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ESCOLA JUDICIAL DO TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 9ª REGIÃO

UNIBRASIL – FACULDADES INTEGRADAS DO BRASIL

LUIS FELIPE BARIDÓ INDÁ

A NECESSIDADE DE REAFIRMAÇÃO DO PRINCÍPIO DA PROTEÇÃO:


EFETIVAÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS DO TRABALHADOR

Curitiba
2013
LUIS FELIPE BARIDÓ INDÁ

A NECESSIDADE DE REAFIRMAÇÃO DO PRINCÍPIO DA PROTEÇÃO:


EFETIVAÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS DO TRABALHADOR

Trabalho de Conclusão de Curso


apresentado à Escola Judicial do Tribunal
Regional do Trabalho da 9ª Região e à
UNIBRASIL – Faculdades Integradas do
Brasil como requisito parcial à conclusão
do Curso de Especialização para o
Assessoramento na Jurisdição
Trabalhista.

Orientador: Sidnei Machado

Curitiba
2013
LUIS FELIPE BARIDÓ INDÁ

A NECESSIDADE DE REAFIRMAÇÃO DO PRINCÍPIO DA PROTEÇÃO:


EFETIVAÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS DO TRABALHADOR

Trabalho de Conclusão de Curso


apresentado à Escola Judicial do Tribunal
Regional do Trabalho da 9ª Região e à
UNIBRASIL – Faculdades Integradas do
Brasil como requisito parcial à conclusão
do Curso de Especialização para o
Assessoramento na Jurisdição
Trabalhista.

Aprovado em Curitiba, ___ de _______________ de 201__.

EXAMINADORES

__________________________________________________
Prof. e orientador Sidnei Machado

__________________________________________________

__________________________________________________

ii
Dedico este trabalho à minha esposa Alessandra, pelo amor, companheirismo e
compreensão em todos os momentos.
Ao meu filho Lucas e à minha filha Manuela, esta, ainda no ventre materno, motivos
mais que suficientes para persistir e concluir o presente trabalho.
À Deus, porque dele, por ele e para ele são todas as coisas.

iii
AGRADECIMENTOS

Em primeiro lugar, à minha esposa Alessandra, por todo o apoio e ajuda ao


longo da elaboração desta monografia. Sem ela seria muito difícil fazer este
trabalho. Agradeço por ter sido a minha fonte de inspiração, com todo seu cuidado,
compreensão, atenção, carinho e amor.
Ao Exmo. Juiz do Trabalho Marcos Eliseu Ortega, do qual sou assistente, por
motivar-me a participar do Curso de Especialização promovido pela Escola Judicial
do Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região, e pela compreensão e estímulo na
elaboração do presente trabalho.
À Rosângela Maria Ferreira Monteiro de Carvalho, Diretora da Vara em que
trabalho, pela compreensão durante a realização do trabalho monográfico.
Agradeço, ainda, ao professor e meu orientador Sidnei Machado, cujos
estudos e obras foram de grande estímulo na elaboração da pesquisa e do texto da
presente monografia.
Por último, e principalmente, a Deus, por ter me dado o dom da vida.

iv
Trata-se de, utopicamente, desvelar que a fraternidade que se almeja ao trabalhador
não deve depender exclusivamente das medidas intervencionistas do Estado, o que
configuraria a vitória de uma (des)proteção regulatória com perversos excessos
sobre uma proteção emancipatória, ou seja, o primado da outorga (e controle) sobre
a conquista. Ao contrário, a perspectiva que se coloca é resgatar, na história
companheira, a importância fundante da atuação coletiva na luta pela fraternidade e
proteção nas relações de trabalho.

(OLIVEIRA, Murilo Carvalho Sampaio. (Re)pensando o princípio da proteção na


contemporaneidade. p. 186)

v
SUMÁRIO

RESUMO................................................................................................................... viii

INTRODUÇÃO ............................................................................................................ 1

1 DIREITO E TRABALHO: A HIPOSSUFICIÊNCIA DO TRABALHADOR NA


CLÁSSICA TEORIA DO PRINCÍPIO DE PROTEÇÃO E SUA PERSISTÊNCIA NA
REALIDADE ATUAL................................................................................................ 5
1.1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS ............................................................................... 5
1.2 ORIGENS DO DIREITO DO TRABALHO: O CONFLITO ENTRE TRABALHO E
CAPITAL E A QUESTÃO SOCIAL ....................................................................... 7
1.3 O PRINCÍPIO DA PROTEÇÃO ............................................................................. 9
1.4 O DIREITO DO TRABALHO E O PRINCÍPIO DA PROTEÇÃO NO BRASIL ..... 12
1.5 NECESSIDADE DE UMA RELEITURA DO PRINCÍPIO DA PROTEÇÃO ......... 15

2 A PROTEÇÃO EM CRISE: MUDANÇAS NO MUNDO DO TRABALHO,


PRECARIZAÇÃO E AS TENTATIVAS DE FLEXIBILIZAÇÃO E
DESREGULAMENTAÇÃO DAS RELAÇÕES DE TRABALHO ........................... 16
2.1 LINHAS GERAIS ................................................................................................ 16
2.2 REETRUTURAÇÃO PRODUTIVA E TOYOTISMO: O MODO DE PRODUÇÃO
CAPITALISTA EM TEMPOS RECENTES........................................................... 18
2.3 FLEXIBILIZAÇÃO E DESREGULAMENTAÇÃO: O PRINCÍPIO DA PROTEÇÃO
EM XEQUE......................................................................................................... 20
2.3.1 Correntes Pró-flexibilização............................................................................. 21
2.3.1.1 Corrente radical ou tendente à desregulamentação ..................................... 21
2.3.1.2 Corrente moderada ...................................................................................... 22
2.3.2 Crítica às correntes pró-flexibilização .............................................................. 23
2.4 A NOVA QUESTÃO SOCIAL: PRECARIZAÇÃO E VULNERABILIDADE DO
TRABALHADOR ................................................................................................ 24

3 O PRINCÍPIO DA PROTEÇÃO E A CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA DE 1988 .... 29


3.1 O DIREITO DO TRABALHO E A CENTRALIDADE DA CONSTITUIÇÃO ........... 29

vi
vii

3.2 FUNDAMENTOS DA REPÚBLICA BRASILEIRA: DINIGNIDADE DA PESSOA


HUMANA E CIDADANIA ..................................................................................... 31
3.2.1 Dignidade da Pessoa Humana ........................................................................ 31
3.2.2 Cidadania ........................................................................................................ 33
3.3 FUNDAMENTOS DA ORDEM ECONÔMICA: VALORIZAÇÃO DO TRABALHO
HUMANO E LIVRE INICIATIVA ......................................................................... 35
3.3.1 Valorização do Trabalho Humano ................................................................... 35
3.3.2 Livre Iniciativa .................................................................................................. 38
3.4 A REAFIRMAÇÃO DO PRINCÍPIO DA PROTEÇÃO: COLISÕES ENTRE
PRINCÍPIOS E O PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE .............................. 40

4 NOVAS PROPOSTAS PARA UMA EFETIVA PROTEÇÃO AO CIDADÃO-


TRABALHADOR................................................................................................... 43
4.1 PANORAMA GERAL .......................................................................................... 43
4.2 CRÍTICA ÀS PROPOSTAS PRIVATIZANTES DO DIREITO DO TRABALHO .... 43
4.3 CONCEPÇÕES QUE REAFIRMAM O PRINCÍPIO DA PROTEÇÃO ................. 45
4.3.1 O Direito ao Trabalho e a Proteção Contra a Dispensa Arbitrária ................... 45
4.3.2 Direito Fundamental a um Meio Ambiente do Trabalho Equilibrado ............... 47
4.3.3 Ampliação dos Destinatários da Proteção ....................................................... 50
4.4 A PROTEÇÃO COMO MEIO DE EMANCIPAÇÃO DO CIDADÃO-
TRABALHADOR ................................................................................................ 52

CONCLUSÃO ........................................................................................................... 54

REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 57

vii
RESUMO

A monografia busca analisar a possibilidade e a necessidade de reafirmação do


princípio da proteção na contemporaneidade. Partindo do estudo das origens do
Direito do Trabalho, e seu clássico intuito protetivo, em contraposição ao liberalismo
jurídico e político, garantidor de igualdade e liberdade somente formais e incapaz de
afetar a materialidade, passa-se pela análise bibliográfica e histórica das propostas
de flexibilização, e a atual condição dos trabalhadores em vista da reestruturação
produtiva havida nas últimas décadas. Diante desse quadro teórico e histórico da
ciência juslaboral brasileira e das condições de vida e trabalho dos cidadãos
brasileiros, faz-se uma análise do princípio da proteção à luz da Constituição da
República Federativa do Brasil, inspirando-se nas modernas teorias pós-positivistas,
e na valorização que esta dá aos princípios constitucionais, (re)afirmando sua força
normativa. Nessa linha, afirma-se a força normativa do princípio da proteção,
ressaltando-se a necessidade de novas leituras e possibilidades que este princípio
apresenta diante do quadro traçado. Finalmente, apresentam-se algumas propostas
de modernos doutrinadores do Direito do Trabalho, que valorizam e reafirmam o
caráter protetivo do Direito do Trabalho, e seu caráter emancipatório.

Palavras-chave: Direito do Trabalho. Princípio da Proteção. Pós-positivismo.


Flexibilização.

viii
INTRODUÇÃO

As relações entre trabalhadores e proprietários dos meios de produção, regra


geral, se caracterizaram ao longo da história (ao menos a história moderna), pela
existência de um forte conflito de interesses.
De um lado, os trabalhadores sempre buscaram a melhoria das suas
condições de vida e de trabalho, podendo ser citados como objetivos, o aumento de
salários, a redução das jornadas de trabalho, a busca por uma maior segurança
quanto à manutenção do emprego, dentre outras.
Já do outro lado, encontram-se os empregadores (empresas, empresários,
grupos econômicos, grandes conglomerados, etc.), que tem como maior objetivo a
potencialização e aumento de seus lucros, e, para isso, demandam dos
trabalhadores, além de outros, o aumento da produtividade, a desenvolvimento de
novas capacidades e a obtenção de novos conhecimentos, um elevado grau de
comprometimento com o negócio e o sucesso empresarial.
Este conflito de interesses, marca a própria origem do Direito do Trabalho,
que historicamente, tem como sua razão de ser, a proteção ao trabalhador
hipossuficiente, ou melhor, a correção do desequilíbrio existente entre as partes da
relação jurídica trabalhista.
Nessa esteira, é de suma importância destacar dois momentos históricos
distintos, os quais se pretendem analisar de forma um pouco mais aprofundada, ao
longo do presente trabalho monográfico.
O primeiro é o período que vai da primeira revolução industrial, nos fins do
século XVI e início do século XVII, até a primeira quadra do século XX – para tratar
somente das relações oriundas da interação entre o trabalho humano e os meios de
produção no sistema capitalista –, quando o desrespeito à vida, à saúde, à
integridade física, psíquica e moral, e à dignidade do trabalhador, levaram à luta por
melhores condições, esses cidadãos que tinham como único meio de subsistência a
sua força de trabalho.
Importante destacar nesse ponto, que foi nesse período que ocorreram as
revoluções liberais (Século XVIII), destacando-se a Revolução Francesa e a
Revolução Industrial. Esses acontecimentos históricos criaram as condições
2

políticas e tecnológicas propícias para a aludida exploração da mão-de-obra dos


trabalhadores pelos donos dos meios de produção, levando às mazelas ora
mencionadas.
Nesse quadro de exercício de poder econômico pelo empresário capitalista
sobre a classe trabalhadora enfraquecida econômica, política e socialmente, a
regulação dessa relação pelo direito era restrita ao direito privado (contratos), tendo
como princípios diretores: a autonomia da vontade e o direito de propriedade. Dessa
forma, o trabalhador locava sua força de trabalho (“prestação”) e o capitalista tinha
como única obrigação o cumprimento de uma prestação com expressão financeira
(dinheiro, alimentos, etc.).
A ausência de limitação ao exercício (e abuso) do poder econômico dos
detentores dos meios de produção, e de uma regulação específica das relações
jurídicas mencionadas, possibilitou a imposição à classe trabalhadora de condições
de trabalho que colocavam a sua saúde e vida em risco, dentre elas pode se
destacar a prática de jornadas extenuantes e o labor em condições de falta de
higiene e segurança.
Esse cenário de violação da dignidade humana, unido às diversas crises
econômicas e sociais do período, possibilitaram o surgimento e fortalecimento de
leis de proteção aos trabalhadores e do próprio Direito do Trabalho, que se
desenvolveu como ramo autônomo da ciência jurídica, com princípios próprios,
destacando-se, o princípio da proteção, o que deu ao aludido ramo do Direito, uma
característica de defesa aos interesses dos trabalhadores, o que não ficou imune a
críticas ao longo dos anos.
O segundo período que se destaca, é aquele que teve inicio no último quarto
do século XX e se estende até os dias atuais, momento em que ocorreu o
reflorescimento do liberalismo no cenário político, chamado por alguns de
neoliberalismo, com o governo de Margaret Thatcher na Inglaterra.
Com esse novo fortalecimento do liberalismo, as críticas às legislações
trabalhistas se multiplicaram e surgiram algumas teorias que passaram a defender o
“abrandamento” do Direito do Trabalho, através das propostas de “flexibilização” da
legislação trabalhista.
Ao longo das últimas décadas avolumaram-se os embates entre os
defensores do caráter tutelar do Direito do Trabalho, e aqueles que advogam a tese
3

de reestruturação e revisão da legislação trabalhista, defendo a autonomia da


vontade como padrão para a regulação das relações entre o trabalho e o capital. E
no meio dessa discussão está o princípio da proteção.
Na realidade atual, a já mencionada hipossuficiência do empregado perante o
seu empregador permanece, mormente quando se tem em conta as grandes
empresas transnacionais, que em seu poderio econômico consideram, muitas vezes,
mais vantajoso descumprir as normas de proteção do trabalhador do que respeitá-
las.
Por essas razões – propostas de flexibilização e violação das normas
protetivas e da própria dignidade, saúde e vida dos trabalhadores – é que se faz
necessária uma releitura do princípio da proteção em conformidade com o princípio
da dignidade da pessoa humana e os direitos fundamentais, no sentido, de se
perscrutar quando à viabilidade de afirmação de seu significado tradicional ou a
necessidade de sua ressignificação, tendo em vista a efetiva proteção da dignidade,
saúde, vida e bem-estar do trabalhador.
Partindo desse quadro histórico, pretende-se com a presente monografia, de
maneira geral, reafirmar a importância do princípio da proteção como matriz
hermenêutica central das relações entre trabalhadores e empresas e como norma
que assegura ao cidadão-obreiro às promessas de vida digna e trabalho decente, e
de forma mais específica, analisar o aludido princípio e sua relevância para o Direito
do Trabalho, destacando sua relação com os fundamentos da República Federativa
do Brasil e da Ordem Econômica pátria, estabelecidos na Constituição Brasileira de
1988 e apresentar uma crítica às teorias e concepções que rivalizam com o citado
princípio.
Assim, no presente trabalho, utilizando-se como metodologia principal a
pesquisa bibliográfica de autores clássicos e renomados da ciência jurídica laboral, e
de novos autores que propõem uma releitura do Direito do Trabalho à luz da
Constituição, se buscará proceder, no primeiro capítulo, a uma análise quanto à
força normativa dos princípios, e as origens do Direito do Trabalho, abordando-se a
clássica formulação do princípio da proteção, o desenvolvimento desse ramo da
ciência jurídica no Brasil, e a necessidade de uma releitura do citado princípio.
No segundo capítulo, far-se-á uma investigação quanto às mudanças
ocorridas no mundo do trabalho nas últimas décadas e das propostas de
4

flexibilização do ramo do Direito em estudo, e, finalmente, das consequências


desses fenômenos para os trabalhadores.
Subsequentemente, no capítulo três, serão trabalhadas as conexões entre o
princípio tema da presente pesquisa e Constituição da República Brasileira de 1988,
ressaltando-se a centralidade da Constituição e os fundamentos constitucionais da
República e da Ordem Econômica, finalizando o capítulo com uma verificação
quanto à afirmação constitucional do princípio da proteção e da importância do
princípio da proporcionalidade, nesse aspecto.
Finalmente, no último capítulo, serão abordadas as novas propostas
doutrinárias para efetivação do princípio da proteção na contemporaneidade.
1 DIREITO E TRABALHO: A HIPOSSUFICIÊNCIA DO TRABALHADOR NA
CLÁSSICA TEORIA DO PRINCÍPIO DE PROTEÇÃO E SUA PERSISTÊNCIA NA
REALIDADE ATUAL

