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UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE

FACULDADE DE DIREITO

PAULO HENRIQUE CUNHA PEREIRA

ALIENAÇÃO DE UNIDADES PRODUTIVAS ISOLADAS NA RECUPERAÇÃO


JUDICIAL: PRESERVAÇÃO DA ATIVIDADE EMPRESARIAL, EFETIVIDADE,
RESPONSABILIZAÇÃO E INCENTIVOS

São Paulo

2019
PAULO HENRIQUE CUNHA PEREIRA

ALIENAÇÃO DE UNIDADES PRODUTIVAS ISOLADAS NA RECUPERAÇÃO


JUDICIAL: PRESERVAÇÃO DA ATIVIDADE EMPRESARIAL, EFETIVIDADE,
RESPONSABILIZAÇÃO E INCENTIVOS

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à


Faculdade de Direito da Universidade
Presbiteriana Mackenzie como requisito parcial à
obtenção do grau de Bacharel em Direito.

ORIENTADOR: Prof. Dr. Manoel Justino Bezerra Filho

São Paulo

2019
PAULO HENRIQUE CUNHA PEREIRA

ALIENAÇÃO DE UNIDADES PRODUTIVAS ISOLADAS NA RECUPERAÇÃO


JUDICIAL: PRESERVAÇÃO DA ATIVIDADE EMPRESARIAL, EFETIVIDADE,
RESPONSABILIZAÇÃO E INCENTIVOS

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à


Faculdade de Direito da Universidade
Presbiteriana Mackenzie como requisito parcial à
obtenção do grau de Bacharel em Direito.

Aprovado em:

BANCA EXAMINADORA

__________________________________________
Prof. Dr. Manoel Justino Bezerra Filho
Universidade Presbiteriana Mackenzie

__________________________________________
Prof. Dr. Hamid Charaf Bdine Júnior
Universidade Presbiteriana Mackenzie

__________________________________________
Prof. Dr. Washington Carlos de Almeida
Universidade Presbiteriana Mackenzie
Dedico este trabalho, bem como minhas
conquistas, aos meus amados pais e irmãos, que
sempre me apoiaram na perseguição de meus
objetivos.
AGRADECIMENTOS

Em primeiro lugar, agradeço a Deus por sua proteção, por sempre ter atendido minhas
orações e por ter me dado forças para alcançar meus objetivos.

Agradeço aos meus pais por todo o suporte, carinho, amor e por serem exemplo de
família, tendo sempre me auxiliado, apoiado e incentivado a ultrapassar os obstáculos da vida.

Agradeço aos meus irmãos, que transformaram momentos difíceis em suportáveis,


oferecendo, ao máximo, auxílio em tudo que precisei.

Agradeço a todos os professores que tanto transmitiram seus conhecimentos,


especialmente ao meu orientador, Professor Doutor Manoel Justino Bezerra Filho, responsável
pela orientação do meu trabalho, o qual, sempre com seu conhecido bom humor, compartilhou
seu vasto e notório conhecimento jurídico.

Agradeço aos meus amigos do curso de Direito da Universidade Presbiteriana


Mackenzie por tudo que passamos, por todas as risadas, preocupações e palavras de incentivo
durante essa trajetória.
“Decisões empresariais sempre comprometem os
recursos do presente com as incertezas do futuro.”

(Peter Drucker)
RESUMO

O presente trabalho tem como objetivo o instituto da alienação de unidades produtivas isoladas
(UPIs) na recuperação judicial, previsto no artigo 60 e parágrafo único da Lei nº 11.101/2005
(Lei de Recuperação Judicial e Falências – LREF), inclusive, a questão da responsabilidade do
arrematante nas obrigações do devedor, objeto de controvérsias doutrinárias e jurisprudenciais.
O trabalho, então, tem como escopo analisar, com base na lei, doutrina e jurisprudência, como
surgiu essa controvérsia, seus desdobramentos e superação. Sendo assim, é de enorme
relevância a análise dessa questão, uma vez que, dado o atual cenário econômico, a arrematação
de UPIs é instrumento hábil a preservar a atividade empresarial e cumprir a função social da
empresa. O trabalho conclui que tal instrumento é constitucional, não havendo que se falar em
sucessão e devendo ser incentivado.

