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UNIVERSIDADE KATYAVALA BWILA

FACULDADE DE DIREITO

Monografia para Obtenção do Grau de Licenciado na Opção Jurídico-


Forense

A RELEVÂNCIA JURÍDICA DA PROPRIEDADE HORIZONTAL E


SEUS REFLEXOS NO ORDENAMENTO JURÍDICO ANGOLANO

ESTUDANTE

Valentina Lukembe

BENGUELA, 2021
UNIVERSIDADE KATYAVALA BWILA

FACULDADE DE DIREITO

Monografia para Obtenção do Grau de Licenciado na Opção Jurídico-


Forense

A RELEVÂNCIA JURÍDICA DA PROPRIEDADE HORIZONTAL E


SEUS REFLEXOS NO ORDENAMENTO JURÍDICO ANGOLANO

ESTUDANTE

Valentina Lukembe

Co-Orientador: Lic. Firmino Huambo

O Orientador: Me. Osvaldo Kidi Cambundo

BENGUELA, 2021
AGRADECIMENTOS

Com elevada prioridade, agradeço a Deus Todo-Poderoso pelo dom da vida;

Aos meus pais Raul Lukembe e Dionísia Hiuvo, fonte do meu conforto, pela coragem e
confiança transmitida nos momentos decisivos da minha vida;

À Dra. Suzana Vieira Cláudia Chaves, Dra. Sónia Santos Silva, Eng. Isaac Maria dos
Anjos, Dra. Ragaldina Duarte, Dr. Lourenço Flaviano Cambalo e o Dr. Jorge Capusso, pela
complexa e plural ajuda moral e económica;

Ao ilustre Me. Osvaldo Kidi Cambudo, pela sábia orientação durante a elaboração do
presente trabalho;

Aos professores da FDUKB, pela partilha de conhecimentos configurados no processo de


ensino-aprendizagem, traduzidos no fortalecimento de competências gerais e
aperfeiçoamento da nossa personalidade;

Aos meus colegas de caminhada curricular pelo carinho beneficiado durante a convivência
académica e todo apoio recebido;

O meu muito obrigado!

ii
DEDICATÓRIA

Aos meus pais Raul Lukembe e Dionísia Hiuvo

À Dra. Suzana Vieira Cláudia Chaves,

Aos meus irmãos, colegas, amigos e estudantes de direito.

iii
SIGLAS

Art. – artigo

C.C. – Código Civil

C.C. P. – Código Civil Português

C.C.B. – Código Civil Brasileiro

iv
RESUMO

O direito de propriedade horizontal é tema de relevância jurídica no nosso


ordenamento e, em determinados aspectos, a doutrina não tem um posicionamento unanime,
ou seja, o tema traz diversas discussões no mundo jurídico. Assim, com o avanço das
técnicas de construção e da engenharia, os empreendimentos imobiliários moldaram-se às
necessidades sociais e econômicas por meio de propriedades horizontais; procurou-se da
melhor forma buscar soluções jurídicas a esta figura “propriedade horizontal”. Contudo,
apesar do avanço dos direitos reais, a natureza jurídica da propriedade horizontal é tema
controverso na doutrina e em vários ordenamentos jurídicos se comparadas às legislações de
diferentes países. O presente trabalho busca salientar a figura da propriedade horizontal, do
qual, no primeiro capítulo procuramos buscar a evolução histórica e o direito comparado entre
Portugal e Brasil e, no segundo e último capítulo, a propriedade horizontal e seus os reflexos no
direito angolano.

Palavras-chave: Propriedade; Propriedade horizontal; Natureza jurídica.

v
ÍNDICE

AGRADECIMENTOS....................................................................................................... ii

DEDICATÓRIA ...............................................................................................................iii

SIGLAS ............................................................................................................................ iv

RESUMO .......................................................................................................................... v

INTRODUÇÃO ................................................................................................................. 8

CAPÍTULO I. A EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA PROPRIEDADE HORIZONTAL ....... 14

1.1. Breve nota sobre a propriedade .............................................................................. 14

1.2. Reflexo histórico da propriedade horizontal ........................................................... 15

1.2.1. Preliminares .................................................................................................... 15

1.2.2. Idade Antiga .................................................................................................... 16

1.2.3. Idade Média .................................................................................................... 17

1.2.4. Do período pós Revolução Francesa à actualidade ........................................... 18

1.2.5. Sistema jurídico português .............................................................................. 21

1.2.6. Sistema jurídico brasileiro ............................................................................... 24

CAPÍTULO II. A PROPRIEDADE HORIZONTAL E SEUS REFLEXOS NO DIREITO


ANGOLANO .................................................................................................................. 27

2.1. Noções gerais .......................................................................................................... 27

2.1.1. A falsa aparência da propriedade horizontal ................................................. 31

2.2. Natureza jurídica da propriedade horizontal ........................................................ 33

vi
2.3. Objecto de propriedade horizontal ....................................................................... 35

2.4. Constituição da propriedade horizontal .................................................................. 39

2.4.1. Negócio jurídico .............................................................................................. 40

2.4.2. Usucapião ....................................................................................................... 41

2.4.3. Decisão judicial ............................................................................................... 42

2.5. Direitos e encargos dos condóminos ...................................................................... 43

2.5.1. Direitos dos condóminos ................................................................................. 43

2.5.3. Quanto às partes comuns ................................................................................. 44

2.5.4. Encargos dos condóminos ............................................................................... 45

2.6. Assembleia de condôminos. ................................................................................... 46

CONCLUSÕES ............................................................................................................... 48

SUGESTÕES .................................................................................................................. 49

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .............................................................................. 50

vii
INTRODUÇÃO

O tema que nos propusemos trazer a discussão reflecte uma iniciativa concebida na
disciplina de Direitos Reais mediante as controvérsias doutrinárias apresentadas pelo
docente da cadeira, relativamente à temática “propriedade horizontal”. Trata-se de uma
figura que surgiu com a nova engenharia de construções, ou seja, o novo padrão de
construção mundial evidenciou acelerado crescimento, de modo que veio a existir, entre
variadas edificações de grande estrutura, edifícios com mais de cem andares, conjuntos
habitacionais com estrutura completa de lazer que abrigam mais de mil moradores, centros
comerciais com inúmeras lojas. Diante dessas grandes mudanças dos centros urbanos e da
engenharia, coube ao mundo jurídico o debate e a pesquisa no sentido de se atingir a
organização e a pacificação social, visto que, a paz social é o fim pretendido pelo direito.

Os antigos princípios romanos enraizados nos ordenamentos jurídicos, como as


superfícies solo cedit, tiveram de ser repensados como única alternativa sobre a
propriedade do solo, abrindo-se, assim, novas discussões diante dos novos padrões de
construção. Um dos resultados encontrados foi à propriedade horizontal. A figura
influenciou vários ordenamentos jurídicos, dos quais destacamos Portugal e Brasil, apesar
das peculiaridades de haver algumas apresentadas na qualificação, a propriedade horizontal
foi à solução jurídica encontrada para atender às demandas dos edifícios por andares 1. A
razão de Portugal justifica-se em Angola, visto que, este tem raízes jurídicas naquele
ordenamento jurídico.

1
Rafael Augusto da Silva MONTY, A natureza jurídica da propriedade horizontal e seus reflexos no
princípio da tipicidade dos direitos reais. Dissertação para a obtenção do grau de Mestre em Direito, Lisboa,
Abril de 2019, p. 8. Disponível em: https://repositorio.ual.pt/bitstream/11144/4454/1/DISSERTACAO-
2015.2-RAFAELAUGUSTODASILVAMONTY-20150277.pdf
8
Desta feita, fundamenta-se o instituto na lógica de dar resposta jurídica a uma nova
forma de organização física assente na construção de edifícios, com a partilha do mesmo
espaço ao nível do solo com a ocupação comum por diversos proprietários, tal como
sustenta o artigo 1414.º C.C. que “as fracções de que um edifício se compõe, em condições
de constituírem unidades independentes, podem pertencer a proprietários diversos em
regime de propriedade horizontal” e, na mesma lógica acrescenta o artigo 1415.º C.C., fala
em propriedade horizontal, que podem constituir-se as fracções autónomas que, além de
constituírem unidades independentes que sejam distintas e isoladas entre si, com uma parte
comum do edifício e uma saída própria para a via pública.

Nestes termos, a doutrina maioritária fundamenta a figura da propriedade horizontal


ao descrever os requisitos que caracterizam o instituto tais como: a existência num
determinado edifício de distintas fracções autónomas entre si e pertencentes a vários
proprietários; mas qualquer deles termina numa parte comum do edifício. Caso não se
verifique uma independência funcional entre as diversas fracções, ocorrerá a
descaracterização deste regime. A falta de requisitos legalmente exigidos 2 importa a
nulidade do título constitutivo da propriedade horizontal e a sujeição do prédio ao regime
da compropriedade, pela atribuição ou na falta de fixação, da quota correspondente ao
valor relativo da sua fracção (art.º. 1416.º, n.º 1 do C.C.)3. A conversão só tem lugar,

2
Trata-se, entre outros, dos requisitos enumerados no art. 1415.º C.C. No domínio da propriedade
horizontal ganha, em particular relevância as questões ligadas à destinação das várias fracções e também as
relativas à delimitação das partes do prédio que constituem fracções autónomas e partes comuns, cfr.: Luís
Carvalho FERNANDES, A conversão dos negócios jurídicos civis. Lisboa: Quid Iuris?, 1993, p.611,
3
Se um dono do prédio celebrou contratos-promessa de compra e venda de fracções autónomas,
antes ou depois de constituir a propriedade horizontal em relação a um prédio sem os requisitos legais, “a
celebração desses contratos torna eficaz o negócio constitutivo da propriedade horizontal e, portanto, opera a
conversão prevista no art. 1416.º C.C. O que, no caso tem como resultado que esses negócios valem como
contratos-promessa de compra e venda da quota correspondente à “pretensa” fracção. Não há, também,
obstáculo a que, com esse valor, se admita a execução específica dos referidos contratos”, Idem, p. 615.
9
quando o vício que atinge o negócio jurídico diz respeito ao objecto e não quando haja
qualquer outra deficiência no título constitutivo, como por exemplo um vício formal4.

