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FACULDADE ALDETE MARIA ALVES

ADRIANA SOARES DE OLIVEIRA

DA APLICABILIDADE ATUAL DAS PENAS


PRIVATIVAS DE LIBERDADE

ITURAMA
2007
ADRIANA SOARES DE OLIVEIRA

DA APLICABILIDADE ATUAL DAS PENAS


PRIVATIVAS DE LIBERDADE

Monografia apresentada como requisito parcial


para a conclusão do curso de bacharel em Direito,
da Faculdade Aldete Maria Alves -Iturama/MG,
sob a orientação da Professora Ilídia Aparecida
Silva.

ITURAMA
2007
ADRIANA SOARES DE OLIVEIRA

DA APLICABILIDADE ATUAL DAS PENAS


PRIVATIVAS DE LIBERDADE

Monografia apresentada como requisito parcial


para a conclusão do curso de bacharel em Direito,
da Faculdade Aldete Maria Alves -Iturama/MG,
sob a orientação da Professora Ilídia Aparecida
Silva.

BANCA EXAMINADORA

_________________________________________________________________
Orientador: Prof. Ilídia Aparecida Silva.

_________________________________________________________________
Professor:

_________________________________________________________________
Professor

Iturama: _____ de _____________________de 2007.


Dedico este, primeiramente a Deus, e em segundo a
todos aqueles que tanto se esforçaram, assim como eu,
para que essa conquista fosse realizada. À minha mãe,
que, como sonho de todas, conseguiu dar a filha o bem
mais precioso, a educação. Ao meu marido, Flávio, e a
minha querida e amada filha, Maria Eduarda, por toda
paciência e força que ao longo desses 5 anos me
transmitiram. A todos, OBRIGADO!
AGRADECIMENTO

Aos mestres pelos ensinamentos prestados ao longo de toda jornada de


estudos desenvolvidos.
Aos colegas de classe pelo auxilio e compreensão nos momentos de
dúvidas
Não é o desafio com que nos deparamos que
determina quem somos e o que estamos nos
tornando, mas a maneira com que respondemos
ao desafio. Somos combatentes, idealistas, mais
plenamente conscientes. Porque o ter consciência
não os obriga a ter teoria sobre as coisas.
Só nos obriga a sermos conscientes. Problemas
para vencer, liberdade para provar. E enquanto
acreditarmos no nosso sonho, nada é por acaso.
RESUMO

As punições alternativas à prisão fixaram-se como uma realidade “in abstrato” no direito
penal brasileiro, mas para que se tornem um instrumento punitivo “in concreto”, não
constituindo mera utopia jurídica, indispensável se faz que o instituto seja prestigiado por
todos os segmentos da sociedade como operadores do direito, iniciativa privada, poder
executivo e membros da comunidade. Saliente-se que a novacio legis, somente conquistará
respeito e credibilidade e demonstrará sua eficácia se o corpo social acompanhar sua
aplicação, execução e constatar de maneira crítica, suas falhas e virtudes. Portanto, este
trabalho não pretende vislumbrar questões processuais ou discutir pormenorizadamente a
execução de cada uma das modalidades de penas, mas identificar se o atual Estatuto Penal
pode promover a reversão do atual quadro de criminalidade que se estabeleceu na sociedade
brasileira, enfatizando a pena privativa de liberdade e a questão da sua aplicabilidade nos dias
atuais.

PALAVRAS CHAVE:: penas privativas de liberdade; penas de prisão; medidas alternativas.


ABSTRACT

The alternative punishments to the prison noticed as a reality “in abstract” the Brazilian penal
right, but for they become an instrument punitive “in concrete”, not constituting mere utopia
juridical, indispensable is made that the institute is given prestige to by all the segments of the
society as operators of the right, deprived initiative, to can executive and the community's
members. Be pointed out that the novacio legis, will only conquer respect and credibility and
it will demonstrate your effectiveness if the social body to accompany your application,
execution and to verify of critical way, your flaws and virtues. Therefore, this work doesn't
intend to shimmer procedural subjects or to discuss pormenorizadamente the execution of
each one of the modalities of featherses, but to identify the current Penal Statute can promote
the reversion of the current criminality picture that settled down in the Brazilian society,
emphasizing the private feather of freedom and the subject of your applicabilityin the current
days.

KEYWORDS: Private featherses of freedom; Prison featherses; Alternative measures.


SUMÁRIO

INTRODUÇÃO.......................................................................................................................................................9
CAPÍTULO I – DAS PENAS...............................................................................................................................11
1.1 EVOLUÇÃO HISTÓRICA......................................................................................................................................11
1.2 TEORIA SOBRE A ORIGEM DA PENA...................................................................................................................13
1.2.1 TEORIAS ABSOLUTAS....................................................................................................................................13
1.2.2 TEORIAS RELATIVAS.....................................................................................................................................14
1.2.3 TEORIAS MISTAS..........................................................................................................................................16
1.3 CONCEITO DE PENA...........................................................................................................................................17
1.4 CARACTERÍSTICAS GERAIS DAS PENAS.............................................................................................................19
1.5 O LIMITE MÁXIMO DE DURAÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE..........................................................20
1.6 EXECUÇÃO DAS PENAS PRIVATIVAS DE LIBERDADE..........................................................................................21
1.7 OS REGIMES PRISIONAIS E O SISTEMA DE EXECUÇÃO PROGRESSIVA..............................................................22
1.7.1 REGIME FECHADO........................................................................................................................................22
1.7.2 REGIME SEMI-ABERTO..................................................................................................................................22
1.7.3 REGIME ABERTO...........................................................................................................................................23
1.8 QUESTÕES SUPERVENIENTES NA EXECUÇÃO DA PENA.....................................................................................24
1.8.1 EXAME CRIMINOLÓGICO...............................................................................................................................24
1.8.2 PROGRESSÃO DE REGIME..............................................................................................................................24
1.9 A EXECUÇÃO DAS PENAS PRIVATIVAS DE LIBERDADE NO BRASIL..................................................................25
1.10 CÁLCULO DO TEMPO DA PENA E DETRAÇÃO PENAL...................................................................................27
CAPÍTULO II – DAS PENAS ALTERNATIVAS.............................................................................................30
2.1 ORIGEM DO INSTITUTO DAS PENAS ALTERNATIVAS..........................................................................................35
2.2 CONCEITO E NATUREZA JURÍDICA.....................................................................................................................38
2.3 DAS PENAS ALTERNATIVAS E DAS PENAS SUBSTITUTIVAS – DISTINÇÃO........................................................42
2.4 MEDIDAS ALTERNATIVAS À PENA DE PRISÃO...................................................................................................45
2.4.1 PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS À COMUNIDADE...................................................................................................45
2.4.2 PENA DE INTERDIÇÃO TEMPORÁRIA DE DIREITOS.........................................................................................45
2.4.3 PENA DE LIMITAÇÃO DE FIM DE SEMANA.....................................................................................................45
2.4.4 PENA RESTRITIVA DE DIREITOS.....................................................................................................................45
2.4.5 PENA PECUNIÁRIA.........................................................................................................................................46
2.4.6 SUSPENSÃO CONDICIONAL DA PENA.............................................................................................................46
2.4.7 OUTRAS PROPOSTAS.....................................................................................................................................46
2.4.8 SUPERVENIÊNCIA DE DOENÇA MENTAL........................................................................................................47
2.4.9 A REMIÇÃO PELO TRABALHO.......................................................................................................................48
CAPÍTULO III – IMPORTÂNCIA DAS PENAS ALTERNATIVAS............................................................50
3.1 OBJETIVOS DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE E A REALIDADE ATUAL..........................................................50
3.2 A QUESTÃO DA RESSOCIALIZAÇÃO....................................................................................................................52
3.3 ABRANGÊNCIAS SOBRE A RE-INSERÇÃO SOCIAL...............................................................................................54
3.4 BREVES COMENTÁRIOS SOBRE OS DIREITOS DOS PRESOS................................................................................57
3.5 OS RESULTADOS NO DIREITO COMPARADO......................................................................................................59
3.6 TRANSAÇÃO PENAL E A CONCILIAÇÃO JUDICIAL NOS JUIZADOS CRIMINAIS...................................................61
CONSIDERAÇÕES FINAIS...............................................................................................................................64
REFERÊNCIAS......................................................................................................................................................67
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INTRODUÇÃO

Em seu registro mais remoto as penas eram aplicadas através de castigos corporais que
agrediam fisicamente o agente infrator. Posteriormente, com a Lei de Talião, mesmo
causando sofrimento ao homem, a punição ganhou o aspecto da proporcionalidade. Por fim, a
privação da vida e os castigos físicos deram lugar à privação da liberdade, que se consagrou
como a principal modalidade punitiva até as últimas décadas. É inegável, portanto, que a pena
sempre existiu entre os homens, inicialmente, como mera vingança de ordem privada e,
posteriormente, como um instrumento público garantidor da soberania e da ordem social.
Desde o início das relações humanas, nas mais remotas eras, o respeito às regras
comunitárias tornou-se um imperativo, ensejando a preservação do interesse comum. Assim,
cada indivíduo passou a ceder parte de seus objetivos pessoais para compor as regras de
convivência, permitindo, em contrapartida, que fosse punido ao infringir estas normas,
prevalecendo o bem geral sobre o individual. Destarte, essas regras evoluíram com a história
visando atender às necessidades das relações humanas e impulsionaram a adaptação gradativa
dos ordenamentos jurídicos e das modalidades punitivas, embora tenham permanecido os
conflitos em torno da finalidade e eficácia das punições.
Ressalte-se que as penas sempre tiveram como objetivo principal o castigo ao mal
praticado pelo individuo delinqüente. Contudo, o senso crítico de juristas, filósofos e
pensadores do direito, proporcionou a evolução desta tendência punitiva, diagnosticando a
crise de modalidades punitivas e gerando a possibilidade para que novas formas de punir
surgissem. Neste contexto, da mesma forma que a pena de morte e os castigos físicos foram
superados em determinado momento histórico pela pena de prisão, esta também tem sido
objeto de questionamento desde o início do século, pois tornou-se ineficaz na contenção da
criminalidade.
A crise da pena de prisão é observada de maneira transparente através do caos do
sistema penitenciário, pois os estabelecimentos prisionais estão sempre superlotados,
estimulam a violência e não reabilitam o detento para viver novamente em sociedade.
Evidencia-se assim que a prisão não reabilita, mas corrompe, sendo inadiável e necessária à
mudança estrutural no direito penal vigente, revendo-se as modalidades sancionatórias
previstas nos estatutos repressivos pátrios.
Na maioria das vezes o cárcere acentua o perfil criminológico do condenado,
tornando-o mais perigoso à sociedade do que na ocasião de sua prisão. Assim, a remessa de
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um cidadão à prisão com o ensejo exclusivo de atender o desejo de um Estado afoito em


punir, acaba por representar um temor e uma falta de compromisso com o futuro do
condenado e da própria sociedade.
Em consonância com essa preocupação, os ordenamentos jurídicos penais estão sendo
motivados a acolherem a aplicação de penas e medidas não-privativas de liberdade, seguindo
as tendências dos diplomas internacionais como a Declaração dos Direitos do Homem e as
Regras de Tóquio, que visam resguardar o respeito à dignidade humana do individuo que
transgride as leis.
No entanto, não se pode negar que a dificuldade de ruptura com o passado punitivo é
impulsionada pela resistência, pois durante toda a história da pena sua conotação foi
puramente repressiva e qualquer modificação neste propósito acaba por incidir em um
prejulgado descrédito, face o temor e às expectativas dos resultados que serão alcançados.
Os princípios norteadores da aplicação das penas alternativas, não elidem o ideal
correcional da pena, porem agregam à resposta penal a possibilidade de reabilitar e
ressocializar o infrator para que ele retorne ao seio da sociedade. Da mesma forma a
experiência registrada pelos países pioneiros na aplicação das penas alternativas à prisão
demonstram que elas constituem instrumentos contentores da criminalidade muito mais
eficazes que a segregação.
Pelos fundamentos articulados e pela decadência que se encontra as penas privativas
de liberdade, as penas alternativas merecem uma análise aprimorada, pois se apresentam
como uma perspectiva real para substituir, paulatinamente, a falida pena de prisão. Assim,
pretende-se constatar sua viabilidade para reverter o caótico sistema punitivo vigente, uma
vez que qualquer medida que supere a aplicação da pena de prisão deve ser prestigiada, pois
seguramente não proporcionará males mais severos que os oriundos da prisão.
Com todo normativo jurídico diante das penas privativas deveriam se redirecionaram
aos objetivos da punição Estatal, deixando de ensejar o castigo para pugnar pela reabilitação
do delinqüente. De outro lado, o novo Estatuto Penal tornou-se alvo de inúmeras críticas,
notadamente no que diz respeito a sua incidência em legislações especiais, como a Lei dos
Juizados Especiais e Crimes Hediondos, que serão observados oportunamente.
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CAPÍTULO I – DAS PENAS

1.1 Evolução Histórica

Muito se fala sobre a problemática da origem das penas e do direito de punir do


Estado.
Discute-se acerca das teorias sobre a origem das penas, com posições algumas
extremadas e outras buscando uma junção dos dois lados da moeda para formar uma nova
doutrina sólida e que sirva como base para a verdadeira origem das penas.
Como já aludido, o direito de punir emanou da vida comunitária, pois para que a paz e
o interesse da maioria fossem preservados criaram-se as regras comuns de convivência e a
conseqüente punição ao agente infrator.
Não obstante o conceito de pena nunca tenha gerado grandes discussões, sua
finalidade foi uma preocupação constante na história do direito penal, provocando o estudo de
juristas e filósofos em seu tempo. Em suma, em seu percurso histórico a pena sofreu um
processo de evolução simultâneo às modificações das relações humanas e, constatando que a
punição com a pretensão exclusiva de castigar o infrator e vingar o mal por ele praticado
sempre culminou em crise modificou-se a tendência penal estritamente repressiva.
Na Antigüidade a pena impunha sacrifícios e castigos desumanos ao condenado e, via
de regra, não guardava proporção entre a conduta delitiva e a punição, prevalecendo sempre o
interesse do mais forte.
Com a Lei de Talião, registrada pelo Código de Hamurabi, em 1680 a.C., mesmo que
de forma insuficiente, estabeleceu-se a proporcionalidade entre a conduta do infrator e a
punição, consagrando a disciplina de dar vida por vida, olho por olho e dente por dente.
Surgiu assim a equivalência entre a ofensa e o castigo penal, porém as penas continuavam
avassaladoras, públicas e degradantes, prevalecendo a infâmia, as agressões corporais e a pena
de morte.
Superado este momento histórico, a pena que inicialmente era de ordem privada foi
remetida à esfera pública, com o ensejo de garantir a segurança e os interesses do próprio
Estado.
A privação da liberdade começou a ser utilizada, para preservar os réus até os
julgamentos definitivos, sem conotá-la como sanção penal autônoma, permanecendo a
punição com intenso teor vingativo, impondo-se de maneira severa e capital ao acusado.
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Neste sentido, castigos como amputação de membros, guilhotina, forca, eram exibidos à
população na forma de espetáculo, para servir de exemplo intimidativo.
Porém, esta situação nunca gerou aceitação entre os homens, como destaca Foccault
(1977, p.58):

[...] assim, não havia aceitação pública, pelo caráter de espetáculo da execução das
penas, sendo que as pessoas eram estimuladas e compelidas a seguir o cortejo até o
local do sacrifício, e o preso era obrigado a proclamar sua culpa, atestar seu crime e
a justiça de sua condenação.

Posteriormente, a punição ganhou uma conotação de vingança e de castigo espiritual,


acreditando-se que através dela poderia se aplacar a ira divina e regenerar ou purificar a alma
do delinqüente, cometendo-se todas as atrocidades e violências em nome de Deus.
Durante a Idade Média, a punição foi inspirada pelos Tribunais de Inquisição, período
em que a pena ensejava o arrependimento do infrator. Assim, criou-se a oportunidade para
que a Igreja massacrasse seus hereges com suplícios cruéis, como a fogueira, estrangulamento
e outras variadas formas de tortura. A única e isolada progressão da pena neste momento
histórico deve-se ao fato de que os Tribunais Inquisitórios instituíram um processo sumário
para proferir o julgamento, embora não fosse permitido o princípio do contraditório e o direito
de ampla defesa.
A crueldade e os absurdos do direito penal somente foram contrariados com o
Movimento Humanitário, liderado por ideais de pensadores como John Haward, Jeremias
Bentham e Cesare Bonesana, chamado de Marquês de Beccaria, que tornou-se um símbolo da
reação liberal ao desumano panorama penal então vigente, constituindo o pilar desta vertente.
Os ideais revolucionários deram base ao direito penal moderno e a Declaração dos Direitos do
Homem e do Cidadão, na Revolução Francesa.
Além dos ideais liberais que norteavam o período, outros motivos estimularam a
aplicação da prisão como pena autônoma, suprimindo a pena de morte e os suplícios à
integridade física do homem.
O aumento da criminalidade por toda Europa em razão das guerras e do aumento da
urbanidade, gerou um vulto de pobreza e violência e, com o conseqüente aumento da
delinqüência, a pena de morte tornou-se insuficiente e inadequada, ocasionando a
conveniência da aplicação de penas privativas de liberdade. Assim, a pena de prisão
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solidificou-se como principal modalidade punitiva, embora a sua execução permanecesse


primária e desumana.
Outrossim, no início do século XIX, a pena de prisão mostrou-se um meio adequado
para reformar o individuo delinqüente, constituindo uma evolução para época, mas nas
últimas décadas sua eficiência não tem proporcionado resultados tão otimistas.
Aliás, este panorama negativo já era esperado, pois o cárcere é a antítese da sociedade
livre, atua de forma antinatural conduzindo à criminalidade. Em virtude disso, assim como
ocorreu com a pena de morte e outros suplícios, a falência da pena de prisão foi inevitável,
uma vez que além de não frear a delinqüência dá oportunidade a desumanidades e estimula a
reincidência delitiva.
Diante disso, a história mais recente registra uma nova reflexão em torno da punição,
surgindo uma manifesta preocupação dos pensadores do direito penal em associar a punição à
efetiva reabilitação do ser humano, através de sanções que não privem a liberdade do
condenado. Esse objetivo encontra-se respaldado na constatação de que o cárcere proporciona
a perda das referências de uma vida saudável em coletividade, por impor um cotidiano
monótono, estático e privado dos estímulos positivos.
Assim, as preocupações dos dias atuais visam adequar as modalidades punitivas à
tendência moderna do direito penal, priorizando a reabilitação intrínseca do delinqüente e a
preservação de sua dignidade, uma vez que as punições que agiram extrinsecamente,
agredindo e castigando os condenados, trouxeram apenas resultados negativos.