Palavras-chave: Recuperação judicial. Alienação de unidades produtivas isoladas. Sucessão.


ABSTRACT

This paper aims to address the institute of auction business units in the judicial recovery under
the section 60 and the sole paragraph of the Brazilian Bankruptcy Law (Law No. 11,101/2005)
including the responsibility of the purchaser in the obligations of the debtor, object of doctrinal
and jurisprudential controversies. The paper, then, aims to analyze, based on law, doctrine and
jurisprudence, how this controversy arose, its consequences and its overcoming. Thus, the
relevance of analyzing this issue is enormous, since, given the current economic scenario, the
auction business units is an instrument that can preserve business activity and perform the social
function of the firm. The work concluded that the instrument is constitutional, there being no
cause to speak about succession and should be encouraged.

Keywords: Bankruptcy. Auction business units. Succession.


SUMÁRIO

INTRODUÇÃO.......................................................................................................................11

CAPÍTULO I - TEORIA DOS ATOS DE COMÉRCIO E SUA EVOLUÇÃO


HISTÓRICA............................................................................................................................13

1.1. SURGIMENTO NO BRASIL...........................................................................15

1.2. TEORIA DA EMPRESA...................................................................................17

1.2.1. Empresa................................................................................................18

1.2.2. Empresário...........................................................................................19

1.2.3. Sociedade Limitada e Sociedade Anônima.........................................20

1.2.4. Estabelecimento empresarial..............................................................22

1.3. FUNÇÃO SOCIAL DA EMPRESA..................................................................24

1.4. PRINCÍPIO DA PRESERVAÇÃO DA ATIVIDADE EMPRESARIAL..........25

CAPÍTULO II - ORIGEM HISTÓRICA DA FALÊNCIA..................................................27

2.1. SURGIMENTO NO BRASIL...........................................................................28

CAPÍTULO III - A RECUPERAÇÃO JUDICIAL..............................................................30

3.1. REQUISITOS LEGAIS E O PROCESSO DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL..33

CAPÍTULO IV - ALIENAÇÃO DE UNIDADES PRODUTIVAS ISOLADAS (UPIs) NA


RECUPERAÇÃO JUDICIAL...............................................................................................36

4.1. ADI nº 3.944-2/DF e RE 583.955-9/RJ..............................................................41

4.1.1. ADI nº 3.944-2/DF................................................................................42

4.1.2. RE 583.955-9/RJ...................................................................................46

CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................................................49
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS..................................................................................51
11

INTRODUÇÃO

A Lei nº 11.101/2005, conhecida como Lei de Recuperação Judicial e Falências


(LREF) (“Lei”), inovou ao introduzir no direito brasileiro a possibilidade de empresas em
situação de crise se reestruturarem, cumprindo com os princípios da preservação da atividade
empresarial e função social da empresa.

Outra inovação da Lei e tema desse trabalho, foi a possibilidade de haver alienação de
unidades produtivas isoladas sem sucessão trabalhista e tributária, ou seja, livre de qualquer
ônus ao adquirente. Tal inovação, conforme será amplamente demonstrado ao decorrer desse
trabalho, possibilita a manutenção dos empregos, traz benefícios ao devedor, aos credores e à
sociedade em geral, uma vez que aproveitada por todos.

Desta forma, preservando-se as empresas e em conformidade com o exame de


viabilidade a ser realizado pelo Poder Judiciário, uma vez que nem todas as empresas podem
ou merecem ser recuperadas, há uma reorganização eficiente, protegendo a atividade produtora
de bens e/ou serviços.