Justificação do tema

Percebe-se que, apesar de já ter atingido certa maturidade, o tema ainda está em
crescente evolução seguindo a dinâmica e evolução social. Até hoje não há na doutrina e
nos ordenamentos jurídicos5 de diferentes países um posicionamento unânime, embora as
estruturas dos imóveis objecto do nosso assunto assumam a mesma orientação. Termos em
que, nasceu em nós, um interesse maior em investigar o tema para que, com base aos
fundamentos legais e doutrinários possamos perceber a posição adoptada pelo nosso
legislador ao enquadrar a figura da propriedade horizontal, precisamente às partes próprias
e as partes comuns entre os condóminos. O tema é, extremamente, debatido pela doutrina,
pelo que se propõe o aprofundamento por meio desta pesquisa em direito comparado.

Problema de investigação

A compreensão entre propriedade individual e a comum supõe um estudo alargado


do que são as partes comuns e as partes próprias de um prédio urbano em regime de
propriedade horizontal.

Assim, em função de tal complexidade, nasceu entre nós o seguinte problema de


investigação:

 Como identificar se determinado prédio urbano está ou não em regime de


propriedade horizontal?

4
O acto passa a valer como constitutivo de outros efeitos jurídicos: em vez de nascer um direito de
condomínio, nasce um direito de compropriedade e esta eficácia é atribuída ao negócio sem dependência dos
requisitos do art. 293º do C.C., salvo pelo que respeita à exigência de formal legal. Ibidem,
5
É o caso por exemplo de Portugal e Brasil, conforme vamos constatar neste trabalho no primeiro
capítulo, bem como os diferentes pontos de vista dos autores apresentados neste trabalho.
10
Mediante o problema de investigação, traçaram-se as seguintes perguntas de
investigação:

 Como surgiu a figura propriedade horizontal?


 Qual é a natureza jurídica da propriedade horizontal?
 Como se constitui a figura da propriedade horizontal no ordenamento jurídico
angolano?

O objecto desta investigação incide sobre os reflexos jurídicos da propriedade


horizontal no ordenamento angolano e; o campo de acção recai sobre o Direito Privado.

Em função do problema de investigação traçou-se, com vista a delimitar a nossa


investigação, os seguintes objetivos:

Geral

 Analisar a natureza jurídica da propriedade horizontal e seus reflexos no


ordenamento jurídico angolano.

Específicos

 Descrever com base na doutrina o surgimento da figura propriedade horizontal;


 Apresentar as diferentes perspectivas doutrinárias sobre a natureza jurídica de
propriedade horizontal;
 Avaliar a visão legislativa sobre o modo de constituição da propriedade horizontal
no ordenamento jurídico angolano.

Para a concretização da nossa monografia, adoptamos o tipo de pesquisa


descritiva, segundo a qual, o pesquisador apresenta o objecto de pesquisa, procurando
descrever e demonstrar como um determinado fenómeno ocorre, quais são suas

11
características e relações com outros fenómenos6. Para nós permitiu descrever a
problemática da propriedade horizontal.

Para o alcance dos objectivos traçados, utilizaremos os seguintes métodos:

Métodos dedutivos e indutivos: entende-se por dedução como o caminho que, do


geral (teorias, princípios considerados gerais e irrefutáveis) ao particular, leva à conclusão,
a indução traduz o inverso, isto é, do particular para o geral7. Este método permitiu fazer
constatações, desde os aspectos mais particulares aos mais gerais e vice-versa sobre a
problemática identificada.

Método jurídico comparado: neste método, estudam-se instituições, princípios e


regras em vários sistemas de direito com objectivo de determinar singularidades,
particularidades e generalidades relativamente à existência duma instituição dum princípio
duma regra, e da sua forma de regulação ou aplicação detectando consequentemente a
pertença a um ou outro sistema de direito, as influências entre eles a conveniência e
inconveniência dum tipo de instituição ou de regulação correspondente a condições
concretas socioeconómicas, políticas e de tradição jurídica 8. Para nossa investigação,
permitiu estabelecer comparações entre alguns ordenamentos jurídicos.

Método histórico: o método histórico consiste em investigar acontecimentos do


passado para verificar a sua influência na sociedade de hoje, influenciadas pelo contexto
cultural particular de cada época. Este método permitiu empregar o estudo das distintas
etapas que atravessam o objecto e a revisão bibliográfica, ou seja, para a concretização de
antecedentes históricos.

6
FARIA, Ana Cristina de; CUNHA Ivan da; FILIPE, Yone Xavier, Manual Prático para Elaboração
de Monografia, Editora Universidade São Judas Tadeu, 2007, p. 31
7
MARCONI, Marina de Andrade; LAKATOS, Eva Maria, Técnicas de Pesquisa, 5ª, edição, S. Paulo,
Atlas Editora, 2002, pág. 23.
8
RAMOS, Santa Taciana Carrilo e NARANJO, Earnan Santiesteban Naranj, Metodologia da
Investigação Científica, Escolar Editora, 2014, p. 129
12
Método Hermenêutico: é aquele que resulta da interpretação de certos assutos
com relevância jurídicas em termos de se saber em que medidas as informações fornecidas
respondem às questões inicialmente levantadas. Permitiu interpretar procurando determinar
o alcance e o sentido da doutrina e de algumas disposições legais.

Método Bibliográfico: Este método permitiu explicar o problema a partir de


referências teóricas: Livros, revistas científicas, artigos científicos e legislações.

Assim, o trabalho foi sistematizado em dois capítulos, a iniciar-se com breves


considerações acerca da propriedade horizontal, de forma que se permita no capítulo 1
verificar, primeiramente, a origem histórica do instituto, as nomenclaturas do instituto
apresentadas pela doutrina e pelas legislações, bem como a evolução da propriedade
horizontal em Portugal e, de igual modo, no Brasil e; o último capítulo trata sobre a
propriedade horizontal e seus reflexos no direito angolano.

13
CAPÍTULO I. A EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA PROPRIEDADE
HORIZONTAL

1.1. Breve nota sobre a propriedade

Um primeiro aspecto a considerar antes de abordarmos a problemática de


propriedade horizontal, tem a ver com a natureza do direito de propriedade 9. De acordo
com o art. 1305.º do Código Civil10, o direito de propriedade é aquele que confere a
plenitude11 dos poderes de usar, fruir e dispor das coisas, embora dentro dos limites
predominantemente estabelecidos pela lei12. Enquanto poder determinante da modelação
das relações sociais, o direito de propriedade confere uma liberdade de exercício em que a
inércia do titular e o consequente não aproveitamento ou não exploração do seu objecto são
ainda consideradas manifestações do seu conteúdo13.

O reflexo de direito de propriedade previsto no Código Civil, também encontra


respaldo na Lei de Terras (Lei n.º 9/2004, de 9 Novembro) que assume uma importância

9
Sobre esta matéria, não sendo o nosso objecto de estudo, não vamos aprofundar, porém, trouxemos
apenas algumas notas esclarecedoras.
10
As disposições não referenciadas, fazem parte do Código Civil angolano.
11
Esta nota de plenitude não significa que o direito de propriedade (o direito real por excelência) seja
ilimitado, mas apenas que, no âmbito do domínio privado das coisas, não existe outro direito real com um
conteúdo idêntico e com a mesma eficácia absoluta ou externa (jus excluendi omnes allios).
12
Na mesma linha de pensamento, o professor Osvaldo Kidi CAMBUNDO, na sua obra «Noções
Fundamentais dos Direitos Reais», Editora FDUKB, 2021, p. 187, sustenta que, este “concede ao seu titular
o aproveitamento total da coisa, na medida em que lhe possibilita ter o monopólio sobre a coisa e
consequentemente todas as vantagens que a coisa proporciona”.
No mesmo pensamento, José Alberto VIEIRA, «Direitos Reais de Angola», in: Osvaldo Kidi
Cambundo (ibidem) acrescenta que “a propriedade confere ao seu proprietário o mais extenso aproveitamento
da coisa, e que a posição da propriedade no topo da hierarquia da atribuição real explica-se pela maior
extensão do aproveitamento da coisa concedido ao proprietário”.
13
Luís Pedro CUNHA; José Manuel QUELHAS e Teresa ALMEIDA, O Direito de Propriedade em
Angola: aspectos gerais da lei de terras, Boletim de Ciências Económicas - Homenagem ao Prof. Doutor
António José Avelãs Nunes, VOLUME LVII, Tomo II, Coimbra, uri:http://hdl.handle.net/10316.2/39764, 27-
sep-2021 12:27:02, 2014,pp. 1464-1465.
14
multidimencional ou transversal, na medida em que, a propriedade rústica é perspectivada
enquanto suporte “de abrigo ou de habitação da população”, “de riquezas naturais”, ou “do
exercício de actividades económicas”14.

Neste sentido, vale sublinhar que a propriedade horizontal está assente ao direito de
propriedade, ou seja, este direito é que faz nascer aquele (propriedade horizontal). É nesta
lógica que Osvaldo Cambundo, ressaltou que “a constituição de um edifício em
propriedade horizontal acarreta consigo alguns efeitos sendo um deles a criação de um
novo estatuto desse mesmo edifício, através do qual deixará de ser considerado como uma
coisa única para passar então a ser considerada um conjunto de coisas autónomas e
independentes entre si, apesar de estar no mesmo edifício”15, por isso, a necessidade de
darmos realce sobre o direito de propriedade para facilmente compreendermos a
propriedade horizontal.

1.2. Reflexo histórico da propriedade horizontal

1.2.1. Preliminares

De realçar que, doutrina há que designa a figura de propriedade horizontal como


propriedade por andares16.A criação de imóveis em planos horizontais advém de tempos
remotos, todavia, nos tempos modernos, diante da necessidade de otimizar moradias e
espaços urbanos, a criatividade humana expandiu-a significativamente. Desse modo, esse
processo foi adoptado com vasta aceitação, principalmente com os incentivos promovidos

14
José Alberto VIEIRA, Direitos Reais de Angola, Coimbra Editora, 2013, pág. 751 e s.
15
Osvaldo Kidi CAMBUNDO,ob. Cit., p. 200.
16
Entre vários, Cfr.: Henrique Manuel MESQUITA, Direitos Reais, sumário das Lições, in: Osvaldo
Kidi CAMBUNDO, ob. Cit., p. 200.
Cfr.: PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, Volume III (artigos 1251.º a
1575.º), 2.ª Edição Revista e actualizada – Reimpressão, Coimbra Editora, p. 391.
15
pela engenharia, ao criar edifícios cada vez mais avançados para o convívio em
condomínio 17.

Ao mundo jurídico coube, igualmente, a evolução dos direitos reais em prol da


organização social e comercial do ramo imobiliário, de forma que, nos dias actuais, as
legislações são capazes de abranger tanto as construções em planos horizontais mais
simples quanto as de grande complexidade 18. Nos dizeres de Moitinho Almeida 19, nos
tempos modernos, pautada na necessidade de albergar cada vez mais habitantes em espaços
reduzidos, a propriedade horizontal tem especial relevância na transformação das estruturas
sociais e económicas.