1.1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Na realidade contemporânea, marcada pela multiplicidade das formas de vida


e de visões de mundo (individuais ou coletivas), um traço presente em qualquer
sociedade é a existência de conflitos. Esses aparecem em qualquer momento da
história, seja de forma mais branda ou de uma maneira mais acentuada. Essa é a
matéria-prima do direito, mormente, quando tomado em sua acepção tradicional de
ordenador da vida em sociedade1, de instrumento por meio do qual seria possível a
pacificação da vida social, a resolução dos conflitos.
Nessa esteira, pode-se dizer que a principal forma com que o direito se
apresenta é através de normas, e não qualquer espécie de normas, mas normas
jurídicas. O direito, nessa acepção, é entendido como emanação do poder estatal de
regulação da vida em sociedade.
As normas jurídicas podem ser dividas em princípios e regras, sendo os
primeiros, segundo Robert Alexy, mandamentos de otimização, “normas que
ordenam que algo seja realizado na maior medida possível dentro das possibilidades
jurídicas e fáticas existentes”2. Já as regras “são normas que são sempre ou
satisfeitas ou não satisfeitas. Se uma regra vale, então, deve se fazer exatamente
aquilo que ela exige; nem mais, nem menos”3. Os princípios, “segundo este critério,
são analisados em uma dimensão de peso”4.
De acordo com essa caracterização dos princípios elaborada pelo teórico
alemão, pouco importa o grau de generalidade, superioridade hierárquica, abstração
ou fundamentalidade, critérios tradicionalmente utilizados na definição dos

1
Cf. REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito, 26 ed. rev. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 1-3.
Sobre a NOÇÃO ELEMENTAR DE DIREITO.
2
ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. Trad. Virgílio Afonso da Silva. São Paulo:
Malheiros, 2008. p. 90.
3
ALEXY, R. Op. cit. p. 91.
4
BORGES, Rodrigo Lanzi de Moraes. O conceito de princípio: uma questão de critério. Revista de
Direitos Fundamentais e Democracia. Curitiba, v. 7, n. 7, jan./jun. 2010. p. 267.
6

princípios. Isso, todavia, não exclui a possibilidade de que um princípio seja uma
norma fundamental, situando-se no topo do sistema jurídico ou de um determinado
ramo da ciência jurídica, ou que tenha um maior grau de abstração e generalidade.
Apenas, para o jusfilósofo alemão, esses não são os caracteres que servem para
distinguir o que são e o que não são princípios.
Considerando essa característica de concreção dos princípios, em maior ou
menor grau, interessante observar o que diz Américo Plá Rodriguez, ainda que com
uma visão bem distinta sobre sua natureza e conceituação: “Os princípios têm
suficiente fecundidade e elasticidade, para não ficar presos a fórmulas legislativas
concretas. Têm de possuir a devida maleabilidade para inspirar diferentes normas
em função da diversidade de circunstâncias”5.
Importante destacar, ainda, a diferenciação feita por Alexy entre princípio e
valor, no sentido de que através do primeiro é possível estabelecer o que é devido, e
por meio do segundo estabelece-se o que é melhor6. Dessa maneira, a
diferenciação entre ambos se dá em virtude do caráter deontológico dos princípios e
axiológico dos valores, tendo o modelo de princípios vantagem sobre o modelo de
valores, uma vez que o direito delimita o que deve ser e, como dito pelo jusfilósofo
alemão, no modelo de princípios “o caráter deontológico do direito se expressa
claramente”7.
Em face desse caráter normativo-deontológico e de sua característica de
mandamentos de otimização, é que os princípios se colocam na base do
ordenamento jurídico, fornecendo as razões que informam as demais normas
jurídicas, sem perder, contudo, sua normatividade, o que possibilita a tomada de
decisões com base em princípios. Nesse ponto, remete-se novamente às lições do
professor uruguaio: “É preciso saber extrair, da riqueza potencial dos princípios, toda
a seiva que possam ter para gerar diferentes modelos prático ou para funcionar em
ambientes diferentes”8.
Sem maiores delongas, tendo em vista que não é objeto do presente trabalho
a abordagem aprofundada da teoria dos princípios, é possível afirmar, com base na
teoria de Robert Alexy e de Américo Plá Rodriguez, a centralidade e importância dos
5
RODRIGUEZ, Américo Plá. Princípios de Direito do Trabalho. 3 ed. São Paulo: LTr, 2000. p. 80.
6
Cf. ALEXY, R. Op. cit. p. 153.
7
Loc. cit.
8
RODRIGUEZ, A. P. Op. cit.. p. 81.
7

princípios no Direito, e mais especificamente no Direito do Trabalho, cabendo


investigar, portanto, sobre a posição ocupada pelo princípio da proteção dentro da
ciência juslaboral na atualidade, não sem antes compreender a gênese desse
princípio e do próprio Direito do Trabalho, e o contexto histórico de sua formação.

1.2 ORIGENS DO DIREITO DO TRABALHO: O CONFLITO ENTRE TRABALHO E


CAPITAL E A QUESTÃO SOCIAL

O Direito do Trabalho se desenvolveu a partir do conflito entre trabalho e


capital. Saliente-se, contudo, que essa relação entre trabalhadores e proprietários
dos meios de produção que está nas origens históricas da ciência juslaborista é
específica, qual seja, “o trabalho prestado a terceiros, sob uma relação tecnicamente
livre”9. Esse tipo de trabalho – tecnicamente livre – encontra as condições propícias
ao seu crescimento e desenvolvimento a partir da Revolução Industrial ocorrida no
século XVIII. Nessa mesma linha de raciocínio leciona João Humberto Cesário:

naquele momento histórico houve a introdução da máquina a vapor no


processo produtivo, criando-se as bases para a existência de uma produção
em grande escala e da criação de uma economia verdadeiramente de
mercado, a demandar a contratação de um crescente contingente de
trabalhadores colimando suprir a demanda cada vez maior de força-labor, o
que promoveu a transformação do trabalho em emprego e desaguou na
ocorrência de uma série de conflitos coletivos de natureza reivindicatória,
10
que serviram para a propulsão da criação do Direito do Trabalho .

Esse conflito entre os trabalhadores livres e os capitalistas emergido


condições geradas pelo processo histórico de transformação do modo de produção
de riquezas pelo ser humano, fez surgir o fenômeno que ficou conhecido como
“questão social”.
9
BARBAGELATA, Héctor-Hugo. A evolução do pensamento do direito do trabalho. Trad. Sidnei
Machado. São Paulo: LTr, 2012. p. 16.
10
CESÁRIO, João Humberto. Técnica processual e tutela coletiva de interesses ambientais
trabalhistas: os provimentos mandamentais como instrumentos de proteção da saúde do cidadão-
trabalhador. São Paulo: LTr, 2012. p. 57.
8

Para o professor uruguaio Héctor-Hugo Barbagelata, a “questão social” está


na gênese do Direito do Trabalho11. Segundo ele,

a expressão questão social responde à intenção de dar um nome a uma


série de fenômenos em torno do processo de industrialização e,
particularmente, a disseminação de condições extremamente penosas e até
12
miseráveis de vida e de trabalho .

Em apertada síntese, pode-se dizer que o Direito do Trabalho surge como


uma resposta à questão social e aos conflitos que a caracterizam. Se de um lado, a
classe trabalhadora reivindicava melhores condições de vida e de trabalho, do outro,
os detentores dos meios de produção defendiam a autonomia da vontade e o direito
de propriedade, e a aplicação do direito comum (civil) às relações de trabalho.
Porém, esse conflito tinha a marca do desequilíbrio, já que de um lado estavam os
capitalistas detentores de poder econômico, e do outro os trabalhadores, que
isolados encontravam-se em situação de sujeição à vontade dos primeiros, e
somente tinham força para resistir e negociar quando considerados coletivamente.
Essa situação de desequilíbrio foi uma das razões para origem de diversas
leis de proteção aos trabalhadores e do próprio Direito Laboral, enquanto disciplina
autônoma da ciência jurídica. Nesse sentido, Plá Rodriguez afirma que “o Direito do
Trabalho surge como conseqüência de uma desigualdade: a decorrente da
inferioridade econômica do trabalhador. Essa é a origem da questão social e do
Direito do Trabalho”13.
O Direito Civil, fundado na autonomia da vontade e na liberdade contratual
(formal), e diante desse quadro de desigualdade material, se mostrou incapaz de dar
uma resposta suficiente e capaz de reduzir a conflituosidade própria da relação
“trabalho-capital”. Analisando essa questão, Sampaio Oliveira assevera que:

11
“A trajetória do Direito do Trabalho […] se inicia em meio à chamada questão social e é em função
dela que surge e se propaga um novo direito”.(BARBAGELATA, H. Op. cit., p. 16 – grifo do original).
12
BARBAGELATA, H. Op. cit., p. 19 (grifo do original).
13
RODRIGUEZ, A. P. Op. cit.. p. 66.
9

o Direito do Trabalho surge, então, por uma série de rupturas. A ruptura


com a liberdade formal e sua consequente autonomia privada. A ruptura [...]
com a igualdade formal, em prol de outra real e efetiva, hodiernamente
definida como igualdade material. A ruptura com o individualismo, este que
caracterizou o direito moderno como sendo o pilar central do Direito
14
Privado, ao afirmar a coletividade dos interesses e sua força social .

A força propulsora dessa ruptura é justamente a ideia de se proteger a parte


mais fragilizada da relação jurídica, ou seja, os trabalhadores. Porém, a ideologia da
proteção não serviu somente como razão fundante do Direito do Trabalho, ela é, de
acordo com Sampaio Oliveira “o caractere essencial desta ciência jurídica e,
portanto, indispensável”15.
A proteção jurídica teria, ainda, como objetivo reduzir a situação de penúria
da classe trabalhadora. Nas palavras de Mário De La Cueva

a finalidade imediata do Direito do Trabalho é elevar os níveis de vida dos


homens para que possam desfrutar do espetáculo da natureza e dos bens
produzidos pelo trabalho material e intelectual de nossos antepassados e
16
pela ação criadora daqueles que convivem conosco .

Eis a proteção, tema central do presente estudo, que será analisada enquanto
princípio especial do direito laboral na próxima seção.

1.3 O PRINCÍPIO DA PROTEÇÃO

Os princípios permeiam todos os ramos do direito, estruturando, informando,


fundamentando e conformando o ordenamento jurídico. Há princípios de caráter
mais abrangente que fundamentam e informam toda a ordem jurídica, é o caso, por
exemplo, do princípio da dignidade da pessoa humana, inserto no inciso III do artigo

14
OLIVEIRA, Murilo Carvalho Sampaio. (Re)Pensando o princípio da proteção na
contemporaneidade. São Paulo: LTr, 2009. pp. 66-67.
15
OLIVEIRA, M. C. S. Op. cit. p. 67.
16
CUEVA apud OLIVEIRA, M. C. S. Op. cit. p. 56.
10

1º da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Contudo, cada área


da ciência jurídica é dotada de princípios peculiares, específicos, que dão uma
conformação própria a cada uma dessas áreas.
Como toda disciplina jurídica autônoma, o Direito do Trabalho é dotado de
princípios próprios, podendo-se destacar os princípios de proteção e da
irrenunciabilidade, dentre tantos outros enumerados pelos doutrinadores desse ramo
especial da ciência jurídica17.
Ainda que sejam muitos os princípios especiais do Direito do Trabalho
elencados por cada autor, tradicionalmente, o princípio da proteção é alçado a
condição de princípio basilar desta disciplina jurídica, principalmente, em virtude da
ideologia protetiva do trabalhador hipossuficiente exposta no tópico anterior, que
permeou o Direito Laboral desde o seu nascedouro.
Nessa esteira, Américo Plá Rodriguez leciona:

O princípio de proteção se refere ao critério fundamental que orienta o


Direito do Trabalho, pois este, ao invés de inspirar-se num propósito de
igualdade, responde ao objetivo de estabelecer um amparo preferencial a
18
uma das partes: o trabalhador .

Na mesma linha de pensamento quanto à centralidade e fundamentalidade do


princípio da proteção, pode-se destacar dentre os doutrinadores brasileiros, Maurício
Godinho Delgado que assim observa:

a noção de tutela e de retificação jurídica da reconhecida desigualdade


socioeconômica e de poder entre os sujeitos da relação de emprego (ideia
inerente ao princípio protetor) não se desdobra apenas nas três citadas
dimensões. Ela abrange, essencialmente, quase todos (senão todos) os
19
princípios especiais do Direito Individual do Trabalho .