Logo, como a atividade empresarial é fundamental para a economia, o legislador


inseriu a ideia de preservação da empresa mesmo nas piores crises, restaurando e colocando a
empresa em crise em condições de operação, visando o cumprimento de suas dívidas e a
continuidade ao exercício da atividade empresarial.

Outro ponto importante que será abordado no presente trabalho, compreende os


julgamentos da ADI nº 3.944-2/DF e do RE 583.955-9/RJ, ambos julgados pelo Sr. Ministro
Ricardo Lewandowski e cruciais para a compreensão e cumprimento do disposto na Lei.

É nesse imbróglio jurisprudencial e doutrinário quanto à sucessão na alienação de


unidades produtivas isoladas na recuperação judicial que tais julgamentos trouxeram segurança
jurídica ao adquirente, uma vez que, diante da incerteza, o objetivo principal da Lei não estava
sendo alcançado.

Trata-se de um tema complexo e cheio de peculiaridades, diferente do que ocorreu no


tocante à não sucessão trabalhista no processo falimentar, uma vez que consta, de forma
expressa na Lei, que não ocorrerá qualquer sucessão ao adquirente de unidades produtivas
isoladas no processo falimentar, das obrigações do falido.
12

A compreensão dessa falta de disposição expressa foi crucial para discussões


jurisprudenciais e doutrinárias a respeito desse assunto: a não sucessão trabalhista em alienação
de unidades produtivas isoladas na recuperação judicial, em observação ao disposto no artigo
60 e parágrafo único da Lei.
13

CAPÍTULO I - TEORIA DOS ATOS DE COMÉRCIO E SUA EVOLUÇÃO


HISTÓRICA

De acordo com a história, comércio é uma palavra oriunda do latim, com significado
de tráfico de mercadorias. O Direito Comercial, primeiramente denominado Direito
Empresarial, foi visto inicialmente em civilizações antigas, não sendo possível encontrar muitos
registros acerca dele. (RAMOS, 2017, p. 2).

O comércio é mais antigo que o próprio Direito Comercial. De acordo com os


historiadores, as civilizações mais antigas que praticavam o comércio eram os fenícios, que se
tornaram comerciantes na época justamente por morarem em áreas montanhosas e de difícil
plantio, tendo desbravado o mar para realizar pescas, única forma de sustento. Através desse
desbravamento ao mar, descobriram uma forma de obter alimentos através do comércio.

Nessa época não se podia falar em Direito Comercial, pois o Direito Comercial é um
regime jurídico sistematizado com regras e princípios, algo que não havia naquela época, ou
seja, não era organizado. Ainda, em Roma, as regras comerciais faziam parte do Direito Civil.

Desta forma, na época, não existia de fato uma designação para Direito Comercial,
mas apenas algumas leis que regulavam o comércio e, especificamente em Roma, algumas leis
que regulavam o comércio faziam parte do Direito Civil.

Na Idade Média, caracterizada por grandes evoluções do direito, houve a expansão


comercial com o ressurgimento das cidades e fortalecimento do comércio marítimo. Logo, a
prática de comércio marítimo começou a aumentar, favorecendo o ressurgimento da cidade e
da prática comercial.

Após a expansão comercial, o que mais havia na região eram comerciantes que,
visualizando que estavam crescendo cada dia mais, perceberam que precisavam regularizar o
comércio, tendo chegado a duas hipóteses: barganhar com a nobreza ou com a igreja católica e,
consequentemente, fortalecer o direito canônico.

Os comerciantes, junto com a nobreza fundiária, tentaram reivindicar seus direitos para
regularizar o comércio, entretanto, não conseguiram ajudar os comerciantes por conta da falta
de interesse e poder político relevante.
14

Os comerciantes então, visualizando a crescente força da igreja católica, pediram


auxílio aos padres para regularização do direito e garantia jurídica nas práticas comerciais,
tendo, tal oferta, sido repudiada.