1.2 Teoria sobre a origem da pena

Vejam-se, então, algumas das teorias formuladas pela doutrina, sob o nome de Escolas
Penais, que surgiram na tentativa de explicar a origem e finalidade das penas no decorrer da
evolução histórica das civilizações.

1.2.1 Teorias absolutas

As teorias absolutas ou teoria da retribuição, para Noronha (1973, p.211), “fundam-se


numa exigência de justiça, ou seja, pune-se porque se cometeu crime (punitur quia peccatum
est)”. E prossegue o mesmo autor, para concluir que os que defendem essa escola negam elas
fins utilitários à pena, que se explica plenamente pela retribuição jurídica. É ela simples
conseqüência do delito: é o mal justo oposto ao mal injusto do crime.
Esta teoria que merece apreciação é fundamentada no princípio de que a pena deve ser
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aplicada mesmo que desnecessária ao bem social, uma vez que serve como instrumento
propagador da justiça, tornando sublime os dizeres: punitur quia peccatun est, ou seja, pune-
se porque cometeu crime.
Neste entendimento consigna que o criminoso deve ser punido meramente por ter
infringido a lei penal, sem que se leve em consideração, a utilidade desta pena para o
delinqüente ou para a sociedade. Apregoa assim que a pena é um mal justo que deve ser
aplicado a um mal injusto, malum passionis quod inflingitur ob malum actionis, independente
de seu caráter divino, moral ou jurídico.
É a pena quem restabelece a ordem jurídica lesada pelo crime. Não possui ela nenhum
fim utilitário, para os adeptos desta teoria, que tem expoentes como o filósofo Kant, Hegel,
Bekker, Stahl, etc. Sem sucesso, procuravam eles não confundir esta retribuição com castigo,
ora atribuindo-a um caráter divino (Bekker e e Stahl), ora moral (Kant), ora jurídico (Hegel e
Pessina). A teoria vingou na Escola Clássica, porém, a ausência de preocupação com a pessoa
do infrator, como anota Manoel Pedro Pimentel, foi o ponto fraco da referida Escola, que a
tornou vulnerável às críticas mais sérias.
Como não poderia deixar de ser, esta teoria foi criticada sob o argumento de que é
impossível eliminar o mal do delito com o mal da pena, considerando que o retribucionismo
nunca é proporcional ao dano causado pelo delito. Outros argumentos foram ainda
articulados, aduzindo que a teoria retributiva apenas pune o delito praticado, mas não previne
para que ele não volte a acontecer, contrariando a disposição nemo prudens punit quia
peccatum est sed ne peccetur, ou seja, nenhuma pessoa responsável castiga pelo pecado
cometido, mas, sim para que não se volte a pecar.
Peca, então, por não atribuírem a pena qualquer finalidade a pena imposta ao
delinqüente. Ao conceberem-na, unicamente, como retribuição ao injusto cometido. Assim o
fazendo, acabam por apenas trocar um mal por outro, o que não pode ser admitido pelo
direito.
Tanto é que Mirabete (2001, p.244) explanou que “a ausência da preocupação com a
pessoa do infrator, como acentua Manoel Pedro Pimentel, foi o ponto fraco da referida escola,
que a tornou vulnerável às críticas mais sérias”.

1.2.2 Teorias relativas

Teorias relativas segundo Noronha (1973, p.211) são as teorias, ou escolas, que
“procuram um fim utilitário para a punição.” Para essas, chamadas utilitaristas, o delito não é
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causa da pena, mas ocasião para que seja aplicada.


O crime não é a causa da pena, mas a ocasião para ser aplicada. À pena era dado um
fim exclusivamente prático, em especial o da prevenção. Era uma intimidação para todos, ao
ser cominada abstratamente, e para o criminoso, ao ser imposta no caso concreto. Sendo o
Estado a convivência humana de acordo com o Direito e sendo o crime a violação do Direito,
o Estado deve impedi-lo através da coação psíquica (intimidação) ou física (segregação), já
dizia o precursor do Positivismo, Feuerbach. Como ele, Romagnosi, Jeremias Bentham e
Beccaria advogavam que a pena só poderia ser aplicada em razão de sua utilidade.
Diziam que a pena é um mal tanto para o indivíduo, que a ela é submetido, quanto
para a sociedade, que se vê privada de um elemento que lhe pertence, mas se justifica pela sua
utilidade.
Logo, a finalidade da pena seria, assim, a prevenção geral, quando intimida a todos os
componentes da sociedade, e a prevenção especial, ao impedir que o delinqüente pratique
novos crimes, corrigindo-o. Acentuava-se que o fim da pena deveria ser a readaptação do
criminoso ao convívio social. A sanção seria um meio de defesa social adaptado à
personalidade do delinqüente. Chegando-se a sustentar não ser necessária a punição quando se
tivesse a certeza moral de que o delinqüente não reincidiria.
Essa segunda teoria que merece ser prestigiada, também conhecida como teoria da
prevenção, fundada no ideal de inibir o surgimento de outros delitos incutindo temor geral
pela repressão punitiva. Segundo ela, a punição deve ter caráter de prevenção geral, coagindo
psicologicamente a sociedade através da intimidação e impondo respeito ao Direito. Por outro
lado, visa atender a prevenção específica, ressocializando e reabilitando as pessoas que
chegaram a delinqüir.
Prima, essa escola, por uma pena que tenha dois fins ligados entre si: a prevenção
geral e a particular. De modo geral, busca, de forma mediata, incutir na mente dos
delinqüentes em potencial, a idéia de que, se cometerem o ilícito, serão punidos, buscando
fazer com que deixem os hábitos delitivos caírem ao esquecimento.
Para Mirabete (2001, p.245), “o fim da pena é a prevenção geral, quando intimida
todos os componentes da sociedade, e de prevenção particular, ao impedir que o delinqüente
pratique novos crimes, intimidando-o e corrigindo-o”.
Porém pauta-se muito no ideal apenas finalístico da pena, deixando a certa margem o
caráter retribuição que, ainda hoje, não pode ser tido como imprescindível às penas, no
estágio em que se encontra a sociedade.
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1.2.3 Teorias Mistas

Num terceiro passo evolutivo eis que surge a chamada teoria mista, tentando a solução
das falhas anteriores através da conjugação dos fatores positivos atribuídos às duas correntes
já mencionadas.
Essas teorias são marcadas pelo endereço retributivo, sendo a pena,
concomitantemente, um meio de educação e de correção. O caráter intimidatório é
característica conjuntural. Essas teorias fundem as duas correntes anteriores, sendo o apelo
das legislações e posições dogmáticas modernas.
A pena, por sua natureza, é retributiva, tem seu aspecto moral, mas sua finalidade é
não só a prevenção, mas também um misto de educação e correção. Objetiva a pena
transformar o criminoso em um “novo homem”, respeitador da ordem social e da lei, de sorte
que a eficácia da pena está em relação direta com a estatística da reincidência.
Falando do ideal finalístico da pena, como prevenção geral e particular, não se olvidou
de enfatizar o caráter retributivo que esta carrega. Também chamada teoria eclética pela
doutrina penal clássica, através dela passou-se a entender que a pena, por sua natureza, é
retributiva, tem seu aspecto moral, mas sua finalidade é não só a prevenção, mas também um
misto de educação e correção.
Escreve Mirabete (2001, p.245) que “segundo tal orientação, a pena deve conservar
seu caráter tradicional, porém, outras medidas devem ser adotadas em relação aos autores de
crimes, tendo em vista a periculosidade de uns e a inimputabilidade de outros”.
Eis, então, a solução de não se olvidar da retribuição da punição, como característica
intrínseca, mais não deixar a margem, também, a finalidade preventiva que desempenha em
sua aplicação. Deve-se crer que esta é a maneira mais eficaz para a aplicação da penalidade,
pois que visa punir o infrator e prevenir a prática de novos delitos, bem como reeducar aquele
que está sofrendo a punição para não mais voltar a delinqüir.
Vale salientar que as disposições da teoria mista que reúne em seu contexto, os ideais
retributivos, da teoria absoluta e preventivo da teoria relativa. Estabelecendo que o legislador
deve estipular os bens jurídicos protegidos e fixar o quantum penal, devendo a pena ser justa e
proporcional, por traduzir a retribuição à culpabilidade do delinqüente.
Quanto à prevenção especial, é remetida à fase da execução penal, ressocializando o
condenado de maneira individualizada, tornando-se a pena um bem para o infrator e para a
sociedade.
Destaca ainda que, embora a pena constitua uma conseqüência forçada para conter a
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periculosidade do infrator e defender a sociedade, pode de forma simultânea, reabilitar


qualquer delinqüente. Este ideal foi relatado no Congresso de Petersburgo, em 1872 por
Goulart (1975, p.31): “[...] há delinqüentes incorrigidos e não incorrigíveis, pois depende
apenas do método de correção adequado à personalidade do sentenciado”.
Na legislação brasileira atual, a teoria mista é a que vige, embora seus objetivos de
prevenção geral e especial nem sempre sejam alcançados.

1.3 Conceito de pena

Inicialmente pena é a sanção aflitiva imposta pelo Estado, mediante um procedimento


sumário ou mediante ação penal, onde há os princípios do contraditório e da ampla defesa,
direito do delinqüente, autor de uma infração penal, como retribuição de seu ato ilícito,
violador da lei, consistente na medida coercitiva com forma de evitar-se novos delitos.
A pena tem característica de retribuição, de ameaça a um mal contra o delinqüente
devido a infração penal, evitando-se práticas reiteradas de tal comportamento.
As penas são fundadas em sentimentos de dor ao coração humano, que caso não seja
aplicado pela lei com a sanção penal, o é pelos princípios fundamentais da moral, onde pune-
se o sujeito, interiormente, quando subjetivamente não assume a prática delitual e não se
arrepende pelo comportamento ilícito em face da lei do homem, a origem de tudo.
Portanto, com evidências pelo homem do ilícito praticado e consciência de culpa que
ocorre devido a práticas delituais, verifica-se nos homens, a punição de consciência, quando
não superadas pelo arrependimento, mas que somente ao homem cabe punir-se interiormente
e exteriormente, quando da confissão as autoridades policiais.
Após a caracterização da evolução por que passou a teoria da origem das penas pode-
se chegar a uma conceituação, crendo-se que os relatos anteriores possam fornecer a base para
extrair-se a definição. Muitas são as conceituações trazidas pela doutrina clássica do Direito
Penal sobre as penas.
Jesus (2000, p.457) relata que: “pena é a sanção aflitiva imposta pelo Estado, mediante
ação penal, ao autor de uma infração (penal), como retribuição de seu ato ilícito, consistente
na diminuição de um bem jurídico, e cujo fim é evitar novos delitos”.
Conjugados estão aí os dois lados da moeda, a retribuição e a prevenção, sua
finalidade.
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Mirabete (2001, p.246), por sua vez, citando Luiz Vicente Cernicchiaro, escreveu que:

A pena pode ser encarada sobre três aspectos: substancialmente consiste na perda ou
privação de exercício do direito relativo a um objeto jurídico; formalmente está
vinculada ao princípio da reserva legal, e somente é aplicada pelo Poder Judiciário,
respeitado o princípio do contraditório; e teleologicamente mostra-se,
concomitantemente, castigo e defesa social.

Consagra a definição, além do conceito de pena, características de sua aplicação.


Respeita o contraditório, a reserva legal e, ainda mais, a duas vertentes da retribuição e
finalidade. A retribuição quando fala no castigo e a finalidade quando toca na defesa social. O
fim é também a defesa social, pois busca impedir a prática de novos delitos e coagir os
delinqüentes habituais a não mais manterem tal conduta.
Ao passo em que fala da privação de exercício do direito relativo a um objeto jurídico,
deve-se ter em mente a privação da liberdade, que faz seu direito de ir, vir e ficar livremente
ser atacado, ficando dele privado. Essa privação, porém, é legítima, pois aplicada por quem de
direito, o Estado, como forma, aqui, de retribuição ao mal injusto e grave que foi cometido e
merece reprimenda.
Noronha (1973, p.211) escreveu que:

A pena é retribuição, é privação de bens jurídicos, imposta ao criminoso em face do


ato praticado. É expiação. Antes de escrito nos Códigos, está profundamente
radicado na consciência de cada um que aquele que praticou um mal deve também
um mal sofrer.

E assim o fala para, mais adiante, escrever que “o binômio retribuição e prevenção
explica a pena. Ela não deixa de ser um mal, apesar da evolução que sofreu, porém, no estágio
atual, na civilização em que vivemos, é indispensável e imprescindível”. (NORONHA, 1973,
p.212)
E deve-se mesmo assim crer que a pena é uma sanção imposta pelo Estado, titular do
jus puniendi, e que consiste numa retribuição ao mal injusto praticado por aquele que sofre
essa punição. E também que é uma prevenção, geral quando dada a todos os indícios de sua
atuação em caso de cometimento de atos do mesmo escalão, particular, quando imposta
diretamente ao indivíduo delinqüente.
18

1.4 Características Gerais das Penas

As características aqui mencionadas, são as que se chamam na doutrina clássica de


caracteres.
Com acerto Noronha (1973, p.213) as enumera em três, das quais decorrem as outras,
a saber: a legalidade, a personalidade e a proporcionalidade.
E, falando sobre cada uma dessas características, escreve que:

A primeira reduz-se ao apotegma nulla poena sine lege. É a garantia suprema do


indivíduo contra o jus puniendi estatal. Não é só garantia, pois, se se assinala à pena
o fim intimidativo, é mister ser cominada em lei, é necessário seja conhecida. Sem
isso não poderá eficazmente intimidar os indecisos e vacilantes. A legalidade não
diz respeito, portanto, somente ao indivíduo, mais relaciona-se à prevenção geral, já
apontada.

