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ÂNIMA EDUCAÇÃO
São Paulo
2022
Kevin Mazzo de Carvalho
São Paulo
2022
Kevin Mazzo de Carvalho
___________________________________________________________________
Gostaria de agradecer aos meus pais por sempre me incentivarem e me apoiarem durante
todo o curso e aos meus amigos que me auxiliaram com todas as dificuldades que eu tive para
escrever esse trabalho.
Também agradeço ao Prof. Jorge Boucinhas por ser um excelente professor e orientador
que sempre estava a disposição para sanar as nossas dúvidas e nos incentivou a aprender cada
vez mais sobre o Direito do Trabalho.
RESUMO
Nos últimos anos, muito se discutiu a respeito da constitucionalidade das decisões proferidas
pela Justiça do Trabalho sobre a inclusão de empresas que compõem um grupo econômico
diretamente na fase de cumprimento de sentença, questionando a observância dos princípios do
devido processo legal, contraditório e ampla defesa pela suposta ausência de mecanismos como
o incidente de desconsideração da personalidade jurídica (IDPJ) incluído pela reforma
trabalhista de 2017. As ADPFs 488 e 951 foram os precursores dessa discussão e com o Recurso
de Revista TST - AIRR – 10023-24.2015.5.03.0146 culminou na suspensão nacional de todas
as execuções que versem sobre este tema. Assim, o objetivo desse trabalho é analisar os
argumentos apresentados e o posicionamento jurisprudencial adotado e verificar se realmente
é possível declarar a inconstitucionalidade do entendimento consolidado da Justiça do
Trabalho.
In recent years, much has been discussed about the constitutionality of the decisions issued by
the Labor Court on the inclusion of companies that make up an economic group directly in the
phase of compliance with sentence, questioning the observance of the principles of due process
of law, adversarial proceedings and full defense by the alleged absence of mechanisms such as
the incident of disregard of legal personality (IDPJ) included by the labor reform of 2017.
ADPFs 488 and 951 were the precursors of this discussion and with the TST Review Appeal -
AIRR - 10023-24.2015.5.03.0146 culminated in the national suspension of all executions
dealing with this issue. Thus, the objective of this work is to analyze the arguments presented
and the jurisprudential position adopted and verify whether it is really possible to declare the
unconstitutionality of the consolidated understanding of the Labor Court.
Keywords: disregard of legal entity; incident of disregard of legal entity; principle of due legal
process; ADPF 488; ADPF 951; national suspension of all executions.
SUMÁRIO
Introdução.............................................................................................................................8
1. O Empregador...................................................................................................................9
2. Grupo Econômico.............................................................................................................10
4. Desconsideração inversa....................................................................................................17
1. Introdução...........................................................................................................................19
1. Introdução...........................................................................................................................27
Conclusão................................................................................................................................42
Bibliografia..............................................................................................................................43
8
INTRODUÇÃO
O presente trabalho foi divido em três capítulos, para tentar entender qual seria o
caminho mais adequado que o STF deveria seguir para definir essa questão. O primeiro capitulo
traz uma explicação e conceituação do que são os empregadores, os grupos econômicos e a
desconsideração da personalidade jurídica, o segundo capitulo trata da aplicação da
desconsideração da personalidade jurídica no Direito do Trabalho e o recente IDPJ, por fim, o
terceiro capitulo aprofunda a análise das ADPFs 488 e 951 em conjunto com o Recurso de
Revista estudando os principais argumentos a favor e contra a constitucionalidade do
posicionamento da Justiça do Trabalho.
9
1. O Empregador
Apesar do artigo mencionado definir empregador como uma empresa, essa definição
não está tecnicamente correta, explica Mauricio Godinho Delgado1: “Na verdade, empregador
não é a empresa – ente que não configura, obviamente, sujeito de direitos na ordem jurídica
brasileira. Empregador será a pessoa física, jurídica ou ente despersonificado titular da empresa
ou estabelecimento.”
1
DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de direito do trabalho: obra revista e atualizada conforme a lei da
reforma trabalhista e inovações normativas e jurisprudenciais posteriores, 18 ed., São Paulo: LTR, 2019, p.
492.