Visualizando que não tinham ajuda da nobreza fundiária, que detinha o poder político
nas mãos, nem da igreja católica, que detinha a força do direito canônico, não viram outra saída
senão se reunirem e instituírem seu próprio direito privado.

Assim, instituíram o próprio direito que regulavam suas práticas comerciais,


acarretando no surgimento de diversos direitos locais por toda a Europa. Após criar esse direito,
os comerciantes perceberam que era necessária a criação de um órgão que fiscalizasse essas
relações jurídicas, tendo sido criadas as corporações de ofício, cujo papel era fiscalizar e aplicar
esse direito.

Nessa época, surgiu a diferença da figura do comerciante e do autônomo, pois, só era


considerado comerciante quem fazia parte das corporações de ofício, corporações essas
totalmente privadas e sem vínculo com o poder político central da época e com o direito
canônico. Era realmente um órgão criado e sustentado pelos próprios comerciantes, totalmente
privado.

Após a criação dessas corporações de ofício, os comerciantes flexibilizaram suas


práticas de comércio, criando os títulos de crédito, como as letras de câmbio e os contratos
mercantis, tendo surgido também os bancos, organismos importantes para a prática.

As corporações de ofício regiam as relações comerciais entre seus membros, ou seja,


as normas eram caracterizadas por serem supostamente sistematizadas, uma vez que só se
aplicavam aos mercadores que eram afiliados à uma corporação de ofício, não se aplicando a
todos os comerciantes.

Outro ponto importante ocorrido na Idade média, foi a criação do princípio da


liberdade na forma da celebração dos contratos, derrubando a concepção romana acerca dos
contratos, que tratava os contratos como o instrumento pelo qual se adquiria ou transferia algo,
seguindo uma solenidade.

Logo, percebendo os comerciantes que essa solenidade não correspondia a seus


interesses, começaram a praticar uma forma mais libertária de contratação, tendo surgido o
15

princípio da liberdade na forma da celebração dos contratos e ampliando a forma de relação dos
comerciantes.

Então, pode-se dizer que o Direito Comercial teve seu início por meio de práticas
medievais, durante a Idade Média, visto a necessidade de ascensão da burguesia para que
tivessem um ordenamento próprio de regularização de suas atividades comerciais. (RAMOS,
2017, p. 3).

Desta forma, veio fragmentado e, com vista à instauração de suas normas, houve a
reunião das corporações de ofício, que seu pela motivo de no sistema feudal, os senhores feudais
exercerem funções estatais e causarem rupturas. Assim, havendo a necessidade de uma
regulamentação geral, houve também a criação dos cônsules, que eram os juízes que os
comerciantes elegiam para, em caso de disputas comerciais, os mesmos decidirem de forma
mais imparcial.

Após, com o início das navegações e durante o mercantilismo, o subjetivismo explícito


foi enfraquecido, sendo necessário um novo Direito Comercial, que não fosse mais restrito, uma
vez que deveria acompanhar as colonizações da época. Com isso, foi dada início à segunda
fase, chamada de teoria dos atos de comércio.

Houve então a produção de conjunto de normas, a saber, na França, onde dois


conjuntos regulavam o comércio no mar e na terra, atribuindo ao comércio qualidade mercantil,
definindo-o e discriminando o exercente da prática comercial e a competência dos juízes.

1.1. SURGIMENTO NO BRASIL

O Brasil, desde o seu descobrimento, foi marcado por ser uma colônia de exploração,
em que era imposto à colônia as regras mercantis vigentes, explorada por ciclos, como o do
pau-brasil, açúcar, ouro etc. Tudo que era produzido ou explorado no Brasil era comercializado
pela metrópole.