A legalidade está prevista constitucionalmente, no artigo 5º, inciso XXXIX da


Constituição Federal de 1988, não podendo ser suprimido, sob pena de se atacar parte
fundamental da Carta Magna.
Mirabete (2001, p.246), ao dizer sobre a personalidade, escreve que essa “refere-se a
impossibilidade de estender-se a terceiros a imposição da pena. Por isso, determina-se que
nenhuma pena passará da pessoa do condenado” .
A personalidade é preceito de ordem constitucional a personalidade da pena, assim
como o é a legalidade, que não podem ser infringidos, sob pena de violarem garantias
fundamentais estabelecidas pela Magna Carta, o que levaria a ruína o Estado brasileiro.
Ao referir-se a proporcionalidade Noronha (1973, p.213) esboça com imensa clareza
essa característica. Escreveu, então, que: “em princípio, a pena deve guardar proporção com o
delito: não se punem, igualmente, o furto e o homicídio. O crime tem sua quantidade que
deve, de modo geral, ditar a quantidade da sanção”.
Mirabete (2001, p.246) acrescenta que:

A pena deve ser inderrogável: praticado o delito, a imposição deve ser certa e a pena
cumprida. Tal caráter também é suavizado em várias situações, conforme a lei penal.
São os casos da suspensão condicional, do livramento condicional, do perdão
judicial, da extinção da punibilidade, etc.
19

1.5 O Limite Máximo de Duração da Pena Privativa de Liberdade

O art. 75 da legislação penal vigente, fixa em trinta anos o máximo da pena privativa
de liberdade, restabelecendo o que dispunha o § 4°, do art. 66, do código penal de 1890: o
tempo de cumprimento das penas privativas da liberdade não pode ser superior a trinta anos.
O § 1°, do artigo citado acima, da atual legislação penal, dispõe: “quando o agente for
condenado a penas privativas de liberdade, cuja soma seja superior a trinta anos, devem elas
ser unificadas para atender ao limite máximo deste artigo”.
A hipótese do agente condenado por crime praticado durante o cumprimento da pena
está previsto no § 2.°: “sobrevindo condenação por fato posterior ao início do cumprimento da
pena, far-se-á nova unificação, desprezando, para esse fim, o período de pena já cumprido”.
Desta maneira, o código vigente evita que, nos casos de acumulação de penas, venha a
se produzir uma pena perpétua, que era o que ocorria durante a vigência do código de 1890.
Conforme disposição constitucional contida no art. 5º, XLVII, b, que versa: “não
haverá penas: b) de caráter perpétuo. Tal disposição tem se mantido nas constituições do
nosso país, até mesmo nos períodos de anomalia democrática”.
Deve-se analisar essa disposição em conjunto com o disposto no art. 5º, inc. XLIX: “é
assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral”. Se tivermos em consideração
que, hoje, é perfeitamente sabido, e, repetido, que um prolongado recolhimento de uma
pessoa numa prisão torna-se também todas as penas privativas de liberdade demasiadamente
prolongadas são sanções arruinadoras.
Permitir que uma pena de prisão se prolongue, irremissivelmente, por trinta anos, em
regime fechado e em condições institucionais sobejamente conhecidas, é exatamente o mesmo
que permitir a pena perpétua, tendo em vista a deterioração psíquica e física que sofre,
inevitavelmente, a pessoa. Não se trata de execução penal que tenha objetivos
ressocializadores, nem de melhoria, mas de deterioração irreversível e neutralizadora.
A nós parece que uma pena que traga como resultado a deterioração da pessoa como
meio de neutralizá-la é similar a uma pena mutilante, só que executada com bastante
paciência, deixando passar o tempo e o período de prisão. Parece-nos, de meridiana clareza,
não ser este o entendimento que se extrai do art. 5.°, XLVII, b, da Constituição, quando o
relacionamos com o inc. XLIX, ambos transcritos acima.
20

1.6 Execução das penas privativas de liberdade

O estudo da legislação de execução penal pertence ao direito penitenciário por


execução penal.
Chama-se regime penitenciário ao conjunto de normas que regulam a vida dos
reclusos, em estabelecimentos penais. Segundo Neuman (1971, p.126), “Por sistema
penitenciário, entende-se as diretrizes e elementos essenciais da execução das penas privativas
de liberdade”.
Os principais sistemas penitenciárias propostos, ao longo dos anos, foram os sistemas
celular ou filadélfico, o auburniano, o progressivo e o dos reformatórios.
O sistema celular ou filadélfico foi implantado na Filadélfia no século XVIII, e
consistia num absoluto isolamento do interno, porque considerava ser isso moralmente
benéfico, sendo complementado pela educação e assistência oferecidas pelo "visitador" do
preso. Suas conseqüências são nefastas, particularmente para a saúde psíquica do apenado.
O sistema auburniano, foi implantado em Auburn, Estado de Nova Iorque, no começo
do século XIX e consistia em isolamento celular noturno e trabalho diurno em comum, ainda
que mantida a regra do absoluto silêncio, sob penas severíssimas.
O sistema irlandês ou progressivo, foi introduzido pelo Capitão Maconochie, ilha de
Norfolk (próxima da Austrália) e, depois, por Walter Crofton, na Irlanda. Consistia na
aplicação do sistema celular durante uma primeira etapa, do sistema auburniano numa
segunda etapa, de trabalho ao ar livre numa terceira, e, por fim, uma quarta etapa de liberdade
condicional.
A passagem de uma etapa à outra dependia do comportamento do apenado, que ia
sendo premiado com um sistema de tíquetes.
O sistema dos reformatórios pertence mais ao direito do menor do que ao direito
penal, já que seus principais destinatários eram preferentemente adolescente e jovens adultos.
Trata-se de estabelecimento em que se procura a reeducação dos jovens, que neles ingressam
por tempo indeterminado. Foram famosos os de Elmira, nos E.U.A., e o Borstal, na Inglaterra.
Posteriormente a estes sistemas Clássicos, muitos outros foram propostos e tentados,
que, atualmente, são os mais difundidos no mundo.
Entre as instituições mais inovadoras, encontra-se a prisão aberta, etapa penitenciária
consistente na internação em uma estabelecimento desprovido de qualquer segurança física
para evitar fugas, a qual é substituída pelo desenvolvimento de motivações psicológicas, que
reforçam o sentimento de comunidade do grupo .
21

1.7 Os Regimes Prisionais e o Sistema de Execução Progressiva

Com a modificação do sistema de penas do Código Penal, efetuada pela Lei 6.416/77,
os condenados foram divididos, para efeito do cumprimento da reclusão e detenção, em
perigosos e não-perigosos. Os primeiros ficavam sujeitos sempre ao regime fechado, e os
outros podiam iniciar o cumprimento da pena em regime semi-aberto, quando imposta pena
até oito anos, ou passar a este após ter cumprido um terço em regime fechado quando
ultrapassasse esse limite. Podiam também cumprir a pena em regime aberto desde o início,
quando não fosse superior a quatro anos, ou após um terço ou dois quintos em outro regime
nas demais hipóteses.
São três os regimes prisionais: Fechado; Semi-aberto; e Aberto.

1.7.1 Regime Fechado

Segundo Mirabete (2001, p.255) no regime fechado:

A pena é cumprida em penitenciária (art. 87 da LEP) e o condenado fica sujeito a


trabalho no período diurno e a isolamento durante o repouso noturno em cela
individual com dormitório, aparelho sanitário e lavatório (art. 88 da LEP).

A Lei de Execuções nos artigos 88, parágrafo único, 89 e 90, estabelece as condições
mínimas da penitenciária. Infelizmente, no Brasil não há vontade política para implementar
essas condições, que são condenadas a não saírem do papel.

1.7.2 Regime semi-aberto

No regime semi-aberto, que não deixa de ser semi-fechado, a pena deve ser cumprida
em colônia agrícola, industrial ou similar. È catalogado na Lei de Execuções Penais nos
artigos 91 e 91.
Segundo Mirabete (2001, p.257):

A idéia de prisão semi-aberta apareceu na Suíça, com a construção da prisão de


Witzwill. O estabelecimento situava-se na zona rural, abrigando os sentenciados que
22

trabalhavam como colonos de uma fazenda, com vigilância muito reduzida e


confiando-se no sentenciado.

Pimentel (1983, p.142) aponta as vantagens da prisão semi-aberta: “O trabalho ao ar


livre, nos estabelecimentos semi-abertos, é muito gratificante para o preso, que assim retoma
o gosto pela vida e cultiva os benefícios da convivência social”.
Ocorre que a grande maioria dos criminosos provêm dos grandes centros urbanos, o
que levou o legislador a optar pela diversidade de estabelecimentos semi-abertos, incluindo os
industriais e similares. É permitido o trabalho externo que, contudo, é excepcional.

1.7.3 Regime aberto

No regime aberto, é realçada a autodisciplina e a responsabilidade do condenado, já


que cumpre sua pena sem qualquer vigilância, devendo trabalhar (externamente, como regra)
durante e dia e se recolher à noite.
Segundo Pacheco1, a origem mais remota da prisão aberta se deu em New York,
quando, em 1868, se fez a primeira experiência, através da probation system. Depois,
ingressou no Direito Britânico (1907), Belga (1915), Sueco (1918), Australiano (1920) e
Francês (1951).
Os artigos. 93/95 da Lei de Execuções Penais cuidam do estabelecimento adeqüado
para o regime aberto, chamado Casa de Albergado. Mais uma disposição que, infelizmente, a
vontade política brasileira relegou ao papel. O regime aberto é o último estágio antes da
reinserção total do indivíduo ao meio social.
Para que se determine o regime prisional, o legislador adotou o critério do mérito do
condenado, da quantidade da pena e da primariedade.2
É importante frisar que, muito embora o legislador trace uma escala no § 2° do art. 33,
a primeira leitura poderia levar o intérprete a concluir que, v.g., um réu condenado a quatro
anos de reclusão jamais poderia iniciar o cumprimento de sua pena no regime fechado, o quê
não é verdade, pois, o § 3° do mesmo artigo não deixa a menor dúvida de que a tabela anterior
é uma mera orientação, cabendo ao Juiz se ater às mesmas circunstâncias que teve de
percorrer na fixação da pena-base (circunstâncias judiciais) na hora de fixar o regime
prisional.
Assim, em um crime de furto, cuja pena cominada é de 1 (um) a 4 (quatro) anos, tendo

1 PACHECO, Wagner Brússolo. A prisão-albergue no Estado do Pará. RT 582/227.


2 vide art. 33 do Código Penal
23

o Juiz a fixado no máximo, é muito razoável que possua, igualmente, elementos para levarem-
na ao regime fechado, malgrada a aplicação pura e simples da tabela referida alhures sugerisse
o regime aberto.
O que a Jurisprudência tem rechaçado, com toda a razão, é o fato de o Juiz fixar a pena
no mínimo legal, este mínimo correspondendo, pela tabela, a regime mais brando, e fixá-lo de
forma mais severa. Ora, se não teve elementos para fazer com que a pena saísse do mínimo
legal, igualmente não o tem para adotar um regime mais severo, porquanto o § 3° do art. 33
do Código Penal atrela este àquela.

1.8 Questões supervenientes na Execução da Pena

1.8.1 Exame criminológico

Feito para a individualização da execução da pena, por uma comissão interdisciplinar,


prevista nos arts. 7º/9° da Lei de Execuções Penais, chamada Comissão Técnica de
Classificação. Individualizar, na execução, consiste em dar a cada preso as oportunidades e
elementos necessários para lograr a reinserção social, iniciando-se o processo com a
observação do condenado e sua classificação.3
Visa o exame a adequar a execução da pena privativa de liberdade à personalidade do
condenado, de modo que seja dado a cada condenado os benefícios possíveis segundo seus
méritos.

1.8.2 Progressão de regime

O próprio Código prevê vários mecanismos que têm por objetivo evitar o
encarceramento do condenado e, se assim tiver de ser, fazer com que ele passe o mínimo de
tempo possível na prisão. A progressão de regime é um desses mecanismos. A idéia é que o
réu inicie o cumprimento de sua pena em um regime e, segundo seus méritos, vá, aos poucos,
progredindo, passando a regime mais brando, como forma até de ir preparando o condenado
para, aos poucos, ser reinserido no convívio social.
Os doutrinadores críticos asseguram ser inconstitucional a vedação à progressão, por
arranhar o princípio da individualização da pena, que tem sede na Magna Carta. Ocorre que o
art. 5°, XLVI, estabelece que a lei regulará a individualização da pena.

3. PITOMBO, Sérgio de Moraes. Os regimes de Cumprimento de Pena e o Exame Criminológico. RT


583/313.
24

O constituinte entregou ao legislador infraconstitucional as regras sobre a


individualização da pena, e este decidiu recentemente pela progressão. Neste contexto, aliás,
diga-se que a própria Constituição, principiológica que é, destacou um tratamento mais
brando aos crimes hediondos e figuras equiparadas (art. 5°, XLIII), no que o legislador,
autorizado por ela, acompanhou seu espírito.
Recentemente, por seis votos a cinco, o Plenário do Supremo Tribunal Federal afastou
a proibição de progressão de regime nos crimes hediondos, reconhecendo a
inconstitucionalidade do parágrafo 1º do artigo 2º da Lei 8.072/90. O assunto foi analisado no
Habeas Corpus (HC) 82959 impetrado por Oséas de Campos, condenado a 12 anos e três
meses de reclusão por molestar três crianças entre 6 e 8 anos de idade (atentado violento ao
pudor).
Na prática, a decisão do Supremo, que deferiu o Habeas Corpus, se resume a afastar a
proibição da progressão do regime de cumprimento da pena aos réus condenados pela prática
de crimes hediondos. Caberá ao juiz da execução penal, segundo o Plenário, analisar os
pedidos de progressão considerando o comportamento de cada apenado – o que caracteriza a
individualização da pena.

1.9 A Execução das Penas Privativas de Liberdade no Brasil

O código regula a execução da pena privativa de liberdade, de conformidade com três


regimes já citados anteriormente: fechado, semi-aberto, aberto, esclarecendo que a pena de
reclusão deverá ser cumprida nos três regimes e a detenção nos regimes semi-aberto e aberto.
Todavia, a detenção pode ser cumprida em regime fechado se, após o início do seu
cumprimento, o detento, por sua conduta, regressa no regime progressivo, até o ponto de
tornar necessária a sua transferência para o regime fechado.
O código penal fala dos estabelecimentos onde devem ser cumpridas as penas:
estabelecimentos de segurança máxima ou média; colônias agrícolas, industriais e ou
similares; casas de albergado e similares.
Os estabelecimentos de segurança máxima ou média, são destinados ao regime
fechado, sendo denominados de penitenciária pela lei de execução penal, lá alojando-se em
cela individual, com seis metros quadrados de área mínima.
O regime semi-aberto é cumprido em colônias, local onde os apenados são alojados
coletivamente. O regime aberto é cumprido em casas de albergado, em imóvel que deve
situar-se em centro urbano, e caracterizar-se pela ausência de obstáculos contra a fuga.
25

O § 2.° do art. 33 do CP estabelece que a execução penal deve ser feita de modo
progressivo, segundo o mérito do condenado.
Portanto, o condenado a pena superior a oito anos deverá começar o cumprimento de
sua pena em regime fechado; o condenado não reincidente, com pena não superior a quatro
anos, poderá começar o cumprimento de sua pena em regime aberto, mas o condenado a pena
superior a quatro anos e não superior a oito, se não for reincidente, poderá iniciar o
cumprimento de sua pena em regime semi-aberto.
Isto indica que o reincidente deverá sempre iniciar o cumprimento de sua pena em
regime fechado, e, nos demais casos, é o juiz quem fixará o regime em que o condenado
deverá cumpri-la, em conformidade com as regras estabelecidas para a individualização da
pena.
A transferência do condenado depende da sua conduta que decorre, em boa parte do
cumprimento das obrigações disciplinares estabelecidas.
As faltas graves estão fixadas no art. 50, da Lei de Execução Penal: incitar ou
participar em movimento para subverter a ordem ou a disciplina; fugir; possuir,
indevidamente, instrumento capaz de ofender a integridade física de outrem; provocar
acidente de trabalho; descumprir os deveres de obediência ao servidor e respeito para com
qualquer pessoa com quem deve relacionar-se e não executar o trabalho, as tarefas ou as
ordens recebidas.
Segundo Bitencourt (1999, p.483):

Além da importância que estas faltas graves têm para a regressão no regime, que é a
transferência de um regime para outro mais rigoroso, determinam sanções, sendo as
mais graves a suspensão de alguns direitos e o isolamento celular, por tempo não
superior a trinta dias, que deverá ser sempre comunicado ao juiz da execução. A lei
proíbe sanções coletivas e o emprego de cela escura.

Nos regimes fechado e semi-aberto, o condenado é obrigado ao trabalho durante o dia,


com repouso noturno isolado no primeiro e comum no segundo. O trabalho externo, isto é,
fora do estabelecimento prisional, em obras públicas, é admissível no regime fechado e o é
amplamente no regime semi-aberto, que também autoriza a freqüência a cursos supletivos
profissionalizantes, de instrução de segundo grau e superior.
O artigo 36 da Lei de Execução Penal regulamenta o regime aberto dessa forma o
regime aberto baseia-se na autodisciplina e senso de responsabilidade do condenado. O § 1o
26

dispõe que o condenado deverá, fora do estabelecimento e sem vigilância, trabalhar,


freqüentar curso ou exercer outra atividade autorizada, permanecendo recolhido durante o
período noturno e nos dias de folga.
Em todos os casos, o trabalho do condenado deverá ser remunerado, sendo-lhe
garantidos os benefícios da previdência social, conforme reza o artigo 39 da referida lei. No
entanto, o trabalho do preso não está submetido ao regime da Consolidação das Leis do
Trabalho (art. 28).
O salário não pode ser inferior a três quartos do salário mínimo, de acordo com o art.
29, da lei de execução, mas o conteúdo deste artigo não deixa de ser contraditório, porque
determina uma distribuição do salário do condenado que é inadequada pela quantia que o
preso recebe.
Conforme o § 1o, o produto do trabalho deverá atender: à indenização pelos danos
causados pelo crime, desde que determinado judicialmente e não reparados por outros meios;
à assistência familiar; às pequenas despesas pessoais; ao ressarcimento ao Estado pelas
despesas realizadas com a sua manutenção, em proporção a ser fixada e sem prejuízo da
destinação prevista nas disposições anteriores; e o § 2o, de uma maneira pouco
compreensível, dispõe que ressalvadas outras aplicações legais, será depositada a parte
restante para constituição do pecúlio, em caderneta de poupança, que será entregue ao
condenado quando posto em liberdade.
A lei de execução permite o trabalho em entidade privada, mediante prévio
consentimento expresso do preso.
As decisões mais importantes sobre o regime prisional, de acordo com a lei de
organização judiciária, estão afetadas ao juiz da execução da pena, que poderá ser o próprio
juiz prolator da sentença, ou um juiz de execução penal especial, conforme reza o artigo 65 da
Lei de Execução Penal.