10
Essa distinção volta novamente ao fato de o Legislador adotar o termo empresa, explica
Sérgio Pinto Martins 2:
2. Grupos Econômicos
O grupo econômico está previsto dentro do art. 2º da CLT, em seu parágrafo segundo e
terceiro, ambos sofreram alterações após a reforma trabalhista de 2017 que trouxeram algumas
melhorias para o instituto tanto para o empregador quanto para o empregado.
O principal objetivo dos grupos econômicos é funcionar como uma via de mão dupla
dentro da relação de emprego, permitindo aos empregadores usufruírem dos serviços de seus
empregados em todas as outras empresas que integrarem o grupo sem a necessidade do
empregado ter múltiplos contratos de trabalho e ao mesmo tempo traz uma garantia ao
empregado de que caso uma das empresas não cumpra com suas obrigações trabalhistas ele
possa exigir de qualquer uma das empresas do grupo econômico o pagamento integral da dívida.
2
MARTINS, Sérgio Pinto. Direito do trabalho, 28 ed. São Paulo: Atlas, 2012, p. 210.
3
DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de direito do trabalho: obra revista e atualizada conforme a lei da
reforma trabalhista e inovações normativas e jurisprudenciais posteriores, 18 ed. São Paulo: LTR, 2019, p.
500.
11
Existem dois tipos de classificação dentro dos grupos econômicos, os grupos horizontais
e os grupos verticais. Antes da reforma trabalhista haviam se discussões quanto a possibilidade
dos grupos econômicos horizontais já que o dispositivo legal antigo tinha como requisito a
subordinação entre as empresas, com a reforma trabalhista esse entendimento de que não era
obrigatório o elemento da subordinação para a existência de um grupo econômico foi
pacificado:
“ Art. 2º § 2o Sempre que uma ou mais empresas, tendo, embora, cada uma delas,
personalidade jurídica própria, estiverem sob a direção, controle ou administração de
outra, ou ainda quando, mesmo guardando cada uma sua autonomia, integrem
grupo econômico, serão responsáveis solidariamente pelas obrigações decorrentes da
relação de emprego. (Redação dada pela Lei nº 13.467, de 2017) (Vigência)”
4
MAGANO, Octavio Bueno. Manual de direito do trabalho: direito individual do trabalho, vol 2., 3. ed.
São Paulo: LTR, 1992, p. 80 apud GARCIA, Filipe Barbosa. Curso de direito do trabalho, 6ª. Ed. Rio de
Janeiro: Forense, 2012, p. 298.
12
Durante muito tempo essa foi a corrente doutrinária que prevaleceu a respeito da
estrutura de um grupo econômico, mas com o tempo os juristas foram percebendo que a mera
coordenação de empresas também poderia configurar um grupo econômico, criando a figura do
grupo econômico horizontal, nesse sentido a Profª Vólia Bomfim Cassar5 leciona: “o grupo por
coordenação é aquele que não há controle nem administração de uma empresa por outra, mas
sim uma reunião de empresas regidas por uma unidade de objetivos.”
Como já mencionado, após a reforma trabalhista no art. 2º, §2º, foi reconhecido no tipo
legal as duas estruturas, sendo a mais comum nos dias de hoje o grupo econômico horizontal.
Outra vertente entende que a solidariedade seria ativa, quando um trabalhador presta
serviço para outras empresas pertencentes do grupo econômico além daquela que fora
originalmente contratada, é possível propor uma ação de indenização em face de qualquer uma
das empresas ao qual este efetivamente trabalhou, pois aqui é adotado a Teoria do Empregador
Único, reconhecendo que todos os integrantes daquele grupo econômico são um só, tanto para
exigir a prestação de serviço quanto para cumprir com as obrigações decorrentes da relação de
emprego.
5
CASSAR, Vólia Bomfim. Direito do trabalho, 14ª ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2017, p
430.
6
NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de direito do trabalho: história e teoria geral do direito do
trabalho: relações individuais e coletivas do trabalho, 26ª ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 689.
13
A partir desse conceito podemos dizer que as pessoas jurídicas são entidades que a lei
confere personalidade, capacitando-as a serem sujeitos de direitos e obrigações. A sua principal
característica é a de que atuam na vida jurídica com personalidade diversa dos indivíduos que
a compõem com a finalidade de representar os atos dos sócios que a compõem perante terceiros.
