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FACULDADE DE DIREITO
São Paulo
2019
PAULO HENRIQUE CUNHA PEREIRA
São Paulo
2019
PAULO HENRIQUE CUNHA PEREIRA
Aprovado em:
BANCA EXAMINADORA
__________________________________________
Prof. Dr. Manoel Justino Bezerra Filho
Universidade Presbiteriana Mackenzie
__________________________________________
Prof. Dr. Hamid Charaf Bdine Júnior
Universidade Presbiteriana Mackenzie
__________________________________________
Prof. Dr. Washington Carlos de Almeida
Universidade Presbiteriana Mackenzie
Dedico este trabalho, bem como minhas
conquistas, aos meus amados pais e irmãos, que
sempre me apoiaram na perseguição de meus
objetivos.
AGRADECIMENTOS
Em primeiro lugar, agradeço a Deus por sua proteção, por sempre ter atendido minhas
orações e por ter me dado forças para alcançar meus objetivos.
Agradeço aos meus pais por todo o suporte, carinho, amor e por serem exemplo de
família, tendo sempre me auxiliado, apoiado e incentivado a ultrapassar os obstáculos da vida.
(Peter Drucker)
RESUMO
O presente trabalho tem como objetivo o instituto da alienação de unidades produtivas isoladas
(UPIs) na recuperação judicial, previsto no artigo 60 e parágrafo único da Lei nº 11.101/2005
(Lei de Recuperação Judicial e Falências – LREF), inclusive, a questão da responsabilidade do
arrematante nas obrigações do devedor, objeto de controvérsias doutrinárias e jurisprudenciais.
O trabalho, então, tem como escopo analisar, com base na lei, doutrina e jurisprudência, como
surgiu essa controvérsia, seus desdobramentos e superação. Sendo assim, é de enorme
relevância a análise dessa questão, uma vez que, dado o atual cenário econômico, a arrematação
de UPIs é instrumento hábil a preservar a atividade empresarial e cumprir a função social da
empresa. O trabalho conclui que tal instrumento é constitucional, não havendo que se falar em
sucessão e devendo ser incentivado.
This paper aims to address the institute of auction business units in the judicial recovery under
the section 60 and the sole paragraph of the Brazilian Bankruptcy Law (Law No. 11,101/2005)
including the responsibility of the purchaser in the obligations of the debtor, object of doctrinal
and jurisprudential controversies. The paper, then, aims to analyze, based on law, doctrine and
jurisprudence, how this controversy arose, its consequences and its overcoming. Thus, the
relevance of analyzing this issue is enormous, since, given the current economic scenario, the
auction business units is an instrument that can preserve business activity and perform the social
function of the firm. The work concluded that the instrument is constitutional, there being no
cause to speak about succession and should be encouraged.
INTRODUÇÃO.......................................................................................................................11
1.2.1. Empresa................................................................................................18
1.2.2. Empresário...........................................................................................19
4.1.2. RE 583.955-9/RJ...................................................................................46
CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................................................49
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS..................................................................................51
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INTRODUÇÃO
Outra inovação da Lei e tema desse trabalho, foi a possibilidade de haver alienação de
unidades produtivas isoladas sem sucessão trabalhista e tributária, ou seja, livre de qualquer
ônus ao adquirente. Tal inovação, conforme será amplamente demonstrado ao decorrer desse
trabalho, possibilita a manutenção dos empregos, traz benefícios ao devedor, aos credores e à
sociedade em geral, uma vez que aproveitada por todos.
De acordo com a história, comércio é uma palavra oriunda do latim, com significado
de tráfico de mercadorias. O Direito Comercial, primeiramente denominado Direito
Empresarial, foi visto inicialmente em civilizações antigas, não sendo possível encontrar muitos
registros acerca dele. (RAMOS, 2017, p. 2).
Nessa época não se podia falar em Direito Comercial, pois o Direito Comercial é um
regime jurídico sistematizado com regras e princípios, algo que não havia naquela época, ou
seja, não era organizado. Ainda, em Roma, as regras comerciais faziam parte do Direito Civil.
Desta forma, na época, não existia de fato uma designação para Direito Comercial,
mas apenas algumas leis que regulavam o comércio e, especificamente em Roma, algumas leis
que regulavam o comércio faziam parte do Direito Civil.
