandadas dos
poderes locais respostas às quais a atividade legislativa local pretende satisfazer.
O produto desse processo acaba por se tornar objeto de controvérsias entre
teóricos, aplicadores e interpretadores da lei. As incertezas acerca da sistemática
da repartição constitucional de competências evidenciam que a Federação
brasileira experimenta uma fase de consolidação, pela qual os Municípios ainda
tendem a ser encarados como o lado mais fraco da balança.

A escolha dos casos, todos relacionados com a competência legislativa


suplementar: como meio ambiente, segurança dos munícipes e pessoa com
deficiência, se apresentaram como situações vivenciadas pelos Municípios por
algo que ficou conhecido por “efeito cascata” 120.

Como veremos, alguns Municípios de áreas rurais se depararam com a


degradação ambiental e suas consequências na área da saúde e do bem estar
dos munícipes, causada pela queimada da palha da cana-de-açúcar em seus
territórios. Em razão disso, alguns entes locais, como é o caso de alguns
Municípios paulistas de Paulínia, Botucatu, Ribeirão Preto, Jaú, Piracicaba,
120
O “efeito cascata” significa a ação mimetizada dos municípios em relação a determinadas
matérias.
95

Americana e Cedral produziram, por meio de suas casas legislativas, leis que
proíbem, imediata ou progressivamente, a queimada da referida palha. Todavia,
os Municípios se viram diante de um problema: lei estadual121 já trata dessa
questão e dispõe sobre a eliminação progressiva, até 2031, da queima da cana-
de-açúcar no Estado de São Paulo.

Com base nessa lei estadual, o Sindicato da Indústria de Fabricação do


Álcool de São Paulo ingressou com Ações Diretas de Inconstitucionalidade junto
ao Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo – TJ/SP - contras as tais leis,
alegando que em matéria de competência legislativa concorrente, grande parte da
jurisprudência entende que não cabe ao Município exercer sua competência
suplementar quando for para contrariar lei federal ou estadual.

O mesmo ocorreu com outros Municípios paulistas como, São Paulo,


Osasco, Jundiaí, Rio Claro e São Vicente que promulgaram leis que proíbem a
distribuição gratuita ou venda de sacolas plásticas nos estabelecimentos
comerciais. A lei da capital paulista também foi alvo de liminar conferida pelo
Tribunal de Justiça na data de 29 de junho de 2011, em razão da Ação Direta de
Inconstitucionalidade nº 0121480-62.2011.8.26.0000.

Também trataremos de leis promulgadas por algumas Câmaras Municipais


(Guarujá-SP, Olímpia-SP, Uberlândia-MG, Pindamonhangaba-SP e Porto Alegre-
RS) que tratam da segurança do munícipe. A lei de Novo Hamburgo foi alvo da
Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 70025237033 e o Tribunal de Justiça do
Rio Grande do Sul entendeu que o Município não fere a ordem constitucional ao
regulamentar sobre a matéria.

Por fim, trataremos da possibilidade de os Municípios suplementarem leis


que visem à proteção da pessoa com deficiência, como, por exemplo, a Câmara
Municipal de Bertioga, que elaborou Projeto de Lei que dispôs sobre a

121
Lei Estadual n° 11.241/02 (regulamentada pelo Decreto 47.700, de 11 de março de 2003).
96

obrigatoriedade de cadeiras de rodas dotadas de cestos acondicionadores de


compras nos supermercados da cidade; Porto Alegre, São Paulo e Distrito Federal
também estabeleceram a obrigatoriedade de grandes estabelecimentos
comerciais disponibilizarem cadeiras de rodas ou assemelhados.

O que pudemos notar a respeito dessas situações foi que em matéria de


competência legislativa concorrente a aplicação dos tribunais, bem como a análise
doutrinária, atende somente as formalidades da repartição de competências
constitucionais, assumindo uma postura demasiadamente centralizadora,
deixando, de contemplar todos os aspectos federativos. De outro lado, vemos
tentativas esparsas de fazer com que o Município, por meio da competência
suplementar que lhe foi atribuída pelo artigo 30, inciso II da Constituição Federal,
zele pelo bem-estar dos munícipes, visto que na Federação essa seria a sua
função precípua.

Como definido no capítulo anterior, Fernanda Dias Menezes de Almeida


defende que além da compatibilidade entre as leis, a expressão “no que couber”
significa que deve haver o interesse local para que o Município possa legislar de
maneira suplementar e o Supremo Tribunal Federal por meio da ADI 2.396/MS
estabelece que da legislação suplementar se espera que preencha vazios ou
lacunas deixados pela legislação federal, não que venha dispor em diametral
objeção a esta.

Essas visões limitam a atuação do Município, pois, se ele tem competência


legislativa para tratar de assuntos de interesse local, está imediatamente
autorizado a legislar sobre matérias de interesse local e, portanto, não teria outra
competência senão essa definida no artigo 30, inciso I, aliado a isso, de acordo
com o Supremo Tribunal Federal ao Município só caberia suplementar no sentido
de preencher possíveis lacunas que se não encontradas impossibilitam a sua
atuação. Dessa forma, o entendimento deles não estaria de certa forma tornando
97

inócua a competência suplementar municipal? Ou só estaria delimitando a


competência, sem, contudo, limitá-la?

São essas perguntas que pretendemos enfrentar na análise dos casos


concretos. Assim, estão postos os requisitos que possibilitarão um estudo
qualitativo das possibilidades municipais problematizadas por esse trabalho.

4.1. Queima da cana-de-açúcar

A competência suplementar municipal é reconhecida no artigo 30, inciso II,


da Constituição Federal e garante a atuação legislativa municipal no que couber,
em matérias que concorrem a todos os entes federados.

José Afonso da Silva sustenta que a questão da competência suplementar


não é tão clara em relação aos Municípios, admite a competência suplementar do
ente local no que diz respeito ao meio ambiente:

“De fato, dá se lhes competência para promover o adequado


ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso,
parcelamento e ocupação do solo urbano (art. 30, VIII). Outorga-lhes a
competência para a política de desenvolvimento urbano e
estabelecimento do plano diretor e ainda a competência para promover a
proteção do patrimônio histórico cultural local, observadas a legislação e
122
a ação fiscalizadora federal e estadual”.

Na mesma esteira de Fernanda Dias Menezes de Almeida que defende a


compatibilidade da suplementação com o interesse local e especificamente sobre
competência municipal em matéria ambiental, Paulo Affonso Leme Machado
expõe:

“A competência natural dos Municípios é a de legislar sobre assunto de


interesse local (art. 30, I, CF) e, nesses assuntos, o meio ambiente pode
estar incluído, toda vez que a questão ambiental não for geral e/ou
nacional ou regional [...]. Inconteste, também, que os Municípios poderão
legislar suplementarmente sobre meio ambiente, desde que se sujeitem
122
José Afonso da Silva, Direito Ambiental Brasileiro, p. 79-80.
98

às regras do art. 24, parágrafos 1º, 2º e 3º, e que a suplementação das


leis federais e estaduais tenha relação com o interesse local. O interesse
local poderá ser encontrado na necessidade de se darem normas
específicas para a poluição do ar, por exemplo, em razão de fatores
123
climáticos ou de localização geográfica”.

Tendo em vista as legislações municipais visando a proibição imediata da


queima da palha da cana-de-açúcar em seus respectivos Municípios, o Sindicato
da Indústria de Fabricação do Álcool de São Paulo ingressou com Ações Diretas
de Inconstitucionalidade perante o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo,
alegando que ao Município não cabe suplementar matéria de competência
concorrente, contrariando lei federal ou estadual já editadas.

No caso, a Lei Estadual n° 11.241, de 2002 (regulamentada pelo Decreto


47.700, de 11 de março de 2003) prevê a redução gradual da queima da cana,
com extinção prevista para o ano de 2031.