Sendo assim, devido às diversas teorias sobre o surgimento da propriedade


horizontal, adoptou-se na presente pesquisa a metodologia de Sandra Passinhas 20, segundo
a qual será considerada propriedade horizontal quando deparada com institutos jurídicos,
expressos ou tácitos, em cuja estrutura elementar tenham, num mesmo edifício, a existência
concomitante de partes particulares e partes comuns. No mesmo pensamento, seguem os
professores Henriques Mesquitas, Pires de Lima e Antunes Varela e Osvaldo Cambundo,
ao sustentarem que na propriedade horizontal integram partes comuns e partes particulares.

1.2.2. Idade Antiga

Autores como Ribeiro Mendes, Rodrigues Pardal e Dias da Fonseca, atestam que há
mais de 2000 a. C., na cidade da Babilónia, eram realizadas vendas de fracções divididas

17
Rafael Augusto da Silva MONTY, Ob. Cit., p. 11.
18
Ibidem.
19
Luís Pedro Moitinho ALMEIDA, Propriedade horizontal, Coimbra: Almedina, 1996.p. 11.
20
Sandra PASSINHAS, A assembleia de condóminos e o administrador na propriedade horizontal, 2.ª
ed. Coimbra: Almedina, 2002, p. 92.
16
em casas. Na antiga Caldeia, mencionando a venda do rés-do-chão de uma casa, enquanto
o andar superior continuava a pertencer ao vendedor21.

Na perspectiva de Menezes Cordeiro, as primeiras regulamentações sobre


propriedade horizontal, surgem por volta do século XVIII a. C., no Código de Hamurabi,
pois, na perspectiva do autor, trata-se das primeiras situações jurídicas regulamentadas
sobre a propriedade horizontal22.

Em Roma, a existência do compartilhamento do solo para mais de uma habitação é


assunto aceito pela doutrina, isto é, independentemente de ser ou não aceita pela lei, a
propriedade horizontal ocorria na prática. De facto, conforme afirma Silva Pereira, “não
era, todavia, desconhecida, em Roma, a superposição habitacional: ao contrário, conhecida
e praticada” 23. No mesmo sentido, de acordo com Ribeiro Mendes “todos os autores
concordam num ponto: a ter existido o instituto na prática” 24, deixando clara a presença de
construções por andares desde o período clássico.

1.2.3. Idade Média

Na Idade Média, a propriedade horizontal mostra-se presente nos ordenamentos de


base consuetudinária, incentivados pela crescente população que se aglomerava em
estreitos espaços dos centros urbanos25. Não restam dúvidas sobre a existência da
propriedade horizontal separada por andares em certos burgos, visto que, a cidade

21
Armindo Ribeiro MENDES, A propriedade horizontal no Código Civil de 1966. In Revista da
Ordem dos Advogados, p. 12; Francisco Rodrigues PARDAL e Manuel Baptista Dias da FONSECA, Da
propriedade horizontal no Código Civil e legislação complementar, pp. 69-70.
22
A. Menezes CORDEIRO, Direitos Reais, Lisboa: Lex Edições Jurídicas, 1993, p. 634.
23
Caio Mário da Silva PEREIRA, Condomínio e incorporações, p. 36.
24
Armindo Ribeiro MENDES, Ob. Cit., p. 13.
25
A. Menezes CORDEIRO, Ob. Cit., p. 635.
17
medieval, dadas as frequentes guerras, apertava-se entre muralhas, que limitavam o espaço
para a construção de habitações26.

As propriedades por andares são retratadas nos regulamentos medievais – chamados


de “costumes” – presentes nas cidades de Auxerre, Berry, Anvers, Bretagne, Clermont-
Ferrand, Orleans, Paris, entre outras. Na cidade de Grenoble, que era rodeada por uma
muralha, tem-se a regulamentação do instituto em 1561 e, em Bruxelas, nos meados do
século XVII. Já Rennes, após o incêndio de 1720, reconstruiu-se nos moldes da
propriedade horizontal27.

O artigo 215.ºdo Costume de Orleans teve sua inspiração para tecer o artigo 664.º
do Código Civil Francês. Já na Itália, a propriedade horizontal teve presença no estatuto da
cidade de Milão, assim como na Alemanha, na Suíça e nos Estados da Europa
Central28.Sendo assim, percebe-se de forma clara a presença da propriedade horizontal na
Idade Média, momento este que intensifica o instituto da propriedade horizontal em
diversos regulamentos jurídicos da Europa em consonância com os estilos de habitação
presentes naquela época.

1.2.4. Do período pós Revolução Francesa à actualidade

O Código Napoleão foi extremamente significativo à propriedade horizontal,


porém, confirmou o instituto no artigo 664.º. De acordo com Ribeiro Mendes 29, o referido
instituto prevê que, “quando os diferentes andares de uma casa pertencerem a diversos
proprietários”, passam-se a estabelecer as divisões de despesas entre os titulares ao
determinar as despesas relativas às “paredes mestras e o telhado [que] estão a cargo de

26
Francisco Rodrigues PARDAL e Manuel Baptista Dias da FONSECA, Ob. Cit., p. 71.
27
Francisco Rodrigues PARDAL e Manuel Baptista Dias da FONSECA, cit. Rafael Augusto da
Silva MONTY, ob. Cit., p. 18.
28
Rafael Augusto da Silva MONTY, ob. cit., p. 18.
29
Armindo Ribeiro MENDES, Ob. Cit., p. 18.
18
todos os proprietários, cada um em proporção do valor do andar que lhe pertence”, “o
proprietário de cada andar faz o soalho sobre que anda” e “o proprietário do primeiro andar
faz a escada que aí conduz, o proprietário do segundo andar faz, a partir do primeiro, a
escada que conduz a sua casa, e assim sucessivamente”30.

Outros ordenamentos jurídicos, nesta época, já haviam codificado, tais como: o


Código Civil italiano, de 1865 (artigo 562.º a 564.º), o Código Civil português, de 1867
(artigo 2235.º), o Código Civil espanhol, de 1881 (artigo 396.º). Em contrapartida,
enquanto há códigos que ignoram a temática, como o Código Civil espanhol, de 1881, e o
Código Civil brasileiro, de 1916, há os que proibiam expressamente o instituto, como o
Código Civil argentino31, de 29 de Setembro de 1869 (artigo 2617.º), o Código alemão32,
de 1896, e o Código suíço 41, de 190833.

Neste interregno, percebe-se a evolução do instituto em diversas regulamentações,


quer na sua forma positiva, quer na negativa, ou seja, embora a noção de propriedade
horizontal tenha reflexos desde a idade antiga, época em que o mundo começou a conhecer
construções com grande escala (propriedades por andares), o rigor jurídico-normativo do
instituto (regulamentação própria), ainda era como que inexistente. Entretanto, só a partir
desta época em que o mundo jurídico visualiza normas específicas, embora também com
algumas insuficiências que os legisladores têm vindo a ultrapassar.

A partir dos anos que sucederam a I Guerra Mundial, entre 1914 a 1918,
principalmente em virtude das destruições catastróficas de cidades, verificaram-se diversas

30
Caio Mário da Silva PEREIRA, Condomínio e incorporações, p. 37.
31
Estabelecia o artigo 2617.º do citado Código: “o proprietário de edifícios não pode dividi-los
horizontalmente, entre vários donos, nem por contrato nem por ato de última vontade”. Cfr. MENDES,
Armindo Ribeiro. Ob. cit., p. 19-20, cit.: Rafael Augusto da Silva MONTY, ob. cit., p. 20.
32
O referenciado Código, no seu § 1014.º, estabelecia que “a restrição do direito de propriedade a
uma parte de um edifício, particularmente a um só andar, é inadmissível”. Ibidem.
33
Aquele Código, no seu artigo 675.º, estabelecia que “os diversos andares de uma casa não podem
ser objeto do direito de superfície”. Ibidem.
19
modificações sociais, jurídicas e económicas nos povos. Nesse período, a Europa
encontrava-se com suas habitações demolidas em diversos países, levando milhares de
pessoas a deslocarem-se para centros urbanos na busca de trabalhos em meio à
reconstrução e à industrialização das cidades. A busca pela sobrevivência tinha como
obstáculos, entre outros, de materiais de construção e de terrenos. Assim, atendendo a esta
crise habitacional, houve necessidade da elaboração de legislações de carácter temporário
sobre o inquilinato, construindo a posição do inquilino em termos de favor e proibindo o
aumento das rendas. A solução encontrada para superar a desvalorização do arrendamento
foi à venda fraccionada de andares em edifícios 34.Diante dessa realidade, as construções de
grandes blocos ganharam espaço nas cidades, facto que, causou grande destaque ao mundo
jurídico.

Nestes termos, os factos narrados acima causaram novo impacto e uma nova forma
de pensar as vantagens de uma propriedade por andares, ou seja, o legislador percebeu que
as casas em forma de andares tinham suas vantagens, principalmente por causa do êxodo
rural que naquela época se vivenciou na Europa, facto que, obrigou o legislador a tomar
certas medidas que favorecesse o inquilino.

Assim, a propriedade horizontal tornou-se uma necessidade em prol do avanço


social e económico, tendo por base a habitação nos grandes centros urbanos. A Bélgica,
pela lei de 8 de Julho de 1924, é pioneira ao acrescentar ao Código Civil de Napoleão (com
vigência deste 1807), o artigo 577-bis (em substituição ao artigo 664.º), trazendo uma nova
ideia ao mundo jurídico ao regular a indivisão dos bens “que são afectados a título de
acessórios ao uso comum de dois ou mais andares distintos que pertencem a diferentes
proprietários”35.Com base nesse novo conceito jurídico, diversos países elaboraram

34
Cfr. Rafael Augusto da Silva MONTY, ob. cit., p. 20.
35
Armindo Ribeiro MENDES, Ob. cit., p. 22.
20
legislações avançadas sobre a propriedade horizontal36. Nesta ordem da evolução
legislativa, entre vários países, podemos aqui destacar a evolução desta figura em
Portugal37 e Brasil.