Por isso, quando um trabalhador propõe uma ação contra o empregador, ele não coloca
a diretamente o sócio como parte da lide, mas sim a empresa como um todo, pois é ela quem
representa as ações e decisões dos sócios.
Mas diante disso, pode se levantar uma questão: e se a empresa não puder cumprir com
as suas obrigações? Pensando nessa possibilidade surgiu o instituto da desconsideração da
personalidade jurídica (disregard of legal entity) que permitiria levantar o véu da personalidade
jurídica de uma empresa (lifting the corporate veil) para alcançar o patrimônio dos sócios de
7
TARTUCCE, Flávio. Manual de direito civil: volume único, 5. ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo:
MÉTODO, 2015, item 2.3.1.
14
Todavia, não basta o mero inadimplemento de uma obrigação para justificar a quebra
da personalidade jurídica de uma empresa, tendo em vista que a personalidade jurídica foi
criada justamente para trazer uma maior segurança ao patrimônio dos sócios que querem
investir nas atividades econômicas.
“A desconsideração é, pois, a forma de adequar a pessoa jurídica aos fins para os quais
ela foi criada, vale dizer, é a forma de limitar e coibir o uso indevido deste privilégio
que é a pessoa jurídica, uma forma de reconhecer a relatividade da personalidade
jurídica das sociedades.”.
8
TOMAZETTE, Marlon. Curso de Direito Empresarial: Teoria geral e direito societário, v. 1, 8ª ed. Rev. E
atual. – São Paulo: Atlas, 2017, p. 313.
9
Idem, p. 314.
15
contribuição, enquanto para cada um dos outros membros coube apenas uma ação para integrar
o valor da incorporação10.
10
BITTENCOURT, Hayna A Desconsideração da Personalidade Jurídica – Modalidades e Possibilidade,
Rio de Janeiro - 2013.
11
TOMAZETTE, Marlon. Curso de Direito Empresarial: Teoria geral e direito societário, v. 1, 8ª ed. Rev.
E atual. – São Paulo: Atlas, 2017, p. 315.
16
A) Teoria Maior Subjetiva: seria aquela que considera o desvio de função oriundo das
fraudes e do abuso de direitos relativos à autonomia patrimonial como o preceito fundamental
para a desconsideração da personalidade jurídica, em razão de que a autonomia patrimonial da
sociedade só deve existir quando a empresa está cumprindo com seu objetivo original.
B) Teoria Maior Objetiva: é baseada nas ideias de Fábio Konder Comparato 12 que não
se limita as hipóteses de fraude e abuso de direitos de autonomia patrimonial, que muitas vezes
são subjetivos e difíceis de serem provados, aqui o preceito fundamental da desconsideração da
personalidade jurídica passa a ser a confusão patrimonial que pode ser verificada quando a
sociedade paga as dívidas do sócio ou quando os bens do sócio estão em nome da empresa.
Entre as duas vertentes apresentadas o Código Civil optou pela Teoria Maior Objetiva
pela maior facilidade de ser comprovada, tendo em vista que a confusão patrimonial por si só
caracteriza o abuso de direito de autonomia patrimonial, fundamento basilar da personalidade
jurídica.
Podemos dizer que a Teoria Menor está prevista no art. 28º, §5º do Código de Defesa
do Consumidor e no art. 4º da Lei 9.605/1998:
12
Fábio Konder Comparato é um jurista, advogado e escritor brasileiro. Professor da Faculdade de Direito de
São Paulo.
13
DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de direito do trabalho: obra revista e atualizada conforme a lei da
reforma trabalhista e inovações normativas e jurisprudenciais posteriores, 18 ed. São Paulo: LTR, 2019, p.
597.
17
“Art. 4º Poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade
for obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados à qualidade do meio ambiente.”
Existem diversas críticas quanto a Teoria Menor, alguns doutrinadores acreditam que
ela destrói a autonomia patrimonial das sociedades, quando aplicada em caso de mero
inadimplemento de obrigação, violando o princípio da proteção do patrimônio dos sócios.