De acordo com a motivação do Sindicato acima citado, a Fundação Prefeito


Faria Lima – CEPAM, órgão do Estado de São Paulo de apoio aos Municípios, por
meio do Parecer CEPAM nº 25.880, da lavra da advogada Mariana Moreira,
mestre em Direito Urbanístico, ressalta o seguinte:

“É indiscutível a competência municipal para legislar sobre meio


ambiente, porém tal competência é suplementar em relação à do Estado
e da União. Em sede da competência suplementar pode o ente federado
expedir normas de ajuste e de adequação ao seu peculiar interesse, a fim
de proceder à aplicação integral das normas gerais sobre as matérias
submetidas a tal competência.
A competência municipal, como se sabe, está disciplinada na
Constituição Federal, no artigo 23, que trata da competência comum, isto
é, a programática e, no artigo 30, incisos I a IX, que trata das
competências legislativas e também das programáticas específicas.
Cuidar do meio ambiente a fim de garanti-lo saudável para as gerações
futuras é mister de todos os entes federados, razão pela qual, em
dispositivo especial do Texto Maior, são designados por ‘Poder Público’
(art. 225 da CF). Dessa tarefa, diz o Texto, cuidarão todos: União,
Estados e Municípios. Todavia, por força da repartição constitucional de
123
Paulo Affonso Leme Machado, Direito Ambiental Brasileiro, p. 31.
99

competências, a atividade legislativa é realizada no âmbito da atribuição


124
de cada um.”

O Tribunal de Justiça de São Paulo, que na ADI 125.060.0/5 também havia


julgado inconstitucional lei do Município de Ribeirão Preto que proibia a queima da
palha da cana-de-açúcar, em razão da existência de lei estadual, mudou o seu
entendimento após alguns anos e no acórdão proferido na Ação Direta de
Inconstitucionalidade n° 126.780.0/8-00, que questionava a constitucionalidade da
Lei n° 1.952, de 1995, do Município de Paulínia, decidiu a favor da lei municipal,
porém ao julgar a Lei de Jaú, declarou-a inconstitucional.

No voto do relator Desembargador José Renato Nalini, que julgou


constitucional a lei municipal de Paulínia, constam as seguintes considerações:

“O Direito Urbanístico sempre reconheceu a cada cidade – e isso mesmo


à luz da normatividade fundante anterior a 1988, quando o Município não
integrava a Federação com autonomia reforçada – restringir a ocupação
do solo dentro de seus lindes. Proibido seria atenuar as exigências da Lei
n° 6.766/79. Poucos os Municípios que perceberam os malefícios da
leniência na densificação populacional, na multiplicação de
parcelamentos desconformes com as exigências urbanísticas. Nunca se
discutiu a licitude de a lei municipal fixar parâmetros mais severos do que
a lei federal. Sempre em nome do peculiar interesse do Município.
Daquele que tenta evitar a favelização geral. Assim como agora há
Municípios que querem fugir da monotonia canavieira. Da monocultura
que sufoca a pequena propriedade, expele de suas terras o lavrador
tradicional e empobrece o solo.
Não é diversa, portanto, a situação presente. A lei estadual,
eufemisticamente, veda a queima de cana. Só que propõe leniência
incompatível com os danos causados à saúde dos munícipes e à
qualidade de vida regional. Legítima a atuação das cidades ao vedarem a
continuidade daquilo que se mostra tão pernicioso. Quem sofre as
consequências diretas dessa tragédia é que tem condições de disciplinar
125
o uso do fogo dentro das fronteiras do Município.”

124
Mariana Moreira. CEPAM. Parecer n. 25.880, de 13 de novembro de 2006. Competência para
queima de palha de cana-de-açúcar, p.1-2.
125
SÃO PAULO. Tribunal de Justiça. Ação Direta de Inconstitucionalidade de lei municipal de
Paulínia que proíbe a queima de palha de cana-de-açúcar e o uso do fogo em atividades agrícolas.
Ação Direta de Inconstitucionalidade n° 126.780.0/8-00. Relator: Des. José Renato Nalini. São
Paulo, p.6.
100

Extraímos dessa decisão duas ideias que sustentam a posição a favor do


Município.

A primeira delas é a categoria constitucional do Município que, sendo parte


integrante da Federação brasileira, viu reforçada a sua autonomia para tratar de
assuntos locais com consequências concretas. Apesar de não ser único e
exclusivo daquela região, visto que o ar é uno e indivisível, a nosso ver é legitimo
o argumento de que o problema da poluição causada pela queimada da palha de
cana-de-açúcar não é o mesmo daqueles enfrentados pelos moradores da cidade
de São Paulo, por exemplo. Portanto, parece-nos que o assunto é, sim, peculiar
àquela localidade, cabendo a atuação do Poder Público municipal nessa esfera.

A segunda diz respeito à aplicação e concretização da norma. Entre o


princípio federativo e o da tutela ao meio ambiente, este, no caso concreto, se
sobrepõe ao primeiro, levando em conta que o direito fundamental ao meio
ambiente saudável é o primeiro interesse intergeracional explicitado pela
Constituição.

Acompanhando o voto do relator, o Desembargador Marcus Andrade afirma


que:

“No caso concreto, os interesses, estadual e nacional, perfilhados à


competência concorrente para legislar sobre a responsabilidade por dano
ao meio-ambiente, apresentam-se em graus de média e longa distância,
disciplinando amplas temáticas sobre as queimadas, a fim de evitar a
poluição, de modo genérico para o Estado e, ainda, de maior e vago
espectro para a União.
A lei estadual n° 11.241/02 (regulamentada pelo decreto 47.700, de 11 de
março de 2003) ao prever a redução gradual da queima da cana, com
extinção prevista para o ano de 2031 (!) (sujeitos os prazos que fixou a
revisões a partir do ano de 2006), não atendeu e não atende o Município
Paulínia, em suas necessidades locais, nem a seus efetivos e concretos
interesses na salvaguarda de seus valores ambientais e do bem estar de
126
sua população, levando-o a complementá-la.”

126
SÃO PAULO. Tribunal de Justiça. Ação Direta de Inconstitucionalidade de lei municipal de
Paulínia que proíbe a queima de palha de cana-de-açúcar e o uso do fogo em atividades agrícolas.
Ação Direta de Inconstitucionalidade n° 126.780.0/8-00. Relator: Des. José Renato Nalini. São
Paulo. Voto do Desembargador Marcus Andrade, p. 19.
101

Segundo este voto, se a vedação progressiva da queima não privilegia o


Município, esse não deve aceitar passivamente a situação. Nesse ponto, destaca
que o artigo 225 da Constituição Federal assegura a todos o direito ao meio
ambiente ecologicamente equilibrado, impondo ao Poder Público o dever de
defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

Sob essa ótica é possível entender que a lei municipal obedeceu aos
exatos limites da legislação estadual, sem extrapolá-los, fixando, porém, prazo
que entendeu adequado ao interesse local, em atenção à qualidade de vida e ao
bem-estar dos seus munícipes. Respeitado o limite máximo estabelecido pela lei
paulista, os Municípios teriam autonomia para firmar os seus respectivos prazos,
que poderiam, dessa forma, variar de acordo com as necessidades locais
apresentadas.

De acordo com esse raciocínio, o Município não contraria lei estadual ao


determinar a proibição da queima da palha da cana-de-açúcar, mas somente
estabelece um limite razoável para o interesse local, respeitando inclusive o limite
máximo estabelecido pela norma estadual, ou seja, o ano de 2031. Sob esse
ponto de vista, podemos notar uma interpretação relativa à competência
suplementar no sentido de prestigiar o ente local, bem como a de tratar a decisão
de acordo com o grau de descentralização necessário para a autonomia desse
ente federado.

E aqui cabe relembrar o voto vista do Ministro do Joaquim Barbosa, na ADI


n° 3.937-7, que destaca a impossibilidade de lei federal fixar um limite permissivo,
impossibilitando que os entes federados atendam, dentro de limites razoáveis, os
interesses da comunidade.

Lesley Gasparini Leite e Ana Thereza Machado Junqueira argumentam no


mesmo sentido em matéria ambiental:
102

“Para dirimir qualquer dúvida quanto à competência para legislar ou


aplicar as normas ambientais, basta tão-somente identificar o caráter de
abrangência da norma – geral, regional, local – bem como a competência
do Poder Público que a expediu ou a aplicou – União, Estados e
Municípios. Nota-se ainda que um interesse nacional ou regional é
também um interesse local, apesar do inverso não ser, em princípio,
verdadeiro. Como exemplo, podemos citar o interesse nacional de
instalar uma usina nuclear ou hidrelétrica no Município. Em princípio, a
obra não tem interesse local, mas o Município deverá respeitar a
determinação legal (CF, art. 225, § 6º), por tratar-se de interesse
nacional. Contudo, em qualquer momento há de prevalecer a garantia do
127
direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.”