17
O magistrado baiano Murilo Oliveira – na obra citada, pp. 107-108 –, exemplifica essa diversidade
de enumerações de princípios especiais do Direito do Trabalho, dentre os diversos estudiosos, com
os ensinamentos de Américo Plá Rodriguez que enumera sete princípios especiais, e de Pinho
Pedreira que lista nove princípios peculiares desse ramo do saber jurídico.
18
RODRIGUEZ, A. P. Op. cit.. p. 83.
19
DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 11 ed. São Paulo: LTr, 2012. p.
194.
11

A posição central do princípio protetivo e o seu significado, na concepção de


Plá Rodriguez, parecem estar atrelados à própria finalidade do Direito do Trabalho.
Aliás, essa concepção quanto à posição cardeal ocupada pelo princípio de proteção,
parece ser comungada por toda uma geração de juristas e doutrinadores, como
realçam Murilo Carvalho Sampaio Oliveira, Sayonara Grillo Coutinho Leonardo da
Silva e Luiz Eduardo Figueira20.
Ainda, de acordo com o professor uruguaio Plá Rodriguez, o princípio de
proteção se expressa em três formas de aplicação: a regra do “in dubio, pro
operário”, a regra da norma mais favorável e a regra da condição mais benéfica21.
Na lição do mestre uruguaio, a regra do “in dubio pro operário” significa:
“critério que deve utilizar o juiz ou intérprete para escolher, entre vários sentidos
possíveis de uma norma, aquele que seja mais favorável ao trabalhador” 22. Já a
regra da norma mais favorável “determina que, no caso de haver mais de uma
norma aplicável, deve-se optar por aquela que seja mais favorável, ainda que não
seja a que corresponda aos critérios clássicos de hierarquia das normas” 23. Por fim,
a regra da condição mais benéfica seria o “critério pelo qual a aplicação de uma
nova norma trabalhista nunca deve servir para diminuir as condições mais favoráveis
em que se encontrava um trabalhador”24.
Importante destacar, que na clássica teoria do princípio da proteção essas
três regras assumem um papel crucial na aplicação e realização do aludido princípio,
uma vez que para os estudiosos dessa tradição as duas principais funções dos
princípios são a informadora e a interpretativa25. Conforme salienta Sampaio
Oliveira, “a visão clássica – entendida como aquela prevalecente até a década de
noventa do século passado e bem simbolizada por Américo Plá Rodriguez – negava

20
OLIVEIRA, M. C. S. Op. cit. pp. 62-68. e SILVA, Sayonara Grillo Coutinho Leonardo da;
FIGUEIRA, Luiz Eduardo. A proteção na cultura jurídica trabalhista: revisão conceitual. Revista de
Direitos Fundamentais e Democracia. Curitiba, v. 12, n. 12, pp. 302-325, jul./dez. 2012.
21
RODRIGUEZ, A. P. Op. cit.. p. 107. Quanto à essas três regras, Sampaio Oliveira salienta que “a
maioria da doutrina trabalhista lhes atribui.a qualidade de regra de aplicação do princípio da
proteção”. Op. cit. p.108.
22
RODRIGUEZ, A. P. Op. cit.. p. 107.
23
Loc. cit.
24
Loc. cit.
25
RODRIGUEZ, A. P. Op. cit.. pp. 43-47.
12

peremptoriamente qualquer função normativa própria ou concorrente dos


princípios”26.
A função normativa dos princípios, dentro dessa concepção, se revelaria
exclusivamente no sentido de preencher as eventuais lacunas presentes no
ordenamento jurídico, o que em nada se assemelha com a moderna teoria dos
princípios, como aquela de Robert Alexy, exposta no início deste capítulo, no sentido
de que os princípios gozam de força normativa própria, e não de caráter supletivo.
Por fim, tendo em vista as noções tecidas por Alexy, pode se chegar à
conclusão de que o conteúdo do princípio da proteção, como concebido pela
clássica escola do pensamento jurídico trabalhista, mais se assemelha a ideia de
valor estabelecida pelo jusfilósofo alemão, do que a própria descrição de princípio
por ele formulada27.
Dito isso, já é possível afirmar a incapacidade da doutrina clássica em dar
respostas adequadas às questões surgidas nas últimas décadas do século XX e
neste início do século XXI, mormente em face da volatilidade própria do mundo do
trabalho na atualidade, que será analisada no próximo capítulo, juntamente com as
críticas e tentativas de mitigação do caráter protecionista do Direito do Trabalho.
Explicitado, em linhas gerais, o princípio da proteção à luz da clássica teoria
do direito trabalhista, mostra-se relevante analisar, ainda, a evolução do pensamento
jurídico laboral brasileiro, enfocando principalmente, a importância do princípio
protetivo desde o século passado até os dias atuais.

1.4 O DIREITO DO TRABALHO E O PRINCÍPIO DA PROTEÇÃO NO BRASIL

A relevância para a presente pesquisa da análise do nascimento e


desenvolvimento do Direito do Trabalho e da assunção do ideário protecionista pela
legislação e estudiosos dessa disciplina jurídica no Brasil, reside no fato de que boa

26
OLIVEIRA, M. C. S. Op. cit. p. 103.
27
A diferenciação entre princípio e valor na teoria de Alexy foi abordada na seção 1.1. supra. A
importância da força normativa dos princípios, e especialmente do princípio da proteção, será
abordada mais adiante no capítulo 3, quando será feita uma leitura desse princípio à luz da
Constituição Brasileira de 1988.
13

parte dos críticos do princípio da proteção e defensores da desregulamentação e


flexibilização da legislação reguladora das relações de trabalho no país, se baseiam
na suposta origem autoritária do direito laboral brasileiro, que não mais se
coadunariam com a realidade econômica atual e com a própria democracia28.
O surgimento das leis trabalhistas no Brasil se deu de forma tardia, se
comparado com a regulação das relações de trabalho ocorrida nos países centrais.
Conforme relatam Regina Lucia Morel e Elina Pessanha, “as primeiras leis
trabalhistas surgem de modo esparso, como as de proteção ao trabalho do menor,
em 1891. De 1903 é a lei de sindicalização rural e de 1907, a lei que regulou a
sindicalização de todas as profissões”29. As mencionadas autoras citam, ainda,
diversas leis, decretos, projetos legislativos, como o projeto Código do Trabalho de
Maurício de Lacerda de 1917, e previsões constitucionais – principalmente na
Constituição Brasileira de 1934 –, que foram conformando e dando os contornos
iniciais da disciplina laboral no país.
Elas apontam no sentido de que a regulação das relações laborais e a teia de
proteção aos trabalhadores construída desde as últimas décadas do século XIX no
Brasil, não se originaram de uma mera outorga pelo poder estatal ou pelos
proprietários dos meios de produção, mas decorreram igualmente de “um longo
processo, iniciado antes mesmo da República, de lutas e conquistas de direitos por
parte dos trabalhadores”30.
Esse florescimento e desenvolvimento da legislação trabalhista teve seu ápice
com a Consolidação das Leis do Trabalho em 1943, legislação outorgada pelo
Estado, conduzido à época por Getúlio Vargas na ditadura estado novista.
Percebe-se diante desse quadro histórico que, no Brasil, assim como em
outros lugares do mundo, a proteção jurídica ao trabalhador hipossuficiente assume
um caráter ambivalente e contraditório, de manutenção do “status quo” (preservação
da propriedade privada, dentre outros ideais), mas também de melhoria de vida do
trabalhador (justiça social), objetivos esses que nem sempre convivem de forma
harmônica.

28
Ver por todos ROMITA, Arion Sayão. O princípio da proteção em xeque: e outros ensaios.
São Paulo: LTr, 2003.
29
MOREL, Regina Lucia M. e PESSANHA, Elina G. da Fonte. A justiça do trabalho. Tempo social,
São Paulo, v. 19, n. 2, pp. 87-109, nov. 2007. p. 88.
30
Loc. cit.
14

No caso brasileiro, como bem salientado por Sayonara da Silva e Luiz


Figueira, citando o cientista político e sociólogo Luiz Werneck Vianna, o ideário da
proteção assumiu características próprias. Segundo Vianna,

No confronto entre a ideologia liberal do pós-guerra, acolhida na


Constituição de 1946, e a concepção organicista e autoritária que inspirara
o projeto CLT na era Vargas, uma cultura jurídica específica emergiria das
31
décadas de 1940 e 1950: a do liberalismo comunitarista .

O mencionado cientista político aponta, ainda, no sentido de que prevaleceu


entre as primeiras gerações de juslaboristas brasileiros a tese de que o Direito e o
Estado teriam papel fundamental na regulação das relações de trabalho e integração
dos atores envolvidos, conservando, ainda, uma aversão à liberdade de negociação
no mercado de trabalho32. Importante destacar que em meados do Século XX o
ideário do Estado de Bem-Estar tinha grande força em muitos países do Ocidente, e
isso explica, ao menos em parte, o surgimento do Direito do Trabalho no país,
atrelado à mencionada ideologia de atuação primordial do Estado nessa área.
Outro fator relevante a ser realçado, é a forma de aplicação do Direito do
Trabalho que prevaleceu no Brasil.
Aqui, tem-se o critério da subordinação jurídica, a par dos outros critérios
presentes na legislação pátria, como método preponderante de aplicação da
proteção juslaboral. Esse critério é central, já que o trabalhador em situação de
sujeição é que necessitaria de especial proteção legal, excluindo-se por
consequência os trabalhadores não subordinados (trabalhadores com maior
autonomia e liberdade, seja quanto ao “modus operandis” ou quanto aos frutos do
trabalho).
A subordinação, nas palavras de Sampaio Oliveira, “vincula-se à sujeição do
empregado à direção do empregador. Ou seja, seu conceito relaciona-se, ou
mesmo, é sinalagma do poder diretivo”33. Esse critério prevaleceu sobre as teorias
da dependência econômica e técnica do empregado em relação ao empregador.

31
VIANNA apud SILVA, S. G. C. L. e FIGUEIRA, L. E. Op. cit. p. 304.
32
SILVA, S. G. C. L. e FIGUEIRA, L. E. Op. cit. pp. 304-305.
33
OLIVEIRA, M. C. S. Op. cit. p. 78.
15

1.5 NECESSIDADE DE UMA RELEITURA DO PRINCÍPIO DA PROTEÇÃO

A realidade social e histórica em que surgiu e se desenvolveu o Direito do


Trabalho não é mais a mesma.
Nos tempos atuais, com a revolução tecnológica e as mudanças sociais e
econômicas, toda a clássica fundamentação do princípio da proteção entrou em
crise. O mundo do trabalho passou por diversas mudanças (reestruturação
produtiva, novas formas de prestação de serviços, etc.) e os critérios e razões de ser
do Direito do Trabalho necessitam de uma releitura, como apontam diversos autores
citados até aqui34.
Por essas razões, nos próximos capítulos pretende-se fazer uma análise
dessa nova realidade de crescente precarização em diversos setores do mercado de
trabalho, onde as propostas de flexibilização e desregulamentação se multiplicam,
sendo necessária, diante dessa situação, perquirir quanto à persistência de sujeição
dos trabalhadores perante o capital.
Intentar-se-á, ainda, analisar o princípio da proteção à luz da Constituição
Brasileira de 1988, tendo em vista a valorização do trabalho humano e a livre
iniciativa como fundamentos da Ordem Econômica, e de algumas propostas
elaboradas pela doutrina atual.

34
Ver por todos Murilo Carvalho Sampaio Oliveira e Arion Sayão Romita que apresentam visões e
propostas antagônicas para a questão.
2 A PROTEÇÃO EM CRISE: MUDANÇAS NO MUNDO DO TRABALHO,
PRECARIZAÇÃO E AS TENTATIVAS DE FLEXIBILIZAÇÃO E
DESREGULAMENTAÇÃO DAS RELAÇÕES DE TRABALHO

2.1 LINHAS GERAIS

A fase de consolidação e desenvolvimento do Direito do Trabalho foi marcada


por dois modelos de estruturação da produção e divisão do trabalho, a saber: o
taylorismo e o fordismo.
Segundo Gabriela Neves Delgado, “o modelo de organização taylorista,
elaborado pelo engenheiro norte-americano Frederick Taylor, procurava controlar o
tempo e o rendimento da produção, por meio da teoria dos tempos e movimentos”35.
Para isso, afirma Fernando Hoffmann, “Taylor propôs a divisão do trabalho
em dois níveis – gerentes e não-gerentes – com clara divisão de responsabilidades
manuais e intelectuais entre os trabalhadores”, pois, partia da premissa de que os
operários naturalmente seriam dados a preguiça e a vadiagem36. Com essa divisão,
seria possível um maior e melhor controle sobre o tempo e os movimentos dos
trabalhadores.
Dentro desse modelo, “o trabalhador perde a sua identidade como cidadão e
ser humano e passa a ser considerado como coisa e mera extensão da máquina” 37,
assevera Hoffman.
Já o modelo fordista de produção, utilizando-se das premissas tayloristas,
centrou-se na linha de montagem, onde era possível otimizar o controle do tempo e
da movimentação dos operários. Henry Ford idealizou a produção em série,
possibilitada pela adoção da esteira móvel e pela ampla divisão de tarefas entre os
trabalhadores, sendo possível, dessa forma, aumentar a produtividade, submetendo
os operários a rotinas desumanas de trabalho.

35
DELGADO, Gabriela Neves. Terceirização: paradoxo do direito do trabalho contemporâneo. São
Paulo: LTr, 2003. p. 44 – grifos do original.
36
HOFFMANN, Fernando. O princípio da proteção ao trabalhador e a atualidade brasileira. São
Paulo: LTr, 2003. pp. 142-143.
37
HOFFMANN, F. Op. cit. p. 146.
17

As principais características desse modelo, de acordo com Hoffmann, seriam


as seguintes: “a) o uso de maquinaria; b) a produção de um único produto
estandardizado; c) a existência de trabalhadores com habilidade média e grande
divisão do trabalho; d) a pequena qualificação; e) o mercado de consumo de
massa”38.
A fórmula taylorista/fordista ganhou força e foi adotada por várias indústrias,
em diversos países da Europa e dos Estados Unidos da América, tendo em vista o
ganho na produção e, consequentemente, o aumento do lucro por parte dos
detentores dos meios de produção.
Entretanto, como salienta Gabriela Delgado, é possível perceber que “apesar
de o binômio taylorismo/fordismo propiciar, pela forma de organização do trabalho, o
aumento do número de trabalhadores em torno do processo produtivo,
desconsiderava a qualidade do ‘homem-trabalhador’ como sujeito da produção,
impossibilitando-o de pensar, ser criativo e inovador”39.
Interessante notar, como essa sujeição do trabalhador, atado a uma tarefa ou
atividade específica, atrelada a uma certa continuidade na relação de trabalho, se
encaixa na concepção de subordinação jurídica apresentada no capítulo anterior, e
que foi desenvolvida como maneira de distinguir as formas de trabalho que
necessitariam de proteção, daquelas outras em que o trabalhador teria maior
autonomia, e, por isso, não seria necessário proteger esse último, ou destinar-lhe
uma proteção comparativamente reduzida.
Contudo, nas últimas décadas do século XX, iniciou-se um processo de
mudança no modo de divisão do trabalho denominado de “reestruturação produtiva”
que transformou profundamente o mercado de trabalho, e motivou diversas críticas
ao sistema protetivo trabalhista então vigente. Esse transformação será analisada
em separado no próximo tópico.