1.2.5. Sistema jurídico português

No Direito português, a propriedade horizontal teve suas primeiras impressões nas


Ordenações Filipinas38, ao prever a possibilidade de um mesmo imóvel ter mais de um
proprietário. No título LXVIII do Livro 1.º, §34, mencionava que, “se uma casa for de dois
senhores, de maneira que de um deles seja o sótão e de outro o sobrado, não poderá aquele
cujo for o sobrado fazer janela sobre o portal daquele for o sótão, ou lógea, nem outro
edifício algum”39. Percebe-se, assim, que, embora o momento histórico do século XVII
ainda se limitasse a pequenas construções, já apresentava proposta de mais de um
proprietário sobre o mesmo solo40.
O Código Civil português, de 1867, em seu artigo 2335.º41 regulava a matéria em
questão, embora regulamentada por um limitado dispositivo legal, edifícios com diversos

36
Francisco Rodrigues PARDAL e Manuel Baptista Dias da FONSECA, Ob. Cit., p. 73-75.
37
Não se pode duvidar que a figura da propriedade horizontal em Angola (o mesmo que o Brasil e as
demais colónias portuguesas), encontra suas raízes no ordenamento jurídico português, até porque, em
Angola vigora o Código Civil de 1966, pelo Decreto-Lei n.º 47344, de 25 de Novembro de 1966, do qual,
Portugal já introduziu várias alterações de forma evolutiva.
38
Cfr. Rafael Augusto da Silva MONTY, ob. cit., p. 20.
As Ordenações Filipinas resultaram da reforma feita por Felipe II da Espanha (Felipe I de Portugal),
ao Código Manuelino, durante o período da União Ibérica, mas foram promulgadas por seu filho e sucessor,
Felipe II de Portugal, em 11 de Janeiro de 1603. Constituiu a base do Direito Português durante séculos,
sendo o conteúdo legislativo com mais tempo em vigor em toda a história portuguesa. Esteve em vigor em
Portugal até à aprovação do Código Civil de 1867 e muitas provisões mantiveram-se vigentes no Brasil até a
promulgação do primeiro Código Civil brasileiro, em 1916. ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA – Biblioteca
Passos Manuel. Um olhar sobre as ordenações.
39
DIÁRIO DA REPÚBLICA – Decreto-Lei n.º 40.333/55.
40
Ibidem.
41
Artigo 2335.º, Código Civil português de 1867, anunciava: Se os diversos andares de um edifício
pertencerem a diversos proprietários, e o modo de reparação e concerto se não achar regulado nos seus
respectivos títulos, observar-se-á o seguinte: § 1.º As paredes comuns e dos tectos serão reparados por todos,
em proporção do valor que pertence a cada um. §2.º O proprietário de cada andar pagará a despesa do
21
andares. Contudo, após longo período de vigência, foi publicado o então Decreto-Lei n.º
40.333, de 14 de Outubro de 1955 que introduziu no conteúdo do preceito, questões
específicas e de maior complexidade, pelo que, demonstra de forma clara a necessidade de
evolução jurídica frente às demandas sociais e aos avanços da engenharia42.

Entre os diversos factores sociais e urbanísticos que marcam historicamente a


necessidade de mudança do sistema tradicional das moradias independentes, bem como
factores jurídicos, destacam-se: a) necessidade dos estados modernos de restringirem o
alargamento progressivo da área das grandes cidades, com as finalidades não só de facilitar
os transportes colectivos, cujas dificuldades cresciam naturalmente com o aumento da
distância entre o centro e as zonas periféricas da cidade, mas também de impedir que as
construções urbanas sacrificassem desnecessariamente terrenos destinados à agricultura; b)
aumento constante das populações nos centros urbanos; c) desejo de grande parte da
população de ver legalmente facultada a possibilidade de aquisição do domínio sobre cada
uma das diversas fracções autónomas em que os grandes edifícios podem funcionalmente
ser divididos; d) novas perspectivas ao comércio da propriedade predial urbana; e)
estabilidade das famílias e investimento útil das pequenas economias da classe média da
população43.

Em sequência, o legislador original do mencionado Decreto-Lei, de forma clara e


objectiva, apresenta os três caracteres fundamentais da propriedade horizontal44: subdivisão
do prédio em fracções sobre as propriedades singulares; fracções articuladas num todo ou
numa unidade, que é o edifício; a presença de bens comuns aos proprietários. Trata-se,

concerto do seu pavimento e forro. §3. º O proprietário do primeiro andar pagará a despesa do concerto da
escada de que se serve; o proprietário do segundo andar da parte da escada de que igualmente se serve, a
partir do patamar do primeiro andar, e assim por diante”.
42
Cfr. Rafael Augusto da Silva MONTY, ob. cit., pp. 25-26.
43
Cfr. Preâmbulo do Decreto-Lei n.º 40.333/55, cit. Ibidem.
44
Ibidem.
22
portanto, de um avanço no marco legislativo sobre a propriedade horizontal e que, até os
dias actuais, é a base da implementação concreta do instituto não só em Portugal, mas em
diversos outros ordenamentos jurídicos, havendo influenciado, directamente, o
ordenamento jurídico brasileiro e angolano.

Actualmente, esta matéria está regulada, no Código Civil Português, pelo Decreto-
Lei n.º 47.344, de 25 de Novembro de 1966, no Livro III – Direito das Coisas, Título II –
Do Direito de Propriedade, Capítulo VI – Propriedade Horizontal, entre os artigos 1414.º
ao 1438.º. Contudo, o legislador optou por abandonar a regulamentação de vários aspectos
anteriormente contemplados, o que foi logo criticado pela doutrina e suscitou questões e
problemas de interpretação, tornando-se objecto de abundante jurisprudência e
desfavorável ao progresso do instituto45. Em bom rigor, o regime da propriedade horizontal
surge como resposta jurídica a uma nova forma de organização física assente na construção
de edifícios, especialmente em altura, com a partilha do mesmo espaço ao nível do solo
com a ocupação comum por diversos proprietários 46.

Nestes termos, como princípio geral do regime da propriedade horizontal, dispõe o


artigo 1414.º do Código Civil Português que “as fracções de que um edifício se compõe,
em condições de constituírem unidades independentes, podem pertencer a proprietários
diversos em regime de propriedade horizontal”. E, segundo o disposto no artigo 1415.º do
Código Civil, “Só podem ser objecto de propriedade horizontal as fracções autónomas que,
além de constituírem unidades independentes, sejam distintas e isoladas entre si, com saída
própria para uma parte comum do prédio ou para a via pública”.

Como é sabido, na propriedade horizontal coexistem num mesmo edifício (ou


eventualmente num conjunto de edifícios que obedeça aos requisitos previstos no artigo

45
Ibidem.
46
Cfr.:http://www.andersenballao.com.br/pt/materias/a-limitacao-ao-direito-de-propriedade-nos-
condominios-edilicios/. Acesso aos 12/08/2021.
23
1438.º-A do Código Civil), formando um conjunto incidível, os direitos de propriedade
exclusiva dos condóminos sobre as respectivas fracções autónomas e os direitos dos
mesmos condóminos sobre as partes comuns, por princípio moldados segundo o regime da
compropriedade (cfr. artigo 1420.º do Código Civil Português).

1.2.6. Sistema jurídico brasileiro

Conforme supra constatado, podemos concluir que, o sistema jurídico português,


diferente do sistema jurídico angolano que se perdeu no tempo e no espaço, sofreu várias
alterações e actualizações, conforme a evolução e o dinamismo da sociedade. Porém, é
mais dinâmico ainda, o sistema jurídico brasileiro. Assim, o legislador brasileiro,
actualizado que é, tem procurado ajustar a norma ao contexto sociopolítico e económico do
País. Acontece que, por uma razão histórica entre Portugal e Brasil, o marco inicial da
propriedade horizontal no Brasil, se inspira também, nas Ordenações Filipinas47, que
vigoraram no Direito brasileiro até 1.º de Janeiro de 1917, data em que o Código Civil
brasileiro de 1916 entrou em vigor. Conforme supramencionado, as Ordenações Filipinas
apresentavam a primeira alusão ao estilo de propriedade por andares, porém, sem qualquer
especificidade jurídica sobre a matéria, apenas aludindo à conservação diante da situação
da casa pertencente a dois senhorios, cabendo a um o sótão e a outro, o sobrado 48.

Assim, o Código Civil brasileiro de 1916, não regulamentou o conteúdo da


propriedade horizontal, conforme sustenta Barros Monteiro e Caio Mário, “o Código Civil
brasileiro, embora promulgado em plena guerra, não teve intuição do que viria a suceder
em tal assunto. Não se estranhe assim que nele não se encontre qualquer referência ao

47
PEREIRA, Caio Mário da Silva, Condomínio e incorporações, p. 38.
48
Conforme previsto no título LXVIII do Livro 1.º, § 34, das Ordenações Filipinas.
UNIVERSIDADE DE COIMBRA – Instituto de História e Teoria das Ideias. Ordenações Filipinas.
24
condomínio em prédios de muitos pavimentos”49.Contudo, no Brasil, a evolução dos
grandes centros e da engenharia em construir prédios cada vez maiores e mais complexos
tornou fundamental a criação de normas condizentes com o novo padrão de edifícios.

Nesta medida, o marco da evolução jurídica da propriedade horizontal ocorreu em


25 de Junho de 1928, por meio do Decreto n.º 5481, que dispôs sobre a alienação parcial
dos edifícios de mais de cinco andares, construídos com cimento armado e divididos em
apartamentos ou escritórios de, no mínimo, três peças cada e constituídos em propriedades
autónomas, designadas numericamente e averbadas no registo de imóveis para efeitos de
identidade e discriminação 50.

No decreto em causa, destacou-se algumas características, tais como: a fixação da


responsabilidade dos proprietários pelos impostos, pelas taxas e despesas das áreas de uso
comum (artigo 5.º), bem como pelo seguro contra incêndio e pela forma de reconstrução
e/ou rateio da indemnização (artigo 6.º); regras relacionadas à administração do
condomínio (artigo 8.º); regras relacionadas à estrutura integral da edificação e proibições
expressas quanto à alteração da fachada e ao uso nocivo da propriedade (artigos 10.º e
11.º)51.

Após alguns anos, o referido decreto foi actualizado pelo então Decreto-Lei n.º
5234/1943, de 08 de Fevereiro, abrangendo os imóveis com menos unidades e passando-se
para o mínimo de três pavimentos para se constituir a propriedade horizontal. Todavia, já
no ano de 1948, foi promulgada a Lei n.º 285, que modificou a redacção do artigo 1.º do

49
Washington de Barros MONTEIRO, Curso de direito civil, p. 225; Caio Mário da Silva PEREIRA,
Instituições de direito civil - direitos reais, p. 162.
50
Cfr. Rafael Augusto da Silva MONTY, ob. cit., p. 29.
51
Cfr. DIÁRIO DA REPÚBLICA – Decreto-Lei n.º 5481/28, cit.: Rafael Augusto da Silva
MONTY, ob. cit., p. 29.
25
Decreto n. 5481/1 928, e revogou o Decreto-Lei n. 5234/1943, passando então a considerar
o mínimo de dois ou mais pavimentos para caracterização da propriedade horizontal52.