No caso em tela, resta claro que a lei municipal é mais protetiva ao meio
ambiente do que a lei estadual. A decisão do TJ/SP que reconheceu a
constitucionalidade da lei do Município de Paulínia, foi atacada pelo Sindicato da
Indústria da Fabricação do Álcool do Estado de São Paulo – SIFAESP e Sindicato
da Indústria do Açúcar no Estado de São Paulo – SIAESP, por meio da Ação
Cautelar n° 2017, com pedido de liminar visando atribuir efeito ao RE 586.224,
julgada monocraticamente pelo Ministro Eros Grau, que suspendeu a decisão do
Tribunal paulista até o julgamento definitivo da questão, reconhecendo-a como de
repercussão geral.

Pouco tempo depois, outras Ações Direitas de Inconstitucionalidade forma


interpostas nesse Tribunal, a de n° 146.999-0/3-00, questionou a
constitucionalidade da Lei n ° 4.446, de 2003, do Município de Botucatu, que veda
a utilização de fogo na colheita da cana-de-açúcar, nessa ação o Tribunal de
Justiça do Estado de São Paulo julgou improcedente o pedido.

Depois de o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo julgar


improcedente o pedido, foi interposto Recurso Extraordinário pelo Sindicato da
Indústria da Fabricação do Álcool do Estado de São Paulo – SIFAESP e Sindicato
da Indústria do Açúcar no Estado de São Paulo – SIAESP, alegando violação aos

127
Lesley Gasparini Leite e Ana Thereza Machado Junqueira, Política Municipal de Meio Ambiente,
p. 29.
103

arts. 24, VI e 30, I, da Constituição Federal, visto que a edição da citada lei
municipal não teria observado a competência legislativa estadual sobre meio
ambiente. A Ministra Ellen Gracie, por meio da Ação Cautelar n° 2316, concedeu
liminar e suspendeu mais essa decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo,
alegando o que segue:

“As razões apresentadas evidenciam a plausibilidade jurídica, visto que o


artigo 24, IV, da Constituição, estabelece que compete à União, aos
Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre florestas,
caça, pesca, fauna, conservação da natureza, defesa do solo e dos
recursos naturais, proteção do meio ambiente e controle da poluição. Já
o perigo na demora se comprova tendo em vista o início da colheita e a
128
limitação imposta pela lei.”

A Ministra lembrou, ainda, que a Corte já reconheceu a existência de


repercussão geral nesta questão constitucional129. Porém, com a sua saída do
colegiado, a relatoria do caso foi designada ao Ministro Luiz Fux, que para o
julgamento do mérito entendeu necessária a escuta de órgãos e entidades ligados
à questão ambiental e de saúde. Alegou a importância das alegações da Câmara
Municipal de Paulínia, ressaltando ainda que o Ministério Público130 apresentou
argumentos a favor do Município, avaliando ter o ente competência para legislar
sobre questões ambientais, interesse local e sobre a política de desenvolvimento
urbano.

128
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Medida Cautelar em Ação Cautelar. Ação Cautelar n° 2316.
Relator (a): Min. Ellen Gracie. Julgamento: 31/03/2009. DJE – 065.
129
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Cautelar com pedido de liminar. Ação Cautelar n°
2071. Relator: Min. Eros Grau. Julgamento: 10/11/2008. DJE-217.
130
O Ministério Público de São Paulo ajuizou Ação Civil Pública com o objetivo de impedir a
queima da palha de cana-de-açúcar na região de Jaú. Na ação, sustentou que a prática acarreta
danos ao meio ambiente. Em primeira instância, o pedido foi negado. O Tribunal de Justiça de São
Paulo manteve a sentença por entender que a queima da folhagem seca da cana-de-açúcar não é
proibida pela Lei da Política Nacional do Meio Ambiente (Lei 6.938/1981) fixou diretrizes gerais de
proteção ao meio ambiente. Todavia, o Ministério Público recorreu ao Superior Tribunal de Justiça
(STJ). Por meio do REsp 1.285.463, no dia 28/02/2012, a Segunda Turma do STJ julgou
procedente o recurso do Ministério Público de São Paulo e decidiu pela proibição da queima da
cana-de-açúcar no município de Jaú. A decisão do Relator Min. Humberto Martins se baseou no
princípio da precaução, consagrado na Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente,
que estabeleceu em casos de dúvida, a preferência pela defesa do meio ambiente.
104

Então resta a dúvida: o Município pode suplementar a lei estadual de modo


a proteger de maneira mais intensa o meio ambiente ou o Estado-membro, ao
legislar sobre o assunto, não teria deixado espaço para a suplementação
municipal?

No caso concreto, a competência suplementar municipal para tratar do meio


ambiente pode ser interpretada à luz dos critérios de repartição de competências
de forma isolada ou pode ser interpretada de forma sistemática, permitindo que se
dê o máximo de efetividade aos preceitos envolvidos no caso.

Portanto, a nosso ver, no que diz respeito à proibição da queimada de palha


de cana-de-açúcar, a competência suplementar dos Municípios deve ser
delineada de forma a respeitar a preservação ambiental, ligada intimamente à vida
e à saúde dos seres humanos, além de não perder de vista a própria repartição de
competências, que considerou o Município apto a tratar sobre meio ambiente,
suplementando, no que couber, as leis federais e estaduais de acordo com o seu
interesse local.

Dessa forma, entendemos que o Estado-membro fixou um limite que pode


ser reduzido pelo Município ao exercer sua competência suplementar, naquilo que
cabe a ele, ou seja, proteger mais o meio ambiente e a saúde de seus munícipes,
levando em conta os interesses predominantemente locais. Ao proibir
sumariamente a queimada da palha da cana-de-açúcar em seu território, o
Município, atento ao seu interesse local e suplementando a legislação estadual,
preserva a qualidade de vida e garante o bem-estar dos seus cidadãos, função
essa inerente a toda e qualquer cidade.

Assim identificamos duas possibilidades: uma é pela inconstitucionalidade e


ilegalidade dessas leis tendo em vista que o Município não dispõe de competência
para legislar sobre a matéria, já que a Lei Estadual nº 10.547, de 2000, disciplinou
105

o assunto de acordo com o Art. 24, VI, e não deixou espaço para que o Município
a suplementasse, vez que tratou de forma conclusiva sobre o assunto.

Outra possibilidade de interpretação é baseada na decisão n° 129.132.0/3,


do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, que reconhece, nesse caso, o
interesse local uma vez que entende que quando há conflito entre o princípio
federativo (repartição de competência), e os princípios de proteção ao meio
ambiente e à saúde, no caso concreto, se resolve com a prevalência destes sobre
o primeiro.

A essa linha nos perfilhamos e assim foi que em 2006 o Parecer CEPAM
nº 26.250, da Coordenadora da área Jurídica, Dra. Luciana Temer Castelo
Branco131, mormente baseada na decisão n° 129.132.0/3, do Tribunal de Justiça
de São Paulo, opinou pela constitucionalidade do projeto de lei de Piracicaba,
alegando o bem da vida como valor maior a ser protegido nesse caso.

4.2. Proibição de sacolas plásticas

Outro caso concreto que analisaremos diz respeito à atividade legislativa de


algumas Câmaras Municipais como de São Paulo, Osasco, Jundiaí, Rio Claro e
São Vicente que visam proibir, por meio de leis, supermercados e
estabelecimentos comerciais de acondicionar os produtos vendidos ao consumidor
em sacolas plásticas não-biodegradáveis132.

A proteção do meio ambiente tem hoje no Brasil e no mundo papel


relevante e de destaque, sendo considerado pelo Supremo Tribunal Federal como

131
Luciana Temer Castelo Branco, Parecer CEPAM n. 26.250, Competência para queima de palha
de cana-de-açúcar. Disponível em: www.cepam.sp.gov.br.
132
Cumpre informar que no período que fui parecerista do Centro de Estudos e Pesquisas –
CEPAM, mais especificamente no ano de 2008, por meio Parecer CEPAM nº 27.476, emiti uma
opinião contrária a essa aqui proferida, isto porque ainda não existia a época, objetivamente,
argumentos que viabilizassem a proibição da distribuição das sacolas plásticas.
106

um direito de terceira geração, conforme se verifica no Mandado de Segurança nº


22.164/SP, relatado pelo Ministro Celso de Mello:

“A questão do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.