38
HOFFMANN, F. Op. cit. p. 147.
39
DELGADO, G. N. Op. cit. p. 52.
18

2.2 REETRUTURAÇÃO PRODUTIVA E TOYOTISMO: O MODO DE PRODUÇÃO


CAPITALISTA EM TEMPOS RECENTES

As décadas de 1970 e 1980 foram marcadas pelo declínio do modelo do


Estado de Bem-Estar Social, com a ascensão da proposta liberal, então com nova
roupagem e novo nome: “neoliberalismo”. Propiciando essa virada ideológica, a crise
econômica dos anos 1970 teve, ainda, um papel importante no surgimento de novas
formas de organização da produção de bens, estas voltadas sempre para o lucro e a
acumulação do capital, ameaçadas em razão da crise.
O toyotismo surge então como possibilidade de se superar a crise do
capitalismo ocidental.
Esse modelo de organização da produção caracteriza-se pela redução de
custos, pela horizontalização da produção e o implemento de novas técnicas de
gestão das empresas40. Esses elementos se articulam basicamente da seguinte
maneira: a proposição que se faz a partir das novas técnicas de gestão é de se
reduzir os custos da produção, através da sua horizontalização.
A redução de custos se justificaria como forma de tornar as empresas mais
preparadas para o enfrentamento das crises, e para isso, elas precisariam ser mais
“flexíveis” ou adaptáveis ao mercado.
Essa flexibilidade poderia ser alcançada através de um controle interno
baseado nos mecanismos da “produção enxuta” ou da “queima de gorduras” e do
“pronto atendimento”41.
A lógica do “downsizing” e do “just in time” consistem na diminuição do
tamanho das unidades fabris e dos estoques de material para produção,
concentrando a atividade empresarial a um dado momento do processo produtivo,
que é voltado para uma demanda já existente. Em outras palavras, se no fordismo
as grandes corporações tinham uma característica expansiva, tanto na busca pelo
aumento das unidades de produção e dos estoques de matérias-primas, quanto pela
tentativa de englobar todas as etapas do processo produtivo e em larga escala, no
40
DELGADO, G. N. Op. cit. p. 94.
41
Os termos produção enxuta, queima de gorduras e pronto atendimento correspondem,
respectivamente, aos seguintes termos na língua inglesa: lean production, downsizing e just in time,
expressões mais conhecidas e mais difundidas.
19

toyotismo a lógica é inversa: as grandes empresas buscam reduzir os espaços


físicos, e também a quantidade de trabalhadores que lhes são submetidos,
concentrando-se em determinadas etapas da produção – normalmente, as etapas
finais –, visando o pronto atendimento das demandas.
A horizontalização da produção, mencionada acima, se dá então como forma
de aumentar o controle sobre o trabalho, visando reduzir custos (eliminar o tempo
ocioso, diminuir o número de trabalhadores necessários, etc.) – “downsing” –, e
melhorar o tempo de resposta às demandas do mercado – “just in time”.
Gabriela Delgado salienta, que é nesse contexto que surgem as equipes de
trabalho e as “ilhas de produção”42. Nessas equipes, o controle de um trabalhador
sobre o outro é intenso, pois “o programa de tarefas do grupo a que pertencem tem
de ser rigorosamente cumprido e, até mesmo, superado em termos de
produtividade, comparando-se com os outros grupos da mesma empresa”43.
O controle da produção não é exercido mais de cima para baixo, como
outrora, mas pelos próprios trabalhadores, uns sobre os outros. Não que se haja
eliminado o controle por superiores hierárquicos, mas sem dúvida, que esse é
mitigado em prol daquele, o que se reverte em benefício para a própria empresa, já
que o trabalhador passa a ter uma identificação maior com o empregador, que é
quem lhe dá a oportunidade do emprego, e um sentimento de contrariedade em
relação a seus pares, pois, se algo acontece de errado dentro da equipe a culpa é
de um de seus membros.
Toda essa lógica de transformação do modo de produção tem, ainda,
algumas características importantes, principalmente no que tange às relações do
capital com os trabalhadores, destacadas por Ricardo Antunes, são elas as
seguintes:

a) a noção de qualidade total passa a estar relacionada ao menor tempo de


duração dos produtos, realçando a tendência expansionista do capital e
revelando a lógica destrutiva do sistema de produção por intermédio da
redução do ciclo de vida útil dos produtos; b) a introdução de novas técnicas
da gestão da força de trabalho com base na informação e com o auxílio dos
computadores (o que não havia nos sistemas taylorista e fordista), aplicadas

42
DELGADO, G. N. Op. cit. p. 97.
43
Loc. cit.
20

pela desconcentração produtiva, da reengenharia, da eliminação de postos


de trabalho, da concepção de células de produção, etc., e com a finalidade
de intensificar as condições de exploração da força de trabalho, com a
redução ou a eliminação do trabalho improdutivo; c) a modificação de vários
aspectos do processo de produção por meio da desregulamentação, da
fragmentação da classe trabalhadora, da precarização do emprego e do
trabalho, da terceirização da força de trabalho e da ruptura do
44
sindicalismo” .

Na esteira das mudanças ocorridas no mundo trabalho e diante dessa nova


forma de gestão dos recursos humanos, surgiram diversas propostas de
modernização da legislação trabalhista, sob o argumento, no caso brasileiro, de que
a regulação dispensada pela lei seria antiquada e incompatível com as novas
relações entre trabalho e capital.
Dentre essas propostas, merece destaque aquela que se refere à
flexibilização da legislação trabalhista, em vista dos fins do presente trabalho, já que
em seu cerne se encontra uma ideia de mitigação ou supressão do caráter protetivo
do Direito do Trabalho.

2.3 FLEXIBILIZAÇÃO E DESREGULAMENTAÇÃO: O PRINCÍPIO DA PROTEÇÃO


EM XEQUE

As propostas de flexibilização das leis que regulam as relações de trabalho


partem de diversas premissas, podendo-se destacar duas: a primeira, a necessidade
de acompanhar a modernização da gestão empresarial e dos recursos humanos, em
vista do inevitável fenômeno da globalização ou mundialização45; a segunda, a
necessidade de conformar essa legislação à Constituição e à democracia vigente no
país, em razão do caráter autoritário (ou anti-democrático) do sistema protetivo
trabalhista brasileiro, ainda vigente46.
Ressalte-se, que uma das expressões que melhor sintetizam essa linha de
pensamento é a da prevalência do negociado sobre o legislado.
44
ANTUNES apud HOFFMANN, F. Op. cit. p. 152.
45
HOFFMANN, F. Op. cit. p. 171.
46
ROMITA, Arion Sayão. O princípio da proteção em xeque: e outros ensaios. pp. 22-23.
21

Nessa esteira, Arion Sayão Romita destaca duas correntes pró-flexibilização,


uma mais radical que conduziria a desregulamentação, destacando-se entre vários
autores, Octavio Bueno Magano, e uma outra mais moderada, que é a adotada pelo
professor fluminense47.

2.3.1 Correntes Pró-flexibilização

2.3.1.1 Corrente radical ou tendente à desregulamentação

A corrente favorável à ampla flexibilização (ou desregulamentação), de


acordo com a lição de Romita, é adotada pelos partidários do neoliberalismo, e parte
do pressuposto de que as normas oriundas do Estado, por seu caráter de
obrigatoriedade, impõem aos atores da relação de trabalho uma regulação
inderrogável (ou inflexível), e insuscetível de conformação às corriqueiras
transformações no mundo da economia e de produção de bens48.
Nesse sentido, e defendendo a tese da maleabilidade e o rompimento com a
rigidez do Direito do Trabalho, Octavio Bueno Magano afirma que

Flexível é algo que se dobra sem quebrar, o fácil de manejar, o elástico, o


maleável. Flexibilizar o Direito do Trabalho quer dizer, portanto, torna-lo
mais ajustável a situações fáticas, menos rígido. Simboliza, ainda, a troca
do genérico pelo individualizado; do válido pelo eficaz; do fantasioso pelo
real. Significa, finalmente, a predominância da convenção coletiva sobre a
lei; da autonomia dos grupos profissionais sobre o paternalismo estatal. A
flexibilização do Direito do Trabalho é o processo de adaptação de normas
trabalhistas à realidade cambiante. Trata-se de processo porque se traduz
em sucessão de estados e mudanças. Caracteriza-se como adaptação
porque não gera mudanças in vitro e sim as exigidas pela realidade
cambiante, como por exemplo, retrações ou expansões econômicas,
49
processo tecnológico, transformações sociais ou políticas .

47
ROMITA, A. S. Op. cit. p. 62.
48
Loc. cit.
49
MAGANO apud HOFFMANN, F. Op. cit. p. 170.
22

Para os defensores dessa ideia, o Direito do Trabalho deve ser norteado pela
autonomia privada coletiva, valorizando assim, a participação dos sujeitos das
relações de trabalho (trabalhadores e empresas) na formação do ordenamento
jurídico trabalhista, através de uma ampla e irrestrita liberdade sindical, em
detrimento da atuação/regulação estatal. Em suma, o negociado deve prevalecer
sobre o legislado.
De se notar, por fim, que levada ao extremo, essa concepção conduz ao
fenômeno da desregulamentação, que pode ser entendido como supressão da
regulação estatal no tocante às relações havidas no mundo do trabalho.

2.3.1.2 Corrente moderada

A corrente intermediária, a qual se filia Arion Romita, concebe uma


flexibilização controlada, que teria como finalidade combater o desemprego e manter
o equilíbrio, ainda que instável, das forças opostas nas relações em questão (capital
e trabalho).
Para o professor fluminense, seria impensável a supressão total da
intervenção do Estado nessa área. Entretanto, na sua visão, a manutenção da
rigidez da legislação trabalhista seria incompatível com o regime capitalista e com a
democracia. Seguindo essa orientação, ele defende que “um mínimo de garantias
deve continuar sendo assegurado por lei aos trabalhadores, mas seu interesse na
preservação do emprego (concretizado na viabilização da negociação in peius) há
de ser amparado pelo ordenamento”50.
Os dois argumentos centrais utilizados por Romita são o de que a legislação
protecionista tem um caráter autoritário, e que, ao invés de proteger o trabalhador, o
desprotegem, gerando mais desemprego.
Nesse mesmo sentido, Arnaldo Süssekind assevera que a flexibilização

50
ROMITA, A. S. Op. cit. pp. 69-70.
23

corresponde a uma fenda no princípio da inderrogabilidade das normas de


ordem pública e no da inalterabilidade in peius das condições contratuais
ajustadas em favor do trabalhador, visando a facilitar a implementação de
nova tecnologia ou preservar a saúde da empresa e a manutenção de
51
empregos .

Em suma, a proteção é vista também nessa linha de pensamento como algo


contrário aos interesses dos trabalhadores e dos empresários, já que na prática
engessariam o sistema causando prejuízos para os dois lados, sendo necessário,
também aqui, adotar a tese da supremacia do negociado sobre o legislado, com
certos limites em relação aos adeptos da desregulamentação.

2.3.2 Crítica às correntes pró-flexibilização

As teses favoráveis à flexibilização da legislação brasileira concernente ao


trabalho apresentadas acima, podem ser criticadas por diversas razões, destacando-
se, dentre elas, a falsa modernidade que pretende traduzir, o fato de que a
legislação nacional é já bastante flexível, e pela própria realidade de precarização do
mundo do trabalho e de aumento da vulnerabilidade do trabalhador52.
No tocante à ideia de modernização do Direito do Trabalho por meio da
flexibilização, Souto Maior se posiciona no sentido de que “a flexibilização (que
reflete mera intenção de reduzir os custos do trabalho) se impõe, apresentando-se
como moderna, embora tenha estado na própria origem paradoxal das primeiras leis
trabalhistas”53.
Adotando, igualmente, uma visão crítica sobre as propostas flexibilizantes,
José Affonso Dallegrave Neto expõe que, em sua opinião,

51
ROMITA, A. S. Op. cit. p. 71.
52
Esses dois últimos temas, da precarização e da vulnerabilidade do trabalhador serão tratados na
última seção do presente capítulo.
53
SOUTO MAIOR apud OLIVEIRA, M. C. S. (Re)Pensando o princípio da proteção na
contemporaneidade. p. 48.
24

a flexibilização da relação de trabalho é uma corrente doutrinária desenhada


por juristas do novo paradigma neoliberal, patrocinada por empresários e
organizações financeiras mundiais, que visa basicamente: a)
desregulamentar a legislação trabalhista; b) estimular formas flexíveis de
contratação de empregados e rescisões sem ônus; c) acabar com o
princípio de proteção ao empregado – introduzido pelo paradigma do
54
Estado Social intervencionista, no início deste século” .

O professor paranaense menciona, ainda, diversos exemplos que


demonstram o fato de que a legislação brasileira é uma das mais flexíveis do
mundo55.
Ressalta-se, finalmente, que a ideologia da flexibilização se mostra bastante
condizente com os interesses do capital, já que a proposta toyotista de gestão da
produção é justamente na direção de tornar as empresas mais maleáveis e flexíveis,
com a redução custos e em busca do aumento da produtividade. Ou seja, ao
contrário do que alegam muitos dos defensores da flexibilização, essa não tem
caráter democrático, haja vista que em dissonância com os interesses da classe
trabalhadora.

2.4 A NOVA QUESTÃO SOCIAL: PRECARIZAÇÃO E VULNERABILIDADE DO


TRABALHADOR

As mudanças ocorridas no capitalismo ao longo das últimas décadas tiveram


grande impacto sobre o mundo do trabalho. O discurso que partiu dos teóricos do
novo liberalismo nesse período – expressando o interesse e ideologia empresarial –,
e principalmente, na última década, foi o de que a reestruturação da produção, a
partir do modelo toyotista, seria capaz de promover o bem-estar dos trabalhadores,
conferindo-lhes maior autonomia ou liberdade, e propiciaria maior inclusão desses
atores sociais.

54
DALLEGRAVE NETO apud ROMITA, A. S. Op. cit. p. 63.
55
DALLEGRAVE NETO apud HOFFMANN, F. Op. cit. p. 172.
25

Todavia, essas transformações não produziram o aumento da autonomia e da


liberdade, ou inclusão de uma grande massa de trabalhadores. A respeito desse
insucesso do “novo capitalismo”, é interessante o pensamento de Richard Sennett.
Diz ele o seguinte:

Os apóstolos do novo capitalismo argumentam que sua versão a respeito


desses três temas – trabalho, talento e consumo – redunda em mais
liberdade para a sociedade moderna, uma liberdade fluída, uma
“modernidade líquida”, na excelente formulação do filósofo Zygmunt
Bauman. Meu motivo de disputa com eles não está em saber se sua versão
do novo é real; as instituições, as capacitações e os padrões de consumo
efetivamente mudaram. O meu ponto de vista é que essas mudanças não
56
libertaram as pessoas .

Muitos estudiosos do tema se posicionam em sentido similar a esse


pensamento de Sennett, um dos quais, o sociólogo francês Robert Castel. O foco de
estudo do autor francês é mais restrito à questão do trabalho, que é pensado por ele
“não enquanto relação técnica de produção, mas como um suporte privilegiado de
inscrição na estrutura social”57.
Castel destaca que duas consequências negativas da nova realidade do
mundo do trabalho são a precarização e o desemprego, e, como realça André
Augusto Brandão, para o teórico francês estes dois elementos seriam a marca da
“nova questão social”58.
A remissão ao termo “questão social” em Castel não é acidental, pois, se nos
primórdios do Direito do Trabalho essa expressão remetia à ideia de exploração dos
trabalhadores submetidos a jornadas extenuantes e péssimas condições de trabalho
e de vida, na atualidade ela se refere às novas formas reificação do ser humano.
Nesse sentido, Brandão, calcado na obra do sociólogo francês, assevera que

56
SENNETT, Richard. A cultura do novo capitalismo. Trad. Clóvis Marques. Rio de Janeiro:
Record, 2006. pp. 20-21.
57
CASTEL apud SANTANA, Marco Aurélio; RAMALHO, José Ricardo. Trabalhadores, sindicatos e a
nova questão social. In: _____. Além da fábrica: trabalhadores, sindicatos e a nova questão social.
São Paulo: Boitempo, 2003. p. 20.
58
BRANDÃO, André Augusto. Conceitos e coisas: Robert Castel, a “desfiliação” e a pobreza
urbana. Revista Emancipação, Ponta Grossa, v. 2, n. 1, 2002. p. 144.
26

a situação de remercantilização plena da força de trabalho que passa a ser


mais uma vez (como nos tempos iniciais da revolução industrial) submetida
aos critérios únicos do mercado, consiste no elemento fundamental que
coloca as bases para a precariedade do trabalho e para a generalização do
59
desemprego .