Após a expansão comercial, o que mais havia na região eram comerciantes que,
visualizando que estavam crescendo cada dia mais, perceberam que precisavam regularizar o
comércio, tendo chegado a duas hipóteses: barganhar com a nobreza ou com a igreja católica e,
consequentemente, fortalecer o direito canônico.
Os comerciantes, junto com a nobreza fundiária, tentaram reivindicar seus direitos para
regularizar o comércio, entretanto, não conseguiram ajudar os comerciantes por conta da falta
de interesse e poder político relevante.
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Visualizando que não tinham ajuda da nobreza fundiária, que detinha o poder político
nas mãos, nem da igreja católica, que detinha a força do direito canônico, não viram outra saída
senão se reunirem e instituírem seu próprio direito privado.
princípio da liberdade na forma da celebração dos contratos e ampliando a forma de relação dos
comerciantes.
Então, pode-se dizer que o Direito Comercial teve seu início por meio de práticas
medievais, durante a Idade Média, visto a necessidade de ascensão da burguesia para que
tivessem um ordenamento próprio de regularização de suas atividades comerciais. (RAMOS,
2017, p. 3).
Desta forma, veio fragmentado e, com vista à instauração de suas normas, houve a
reunião das corporações de ofício, que seu pela motivo de no sistema feudal, os senhores feudais
exercerem funções estatais e causarem rupturas. Assim, havendo a necessidade de uma
regulamentação geral, houve também a criação dos cônsules, que eram os juízes que os
comerciantes elegiam para, em caso de disputas comerciais, os mesmos decidirem de forma
mais imparcial.
O Brasil, desde o seu descobrimento, foi marcado por ser uma colônia de exploração,
em que era imposto à colônia as regras mercantis vigentes, explorada por ciclos, como o do
pau-brasil, açúcar, ouro etc. Tudo que era produzido ou explorado no Brasil era comercializado
pela metrópole.
Trezentos anos depois, no início do século XIX, com a expansão das conquistas na
Europa, a vinda da família real para o Brasil colônia e a amizade com outras nações europeias,
houve a abertura dos portos a essas nações e a incrementação do comércio na colônia com o
objetivo de tonar viável a ideia de se criar um Direito Comercial brasileiro.
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Logo, o Direito Comercial brasileiro foi iniciado pela chegada da família real em 1808,
a abertura dos portos às nações amigas, a Carta régia de 28 de janeiro de 1808 e outros atos,
que permitiu que fossem criadas no país, livremente, fábricas e manufaturas. Até o surgimento
de um Código Comercial próprio, o Direito Comercial no Brasil era regulado pelas leis
portuguesas, e, também, eram aplicadas as leis espanhola e francesa caso houvessem lacunas,
com fundamento no princípio da boa razão. Somente em 1834, no Brasil, foi dado início ao
escopo de um novo Código Comercial próprio baseado nos códigos europeus, principalmente,
o código português, espanhol e francês, o qual tramitou por 15 anos. (RAMOS, 2017, p. 5).
De qualquer modo, a legislação brasileira não teve como fugir do elenco normativo
desses atos, editando-se, ainda em 1850, o Regulamento nº 737, diploma processual de
qualidade técnica destacada em que, cujo artigo 19, definiam-se as atividades sujeitas à
jurisdição dos tribunais do comércio. (TOMAZETTE, 2014, p.10).
Tal código, influenciado pela legislação francesa, adotou a teoria objetiva, tendo nos
atos de comércio seu marco referencial. Algum tempo depois, essa teoria sucumbiu à dinâmica
do comércio e não a acompanhou por ser limitada e casuística demais. A teoria objetiva
terminou por não ter eficiência, uma vez que não acompanhava a evolução histórica e limitava
o comércio.
Diante da necessidade de um novo direito, mais prático ao comércio, veio a nova fase
do Direito Comercial que foi denominada de teoria da empresa, surgida em 1942, na Itália. Com
caráter subjetivista, teve como foco quem exercia a atividade e não a limitação do comércio.
(RAMOS, 2017, p. 9).