Direito de terceira geração. Princípio à integridade do meio ambiente –
típico direito de terceira geração – constitui prerrogativa jurídica de
titularidade coletiva, refletindo, dentro do processo de afirmação dos
direitos humanos, a expressão significativa de um poder atribuído, não ao
indivíduo identificado em sua singularidade, mas, num sentido
verdadeiramente mais abrangente, a própria coletividade social.
Enquanto os direitos de primeira geração (direitos civis e políticos) – que
compreendem as liberdades clássicas, negativas ou formais – realçam o
princípio da liberdade e os direitos de segunda geração (direitos
econômicos, sociais e culturais) – que se identificam com as liberdades
positivas, reais ou concretas – acentuam o princípio da igualdade, os
direitos de terceira geração, que materializam poderes de titularidade
coletiva atribuídos genericamente a todas as formações sociais,
consagram o princípio da solidariedade e constituem um momento
importante no processo de desenvolvimento, expansão e reconhecimento
dos direitos humanos, caracterizados, enquanto valores fundamentais
133
indisponíveis, pela note de uma essencial inexauribilidade.”

Dessa forma, quando asseguramos que o direito ao meio ambiente


saudável é um direito de terceira geração, entendemos que cabe ao Poder Público
em todas as suas esferas de governo e a todos os interessados agir no sentido de
preservá-lo de forma efetiva e concreta, para tanto, dentro da repartição de
competências disposta na Constituição Federal, devemos observar o que cabe a
cada ente federado realizar.

Com base nessa repartição, incide, no caso, a competência concorrente


para legislar sobre proteção do meio ambiente e controle da poluição entre União,
Estados e Distrito Federal (CF, art. 24, incs. VI e XII). Nesse caso, o Município
legislaria para suplementar a legislação federal ou estadual no que couber (CF,
art. 30, inc. II).

Não só o Brasil, mas o mundo sofre com o uso indevido de materiais de


produção não-biodegradáveis. Isso reforça a necessidade de ser dado

133
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Mandado de Segurança. Mandado de Segurança nº
22.164/SP. Relator: Min. Celso de Mello. 1995, p. 23.
107

disciplinamento de caráter nacional à matéria, por meio de normas gerais


editadas pela União, no uso de sua competência legislativa concorrente, com
vistas a instituir uma política nacional no território brasileiro prejudicado pelo uso
das sacolas não-biodegradáveis. Outra questão referente à matéria a ser
legislada, diz respeito à eficácia da lei em relação aos seus impactos econômicos,
sociais e ambientais.

Algumas decisões acerca do assunto regulado em lei merecem atenção.

O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro decidiu, na ADIn nº


2004.007.00083, pela concessão da liminar e pela declaração da
inconstitucionalidade de lei municipal que determinava a proibição do uso de
sacolas plásticas não-biodegradáveis pelos supermercados e estabelecimentos
comerciais, conforme segue:

“(...) concedi a liminar. Isso, por não ser razoável uma abrupta mudança
do tipo de embalagem, sem assegurar certeza de fornecimento do novo
tipo para todo o comércio, sem que isso provocasse prejuízo à
população. Na verdade o prazo deveria ser mais longo. A liminar visou
assegurar o imediato interesse e ordem pública.
A lei em exame, embora singela, pode se concluir, objetiva a proteção do
meio ambiente. Com essa preocupação foi elaborada.
Pois bem, a Constituição Federal estabeleceu em seu art. 24, VI a
competência para legislar sobre a matéria, apenas à União, aos Estados
e ao Distrito Federal.
Por essa razão a Carta Estadual estabeleceu que é de competência do
Estado, concorrente com a união legislar sobre proteção ao meio
ambiente e controle da poluição (art. 74, IV) e sobre consumo (inciso V).
Em decorrência desses comandos, falece competência ao Município de
legislar a respeito de proteção ao meio ambiente.
(...) (o município) afirma não ter havido violação do art. 74, V da
Constituição Federal, que delega à União e aos Estados a competência
para legislar sobre produção e consumo (...) busca, então, travar um
debate sobre a ótica do interesse local, que dá ensejo a enormes
dissídios. Entretanto, alguns limites à interpretação do termo são
facilmente impostos. O interesse local é aquele que diz respeito às
necessidades imediatas do município. Algo essencial para a vida daquela
comuna.
O disciplinado pela norma em observação não se incluiu entre aquela
fundamentação para o município. Pode ser, e com isso se está de
acordo, de interesse geral. Na verdade, como está ressaltado no parecer
108

da Procuradoria de Justiça (fls. 90/95) “ela inovou no mundo jurídico e


não está suplementando legislação federal e estadual” (grifos do
134
autor)”.

Outro rechaço a essa determinação foi feito pelo Governo do Estado de


São Paulo no ano de 2008, ao vetar o Projeto de Lei nº 534, de 2007, aprovado
pela Assembléia Legislativa, que visava proibir o uso de sacolas plásticas não-
biodegradáveis nos supermercados e nos estabelecimentos comercias,
substituindo-as por sacolas de material oxi-biodegradáveis, dentre outras
ressalvas, porque as Secretarias de Estado do Meio Ambiente e do
Desenvolvimento foram contrárias ao projeto, ressaltando que antes de qualquer
obrigatoriedade de mudança de fórmula de todas as embalagens, necessário se
faz avaliar os impactos econômicos, sociais e ambientais resultantes da
implementação da Lei.

Nas razões do veto o governador ainda observa que a matéria tratada


interfere na ordem econômica restringindo a livre iniciativa e a livre concorrência.
Isso porque a atividade comercial se tornaria mais onerosa no Estado de São
Paulo, o que restaria por afetar a competitividade das empresas nele locadas
frente às empresas locadas em outros Estados, que não estivessem sujeitas a tal
obrigação.

Vale ressaltar, no entanto, que o Governo do Estado de São Paulo assinou,


no dia 9 de maio de 2011, um protocolo de intenções entre o governo e a
Associação Paulista de Supermercados (Apas) para a realização de estudos e
adoção de ações de substituição das sacolas à base de petróleo utilizadas nos
supermercados do estado. A entidade apresentou um cronograma prevendo o fim
da oferta das chamadas “sacolinhas” nos supermercados até 25 dejaneiro de
2012.

134
RIO DE JANEIRO. Tribunal de Justiça. Ação Direta de Inconstitucionalidade de lei municipal de
Paulínia que proíbe o uso de sacolas plásticas não-biodegradáveis nos supermercados e nos
estabelecimentos comerciais. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2004.007.00083. Rio de
Janeiro. p. 11-12.
109

No ano de 2011, o Município de São Paulo também tratou do assunto


instituindo a Lei nº 15.374, de 2011, que proíbe a distribuição gratuita ou venda de
sacolas plásticas nos estabelecimentos comerciais da capital paulista, sob a
seguinte justificativa, a qual transcrevemos na integra:

“Pretendemos com a presente, a proibição do uso de embalagens


plásticas a base de polietileno, polipropileno, para acondicionamento de
gêneros alimentícios e produtos diversos. Essa alteração do material
plástico servirá para combater o acumulo de plásticos, nos lixões, que
levam mais de 400 anos para se decompor.
Estudo recentes indicam que a matéria prima para a fabricação desse
produto será a cana-de-açúcar. Esse material vem sendo pesquisado há
muito tempo. O plástico extraído da cana é o PHB. A resina produz as
características físicas, químicas e mecânicas de quase todos os
polímeros sintéticos derivados do petróleo como as garrafas pet, o
polietileno e o prolipropileno.
O novo plástico biodegradável é um material renovável, se decompõe em
cerca de 100 dias, em contato com um ambiente microbiologicamente
ativo. Em contrapartida o plástico petroquímico é uma das matéria primas
mais utilizadas em nosso dia a dia, tornando-se indispensável na vida
das pessoas, presente em todos os momentos e utilizando, das mais
diversas formas.
As características físicas e econômicas ajudaram a popularizar sua
aplicação, inclusive substituindo em alguns casos, materiais como o vidro
ou a madeira. Em 2002, o consumo de plástico pelos brasileiros foi de
21,7 Kg, ou seja, cerca de 3 milhões e 700 mil toneladas.
O plástico petroquímico, além de não se decompor, quando jogado em
lixões e aterros, cria uma camada impermeável que prejudica a
decomposição dos materiais biologicamente degradáveis, impedindo a
circulação de líquido e gases.
Esperamos que sacos de lixos e sacolas plásticas sejam substituídos por
sacolas ecológicas, ambientalmente corretas, que podem ser retornáveis,
de papel ou de material oxi-biodegradável (que levam até 18 meses para
se decompor, mesmo sem contato com a água, pois servem de alimento
para microorganismos presentes na natureza).
A luta contra a plasticomania, que assola o planeta (500 bilhões de sacos
plásticos produzidos anualmente), ganhou importante aliados entre
governos da Europa. Na Alemanha, quem não anda com sua própria
sacola a tiracolo é obrigado a pagar uma taxa extra pelo uso dos sacos
plásticos nas lojas.
Na Irlanda, desde 1997, se paga um imposto de nove centavos de libra
por cada sacola de plástico (plastax), o que provocou a diminuição de
seu consumo em 90% e permitiu angariar fundos para projetos de gestão
de lixo.
No reino unido, uma rede de supermercados atraiu a atenção dos
consumidores com uma campanha ecológica original, de oferecer seus
produtos embalados em plásticos que se decompõem 18 meses depois
de descartados.
110