Em razão dessa lógica excludente e desumanizante, Castel afirma que “De


agora em diante, para muitos, o futuro é marcado pelo selo do aleatório”60.
Isso ocorre, porque a precarização é um processo que ataca a principal base
de sustentação das relações de emprego, qual seja, o contrato de trabalho por
tempo indeterminado, que, segundo o estudioso francês, deverá ser minoritário em
futuro muito próximo, cedendo espaço para outras formas de contratação, como os
contratos de trabalho por tempo determinado e os contratos de tempo parcial, dentre
outros61.
A apreensão do fenômeno da precarização, de acordo com Robert Castel, é
que possibilitaria “compreender os processos que alimentam a vulnerabilidade social
e produzem, no final do percurso, o desemprego e a desfiliação”62.
As exigências de qualificação e capacidade de adaptação por parte dos
empregados, aliadas à submissão da produção aos fluxos de demanda (“just in
time”), geram o ambiente propício ao surgimento da vulnerabilidade. Assim, o
trabalhador vulnerável seria aquele empregado que pode ser demitido a qualquer
momento, dependendo das necessidades da empresa63.
Nesse contexto, com esteio nas lições de Castel, Brandão assevera que

Este seria o quadro onde se desenvolve a “nova questão social”, marcada


por três processos que se interligam: a) a “desestabilização dos estáveis”
(ou seja a ameaça de desintegração de parcelas da classe operária que se
achavam solidamente integradas e dos assalariados de classe média); b) a
“instalação da precariedade” (através do crescimento do desemprego
contínuo e recorrente e da mudança na lógica de oferta dos postos de
trabalho, que são agora cada vez mais temporários e, c) o déficit de

59
Loc. cit.
60
CASTEL apud BRANDÃO, A. A. Op. cit. p. 144.
61
Nesse sentido: BRANDÃO, A. A. Op. cit. p. 145.
62
CASTEL apud BRANDÃO, A. A. Op. cit. p. 145.
63
Loc. cit.
27

lugares (que é, por sua vez, determinado pelo crescimento do desemprego


e da precarização e significa que, simplesmente, há uma ausência ou uma
falta de “lugares ocupáveis na estrutura social”, que possam trazer ao
agente social perspectivas de integração devido exatamente à utilidade
64
social do que está realizando) .

Ressalta-se, nesse ponto, que apesar de os estudos do sociólogo francês


estarem baseados na realidade europeia – mais especificamente na França –, a
situação do trabalhador brasileiro se revela tão iniqua quanto àquela apresentada
pelo aludido autor.
O estudo de Brandão, mencionado acima, voltou-se para o caso brasileiro, e
aponta que boa parte dos trabalhadores no país, “também enfrentam o desemprego
elevado, a grande precariedade nas relações de trabalho que conseguem
estabelecer, a ausência de laços de classe que possam viabilizar ações coletivas
comuns de maior amplitude”65.
Diante dessa situação de vulneração e exclusão a que é submetida a classe
trabalhadora, mostra-se inviável a opção pela via flexibilizante, já que esta seria
apenas uma transposição para o mundo jurídico da realidade já assente no interior
das grandes corporações.
Dessa forma, as palavras de Mario De La Cueva, ainda se mostram atuais, no
sentido de que a finalidade do Direito do Trabalho é que

o homem trabalhador seja o motor da história e o fim último supremo da


civilização e cultura. [...] o homem tem direito a obter, em troca de seu
trabalho, um ingresso em dinheiro e condições para a prestação de
serviços, que assegurem para ele e sua família uma existência livre, digna e
66
economicamente satisfatória .

Por essas razões, que se entende que o princípio da proteção necessita de


uma leitura à luz da Constituição da República Brasileira, tendo em mira o princípio
da dignidade da pessoa humana, a fim de se pensar um Direito do Trabalho

64
BRANDÃO, A. A. Op. cit. p. 146.
65
BRANDÃO, A. A. Op. cit. p. 154-155.
66
CUEVA apud OLIVEIRA, M. C. S. Op. cit. p. 67.
28

constitucionalmente adequado e em consonância com a democracia, conforme se


verá no próximo capítulo.
3 O PRINCÍPIO DA PROTEÇÃO E A CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA DE 1988

3.1 O DIREITO DO TRABALHO E A CENTRALIDADE DA CONSTITUIÇÃO

A regulação das relações entre trabalhadores e detentores dos meios de


produção no Brasil tem como principal obra legislativa, ainda hoje, a Consolidação
das Leis do Trabalho de 1943, surgida em meio ao governo de cunho autoritário
chefiado por Getúlio Vargas, em que pese, o surgimento de uma vasta legislação
esparsa e especializada sobre o tema, ao longo de todo o século XX.
Desde a sua outorga, no final da primeira metade do século passado até os
anos 1990, esta era a fonte central de inspiração e fundamentação das decisões
judiciais no âmbito trabalhista, mesmo após o advento da Constituição da República
de 1988, tendo em vista que o reconhecimento da força normativa da Constituição
ampliou-se nos Tribunais brasileiros apenas nas últimas décadas. Sobre esta
centralidade das leis em detrimento da Constituição, leciona Gustavo Binembojm
que

Em passado não muito distante, considerava-se que a Constituição não


seria autêntica norma jurídica, dotada de cogência e imperatividade, mas
antes uma proclamação retórica de valores e diretrizes políticas. Os
preceitos constitucionais deveriam inspirar o legislador, mas não poderiam
ser diretamente aplicados pelos juízes na resolução de controvérsias
judiciais. Os magistrados e operadores do Direito em geral deveriam
fundamentar suas decisões exclusivamente nas leis em vigor, consideradas
autênticas expressões da soberania popular
67
.

Contudo, essa concepção do direito centrado na lei – positivismo clássico –,


começou a ceder espaço, nas últimas décadas, para a visão que coloca no centro
do ordenamento jurídico a Constituição, denominada de neoconstitucionalismo ou
pós-positivismo.

67
BINEMBOJM, Gustavo. Uma Teoria do Direito Administrativo: direitos fundamentais,
democracia e constitucionalização. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. p. 61.
30

Esse reposicionamento da Constituição no ordenamento jurídico se deve ao


reconhecimento de sua força normativa, que decorreu de diversos fatores,
mormente pela reaproximação entre o direito e a moral, em vista da incapacidade da
teoria positivista clássica – e da lei em sentido estrito –, em evitar os abusos
cometidos durante as experiências de cunho autoritário ocorridas ao longo de todo o
século passado, dentre as quais se destaca a experiência nazifascista.
A doutrina pós-positivista, na esteira do reconhecimento da força normativa
da Constituição, tem realçado a força vinculante dos princípios constitucionais,
enfatizando que a sua aplicação, e consequente produção de efeitos jurídicos, não
depende da existência de leis. Dessa forma, os princípios insertos na Constituição
passam a ser vistos como normas jurídicas, e não mais como meros vetores de
integração e interpretação do direito68.
É dentro dessa compreensão quanto à normatividade dos princípios e da
Constituição que passou a se falar em supremacia material das Constituições, e
consequentemente, em constitucionalização do direito. Quanto à este último,
destaca-se a importante lição de Luís Roberto Barroso:

A idéia de constitucionalização do Direito aqui explorada está associada a


um efeito expansivo das normas constitucionais, cujo conteúdo material e
axiológico se irradia, com força normativa, por todo o sistema jurídico. Os
valores, os fins públicos e os comportamentos contemplados nos princípios
e regras da Constituição passam a condicionar a validade e o sentido de
todas as normas do direito infraconstitucional. Como intuitivo, a
constitucionalização repercute sobre a atuação dos três Poderes, inclusive e
notadamente nas suas relações com os particulares. Porém, mais original
69
ainda: repercute, também, nas relações entre particulares .

Seguindo o ensinamento de Barroso, é possível falar na constitucionalização


do Direito do Trabalho, situação na qual tanto a CLT e quanto as leis trabalhistas
esparsas devem estar conformadas aos princípios constitucionais, em face da
supremacia da Constituição.

68
Nesse sentido: BINEMBOJM, G. Op. cit. p. 63-64. Essa normatividade dos princípios foi abordada
na seção 1.1 (Capítulo 1) do presente estudo.
69
BARROSO apud BINEMBOJM, G. Op. cit. p. 65-66. Grifo de agora.
31

Dessa forma, far-se-á uma análise do princípio da proteção, e do próprio


Direito do Trabalho, tendo em foco os fundamentos constitucionais da república
brasileira, quais sejam: a dignidade da pessoa humana, a cidadania e os valores
sociais do trabalho e da livre iniciativa, estes dois últimos estabelecidos também
como fundamentos da ordem econômica70.

3.2 FUNDAMENTOS DA REPÚBLICA BRASILEIRA: DINIGNIDADE DA PESSOA


HUMANA E CIDADANIA

3.2.1 Dignidade da Pessoa Humana

O princípio da dignidade da pessoa humana é tido, por grande parte da


doutrina, como o principal princípio constitucional insculpido no artigo 1º da CRFB,
sendo considerado como de valor anterior à Constituição e de hierarquia
supraconstitucional71.
Um dos seus possíveis significados é o de que todo ser humano é um fim em
si mesmo, e por essa razão deve ter preservada sua integridade física e moral,
valores importantíssimos quando se têm em mira as relações trabalhistas, nas quais
o ser humano trabalhador se submete aos comandos e vontades de outrem, em
maior ou menor grau, dedicando boa parte do seu tempo nessa empreitada.
Outra dimensão do aludido princípio é o das liberdades de pensamento e de
ação, por meio das quais o ser humano busca a realização de projetos de vida, e de
significação da existência.
Porém, o princípio da dignidade da pessoa humana não se limitaria à uma
esfera abstrata e ideal, mas, segundo Murilo Oliveira, transcenderia este seu

70
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil (1988). Art. 1º, II, III e IV, e 170, caput.
71
Ver por todos: MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gonet.
Curso de Direito Constitucional. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 150.
32

conteúdo original “para afirmar sua dimensão de acesso às condições materiais de


subsistência”72.
Sintetizando bem essas ideias, Ingo Wolfgang Sarlet afirma que a dignidade
da pessoa humana é uma

qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor


do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade,
implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais
que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho
degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições
existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover
sua participação ativa e co-responsável nos destinos da própria existência e
73
da vida em comunhão com os demais seres humanos .

À luz do conteúdo do princípio da dignidade da pessoa humana delineado por


Sarlet, não é difícil perceber, que se encontra campo fértil para uma ressignificação
do princípio da proteção no sentido da defesa da integridade física e moral, e na
busca de condições de subsistência digna do ser humano que trabalha, indo além
da ideia de tutela do trabalhador hipossuficiente e impotente perante as condições
de vida e trabalho que se lhe impõem, passando a uma ideia de proteção a todo ser
humano trabalhador que tem sua dignidade violada, mormente em tempos de
precarização e informalidade no mundo do trabalho.
Nessa mesma direção caminha Oliveira quando afirma que

o Direito do Trabalho, na sua índole protecionista, é um dos grandes


concretizadores do princípio da dignidade ao estancar a perversidade da
liberdade de trabalho e desigualdade econômica com medidas protetivas
irrenunciáveis. O ideal de repensar o princípio da proteção, com vistas a
ratificar seu caráter protetivo, reside juridicamente no princípio da dignidade
humana que, como demonstrado, na qualidade de princípio, vincula os
74
intérpretes, devendo ser manejado a par da racionalidade ponderativa .

72
OLIVEIRA, M. C. S. (Re)Pensando o princípio da proteção na contemporaneidade. p. 154.
73
SARLET apud CUNHA JÚNIOR, Dirley da. Curso de Direito Constitucional. 4. ed. Salvador:
Editora Juspodivm, 2010. p. 529-530.
74
OLIVEIRA, M. C. S. Op. cit. p. 154.
33

Em suma, pode-se dizer que o princípio da dignidade da pessoa humana


confirma, em sede constitucional, além da validade e vigência, a atualidade e
pertinência do princípio da proteção, uma vez que ambos objetivam evitar a
“reificação” do ser humano, o primeiro num sentido mais abrangente, abarcando
todas as esferas da realidade humana, e o segundo, visando expurgar das relações
entre trabalho e capital toda tentativa de transformar o ser humano, e o trabalho que
é indissociável deste, em mercadoria ou objeto de troca, o que é reforçado pelo
exercício da cidadania democrática, vista a seguir.

3.2.2 Cidadania

A cidadania é mais um dos fundamentos constitucionais da República


Federativa do Brasil que reafirmam a necessidade do princípio da proteção no
âmbito do Estado Democrático de Direito.
Quanto à definição de cidadania, ensina Dirley da Cunha Júnior que

a cidadania como fundamento do Estado não se reduz ao conceito de


nacional no gozo de direitos políticos (a chamada cidadania política prevista
no art. 14). É muito mais do que isso, pois visa qualificar todas as pessoas
como titulares de direitos frente ao Estado, reconhecendo o indivíduo como
75
parte integrante e indissociável da sociedade .