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Somente a partir dos anos 1960, quando o direito brasileiro inicia o processo de
aproximação ao sistema italiano de disciplina privada da atividade econômica, a lista do velho
regulamento imperial vê diminuída sua importância.
Em 1942, surge na Itália o Códice Civile, com âmbito alargado e que passa a disciplinar
tanto a matéria civil como a comercial, inaugurando a última etapa evolutiva do Direito
Comercial.
Na mesma tendência dos demais países de tradição romanística, o Brasil vem, pouco
a pouco, estabelecendo um regime geral de disciplina privada da atividade econômica, em que
pese, apesar da instauração dessa nova fase, da continuidade da vigência da fase objetivista.
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Como exemplificação desse novo regime, pode-se destacar o Código de Defesa do Consumidor,
a Lei de Locações e a Lei do Registro Público de Empresas Mercantis.
1.2.1. Empresa
Logo, a empresa é a atividade que pode ser exercida tanto pelo empresário quanto por
uma sociedade empresária, não podendo ser caracterizada, então, como um sujeito de direito,
uma vez que trata-se de uma atividade.
1.2.2. Empresário
Deve-se desde logo acentuar que os sócios da sociedade empresária não são
empresários. Quando pessoas (naturais) unem seus esforços para, em
sociedade, ganhar dinheiro com a exploração empresarial de uma atividade
econômica, elas não se tornam empresárias. A sociedade por elas constituída,
uma pessoa jurídica com personalidade autônoma, sujeito de direito
independente, é que será empresária, para todos os efeitos legais. (COELHO,
2012, p. 40-41).
Logo, como é a própria pessoa jurídica a empresária e não seus sócios, conforme
amplamente demonstrado acima, será tratado, no presente subcapítulo, duas das principais
formas de sociedade, a saber: sociedade de responsabilidade limitada (LTDA) e sociedade
anônima (S/A).
A quota e a ação não são de propriedade da sociedade. Se o sócio possui uma dívida,
pode o credor, em casos específicos, promover a execução sobre a participação titularizada pelo
sócio. Ainda, o patrimônio social da sociedade pode caracterizar garantia a determinado credor,
mas não as partes representativas do capital social.
Nesse sentido, conforme ensina Coelho (2014, p. 80), é mais fácil de entendermos o
significado de estabelecimento empresarial fazendo-se a seguinte analogia:
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O imóvel no qual funciona a empresa, por si só, não pode ser efetivamente considerado
o estabelecimento empresarial, pois, embora fundamental para o exercício da atividade
empresarial, é apenas mais um elemento que compõe o estabelecimento empresarial. Ainda, o
direito não reconhece o estabelecimento como pessoa jurídica, as quais são definidas no artigo
44 do Código Civil.
Desta forma, o estabelecimento não tem capacidade de exercer direitos nem contrair
obrigações, uma vez que não é dotado de personalidade jurídica, sendo, em verdade, objeto de
direito e pertencente ao titular do negócio. O estabelecimento como objeto de direito está
inserido na universalidade ou totalidade de bens pertencentes à mesma pessoa, conforme artigo
90 e parágrafo único do Código Civil.
Estes elementos unificados representam o estabelecimento, que por sua vez pode ser
objeto unitário de direitos e de negócios jurídicos, translativos ou constitutivos, que sejam
compatíveis com a sua natureza.
A palavra função social origina-se do latim funciona, é derivada do verbo fungor, cujo
significado é de cumprir algo, desempenhar um dever ou tarefa, ou seja, cumprir uma
finalidade, funcionalizar. Tem como base a filosófica e teologia, mais acertadamente, no
cristianismo, uma vez que a igreja católica dizia que os bens se destinavam a uma finalidade de
produção, desconstruindo uma preocupação com o bem-estar coletivo.
Com a vinda da Revolução Francesa e instauração de uma nova filosófica fundada nos
ideais de liberdade social e política, configurando a propriedade privada segundo os interesses
da burguesia, a propriedade privada passou a ser vista como absoluta, tendo como origem o
trabalho e, em caso de excedente e desde que não corresse risco de se deteriorar, pertencente ao
proprietário.