O descontamento dos doutrinadores com a teoria menor se dá pelo fato de ser uma teoria
muito simplista, mesmo que aplicada a apenas algumas esferas do Direito e acaba por causar
uma banalização do instituto da personalidade jurídica que deveria ser algo excepcional.
14
COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial – Vol 2, 9ª ed. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 46.
15
TOMAZETTE, Marlon. Curso de Direito Empresarial: Teoria geral e direito societário, v. 1, 8ª ed. Rev.
E atual. – São Paulo: Atlas, 2017, p. 320.
18
Isso ocorre principalmente em casos de fraude, quando o sócio transfere todos os seus
bens a para uma pessoa jurídica que ele possui o controle, de modo que consiga continuar
usufruindo dos bens sem o risco de que estes sejam penhorados pela dívida contraída pela
pessoa física.
16
COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial – Vol 2, 9ª ed. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 44.
17
TOMAZETTE, Marlon. Curso de Direito Empresarial: Teoria geral e direito societário, v. 1, 8ª ed. Rev.
E atual. – São Paulo: Atlas, 2017, p. 353.
19
1. Introdução
Alguns doutrinadores como Carlos Henrique Bezerra Leite 18, defendem que o art. 2º,
§2º prevê a desconsideração da personalidade jurídica:
18
LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Curso de direito processual do trabalho, 16. ed. São Paulo: Saraiva
Educação, 2018, item 3.6.
20
A fim de proteger o trabalhador, foi escolhida a Teoria Menor do CDC para garantir que
as verbas trabalhistas, que possuem caráter alimentar, possam ser adimplidas ainda que a
empresa não seja capaz de cumpri-las.
Vamos entender do que se trata esse incidente processual e quais os benefícios que ele
traz para o processo do trabalho adiante.
19
SCHIAVI, Mauro. Manual de direito processual do trabalho, 12. ed. de acordo com o Novo CPC, São
Paulo: LTR, 2017, p. 1136.
22
mas se for decidido pela aplicação da desconsideração o sócio assumirá a lide como demandado
em litisconsórcio20 com a sociedade.
“De nossa parte, o referido incidente não será aplicável ao Processo do Trabalho, na
fase de execução, pois o Juiz do Trabalho promove a execução de oficio (art. 878 da
CLT) e o referido incidente de desconsideração é incompatível com a simplicidade e
a celeridade da execução trabalhista. [...]. Além disso, o presente incidente provoca
complicadores desnecessários à simplicidade do procedimento da execução
trabalhista, atrasa o procedimento (uma vez que o art. 134, §3º, do CPC, determina a
suspensão do processo quando instaurado o incidente) e, potencialmente, em muitos
casos, pode inviabilizar a efetividade da execução.”.
Ainda que não solucione todas as críticas propostas pela doutrina, essas manifestações
tornaram o instituto mais compatível com as regras do processo do trabalho, principalmente no
20
Litisconsórcio é um fenômeno processual que ocorre quando há duas ou mais partes no mesmo polo de uma
ação.
21
SCHIAVI, Mauro. Manual de direito processual do trabalho, 12. ed. de acordo com o Novo CPC, São
Paulo: LTR, 2017, p. 1137.
23
Parágrafo único. Havendo necessidade de prova oral, o juiz designará audiência para
sua coleta.
I – Na fase de cognição, não cabe recurso de imediato, na forma do §1º do artigo 893
da CLT;
22
DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de direito do trabalho: obra revista e atualizada conforme a lei da
reforma trabalhista e inovações normativas e jurisprudenciais posteriores, 18 ed. São Paulo: LTR, 2019, p.
602.