Por sua vez, Gabriela Delgado aponta para dois conceitos de cidadania, um
tradicional e outro contemporâneo. O conceito tradicional teria um sentido mais
estreito de efetiva participação e exercício dos direitos políticos pelos seres

75
CUNHA JÚNIOR, D. Op. cit. p. 529. Em relação a esse caráter inclusivo da cidadania nos Estados
democráticos, o professor emérito de ciência política da Universidade de Yale, nos Estados Unidos
da América, Robert Dahl afirma que uma das instituições necessárias para uma democracia em
grande escala é a “cidadania inclusiva”. Ele entende que todo governo democrático deve
corresponder à plena inclusão dos adultos, a qual pode ser definida pela seguinte expressão: “O
corpo dos cidadãos num estado democraticamente governado deve incluir todas as pessoas sujeitas
às leis desse estado, com exceção dos que estão de passagem e dos incapazes de cuidar de si
mesmos”. Vide a propósito DAHL, Robert A. Sobre a democracia. Trad. Beatriz Sidou. Brasília:
Editora Universidade de Brasília, 2001. p. 91-94.
34

humanos, expressado no direito de votar e ser votado. O segundo conceito


apresenta uma compreensão mais ampla e contemporânea da cidadania e pode ser
expresso como “a aptidão de o indivíduo adquirir direitos, prerrogativas e proteções
da ordem jurídica, aptos a qualificá-lo como igual a seus semelhantes no contexto da
sociedade local ou internacional”76.
Este conceito mais amplo defendido por Delgado, além de revelar-se mais
harmônico com o princípio da dignidade da pessoa humana, exposto acima, e com a
ideia do Estado Democrático de Direito, apresenta uma tendência expansiva do
exercício da cidadania na atualidade, segundo a qual o rol dos direitos fundamentais
dos cidadãos tende a aumentar, abarcando não só os tradicionais direitos civis,
políticos e sociais, mas também alcançar outras esferas como a da cultura e do
meio-ambiente.
Diante dos ensinamentos de Cunha e de Delgado quanto à cidadania, e tendo
em vista o quadro de precarização, vulneração, desfiliação e exclusão, abordados
na seção 2.4 do capítulo anterior, é possível afirmar que a proteção ao trabalhador
no Estado Brasileiro, ou em qualquer Estado democrático, deve se revestir de um
caráter inclusivo e antidiscriminatório.
Nessa esteira, o direito ao trabalho, elencado entre os diversos direitos
sociais previstos no artigo 6º da CRFB, surge como consequência lógica e
inarredável do exercício da cidadania. Aqui, faz-se importante acentuar, como o faz
Leonardo Wandelli, que o direito fundamental ao trabalho difere do direito
fundamental do trabalho77.
Segundo a definição apresentada pelo aludido professor, o direito
fundamental ao trabalho é

ao mesmo tempo, mais específico que o direito fundamental do trabalho,


uma vez que constitui um de seus conteúdos, e mais amplo, uma vez que
relativo a todas as pessoas e em situações que excedem as relações de
emprego, açambarcando, como uma parcela de seu conteúdo, o direito à
proteção jurídica do assalariamento, em especial o direito ao conteúdo do
próprio trabalho, mas também a proteção jurídica a outras formas de
trabalhar, a promoção do acesso ao trabalho digno e, ainda, aquilo que se

76
DELGADO. G. N. Terceirização. p. 73.
77
WANDELLI, Leonardo Vieira. O direito humano e fundamental ao trabalho: fundamentação e
exigibilidade. São Paulo: LTr, 2012. p. 222.
35

denomina de direito ao trabalho como primeiro direito humano e


78
fundamental .

Estas concepções da cidadania, e mais especificamente do direito ao


trabalho, apontam para uma nova significação do princípio da proteção, mais
abrangente e mais inclusiva, abarcando uma quantidade bem maior de atores
sociais do que aquela alcançada tradicionalmente pelo Direito do Trabalho.
A reafirmação do princípio da proteção pela atual Constituição brasileira não
se limita aos dois fundamentos estudados até este ponto, sendo importante, ainda,
analisar dois fundamentos da ordem econômica, quais sejam, a valorização do
trabalho humano e a livre iniciativa.

3.3 FUNDAMENTOS DA ORDEM ECONÔMICA: VALORIZAÇÃO DO TRABALHO


HUMANO E LIVRE INICIATIVA

3.3.1 Valorização do Trabalho Humano

O valor social do trabalho e a valorização do trabalho humano surgem na


CRFB de 1988 como fundamentos da república e da ordem econômica,
respectivamente79. Nesse ponto, importante a diferenciação das duas expressões
utilizadas pelo constituinte originário.
No artigo 1º. da Constituição80 o valor social do trabalho é estabelecido como
um dos fundamentos da República brasileira, isto é, o trabalho em si é considerado
um valor de suma importância, como algo capaz de dar significado a vida em
sociedade. Já no artigo 17081, o termo utilizado (“valorização do trabalho humano”)
aponta para um objetivo a ser concretizado por meio da atividade econômica, qual

78
WANDELLI, L. V. Op. cit. p. 224 – grifo do original.
79
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Art. 1º, IV, e 170, caput.
80
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Art. 1º, IV.
81
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Art. 170, caput.
36

seja, que o Estado e a Sociedade devem empregar os meios necessários para que
toda forma não degradante de trabalho realizado pelo ser humano seja efetivamente
respeitada e valorizada.
Interessante notar, ainda, que os termos adotados pelo constituinte (valor
social e valorização) apontam para uma dimensão positiva do fenômeno “trabalho”.
Se por um lado, o ideário da proteção representa uma reação à realidade de
exploração do trabalho humano, expressando assim, uma dimensão negativa desse
fenômeno, qual seja, a mercantilização do trabalho e a “reificação” do trabalhador,
por outro lado, a valorização do trabalho humano, tal como expressa na
Constituição, revela a opção pelo aspecto positivo.
Quanto a esse lado positivo, citam-se novamente as lições do professor
Leonardo Wandelli, ao afirmar o trabalho “enquanto atividade intencional de
transformação do real no curso da qual se dá a descoberta e o desenvolvimento das
potencialidades humanas”82. Dentro dessa compreensão, o trabalho é visto em sua
dimensão de autorrealização do ser humano e expressão da sua liberdade.
Pode-se mencionar, ainda, a lição do professor paranaense de que o trabalho
também se apresenta enquanto satisfação das necessidades e a obtenção de
reconhecimento em dois níveis, material e simbólico. As necessidades, segundo o
autor, apresentam quatro relações com o trabalho, a saber: o trabalho é em si uma
necessidade (primeira relação), que produz os bens que satisfazem necessidades
(segunda relação), e é por intermédio do trabalho que “os seres humanos atualizam
e criam novas necessidades” (terceira relação), e, por fim, o trabalho é visto como
um conjunto de relações e atividades, que se transforma em um bem que também
satisfaz necessidades (quarta relação)83.
No tocante ao reconhecimento, a dimensão simbólica se referiria à
subjetividade do indivíduo que trabalha e sua relação com a coletividade em uma
esfera psicossocial. Já a dimensão material teria relação com ações concretas,
como, por exemplo, a retribuição em dinheiro ou a promoção na carreira, sendo essa
materialidade, indissociável do reconhecimento simbólico84.

82
WANDELLI, L. V. Op. cit. p. 59.
83
WANDELLI, L. V. Op. cit. p. 151-152.
84
Vide a propósito o capítulo 3 da obra mencionada.
37

Pelo exposto, pode-se destacar que a escolha do princípio da valorização do


trabalho apresenta melhor conformação à compreensão dos princípios enquanto
“mandados de otimização”, tal como apresentados por Robert Alexy 85, do que seria
a opção pela positivação do princípio da proteção.
Diante dessas premissas, é possível dizer que a valorização do trabalho
humano enquanto princípio constitucional pode apresentar dois significados, que
seriam, de acordo com Leonardo Bocorny86, a realização da dignidade humana – o
trabalho enquanto autorrealização e dignificação do ser humano – e a produção de
riquezas, que pode ser associada ao binômio necessidades-reconhecimento87.
Esse princípio aponta para o futuro, ou seja, a realização do ideal de justiça
social diante das possibilidades postas pela realidade.
Nesse contexto, é factível concluir que na Constituição brasileira, o trabalho
assume a característica e a finalidade de emancipação e libertação do ser humano
da exploração, abrindo-se caminho para a realização de projetos de vida.
Considerando esse aspecto emancipatório e o que dito acima acerca da
cidadania, mostra-se plausível, também aqui, a conclusão de que o princípio, ora em
análise, aponta para a necessidade/possibilidade da efetiva participação do cidadão-
trabalhador na regulação das relações de trabalho nas quais está inserido, por meio
de entidades coletivas.
De se ressaltar, que a participação sindical é direito e possibilidade que se
abre ao trabalhador. É direito, pois não se afigura obrigatória, e é possibilidade,
porque representa o principal meio de acesso à participação nas decisões quanto à
realidade de trabalho na qual está inserido.
Contudo, não se olvida que a realidade atual revela uma característica de
desagregação da classe trabalhadora e das próprias entidades sindicais, como visto
no capítulo anterior, de forma que a defesa da atuação dessas entidades como meio
principal de efetivação do valor social do trabalho, em sua dimensão de liberdade do
trabalhador, deve ter em conta que somente com sindicatos representativos seria
possível uma negociação coletiva capaz de defender os reais interesses da classe

85
Vide seção 1.1, do capítulo 1 do presente trabalho, quanto a percepção dos princípios como
“mandados de otimização”.
86
BOCORNY apud OLIVEIRA, M. C. S. Op. cit. p. 155.
87
Expressão utilizada por Leonardo Wandelli (Op. cit. p. 158).
38

trabalhadora, e dessa forma, ocorrer uma efetiva valorização do trabalho humano,


tal qual preconizada na CRFB.
Diante desse quadro, o princípio em comento, ao invés de excluir a proteção
ao trabalhador por meios estatais (legislação, políticas públicas, acesso ao
Judiciário, etc.), acaba por reafirmá-la, tendo em vista que a liberdade contratual,
preconizada pelos defensores do Estado mínimo, revelou-se incapaz de promover a
inclusão dos excluídos, ou a estabilização dos vulneráveis.
Assim, o princípio da proteção revela-se importante, no cenário atual, tendo
em vista a necessária observância dos princípios constitucionais da dignidade da
pessoa humana, da cidadania e da valorização do trabalho humano.
Todavia, mostra-se relevante, ainda, uma leitura do princípio constitucional da
livre iniciativa, em face da compreensão equivocada deste à luz da teoria neoliberal,
o que se fará na próxima seção.

3.3.2 Livre Iniciativa

A livre iniciativa é o último fundamento constitucional da República Federativa


do Brasil a ser analisado na presente subseção.
Se dos outros três fundamentos extrai-se facilmente uma relação de
pertinência e conformidade com o princípio da proteção, no que diz respeito à livre
iniciativa, essa relação é comumente encarada como de antagonismo e
divergência88.
Essa percepção de que haveria um antagonismo ontológico entre o
fundamento do valor social da livre iniciativa e o valor social do trabalho, e por
consequência, com o princípio da proteção, decorre, muito provavelmente, da
compreensão liberal acerca do que seja aquela primeira.
Segundo essa compreensão, a livre iniciativa estaria intimamente associada
ao direito de propriedade89, não que se esteja negando aqui essa relação, todavia,

88
Nesse sentido: OLIVEIRA, M. C. S. Op. cit. p. 155.
89
Murilo Oliveira explana que na teoria marxista adota-se igualmente a concepção do antagonismo,
do embate de forças quase inconciliáveis. (Vide local citado na nota 19).
39

na teoria liberal a livre iniciativa e o direito de propriedade assumem uma


conformação extremamente individualista, e nesse sentido, é forçoso admitir, que
haveria um antagonismo entre esses dois princípios e a valorização do trabalho
humano e o princípio da proteção.
Contudo, adota-se no presente trabalho a concepção esposada por Eros
Roberto Grau, no sentido de que a livre iniciativa tal qual enunciada na CRFB, é
tomada antes enquanto um valor social90, e não como mera expressão do
individualismo91.
Essa concepção é reforçada pelos princípios da função social da propriedade
e da redução das desigualdades regionais e sociais, que estão entre os princípios
reitores da Ordem Econômica brasileira, conforme consta do artigo 170 da CRFB.
Assim, a livre iniciativa enquanto valor social pode ser encarado como
fomento a atuação direta e principal da sociedade na vida econômica do país,
rejeitando-se a ideia de uma economia totalmente controlada e dirigida pelo Estado,
que nesse quadro exerce papel regulatório e fiscalizatório da atividade econômica.
Nesse sentido, é possível afirmar que o princípio da proteção pode dialogar
com o princípio da livre iniciativa, no sentido da promoção da liberdade e
emancipação do ser humano, rejeitando-se toda a exploração e degradação deste
pelo capital, e ao mesmo tempo afastando aquela concepção paternalista quanto ao
papel do Estado.
Todavia, a aplicação concreta do princípio da valorização do trabalho humano
e da proteção, de um lado, e o da livre iniciativa, do outro, causam colisões entre
esses princípios, que precisam ser solucionadas de forma a melhor preservar-lhes o
conteúdo, dando a máxima efetivação possível a cada um, diante do caso concreto,
o que será visto a seguir.

90
Essa aliás a expressão utilizada pelo constituinte originário que no inciso IV do art. 1º utilizou o
termo valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, a indicar que ambos, trabalho e livre iniciativa
eram encarados como valores sociais do Estado brasileiro.
91
GRAU apud SILVA, Paulo Henrique Tavares da. A valorização do trabalho como princípio
constitucional da Ordem Econômica Brasileira. Curitiba: Juruá, 2003. pp. 108-109.
40

3.4 A REAFIRMAÇÃO DO PRINCÍPIO DA PROTEÇÃO: COLISÕES ENTRE


PRINCÍPIOS E O PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE

A supremacia da Constituição conduz à necessidade de conformação de


todos os ramos do direito às suas diretrizes. Nessa linha, o princípio da proteção ao
ser analisado à luz dos princípios constitucionais, conforme visto acima, ganha nova
dimensão, indo além de sua acepção clássica da mera tutela do hipossuficiente. Não
que seja possível deixar de lado a defesa dos interesses da parte mais fraca da
relação jurídico-trabalhista. Porém, em sua conformação constitucional, o princípio
em comento assume o sentido de proteção ao trabalhador visando a sua dignidade
e emancipação, de forma que seja possível ao cidadão-trabalhador, não somente
alcançar uma vida digna, mas, igualmente, assumir um papel ativo dentro das
relações de trabalho, como no exemplo mencionado acima da participação sindical.
Nessa releitura constitucional do princípio da proteção, o princípio que mais
diretamente se aproxima em conteúdo e finalidade a ele é o da valorização do
trabalho humano. De outra banda, no que diz respeito ao valor social da livre
iniciativa, ainda que possa se falar em uma harmonia constitucional, é patente que
há um grande potencial de colisão entre esses princípios em situações concretas.
Ressalta-se, nesse particular que, sendo os princípios “mandados de
otimização”, na expressão de Robert Alexy, como visto alhures, a forma de solução
das colisões entre ele, não pode ser idêntica àquela solução dada para os conflitos
entre regras, uma vez que os princípios “exigem que algo seja realizado na maior
medida possível dentro das possibilidades jurídicas e fáticas existentes”92.
É nesse ponto, que o princípio da proporcionalidade assume papel relevante,
como afirma Willis Santiago Guerra Filho: “o princípio em tela, portanto, começa por
ser uma exigência cognitiva, de elaboração racional do direito”93.
Segundo Guerra Filho, o princípio da proporcionalidade pode ser entendido
como “um mandamento de otimização do respeito máximo a todo direito
fundamental, em situação de conflito com outro(s), na medida do jurídico e

92
ALEXY, R. Teoria dos direitos fundamentais. pp. 103-104.
93
GUERRA FILHO, Willis Santiago. Processo Constitucional e Direitos Fundamentais. 4 ed. São
Paulo: RCS Editora, 2005. p. 92.
41

faticamente possível” e se repartiria em três subprincípios: primeiro, o princípio da


proporcionalidade em sentido estrito ou “máxima do sopesamento”; segundo, o
princípio da adequação; e terceiro, o princípio da exigibilidade ou “máxima do meio
mais suave”94.
Em linhas gerais, o princípio da proporcionalidade em sentido estrito significa
que deve haver uma correspondência entre o meio a ser adotado e o fim objetivado.
Já por princípio da adequação, entende-se que dentro das possibilidades fáticas, o
meio empregado seja capaz de propiciar o atingimento dos fins estabelecidos. E no
tocante ao princípio da exigilibilidade, ensina o professor Guerra Filho, que o meio
adotado seja o mais eficaz e que menos ofenda os direitos fundamentais em colisão
no caso concreto95.
Essas premissas são importantes para a finalidade da se buscar a maior
efetividade dos mencionados princípios da proteção, da valorização do trabalho
humano e da livre iniciativa.
Contudo, em que pese a concepção de que não há uma hierarquia entre os
princípios constitucionais, e que somente no caso concreto seria possível o
“sopesamento” à luz da proporcionalidade, segue-se, aqui, o posicionamento de
Murilo Oliveira, para quem o valor social do trabalho teria uma proximidade maior
com o postulado da dignidade da pessoa humana do que a livre iniciativa, e dessa
forma, o princípio do valor social do trabalho tenderia a prevalecer sobre o princípio
da livre iniciativa96.
Em decorrência desse posicionamento, e no mesmo sentido defendido até
aqui, Sampaio Oliveira assevera que

A proteção trabalhista é reafirmada, desse modo, pela continuidade da


hipossuficiência, como também a partir de uma
ponderação/proporcionalidade protetiva que indica um resgate dos
princípios da norma mais favorável, condição mais benéfica, in dubio pro
operário, que funcionam como metanormas (postulados) nos conflitos de
normas, de princípios e na análise da situação concreta. As contribuições
da proporcionalidade, poderação e função normativa dos princípios,

94
GUERRA FILHO. W. S. Op. cit. pp. 94-95.
95
GUERRA FILHO. W. S. Op. cit. pp. 95-96.
96
OLIVEIRA, M. C. S. Op. cit. p. 155.
42

confirmam, no Direito do Trabalho, os clássicos princípios protetivos, sob


97
nova roupagem .