Trezentos anos depois, no início do século XIX, com a expansão das conquistas na
Europa, a vinda da família real para o Brasil colônia e a amizade com outras nações europeias,
houve a abertura dos portos a essas nações e a incrementação do comércio na colônia com o
objetivo de tonar viável a ideia de se criar um Direito Comercial brasileiro.
16

Logo, o Direito Comercial brasileiro foi iniciado pela chegada da família real em 1808,
a abertura dos portos às nações amigas, a Carta régia de 28 de janeiro de 1808 e outros atos,
que permitiu que fossem criadas no país, livremente, fábricas e manufaturas. Até o surgimento
de um Código Comercial próprio, o Direito Comercial no Brasil era regulado pelas leis
portuguesas, e, também, eram aplicadas as leis espanhola e francesa caso houvessem lacunas,
com fundamento no princípio da boa razão. Somente em 1834, no Brasil, foi dado início ao
escopo de um novo Código Comercial próprio baseado nos códigos europeus, principalmente,
o código português, espanhol e francês, o qual tramitou por 15 anos. (RAMOS, 2017, p. 5).

O Código Comercial brasileiro inspirou-se diretamente no ordenamento francês,


trazendo para o direito brasileiro, a disciplina privada francesa que dispunha acerca da atividade
econômica. Todos os dispositivos do código eram de forma acentuada, marcados pela teoria
dos atos de comércio.

De qualquer modo, a legislação brasileira não teve como fugir do elenco normativo
desses atos, editando-se, ainda em 1850, o Regulamento nº 737, diploma processual de
qualidade técnica destacada em que, cujo artigo 19, definiam-se as atividades sujeitas à
jurisdição dos tribunais do comércio. (TOMAZETTE, 2014, p.10).

Em 1850, baseado no Código de Napoleão, nasceu o Código Comercial brasileiro, com


características subjetivistas e sem enumerar os atos de comércio. Mesmo com a extinção dos
tribunais do comércio em 1875, continuou o direito brasileiro a disciplinar a atividade
econômica a partir do critério fundamental da teoria dos atos de comércio, isto é, contemplando
dois diferentes regimes basilares – civil e comercial. (RAMOS, 2017, p. 8).

Tal código, influenciado pela legislação francesa, adotou a teoria objetiva, tendo nos
atos de comércio seu marco referencial. Algum tempo depois, essa teoria sucumbiu à dinâmica
do comércio e não a acompanhou por ser limitada e casuística demais. A teoria objetiva
terminou por não ter eficiência, uma vez que não acompanhava a evolução histórica e limitava
o comércio.

Diante da necessidade de um novo direito, mais prático ao comércio, veio a nova fase
do Direito Comercial que foi denominada de teoria da empresa, surgida em 1942, na Itália. Com
caráter subjetivista, teve como foco quem exercia a atividade e não a limitação do comércio.
(RAMOS, 2017, p. 9).
17

Somente a partir dos anos 1960, quando o direito brasileiro inicia o processo de
aproximação ao sistema italiano de disciplina privada da atividade econômica, a lista do velho
regulamento imperial vê diminuída sua importância.

1.2. TEORIA DA EMPRESA

Em 1942, surge na Itália o Códice Civile, com âmbito alargado e que passa a disciplinar
tanto a matéria civil como a comercial, inaugurando a última etapa evolutiva do Direito
Comercial.

A uniformização legislativa do direito privado na Itália, que já existia em parte na


Suíça, serviu como referência doutrinária pois, mesmo que instituído posteriormente, foi
acompanhado de uma teoria substitutiva à dos atos de comércio, disciplinando de forma
específica, a atividade empresarial. (RAMOS, 2017, p. 9).

O modelo italiano de regular o exercício da atividade econômica encontra, então, sua


síntese na teoria da empresa, com o deslocamento da ligação entre os regimes civil e comercial.
No sistema francês, houve a exclusão de atividades de grande importância econômica
(prestação de serviços, negociação, imobiliária, agricultura, pecuária etc.) do âmbito de
aplicação do direito mercantil, ao passo que, no italiano, fora reservada para algumas atividades
com pouco impacto econômico (pequenos comerciantes, profissionais liberais etc.). A teoria da
empresa foi, sem questionamentos, um novo modelo de disciplina privada da econômica, com
um viés acomodado à realidade do capitalismo.