24
Passando a análise das desvantagens do IDPJ, restou evidente pelo art. 2º do CGJT que
a jurisprudência não se importou com a suspensão do processo na fase de cumprimento de
sentença o que para a maior parte dos doutrinadores que se opõem a aplicação do IDPJ na
Justiça do Trabalho já era um problema desde o nascimento do instituto no CPC, nesse sentido
Mauro Schiavi23 explica:
“Pior ainda é o caso da execução: uma vez instaurado o incidente, ficaria suspenso o
procedimento principal e o requerente não poderia prosseguir com os atos executivos,
mesmo permanecendo o responsável originário na relação jurídica processual e
possuindo bens penhoráveis para, ao menos, satisfazer parte do crédito executado”
Isso acaba abrindo margem para as pessoas mau intencionadas ganharem tempo para
fraudar e/ou ocultar seus bens, desvirtuando o proposito ao qual a desconsideração da
personalidade jurídica foi criada e aquilo que deveria ser uma inovação dentro da pratica
processual trabalhista se torna um retrocesso, Ben-Hur Silveira Claus 25 acrescenta:
23
SCHIAVI, Mauro. Manual de direito processual do trabalho, 12. ed. de acordo com o Novo CPC, São
Paulo: LTR, 2017, p. 1137.
24
GAJARDONI, Fernando da Fonseca. Teoria geral do processo: comentários ao CPC de 2015: parte geral,
São Paulo: Forense, 2015, p. 876
25
CLAUS, Ben-Hur Silveira. O incidente de desconsideração da personalidade jurídica previsto no CPC
2015 e o direito processual do trabalho, Revista do Tribunal TRT 10.
26
“Vale dizer: de um lado, o incidente não seria compatível com diversos princípios do
Direito Processual do Trabalho; de outro lado, o incidente rompe com a simplificada
e produtiva formula do contraditório diferido praticada no subsistema jurídico
procedimental trabalhista, de modo que a aplicação do incidente ao subsistema
jurídico trabalhista representaria histórico retrocesso procedimental, com prejuízo
severo à efetividade da jurisdição e à própria realização dos direitos fundamentais
sociais previsto na Constituição Federal e na legislação trabalhista.”.
27
1. Introdução
como reclamado e que, portanto, não consta no título executivo judicial como
devedor, não pode ser sujeito passivo na execução.”
Essa súmula sofreu duras críticas durante o seu período de vigência, pois era inaceitável
para os doutrinadores uma jurisprudência que ignorava o comando legal previsto na CLT.
Em 21/11/2003, após 18 anos de muitas críticas da doutrina à súmula 205 do TST, ela
foi finalmente cancelada pela Resolução Administrativa nº 121/2003, uniformizando a
jurisprudência em confluência com o art. 2º, §2º da CLT.
26
DALLARI, Dalmo de Abreu. O poder dos juízes. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 110 apud CLAUS, Ben-
Hur Silveira. Grupo econômico e coisa julgada de questão prejudicial, Revista do Tribunal TRT 10.
27
CLAUS, Ben-Hur Silveira. Grupo econômico e coisa julgada de questão prejudicial, Revista do Tribunal
do TRT 10.
29
“Cancelada a Súmula n. 205, a questão agora será decidida à luz do art. 422, do Código
Civil de 2002, que referendou o princípio da boa-fé nos contratos, do art. 50, do
mesmo diploma legal [...]. Ora, se está autorizada a desconsideração da personalidade
jurídica, a ponto de se atingir a pessoa física dos sócios e administradores, com muito
mais razão pode-se atingir empresas do mesmo grupo solidariamente responsáveis
para efeito da relação de emprego.”.
28
BARROS, Alice Monteiro de. Curso de direito do trabalho, 10. ed. São Paulo: LTR, 2016, p. 258.
29
CASSAR, Vólia Bomfim. Direito do trabalho, 14ª ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2017, p
439.
30
Tal entendimento, é baseado no art. 513, §5º do CPC, que é aplicado ao processo do
trabalho por força do art. 15 também do CPC, de que o cumprimento de sentença não poderá
ser promovido em face do fiador, do coobrigado ou do corresponsável que não tiver participado
da fase de conhecimento.
Nesse momento vale lembrar: mesmo que a dívida seja em face de um membro do grupo
econômico todos acabam por responder solidariamente pelas dívidas decorrentes da relação de
emprego nos termos do art. 2º, §2º da CLT. Portanto, não parece razoável os demais membros
não puderem ser executados quando respondem solidariamente pelo debito.
Outro ponto importante a ser discutido sobre esse assunto é que recentemente em
14/09/2021, o Ministro Gilmar Mendes do Supremo Tribunal Federal (STF) cassou decisão do
TST. Conheceu o Agravo para dar provimento ao ARE 1.160.361/SP que trata de violação aos
princípios da ampla defesa, contraditório e devido processo legal em razão de incluir integrante
do grupo econômico que não participou da fase de conhecimento.