Demonstrada, assim, a necessidade, a atualidade e a constitucionalidade do


princípio da proteção, analisar-se-á, no próximo capítulo, algumas novas propostas
doutrinárias que dão maior realce e efetividade ao princípio em questão.

97
OLIVEIRA, M. C. S. Op. cit. p. 160.
4 NOVAS PROPOSTAS PARA UMA EFETIVA PROTEÇÃO AO CIDADÃO-
TRABALHADOR

4.1 PANORAMA GERAL

O Direito do Trabalho preserva até os dias de hoje o seu caráter protetivo.


Todavia, é verossímil a afirmação de que os estudiosos deste ramo da ciência
jurídica podem ser divididos, no geral, em duas correntes, quais sejam: uma,
favorável à proteção ao trabalhador contida nos princípios e normas reitores dessa
disciplina, compreendo que a própria Constituição impõe a continuidade dessa
proteção; e a outra, defensora de um afastamento da regulação estatal no que tange
às relações trabalhistas, preconizando a ampliação do caráter privado deste ramo do
direito, sob o argumento da modernização e conformação deste à realidade
produtiva atual.
Nesse quadro, e tendo em vista os fins do presente estudo, far-se-á,
primeiramente, uma breve crítica à posição antagônica do ideário protecionista
subjacente ao Direito laboral, para, em seguida, analisar de forma mais aprofundada
algumas propostas doutrinárias, que fundamentadas na Constituição, reafirmam o
princípio da proteção.

4.2 CRÍTICA ÀS PROPOSTAS PRIVATIZANTES DO DIREITO DO TRABALHO

As duas principais críticas que se fazem à corrente que defenda a ampliação


do caráter privado do Direito do Trabalho, se referem a uma pretensa
irresponsabilidade do trabalhador em vista da assunção dos riscos da atividade
econômica exclusivamente pelo empregador, e a tese da necessidade da
supremacia do negociado sobre o legislado.
Quanto ao primeiro ponto, alguns autores defendem que a realidade atual não
mais comportaria a ideia de que os trabalhadores devem estar isentos do risco da
atividade econômica, quando, em verdade, eles seriam os principais prejudicados
44

por esses riscos, tendo em vista que as perdas do empregador se traduziriam na


diminuição dos postos de trabalho e desemprego98.
Ao contrário do que alegam, a assunção dos riscos do empreendimento é
medida que se impõe em face da posição jurídica que o empregador assume no
âmbito da relação de emprego99. Ora, o beneficiário principal do lucro advindo da
atividade econômica é o empregador. É ele também que detêm o poder de gestão e
de determinar os rumos e caminhos a serem trilhados na busca do êxito
empresarial.
Destarte, transferir os riscos do negócio ao empregado seria permitir que este
recebesse remuneração variável em virtude das oscilações do mercado, o que,
inevitavelmente, violaria a dignidade do trabalhador que tem em seu salário a única
forma de subsistência.
Em relação à proposta de prevalência da regulação autonôma coletiva das
relações de trabalho (empresas e sindicatos) sobre a regulação heterônoma pelo
Estado, a crítica que se faz é a de que na dogmática atual do Direito do Trabalho,
isso já ocorre em parte.
Pelo princípio da norma mais favorável – regra de aplicação clássica do
princípio da proteção –, o negociado sempre prevalece sobre o legislado quando
aquele é mais benéfico que este. Assim, a proposta em comento, nada mais
representa do que uma violação a ideia de equidade subjacente ao próprio Estado
de Direito, uma vez que, o que se pretende com ela, é impor a negociação coletiva
menos favorável ao trabalhador, sem considerar que as relações de trabalho são
marcadas, ainda nos tempos atuais, pelo desequilíbrio entre as partes contratantes.
Enfrentadas essas duas questões, passa-se agora a uma análise de algumas
concepções do Direito do Trabalho mais conformes à Constituição e ao Estado
Democrático de Direito, expostas por João Humberto Cesário, Leonardo Vieira
Wandelli e Murilo Carvalho Sampaio Oliveira.

98
Nesse sentido: SILVA. P. H. T. A Valorização do Trabalho Humano como Princípio Constitucional
da Ordem Econômica Brasileira. pp. 113 e 132.
99
DELGADO. M. G. Curso de Direito do Trabalho. p. 403.
45

4.3 CONCEPÇÕES QUE REAFIRMAM O PRINCÍPIO DA PROTEÇÃO

4.3.1 O Direito ao Trabalho e a Proteção Contra a Dispensa Arbitrária

Inicialmente, destaca-se que o direito ao trabalho, segundo Leonardo Vieira


Wandelli, teria múltiplas expressões, dentre elas estariam o direito a um padrão de
trabalho juridicamente protegido, o direito à igualdade de tratamento nas
oportunidades de trabalho e a proteção contra a despedida, que são as
manifestações do direito ao trabalho que mais interessam ao presente estudo100.
A fim de melhor delimitar e aprofundar a temática da proteção e sua
reafirmação à luz do direito ao trabalho, restringir-se-á o objeto de análise do
presente tópico à proteção contra a dispensa arbitrária, em razão das dificuldades
encontradas em se efetivar este direito, que é previsto logo no primeiro inciso do
artigo 7º da CRFB101, talvez em virtude de uma dificuldade da doutrina e da
jurisprudência em fazer uma leitura constitucionalmente adequada do que consta no
artigo 10, “caput” e inciso I, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias
(ADCT) da CRFB102.
Nesse aspecto, como realça Wandelli, a proteção contra a dispensa, “no
âmbito das relações assalariadas, é o eixo sobre o qual giram os fatores mais
determinantes para todos os demais direitos decorrentes da relação de emprego”103.
Essa desproteção, de acordo com o autor, gera um esvaziamento material de todos
os demais direitos e valores jurídicos inerentes à relação de emprego 104.

100
Vide a propósito o Capítulo 4 da obra do aludido autor: WANDELLI. L. V. O direito humano e
fundamental ao trabalho.
101
Art. 7º., caput, e inciso I, da CRFB: “São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de
outros que visem à melhoria de sua condição social” e “relação de emprego protegida contra
despedida arbitrária ou sem justa causa, nos termos de lei complementar, que preverá indenização
compensatória, dentre outros direitos”.
102
“Até que seja promulgada a lei complementar a que se refere o art. 7º, I, da Constituição: I – fica
limitada a proteção nele referida ao aumento, para quatro vezes, da porcentagem prevista no art. 6,
‘caput’ e § 1º, da Lei nº 5.107, de 13 de setembro de 1966”. Nessa linha, afirma o autor que essa
temática “foi praticamente erigida à condição de tabu – é vedado falar, é vedado repensar, é vedado
agir diferentemente”. Op. cit. p. 311.
103
WANDELLI, L. V. Op. cit. pp. 307-308.
104
Loc. cit.
46

Destaca-se, nesse particular, ainda com base no que diz Leonardo Wandelli,
que um dos direitos fundamentais dos trabalhadores que sofre maior
vulnerabilização em face da falta de proteção contra a despedida arbitrária é o de
organizar-se coletivamente, seja em sindicatos ou associações de trabalhadores, o
que consequentemente afeta o exercício do direito de greve105. Note-se, como dito
alhures, que a efetiva participação do cidadão-trabalhador na regulação das
relações de trabalho, através das ações coletivas, é uma das condições para a sua
emancipação. A partir disso, já é possível afirmar que o incremento e a
potencialização das negociações coletivas depende de mais regulação (ou proteção,
no caso contra a dispensa imotivada), do que desregulamentação ou flexibilização
como querem alguns106.
Acima disso, o reconhecimento à um direito potestativo do empregador à
dispensar arbitrariamente (sem qualquer fundamentação ou motivo plausível)
qualquer de seus empregados, vinculado ao pagamento de uma indenização
tarifada, viola o próprio núcleo essencial do direito ao trabalho, em virtude do caráter
supra patrimonial que este tem. Lembra-se, nesse ponto, que o trabalho, para além
de propiciar a subsistência do ser humano através do pagamento de um salário, é
fonte de significação e satisfação de necessidades não materiais, dentre outros
elementos essenciais do direito ao trabalho e da dignidade da pessoa humana.
A partir desse pressuposto e do que consta na Constituição, Wandelli
argumenta que o núcleo essencial do direito a não ser despedido de forma arbitrária
não pode ser reduzido à mera compensação financeira pelo ato injustificado por
parte do empregador.
Em consequência, a limitação contida no inciso I do artigo 10 do ADCT deve
ser interpretado de forma a não esvaziar o conteúdo protetivo constante do inciso I
do artigo 7º da CRFB. Como assevera o citado autor, “diante do texto constitucional
compromissório e propositalmente truncado, não se pode presumir que tal
ponderação tenha significado o esvaziamento, pelo acessório, da proteção que, no

105
Loc. cit.
106
A questão da desregulamentação e da flexibilização foi analisada no Capítulo 2 da presente
monografia, ao qual se remete, por questão de brevidade.
47

principal, a Constituição assegura”107, em face do princípio da máxima eficácia dos


direitos fundamentais extraída do artigo 5º, § 1º, da CRFB.
Desse modo, a par da existência da lei complementar reguladora do tema, a
exigência de uma motivação justificada para a despedida, seria uma emanação do
direito fundamental em comento, tendo eficácia independente da regulação possível.
Também nessa mesma direção, Wandelli conclui que

não se pode esquecer de que a existência de uma motivação justificada


para despedir, por mais que absolutamente desejável seja regulada
especificamente pela legislação, constitui parte do núcleo essencial do
direito fundamental ao trabalho e, assim, deve-se considerar a sua
existência como uma de suas dimensões eficaciais que não se detêm diante
da omissão legislativa, cabendo, neste caso, em que verificada a
108
implementação legislativa insuficiente, a sua incidência direta .

Pelo exposto, é possível dizer que a proteção contra a despedida arbitrária é


uma das mais importantes expressões constitucionais que se dá ao princípio da
proteção, pois atenua a possibilidade de descarte do trabalhador, impondo-se a
exigência de que a despedida seja justificada com motivos racionais (técnicos,
econômicos ou financeiros) e consentâneos com a função social da empresa e dos
contratos, sendo necessária igualmente, a garantia de um procedimento claro para a
realização dessa ruptura por parte do empregador.

4.3.2 Direito Fundamental a um Meio Ambiente do Trabalho Equilibrado

O direito fundamental, ora em análise, é mais uma das emanações da do


postulado da dignidade da pessoa humana, no sentido de se coibir a excessiva
patrimonialização do direito em detrimento do ser humano.

107
WANDELLI, L. V. Op. cit. pp. 318. Neste caso, o acessório seria a limitação à indenização
constante do ADCT, e o principal seria o próprio direito à proteção contra a dispensa arbitrária inserta
no texto constitucional.
108
WANDELLI, L. V. Op. cit. pp. 324.
48

Nessa esteira, João Humberto Cesário assevera que “poder-se-ia proclamar,


em síntese apertadíssima, que o Estado Democrático-Ambiental de Direito, mais do
que permitir a sobrevivência dos cidadãos, almeja garantir-lhes uma vida abundante
e de qualidade”109.
Todavia, no que tange ao meio ambiente do trabalho e a proteção à saúde
dos trabalhadores, defende o aludido autor que a ciência do Direito do Trabalho tem
se apegado excessivamente ao aspecto patrimonial, ou seja, ao invés de ter em seu
bojo uma dogmática visando a efetiva proteção da saúde do trabalhador, substitui-se
esta pela expressão econômica dos adicionais, notadamente, os de insalubridade e
periculosidade110.
Diante desse quadro, o citado professor pugna em favor de uma conformação
do Direito do Trabalho à realidade do Estado Democrático-Ambiental de Direito, na
qual, haja um verdadeiro compromisso com os vetores da prevenção e da
precaução111.
Nessa defesa, Cesário ampara-se no texto contido no inciso XXII do artigo 7º
da CRFB que estabelece como direito fundamental dos trabalhadores a “redução
dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e
segurança”.
Prossegue o aludido autor aduzindo que o Direito do Trabalho em sua origem,
fundamentou-se em um engodo, no que toca à proteção da saúde dos
trabalhadores. Nessa questão, Cesário diz: “A verdade é que o juslaboralismo,
balizado pela lógica do capitalismo a que serve, preferiu monetizar a saúde do
trabalhador, como se a integridade física e psíquica do ser humano pudesse ser
objeto de um contrato de compra e venda.112”.
Essa monetização é expressa nos adicionais econômicos mencionados, que
representam um custo financeiro muito menor às empresas, do que as medidas que
visem à supressão dos males presentes no ambiente laboral. A equação é simples
para as empresas, já que habitualmente o que tem ocorrido é que, caso hajam
agentes nocivos à saúde dos trabalhadores no meio ambiente de trabalho da
empresa, basta que seja pago aos prejudicados algum dos aludidos adicionais,
109
CESÁRIO. J. H. Tutela processual e tutela coletiva de interesses ambientais trabalhistas. p. 54.
110
CESÁRIO. J. H. Op. cit. p. 55.
111
Loc. cit.
112
CESÁRIO. J. H. Op. cit. p. 60.
49

sendo, ainda, incipiente medidas mais efetivas no sentido de se proteger a


integridade física e psíquica desses seres humanos.
Desse modo, o direito laboral não tem efetivado o direito fundamental inserto
no comando constitucional em comento, ficando, assim, vulnerado o conteúdo
constitucional estabelecido para o princípio da proteção113.
Por essas razões, é que João Humberto Cesário faz a defesa acima
mencionada, e sustenta que os princípios de Direito Ambiental podem (e devem) ser
instrumentos de ampliação da proteção trabalhista114.
Os princípios ambientais destacados por ele são os seguintes:
desenvolvimento sustentável, poluidor-pagador, prevenção, precaução e
responsabilidade fundada nos riscos ambientais.
Em apertada síntese, e acentuando aquilo que interessa ao Direito do
Trabalho, pode se dizer que em homenagem ao princípio do desenvolvimento
sustentável, o início das atividades em qualquer estabelecimento deve ser precedido
por regular inspeção e aprovação do órgão competente em matéria de segurança e
saúde do trabalho. Do mesmo modo, abre-se a possibilidade de interdição, pela via
administrativa ou judicial, de qualquer estabelecimento, ou parte deste, que
comprovadamente apresente grave risco para o trabalhador115.
No tocante ao princípio do poluidor-pagador, é admissível reconhecer sua
divisão nos três subprincípios já mencionados acima, quais sejam: o da prevenção,
o da precaução, e o da responsabilidade fundada nos riscos ambientais.
Os dois primeiros indicam a obrigação do empregador de pagar para não
poluir o meio ambiente do trabalho. A prevenção, alicerçada na noção de que o dano
ambiental, uma vez consumado, será, usualmente, de dificílima recomposição.
Assim sendo, a prevenção matéria ambiental-laboral volta-se, precipuamente, para a
prevenção dos acidentes de trabalho e do surgimento de doenças associadas ao
trabalho, que comumente acometem os trabalhadores.