Logo, o sistema italiano de disciplina privada da atividade econômica, sintetizado pela


teoria da empresa, acabou superando o francês, uma vez que não realizava uma divisão entre
as legislações de direito privado sobre matéria econômica em categorias diferentes e submissão
a regimes distintos. Para isso, houve a criação de um regime geral para a disciplina privada da
economia, com exceção de atividades com expressão econômica marginal. A teoria dos atos de
comércio então, acaba substituída pela teoria da empresa, mesmo que sem referência, na lei e
doutrina, de suas designações.

Na mesma tendência dos demais países de tradição romanística, o Brasil vem, pouco
a pouco, estabelecendo um regime geral de disciplina privada da atividade econômica, em que
pese, apesar da instauração dessa nova fase, da continuidade da vigência da fase objetivista.
18

Como exemplificação desse novo regime, pode-se destacar o Código de Defesa do Consumidor,
a Lei de Locações e a Lei do Registro Público de Empresas Mercantis.

Com o advento do Código Civil brasileiro, em 2002, houve a formalização da transição


para a teoria italiana subjetivista, unificando o direito privado e concluindo o demorado
processo de transição entre o sistema francês e italiano, embora não tendo havido a revogação
da segunda parte do Código de 1850, que dispõe, até hoje, do comércio marítimo. (COELHO,
2014, p. 30).

Apesar da unificação legislativa do direito privado, o Direito Comercial não perdeu


sua autonomia, tendo o centro das relações comerciais passado do comerciante para a empresa,
incorporando, na teoria da empresa, a doutrina, jurisprudência e leis esparsas, como assim já
era antes da entrada do Código Civil em vigor.

1.2.1. Empresa

Muitos utilizam o termo empresa como sinônimo de estabelecimento empresarial ou


como o local onde se realiza a atividade empresarial. Outras vezes, o termo empresa é utilizado
no sentido de sociedade empresária e, até mesmo, como sinônimo de empresário.

A empresa, considerada uma abstração jurídica, não é pessoa sujeita de direitos e


obrigações:

A empresa não é um sujeito de direitos e obrigações. É uma atividade e, como


tal, pode ser desenvolvida pelo empresário unipessoal ou pela sociedade
empresária. Quer dizer, pela pessoa natural do empresário individual, ou pela
pessoa jurídica contratual ou estatutária da sociedade empresária. (FAZZIO
JÚNIOR, 2006, p. 49)

No mesmo sentido, Tomazette (2014, p. 41):

A empresa, entendida como atividade econômica organizada, não se confunde


nem com o sujeito exercente da atividade, nem com o complexo de bens por
meio dos quais se exerce a atividade, que representam outras realidades
distintas.

E continua o autor (TOMAZETTE, 2014, p. 42):

A empresa não possui personalidade jurídica, e nem pode possuí-la e,


consequentemente, não pode ser entendida como sujeito de direito, pois ela é
a atividade econômica que se contrapõe ao titular dela, isto é, ao exercente
daquela atividade.
19

Logo, a empresa é a atividade que pode ser exercida tanto pelo empresário quanto por
uma sociedade empresária, não podendo ser caracterizada, então, como um sujeito de direito,
uma vez que trata-se de uma atividade.

1.2.2. Empresário

O empresário, por sua vez é:

[...] o profissional exercente de “atividade econômica organizada para a


produção ou a circulação de bens ou serviços” (CC, art. 966). Destacam-se da
definição as noções de profissionalismo, atividade econômica organizada e
produção ou circulação de bens ou serviços. (COELHO, 2012, p. 31).