No Brasil, questão caminha a passos tímidos. O Estado do Paraná quer


aplicar lei de crime ambiental contra supermercados que não adotem
alternativas ao uso de sacolas plásticas. A discussão se estendeu aos
âmbitos do poder municipal de Maringá e de Curitiba, com programas
que prevêem a substituição de sacolas plásticas por sacos de lixo
biodegradáveis ou retornáveis.
Nesse sentido entendemos que cabe a Maior Capital do País adotar
medidas ecologicamente corretas para sermos exemplo as demais
cidades. São Paulo enquanto maior potencia econômica certamente será
135
seguida e a natureza a maior beneficiada” .

No entanto, o Tribunal de Justiça de São Paulo suspendeu, em caráter


liminar, a eficácia da Lei Municipal nº 15.374, de 2011, a pedido do Sindicato da
Indústria de Material Plástico do Estado de São Paulo, por meio da Ação Direta de
Inconstitucionalidade nº 0121480-62.2011.8.26.0000.

Em razão de ADI proposta, o Desembargador Relator do Tribunal de


Justiça, Dr. Luiz Pantaleão, em 20 de junho de 2011, concedeu liminar, com efeito
'ex tunc', para o fim de suspender a eficácia desta Lei. Mesmo ante os Agravos
Regimentais interpostos, o Órgão Especial do Tribunal de Justiça, por votação
unânime, manteve a liminar deferida, em 25 de novembro de 2011.

O argumento utilizado pelo Tribunal sulista em sede preliminar é no sentido


de que o julgamento do mérito pode demorar e com isso trazer prejuízos aos
fabricantes das sacolas.

Na defesa dos Municípios encontramos o Ministério Público Federal de


Marília que em 03 de fevereiro de 2009 instaurou inquérito civil público (nº
1.34.007.000022/2009-12) para apurar eventuais riscos de danos ao meio
ambiente decorrentes da utilização de sacolas plásticas pelos empreendimentos
comerciais na cidade de Marília.

135
SÃO PAULO. Câmara dos Vereadores. Justificativa para o Projeto de Lei n. 469/2007, que
proíbe o uso de sacolas plásticas em supermercados e estabelecimentos comerciais. Site
www.camara.sp.gov.br.
111

O Ministério Público Federal protocolou ação civil pública contra a União e


o Estado de São Paulo em razão da omissão do Conselho Nacional do Meio
Ambiente (Conama) e da Secretaria de Estado do Meio Ambiente de São Paulo
em editar normas para proteger efetivamente o meio ambiente por conta da
excessiva utilização de sacolas plásticas pelos estabelecimentos empresariais,
visto que excetuando algumas leis de atuação local, como é o caso de Marília, por
meio da Lei Municipal nº 7.281, de 2011, não existe nenhuma regulamentação
restritiva por parte dos órgãos públicos estaduais e federais.

O Procurador Federal Jefferson Aparecido Dias136 entende como


necessária a atuação municipal e a conscientização dos estabelecimentos
comerciais e da sociedade como um todo. Para tanto estabelece algumas
possibilidades: (i) cobrança pelo fornecimento de sacolas plásticas; (ii) bonificação
pela não-utilização de sacolas plásticas pelos clientes; (iii) substituição das
sacolas plásticas comuns por sacolas biodegradáveis; (vi) disponibilização de
recipientes retornáveis, que apresentem maior durabilidade, como sacolas de
pano; (v) treinamento dos funcionários para que usem o mínimo necessário de
sacolas plásticas ao embalar as compras dos clientes; e, (iv) quaisquer outras
formas de incentivo à utilização de sacolas retornáveis e a redução ou não-
utilização de sacolas plásticas.

O autor da recomendação ressalva que a Lei nº 6.938, de 1981 que trata da


política nacional de meio ambiente, em seu art. 2º, inciso V, estabelece como
necessário o controle e zoneamento das atividades potencial ou efetivamente
poluidoras. E garante que “tanto o poder público quanto a própria sociedade, é
responsável pelo meio ambiente, e, portanto, as empresas também têm que
encarar a responsabilidade pelos seus produtos e o impacto causado por eles no
meio ambiente".

136
SÃO PAULO. Procuradoria da República. Ministério Público Federal de Marília. Inquérito civil
público nº 1.34.007.000022/2009-12. Marília – SP. 3 de fev. de 2009.
112

Já identificamos que o Município tem competência para tratar sobre


matérias relacionadas ao meio ambiente, com vistas a combater a poluição e
preservar o meio ambiente de acordo com as competências legislativas
suplementares, comuns e de interesse local estabelecidas pela Constituição
Federal, concluindo que nesse caso há interesse local.

Nesse momento vislumbramos quatro interpretações possíveis, duas


contrárias e duas favoráveis à atuação municipal.

As contrárias alertariam que: a lei versa sobre proibição e imposição que só


seria possível se definida no âmbito de uma política nacional, a exigir tratamento
uniforme de ação em todo o território brasileiro, inclusive em razão da questão
econômica que permeia a decisão; a segunda traria à baila a inovação criada no
mundo jurídico em âmbito municipal que não suplementou nem bem legislação
federal e/ou estadual. As favoráveis ao Município seriam no sentido de que a lei
versa sobre uma ação de combate à poluição, que pode ser mais ou menos
danosa em um ou outro Município e que não deixa de ser interesse do ente
municipal combater a prática predatória do consumidor e do empreendedor local,
estabelecendo comportamentos e práticas sustentáveis de consumo,
suplementando, portanto, de acordo com as suas peculiaridades locais, a Lei nº
6.938 de 1981 que trata da política nacional de meio ambiente; e, por fim, a
posição que defende a possibilidade de o Município tratar sobre o assunto de
maneira plena por se tratar de matéria concorrente a todos os entes, sem norma
estadual e/ou federal que regulamente essa ação.

Nesse caso, acreditamos que a despeito de não haver provas sobre a


efetividade das sacolas biodegradáveis, cabe ao Município, de acordo com a sua
competência suplementar, estabelecer a proibição das sacolas com base no
princípio da precaução, protegendo mais o meio ambiente e o cidadão.
113

4.3. Ingresso ou permanência de pessoas utilizando capacete ou qualquer


tipo de cobertura que oculte a face, nos estabelecimentos comerciais

Em vários Municípios (Guarujá-SP, Olímpia-SP, Uberlândia-MG,


Pindamonhangaba-SP, Porto Alegre-RS e Novo Hamburgo-RS) foram elaboradas
leis que proíbem o ingresso ou permanência de pessoas utilizando capacete ou
qualquer tipo de cobertura que oculte a face, nos estabelecimentos comerciais,
públicos ou abertos ao público.

Desse modo, a iniciativa parlamentar objetiva enfrentar uma das supostas


causas da ocorrência de ilícitos de natureza penal, que se refere à impossibilidade
imediata de identificação dos autores no momento da prática criminosa pelo uso
de vestiário e acessórios que lhes ocultem a face.

Trata-se, portanto, de propositura que visa reforçar a manutenção da ordem


pública mediante a vedação de certos comportamentos que possam assegurar o
anonimato dos meliantes ou mesmo possibilitar práticas ilegais.

Quanto à segurança pública, a Constituição Federal determinou ser dever


do Estado e direito e responsabilidade de todos. Seu exercício deve ter em vista a
ordem pública e a integridade das pessoas e do patrimônio e ser executada por
vários órgãos, todos integrantes da Administração Pública da União e dos
Estados.

“Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e


responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem
pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos
seguintes órgãos:
I - polícia federal;
II - polícia rodoviária federal;
III - polícia ferroviária federal;
IV - polícias civis;
114

V - polícias militares e corpos de bombeiros militares.


§ 1º - A polícia federal, instituída por lei como órgão permanente,
organizado e mantido pela União e estruturado em carreira, destina-se a:
§ 2º - A polícia rodoviária federal, órgão permanente, organizado e
mantido pela União e estruturado em carreira, destina-se, na forma da lei,
ao patrulhamento ostensivo das rodovias federais.
§ 3º - A polícia ferroviária federal, órgão permanente, organizado e
mantido pela União e estruturado em carreira, destina-se, na forma da lei,
ao patrulhamento ostensivo das ferrovias federais.
(...)
§ 6º - As polícias militares e corpos de bombeiros militares, forças
auxiliares e reserva do Exército, subordinam-se, juntamente com as
polícias civis, aos Governadores dos Estados, do Distrito Federal e dos
Territórios.
(...)
§ 8º - Os Municípios poderão constituir guardas municipais destinadas à
proteção de seus bens, serviços e instalações, conforme dispuser a lei.”

Vemos que o artigo 144 da Constituição Federal dotou de competência


para a segurança pública a União, os Estados e o Distrito Federal. Diante disso, a
interpretação desse artigo, por parte da doutrina e da jurisprudência, é no sentido
de que o Município não deve atuar nessa seara, por lhe faltar competência,
podendo somente criar, organizar e manter uma guarda municipal destinada ao
policiamento administrativo, sem qualquer incumbência de natureza ostensiva, de
polícia judiciária e investigativa.

O Município de Novo Hamburgo teve a sua Lei n° 1.681, de 2007, atacada


pelo próprio Prefeito que entendeu o intento do projeto era claramente tratar sobre
segurança pública não sendo possível o Município atuar nessa área com base em
seu predominante interesse, conforme o artigo 30, I, da CF, vez que a
competência da União e dos Estados para tratar sobre o tema é expressa no
Texto Constitucional.
115

O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, por sua vez, declarou


constitucional a Lei n° 1.681/07, de Novo Hamburgo (Ação Direta de
Inconstitucionalidade nº 70025237033) alegando que:

“O Município agiu dentro dos limites de sua competência previsto no


artigo 30, I, da CF, observado o exercício do poder de policia, passível de
regulamentação, conforme ensinamento de Hely Lopes Meirelles, obra
citada, pp. 121/122 e 257, norma esta que não merece qualquer
137
reprimenda, mas, ao contrário, é merecedora de encômios.”

Para o Tribunal, não houve intromissão na competência federal pela lei


municipal que, observando o poder de polícia, editou norma proibindo a
permanência de motociclistas em estabelecimentos privados e públicos utilizando
capacetes, impedindo sua identificação.

O relator Desembargador Francisco José Moesch alegou também que a


norma disciplinadora de trânsito de veículos é regrada pela Lei Federal nº 9503,
de 1997, que regulamenta o Código Nacional de Trânsito, em seu artigo 24, II,
estabelecendo que compete aos órgãos e entidades executivos de trânsito dos
Municípios, no âmbito de sua circunscrição, “planejar, projetar, regulamentar e
operar o trânsito de veículos, de pedestres e de animais, e promover o
desenvolvimento da circulação e da segurança de ciclistas”. Vincula, dessa forma,
a matéria tratada na lei a uma questão eminentemente administrativa de trânsito,
e, portanto, como definido em norma geral federal, de competência municipal.

Há quem pense, todavia, que o Município está tratando sobre segurança


pública, estabelecendo inclusive um tipo penal, Manuel Silvino Jardim, que
defende tal entendimento no Parecer CEPAM nº 26.928:

137
RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Ação Direta de Inconstitucionalidade de lei
municipal de Novo Hamburgo que proíbe o ingresso ou permanência de pessoas utilizando
capacete ou qualquer tipo de cobertura que oculte a face, nos estabelecimentos comerciais,
públicos ou abertos ao público. Ação Direta de Inconstitucionalidade n° 70025237033. Relator:
Des.Francisco José Moesch. Rio Grande do Sul, 2008, p.4.
116

“MUNICÍPIO. COMPETÊNCIA. Projeto de Lei, de iniciativa de Vereador,


que ‘impõe aos usuários de motocicleta a obrigação de mostrar o rosto
no interior dos estabelecimentos em geral’. Inconstitucionalidade. O
Município não tem competência para legislar sobre segurança pública e
muito menos definir determinados comportamentos como novas
138
contravenções penais. ’’

É de se notar que uma lei sempre abrange mais de uma matéria, e no


nosso ponto de vista, o Município não só agiu baseado no seu interesse local
municipal destinado ao policiamento administrativo, como também fez uso da
competência concorrente ao suplementar a Lei Federal nº 9503, de 1997, que
trata sobre disposições de trânsito, visando trazer mais segurança aos munícipes.

4.4. Instalação de cestos nos veículos mencionados na lei estadual e nos


estabelecimentos

No ano de 2008, a Câmara Municipal de Bertioga propôs projeto de lei 139


que dispunha sobre a obrigatoriedade de cadeiras de rodas dotadas de cestos
acondicionadores de compras nos supermercados.

O questionamento destinado a esse caso concreto será no sentido de


analisar a constitucionalidade ou não do texto do projeto proposto140.

Um dos objetivos fundamentais do nosso Estado é a promoção do bem de


todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras
formas de discriminação. Assim, a Constituição Federal, em seu artigo 5º, garante
que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
138
Manuel Silvino Jardim, Fundação Prefeito Faria Lima, Parecer CEPAM nº 26.928 de 2008.
Competência para legislar sobre segurança pública. Cabe ressaltar que no mesmo ano de 2008,
orientada pela posição desse Parecer, que retrata a posição da Fundação Prefeito Faria Lima –
CEPAM sobre a matéria, emiti resposta técnica com opinião contrária a agora proferida.
139
MATHEUS, Caio. Projeto de Lei que dispunha sobre a obrigatoriedade de cadeiras de rodas
dotadas de cestos acondicionadores de compras nos supermercados.
140
Defendi essa posição no Parecer CEPAM nº 27.504 de 2008.
117

garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a


inviolabilidade do direito à vida, à igualdade, à segurança e à propriedade. Ou
seja, a Constituição Federal prevê a igualdade de todos, sem qualquer distinção.

Como é possível observar, nossa Constituição avançou na promoção e


defesa dos direitos individuais e coletivos. Porém, a busca pela igualdade não
para por aí, pois a igualdade que se espera não é só formal, garantida pelo Direito.
A igualdade real que se pretende significa igualdade de oportunidade de trabalho,
de locomoção, cidadania, dentre outros direitos que propiciam a todo e qualquer
ser humano uma vida digna.

No que diz respeito aos direitos da pessoa com deficiência e mobilidade


reduzida, podemos dizer que muito se avançou. No ano 2000 foram editadas duas
leis federais, a primeira em 8 de novembro, de nº 10.048, e a segunda em 19 de
dezembro, de nº 10.098, que estabeleceram normas gerais e critérios básicos
para a promoção da acessibilidade das pessoas com deficiência ou com
mobilidade reduzida (ambas regulamentadas pelo Decreto Federal nº 5.296, de
2004).

Para que o Poder Público, em todas as suas esferas, possa continuar


protegendo e integrando as pessoas com deficiência de forma efetiva e concreta,
deve observar, dentro da repartição constitucional de competências, o que cabe a
cada ente federado realizar.

Com base no artigo 24, inc. XIV da Constituição Federal, podemos afirmar
que incide, no caso, a competência concorrente para legislar sobre proteção e
integração social das pessoas com deficiência entre União, Estados e Distrito
Federal. Assim, o Município legisla para suplementar a legislação federal ou
estadual, no que couber (CF, art. 30, II).
118

Também é possível falar da competência comum a todos os entes da


Federação para cuidar da saúde e da assistência pública, da proteção e garantia
das pessoas com deficiência (CF, art. 23, II), o que enseja atuação legislativa
suplementar também.

A Câmara Municipal de Bertioga pretendia tornar lei a obrigatoriedade de


cadeiras de rodas dotadas de cestos acondicionadores de compras nos
supermercados.