1.10 Cálculo do Tempo da Pena e Detração Penal

Na pena privativa de liberdade, e também na medida de segurança, ocorre um


fenômeno chamado de detração penal, de acordo com o qual são computados nos seus prazos
o tempo de prisão provisória, no Brasil ou no estrangeiro, o de prisão administrativa e o de
internação em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico ou outro estabelecimento
adequado, conforme o disposto nos arts. 41 e 42 do Código Penal.
Detrair significa abater o crédito de. Detração é a dedução aritmética, na pena
27

privativa de liberdade ou na medida de segurança a serem cumpridas, do tempo já cumprido


de prisão administrativa ou do tempo já executado de prisão provisória (incluída a decorrente
de prisão temporária, da flagrância, da pronúncia e de decisão condenatória recorrível) ou do
tempo de internação em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico, e em qualquer caso de
tempo já cumprido no Brasil ou no estrangeiro.
Para o mestre Jesus (1993, p.463): “detração penal é o cômputo na pena privativa de
liberdade e na medida de segurança do tempo de prisão provisória ou administrativa e o de
internação em hospital ou manicômio”.
O CP disciplina a detração penal no art. 42:

Computam-se, na pena privativa de liberdade e na medida de segurança, o tempo de


prisão provisória, no Brasil, ou no estrangeiro, o de prisão administrativa e o tempo
de internação em qualquer dos estabelecimentos referidos no artigo anterior
(hospital de custódia e tratamento psiquiátrico ou, à falta, a outro estabelecimento
adequado).

Para a detração, importante é a noção de tempo. O tempo, para o homem, é uma


medida de duração. Dividindo-o, leva em conta o lapso de tempo passado, fluído, bem como o
lapso de tempo futuro.
Mas a sensação de se aproveitar bem ou mal o tempo divide os homens. Há muitos
rumos, conforme cada intuição, conforme cada opção filosófica da vida.
Há os que acreditam ser bem utilizado o tempo com estudo e trabalho, outros, no
entanto, com Tasso, sentem que perdido está todo tempo que em amor não se gasta.
Para os retribucionistas, a fim de se fazer justiça, só o lapso de tempo da pena imposta
ao condenado devia ser computado, com total desprezo dos dias, meses e anos que se
sucederam durante a custódia preventiva.
Prisão preventiva é aquela que se decreta em qualquer fase do inquérito policial ou da
instrução criminal, pelo juiz, de ofício, a requerimento do Ministério Público, ou do
querelante. De acordo com o artigo 312 a prisão preventiva poderá ser decretada como
garantia da ordem pública, por conveniência da instrução criminal ou para assegurar a
aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indícios suficientes da
autoria.
A prisão provisória é a que, conforme o art. 301, do código de processo penal, decorre
da prisão em flagrante feita por qualquer do povo, ou pelas autoridades policiais, quando
28

alguém é encontrado em fragrante delito, como também aquela que decorre da sentença de
pronúncia, nos processos cujo julgamento está ligado ao Tribunal do Júri.
Prisão administrativa é qualquer privação de liberdade determinada pela autoridade
competente, e que, conforme o art. 324, II, do CPP não admite a fiança.
Têm ocorrido dúvidas, tanto na doutrina como na jurisprudência, acerca do cômputo
do tempo em que a pessoa tenha sido submetida à prisão preventiva ou provisória por outro
delito.
Um critério antigo estabelecia que o tempo de prisão provisória computável era tão só
aquele que decorria do delito em que o individuo era condenado. Todavia, este critério, muitas
vezes, resulta arbitrário e injusto. Para resolvê-lo, o código de 1969 dispunha que se
computava o excesso de tempo, reconhecido em decisão judicial irreconhecível, no
cumprimento da pena por outro crime, desde que a decisão seja posterior ao crime de que se
trata.
O texto vigente nada diz a respeito, mas a lógica indica que quando uma pessoa esta
privada da liberdade, em razão de uma cautelar decorrente de um crime, e ao mesmo tempo
sujeita a processo por outro crime, sem estar neste submetida a uma cautelar, pelo outro sejam
coetâneos, total ou parcialmente, deve-se computar esse tempo na pena privativa de liberdade
fixada no processo em que não estava submetido a cautelar, se absolvido no outro. Segundo
Zaffaroni (1997, p.799), “Isto decorre do fato de que, em um momento, o sistema penal está
exercendo uma ação coetânea sobre a pessoa que, embora responda por dois delitos diversos,
estes não podem ser considerados inteiramente independentes, porque a pessoa é única”.
29

CAPÍTULO II – DAS PENAS ALTERNATIVAS

O ilustre professor de sociologia da Universidade de Oslo, Tomas Mathiesen, citado


por Dotti (1998, p.275), de forma magistral avalia a pena de prisão:

Se as pessoas realmente soubessem o quão fragilmente a prisão, assim como as


outras partes do sistema de controle criminal, as protegem de fato, se elas soubessem
como a prisão somente cria uma sociedade mais perigosa por produzir pessoas mais
perigosas, um clima para o desmantelamento das prisões deveria, necessariamente,
começar já. Porque as pessoas, em contraste com as prisões, são racionais nesse
assunto. Mas a informação fria e seca não é suficiente; a falha das prisões deveria
ser “sentida” em direção a um nível emocional mais profundo e, assim fazer parte de
nossa definição cultural sobre a situação.

Partindo-se desse pensamento, e na busca de um sistema de controle criminal com


punições alternativas suficientes para por fim à criminalidade, que é o objeto precípuo deste
trabalho, iniciaremos o estudo das penas alternativas, dissecando sobre sua origem, seu
conceito, natureza jurídica, pressupostos e condições de admissibilidade para aplicação de tais
penas pelo Direito Criminal, verdadeiro garantidor da paz social, que ainda concebe, o
encarceramento como efetivo meio de combate à criminalidade de pequeno ou médio
potencial.
A nova legislação penal ampliou o conteúdo da política criminal com o advento das
medidas alternativas, o que resulta do influxo de recomendações de Congressos Internacionais
e da legislação comparada.
As resoluções n.º 8 e 10 do VI Congresso da ONU encareceram a urgência na
aplicação das medidas alternativas, potenciando a reinserção social do delinqüente e a
formação especializada do pessoal do sistema penal. A Resolução n.º 1/83 do Conselho
Nacional de Política Criminal e Penitenciária dá especial ênfase à aplicação dessas duas
Resoluções (ALBERGARIA, 1996, p.47).
Destarte, observando as orientações das Regras de Tóquio, o Brasil, como signatário
daquele tratado, foi um dos primeiros países a editar um novo texto penal, buscando atentar
para os princípios e objetivos traçados pelo ordenamento internacional.
Assim, foi elaborada a Lei 9.714/98, a qual reformulou o conteúdo dos dispositivos
que tratam da aplicação das sanções, previstas na parte geral do Código Penal, sobejamente o
30

artigo 43 e seguintes.
A referida lei alargou o rol de penas restritivas de direitos, as quais achavam-se
previstas no texto constitucional, destacando-se a inserção das penas de prestação pecuniária e
perda de bens e valores.
Numa perspectiva de política criminal, a novel legislação visou sobretudo o
desencarceramento, isto é, buscou com a ampliação das penas restritivas de direitos evitar a
aplicação das penas privativas de liberdade.
É indiscutível que a pena de prisão em todo mundo, passa por uma crise sem
precedentes. A idéia disseminada anteriormente, de que a prisão seria a principal resposta
penalógica na prevenção e repressão ao crime, perdeu fôlego, predominando atualmente uma
dúvida sobre os resultados atingidos com a prisão tradicional.
Urge, pois, que encontremos uma solução intermediária que não privilegie o cárcere,
nem espalhe a idéia da impunidade. Parece-nos que esta solução se encontra exatamente nas
penas alternativas.
Segundo Gomes (1999, p.96), a lei que instituiu as penas alternativas, tem dentre
outros, os seguintes propósitos:

- Diminuir a superlotação dos presídios, sem perder de vista a eficácia preventiva


geral e especial da pena;
- Reduzir os custos do sistemas penitenciário;
- Favorecer a ressocialização do autor do fato pelas vias alternativas, evitando-se o
pernicioso contato carcerário, bem como a decorrente estigmatização;
- Reduzir a reincidência;
- Preservar, sempre que possível, os interesses da vítima.

É induvidoso que o cárcere deve ser concebido como última via para a problemática
da violência, pois não é, nunca foi e jamais será solução para a segurança pública de um povo.
É de Hulsman (1997, p.69) a seguinte afirmação:

Em inúmeros casos a experiência do processo e do encarceramento produz nos


condenados um estigma que pode se tornar profunda. Há estudos científicos sérios e
reiterados, mostrando que as definições legais e a rejeição social por ela produzidas
podem determinar a percepção do eu como realmente desviante e, assim, levar
algumas pessoas a viver conforme esta imagem marginalmente.
Nós vemos de novo diante da constatação que o sistema penal cria o delinqüente,
mas, agora, num nível muito mais inquietante e grave: O nível da interiorização pela
pessoa atingida do entiquetamento legal e social.
31

O próprio sistema carcerário brasileiro revela o quadro social reinante nesse país, pois
nele estão segregados os excluídos de toda ordem, basicamente aqueles indivíduos banidos
pelo injusto e selvagem sistema econômico no qual vivemos. As prisões estão repletas de
pobres, isso não é evidentemente uma mera coincidência. Ao contrário, o sistema penal,
repressivo por sua própria natureza atinge tão somente a classe pobre da sociedade. A sua
eficácia se restringe infelizmente à ela. As exceções que conhecemos apenas confirmam a
regra.
E isto ocorre, porque, via de regra a falta de condições mínimas de vida, leva o homem
ao desespero e ao caminho do crime, como também o levam a doença, a fome e a ausência de
educação na infância. Assim, aquele que foi privado durante toda sua vida dessas mínimas
condições, estaria mais propenso ao cometimento do delito, pelo simples fato de não haver
para ele qualquer outra opção. Há exceções, é verdade, como já dissemos anteriormente,
porém estas, de tão poucas, apenas confirmam a regra.
Aliás a esse respeito, há uma opinião bastante interessante de Karan (1993, p.89),
segundo a qual:

Hoje, como a duzentos anos, mantêm-se pertinente a indagação de porque razão os


indivíduos, despojados de seus direitos básicos, como ocorre com a maioria da
população de nosso país, estariam obrigados a respeitar as leis.

Ao longo dos anos, a ineficiência da pena de prisão na tutela da segurança pública se


mostrou de tal forma clara que chega a ser difícil qualquer contestação a respeito. É o que
revela a pesquisa feita pelo Ilanud (Instituto Latino Americano das Nações Unidas para
Prevenção do Delito e Tratamento), citado por Souza (2003, p.72) segundo o qual, “em
relação à reincidência, as penas alternativas apresentam índice de 12%, enquanto que para os
sentenciados que cumprem pena em regime fechado, a taxa se eleva para 47%”.
Há que se ressaltar ainda, que inúmeras são as vantagens das penas alternativas em
relação á prisão. Segundo dados da Secretaria da Administração Penitenciária do Estado de
São Paulo (Souza, 2003, p. 72) um condenado que presta serviços comunitários custa cerca de
R$ 60,00 por mês ao Estado. Já aquele que cumpre pena em regime fechado custa em torno de
R$ 620,00 mensais.
32

Querer, portanto, que a aplicação da pena de privação de liberdade resolva a questão


da segurança pública é desconhecer as raízes da criminalidade, pois de nada adiantam leis
severas, criminalização excessiva de condutas, penas mais duradouras ou mais cruéis, se não
são suficientes e adequadas para resolver o problema da criminalidade.
Por tudo isso, depara-se com uma realidade carcerária preocupante, onde encontram-se
abarrotadas as penitenciárias e presídios, continuando hodiernamente a receber um sem
numero de indiciados e processados ou condenados sem nenhuma estrutura para recebê-los.
Ao invés de lugares de ressocialização do homem, atuam como formadores de criminosos.
Por outro lado, seu retorno à sociedade, através da liberdade, ao invés de solução torna-se um
problema, pois os detentos de tal forma estigmatizados passam a ser reféns do seu próprio
passado.
Hoje, o homem que cumpre uma pena, quando deixa o cárcere, encontra diante de si a
triste realidade do desemprego, do descrédito e da desconfiança, restando-lhe poucas
alternativas. O mais provável é que se torne um ser destinado ao retorno ao crime e
conseqüentemente ao cárcere.
O modelo penal alternativo inegavelmente conta com enorme potencialidade
ressocializadora e reúne capacidade de servir de instrumento para a preservação da segurança
(prevenção do delito), sem necessidade de se recorrer à traumática pena de prisão, isto é, ao
encarceramento desnecessário do infrator. Traz vantagens para o autor do fato punível (que
não é segregado, separado da família, trabalho, etc.), para a vítima (porque desse modo abre-
se a perspectiva da reparação dos danos ou outros tipos de prestações) bem como para a
sociedade (que alcança a meta da segurança com menores custos e da prevenção do delito
com a alta redução da taxa de reincidência).
Espera-se, destarte, que a sociedade compreenda corretamente a extensão do novo
diploma legal, dando sua imprescindível contribuição para o incremento da aplicação e
execução das novas penas alternativas. Sobretudo, que os juizes venham a se sensibilizar,
suavizando uma posição tendencialmente inflexível que se constatou em relação à Reforma de
1984. Mesmo porque, para se alcançar as múltiplas e pretensiosas metas programadas é
evidente que todos (órgãos governamentais e não-governamentais, juízes, promotores,
comunidade, etc.) devem envidar esforços para encontrar instrumentos ágeis e eficazes de
controle e fiscalização das alternativas penais, sob pena de se desmoronar a tão almejada
prevenção do delito (geral e especial) e, em conseqüência, incluir uma linha humanitária, na
política criminal brasileira.
33

Nesse diapasão já afirmava, Beccaria (2002, p.43), em obra clássica escrita no século
XVIII:

Entre as penalidades e no modo de aplicá-las, proporcionalmente aos crimes é


necessário, portanto, escolher os meios que devem provocar no espírito público a
impressão mais eficiente e mais perdurável e igualmente, menos cruel no organismo
do culpado.

Acompanhando então esse ideário é que os legisladores brasileiros elaboraram a Lei


9.714/98, a qual inovou o art. 44 e seguintes do Código Penal brasileiro, promovendo
considerável elasticidade na aplicação das penas alternativas, demonstrando um interesse,
ainda que modesto, em promover a modernização do sistema penal. Tal ocorrência legislativa
veio realizar, conforme entendimento dos mais diversos doutrinadores, alterações nos
aspectos legais da individualização da pena ao estatuir novos critérios de substituição da
reprimenda por pena alternativa.
Acerca de tal inovação o Ministro Nelson Jobim (1996, p.53), então Ministro de
Estado da Justiça dissertou:

Mas, se infelizmente não temos, ainda, condições de suprimir por inteiro a pena
privativa de liberdade, caminhamos a passos cada vez mais largos para o
entendimento de que a prisão deve ser reservada para os agentes de crimes graves e
cuja periculosidade recomende seu isolamento do seio social. Para os crimes de
menor gravidade, a melhor solução consiste em impor restrições aos direitos do
condenado, mas sem retirá-lo do convívio social. Sua conduta criminosa não ficará
impune, cumprindo, assim, os desígnios da prevenção especial e da prevenção geral.
Mas a execução da pena não o estigmatizará de forma tão brutal como a prisão,
antes permitirá, de forma bem mais rápida e efetiva, sua integração social. Nessa
linha de pensamento é que se propõe, no projeto, a ampliação das alternativas à pena
de prisão.

Fragoso (1995, p.81), vem corroborando:

A tendência atual é no sentido de ampliar o catálogo das penas principais. Não só


permitindo substituir a pena privativa de liberdade, para a exclusiva aplicação da
multa, como também para imposição de outras sanções não privativas ou meramente
restritivas da liberdade. Essas penas têm a vantagem de manter o condenado
basicamente na comunidade, realizando as atividades laborativas normais.
34

Aparecem como substitutivos das penas curtas privativas de liberdade. Não é fácil
avaliar os resultados das medidas alternativas do encarceramento. Essa avaliação,
como sempre, é feita com critérios modestos, que têm por base a reincidência. É
óbvio que os custos são incomparavelmente menores. Nos países que mantêm
serviços de supervisão para liberados condicionalmente e para condenados
favorecidos com a suspensão condicional, estima-se que o custo dessas medidas é de
um décimo do que apresenta o encarceramento, podendo alcançar um trigésimo em
programas de trabalho. Pesquisas, tendo por base o critério da reincidência, revelam
que os programas comunitários não oferecem piores resultados do que a prisão.
Conhecendo-se os efeitos da pena privativa de liberdade, pode-se avaliar as
vantagens que advêm de qualquer solução que os evite.

Jesus (2000, p.56), entretanto, entende que:

Existe uma substancial diferença entre penas alternativas e medidas alternativas.


Aquelas são sanções de natureza criminal diversa da Prisão, como a multa, a
prestação de serviços à comunidade e as interdições temporárias de direito; estas por
sua vez são institutos ou instrumentos que visam impedir que ao autor de uma
infração penal venha a ser aplicada pena privativa de liberdade.

No tocante ao preceito da individualização da pena, o qual é recepcionado pelo art. 5º,


XLVI, da Carta Magna, este encontra ressonância perfeita no art. 59 do CP, que estabelece
que a pena, tendo como finalidade a repressão e prevenção do crime, deve ser aplicada nos
limites necessários para alcançar tal fim.
Há de se conjugar no momento da individualização da pena as circunstâncias legais e
judiciais. Nesse sentido, a observância e valoração do crime ante a efetiva repercussão social
do mesmo e conseqüente potencial danoso é de suma importância quando da análise da
possibilidade ou não de aplicação das penas alternativas.