Ainda que a decisão do Ministro Gilmar Mendes não tenha repercussão geral, isso abriu
espaço para novas discussões a respeito desse tema que há muito parecia superado pela
jurisprudência e o posicionamento apresentado revela um entendimento preocupante para o
Direito do Trabalho onde serão impostos novos empecilhos para a satisfação dos créditos
trabalhistas
O processo que levou a Ministra tomar tal posicionamento trata-se de uma reclamação
trabalhista ajuizada por um topógrafo contra quatro empresas ligadas a bioenergia, ele buscava
a indenização por dano existencial bem como o adimplemento das verbas trabalhistas com o
fundamento de que as empresas pertenciam ao mesmo grupo econômico.
A empresa também alegou que não poderia integrar grupo econômico por ser regida
pela Lei nº 11.079/2004, a lei de licitações, sob afronta aos princípios gerais da atividade
econômica. Por fim, afirmou que caso seja reconhecido o grupo econômico, não poderia ser
executada por não ter participado da fase de conhecimento da ação nos termos do art. 513, §5º
do CPC e do art. 10 que prevê a vedação da decisão surpresa.
As principais teses que a defesa sustenta foram rebatidas tanto pelo TRT quanto pelo
TST, não há necessidade no caso em tela de aplicar o incidente de desconsideração da
personalidade jurídica, pois como já mencionado nesse trabalho o incidente busca redirecionar
32
a execução para os bens dos sócios ou de empresas que não participaram do processo, o Ministro
Alberto Luiz Bresciani de Fontan Pereira brilhantemente arremata:
Além disso, independente dessa ação estar sendo aplicada a antiga redação do art. 2º,
§2º da CLT, desde o cancelamento da Súmula 205 do TST, a jurisprudência seguia o caminho
totalmente a favor da inclusão de integrante do grupo econômico na fase de execução ainda que
este não tenha participado da fase de conhecimento.
A controvérsia gerada a respeito desse tema gira em torno do art. 513, §5º do CPC e a
sua aplicação à Justiça do Trabalho, na própria decisão da Ministra Vice-Presidente, podemos
notar um conflito de interesses das normas trabalhistas com as normas cíveis, os Ministros que
entendem ser licita a inclusão da empresa no polo passivo ainda que não tenha participado da
fase de conhecimento estão mais alinhados com os princípios e normas trabalhistas, enquanto
por outro lado aqueles que decidem pela inconstitucionalidade da integração estão mais
alinhados com os princípios e normas cíveis.
(RCL 49974 AGR, Rel. Min. GILMAR MENDES, Segunda Turma, DJe-054 de
22/3/2022)
(RCL 51753 AGR, Rel. Min. ALEXANDRE DE MORAES, Primeira Turma, DJe-
057 de 25/3/2022
Aceitar a interpretação do art. 513, §5º ao Processo do Trabalho nos casos de integração
de membro do grupo econômico na fase de execução é retroagir o Direito do Trabalho para
1985 quando a Súmula 205 do TST passou a vigorar.
É criar uma nova barreira ao adimplemento dos créditos trabalhistas que tem caráter
alimentar, no próprio caso discutido, um processo iniciado em 2015 que ainda hoje em 2022,
quase 07 anos do ajuizamento da ação, não teve seu desfecho e será prolongado por mais tempo
em razão de todas as discussões sobre um tema que já devia estar consolidado entre a
jurisprudência.
Antes de analisar de fato as ADPFs 488 e 951, precisamos primeiro entender o que
significa uma ADPF, trata-se de “arguição de descumprimento de preceito fundamental” uma
34
ação constitucional de controle concentrado30 julgada e processada pelo STF, nas palavras do
Ministro Alexandre de Moraes31:
Caso a ADPF seja julgada procedente, terá efeito erga omnes, ou seja, terá eficácia
contra todos, além efeitos vinculantes aos demais órgãos do Poder Público, cabendo reclamação
para garantir que esses efeitos sejam cumpridos. Nos termos do art. 11 da lei nº 9882/1999 se a
ADPF declarar a inconstitucionalidade da lei ou ato normativo que foi arguido, o STF poderá,
em razão de segurança jurídica ou excepcional interesse social, por maioria de dois terços de
seus membros, restringir os efeitos dessa declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir
de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha ser fixado.