Devemos ressaltar que a matéria é objeto de normatização no Estado de


São Paulo, consubstanciada na Lei n° 12.107, de 2005, que obriga o fornecimento
gratuito de veículos motorizados para facilitar a locomoção de pessoas com
deficiência física nos shopping centers e supermercados.

Dessa forma, o Estado fez uso de sua competência concorrente disposta no


artigo 24, inciso XIV, que estabelece a atuação legislativa conjunta dos entes
federados para proteção e integração social das pessoas portadoras de
deficiência; suplementando as normas gerais estabelecidas pela Lei Federal n°
10.098, de 2000, estabelecendo em âmbito estadual formas para promover a
acessibilidade e como conseqüência, a integração social da pessoa com
deficiência. Pode ainda o Município dispor sobre o assunto, no que couber.

O Estado definiu para todo o seu território, de maneira uniforme, a


obrigação de os estabelecimentos oferecerem o benefício, o tipo de equipamento
a ser por eles disponibilizado, bem como estabelecer a multa e a quem cabe a
fiscalização da Lei.

Poderia o Município tratar do mesmo assunto? Sim, desde que ofereça


parâmetros próprios de aplicabilidade local, no sentido de suplementar a lei
estadual de maneira a proteger mais o direito das pessoas com deficiência.
119

A propositura municipal pretendia obrigar os supermercados a oferecer


cadeiras de rodas com cestos acondicionadores de compras para as pessoas com
deficiência, porém, enquanto o Estado contempla a obrigatoriedade de os
shopping centers e supermercados oferecerem veículo motorizado para facilitar a
locomoção das pessoas com deficiência dentro desses estabelecimentos, o
Município pretende garantir o uso de cadeira de rodas, que é um minus em
comparação à exigência estadual e mais gravosa pelo maior desconforto que o
equipamento propicia. Por outro lado, a lei estadual não previu a instalação de
cestos acondicionadores para acomodar os produtos adquiridos.

Desse modo, acreditamos que o Município deve atender às determinações


estabelecidas na lei estadual, mas nada o impede de se aprofundar na matéria,
suplementando a legislação estadual, no que couber. Para atender a esse
preceito, não existiriam restrições para o Município exigir que os estabelecimentos
mencionados na lei estadual disponibilizassem veículos motorizados dotados,
porém, de cestos acondicionadores de compras, especificação esta que a lei
estadual não contempla.

Cabe lembrar que o Município de São Paulo aprovou em 1997, a lei nº


12.360, que dispõe sobre a obrigatoriedade de manutenção de cadeiras de rodas
dotadas de cesto acondicionador de compras em supermercados de grande porte.
No nosso entendimento, a lei paulistana não contraria legislação estadual, nem
invade competência do Estado. Portanto, mesmo com o advento de lei estadual
tratando sobre o assunto, a lei municipal não só pode como deve continuar em
vigor.

Concluímos assim, que dada a competência suplementar municipal para


legislar sobre matérias relacionadas à proteção e integração de pessoas com
deficiência, o Município ao dar cumprimento à Lei Estadual nº 12.107, de 2005,
suplementando-a, estará promovendo a integração das pessoas com deficiência
física e mobilidade reduzida e fazendo bom uso da sua competência suplementar.
120

CONCLUSÃO

Para o avanço da autonomia municipal é necessário, por meio de uma


análise menos restritiva da repartição de competências constitucional, favorecer a
atuação dos Municípios, que estão diretamente em contato com as demandas da
população local.

Fatores históricos e culturais, todavia, nos levaram a uma centralização das


decisões no âmbito federativo, que entrega à União grande parte dos afazeres do
Estado brasileiro.

O federalismo cooperativo adotado pela Constituição Brasileira de 1988


sugere uma atuação da União de modo a garantir a unidade que esta não é
somente territorial, mas também se volta para questões políticas, econômicas e
sociais. Se mal interpretado, esse modelo pode ser visto como uma maneira de
centralizar poder na esfera federal. Se bem interpretado, pode ser uma boa
oportunidade para que haja um planejamento conjunto entre os entes federados
para o atingimento dos objetivos da nossa República Federativa.

No Brasil, o federalismo cooperativo, traduzido pela sistemática de


repartição de competências concorrentes, ainda é mal interpretado ou mesmo mal
utilizado, isso porque a nossa tradição centralizadora não permitiu até o momento
a descentralização fundamental para que a Federação preencha suas funções
essenciais.

Portanto, é certo que o Estado e a sociedade herdaram a tendência


centralizadora vivida nos períodos anteriores. A nosso ver, é por conta dessa
herança que as possibilidades formais instituídas pela Constituição Federal de
1988 acerca da atuação municipal não são exploradas como deveriam.
121

É o nosso frágil pacto federativo na prática que não dá lugar para bem-
sucedidas atuações descentralizadas do poder.

Analisando as cartas constitucionais que o Brasil teve ao longo de sua


história, é possível observar essa fragilidade. Ora, vemos a descentralização
político-administrativa ocorrer, mas, tendo em vista o mau uso feito desse poder
pelas oligarquias regionais, como ocorreu no período compreendido entre a
Constituição de 1891 e a de 1934, a centralização volta a ser o modelo adotado.
Ou então, como ocorreu no período entre 1946 e 1964, em razão de uma
crescente organização popular visando à garantia de direitos sociais e políticos, a
oligarquia, temendo perder o poder, centraliza-o, por meio de regimes autoritários,
que desprestigiam a participação cidadã entre os anos de 64 e 88.

Ainda assim, o município sempre esteve presente no seio da história


político-institucional brasileira. Primeiro, como centro da vida política brasileira, no
período do Brasil Colônia e assim eram dotados de estrutura e poder. Depois, com
a vinda da Família Real ao Brasil, apesar de terem suas competências reduzidas a
afazeres administrativos, foram importantes nas negociações relacionadas à
Independência. Ao longo dos demais períodos que sucederam a esses, notamos
sempre a sua importância na vida política, independente do uso que lhe foi feito:
na política dos governadores em 1891, que os municípios serviram de base para
sustentar a indicação de presidentes pelos Estados, durante o breve período
democrático vivido pelo Brasil iniciado em 1934 e em 1946, em que gozou de
autonomia e participação na vontade federativa, e até mesmo durante a
Constituição de 1967, foi observado.

Desse modo, a despeito da forte tendência centralizadora brasileira, o


município persistiu e se mostrou ao longo do tempo uma figura imprescindível
para divisão territorial brasileira e para a sua formação como um Estado
democrático, visto que os debates políticos sempre demonstraram a necessidade
122

de o Brasil descentralizar o seu poder político em prol de entes mais próximos da


realidade, seja por seu vasto território ou por suas notáveis diferenças regionais.

Na Constituição Federal 1988, os Municípios são elevados a entes


federados e, assim, passam a integrar a República Federativa do Brasil, dispondo
de competências exclusivas e concorrentes.

Acreditamos, dessa forma, que, na condição de ente federado, as


atribuições privativas e concorrentes do Município se revelam indispensáveis para
a Federação e isso permite interpretações que ampliem a atuação municipal. É
somente assim que os entes locais poderão contribuir de forma mais efetiva para
a realização dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, como:
(i) construir uma sociedade livre, justa e solidária; (ii) garantir o desenvolvimento
nacional; (iii) erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades
sociais e regionais; (iv) promover o bem de todos, sem preconceitos de origem,
raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação (CF, art. 3).

É de se observar que a Constituição Federal abarca conceitos amplos


relacionados à competência municipal, como, “no que couber’’ e “interesse local”
que podem dar margem a uma atuação mais equitativa dos entes da federação
brasileira, principalmente a municipal.

Foi assim, com base na flexibilidade da repartição de competências da


Federação americana que a Suprema Corte dos Estados Unidos da América
iniciou um processo de mudança de conceitos, quebrando paradigmas históricos.
Ao longo do tempo, o federalismo dual, formulado à época da criação dos daquele
país, foi sendo alterado para uma nova forma de federalismo, o cooperativo. As
características do federalismo se mantiveram, porém algumas premissas foram
transformadas, por exemplo, a necessidade de cooperação entre os entes
federados, bem como a participação de todos os entes federados em algumas
123

políticas de caráter nacional. Antes a premissa que dava o tom para a repartição
de competências entre União e Estados era a da não colaboração.