Tal modelo absolutista, foi superado com a passagem das duas grandes Guerras
Mundiais, que instauraram um novo ideal de propriedade privada, passando o Estado a intervir
na ordem econômica com vistas à redução das desigualdades sociais e econômicas, ou seja,
passou a tratar de forma diferente as questões concernentes à propriedade, ao contrato e à
empresa, impondo restrições às liberdades contratuais e de utilização da propriedade.
No Brasil, a lei contempla duas medidas judiciais com o objetivo de evitar que
a crise na empresa acarrete a falência de quem a explora. De um lado, a
recuperação judicial; de outro, a homologação judicial de acordo de
recuperação extrajudicial. Os objetivos dela são iguais: saneamento da crise
econômico-financeira e patrimonial, preservação da atividade econômica e
dos seus postos de trabalho, bem como o atendimento aos interesses dos
credores. Diz-se que, recuperada, a empresa poderá cumprir sua função social.
(COELHO, 2015, p. 395).
Desta forma, é possível entender que a função social da empresa atua em duas
vertentes: garantindo-lhe a efetividade com a preservação de sua atividade, conforme previsão
no ordenamento falimentar e, na coercitividade, limitando seu exercício e visando uma
sociedade mais justa e maior integração do interesse individual ao coletivo. Dessa maneira, é
possível que a empresa cumpra sua função social de forma plena e satisfatória a todos os
envolvidos.
A palavra falência vem do latim falece, que seria faltar com o prometido. Quem falia,
era tido como mau devedor, aquele que faltou comprometimento frente ao seu credor.
Para Burgarelli (2007, p.21) “a falência é a exceção que somente caberá se, ao longo
de todas as tentativas de recuperação da atividade do empresário ou da sociedade empresária,
outro meio não se colocar à disposição”.
Após, em 428 a.C., foi publicada a Lex Poetelia-Papiria, em que os devedores foram
impedidos de darem como garantia ao credor a sua própria liberdade, seu próprio corpo. Essa
lei trouxe, ainda, outra modificação - a responsabilidade do devedor, que era pessoal, passou a
ser patrimonial. (RAMOS, 2017, p. 628).
Ainda, o instituto do missio in possessio bonorum era aplicado a todo tipo de devedor,
não somente ao comerciante pois, naquela época, ainda não se falava em Direito Comercial.
Em 1808, com o Code de Commerce, foi trazida uma mudança no Direito Comercial
que, consequentemente, atingiu o direito falimentar, com uma série de regramentos especiais
que somente eram aplicados aos devedores comerciantes insolventes. Para o devedor insolvente
de natureza civil eram aplicadas as regras de Direito Civil e para o devedor comerciante
insolvente, as regras do Direito Comercial.
Logo, a falência, vista como algo negativo, como ato de mau devedor, passa a ser vista
como uma questão de risco inerente à própria atividade comercial. A própria atividade
comercial já tem o risco de falência e as crises econômicas são tão possíveis de acontecer que
o direito falimentar começa a criar a noção de função social da empresa, cabendo ao direito
falimentar se preocupar com a recuperação da empresa, não mais tirando a empresa do mercado
como uma forma de punição, mas buscando sua manutenção no mercado.
Falência vem de insolvência. É ter mais passivo do que ativo. Se uma sociedade
empresária está insolvente, pode ser encerrada por uma ordem judicial. Em realidade, o instituto
da falência somente se aplica a quem exerce atividade empresarial. O código de Processo Civil
tem um procedimento chamado insolvência civil parecido com falência para quem não exerce
atividade empresarial.
Essa mudança de procedimento foi o meio do legislador tentar torná-lo mais eficiente
e incentivar a atividade econômica mesmo durante a falência, com vista ao cumprimento de
seus objetivos, otimizando os recursos produtivos do devedor, ou seja, conseguir o maior
volume possível de dinheiro, conforme artigo 75 e parágrafo único da Lei nº 11.101/2005:
Quando se diz que uma empresa está em crise, surgem daí vários significados.
Sistematizando o assunto, é necessário distinguir os diferentes tipos de crises: econômica,
financeira e patrimonial. Normalmente, uma é decorrente da outra, mas a complexidade da
economia e das relações jurídicas geram situações que, manifestada uma dessas crises, não há
preocupação nos agentes econômicos.