Em 16 de Dezembro de 1964, foi promulgada a Lei n.º 4591 – Lei de Condomínios


e Incorporações. Neste interregno considera João Batista Lopes53que a legislação em
causa, apresenta algumas lacunas e impropriedades, porém, outros54, consideram que, esta
legislação deu um grande avanço na temática em causa. A posterior surgiu outras leis,
tais como: Lei n.º 4864/1965, de 29 de Novembro; Decreto n.º 558 15/1965, de 08 de
Março; Lei n.º 459 1/1964; Lei n.º 6709/1979, de 31 de Outubro55.

Finalmente, a Lei n.º 459 1/1964 foi parcialmente revogada com o avento da Lei n.º
10406/2002, de 10 de Janeiro, que instituiu o novo Código Civil brasileiro. Este, por sua
vez, abordou o tema entre 1331.º ao 1358.º, inserindo no sistema jurídico brasileiro
alterações condizentes com o século XXI e, ao mesmo tempo, recepcionando diversos
dispositivos elaborados pela legislação de 1964.

Diante do exposto, percebe-se que o instituto da propriedade horizontal no Brasil,


apesar de inicialmente ter tido como base as disciplinas jurídicas portuguesas, seguiu
caminho próprio, principalmente, ao prever normativas relacionadas à incorporação
imobiliária. Em bom rigor, percebe-se que, as necessidades sociais e habitacionais têm
dado azo a actualização constante da legislação.

52
Cfr. Rafael Augusto da Silva MONTY, ob. cit., p. 31.
53
João Batista LOPES, Ob. cit., p. 22, cit., Rafael Augusto da Silva MONTY, ob. cit., p. 32.
54
Pedro Elias AVVAD,Ob. cit. p. 13, Ibidem.
55
Ibidem.
26
CAPÍTULO II. A PROPRIEDADE HORIZONTAL E SEUS
REFLEXOS NO DIREITO ANGOLANO

2.1. Noções gerais

O presente capítulo busca várias reflexões doutrinárias em posições diversas sobre a


temática “propriedade horizontal”. Neste seguimento, como já acima fizemos referência, a
matéria sobre a propriedade horizontal no sistema jurídico angolano tem suas raízes no
ordenamento jurídico português por força do Decreto-Lei n.º 47344, de 25 de Novembro de
1966, do qual, Portugal já fez várias actualizações, por essa razão, seguimos a doutrina
mais próxima a nossa legislação, isto é, os professores: Pires de Lima e Antunes Varela,
José Vieira, Henrique Mesquita e, especialmente, as lições do professor Osvaldo
Cambundo.

De acordo com o professor Osvaldo Cambundo, o Código Civil não nos fornece
uma noção exacta de propriedades horizontal se caracteriza como um conjunto de poderes
que recaem sobre o condómino titular de uma fracção autónoma, integrada num edifício
constituído em regime de propriedade horizontal, mais os direitos sobre as partes comuns
do mesmo edifício. Nestes termos, Álvaro Moreira e Carlos Fraga, definem a propriedade
horizontal como a propriedade que incide sobre as várias fracções de constituírem unidades
independentes56, numa ordem em que, Osvaldo Cambundo defende que a propriedade
horizontal é uma modalidade de condomínio distinta daquele que vulgarmente conhecido
como o verdadeiro condomínio em que as residências estão separadas uma das outras 57.

56
Álvaro Moreira e Carlos Fraga, Direitos Reais.., p. 27, in. Osvaldo Cambundo, ob. Cit., p. 206.
57
Osvaldo Kidi Cambundo, ob. Cit., p. 206.
27
Realça Henrique Mesquita que “sobre cada edifício incorporado no solo recai, em
princípio, um único direito de propriedade, pertencente a um ou mais titulares, abrangendo
esse direito, não apenas a construção, mas também o solo em que a construção se implanta
e os terrenos que lhe servem de logradouro (artigo 204.º, n.º 2, do CC)” 58. Na óptica de
Pires de Lima e Antunes Varela, “este princípio sofre, porém, uma importante
derrogação com a admissibilidade da propriedade horizontal. O que caracteriza, com
efeito, este instituto é o facto de as fracções de um mesmo edifício que constituam
unidades independentes pertencerem a proprietários diversos, segundo o regime
estabelecido nos artigos 1414.º e seguintes” 59.

Nos termos do artigo 1414.º do Código Civil, as fracções do que um edifício se


compõe, em condições de constituírem unidades independentes, podem pertencer a
proprietários diversos em regime de propriedade horizontal. Conforme já referimos supra,
“o titular de uma fracção autónoma integrada num edifício constituído no regime da
propriedade horizontal, esta de alguma forma limitado, ou seja, os seus poderes da acção
ou actuação são consideravelmente mais reduzidos, isto porque, primeiro, não pode fazer
tudo o que entender como aqueles, segundo, pelo facto de haver limitações especiais que só
a eles dizem respeito”60,conferir o previsto nos termos do artigo 1422.º, n.º 2 do CC.

Quanto às partes comuns, os condóminos não exercem o gozo pleno quanto o fazem
nas partes autónomas. Nestes termos, “passar-se-á a reconhecer um direito de propriedade
plena para cada titular das respectivas fracções autónomas aí existentes, porquanto todos os
condóminos passam, a ser co-proprietários das partes comuns do mesmo edifício o que

58
Henrique Mesquita, Lições cit., p. 270.
59
Pires de Lima e Antunes Varela, ob. Cit., p. 391.
60
Osvaldo Kidi Cambundo, ob. Cit., p. 205.
28
como é óbvio, carecera ao nível de estatuto de um tratamento especial com regras
reguladoras das relações que necessariamente se vão estabelecer”61.

Assim, para Pires de Lima e Antunes Varela “a propriedade horizontal é, por


conseguinte, a propriedade exclusiva duma habitação integrada num edifício comum, o
direito de cada condómino em conjunto e o direito sobre um prédio, portanto, sobre
uma coisa imobiliária, e como t al é tratado unitariamente pela lei; mas o objecto em
que incide é misto – é constituído por uma habitação exclusiva, que é o principal, e por
coisas comuns, que são a acessório” 62.

Nas palavras de Henrique Mesquita “o que caracteriza a propriedade horizontal e


constitui razão de ser do respectivo regime é o facto de as fracções independentes fazerem
parte de um edifício de estrutura unitária – o que, necessariamente, há-de criar especiais
relações de interdependência entre os condóminos, quer pelo que respeita às partes comuns
do edifício, quer mesmo pelo que respeita às fracções autónomas”63.

A integração das várias fracções na mesma unidade predial, bem como a


dependência funcional em que as partes comuns do edifício se encontram perante as
várias fracções autónomas, andam, no geral, ligadas à divisão do prédio através de
planos horizontais, quer cada uma das fracções autonomizadas ocupe um piso do
edifício (andares), quer corresponda a um dos lados de cada piso (andar direito ou
esquerdo), quer abranja apenas uma parte do piso ou de um dos lados do pavimento
(apartamento)64.

61
Ibidem, ob. Cit., p. 204.
62
Pires de Lima e Antunes Varela, ob. Cit., p. 393.
63
Henrique Mesquita, A propriedade horizontal no Código Civil Português, in. Revista de Direito e
de Estudos Sociais, ano XXIII – n.ºs 1-2-3-4, pp. 79 e ss. e p. 84).
64
Pires de Lima e Antunes Varela, ob. Cit., p. 393.
29
Nestes termos e segmentos, aos proprietários é vedado fazer actividades que de
alguma forma possam: prejudicar quer com obras novas, quer por falta de preparação,
a segurança, a linha arquitectónica ou arranjos estéticos do edifício; destinar a sua
fracção a usos ofensivos dos bons costumes; dar-lhe uso diverso do fim a que é
destinada, bem como praticar quaisquer actos ou actividades que tenham sido
proibidos nos títulos constitutivos ou posteriormente, a cargo de todos os
condóminos 65.

O professor Osvaldo Cambundo elucida que “por alguma razão a generalidade


das pessoas preferem viver em residências individuais, não integradas em prédios” 66, o
mesmo fala-se de pessoas que arrendam as casas do Estado, preferem vivendas aos
apartamentos, garantindo assim, entre outras situações, conforme fez referência o
renomado professor “a privacidade reservada”, dado que, os edifícios horizontais ou
equiparados não conferem aos seus proprietários a reserva plena da privacidade. No
mesmo sentido, a doutrina chama atenção às relações de vizinhanças e a participação
nas assembleias que, para alguns, pode ser incómodo. Situações do género não trazem
a paz social entre a vizinhança, dado que, as pessoas gostam sentirem-se livres, facto
que, tal liberdade encontra restrições quando se vive em regime de propriedade
horizontal.

De tudo que foi dito, vale sublinhar que, para que o direito de propriedade
horizontal nasça, é necessário que o edifício esteja registado primeiramente em regime
de propriedade horizontal, cumprindo o disposto do artigo 1415.º, 1416.º, 1417.º, todos
do CC, pelo que deixa de haver o anterior direito de propriedade sobre todo o edifício

65
Osvaldo Kidi Cambundo, ob. Cit., p. 204.
66
Ibidem, p. 205.
30
(deixando de ser edifico de estrutura unitária), e passa a existir tantos direitos, quanto
às fracções autónomas do edifício 67.

2.1.1. A falsa aparência da propriedade horizontal

O seccionamento do edifício também pode fazer-se através de planos verticais


de que resultem igualmente unidades ou fracções autónomas, sendo esta, de resto, a
única forma possível de divisão quando se trate de prédios de um só piso. A chamada
propriedade horizontal pode ser, portanto, em alguns casos, propriedade vertical.
Importa observar, no entanto, que se um edifício for dividido verticalmente (entre dois
ou mais comproprietários) em várias fracções ou corpos autónomos, nem sempre
poderá se aplicar o regime dos artigos 1414.º e seguintes 68.