2.1 Origem do instituto das penas alternativas

A pena de prestação de serviços à comunidade, não obstante alguns precedentes


remotos e erroneamente considerados como análogos – como os trabalhos forçados – é tida
como uma sanção das mais modernas, que propicia a adequação do ordenamento penal às
contemporâneas exigências de respeito aos direitos fundamentais do cidadão, este inserido no
contexto do Estado Democrático de Direito.
A moderna forma de prestação de serviços à comunidade, na realidade, difere
substancialmente das primeiras formas. É que aqui já não se trata de trabalhos forçados. A
35

versão presente prevê a voluntária submissão ao trabalho de tal forma que o condenado acaba
por evitar a custódia prisional.
Pode-se dizer que a origem da prestação de serviços à comunidade propriamente dita,
estaria na legislação penal dos países socialistas, como na Polônia, Hungria e Romênia, mas a
experiência pioneira partiu do Código Penal soviético, de 1926.
O trabalho corretivo evoluiu com formas diversificadas por todo o mundo. Por
exemplo, a pena de limitação de liberdade introduzida no Código Penal da Polônia, de 1969,
proveio do trabalho corretivo do Código Penal soviético, com uma base comum: o trabalho
pode ajudar a reeducação do condenado e ter um papel compensador em face da sociedade,
como observa Zielinska (ZIELINSKA, 1985, p. 73).
Desde o século XIX a privação da liberdade passou a ser a pena por excelência. No
entanto, ao atingir seu apogeu, dialeticamente, ocorre o prenúncio de sua decadência. Se no
início deste século se discutia como deveria ser a reclusão, se com ou sem isolamento
noturno, pouco tempo depois buscavam-se formas alternativas ao regime fechado, as quais se
manifestaram por meio de reflexões doutrinárias, resoluções de organismos internacionais e
primeiras realizações legislativas como as apontadas alhures.
Acerca do tema Bitencourt (1998, p.41) disserta:

As penas alternativas à privativa de liberdade são tidas como sanções modernas,


pois os próprios reformadores, como BECCARIA, HOWARD e BENTHAM, não as
conheceram. Embora se aceite a pena privativa de liberdade como um marco na
humanização da sanção criminal, em seu tempo, a verdade é que fracassou em seus
objetivos declarados. A reformulação do sistema surge como uma necessidade
inadiável e teve seu início com a luta de Von Lustzt contra as penas curtas de
liberdade e a proposta de substituição por recursos mais adequados.

Ante este novo desafio, qual seja, encontrar formas alternativas que propiciem a
reincerção e ressocialização do condenado, é que a Organização das Nações Unidas, a qual
tem na pessoa humana seu eixo principal de preocupação procurando sempre estimular os
Estados-membros a tratá-la sem nenhum tipo de discriminação, dedicou especial atenção à
situação do encarcerado.
Essa preocupação resultou na redação de Regras Mínimas sobre o tema, tendo o 8º
Congresso da ONU recomendado sua adoção, que ocorreu em 14 de dezembro de 1990, pela
Resolução 45/110, denominada por Regras de Tóquio, uma vez que coube ao Instituto da Ásia
e do Extremo Oriente para a Prevenção do Delito e Tratamento do Delinqüente aprofundar-se
36

e formular os primeiros estudos acerca do assunto.


Segundo Gomes (1999, p.22-23), “Estas regras tiveram a tradução e adequação para o
português realizada pelo nobre jurista Damásio Evangelista de Jesus, que ainda incluiu
comentários e notas em que faz um paralelo entre as Regras e a nossa legislação criminal”.
As Regras de Tóquio têm como seu objetivo fundamental promover o emprego de
medidas não privativas de liberdade. É bem verdade que tais regras não têm força coercitiva
no direito pátrio, mas deixa claro que a busca por alternativas à pena de prisão tornou-se, há
tempos, algo de extrema relevância no meio jurídico internacional.
O primeiro e essencial objetivo que se pretende alcançar com as penas e medidas
alternativas à prisão, é a redução da incidência da pena detentiva. A prisão deve ser vista
como a última medida do Direito Penal.
No que concerne ao direito pátrio, especificamente, à Lei 9.714/98, que alterou o
artigo 44 e seguintes do estatuto penal repressivo, esta veio ante a constatação pela
consciência jurídica de que, sob o prisma do atual sistema carcerário, torna-se inviável
reeducar alguém para a liberdade quando se encontra preso.
Em 1996 surgiu o Projeto de Lei n.º 2.686 para alterar o Código Penal. A exposição
dos motivos do Ministro da Justiça Nelson Jobim a respeito desse Projeto de Lei relatava a
necessidade de repensar as formas de punição do cidadão infrator, já que, a prisão, há muito
tempo, não é capaz de cumprir o principal objetivo da pena que é reintegrar o condenado ao
convívio social, de modo que não volte a delinqüir.
Posteriormente, vieram as emendas de Luiz Flávio Gomes e Damásio Evangelista de
Jesus a esse Projeto de Lei. Essas emendas visavam ampliar a aplicação das penas
alternativas. Finalmente, em 25 de novembro de 1998, surgiu a Lei 9.714/98, alterando os
dispositivos do Código Penal, ampliando consideravelmente as penas alternativas
substitutivas.
O novel diploma legal modificou os limites temporais, admitindo a substituição da
pena privativa de liberdade, concretamente aplicada, de até quatro anos, desde que presentes
os demais pressupostos de ordem objetiva e subjetiva.
Poder-se dizer, então, que de certa forma vem ocorrendo uma revolução legislativa,
haja vista os novos caminhos apontados pela Lei 9.714/98, e anteriormente com o advento da
Lei 9.099/95, todas de cunho essencialmente descarcerizante, com alternativas repressivas de
cunho reeducativo e ressocializador, promovendo, ainda, uma acentuada preocupação com a
própria vítima do delito ao possibilitar a reparação do dano como forma de extinção da
punibilidade, e ainda, que a condenação possa, em forma de prestação pecuniária, destinar-se
37

à reparação dos prejuízos suportados pela vítima ou seus familiares.

2.2 Conceito e natureza jurídica

De acordo com as regras de Tóquio, alternativas penais segundo Jesus (1999, p.28-29)
constituem:

[...] Sanções e medidas que não envolvem a perda da liberdade. Em todo seu texto a
expressão medida não privativa de liberdade refere-se a qualquer providência
determinada por decisão proferida por autoridade competente, em qualquer fase de
administração da justiça penal, pela qual uma pessoa suspeita, ou acusada de um
delito, ou condenada por um crime submete-se a certas condições ou obrigações que
não incluem a prisão. A expressão faz referência especial às sanções impostas por
um delito, em virtude das quais o delinqüente deva permanecer na comunidade e
obedecer a determinadas condições.

Segundo Capez (1999, p.346): “As penas alternativas constituem toda e qualquer
opção sancionatória oferecida pela legislação penal para evitar a imposição da pena privativa
de liberdade”.
No mesmo diapasão, comungando a idéia de que a pena privativa de liberdade é
ineficiente, Jesus (1999, p.57) nos dá o seguinte conceito:

Penas alternativas são sanções de natureza criminal diversas da prisão, como a


multa, prestação de serviço à comunidade e às instituições temporárias de direitos,
pertencendo ao gênero das alternativas penais.

Na lição de Julite Lemgruber citada por Jesus (1999, p.30), “as penas alternativas são
formas de punição diferentes do encarceramento”.
Afirma também Dotti (2000, p.286):

Diante do reconhecimento universal da crise das penas institucionais, os projetos e


códigos dos anos 70 vem consagrando a previsão de outras sanções que, embora
possam recortar a liberdade do condenado, não o afastam da sociedade. A prisão é
reservada para as espécies mais graves de ilicitude, ou, em outra hipótese, quando
dos antecedentes, a personalidade e a conduta social do agente recomendarem tal
providência.
38

No decorrer do trabalho, ficou comprovado, a ineficácia da pena privativa de liberdade


por não cumprir um de seus principais objetivos que é o da oportunidade da ressocialização,
devendo ser a última forma de penalizar o autor do delito, pois este tipo de pena somente nos
serve do ponto de vista jurídico para dar segurança à população ao deixar essa pessoa afastada
das ruas. Porque segundo Bittencourt (2000, p.174) “em momento algum o autor do delito
terá condições de voltar ao convívio na sociedade quando sair da prisão”.
Desta forma conclui-se pela necessidade da criação e a aplicação das penas
alternativas, pois traria vários benefícios para o sistema carcerário e para os autores dos
delitos. A aplicação destas penas reduziria o prazo de instrução criminal, permitiria
condenações em tempo aliviado e possibilitaria que os autores dos delitos cumpram outro tipo
de pena sem que seja a privativa de liberdade.
Com a Constituição Federal de 1988, em seu art. 1o está enumerado o rol de direitos e
garantias fundamentais. Entre eles em seu inciso III, temos o princípio da dignidade humana,
princípio norteador do Estado Democrático de Direito, que significa a possibilidade de
conferir-se a um ente, humano ou moral, a aptidão de adquirir direitos e contrair obrigações,
que seria o elemento aglutinador de todos os direitos fundamentais do cidadão.
Nesse contexto, em 1998, entrou em vigor a lei 9.714 que, modificando o Código
Penal Brasileiro, instituiu as popularmente conhecidas penas alternativas, que na verdade
configuram-se como penas substitutivas às penas privativas de liberdade. Assim são
denominadas porque servem para substituir as penas privativas de liberdade. Ou seja, ao invés
do condenado ir para a prisão, irá cumprir outro tipo de pena menos drástica para sua vida.
Ganha a sociedade porque consoante a opinião desta, as prisões são verdadeiras
“escolas do crime” e ganha o próprio condenado porque não perderá o vínculo com a sua
família, emprego e com os valores sociais. Lucra também o sistema penitenciário que terá
mais uma vaga para algum autor de delito mais perigoso.
No entanto para a aplicação das penas alternativas são necessários alguns requisitos,
ou seja, elas não beneficiam a qualquer criminoso. Na visão de Gomes (2003, p.127),

Alguns requisitos trazidos pelos incisos do artigo 44 do Código Penal Brasileiro, que
são divididos em requisitos objetivos: pena privativa fixada pelo Juiz não superior a
quatro anos; crime sem violência ou grave ameaça à pessoa; qualquer crime culposo;
e requisitos subjetivos: culpabilidade; antecedentes; conduta social; personalidade
do condenado; motivos e circunstâncias do crime.
39

Pode-se então dizer que constituem penas alternativas a prestação pecuniária, a perda
de bens e valores, a prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas, a interdição
temporária de direitos e a limitação de fim de semana. As penas alternativas trazem como
benefícios a aplicação prática das sanções alternativas, em primeiro lugar tem-se a redução
normal e social do condenado, o que a realidade nacional já demonstrou ser, pela via do
encarceramento, inviável.
Por outro lado permite que o condenado exerça ocupação lícita, aprendizado, lazer e
ao mesmo tempo, esteja em contato com pessoas estranhas à marginalidade acostumado às
condutas e normas de cidadania, o que protege o apenado do contínuo e isolando convivência
com marginais de toda espécie, fato que por si só, desvaloriza sua personalidade.
Bitencourt (2000, p.111) menciona que:

Não há dúvida que as penas alternativas, quando empregadas para prevenção e


repressão dos crimes de potencial ofensivo de baixa gravidade, têm maior utilidade
como meio de recuperação do criminoso, na medida em que conserva o autor do
delito no meio social, ao mesmo tempo em que expiando seu erro, através da pena
imposta, dá-se lhe o valor de membro útil à comunidade em que está inserido, como
agente de transformação social.

As penas alternativas não deixam no condenado o estigma de ex-presidiário, talvez o


maior mal que o Estado possa causar à pessoa, pela marca inapagável que essa qualidade
deixa, cerceando-lhe as oportunidades em todos os setores sociais.
Com a Lei nº 9.714/98 foi acrescentado ao Código Penal Brasileiro cerca de dez penas
substitutivas, tendo assim maior possibilidade de ocorrer à substituição das penas privativas
de liberdade. Para Bitencourt (2000, p.125):

Pode-se encarar essas substituições como um modo inteligente de se reduzir gastos,


pois quando determinada pessoa se encontra privada de sua liberdade apenas
contribui para o aumento de despesas, pois não trabalha, não produz e não continua
a se desenvolver em contato com a comunidade.

Diante o exposto conclui-se que as penas alternativas, como meio de substituição as


40

penas privativas de liberdade podem atingir várias metas como deixar os presídios menos
lotados sem colocar em risco a sociedade, recuperar o autor do delito para que ele possa ser
ressocializado e levar uma vida normal, e a que poderia ser tida como a mais importante, não
punir com penas privativas de liberdade os criminosos que praticam crimes de pouca
periculosidade porque ao ficar presos sofrerão influências dos criminosos mais perigosos,
dificultando ainda mais a ressocialização.
As penas alternativas visam prioritariamente a ressocialização do delinqüente,
aplicando-lhe a punição pelo delito praticado, sem mantê-lo encarcerado com criminosos de
alta periculosidade. Executam-se assim, medidas diversas das penas privativas de liberdade,
na busca de um sistema eficiente de controle criminal, pois, o encarceramento tem se
mostrado inútil, não reeducando os criminosos com o fim de integrá-los novamente à
sociedade, mas sim formando verdadeiros profissionais do crime de grande eficiência e
periculosidade.
Há uma diferença substancial entre penas e medidas alternativas. As penas alternativas
são sanções de natureza criminal diversas da prisão, como a multa, a prestação de serviços à
comunidade e as interdições temporárias de direitos. As medidas alternativas são instrumentos
que visam impedir a aplicação de uma pena privativa de liberdade ao autor de uma infração
penal, por exemplo, a suspensão condicional da pena.
As penas alternativas são autônomas, podem ser aplicadas independentemente da
aplicação das penas privativas de liberdade (reclusão, detenção, prisão simples), pois podem
ser aplicadas até mesmo antes do início da ação penal, ou seja, sem necessidade de processo
com oferecimento de denúncia, interrogatório, defesa prévia, instrução criminal, alegações
finais e condenação.
A lei 9.099/95 inovou, prevendo o benefício da transação penal, que é uma das
situações ou momentos em que se aplicam as penas alternativas depois de um processo
simplificado.
Capez (1999, p.346) entende que:

As penas alternativas só poderão ser aplicadas em substituição às penas privativas de


liberdade, fazendo-se então necessário a condenação com pena de detenção,
substituindo-as por restritivas de direito na mesma decisão, pois ele diferencia penas
alternativas e medidas alternativas, estas sim, seriam aplicadas a qualquer momento.
41

Porém, tal distinção é inócua, vez que a aplicação das penas restritivas de direito
sempre serão alternativas à pena privativa de liberdade, seja antes de iniciar o processo, seja
durante a instrução, seja no momento da condenação ou até mesmo na fase de execução,
desde que atenda os requisitos previstos em lei.
Pode-se concluir ainda que essas penas surgem como meio a modificar a estrutura do
sistema carcerário atual que vive uma grande crise, porque possibilita uma nova forma de
aplicação da pena, sem que seja a privativa de liberdade.

2.3 Das Penas Alternativas e das Penas Substitutivas – Distinção

Sabe-se que o artigo 44 do Código Penal foi modificado pela Lei 9714/98, que em
razão de entendimentos jurisprudenciais, admitiu a substituição de pena privativa de liberdade
por pena restritiva de direito e no caso de “sursis” cumprirem pena alternativa. A Lei 9099/95
criou a figura dos acordos ou transações para gerenciar juridicamente infrações de menor
potencial ofensivo.
A Lei no 9099/95 deu um grande passo para a modernização do Judiciário porque
atendeu ao princípio da mínima intervenção penal e, também, diminuiu a morosidade do
judiciário, além de criar novas penas aos crimes de menor potencial ofensivo.
Essa lei inaugurou uma nova fase no sistema penal brasileiro. Gomes (1997, p. 78)
relata que “Ela visa estabelecer uma política criminal individualizante, que permitisse desde
logo a exclusão do processo e de suas agruras em benefício do acusado, adotando também
uma lógica de responsabilização e reintegração do autor do delito”.
Necessária a distinção entre as penas substitutivas trazidas pela lei no 9714/98 assim
como seus pressupostos, dispostas nos artigos 43 e 44 do CP e as penas alternativas e seus
pressupostos trazidos pela lei no 9099/95 e ainda cabe aqui acrescentar algumas modificações
inseridas através da lei no 10259/01.
A lei 9714/98 trouxe a substituição das penas privativas de liberdade por restritivas de
direitos ou de multa, mediante a existência dos requisitos mencionados no art. 44 do Código
Penal. Neste caso o juiz aplica a pena privativa de liberdade para, então, diante da análise de
circunstâncias objetivas e subjetivas substituí-la por pena privativa de direito.
Como pressupostos objetivos tem-se os seguintes: em crime doloso, o juiz só poderá
conceder a substituição se a pena privativa de liberdade aplicada inicialmente não for superior
a quatro anos, com exceção da pena de prestação de serviços à comunidade ou entidades
públicas, estas só são admitidas quando a condenação for superior a seis meses, conforme
42

artigo 46, caput do Código Penal.


Segundo Mirabete (2001, p.277):

Tratando-se, porém de condenação igual ou inferior a um ano, por crime doloso ou


culposo, permite-se a substituição por pena de multa. Já no caso de crime culposo
será concedida a substituição por pena restritiva de direito qualquer que seja a
quantidade da pena aplicada.