Conforme ensina Coelho (2015, p. 241), devemos entender os diferentes tipos de crises
da seguinte forma:
A crise financeira revela-se quando a sociedade empresária não tem caixa para
honrar seus compromissos. É a crise de liquidez. As vendas podem estar
crescendo e o faturamento satisfatório – e, portanto, não existir crise
econômica – mas a sociedade empresária ter dificuldades de pagar suas
obrigações, porque ainda não amortizou o capital investido nos produtos mais
novos, está endividada em moeda estrangeira e foi surpreendida com uma
crise cambial ou o nível de inadimplência na economia está acima das
expectativas. A exteriorização jurídica da crise financeira é a impontualidade.
Em geral, se a sociedade empresária não está também em crise econômica e
patrimonial, ela pode superar as dificuldades financeiras por meio de
operações de desconto em banco das duplicatas ou outro título representativo
dos créditos derivados das vendas ou contraindo mútuo bancário mediante a
outorga de garantia real sobre bens do ativo. Se estiver elevando o custo do
dinheiro, contudo, essas medidas podem acentuar a crise financeira, vindo a
comprometer todos os esforços de ampliação de venda e sacrificar reservas
imobilizadas.
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Ainda, Coelho (2015, p. 243), mostra o quão preocupante é a crise de uma empresa:
Quando tais objetivos não são possíveis de serem alcançados, não há por que motivo
tentar a recuperação da empresa.
Desta forma, não é qualquer empresa que deva ou mereça ser beneficiada pela
recuperação, uma vez que é um procedimento custoso, recaindo o ônus da reorganização das
empresas na sociedade brasileira como um todo, uma vez que os principais agentes econômicos
acabam repassando tal ônus aos consumidores. (COELHO, 2015, p. 397).
Portanto, é evidente que a Lei 11.101/2005 trouxe voz ao credor. Antes da criação do
instituto, havia a concordata, que era um meio para superar a crise, mas era tida como um favor
legal, ou seja, significa que os credores não tinham voz no processo, tendo que aceitar condições
e aguardar. Já com o instituto da recuperação judicial, fica claro que a base é a negociação, a
busca de um acordo. O respeito aos interesses dos credores é crucial para a manutenção de
empregos, produção e circulação de bens e serviços e geração de riqueza.
Por fim, a última fase é a executiva ou fase de supervisão do judiciário. Essa fase dura
dois anos e não se refere ao fim da obrigação do devedor, mas tão somente, verificação do
cumprimento das suas obrigações nesse período. Se o devedor não cumprir o plano de
recuperação judicial, há a convolação da recuperação judicial em falência.
Como o autor da ação é sempre o devedor que busca a negociação com seus credores,
há um critério dos créditos que entrarão no plano. Os créditos sujeitos à recuperação acarretam
a suspensão da exigibilidade do crédito em razão da aprovação do plano, ou seja, o credor deve
aguardar a aprovação do plano, não podendo cobrar o devedor. Tais créditos, estão
disciplinados no artigo 49 da lei.
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Mesmo que, ainda, o plano não seja aprovado, o artigo 58 da Lei possibilita ao juiz,
verificado o caso concreto, aprovar o plano, uma vez que o objetivo da Lei é o da preservação
da empresa, ou seja, se for possível, haverá uma flexibilização do juiz.
Durante o período de dois anos da fase executiva, conforme mencionado, esse processo
ficará sob supervisão judicial, sendo, a empresa, administrada pelo administrador judicial.
Passado tal período, por fim, o juiz proferirá uma sentença de encerramento e
exonerará o administrador judicial. Caso, a partir do encerramento, haja descumprimento por
parte do devedor de suas obrigações, cada credor, individualmente, pode executar o seu título
ou requerer a falência do devedor, uma vez que o devedor não tem mais a proteção da
recuperação.
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A venda em bloco é por porteira fechada. Como exemplo, imaginemos uma empresa
fabricante de embalagens. No caso, o administrador judicial irá procurar quem possa comprar
os bens dessa empresa na forma de porteira fechada, a fim de que a atividade empresarial possa
continuar.
Essa foi uma das maiores inovações da Lei - a possibilidade de se vender blocos de
determinada empresa, preservando-se a atividade empresarial e, o mais importante, o
adquirente não responde por obrigações trabalhistas e tributárias, sendo a aquisição livre de
ônus, podendo, inclusive, aproveitar a mão de obra.