O instituto da propriedade horizontal, com efeito, assenta no pressuposto de que


cada uma das fracções resultantes da divisão não tem autonomia estrutural e só adquire
autonomia funcional através da utilização de partes do edifício que necessariamente
estão afectadas ao serviço de outras fracções. Ora a divisão através de planos verticais
ou perpendiculares pode conferir as várias fracções plena autonomia sob qualquer
destes pontos de vista. Cada um dos corpos resultantes da divisão pode, de facto, ficar
completamente independente dos demais (porque, por exemplo, tem acesso próprio;
porque na sua cobertura, paredes e alicerces podem ser feitas quaisquer obras sem
necessidade de mexer nos outros corpos; etc.). Quando assim aconteçe, deixa de haver
motivo para aplicar o regime da propriedade horizontal. Cada fracção deverá, pura e
simplesmente, passar a constituir objecto de um direito de propriedade normal. Em vez
de propriedade horizontal, teremos uma situação de propriedades adjacentes. O caso
típico será o da divisão entre comproprietários ou co-herdeiros de um edifício

67
Ibidem.
68
Pires de Lima e Antunes Varela, ob. Cit., p. 393.
31
integrado por habitações geminadas 69.Em todos eles, haverá sempre um elemento
comum: o muro ou parede divisória. O sou regime, no entanto, esta subordinado a regras
especificas (artigo 1370.º e ss.), que nada tem a ver com o instituto da propriedade
horizontal.

Pode ainda acontecer que o fraccionamento vertical de um edifício não origine


unidades (fracções) independentes, mas tenha sido efectuado em termos que não se
ajustam inteiramente a enumeração ou a presunção das partes comuns do edifício,
constantes do artigo 1421.º. Quando assim acontece, há que averiguar se a situação de
facto em que o prédio se encontra após o seu fraccionamento corresponde ou não ao
esquema fundamental da propriedade horizontal (interdependência estrutural das várias
partes integradas no todo e; dependência funcional de cada uma delas em face de partes
comuns). Nada impede, aliás, que este regime (e não o de mera compropriedade) seja
aplicável apenas a algumas das partes comuns do edifício, a que se refere o artigo
1421.º70.

Algumas Legislações estrangeiras, como, por exemplo, a francesa (Lei de 10 de


Julho de 1965, art. 1.º), e a brasileira (Lei n.º 4591, de 16 de Dezembro de 1964, art. 1.º)
admitem expressamente que a propriedade horizontal possa incidir não apenas sobre
edifícios singularmente considerados, mas ainda sobre os chamados conjuntos
imobiliários, isto é, sobre conjuntos de imóveis urbanos afectados a determinado fim e
que, a par de edifícios fruídos, no todo ou por fracções autónomas, segundo o regime da
propriedade exclusiva, compreendem ainda elementos ou serviços de utilização comum,
como restaurantes, casas de espectáculos, garagens, piscinas, jardins, instalações gerais

69
Ibidem.
70
Neste sentido, Henrique Mesquita, Revista cit., p. 85 e 86.Em sentido diferente, Rodrigues Pardal
e Dias da Fonseca, Da propriedade horizontal, 3.ªEd., 1983, p. 140 e ss.
32
de d’água, luz, aquecimento, etc. (tal é ocaso, por exemplo, das denominadas aldeias
turísticas) 71.

Diferentemente de Angola, onde aqueles conjuntos não são susceptíveis de


propriedade horizontal. Eles não cabem, com efeito, na moldura do artigo 1414.º (que
fala em fracções de um edifício e não em edifícios que constituiriam, eles próprios,
fracções ou parcelas de um conjunto mais vasto) e o princípio da tipicidade, e a que
todas as figuras de natureza real estão subordinadas, não permite que se lhe ampliem os
contornos. Para disciplinar os interesses em jogo, os contitulares terão, pois, de recorrer
a outros esquemas de regulamentação, como, por exemplo, a uma compropriedade com
direitos exclusivos de uso sobre determinadas partes do conjunto ou a uma propriedade
normal associada à compropriedade dos elementos comuns. Assim, o edifício a que
alude a artigo 1414.º pode compreender, além da construção principal, pequenas
construções de carácter acessório feitas no logradouro e funcionalmente afectadas
àquela; uma casa para o porteiro, dependências para arrecadações, garagens,
galinheiros, etc. Dada a sua função instrumental, estas pequenas construções não
podem constituir, de per si, fracções autónomas: ou são partes comuns ou terão que
ficar integradas, como objecto de propriedade exclusiva, nas fracções autónomas do
edifício principal.

2.2. Natureza jurídica da propriedade horizontal

Sobre a natureza jurídica da propriedade horizontal há muita tinta doutrinária a


discorrer da qual não vamos esgotar neste pequeno esboço, porém, é muito
controvertida entre os autores a natureza jurídica da propriedade horizontal,

71
Pires de Lima e Antunes Varela, ob. Cit., p. 394.
33
sublinhamos a posição de alguns autores. Assim, doutrina há que defende que se trata
de um caso de compropriedade; alguma que o condomínio pertence a uma pessoa
colectiva, distinta das pessoas singulares que em cada momento a integram; outra ainda
defende que se trata de sociedade entre os condóminos 72.

As teses acima apresentadas são insustentáveis pelos seguintes razões73:

 A primeira não é acolhida porque, não atendem a composição do direito do


condómino (que inclui um direito de propriedade exclusiva sobre a respectiva
fracção), nem a relação de acessoriedade que une as partes comuns do edifício
a cada uma das fracções autónomas;
 A segunda não encontra acolhimento, porém, o facto de determinadas decisões
relativas aos bens objecto da propriedade horizontal poderem ser tomadas por
deliberação maioritária dos condóminos não é suficiente, ao contrário do que
alguns autores pensam, para que deva entender-se que o legislador atribui
personalidade colectiva ao condomínio. Com efeito, nada impede que a lei
determine que a deliberação maioritária de vários sujeitos interessados no
mesmo assunto seja vinculativa para todos. O mesmo se passa, por exemplo,
em matéria de compropriedade (cfr. o artigo 1407.º) e no domínio das
sociedades civis (cfr. o artigo 985.º), as quais, segundo a doutrina dominante,
não são antes personalizados.
 A terceira tese não é acolhida porque faltam-lhe elementos que, segundo
entendimento pacífico, são essenciais ao conceito de sociedade: não existe
entre os condóminos, nem o exercício em comum de uma actividade
económica (cfr. o artigo 980.º CC), nem, por outro lado, a chamada
affectiosocietatis.

72
Pires de Lima e Antunes Varela, ob. Cit., p. 395.
73
Ibidem.
34
Nestes termos, são acolhidos os ensinamentos de José Alberto Vieira que
entende que a propriedade horizontal é um tipo especial do direito de propriedade;
Álvaro Moreira e Carlos Fraga ao realçarem que a propriedade horizontal reveste uma
natureza dualista, na medida em que resulta do concurso de dois direitos, o direito de
propriedade plena sobre as partes privat ivas de cada condómino coexistindo esta, plena
propriedade com uma compropriedade das partes comuns 74 e; finalmente, a doutrina de
Mónica Jardim, Luís Manuel Teles de Menezes Leitão e Osvaldo Cambundo, ao
sustentar que o direito de propriedade horizontal constitui um direito real novo, na
medida em que o direito real de gozo autónomo e complexo faz nascer novos direitos
de propriedade sujeitos ao regime da propriedade horizontal 75.

2.3. Objecto de propriedade horizontal

De acordo com os professores Pires de Lima e Antunes Varela, “o que


verdadeiramente caracteriza a propriedade horizontal é, pois, a fruição de um edifício
por parcelas ou fracções independentes, mediante a utilização de partes ou elementos
afectados ao serviço do todo. Trata-se, em suma, da coexistência, num mesmo edifício,
de propriedades distintas, perfeitamente individualizadas, ao lado da compropriedade
de certos elementos, forçadamente comuns” 76.

Desse modo, cria-se um novo estatuto capaz de regulamentar uma posição dúplice
do condómino77, pois, de um lado, está o proprietário da fração e, de outro, o
comproprietário das áreas comuns. Em outras palavras, tem-se a dualidade do objeto da
propriedade horizontal, que se compõe da fração autónoma e das partes comuns do

74
Ibidem
75
Ibidem
76
Pires de Lima e Antunes Varela, Código civil anotado, p. 396.
77
José Alberto Vieira, Ob. cit., p. 636.
35
edifício 78, possibilitando o efetivo compartilhamento do solo para fins de habitação por
andares, em total consonância com o sistema jurídico e, acima de tudo, em prol dos
interesses sociais.

Segundo o disposto no artigo 1415.º do Código Civil, “Só podem ser objecto de
propriedade horizontal as fracções autónomas que, além de constituírem unidades
independentes, sejam distintas e isoladas entre si, com saída própria para uma parte comum
do prédio ou para a via pública”.

Nestes termos considera o professor Abílio Neto que “a ligação entre proprietário
sobre uma fracção autónoma do edifício e a comunhão sobre os restantes espaços comuns,
a lei no art. 1415.º do Código Civil, fala em propriedade horizontal79, que podem
constituir-se as fracções autónomas que, além de constituírem unidades independentes80
que sejam distintas e isoladas entre si, 81 com uma parte comum do edifício e uma saída
própria para a via pública” 82.Em outra perspectiva, os professores Antunes Varela e Pires
de Lima sustentam que “o requisito da separação e do isolamento das várias fracções não

78
Ibidem, p. 638; A. Menezes CORDEIRO, Ob. cit., p. 639.
79
Abílio Neto, Manual da propriedade horizontal. 3ª ed. Lisboa: Ediforum Edições Jurídicas, 2006,
p.17. Para que um edifício ou conjunto de edifícios possa ser submetido ao regime de propriedade horizontal
é indispensável que as diversas fracções que o compõem sejam susceptíveis de constituir unidades ou fogos
autónomos e independentes, distintos e isolados uns dos outros, tendo cada um deles saída própria para a via
pública, ou seja, cada fogo terá de constituir uma unidade adequada a um determinado uso ou destino,
constituindo assim uma unidade de utilização funcional.
80
Ver Abílio Neto, ob.cit., p. 18. Cada fracção autónoma não tem necessariamente de ser constituída
apenas por partes contíguas do imóvel, seja na horizontal seja na vertical: além ou fogo propriamente dito,
pode abranger arrecadações situadas na cave, no sótão ou no logradouro, uma garagem no interior ou exterior
do edifício, um direito a parqueamento, etc.
81
Esse isolamento pressupõe a separação mediante paredes e materiais que, com carácter
permanente, não só as dividam como também as resguardem.
82
Idem, "Razões de segurança – facilidade de evacuação das pessoas em caso de sinistro ou acidente,
aliadas à necessidade de garantir o acesso e correspondente saída aos vários condóminos do imóvel, levaram
o legislador a formular expressamente a exigência de todas as fracções disponham de saída própria, a qual
tanto pode ter lugar para uma parte comum do prédio, para o átrio, uma escada, para um logradouro, etc.,
como directamente para a via pública, ou talvez melhor porque mais abrangente, para um espaço público," p.
18.
36
se confunde com a exigência da sua autonomia. A questão de saber se cada uma das
fracções constitui uma unidade independente depende, em larga medida, do fim a que ela
se encontra adstrita”83.