Ainda como pressuposto objetivo, tem-se a proibição da substituição da pena, quando


se tratar de crime praticado com violência ou grave ameaça à pessoa, qualquer que seja a
quantidade de pena privativa de liberdade imposta. Embora não haja nenhuma vedação
expressa no Código Penal vigente, não será concedida a substituição quando se tratar de
crimes hediondos ou a ele equiparados, ainda que não cometidos com violência ou grave
ameaça à pessoa. (MIRABETE, 2001, p.278)
Além dos pressupostos objetivos tem-se os pressupostos subjetivos, que são
indispensáveis para a aplicação da substituição das penas privativas de liberdade pelas
restritivas de direitos ou multa. O primeiro deles é que o condenado não pode ser reincidente
em crime doloso, além desse pressuposto é necessário ainda que a culpabilidade, os
antecedentes, a conduta social e a personalidade do condenado, bem como os motivos e as
circunstâncias, indiquem que a substituição é suficiente.
Preenchidos os pressupostos acima citados, o juiz poderá então aplicar a substituição
pelas penas restritivas de direito ou multa, obedecendo as complexas regras que a lei prevê
para a escolha da pena substituta diante da espécie de crime e da quantidade da pena a ser
substituída.
Já a lei 9.099/95, trouxe para o Direito Penal, quatro medidas despenalizadoras, ou
seja, medidas penais ou processuais alternativas que procuram evitar a pena privativa de
liberdade. Que estão dispostas nos seguintes artigos: no art. 74 da lei acima citada, são
aplicadas nas infrações de menor potencial ofensivo de iniciativa privada ou pública
condicionada, havendo composição civil, que resulta extinta a punibilidade; no art. 76 da
mesma lei, não havendo composição civil ou tratando-se de ação pública incondicionada, a lei
prevê aplicação imediata de pena alternativa, restritiva ou multa, ou seja, transação penal; no
art. 88 as lesões corporais culposas ou leves passaram a exigir representação da vítima; e no
art. 89 os crimes cuja pena mínima não seja superior a um ano permitem a suspensão
43

condicional do processo.
Grinover (1997, p.38-39) menciona que:

Pelo menos em três dos quatro institutos citados, há o consenso, ou seja, a


conciliação. Com essas medidas despenalizadoras, ou alternativas, o Direito Penal
começa a adotar um novo modelo de justiça, chamado consensual, que visa a
utilização da pena privativa de liberdade como ultima ratio, ou seja, a última a ser
adota pelo sistema penal, devendo-se ampliar o rol das penas ou medias alternativas.

Dessas quatro medidas despenalizadoras citadas, a transação penal do art. 76, a


representação do art. 88 e a suspensão condicional do processo do art. 89, são de natureza
processual e penal, que produzem efeitos imediatos dentro da fase preliminar ou do processo e
que contam com reflexos diretos na pretensão punitiva estatal.
Essa lei traz em seu art. 61 o conceito de crime de menor potencial ofensivo, que são
infrações de menor gravidade, que vêm merecendo tratamento especial dos sistemas
legislativos. Para esta lei são considerados de menor potencial ofensivo, os crimes e as
contravenções penais a que lei comine pena máxima não superior a um ano.
No entanto a Lei 10259/01 ampliou o conceito de crimes ou contravenções de menor
potencial ofensivo, ao afirmar serem crimes de menor potencial ofensivo os crimes ou
contravenções em que a lei comine a pena máxima não superior a dois anos. Ou seja, o
legislador nessa lei, aumentou o limite da pena de um ano para dois anos.
Será indiferente a natureza dos crimes de menor potencial ofensivo, podendo ser
dolosa ou culposa, sua forma qualificada, simples ou privilegiada; será suficiente que a pena
cominada não seja superior a dois anos. Antes da vigência da lei acima citada, Bitencourt
(2003, P.579) relata que:

Nem todos os crimes referidos eram objeto dos Juizados Especiais Criminais, pois
era necessária a existência de uma condição negativa: inexistência de previsão de
procedimento especial, ou seja, somente os crimes que fossem processados e
julgados mediante o procedimento comum seriam julgados pelos Juizados Especiais,
exceto os crimes do Tribunal do Júri.

Desta forma conclui-se que diferenciam-se as penas substitutivas das alternativas na


medida em que as substitutivas, ou seja, as penas restritivas de direitos são aplicadas após
aplicação das penas privativas de liberdade como disposto no art. 44 do Código Penal e nas
44

penas alternativas as penas restritivas de direito são aplicadas diretamente como ocorre na
transação penal, conforme art. 76 da Lei 9.099/95.

2.4 Medidas Alternativas à pena de prisão

Reconhece-se que a prisão é um mal necessário, da qual não se pode abrir mão.
Todavia, reconhece-se, também, que este mal, podendo, deve ser evitado.
O próprio Código Penal apresenta algumas alternativas à pena de prisão, tais como: As
penas restritivas de direitos; Prestação de serviços à comunidade; Interdição temporária de
direitos; Limitação de fim de semana; A pena pecuniária e Multa.

2.4.1 Prestação de serviços à comunidade

A pena de prestação de serviços à comunidade consiste na atribuição de tarefas


gratuitas ao condenado junto a entidades assistenciais, tais como hospitais, escolas, etc., vindo
regulamentada no art. 46 do Código Penal, sendo certo que deve-se aproveitar as aptidões do
condenado, de modo a não prejudicar a jornada de trabalho normal (até porque seria difícil
aferir a aflição da pena). Sem dúvida, parece-nos a melhor de todas as penas, por estimular o
lado social do condenado, relegado quando de sua empreitada criminosa.

2.4.2 Pena de interdição temporária de direitos

A pena de interdição temporária de direitos, que vem regulamentada no art. 47 do


Código Penal, consiste na proibição do exercício de cargo, função ou atividade pública, bem
como de mandato eletivo, na proibição do exercício de profissão, atividade ou ofício que
dependam de habilitação especial, de licença ou autorização do poder público e na suspensão
de autorização ou de habilitação para dirigir veículo.

2.4.3 Pena de limitação de fim de semana

Já a pena de limitação de fim de semana, art. 48, consiste na obrigação de permanecer,


aos sábados e domingos, por cinco horas diárias, em casa de albergado ou outro
estabelecimento adequado, período no qual poderão ser ministrados ao condenado cursos e
palestras ou atribuídas atividades educativas.

2.4.4 Pena restritiva de direitos


45

Interessante anotar que essas penas, consoante art. 44 do Código Penal, não vêm
cominadas na parte especial e, em tese, sempre são aplicáveis, em substituição à pena
privativa de liberdade, nos termos colocados naquele dispositivo legal. v.g., qualquer pena
privativa de liberdade inferior a 1 (um) ano, presentes os demais requisitos (subjetivos), pode
ser substituía por pena restritiva de direitos. É uma grande alternativa à pena de prisão.

2.4.5 Pena pecuniária

Outra alternativa é a pena pecuniária, ou seja, a pena de multa, mormente a chamada


multa substitutiva, que se aplica independente de cominação na parte especial, substituindo a
pena privativa de liberdade aplicada em quantidade não superior a seis meses, na forma do art.
60, § 2°, do Código Penal.

2.4.6 Suspensão condicional da pena

Finalmente, cita-se a suspensão condicional da pena, o sursis, previsto nos arts. 77/80
do Código Penal. Aplicada pena privativa de liberdade que não pôde ser substituída, ainda
assim poderá sua execução ser suspensa, mediante a submissão do réu a determinadas
condições, que por ele têm de ser aceitas em audiência admonitória (art. 160 da LEP),
presentes, é claro, os requisitos objetivos e subjetivos contidos nos dispositivos do Código
Penal acima mencionados. A suspensão, logicamente, não alcança as penas restritivas de
direito e a pena de multa. Cumpridas todas as condições pelo período de tempo estipulado
(chamado período de prova) sem que tenha havido revogação, fica extinta a pena privativa de
liberdade (art. 82, Código Penal).

2.4.7 Outras propostas

Têm sido muito festejadas outras propostas de alternativa às penas privativas de


liberdade, como, por exemplo, a imposição ao condenado de entrega de cestas básicas a
entidades assistenciais. Artificialmente, fixa-se um valor à guisa de multa, convertendo-o in
natura. Isto vem sendo utilizado com sucesso nos Juizados Especiais Criminais, mercê de
transação penal. Naquele Juízo, onde se trabalha com o consenso, não há dificuldade para se
dar vazão à criatividade.

Recentemente, o Código de Trânsito Brasileiro deu um importante passo no sentido


das alternativas à pena de prisão, criando a multa reparatória, que consiste no pagamento,
46

mediante depósito judicial em favor da vítima ou seus sucessores, de quantia calculada com
base no sistema de dias-multa do Código Penal, sempre que ocorrer prejuízo material
resultante da infração penal. Esta multa, por coerência, não pode exceder ao prejuízo da
vítima e, em caso ação de indenização civil, será descontado o valor já pago.4
Deve, todavia, ser declinado na sentença o motivo ou os motivos que não levaram a
substituição, para posterior apreciação em fase recursal. O que não se pode exigir, entretanto,
é que o magistrado atue como se essa substituição seja um direito subjetivo do condenado.
Atendidos os requisitos objetivos, pode ou não o juiz substituir a pena, pois que ainda
lhe restam os requisitos de ordem subjetivas para apreciação, e, em se convencendo da não
adequação da substituição, agirá de acordo com sua convicção, sempre motivando sua
decisão, logicamente.
A medida alternativa visa mesmo a reeducação, a ressocialização do condenado, pois
que não lhe tolhe a liberdade, deixando-o a margem da sociedade dinâmica que a todo
instante se modifica. Ao contrário disso, a doutrina tem dito segundo Dotti (1998, p.230-231)
que:

O tratamento se efetiva em institutos penais e em meio livre. Uma das primeiras


exigências materiais de progresso nesse setor depende, além da estrutura fisicamente
adequada dos locais de cumprimento da pena, dos sujeitos do tratamento, ou seja, as
pessoas interessadas que são os próprios delinqüentes e todos os que devem ajudá-
los no processo de ressocialização (funcionários, diretores, guardas e indivíduos da
comunidade).

A privação da liberdade não se afigura como meio mais adequado de tratamento do


condenado. É notório o fato. As penas alternativas caminham pela estrada destinada a
reeducação do infrator. Sua aspiração principal é reeducar, recolocar na sociedade. E para
isso, muita das vezes, nem o retiram desse convívio social.

2.4.8 Superveniência de doença mental

O condenado a quem sobrevier doença mental deve ser recolhido a hospital de


custódia e tratamento psiquiátrico ou, à falta, a outro estabelecimento adequado (art. 41, CP).
Não está prevista a hipótese em que a doença sobrevenha durante o tempo de alguma
das prisões computáveis no prazo da pena, mas é de se entender ser o mesmo igualmente

4. Vide art. 297, Lei 9.503, de 23 de setembro de 1997.


47

computado como pena, porque a suspensão do processo, de acordo com o art. 152 do CPP,
não importa em suspensão da medida cautelar. Zaffaroni (1991, p.203) preleciona que:

No caso do condenado permanecer internado até o término da pena, o § 2º do art.


862, do CPP, dispõe que o indivíduo terá o destino aconselhado pela sua
enfermidade, feita a devida comunicação ao juiz de incapazes.

2.4.9 A Remição pelo trabalho

Segundo Mirabete (2001, p.263):

O instituto está consagrado no Código Penal Espanhol (art. 100) e teve origem
remota no Direito Penal Militar da guerra civil espanhola, estabelecido que fora pelo
decreto de 28 de maio de 1937 para os prisioneiros de guerra e os condenados por
crimes especiais.

Remir para Zaffaroni (1991, p.203) significa “resgatar, abater, descontar, pelo trabalho
realizado dentro do sistema prisional, parte do tempo de pena a cumprir”
Chama-se remição, na lei de execução penal, à possibilidade que tem o preso, em
regime fechado ou semi- aberto, de remir parte da execução da pena pelo trabalho, a razão de
um dia de pena por três dias de trabalho.
O acidente de trabalho não impede a remição. Esta deve ser declarada pelo juiz,
ouvido o Ministério Público. O tempo remido é computado para a concessão do livramento
condicional. O preso que incorre em falta grave perde o direito à remição que tenha obtido
com o seu trabalho. Esta instituição prevista na lei de execução penal estabelece um princípio
que deve ser considerado quando se faz o cômputo da pena privativa de liberdade.
O preso provisório, que não está obrigado ao trabalho, se trabalhar também poderá
remir parte de sua futura condenação.
Logo, a remição visa a abreviar, pelo trabalho, parte do tempo da condenação. A cada
três dias de trabalho, se abate um dia na pena imposta (art. 126 da LEP).

O tempo remido se computa, também, para concessão do livramento condicional e


indulto (art. 128 da Lei de Execuções Penais).
48

Eis aí mais um instituto que, acertadamente, visa a diminuir o tempo de efetivo


cumprimento da pena privativa de liberdade. Nada mais indicativo de recuperação do
condenado do que sua adaptação ao trabalho.
49

CAPÍTULO III – IMPORTÂNCIA DAS PENAS ALTERNATIVAS

3.1 Objetivos da pena privativa de liberdade e a realidade atual

Como já assinalado, a pena privativa de liberdade, consoante a teoria mais aceita sobre
o direito de punir do Estado, não tem o objetivo apenas de castigar. Antes disto, visa ela a
recuperar o delinqüente, devolvendo-o sadio ao convívio social.
O advento da pena privativa de liberdade contribuiu decisivamente para a eliminação
das penas corporais, as mutilações, etc.
Contudo, não tem ela correspondido às expectativas, restando hoje um verdadeiro
descompasso entre sua execução e seus fins.
Segundo Pimentel (1983, p.185-186), “A ressocialização torna-se praticamente
impossível com relação ao individuo que encontra preso, quando vive em uma comunidade
cujos valores são totalmente distintos daqueles que, em liberdade, deverá obedecer”.
Não obstante isto, Mirabete (2001, p.254) relata que:

Em que pese o reconhecido fracasso do sistema prisional, não há como negar que
continua sendo ela o único recurso aplicável para os delinqüentes de alta
periculosidade. A prisão é insuprimível, quer como instrumento de repressão, quer
como defesa social.

Tal constatação seduz às idéias de alternativas à pena de prisão. Os mais empolgados


chegam à despenalização e ao abolicionismo.
No mês de maio do ano de 2006, em várias áreas das regiões do Estado de São Paulo,
detentor de uma das maiores populações carcerárias brasileiras, a título exemplificativo, as
Penitências de várias comarcas entraram em rebelião, e como se não bastasse os presos de
dentro das instituições carcerárias comandavam atentados em diversos órgãos e contra agentes
públicos, situação, a qual causou pânico na população que se manteve por alguns dias
trancada em casa, sob a sombra do medo. A notícia foi veiculada no Jornal Nacional, do dia
28 de junho do mesmo ano.
Segundo ainda referido telejornal, prosseguindo na matéria, os custos com a
recuperação das instalações do local, entre mão-de-obra, materiais e demais gastos a serem
efetuados, constituirão um desembolso altíssimo para os cofres públicos, sem contar que a
50

vida de muitos inocentes que foram ceifadas, devido aos ataques que ocorriam em qualquer
lugar.
A falência, no exemplo mencionado, atinge os cofres públicos diretamente. Não ficam
estritamente no âmbito prisional. Porém, o que se tenta achar é a causa dessa falência,
geradoras de gastos excessivos para o Estado, de modo geral, gastos esses que poderiam
integrar receitas para outras áreas de necessidade dos cidadãos que em dia cumprem suas
obrigações, inclusive tributarias, que desfalcam o patrimônio do particular em quase 4
(quatro) meses de trabalho por ano.
Jason Albergaria escreve que a tendência da doutrina penal moderna baseia-se na
tentativa de redução do teto da pena privativa de liberdade para 15 ou 20 anos, como forma
de, ao menos teoricamente, evitar a falência total desse sistema. Eduardo Correia, citado por
Jason Albergaria (1996, p.40), alertara que “segundo a moderna penalogia, a pena além dos
dez anos perde a sua eficácia ressocializadora, abandonando-se o objetivo da pena”.
Em seguida, Jason Albergaria (1996, p.40), que faz estudo muito interessante sobre as
penas de reclusão, escreve:

Creio que poucos são capazes de entender quanta tortura e agonia inflige aos
castigados esta pena terrível e prolongada. Deduzindo o que vi escrito em seus
rostos, de seus sentimentos, sinto seguro de minha intuição, que há um abismo
terrivelmente profundo que somente os punidos compreendem e que ninguém tem o
direito de impor a seu próximo pena semelhante. Considero esta lenta e diária
manipulação dos mistérios da mente infinitamente pior que qualquer tortura física.

Tendo a pena privativa de liberdade o objetivo não apenas de afastar o criminoso da


sociedade, mas, sobretudo, de excluí-lo com a finalidade de ressocializá-lo, note-se que a pena
de prisão atinge o objetivo exatamente inverso: ao adentrar no presídio, o apenado assume o
seu papel social de um ser marginalizado, adquirindo as atitudes de um preso habitual e
desenvolvendo cada vez mais a tendência criminosa, ao invés de anulá-la.
Quanto à superpopulação carcerária, não mereceria nem sequer menção, pois que
constitui fato notório e noticiado dia-a-dia em telejornais, revistas, periódicos e jornais
escritos, enfim, nos meios de comunicação de forma geral.
A sobrecarga das populações carcerárias, como antagonismo diuturno aos ideais de
classificação dos presidiários e individualização executiva da sanção, é uma denúncia
freqüente na doutrina, nas comissões de inquérito parlamentar e nos relatórios oficiais. A
51

sistemática violação da intimidade da pessoa presa com as naturais conseqüências ofensivas


ao patrimônio físico, moral e espiritual, compõe um trecho significativo desta odisséia e faz
lembrar que antes, como agora, quase nada mudou.