A atuação da Suprema Corte americana pode ser um exemplo a ser


seguido pelos órgãos do Poder Judiciário no Brasil, claro que de acordo com as
nossas peculiaridades. A exportação pura e simples de modelos bem sucedidos
em outros países não é o suficiente, nem mesmo recomendável. A nosso ver, uma
dessas peculiaridades brasileiras está ligada ao Município.

Nesse sentido, no âmbito das competências concorrentes materiais


comuns, os Municípios têm se consolidado como peça-chave na execução de
políticas nacionais e estaduais. Isso se dá pela possibilidade do ente local
identificar as vicissitudes locais e executar políticas que sejam adequadas para
aquela região. Complexo, sob a nossa ótica, é defender que um país, tão diverso
geográfica e culturalmente como o Brasil, possa se desenvolver com decisões
uniformes advindas de um único e distante centro de poder. Devido à proximidade
que a população tem com o poder local, os Municípios têm grande potencial no
que tange à captação de demandas da sociedade, alocação de verbas públicas e
ao exercício de um controle mais rigoroso e concreto sobre a política pública em si
e sobre seus resultados, se reafirmando no papel de locus político mais próximo
da comunidade.

E como, por vezes, o exercício da competência material comum se reflete


na produção legislativa dos Municípios, assim como as competências legislativas
suplementares próprias são importantes para que o ente local cumpra com as
suas funções e consolide a sua autonomia, os órgãos do Judiciário brasileiro, ao
analisar conflitos de competências, devem interpretá-los de acordo com uma
análise sistêmica da Constituição Federal, primando pelos princípios e
características que envolvem o pacto federativo, que elevou o Município a ente
federado e considerando a competência legislativa suplementar um instrumento
que possibilita a participação efetiva do Município na vontade da Federação.
124

A partir do momento que nos firmamos como democracia, é chegado o


momento de o Brasil colher os frutos dessa conquista. A estabilização e o
crescimento da economia, a redução da miséria e a conquista de direitos sociais e
econômicos, estão presentes na vida da coletividade e isso gera uma segurança
capaz de alterar alguns conceitos até então arraigados na nossa cultura.

Os órgãos do Poder Judiciário também estão mais seguros. É de se notar


que Supremo Tribunal Federal e, de certa forma, o Judiciário como um todo, têm
desempenhado um papel ativo na vida institucional brasileira de uns tempos para
cá, atuando inclusive como via de acesso à efetivação de direitos sociais previstos
constitucionalmente. A legitimidade para essa atuação do Poder Judiciário
encontra respaldo na própria Constituição Federal, na doutrina e na sociedade.

Como vimos, em razão de questões históricas, a competência legislativa


concorrente não se consolidou com um instrumento de descentralização, mas,
sim, o contrário. A regra do artigo 24 da Constituição tem sido interpretada como
de atuação preferencial à União, depois dos Estados e por fim dos Municípios, o
que acaba por relegar os entes locais a um modestíssimo último lugar e ao
analisar conflitos de competências, o Poder Judiciário, em grande parte das suas
decisões, seguiu essa tendência, se apoiando em disposições que encontram na
Constituição um respaldo claro141 sustentado sobre as competências expressas da
União.

No entanto, a atuação mais segura do Judiciário também se revela na


interpretação judicial sobre a repartição de competências constitucional.
Acreditamos que essa transformação é uma tendência e, apesar de incipiente, já
demonstra força.

141
Como por exemplo, citamos a decisão do Supremo Tribunal Federal na ADI 2.656 que julgou
os Estados incompetentes para decidirem sobre a proibição do amianto em seu território, visto que
se tratava de matéria constante do rol de competências exclusivas da União.
125

Os casos concretos estudados demonstram essa mutação interpretativa em


matérias que abordam a competência suplementar municipal. Nessas decisões
podemos identificar que dentro dos limites da competência concorrente encontra-
se uma possibilidade concreta de atuação municipal. Ou seja, a regra estabelecida
pelo artigo 24 da Constituição Federal, que consiste em atribuir à União a
elaboração de normas gerais e aos Estados a suplementação, de acordo com as
suas especificidades regionais, e aos Municípios a suplementação para tratar de
peculiaridades locais, já está sendo interpretada em algumas situações de modo a
compreender que ao Município não resta tão somente suplementar sobre o que
ainda não foi tratado pela União e pelos Estados, mas sim lhe cabe suplementar
de acordo com as suas peculiaridades locais. Os casos concretos apresentados
colaboram com a exemplificação dessa atuação e interpretação que desejamos
para a competência concorrente municipal.

Assim, identificamos uma conduta mais arrojada do Poder Judiciário. Se,


antes mais tímidos e mais conservadores, os Tribunais se limitavam a identificar
na análise da repartição de competências aquilo que estava escrito na
Constituição Federal, hoje já se permitem interpretar os dispositivos
constitucionais de modo a zelar pelo pacto federativo como um todo.

Essa transformação interpretativa também é reflexo de uma mudança de


comportamento da sociedade civil, que encontra no Município a possibilidade de
participar da vida pública, por meio de audiências públicas, do orçamento
participativo ou mesmo dos conselhos municipais.

A atuação da sociedade apoiada pelos órgãos do Judiciário é de extrema


importância para a democracia brasileira que, como demonstramos, está
diretamente ligada ao Município e também ao ideário federativo instituído na
Constituição. Não como aquele concebido pelos Estados Unidos da América. Mas,
mantidas as características básicas, aquele concebido dentro do contexto
brasileiro.
126

Nos países que adotam o Estado federal142, as federações não são


espelhos uma das outras, pois, ainda que possuam características em comum,
cada uma se arranja e se formula de acordo com o seu contexto, vez que o
modelo é dinâmico e admite variações. Desse modo, identificamos que no Brasil o
pacto federativo deve ser cooperativo, assim como sugerido pela Constituição de
1988, devendo se ater a atuação municipal, haja vista que a esfera local é parte
integrante da Federação.

A Federação e a sua sistemática de repartição de competências precisam


de aperfeiçoamento constantemente e para tanto não é necessário que se
emende a Constituição a todo tempo. A atuação de órgãos de controle, como o
Poder Judiciário e o Ministério Público, assim como a atuação dos demais setores
da sociedade, podem ser determinantes para uma alteração de padrões. Até
porque a repartição de competências instituída pela Constituição Federal de 1988
permite esse tipo de interpretação.

Portanto, no Brasil, cabe ao Poder Judiciário analisar a atuação municipal


prezando pela regra de ouro defendida por Celso Ribeiro Bastos que sugere a
transferência máxima de decisão do centro para a periferia, para que dessa forma
a atuação do Poder Público esteja mais conectada com as reais necessidades da
sociedade. E quem sabe, num futuro próximo, consolidaremos a atuação precípua
do Município nos casos de competência suplementar, concretizando assim o
princípio da subsidiariedade.

Concluímos que dependemos não só de reformas constitucionais, mas


também de mudanças paradigmáticas nos padrões institucionais, que impactem
positivamente a interpretação e consequentemente a concretização das

142
Alguns países que adotam o Estado Federal como forma de organização espacial do território e
tem nas suas Federações peculiaridades que variam de acordo com questões territoriais, sociais,
culturais e históricas: Suíça, Canadá, Alemanha, Áustria, Estados Unidos da América, Argentina,
dentre outros.
127

competências municipais, a fim de assegurar uma autonomia qualitativa dos entes


locais, visando ao efetivo desenvolvimento local e, por decorrência, o
desenvolvimento regional e nacional, bem como o fortalecimento do federalismo e
da democracia brasileira.

A Federação, que vem se firmando como uma tradição brasileira, aliada à


consolidação da forma democrática de exercício do poder, devem ser vistos como
diretrizes para uma mudança efetiva que garantam a realização dos objetivos da
República Federativa do Brasil dispostos na Constituição Federal.

O Município é um meio para a realização desses objetivos e uma maneira


de explorá-lo é trabalhar com a competência suplementar que lhe foi designada
pela Constituição Federal de 1988. Assim, o uso das competências legislativas
concorrentes, por meio da suplementação de leis federais e estaduais de modo a
contemplar os interesses da comunidade local, gera uma atuação estatal mais
condizente com as necessidades reais das diversas faces do território brasileiro e
viabiliza a relação entre os cidadãos e os órgãos do poder. Portanto,
consideramos que, se bem aproveitado, o Município pode ser um agente de
concretização da democracia e do desenvolvimento brasileiro.
128

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