30
Uma ação de controle concentrado significa que a norma paradigma é a Constituição Federal e, portanto, deve
ser julgada pelo STF.
31
MORAES, Alexandre de. Direito constitucional, 13. ed. São Paulo: Atlas, 2003, item 14.
35
É nítido a quantidade de exigências que devem ser cumpridas para que uma ADPF seja
acolhida, agora que temos uma noção inicial do que se trata uma arguição de descumprimento
de preceito fundamental, passemos para as análises da ADPF 488 e 951 respectivamente.
A ADPF 488 foi proposta pela Confederação Nacional de Transporte (CNT), associação
sindical que busca representar as empresas do setor de transporte e logística, em razão de atos
praticados pelos Tribunais e Juízes do Trabalho que admitem a inclusão no polo passivo, no
cumprimento de sentença, de pessoas físicas e jurídicas que não participaram da fase de
conhecimento e que não constaram dos títulos executivos judiciais, sob a alegação de que
integram um mesmo grupo econômico.
A CNT aponta que a pratica mencionada viola o art. 5º, incisos LIV e LV da CF/88, que
garantem os direitos fundamentais à isonomia, ao contraditório, a ampla defesa e ao devido
processo legal, também alega a existência de controvérsia na Justiça do Trabalho a respeito da
interpretação do art. 2º, §2º da CLT e demanda solução definitiva.
32
Os ofícios mencionados podem ser encontrados no site
https://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=5284998.
36
Importante frisar que em nenhum dos pareceres oferecidos pelos TRTs não houve
menção ao art. 513, §5º do CPC que está sendo utilizado para justificar a inconstitucionalidade
do posicionamento adotado pela Justiça do Trabalho, o que pode demonstrar entendimento pela
incompatibilidade do referido artigo com o Direito do Trabalho, já que acaba por criar
obstáculos aos princípios trabalhistas.
A ADPF 488 ainda não teve um desfecho, em 14/12/2021 com os votos do Ministro
Alexandre de Moraes e a Ministra relatora Rosa Weber pelo não conhecimento da arguição de
descumprimento de preceito fundamental, o Ministro Gilmar Mendes pediu vista ao processo e
37
até o presente momento não houve uma conclusão, as últimas movimentações processuais
foram de associações que buscam ingressar na ação como Amicus Curiae33.
Em relação a ADPF 951, esta também foi proposta pela Confederação Nacional de
Transporte – CNT, com a finalidade de discutir as decisões da Justiça do Trabalho que
reconhecem a responsabilidade solidaria às empresas sucedidas, diante de simples
inadimplemento de suas sucessoras ou de indícios unilaterais de formação de grupo econômico
sem a efetiva comprovação de fraude na sucessão e independentemente de sua prévia
participação no processo de conhecimento ou em incidente de desconsideração da
personalidade jurídica.
No mérito a CNT alega que mesmo com a inclusão do art. 448-A da CLT pela reforma
trabalhista de 2017, que restringe as hipóteses de responsabilização solidaria da empresa
sucedida aos casos que restarem comprovada a fraude na transferência, os julgados trabalhistas
tem aceitado de forma genérica qualquer indicio comprobatório para, desconstituindo a
sucessão empresarial, atrair para o polo passivo da execução todas as empresas relacionadas a
responder pelas obrigações trabalhistas, muitas vezes, sem a oportunidade de contraditório
prévio na fase de conhecimento ou na fase de cumprimento de sentença.
Assim como na ADPF 488, sustenta que essas decisões violam os preceitos
constitucionais do contraditório, ampla defesa e do devido processo legal (arts. 5º, incisos LIV
e LV) além dos princípios da legalidade (art. 5º, inciso II), do direito à propriedade (art. 5º,
inciso XXII), da fundamentação das decisões judiciais (art. 93, inciso IX), da reserva de
plenário (art. 97), da competência da Justiça do Trabalho (art. 114, incisos I e XI), da livre
iniciativa (art. 170) e da proteção do mercado (art. 219).