3.2 A questão da ressocialização

O sistema penal brasileiro há muito tempo não funciona da forma como foi planejado.
As penas não reeducam, não ressocializam. A aplicação desmedida da privação da liberdade
acaba por prejudicar mais ainda o papel que se destina a tal medida na seara prisional. Ela não
é capaz de atender o ideal ressocializador. Na doutrina, segundo Albergaria (1996, p.17) diz-
se que:

A pena privativa de liberdade é admitida como extrema ratio ou em seu caráter


excepcional pelas modernas Constituições, a legislação da ONU e o nosso direito
positivo. Sob essa perspectiva, adotou-se uma solução intermediária entre posições
antagônicas, tanto nas ciências normativas quanto nas ciências humanas. Nas
disciplinas jurídicas é hoje dominante a teoria da união dialética, segundo a qual se
conciliam as teorias absolutas e as teorias relativas da pena, a saber: a retribuição
prevalece na imposição da pena privativa de liberdade; a prevenção especial, na sua
execução; e a prevenção geral, na cominação penal.

Assim, não mais pode funcionar a pena como simples meio de retribuição do injusto
cometido pelo delinqüente, pois se assim fosse fracassaria, como vem fracassando, em seu
objetivo maior, a ressocialização e a re-inserção social do condenado. Por isso é que
Albergaria (1996, p.18) escreveu que:

A ressocialização (reeducação e reinserção social) realiza-se na execução da pena


privativa da liberdade em sua forma progressiva. A ressocialização baseia-se no
exame criminológico e nos regimes de progressão da execução, que trazem a
contribuição das ciências criminológicas.

Por isso é que para se realizar um estudo sobre ressocialização, não se pode olvidar da
origem das penas, pois delas nascem a finalidade ressocializadora. Assim, o conceito e as
características gerais das penas merecem abordagem, mesmo que superficial, pois sem saber
seu significado fica, e, em muito se complica a tarefa do exame da ressocialização através das
medidas alternativas.
52

Num segundo momento não se pode deixar de lado as penas alternativas,


contempladas em nossa legislação, principalmente, no artigo 43 do Código Penal brasileiro,
constituindo grande avanço legal em relação ao tema. Não há muito o que se comentar sobre
referido artigo 43, pois a clareza de suas colocações já é por si bastante para o entendimento
de quem quer que o leia.
Os requisitos para aplicação dessas alternativas penais estão no artigo 44 do mesmo
diploma legal. São três incisos decisivos na imposição, ou substituição, como se preferir, das
penas privativas de liberdade por penas restritivas de direitos. Isso porque devem se
considerar as penas restritivas de direitos como medidas alternativas à pena de prisão, tendo
em vista seu caráter punitivo, porém, mais efetivamente ressocializador que a privação da
liberdade.
Cumpre, aqui, ressaltar ainda a importância decisiva que as chamadas Regras de
Tóquio5 vêm tendo em todas as legislações mundiais que as aderiram. São regras mínimas,
como são conhecidas, que estabelece diretrizes gerais para cada legislação sobre substitutivos
penais.
Em fundamento, não são regras sobre medidas alternativas à pena de prisão. Não
criam, em verdade, penas alternativas. São regras destinadas a implementar a criação das
penas alternativas nas legislações onde são acolhidas. São institutos que visam aclarar a
elaboração das alternativas penais, fazendo prevalecer o mínimo de dignidade da pessoa
humana no cumprimento de medidas alternativas.
Cumpre um breve panorama sobre as vantagens ora alcançadas, ou possíveis de se
alcançar, com as medidas alternativas à pena privativa de liberdade. Com apoio doutrinário se
podem citar algumas das vantagens trazidas pelas medidas alternativas às penas de prisão,
vantagens essas que, em fundo, são muito mais atraentes para a política criminal moderna que
os estigmas das privações de liberdade.
Por derradeiro cumpre salientar a falência do atual sistema de penas frente a nova
realidade da política criminal. A utopia ressocializadora e as falhas no sistema de penas, na
atualidade, é o que mais tem contribuído para um numero irrisório de recuperação de
criminosos, mesmo infratores de menor periculosidade que, quando encarcerados, passam a
conviver na escola penitenciária do crime.
A prisão é um universo único, um mundo a margem da sociedade, onde não existem
regras nem leis. Ali todos são diabos e anjos. Um mundo além da realidade, um castelo de
sonhos, onde todos são bandidos, a começar, muita vez, pelos próprios agentes de segurança

5. Regras Mínimas das Nações Unidas sobre as Medidas Não-privativas de Liberdade


53

penitenciária, corrompidos pela aspiração cética no dinheiro.


Em última análise, a fim de conhecer dois institutos particulares do novo modelo de
justiça criminal, o exame que se faz é da transação penal e da suspensão condicional do
processo. A transação, sem embargos, é das mais importantes medidas tendentes a
ressocialização e reeducação do infrator, visando o despertar de mentalidade mais social com
referência ao mundo em que vive.
No entanto, embora apresente semelhança com algumas medidas como o sursis e o
livramento condicional, não pode ser confundida com estas. A suspensão condicional do
processo, prevista na Lei 9.099/95, ocorre em audiência preliminar, antes do recebimento da
denúncia
O sursis, disposto no artigo 77 do Código Penal pátrio, ocorre após a sentença
definitiva e o livramento condicional, incide na esfera da execução penal. Assim, não existe
equivalência entre estes institutos e a probation, pois esta última verifica-se após o
encerramento da instrução processual, constituindo a suspensão condicional da sentença.
Da mesma forma, a suspensão condicional do processo em muito vale na legislação
brasileira, pois que busca, assim como a transação penal, evitar o encarceramento. Como
decorrência disso, tem-se uma, senão redução, um não aumento do número de presos por sela,
um índice menor de alunos na escola penitenciária do crime, uma taxa menor de pessoas
retiradas de seu habitat natural social e de trabalho por infrações que não mereciam, sequer,
ser consideradas pelo direito penal como extrema ratio do Direito.
A suspensão do processo é condicional, apesar de tratar a lei do instituto apenas como
suspensão do processo. É condicional justamente porque o apenado deve cumprir as
condições impostas em sua aplicação, sob pena de ver quebrada essa suspensão e se
prosseguirem em todos os atos e termos do processo, até seu deslinde final. Sem contar que a
suspensão só se dá em concordando, o infrator, com as condições impostas. Por isso deve ser
tratado como suspensão condicional do processo, com a devida vênia ao legislador de 1995.

3.3 Abrangências sobre a Re-inserção social

Socializar quer demonstrar a inserção social, um aperfeiçoamento do indivíduo que a


ela se submete para que possa interagir com o meio que o recebe. No dizer de Foracchi e
Martins (1977, p.120), “é um processo de configuração ou moldagem”. E continuam por dizer
que “é um processo recíproco, visto que afeta não apenas o indivíduo socializado, mas
também os socializantes”.
54

Assim, não adianta que se esforce, o indivíduo socializando, o mais que possa para sua
inserção, ou re-inserção social, se em nada contribuir a sociedade para isso. É o que ocorre
muita vez com os sujeitos submetidos à pena privativa de liberdade, pois que, por mais que
tentem tornar-se socializados novamente, o preconceito sem fundamento do resto da
sociedade os exclui, não lhes dando, sequer, oportunidades.
Como se tem notícia na doutrina, com Jesus (2000, p.3):

O direito penal, no Brasil, sempre apresentou uma feição clássica: tutelar,


fragmentária e de intervenção mínima. De acordo com os conceitos tradicionais, a
norma penal incriminadora visa a proteger os bens jurídicos fundamentais da
sociedade. Não, porém, de forma absoluta. Tem a seu cuidado somente os bens
considerados mais relevantes.

E prossegue Jesus (2000, p.4-5), escrevendo:

Preventivo, o direito penal de hoje descreve normas incriminadoras relacionadas a


um sem-número de setores da atividade humana, pouco importando a natureza do
fato, seja eleitoral, ambiental, seja referente ao consumo ou à informática etc. (...)
Com isso, perde o caráter de intervenção mínima e última, de ser um direito
fragmentário e subsidiário, adquirindo a natureza de um conjunto de normas de
atuação primária e imediata. Não é mais a última razão. É a primeira. A sanção
penal, por força disso, passa a ser considerada pelo legislador como indispensável
para a solução de todos os conflitos sociais.

A utopia da ressocialização, em pleno terceiro milênio, é de ser destacada. Como


demonstrado acima, o direito penal está sendo funcionalizado. Passou de ultima ratio para
elemento primeiro na busca da punição a ser aplicada àquele que comete o delito.
Assim é que escreveram Zaffaroni e Pierangeli (2002, p.790-791) que:

[...] Repressão brutal e refinamentos, até recentemente considerados de ficção


científica, fornecem o tom angustiante do problema. Da utilização política da
psiquiatria e da neurologia, à supressão física daquele que incomoda, parece ser o
signo de ideologias aparentemente chocantes, mas que, no fundo, dão a sensação de
que só consideram importante a produção, e, por conseguinte, o afastamento do que
não serve a ela, seja mediante uma correção “mecânica” de sua conduta, ou, pela
pura e simples eliminação do sujeito. Enquanto a pena privativa de liberdade estiver
a serviços desses sistemas, suas conseqüências serão catastróficas”.
O problema da re-inserção social, como se vê, não decorre exclusivamente do sistema
55

penitenciário brasileiro. Nem se diga que o sistema das penas no Brasil é o mais adequado à
ressocialização. O que se deve ter em mente é, pelo que foi acima transcrito, que a própria
sociedade faz dela excluir os que erram. Muita das vezes não se dá sequer uma chance para
quem comete um delito.
Para a recuperação do condenado, as chances que lhe são dadas são capazes de
constituir forte impacto positivo em seu âmago. Assim, a socialização se realiza numa
contínua interação com o outro. (FORACCHI e MARTINS, 1977, p.208)
De nada adianta se colocar nas ruas, retirando do cárcere, se a própria sociedade que
não oferece esse processo de socialização, de re-inserção social aos condenados.
Isso contribuir por uma superlotação carcerária imemoriável, com amontoados de
presos que, sem quaisquer condições de sobrevivência, presos que, em grande número, não
tem a prisão como melhor indicação para sua recuperação.
Não são raros os casos em que sujeitos praticantes de infrações penais de menor
potencial ofensivo, quiçá de pequenos furtos denominados famélicos, encontram-se
recolhidos atrás das grades de uma prisão, fazendo cair por terra qualquer expectativa de
ressocialização.
E assim ocorre porque, o contato daquele que comete uma infração dessas qualificadas
como de menor potencial ofensivo com delinqüentes habituais e de periculosidade extremada
faz com que cresça, nos infratores de pequeno porte, o âmago criminoso.
A verdade é que, até hoje, cerca de 25 anos após o Código Penal brasileiro, a pena
privativa de liberdade nele colocada para ser a razão última da corrente punitiva, não vem
alcançando seu fim catalogado. Traçado o panorama da ressocialização, a privação da
liberdade mostra-se incompatível com essa finalidade. Encarcerar, definitivamente, não
significa ressocializar.
Excluir da sociedade não condiz com reeducação do condenado.
A conjugação de fatores existentes dentro do sistema carcerário levou Fragoso (1993,
p.305) a expor brilhantes palavras em torno da personalidade humana frente a privação da
liberdade. A transcrição demonstra bem a mão de direção em que caminham as penas
privativas de liberdade do terceiro milênio. Assim:

A experiência de dois séculos veio demonstrar a falência completa da filosófica


correcional. Países desenvolvidos inverteram grandes somas em seus programas
correcionais, construindo prisões que supunham capazes de ressocializar ou de
emendar o condenado, sem qualquer êxito. As taxas de reincidência se mantêm,
qualquer que seja a prisão. Demonstrou-se o efeito devastador do confinamento
56

sobre a personalidade humana e a contradição insolúvel entre as funções de custódia


e de reabilitação.

Como instituição total, a prisão necessariamente deforma a personalidade, ajustando-a


à subcultura prisional. A reunião coercitiva de pessoas do mesmo sexo num ambiente
fechado, autoritário, opressivo e violento corrompe e avilta.. Conclui-se, assim, que o
problema da prisão é a própria prisão, que apresenta um custo social demasiadamente
elevado. Aos defeitos comuns de todas as prisões, somam-se os que são comuns nas nossas:
superpopulação, ociosidade e promiscuidade.
O homem acaba por ser atacado profundamente em seu interior com o confinamento
carcerário. Não se vêem perspectivas fora dos muros prisionais, exceto raras exceções que não
voltarão a delinqüir quando dali saírem. Isso levou Dotti (1998, p.39) a expor o seguinte:

O mundo que envolve os passageiros dos corredores, das celas e dos ambientes
abertos mas fortemente policiados dos presídios é composto através de formas e de
cores reais e imaginárias. Ele é, ao mesmo tempo, o universo das coisas concretas e
abstratas, uma servidão de passagem entre a fé e o ceticismo. Um mural infinito
onde se desenham, à imagem das antigas inscrições, o sofrimento e a angústia.

Assim como foi esculpido através da pena de Dostoiewski (apud DOTTI, 1998, p.39),
em suas palavras ele diz:

Para lá do portão ficava o mundo luminoso da liberdade, que do lado de cá se


imaginava como uma fantasmagoria, uma miragem. Para nós, o nosso mundo não
tinha nenhuma analogia com aquele; compunha-se de leis, de usos, de hábitos
especiais, de uma casa morta-viva, de uma vida a parte e de homens a parte.

3.4 Breves Comentários sobre os Direitos dos Presos

O art. 38 dispõe que o preso conserva todos os direitos não atingidos pela perda da
liberdade, impondo-se a todas as autoridades o respeito à sua integridade física e moral. O art.
40 declara que uma lei especial especificará os deveres e direitos do preso.
A idéia dos direitos do preso tem origem bem recente. Decorre da conseqüência lógica
de se considerar a privação de liberdade como uma medida extremada, cujos limites devem
57

ser estabelecidos, e que, em definitivo, é reforçado pela comprovação de que é um mal, para o
qual ainda não se encontrou substituto, e, nem mesmo parece existirem esforços sérios par a
reduzi-lo, pelo menos na América Latina.
No nosso direito positivo, os direitos do preso estão enunciados no art. 41, da lei de
execução penal, que versa:
Constituem direitos do preso:
I – alimentação suficiente e vestuário;
II atribuição de trabalho e sua remuneração;
III – previdência social;
IV – constituição de pecúlio;
V – proporcionalidade na distribuição do tempo para o trabalho, o descanso e a
recreação;
VI - exercício das atividades profissionais, intelectuais, artísticas e desportivas
anteriores, desde que compatíveis com a execução da pena;
VII – assistência material, à saúde, jurídica, educacional, social e religiosa;
VIII – proteção contra qualquer forma de sensacionalismo;
IX – entrevista pessoal e reservada com o advogado;
X – visita do cônjuge, da companheira, de parentes e amigos em dias determinados;
XI – chamamento nominal;
XII – igualdade de tratamento salvo quanto às exigências da individualização da pena;
XIII – audiência especial com o diretor do estabelecimento;
XIV – representação e petição a qualquer autoridade, em defesa de direito;
XV – contato com o mundo exterior por meio de correspondência escrita, da leitura e
de outros meios de informação que não comprometam a moral e os bons costumes.
Parágrafo único. Os direitos previstos nos incisos V, X e XV poderão ser suspensos ou
restringidos mediante ato motivado do diretor do estabelecimento.
Alguns doutrinadores qualificam a legislação executiva penal brasileira como uma
carta de intenção, em razão da falta de infra-estrutura, especialmente edilícia.
A instrumentação adequada para o funcionamento da instituição carcerária, tal como
previsto pela lei de execução penal, implica um gasto enorme, e que a solução mais adequada,
no Brasil e no restante da América Latina, é a de viabilizar recursos para reduzir o número de
prisioneiros, com o que se irá possibilitar o emprego dos recursos restantes para a melhoria de
todo o sistema penitenciário.
Há deveres estabelecidos para o preso que são completamente incompatíveis com
58

qualquer tipo de convivência numa instituição com tais características, como o de lhe impor
uma conduta oposta aos movimentos individuais ou coletivos de fuga ou de subversão à
ordem ou à disciplina, cujo cumprimento é, praticamente, impossível de se exigir.
Pretende, assim a lei de execução, transformar cada preso num vigilante de seu
companheiro, o que não só é absurdo, como também pouco recomendável para a sua futura
vida livre de delator.