Para Lazzarini; Kodama; Calheiros (2014, p. 202), o artigo peca no tocante do termo
estabelecimento:
do art. 140 esclarece que a alienação da empresa terá por objeto o conjunto de
determinados bens necessários à operação rentável da unidade de produção, o
que poderá conter a transferência de contratos específicos e intangíveis.
Esclarecida tal divergência, é notório, conforme elucida Souza Júnior; Pitombo (2007,
p. 297), o qual inovadora foi a Lei 11.101/2005:
Observa-se, então, que o artigo 60 da Lei tem como objeto os ativos das empresas,
com o fim de preservar seus valores, agradando não só aos credores, mas também ao devedor,
uma vez que dará substancial impulso para saldar suas dívidas.
Desta forma, essa inovação trazida pela Lei apresenta benefícios tanto para o devedor,
quanto para os credores. Para o devedor, porque o passivo da sua empresa poderá ser solvido
mais depressa. Para os credores, porque suas dívidas serão pagas mais rapidamente. Além
desses benefícios, a alienação para um novo empresário permite a manutenção da atividade
empresária, cumprindo com os objetivos da Lei.
recuperação judicial, apenas mencionando em seu artigo 60 que não haverá sucessão de créditos
tributários. (LAZZARINI; KODAMA; CALHEIROS, 2014, p. 204).
Com base nessa premissa, alguns juristas entendem que, ao contrário da falência,
haveria uma suposta autorização legal no sentido de sucessão trabalhista na recuperação
judicial.
Há quem entenda que o princípio in dubio pro operario induz uma interpretação mais
favorável ao trabalhador, além dos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana,
a valorização social do trabalho, a justiça social e a solidariedade, garantindo aos empregados
a garantia do recebimento de seus créditos e permitindo a cobrança destes junto aos adquirentes
dos ativos da empresa sujeitos a recuperação judicial (LAZZARINI; KODAMA;
CALHEIROS, 2014, p. 205).
Entretanto, em que pese tal ausência na Lei, é possível verificar que, tal questão, já
resta superada. A divergência jurisprudencial no direito do trabalho ocorria quando a Lei
11.101/2005 ainda era muito nova, quando não havia um entendimento jurisprudencial
consolidado, conforme jurisprudências abaixo:
Logo, em que pese a falta de menção expressa à não sucessão trabalhista, a alienação
do estabelecimento permite a exploração e continuidade de determinada atividade econômica,
cumprindo com os objetivos da função social da empresa e preservação da atividade
empresarial. Tais objetos mantêm a fonte de riqueza, emprega trabalhadores e resguarda
interesse de credores.
Desta forma, em que pese o direito do trabalhador ao recebimento de seu salário, não
é condizente com o objetivo da Lei que o adquirente arque com tais ônus, até porque, os titulares
de créditos trabalhistas participam ativamente do plano de recuperação judicial, sendo livres
para votar por sua aprovação ou rejeição e ainda, gozam das garantias previstas no artigo 54 e
parágrafo único, da Lei 11.101/2005.
[...]
Não é difícil constatar, a meu ver, que o escopo do referido diploma normativo
restringe-se a estabelecer normas para a recuperação judicial e a falência das
empresas, além de proteger os direitos de seus credores.
[...]
[...]
[...] o requerente sustenta que os arts. 60, parágrafo único, e 141, II, da Lei
11.101/05 são inconstitucionais do ponto de vista substantivo, ao
estabelecerem que o arrematante das empresas em recuperação judicial não
responde pelas obrigações do devedor, em especial as derivadas da legislação
do trabalho.
[...]
Depois, porque não vejo, no ponto, qualquer ofensa direta a valores implícita
ou explicitamente protegidos pela Carta Política. No máximo, poder-se-ia
flagrar, na espécie, uma colisão entre distintos princípios constitucionais. Mas,
mesmo assim, não seria possível falar, no dizer de Luís Virgílio Afonso da
Silva, “nem em declaração de invalidade de um deles, nem em instituição de
uma cláusula de exceção”, visto ter o legislador ordinário, apenas,
estabelecido, nas palavras de Robert Alexi, “relações de precedência
condicionada”.