113
Nessa linha de argumentação, colaciona-se o que dito pelo autor em estudo: “Essa visão
fragmentada das qualidades do protecionismo reduz a influência do Direito do Trabalho a um espaço
quase que estritamente privado, contratual por excelência, relegando ao esquecimento as regras
justrabalhistas de um modelo ambiental-laboral protetivo da saúde do trabalhador, hábil a ser imposto
tanto administrativamente quanto judicialmente, pelas respectivas vias do direito administrativo
sancionador e das tutelas judiciais inibitória e de remoção do ilícito”. CESÁRIO. J. H. Op. cit. p. 64.
114
CESÁRIO. J. H. Op. cit. p. 67.
115
CESÁRIO. J. H. Op. cit. p. 70.
50

A precaução, na lição de João Cesário, teria um escopo parecido com o da


prevenção, todavia, esta última atuaria no contexto de erradicação do perigo já
existente, e aquela, se legitimaria por causa da necessidade de se evitar a
concretização de um risco potencial116.
Por sua vez, a responsabilidade fundada nos riscos ambientais significa que o
empresário está obrigado a tomar as medidas necessárias para minorar os danos
gerados por sua atividade, ou seja, paga porque poluiu117.
A vista de todos os argumentos expostos, reconhece-se, junto com João
Humberto Cesário, que “o Direito do Trabalho, nos contornos meramente
econômicos em que vem sendo praticado, não se mostrou capaz de cumprir a sua
missão histórica de promover a completa dignificação do cidadão-trabalhador”118.
Assim sendo, o princípio da proteção, em sua configuração constitucional,
aponta, nesse particular, para o caminho da efetiva tutela da saúde física e mental
do ser humano que tem em sua força de trabalho o único meio de subsistência, de
forma que a compensação financeira através das indenizações ou dos adicionais
econômicos se dê tão somente quando for impossível a eliminação ou neutralização
dos perigos imanentes à atividade produtiva, dando, dessa maneira, efetividade ao
princípio da dignidade da pessoa humana.

4.3.3 Ampliação dos Destinatários da Proteção

A proteção jurídica aos trabalhadores, segundo a dogmática jurídica


trabalhista delineada atualmente, limita-se, regra geral, àqueles cidadãos que se
encontram em uma relação de trabalhado subordinado.
O critério da subordinação jurídica, entretanto, tem excluído do âmbito da
proteção laboral diversos trabalhadores “que se situam entre a autonomia e a
subordinação”119, como leciona Murilo Oliveira.

116
CESÁRIO. J. H. Op. cit. p. 80.
117
CESÁRIO. J. H. Op. cit. pp. 71-72.
118
CESÁRIO. J. H. Op. cit. p. 88.
119
OLIVEIRA. M. C. S. (Re)pensando o princípio da proteção na contemporaneidade. p. 168.
51

Em virtude dessa desconformidade da teoria da subordinação jurídica com a


realidade atual é que Sidnei Machado afirma que

O velho Direito do Trabalho, de cunho civilista, patrimonialista, estruturado


numa relação obrigacional, deve assim romper com a subordinação jurídica,
que foi edificada sob o binômio ‘autoridade’ e ‘subordinação’, passando a
operar também fora da relação estritamente contratual, para reconhecer,
por exemplo, uma conformação com os direitos fundamentais dos
120
trabalhadores .

Ainda nessa linha de raciocínio, Oliveira assevera que “o critério da


subordinação jurídica tem operado frente às novas relações de trabalho pós-
fordistas uma dinâmica de exclusão da proteção. A dicotomia autonomia-
subordinação revelou-se insuficiente ante a nova organização produtiva”121.
Em face dessa insuficiência do elemento “subordinação jurídica”, propõe o
autor baiano uma releitura do artigo 3º da CLT122, “para entender como empregado
aquele trabalhador dependente (sem adjetivos)”123.
Essa releitura parte da premissa de que “Proteger o trabalho é, ao mesmo
tempo, proteger o sujeito trabalhador, resgatar o homem, preservar a dignidade da
pessoa humana”, nas palavras de Aldacy Rachid Coutinho124.
Partindo dessa premissa, busca-se a ampliação da proteção considerando a
literalidade do texto contido no mencionado artigo consolidado. Nele, a expressão
“empregado” é definida, dentre outros critérios, como sendo aquele ser humano que
trabalha sob dependência de outrem.
Nessa esteira, Oliveira ressalta que o conceito de subordinação jurídica foi
cunhado pela doutrina e pela jurisprudência, orientadas pela dogmática positivista
apegada ao objetivismo125. Todavia, essa construção teórica, não encontra respaldo
em nenhum texto normativo, e quando confrontada com a Constituição, mostra-se

120
MACHADO apud OLIVEIRA. M. C. S. Loc. cit.
121
Loc. cit.
122
“Considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a
empregador, sob a dependência deste e mediante salário” (grifo de agora). BRASIL. Consolidação
das Leis do Trabalho.
123
OLIVEIRA. M. C. S. Op. cit. p. 171.
124
COUTINHO apud OLIVEIRA. M. C. S. Op. cit. p. 169.
125
OLIVEIRA. M. C. S. Op. cit. p. 170.
52

incongruente com esta, uma vez que o constituinte originário, como salientado pelo
professor Oliveira, optou por utilizar a expressão trabalhador, não cogitando sequer
da ideia de trabalho subordinado como sendo o destinatário das normas
constitucionais de cunho protetivo126.
Considerando todos esses elementos, Murilo Oliveira conclui que

a hermenêutica protetiva contemporânea assimila que o critério definidor da


relação de trabalho protegida é a dependência, combinada com os demais
critérios da lei consolidada. O sentido desta dependência deve transitar
entre a subordinação jurídica, quando a relação pode ser compreendida nos
moldes tradicionais, e a dependência econômica, quando houver relação de
127
coordenação entre o trabalhador e a empresa tomadora .

Por fim, destaca-se que, essa releitura não exclui a concepção de que às
relações de trabalho constituem-se em verdadeiras relações de poder, ao contrário,
isto é confirmado.
Ora, a proteção ao trabalhador justifica-se pelo desequilíbrio de poder havido
entre as partes na relação trabalhista. Este desequilíbrio que é o gerador da
dependência do trabalhador em relação ao capital, e a consequente necessidade de
proteção, ainda que em diferentes níveis, dependendo do grau de dependência do
trabalhador.

4.4 A PROTEÇÃO COMO MEIO DE EMANCIPAÇÃO DO CIDADÃO-


TRABALHADOR

Muito poderia ser dito, ainda, sobre as formas de se efetivar a proteção ao


trabalhador em um Estado Democrático de Direito, contudo, preferiu-se ressaltar
aquelas situações que carecem de maior atuação legislativa e judicial no cenário
contemporâneo do Direito do Trabalho brasileiro.

126
Loc. cit.
127
OLIVEIRA. M. C. S. Op. cit. p. 173.
53

Considerando tudo o que exposto até este ponto, parece forçoso reconhecer,
juntamente com Mario De La Cueva, que o Direito do Trabalho tem uma dupla
finalidade: “uma imediata e outra mediata. A primeira se dirige ao hoje, à limitação
da exploração do homem trabalhador do presente; e outra, mediata, pertence ao
amanhã, ao reino da utopia”128.
Nesse sentido, e em face do princípio da dignidade da pessoa humana, é que
reside o caráter emancipador da proteção ao trabalhador, sendo essa não uma mera
concessão estatal a um trabalhador débil, porém, uma consequência da luta da
classe trabalhadora por uma vida digna, tendo em vista que no Estado Democrático
de Direito todo o poder emana do povo, o próprio direito, e mais especificamente o
Direito do Trabalho, assumem essa conformação de expressão da vontade geral.
Logo, a proteção ao cidadão-trabalhador assume a característica de defesa
da vida, da saúde e dos meios de sobrevivência desse, com a finalidade de
propiciar-lhe uma inserção efetiva na vida política e social, possibilitando-lhe a
realização de projetos de vida e a participação nas decisões que lhe dizem respeito,
tanto no âmbito individual, quanto no coletivo.

128
CUEVA apud SILVA, S. G. C. L. da; FIGUEIRA, L. E. A proteção na cultura jurídica trabalhista:
revisão conceitual. p. 311.
CONCLUSÃO

Como visto ao longo deste trabalho, a relação entre trabalhadores e


empresários (ou mais especificamente, entre empregados e empregadores), ainda
hoje, é marcada fortemente pelo desequilíbrio, mormente quando se trata de um
contrato de trabalho havido entre um trabalhador que necessita do seu salário para
sobreviver de um lado, e de uma grande corporação transnacional do outro.
Diante dessa realidade, tanto a prática do bem-estar social, harmônica com a
clássica concepção do Direito do Trabalho enquanto proteção a seres humanos
débeis e incapazes de lutar, quanto o neoliberalismo, principal matriz ideológica das
propostas de flexibilização e desregulamentação das relações trabalhistas, mostram
falhas e inconsistências óbvias para qualquer observador atento.
Pela clássica teoria do princípio da proteção (consentânea com a teoria do
bem-estar social), procurou-se corrigir a aludida desigualdade material, operada na
esteira do liberalismo, porém, não se conseguiu produzir formas de vida
verdadeiramente emancipadas, uma vez que a saúde e a dignidade do trabalhador
foram monetizadas, como visto no último capítulo. No Brasil, essa realidade é ainda
pior, em vista da obrigatoriedade do sindicato único (atrelado a uma dada base
territorial) que acaba limitando a produção de formas autônomas de vida, isso quer
dizer que dentro da tradição protecionista brasileira, fornecem-se bens materiais aos
trabalhadores (adicionais, vantagens pecuniárias, etc.), contudo, os trabalhadores
não são integrados de forma efetiva na discussão que visa a elaboração de normas
e práticas que regulem as relações de trabalho, das quais os próprios cidadãos-
trabalhadores são os destinatários, juntamente, com os empregadores.
Já as teses da flexibilização e da desregulamentação, tributárias do
neoliberalismo, a mera defesa da liberdade contratual e do direito de propriedade
contra a intromissão estatal, reproduz uma realidade de concentração de rendas nas
mãos dos detentores dos meios de produção, o que afeta de forma perversa os mais
pobres (trabalhadores), principalmente, em países como o Brasil. E a realidade de
sujeição e ofensa a dignidade e saúde dos trabalhadores pouco tem se alterado nas
últimas décadas, pelo contrário, tem se acentuado em inúmeras localidades.
55

Dessa forma, uma releitura do princípio da proteção à luz da Constituição se


impõe, tendo como sede teórica as concepções pós-positivistas de
constitucionalização do direito.
Nessa linha, pode-se afirmar que o princípio da proteção encontra guarida
constitucional nos fundamentos da República e da Ordem Econômica,
especialmente, no princípio da dignidade da pessoa humana, que, ainda, que
apresente uma abertura de conteúdo muito grande, aponta no sentido da valorização
do ser humano trabalhador como um fim em si mesmo, e como dotado de vontades,
capacidade de autodeterminação, e de realização de projetos de vida.
Assim, a proteção aos trabalhadores assume proeminência em face do direito
de propriedade, haja vista que nos tempos atuais esse direito não mais pode se
fundamentar em teorias jusnaturalistas, da existência de um direito à possuir bens e
coisas anterior a existência do próprio Estado. Dentro dessa concepção o
mencionado direito assume um status de concessão social para o domínio sobre
coisas e bens, e justamente por se tratar de uma concessão é dado a própria
sociedade conformar e limitar o exercício desse direito.
Na seara do Direito do Trabalho, essa conformação se dá pela concessão de
direitos aos trabalhadores, que visam a proteção da sua vida, saúde, segurança,
dentre outros, direitos estes que emanam da concepção de um Estado Democrático,
Constitucional e Ambiental de Direito.
Ainda, é possível asseverar que essa constitucionalização direciona para
ampliação da proteção trabalhista à relações dantes reguladas pelo Direito Civil, já
que não encaradas como hipóteses de incidência das normas trabalhistas.
Por fim, é viável concluir que o princípio da proteção em sua acepção
constitucional, assume uma característica de conformação da prática laboral, no
sentido de se expurgar do ordenamento jurídico, e da realidade das relações
laborais, toda forma de reificação dos trabalhadores, podendo ser citada a efetiva
defesa da saúde, ao invés da troca desta por um adicional financeiro, como tem
ocorrido em muitos casos até os dias atuais.
Entretanto, a valorização e a emancipação do ser humano que trabalha ainda
depende, ao menos na realidade brasileira, de uma forte regulação pelo Direito,
tendo em vista que o desequilíbrio econômico entre as partes da relação trabalhista
não se soluciona com a mera criação e reconhecimento de entidades coletivas
56

dotadas da prerrogativa de produzir normas jurídicas autônomas voltadas para as


relações em comento.
Dessa maneira, o princípio da proteção se abre para a prática e volta-se para
o futuro, não sendo possível se estabelecer “a priori” todas as consequências e
necessidades que se imporão através da aplicação do citado princípio. O caminho é
longo, porém, muitos avanços teóricos já foram alcançados.
Enfim, pode-se aduzir que o princípio da proteção é, ainda hoje, de suma
importância para compreensão do Direito do Trabalho, e para regulação das
relações entre trabalhadores e empresários, sendo de suma importância para a sua
concretização a efetiva participação desses atores sociais, visando a produção de
vidas verdadeiramente emancipadas.
REFERÊNCIAS

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