3.5 Os Resultados no Direito Comparado

O marco inicial e determinante para a aplicação das penas não-privativas de liberdade


foram as Regras de Tóquio, embora algumas destas modalidades punitivas já fossem
observadas nos ordenamentos jurídicos de alguns países desde o início deste século.
Denote-se que as primeiras punições alternativas guardam registros no ano de 1926,
na Rússia, no artigo 20 e 30 do Código Penal Soviético, consagrando a “prestação de serviços
à comunidade”. Em 1948, a Inglaterra também criou a “prisão de fim de semana,” seguindo-
se a Alemanha em 1953 e a Bélgica em 1963, dispondo sobre o “arresto de fim semana”. Em
1967 o Principado de Mônaco criou a “execução fracionada” e, em 1970, a Espanha agregou à
sua legislação o “arresto de fim de semana”.
Assim, em razão do sucesso alcançado em diversas legislações, outros países também
aderiram à aplicação das penas alternativas à prisão. Destaque-se a Austrália (1972),
Luxemburgo (1976), Canadá (1977) Dinamarca e Portugal (1982), França em (1983) e por
fim o Brasil, com o Código Penal de 1984.
Aliás, nas reformas atuais dos Códigos Penais Italiano e Francês, as penas alternativas
firmaram-se com plenitude, preservando a finalidade de humanizar as sanções e reeducar o
condenado. Também o Código Penal Uruguaio prevê como alternativa a “prestação de
serviços à comunidade”, que deve ser executada de forma gratuita em favor dos Municípios,
hospitais ou entidades públicas e instituições análogas como escolas, asilos, casa de menores,
etc. Esse Código ainda traz no elenco de penas alternativas à prisão, o depósito em garantia de
pagamento ou multa e outras medidas que sejam aptas a reeducar o agente, desenvolver
aptidão pelo trabalho e reparar o dano causado à vítima.
Neste ínterim, constata-se que as penas alternativas à prisão vêm ganhando papel de
destaque nas legislações penais mundiais e, gradativamente, estão substituindo a decadente
pena privativa de liberdade. Registre-se ainda a participação de inúmeros países no Congresso
das Nações Unidas, realizado no Cairo (1995), que versou sobre Regras Mínimas de
59

Tratamento do Delinqüente, onde já se foi possível colher os primeiros resultados da


aplicação das penas alternativas.
Entre as experiências apresentadas cumpre destacar que a Alemanha informou que em
sua legislação penal as contravenções foram descriminalizadas e apenas 17% das condenações
remetem ao cárcere. Este país sugeriu ainda a aplicação da alternativa “plea bargaining”, em
que o acusado aceita a responsabilidade, sendo-lhe fixada pena menor e encerrando-se o
processo.
Também a China esclareceu que em sua legislação os crimes de menor gravidade
submetem-se à ação privada e os meios de comunicação informam a população sobre
alterações legislativas explicando as inovações. Consignou também que as escolas oferecem
noções básicas de licitude e ilicitude, estabelecendo suas conseqüências respectivas. Outro
exemplo é o da Argentina, que destacou contar com escolas de formação de pessoal
especializado para humanizar o trabalho penitenciário. No mesmo sentido, Cuba consignou
haver discriminalizado 28% das contravenções, sendo que, de 85% das condenações, só uma
remete à privação da liberdade.
Uma das medidas alternativas que revelou maior êxito, conforme a experiência
relatada por países como Inglaterra, Japão, Canadá, Israel, Nova Guiné, Estados Unidos,
Holanda, e Nova Zelândia, foi o Instituto da “probation”. Tais países indicaram a
conveniência da aplicação desta modalidade punitiva, ressaltando que, além de ser
significativamente mais barata que a construção de presídios ineficazes, tem natureza sócio-
pedagógica, proporcionando a reabilitação do condenado através de uma orientação e
fiscalização que ocorre durante um período de prova. Assim, o réu tem sua condenação
suspensa sob a condição de que apresente bom comportamento e revele readaptação social.
No entanto, embora apresente semelhança com algumas medidas como o sursis e o
livramento condicional, não pode ser confundida com estas. A suspensão condicional do
processo, prevista na Lei 9.099/95, ocorre em audiência preliminar, antes do recebimento da
denúncia; o sursis, disposto no artigo 77 do Código Penal pátrio, ocorre após a sentença
definitiva e o livramento condicional, incide na esfera da execução penal. Assim, não existe
equivalência entre estes institutos e a probation, pois esta última verifica-se após o
encerramento da instrução processual, constituindo a suspensão condicional da sentença.
Por derradeiro, em pesquisa realizada no presente trabalho, o ínclito doutrinador
Damásio Evangelista de Jesus, elencou cerca de cinqüenta medidas e penas não-privativas de
liberdade que estão sendo aplicadas pelas legislações mundiais, indicando que tais
modalidades punitivas estão em crescente propagação e merecem a atenção da sociedade em
60

geral para acompanhar seus resultados.

3.6 Transação penal e a Conciliação Judicial nos Juizados Criminais

Com a lei das penas alternativas substitutivas amplia-se um pouco mais o novo
modelo de Justiça Penal inaugurado em 1995 pela Lei dos Juizados Especiais Criminais.
Desse modo, Gomes (1999, p.99) relata que:

O modelo penal clássico, fundado na crença da pena de prisão dissuasória, que


continua servindo de base inspiradora da política criminal brasileira
paleorrepressiva, expressada em tantas leis penais puramente simbólicas nessa
década – leis dos crimes hediondos, do crime organizado, da falsificação de
remédios etc. –, contrapõe-se, alternativamente, o novo modelo de Justiça Criminal.

Bitencourt (1997, p.102), escreveu que:

a transação penal vem sendo apontada, como uma das mais importantes formas de
despenalizar na atualidade, sem descriminalizar, aduzindo-se, entre outras razões, as
de procurar reparar os danos e prejuízos sofridos pela vítima, ser mais econômica,
desafogar o Poder Judiciário, evitar os efeitos criminógenos da prisão, sustentando-
se, inclusive, que a utilização da transação penal integra um verdadeiro e moderno
modelo de Justiça participativa e resolutiva.6

Bitencourt enumera quatro características básicas relativas às transações penais.


Assim, diz que são personalíssimas, voluntárias, formais e tecnicamente assistidas.
Personalíssimas porque somente a pessoa do infrator, ou acusado, que pode ou não
aceitar a imposição de medida alternativa através da transação penal.
Diz-se que são voluntárias, da mesma forma, pelo fato de terem seu ponto de partida
na livre vontade do acusado dirigida à transação. Para Bitencourt (1997, p.104), “A decisão
do autor do fato de transigir ante a proposição do Ministério Público tem que ser produto
inequívoco de sua livre escolha”.
Ao dizer que a formalidade está presente na transação penal, refere-se aos atos
concernentes ao procedimento e a forma como deva ser realizada. Assim, a transação deve
acontecer em audiência, com a presença do Promotor de Justiça que formaliza a proposta, do
6[?] (1997, p. 102). (a citação final é de Luiz Flávio Gomes. Projeto de Criação dos Juizados Especiais
Criminais, in Revista Brasileira de Ciências Criminais, nº. 9, 1995, p. 282).
61

Juiz que fiscaliza, do autor do fato e seu defensor constituído, que podem transigir. Tudo
deverá ficar formalizado, como garantia fundamental do cidadão, segundo o devido processo
legal. É indispensável, porém, que se saiba os limites do transigido, antes de tudo ser
formalizado.
E, por fim, assim ensina Bitencourt (1997, p.106) que:

Tecnicamente assistida deve ser a transação penal. Isso porque para transigir com
sua liberdade, é natural que o acusado, que é leigo, despreparado e, nas
circunstâncias, desorientado, possa aceitar qualquer proposição. Por isso, para que o
princípio constitucional da ampla defesa não seja violado, não vemos outra
alternativa a não ser a assistência de defensor constituído.

A transação penal, nos casos em que é admitida, abriu definitivamente o leque de


opções ao Judiciário na busca da efetiva reeducação do infrator. Essa transação penal encontra
fundamento no artigo 60 da Lei nº. 9.099/95, ao estabelecer que o Juizado Especial Criminal,
provido por juízes rogados ou togados e leigos, tem competência para a conciliação, o
julgamento e a execução das infrações penais de menor potencial ofensivo. A transação penal
de que se fala é a conciliação a que faz menção a lei.
Como requisitos dessa possibilidade de conciliação, ou transação penal, a doutrina
enumera quatro fatores básicos:
a) infração penal de menor potencial ofensivo;
b) ausência de condenação irrecorrível, por crime, à pena de prisão;
c) não ter sido beneficiado, nos últimos cinco anos, com a aplicação de pena restritiva
ou multa e;
d) prognose favorável da necessidade e suficiência da transação penal.
Infração de menor potencial ofensivo vem definida na própria Lei 9.099/95, em seu
artigo 61, ao dispor que: “Consideram-se infrações penais de menor potencial ofensivo, para
os efeitos desta Lei, as contravenções penais e os crimes a que a lei comine pena máxima não
superior a 1 (um) ano, excetuados os casos em que a lei preveja procedimento especial”.
As infrações que ai se enquadrem, então, podem ser objeto de transação penal. Os
demais requisitos estão predispostos no artigo 76, § 2º, da Lei 9.099/95, e são encontrados
pela inversão do que dispõe referido artigo. Veja que a lei assim diz:
Art. 76. Havendo representação ou tratando-se de crime de ação penal pública
incondicionada, não sendo o caso de arquivamento, o Ministério Público poderá
62

propor a aplicação imediata de pena restritiva de direitos ou multas, a ser


especificada na proposta.
§ 2º. Não se admitirá a proposta se ficar comprovado:
I – ter sido o autor da infração condenado, pela prática de crime, à pena privativa de
liberdade, por sentença definitiva;
II – ter sido o agente beneficiado anteriormente, no prazo de 5 (cinco) anos, pela
aplicação de pena restritiva ou multa, nos termos deste artigo;
III – não indicarem os antecedentes, a conduta social e a personalidade do agente,
bem como os motivos e as circunstâncias, ser necessária e suficiente a adoção da
medida.

Ao passo que o § 2º, do citado artigo 76, diz que não se admitirá a transação em tais
hipóteses, quis, em verdade, mencionar quais as hipóteses em que se poderia realizar a
transação. Assim, admitir-se-á a conciliação se o agente não se enquadrar nas hipóteses
estabelecidas nos incisos do referido parágrafo.
Com a finalidade de evitar o encarceramento, a transação penal é, após a Lei dos
Juizados Especiais Criminais, uma das mais arrojadas iniciativas na legislação pátria tendente
a reduzir a pena privativa de liberdade. Preenchidos os requisitos exigidos pela lei, não podem
os magistrados titubear frente a possibilidade da não reclusão quando tudo caminha a favor do
infrator.
63

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em análise final, pode-se mesmo dizer que a reclusão não ressocializa, não reeduca. A
política criminal não mais pode ser voltada exclusivamente a uma forma de retribuição ao
delinqüente pelo mal injusto que porventura tenha causado. É fato que o sistema de penas
privativas de liberdade não mais é o melhor caminho adotado na busca da reinserção social.
Perde-se no tempo a origem das penas, pois os mais antigos grupamentos de homens
foram levados a adotar certas normas disciplinadoras de modo a possibilitar a convivência
social. Sempre existiram, então, desde a concepção da vida em sociedade, regras
disciplinadoras da conduta, impondo-se penas àqueles que as transgredissem, tendo como
objetivo a preservação dessa convivência.
O que se deve visar, porém, é a diminuição da aplicação desse instituto. E isso porque,
cada vez mais, vinha sendo notório o aumento gradativo da imposição de medidas privativas
de liberdade a toda e qualquer forma de infração, não se distinguindo, muita vez, o grau de
periculosidade de cada apenado.
Desde muito tempo o problema da ressocialização aflige a mente humana. As
tentativas de se implementar um sistema que realmente reeduque o condenado vêm falhando
ao longo da história e mesmo assim não deixaram de ser a razão de todo pensamento do
Direito Penal.
Face a falência da privação da liberdade como instituto de ressocialização e
reeducação, entretanto, brota paulatinamente a idéia de certa retribuição do mal injusto
causado pelo delinqüente de forma mais equânime, mais moderada. A pena não deve ser
somente retribuição, mais forma capaz de possibilitar ao condenado reflexão sobre seu ato e
fundamento de mudança de atitude, de maneira a não mais delinqüir.
Em muito contribuem para a nova política criminal as penas restritivas de direitos
estipuladas no artigo 43 do Código Penal brasileiro. Por muitos podem ser criticadas, porém,
sem embargos, não se pode esquecer que a não privação da liberdade constitui elemento
muito mais útil à recuperação que o cárcere da penitenciária, onde o condenado passa a viver
num mundo mais ainda sem leis e esperanças.
Na verdade, tem razão Dotti, quando expõe que a prisionalização é terapia de choque
permanente, cuja natureza e extensão jamais poderiam autorizar a tese enfadonha de que
constitui uma etapa para a liberdade, assim como se fosse possível sustentar o paradoxo de
preparar alguém para disputar uma prova de corrida, amarrando-o a uma cama.
64

As penas privativas de liberdade são um processo definido como a adoção, em maior


ou menor grau, dos usos, costumes, tradição e cultura geral da penitenciária. Pois, todo
homem encarcerado se aprisiona de certo modo em função da existência de fatores universais
e pessoais do fenômeno da prisionalização.
Observa-se, então, que as penas privativas de liberdade, na maioria das vezes, não
contribuem para a adaptação do indivíduo a uma futura vida em sociedade. Reconhece-se que
a prisão não é o melhor lugar para empreender qualquer tentativa de reeducação ou tratamento
terapêutico de problemas de personalidade. Devemos evitar, ao máximo, os efeitos
prejudiciais da pena privativa de liberdade, procurando aplicar, a cada caso, a pena adequada
a ressocialização do delinqüente.
O encarceramento, então, faz nascer naquele que compartilha daquele ambiente os
mesmos hábitos, costumes e maneiras culturais do meio onde se encontra.
Sendo assim, de acordo com os estudos realizados no presente trabalho, podemos dizer
que todo homem que é confinado ao cárcere sujeita-se à prisionalização, em alguma extensão.
O primeiro passo, e o mais obviamente integrativo, diz respeito ao seu status: transforma-se,
de um golpe, numa figura anônima de um grupo subordinado; traja as roupas dos membros
deste grupo; é interrogado e admoestado; logo descobre que os custodiadores são todo-
poderosos; aprende as classes, os títulos e os graus de autoridade dos vários funcionários; e,
usando ou não usando a gíria da cadeia, ele vem a conhecer seu significado.
Urge, que se faça cumprir o que está escrito na nossa Constituição, no atual Código
Penal, especialmente, no que diz respeito aos direitos e deveres dos presos, bem como, atentar
às disposições presentes no Código de Processo Penal vigente em relação ao processo de
execução da pena, a fim de que a prisão seja um local onde se possa punir reabilitando o
detento para a vida dentro da sociedade.
Desta forma, a transação penal e a suspensão condicional do processo são válvulas de
escape que o direito dispõe ao infrator, desde que este preencha alguns requisitos. A transação
penal porque, como já foi visto antes, visa evitar a prisão de qualquer tipo de infrator. Às
infrações de menor potencial ofensivo, destina-se a transação. Assemelhada a forma
conciliatória dos juizados especiais cíveis, priva por não encarcerar o infrator, celebrando com
ele algum acordo, que possa ser bom não só para ele, infrator, mas para a sociedade, para o
Estado e para a vítima.
Aqui, por fim dizer, todos os envolvidos no procedimento são beneficiados. A vítima,
porque consegue a reparação do dano em grande maioria dos casos; o Estado, por não
necessitar despender mais custo na mantença de mais um preso em seu sistema; a sociedade,
65

pois que não se fabrica mais um criminoso no submundo da prisão e o próprio


acusado/infrator, que não é retirado da sociedade onde vive podendo dela se aproximar mais
ainda com o acordo celebrado na justiça com a transação penal.
Quanto a suspensão condicional do processo, que, de resto, deve mesmo ser chamada
de condicional, como já foi demonstrado acima, significa também grande evolução do direito
nacional sua inserção no sistema. Suspende-se, impondo alguma forma de restrição. Ao invés
de aprisionar, condiciona a manutenção de sua vida normal. Educa-o, impondo-lhe regras que,
se quebradas, podem levá-lo ao cárcere.
Por isso se diz que as medidas alternativas à privação da liberdade são mais eficazes
na tendência a evitar a reincidência. Aquele que suporta uma vez o caos processual,
geralmente não mais quer tender a novamente enfrentar o clamor da Justiça. Aqui, educa-se,
mostrando o caminho a ser seguido, e não colocando na estrada. De nada adianta dar o peixe
para matar-se a fome vez ou outra enquanto não se ensinar a pescar.
Cumpre salientar também que o sistema está em insolvência, sem poder quitar as
obrigações sociais e os compromissos assumidos individualmente. E para este debitum não
remido contribui também o desinteresse em tratar com o necessário rigor científico as figuras
do réu e da vítima, os protagonistas, enfim, do fenômeno criminal em toda a sua inteireza.
Antes, durante e depois da intervenção punitiva do Estado.
Logo, o presente trabalho nos projetou uma atual visão processual e principalmente
prática da situação da pena privativa de liberdade no Brasil, ou seja, a utopia do atual sistema
de penas privativas que não atingem a ressocialização tanto almejada pela sociedade. Fica,
também, evidente a contribuição desempenhada por medidas não privativas de liberdade,
alternativas penais. Fica, porém, o receio na inércia com que pode a isso reagir o Sistema,
pois seu medo não pode prevalecer sobre os anseios da sociedade. Seu convencimento
particular não pode ser maior que a verdadeira justiça.
66

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