[...]
[...]
[...]
O referido processo tem em mira não somente contribuir para que a empresa
vergastada por uma crise econômica ou financeira possa superá-la,
eventualmente, mas também busca preservar, o mais possível, os vínculos
trabalhistas e a cadeia de fornecedores com os quais ela guarda verdadeira
relação simbiótica.
[...]
46
[...]
Por essas razões, entendo que os arts. 60, parágrafo único, e 141, II, do texto
legal em comento mostram-se constitucionalmente hígidos no aspecto em que
estabelecem a inocorrência de sucessão dos créditos trabalhistas,
particularmente porque o legislador ordinário, ao concebê-los, optou por dar
concreção a determinados valores constitucionais, a saber, a livre iniciativa e
a função social da propriedade - de cujas manifestações a empresa é uma das
mais conspícuas - em detrimento de outros, com igual densidade axiológica,
eis que os reputou mais adequados ao tratamento da matéria.
A alienação de unidades produtivas isoladas sem que haja sucessão trabalhista visa,
sobretudo, a necessidade de preservação da atividade empresarial. Ainda, não é porque não há
sucessão trabalhista que a obrigação do devedor de arcar com suas obrigações cessam. Pelo
contrário, os trabalhadores participam ativamente da aprovação do plano e, ainda, são os
primeiros na ordem de preferência para recebimento de seus créditos.
4.1.2. RE 583.955-9/RJ
[...] anoto que não cabe ao STF, em recurso extraordinário interposto contra
decisão prolatada em conflito de competência, em que se discute a exegese do
art. 114, na redação que lhe deu a EC 45/2004, examinar se o art. 60 da Lei
11.101/2005 estabelece ou não a sucessão de créditos trabalhistas, por tratar-
se de matéria totalmente estranha aos autos.
Mas, ainda que assim não seja, observo que esta Corte, na ADI 3.934/DF, de
minha relatoria, afirmou a constitucionalidade do referido dispositivo.
[...]
[...]
[...]
Convém sublinhar, desde logo, que o juízo universal da falência atrai apenas
os créditos consolidados, quer dizer, dele estão excluídos, a teor do art. 6º, §§
1º, 2º e 7º, da Lei 11.101/2005, 13 as ações que demandarem quantia ilíquida,
as trabalhistas e as de natureza fiscal, as quais terão prosseguimento nos juízos
especializados.
[...]
[...]
[...]
Desta forma, verifica-se que o Supremo Tribunal Federal, nos dois julgamentos,
decidiu pela constitucionalidade do afastamento de sucessão trabalhista no âmbito da alienação
de unidades produtivas isoladas na recuperação judicial e falência. Para tanto, buscou
argumentos na função social da empresa e na preservação da atividade empresarial e ainda, no
que tange à livre iniciativa e função social da propriedade, fortalecendo o desenvolvimento
jurisprudencial, o instituto da alienação de unidades produtivas isoladas e trazendo segurança
jurídica.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
São por estas razões que a Lei 11.101/2005 é de extrema importância no direito
brasileiro, inclusive no que concerne à alienação de unidades produtivas isoladas, possibilitando
a continuidade da atividade empresarial e impacto mínimo no mercado, beneficiando a
comunidade como um todo.
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Ainda, restou claro que, apesar da falha na redação do artigo 60 da Lei, a jurisprudência
tem defendido a não sucessão trabalhista e tributária, inclusive, por conta do entendimento
consolidado no Supremo Tribunal Federal.
Deste modo, conclui-se que o instituto, além estar de acordo com a Lei e não ir contra
a Constituição Federal, é necessário, efetivo e assim tem de continuar sendo. Como
consequência, haverá o preenchimento da preservação da empresa e da sua função social, a
qual, operando no plano econômico, produzirá rendimento e obterá resultados.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Paulo: Saraiva, 2012.
BEZERRA FILHO, Manoel Justino. Nova lei de recuperação e falências comentadas. São
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LEWANDOWSKI, Tribunal Pleno, julgado em 27/05/2009. Disponível em:
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CAMPINHO, Sérgio. Falência e Recuperação de Empresa. 8ª ed. São Paulo: Saraiva, 2017.
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2010.
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