33
Termo em latim que significa amigo da corte ou amigo do tribunal. Quando há o total desconhecimento da
matéria analisada pelo julgador, algumas entidades usam essa figura para auxiliar o juiz com as decisões.
38
Além disso, deixou claro que foi franqueado às Partes o acesso ao judiciário e
assegurado o direito ao devido processo legal, contraditório e a ampla defesa, incluindo o que
concerne ao duplo grau de jurisdição.
34
MARTINS, Sérgio Pinto. Direito do trabalho, 28 ed. São Paulo: Atlas, 2012, p. 17.
40
A ADPF 951 ainda não foi finalizada, porém a maior parte dos Ministros do STF
acompanharam o voto do Ministro relator, novamente o Ministro Gilmar Mendes pediu vista
do processo o que impediu o julgamento definitivo da matéria.
O princípio do devido processo legal pode ser encontrado no art. 5º, inciso LIV da
Constituição Federal e diz o seguinte: “LIV: ninguém será privado da liberdade ou de seus
bens sem o devido processo legal”, para entender o significado do devido processo legal
temos que ler esse inciso acompanhado do inciso seguinte: “LV: aos litigantes, em processo
judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla
defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”.
Dentro dos conceitos elucidados acima, percebe-se que foram respeitadas todas essas
garantias nos processos e arguições comentados nos tópicos anteriores, foram oportunizadas
35
TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional, 10. ed. rev. e atual., São Paulo: Saraiva, 2012,
p. 741.
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as partes, ainda que dentro da fase de cumprimento de sentença, os meios jurídicos adequados
para se discutir a legitimidade de sua inclusão no polo passivo da demanda bem como a
validade do grupo econômico formado.
Não é razoável dizer que o princípio do devido processo legal foi violado porque uma
empresa que efetivamente integre grupo econômico com a devedora principal foi incluída no
polo passivo da execução, pois isso é uma exceção as regras processuais, fundamentada em
lei e jurisprudência dos Tribunais e que mesmo assim nada obsta as empresas incluídas, a
produção de provas e discussão do cabimento de sua inclusão através dos embargos à
execução, exceção de pré-execuividade e eventual agravo de petição.
Se basear nos dizeres do art. 513, §5º do CPC para defender a inconstitucionalidade
de uma jurisprudência consolidada a quase 20 anos na Justiça do Trabalho é desmerecer a
especificidade das leis trabalhistas, ainda que a CLT seja omissa em diversos aspectos e
muitas vezes os advogados e juízes do trabalho tenham de recorrer ao CPC para preencher as
lacunas, não podemos ignorar aquelas que estão expressamente previstas no ordenamento
jurídico trabalhista.
Além disso, os pareceres apresentados pelos TRTs e pelo TST sempre deixaram claro
que não há violação de nenhum dos princípios constitucionais acerca deste tema, bem como
demonstraram uma uniformização jurisprudencial impecável de modo que resta claro o
caminho a ser tomado pelo STF quanto ao julgamento “controverso” dessa matéria.
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CONCLUSÃO
Chegando à análise dos julgados mais recentes acerca da controvérsia dessa matéria,
o Recurso de Revista TST - AIRR – 10023-24.2015.5.03.0146 e as ADPFs 488 e 951 que
evidenciavam a necessidade de pacificação jurisprudencial dessa questão fazendo com que
todas as execuções trabalhistas que possuam o mesmo objeto fiquem suspensas.
Entender as ideias por trás de cada um desses processos permitiu que pudéssemos ter
uma noção geral sobre a inclusão de empresas integrantes de um mesmo grupo econômico
ainda que este não tenha participado da fase de conhecimento ou conste do título executivo
judicial.
Mas diante dos argumentos apresentados dentro dos próprios recursos e ADPFs
analisados em conjunto com o posicionamento dos Tribunais e Ministros, a melhor solução
para o Direito do Trabalho seria optar pela incompatibilidade do art. 513, §5º do CPC, em
questões que tratem de inclusão de membros do grupo econômico no cumprimento de
sentença e pacificar através do STF o entendimento consolidado após a revogação da Súmula
nº 205 do TST.
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