Os apartamentos destinados à instalação de escritórios para empresas ou para o


exercício de profissões liberais, ou a instalação de instituições culturais, recreativas,
profissionais ou económicas, não necessitam, sob esse aspecto, de obedecer aos mesmos
requisitos das fracções autónomas destinadas à habitação. Quer se trate de fracções
destinadas ao exercício do comércio ou da indústria ou ao exercício de profissões liberais,
quer se trate de fracções afectadas a habitação ou a fins especiais transitórios (cfr. artigo
1083.º, 2, b)), e evidente que elas não necessitam de constituir andares84.

A fracção pode ocupar dois ou mais andares, como pode reduzir-se, nos grandes
imóveis de construção moderna, a uma pequena parte dum andar, não exigindo a lei (ao
contrário do que faz o diploma brasileiro sabre a propriedade por andares) um número
mínimo de divisões para cada apartamento. Essencial é que cada uma delas possua os
requisitos de independência, separação e isolamento de que a lei não prescinde 85.

Sendo exigido o isolamento das fracções, não pode considerar-se conforme a lei a
prática que consiste em delimitar as garagens, quando o título lhes atribua natureza
privativa - considerando-as fracções autónomas de per si ou elementos de outras fracções,
através de linhas marcadas no pavimento (e não através de paredes). Tal processo apenas
será admissível quando a parte do imóvel afectada a garagens seja comum e as linhas de
demarcação se destinem tão-somente a disciplinar o poder de uso que a todos os
condóminos compete, assinalando o espaço reservado a cada um86.

83
Pires de LIMA e Antunes VARELA, Ob. cit.
84
Ibidem
85
Ibidem
86
Ibidem
37
Cada fracção autónoma não tem que ser necessariamente constituída por partes do
imóvel contiguas: pode compreender, por exemplo, além do andar ou apartamento
propriamente dito, uma garagem, uma divisão para arrumações nas águas furtadas ou na
cave, um galinheiro, etc. Além disso, pode haver elementos de propriedade exclusiva nas
pastes comuns do edifício (os contadores de agua e energia a as caixas do correio de cada
fracção autónoma silo colocados frequentemente numa parede comum). E também não e
impossível que certas coisas de propriedade exclusiva se situem em fracção autónoma
pertencente a outro condómino 87.

Nos termos em que a propriedade horizontal é concebida, obriga


necessariamente a configuração dos seguintes pressupostos cumulativos:

 um terreno sobre o qual tenha sido construído um edifício;

 a possibilidade de divisão deste em frações suscetíveis de constituírem unidades


independentes, isto é, distintas e isoladas, com saída própria para uma parte
comum do prédio ou para a via pública (artigo 1414.º e 1415.º, do Código Civil);

 a existência de coisas necessariamente de uso comum entre as unidades


independentes, podendo-se ainda facultar outras ao uso comum (artigo 1421.º,
do Código Civil).

Desse modo, preceitua o artigo 1416.º que a falta de quaisquer desses requisitos
legalmente exigidos importa a nulidade do título constitutivo da propriedade horizontal e a
sujeição do prédio ao regime da compropriedade. Nesse caso, cada consorte terá como
atribuída a quota que lhe tiver sido fixada nos moldes do artigo 1418.º ou, ausente a
fixação, da quota respectiva ao valor da sua fração.

87
Ibidem
38
Em outras palavras, a inexistência dos referidos pressupostos sobre o objeto
descaracteriza a propriedade horizontal e remete o imóvel ao regime da compropriedade 88.
Nota-se que no caso de haver somente um proprietário do edifício e ocasionada a nulidade
do título, aplica-se o regime de propriedade singular e não da compropriedade 89. Assim,
observa Carvalho Fernandes que, “segundo entendimento corrente da doutrina,
corresponde este regime a uma aplicação da figura da conversão legal, ou seja, não
dependente dos requisitos da conversão comum, consagrados no artigo 293.º”90.

Por fim, há ainda a possibilidade apontada por Pires de Lime e Antunes Varela 91:
quando a falta dos requisitos legais sobre o objeto ocorrerem somente em relação a
algumas frações do edifício – por exemplo, de só uma das várias frações carecerem de
saída própria para área comum ou para a rua –, a sanção do artigo 1416.º deve valer apenas
para as frações irregularmente constituídas. Ou seja, entre os proprietários dela vigorará o
regime da compropriedade; sobre os restantes será aplicado o regime da propriedade
horizontal, observando-se as correções e os ajustes necessários.

2.4. Constituição da propriedade horizontal

Como já fizemos anteriormente referência, ao direito de propriedade pleno, se lhe


aplica indistintamente o principio da totalidade, porém, a propriedade horizontal constitui
uma excepção a este princípio de acordo com uma interpretação restritiva feita ao art.
1344.º, do CC. Assim, cada fracção autónoma é uma coisa nova, e, portanto, nasce também
um novo direito real. Neste sentido podemos afirmar que sendo edifico constituído em
regime de propriedade horizontal mesmo que a fracção não seja objecto de venda, é o
regime desta que se aplica. Por esta razão, a propriedade horizontal é caracterizada por dois

88
Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, Ob. cit., p. 300.
89
José AlbertoVieira, Ob. cit., p. 640.
90
Luís A. Carvalho FERNANDES, Lições de direitos reais, p. 380-381.
91
Pires de LIMA e Antunes VARELA, Ob. cit., p. 401-402.
39
direitos: a propriedade plena de cada fracção autónoma que pertence a cada condómino
exclusivamente e a compropriedade das partes comuns que pertencem a todos92.

Nestes termos, de acordo com desposto no art.1417.º, n.º1 do Código Civil, a


propriedade horizontal pode ser constituída por negócio jurídico, usucapião ou decisão
judicial preferida em ação de divisão de coisa comum ou em processo de inventário. Por
sua vez, o artigo 1418.º, n.º 1, do Código Civil determina que, “no título constitutivo serão
especificadas as partes do edifício correspondentes às várias fracções, por forma que estas
fiquem devidamente individualizadas, e será fixado o valor relativo a cada fracção,
expresso em percentagem ou permilagem, do valor total do prédio”.

2.4.1. Negócio jurídico

O artigo 1417.º não apresenta quaisquer especificações detalhadas acerca da


constituição do instituto, porém, a doutrina entende que, nesta norma, verifica-se a
possibilidade da ocorrência em negócios inter vivos ou mortis causa93.Por mortis causa, a
propriedade horizontal constitui-se através do testamento (negócio unilateral), tendo este
suas normas previstas nos artigos 2179.º e seguintes do Código Civil. Quanto aos negócios
jurídicos inter vivos, a constituição da propriedade horizontal far-se-á através do simples
contrato como, por exemplo, solução para divisão de uma edificação envolta da
compropriedade94.

Há ainda a hipótese da constituição por negócio unilateral, quando efetuado por acto
do próprio proprietário do prédio que, muitas das vezes, utiliza-se dessa constituição para

92
Osvaldo Kidi Cambundo, ob. Cit.
93
Neste sentido, Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, Ob. cit., p. 295; Luís A. Carvalho
Fernandes, Lições de direitos reais, p. 376.
94
Estabelece o artigo 1412.º , n.º 1, Código Civil, “Nenhum dos comproprietários é obrigado a
permanecer na indivisão, salvo quando se houver convencionado que a coisa se conserve indivisa”.
40
alienar frações antes mesmo da construção95. Acredita-se ser mais coerente que se admita a
constituição da propriedade horizontal por um único proprietário sem a vinculação de
qualquer condição suspensiva, sob dois argumentos: não há impeditivo legal do artigo
1414.º, do Código Civil português; a presença da figura jurídica da propriedade horizontal
poderá coexistir perfeitamente com a de um único proprietário das frações autónomas, de
modo que ainda assim seja constituído o condomínio a fim de gerir as partes comuns do
edifício. Afinal, a unidade de proprietário das frações não significa a unidade de ocupantes
do prédio, como os arrendatários, por exemplo.

2.4.2. Usucapião

Nos termos do artigo 1417.º do Código Civil, a usucapião é outra forma de


constituição da propriedade horizontal, figura prevista no artigo 1287.º, do mesmo código.
Nestes termos Menezes Leitão entende que, trata-se de uma situação complexa, visto que, a
ação versa, geralmente, apenas em razão de uma fração ideal, sendo que a propriedade
horizontal deverá ser constituída sobre todo o edifício 96.

No mesmo sentido, vale observar a reflexão de Armindo Ribeiro Mendes:

A declaração da usucapião relativamente a uma fracção autónoma de um edifício


não submetido ainda ao regime da propriedade horizontal, implica necessariamente a
constituição do regime de propriedade horizontal relativamente a todo o edifício. É assim a
usucapião um facto constitutivo de eficácia indireta, se é lícito exprimirmo-nos assim. Pela
usucapião adquire-se o direito de propriedade sobre uma fracção autónoma: se o prédio não
estiver ainda submetido ao regime, indirectamente a sentença declarativa da usucapião
declara constituído (mas não constitui) o regime de propriedade horizontal97.

95
Em sentido contrário: Pires de Lima e Antunes Varela, Ob. cit., p. 406.
96
Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, Ob. cit., p. 296.
97
Armindo Ribeiro Mendes, Ob. cit., p. 5 8-59.
41
Portanto, para que a usucapião seja forma de constituição da propriedade
horizontal, a posse deverá ser equivalente a de um condómino em relação a determinada
unidade de prédio urbano. Além disso, devem estar presentes os requisitos legais para a
constituição da propriedade horizontal. Caso estes estejam ausentes, a propriedade será
adquirida na condição de compropriedade até que seja constituído o regime de propriedade
horizontal sobre todo o edifício 98.

2.4.3. Decisão judicial

Além das outras formas anteriormente enumeradas para constituição da propriedade


horizontal, acrescenta o artigo 1417.º, do Código Civil, a decisão judicial que for proferida
em ação de divisão de coisa comum ou em processo de inventário, tratando-se de “casos de
sentenças constitutivas de um regime que afecta a situação jurídica de um edifício” 99.

Já o n.º 2 do referido artigo esclarece que qualquer consorte poderá requerer a


constituição da propriedade horizontal, desde que verificados os requisitos exigidos pelo
artigo 1415.º. Segundo Carvalho Fernandes, quanto à expressão “consorte”, faltou o
legislador acrescentar um termo, sendo melhor a expressão “qualquer consorte ou
interessado”100.

No caso de acção de divisão de coisa comum, trata-se da forma judicial para


dissolução da situação de compropriedade, permitindo assegurar a cada um dos
comproprietários a individualização de sua cota, que será traduzida em fração autónoma,
bem como a definição das partes comuns. Já na ação de inventário, a previsão legal busca
alcançar situações em que existem barreiras para a partilha amigável, até mesmo pela
possibilidade de se ter um único prédio e vários herdeiros. Sendo assim, entende-se que a

98
Luís A. Carvalho FERNANDES, Lições de direitos reais, p. 377.
99
Armindo Ribeiro MENDES, Ob. cit., p. 59.
100
Luís A. Carvalho FERNANDES, Lições de direitos reais, p. 377.
42
previsão do código é acertada, uma vez que permite solucionar situações de
compropriedade forçada que, não raro, é propulsora de conflitos familiares e sociais.

2.5. Direitos e encargos dos condóminos

Diante da relação jurídica que se estabelece no regime da propriedade horizontal, a


legislação busca garantir o bom convívio das relações entre os condóminos, pelo que,
apresenta um rol de poderes e encargos diversos capazes de dirimir situações de possíveis
conflitos condominiais. Serão abordados, portanto, os dispositivos presentes entre os
artigos 1420.º a 1429.º, do Código Civil.

2.5.1. Direitos dos condóminos

O regime da propriedade horizontal apresenta objeto de forma dúplice: de um lado,


frações autónomas e, de outro, partes comuns. Trata-se, portanto, de um regime complexo
que deve ser observado sob esses dois enfoques, cada um com suas especificidades. Num
primeiro momento, os direitos serão apresentados quanto às frações autónomas e, sem
seguida, quanto às partes comuns.

2.5.2. Quanto às frações autónomas

O direito de propriedade sobre a fração autónoma está previsto no artigo 1420.º, n.º
1, do Código Civil, ao prever que “cada condómino é proprietário exclusivo da fração que
lhe pertence”. Por tratar-se do direito de propriedade um direito real de gozo por
excelência, poderá o titular da fração, utilizá-lo de forma plena, obedecidas as restrições
impostas ao próprio direito de propriedade pelo regime da propriedade horizontal.

Na perspectiva do professor Cambundo, as limitações impostas ao titular de um


direito real pleno art. 1420.º n.º 1, conjugado com o art. 1422.º, n.º 1 também são
diretamente aplicadas aos titulares das fracções autônomas, num edifício constituído ao
abrigo do regime da propriedade horizontal. Para além destas os condomínios estão
43
sujeitos à certos deveres específicos, nos termos do art.1422º, nº2, al. a) b) c) e d), a títulos
exemplificativos, temos o facto de ser vedado aos condôminos designar a sua fracção a
usos ofensivos dos bons costumes.

2.5.3. Quanto às partes comuns

Os direitos dos condóminos quanto às partes comuns do edifício são previstos na


parte final do n.º 1 do artigo 1420.º, do Código Civil, ao prever que cada condómino é
comproprietário das partes comuns do edifício. O diploma civil adoptou sobre as partes
comuns o regime da compropriedade, o que desperta discussões acerca dos desvios desse
regime uma vez aplicado às partes comuns de um edifício afetado pela propriedade
horizontal. Assim, a discussão visa delimitar a aplicação dos direitos relativos da
compropriedade às partes comuns na propriedade horizontal.

Segundo Cambundo, as partes comuns variam comuns variam consoante o título


constitutivo, podendo ser supletivas (possiblidade de permanecer há um único condômino)
ou imperativas, nos termos do art. 1421.º, n.º 1, que significa isto dizer que em relação a
estas últimas qualquer contrariedade a este preceito levar à nulidade do ato constitutivo por
violação de uma norma imperativa, e aqui entra em cena o disposto no art. 280.º e 294.º do
CC. Integram as partes, imperativamente, um edifico, o solo, o alicerce, as colunas, os
pilares, o telhado, a entrada principal, as escadas, o corrimão, o elevador, as luzes das
escadas. As partes supletivamente comuns integram, as garagens, o pátio, o jardim, os
assessores etc. estas partes podem efetivamente, pertencer exclusivamente à um único
condômino, apesar de estarem conexos ao prédio 101.

Os condôminos não têm a obrigação de dar preferencia aos restantes conforme o


art. 1423.º, do CC, isto porque, eles apenas são coproprietários com os demais condôminos
no que toca as partes comuns e não quanto à sua fracção autônoma. Apesar de serem

101
Osvaldo Kidi Cambundo, ob. Cit.
44
compropriedade das partes comuns, não há possiblidade da divisão da coisa, ao contrário
do que acontece no direito de compropriedade, em que qualquer comproprietário pode
pedir a divisão da coisa, porque não está obrigado a pertencer na indivisão 102.

2.5.4. Encargos dos condóminos

Em relação às obrigações dos condóminos sujeitos ao regime da propriedade


horizontal, deve-se observar a previsão do n.º 1do artigo 1422.º, do Código Civil, ao
disciplinar a delimitação negativa do direito de propriedade horizontal. Desse modo,
segundo o referido artigo, aplicam-se às frações de uso exclusivo as regras gerais impostas
ao direito de propriedade, mencionando-se, a título de exemplo, as limitações às relações
de vizinhança previstas no artigo 1346.º103, do Código Civil, acerca da emissão de fumo,
produção de ruídos e factos semelhantes. Quanto às partes comuns, as regras relacionadas
ao direito de compropriedade, como a previsão do artigo 1406.º, do mesmo diploma, que
dispõe sobre o uso da coisa comum.

Em relação à última, aplicação das regras gerais da compropriedade, deve ser vista
sob dois aspectos: caso uma das frações pertença a mais de um proprietário, as regras da
compropriedade serão aplicadas diretamente sobre a situação de compropriedade da fração
autónoma; porém, em relação às partes comuns do edifício, como já demonstrado, as regras
da compropriedade deverão ser aplicadas de forma subsidiária às normas específicas do
regime da propriedade horizontal.

Desse modo, “existe um conteúdo negativo que introduz uma delimitação


específica da propriedade horizontal”104, principalmente no artigo 1422.º, n.º 2, do Código

102
Ibidem
103
Artigo 1346.º, Código Civil: O proprietário de um imóvel pode opor-se à emissão de fumo,
fuligem, vapores, cheiros, calor ou ruídos, bem como à produção de trepidações e a outros quaisquer factos
semelhantes, provenientes de prédio vizinho, sempre que tais factos importem um prejuízo substancial para o
uso do imóvel ou não resultem da utilização normal do prédio de que emanam.
104
José Alberto Vieira, Ob. cit., p. 637.
45
Civil, ao estabelecer que é vedado ao condómino: prejudicar, quer com obras novas, quer
por falta de reparação, a segurança, a linha arquitetónica ou o arranjo estético do edifício;
destinar a sua fração a usos ofensivos dos bons costumes; dar à propriedade uso diverso do
fim a que é destinada; praticar quaisquer atos ou atividades que tenham sido proibidos no
título constitutivo ou, posteriormente, por acordo de todos os condóminos ou, ainda, por
deliberação da assembleia de condóminos aprovada sem oposição.

Há ainda outros deveres específicos ao regime jurídico da propriedade horizontal,


tais como os previstos entre os artigos 1424.º e 1426.º do Código Civil, pelo que englobam
praticamente obrigações relativas às partes comuns. Assim, nos tópicos seguintes, serão
apresentadas obrigações dos condomínios relacionadas aos encargos de conservação e
fruição, inovações, reparações indispensáveis e urgentes, seguro obrigatório, comunicação
do domicílio e encargos fiscais.

2.6. Assembleia de condôminos.

A assembleia de condómino é o órgão máximo do condomínio, de forma que possui


poderes regulamentares, a exemplo da convenção de condomínio e do regimento interno,
bem como administrativos. Evidentemente, não poderá a assembleia agir com abuso desse
poder, cabendo ao condómino que se julgar prejudicado buscar os recursos necessários na
defesa do seu direito.

Prevê o art.1431.º, do CC, a assembleia de condôminos com o órgão deliberativo do


condomínio em assunto de administração das partes comum do edifico, conforme o n.º1 a
assembleia é constituída por todos os titulares autônomas, cada um deles com tantos votos
quanto os correspondentes às unidades da termilagem ou porcentagem da fracção ou
fracções, veja-se para este efeito o disposto no n.º2 do art.1430.º do CC.

46
Finalmente, o art.1438.ºpermite recursos dos atos do administrador à assembleia do
condômino, ao qual pode ser convocada pelo condómino recorrer. Veja-se também o
disposto nos artigos. 1432.º n.º2e 3; 1433.º n.º1 referentes também à administração das
partes comuns do edifício.

47
CONCLUSÕES

Depois de abordadas as questões fundamentais sobre a figura da propriedade


horizontal, tecemos as seguintes conclusões:

1. No contexto histórico, a doutrina salienta quanto ao surgimento jurídico da


propriedade horizontal que, dois momentos devem ser considerados: um
relativo ao surgimento das primeiras inspirações jurídicas que influenciaram na
formação do direito de propriedade horizontal; e outro que, com as mínimas
vicissitudes do direito actual, traçou as primeiras regulamentações acerca da
propriedade horizontal;

2. Apesar da controversa doutrinária sobre a natureza jurídica da propriedade


horizontal, a doutrina mais aceite entre nós, sustenta que o direito de
propriedade horizontal constitui um direito real novo, na medida em que o
direito real de gozo autónomo e complexo faz nascer novos direitos de
propriedade sujeitos ao regime da propriedade horizontal;

3. Relativamente à constituição da figura, constata-se que o legislador, ao tecer as


restrições que o regime da propriedade horizontal se sujeita, buscou a criação de
um novo instituto com normativas próprias, capazes de conduzir a coexistência
harmónica entre as frações autónomas e a compropriedade, na busca não só de
um novo direito, mas de um novo direito real de propriedade horizontal.
Portanto, a propriedade horizontal é um direito real autónomo, complexo por ter
no seu objeto elementos do direito de propriedade e do direito de
compropriedade, mas com características tão peculiares que o tornam um direito
real de gozo.

48
SUGESTÕES

Depois de feitas as conclusões, sugerimos o seguinte:

 O legislador deve pensar na criação de um regulamento interno específico sobre a


organização e o funcionamento da figura, com base possa qualifica-la em
categorias, mediante a dimensão estrutural dos imóveis, exemplo: imóveis do tipo
A, B e C e, neste interregno, qualificar também as responsabilidades específicas que
podem advir da relação entre os condóminos e entre estes e o proprietário do
imóvel.

49
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52

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