O empresário é o sujeito de direito, ele possui personalidade. Pode ele tanto


ser uma pessoa física, na condição de empresário individual, quanto uma
pessoa jurídica, na condição de sociedade empresária, de modo que as
sociedades empresárias não são empresas, como afirmado na linguagem
corrente, mas empresários. (TOMAZETTI, 2014, p. 43)

Logo, o empresário é a pessoa, física ou jurídica, que toma a iniciativa de organizar e


desenvolver a atividade econômica, exercê-la de modo profissional, assume o risco e
desenvolve suas atividades para o mercado, cumulando assim, vários requisitos.

A pessoa jurídica empresária é costumeiramente chamada de empresa e, seus sócios,


de empresários, indo contra os termos técnicos. Empresa é a atividade exercida e empresário é
a própria sociedade, não seus sócios.

Já o sócio, é a denominação correta daquele que detém participação de uma sociedade,


ou seja, faz parte de um contrato de sociedade. Embora tratado como empresário, é apenas
aquele que detém fração do capital social de uma sociedade empresarial.

A respeito dessa distinção, Coelho (2014, p. 171):

A natureza da situação jurídica do sócio é sui generis, quer dizer, insuscetível


de rigorosa sujeição a um regime jurídico próprio ou aproximado de alguma
outra figura jurídica, com vistas à definição de parâmetros que auxiliassem a
solução das pendências relativas aos seus direitos e deveres perante a
sociedade. Neste sentido, não se revela correto entende-lo seja como um
proprietário da sociedade empresária – esta, sendo pessoa jurídica, é
inapropriável – ou como seu credor – embora tenha direito a participar dos
lucros sociais, em caso de falência, o sócio não poderá concorrer à massa,
obviamente, se não dispuser de outro título. Desta forma, o sócio submete-se
a um regime jurídico que lhe é próprio, composto por um conjunto de
obrigações e direitos que a lei e, por vezes, o contrato social lhe reservam.
20

O sócio é, assim, a denominação da parte no contrato da sociedade empresarial que


detém parte do capital social ou, atualmente, dada a atualização da legislação com a
possibilidade de constituição de sociedade empresária limitada unipessoal, o total do capital
social.

O empresário, portanto, é o titular da empresa, pessoa natural ou jurídica. É quem


assume o risco da atividade para aproveitar seus lucros ou, em caso de insucesso,
responsabilizar-se pelos prejuízos.

O empresário pode ser pessoa física ou jurídica. No primeiro caso, denomina-


se empresário individual; no segundo, sociedade empresária.

Deve-se desde logo acentuar que os sócios da sociedade empresária não são
empresários. Quando pessoas (naturais) unem seus esforços para, em
sociedade, ganhar dinheiro com a exploração empresarial de uma atividade
econômica, elas não se tornam empresárias. A sociedade por elas constituída,
uma pessoa jurídica com personalidade autônoma, sujeito de direito
independente, é que será empresária, para todos os efeitos legais. (COELHO,
2012, p. 40-41).

Podemos concluir que o empresário é quem exerce a atividade empresarial, podendo


ser denominado empresário individual quando pessoa física ou denominado sociedade
empresária, quando pessoa jurídica.

O empresário é o responsável pela organização da atividade, modos de produção,


circulação de bens etc. É quem realiza, de forma efetiva, a industrialização e relação comercial,
explorando a atividade mercantil e obtendo lucro.

1.2.3. Sociedade limitada e sociedade anônima

Logo, como é a própria pessoa jurídica a empresária e não seus sócios, conforme
amplamente demonstrado acima, será tratado, no presente subcapítulo, duas das principais
formas de sociedade, a saber: sociedade de responsabilidade limitada (LTDA) e sociedade
anônima (S/A).

A sociedade limitada, mais comumente utilizada para exploração de atividades


econômicas de pequeno e médio porte, é constituída por meio de um contrato celebrado entre
os sócios, denominado Contrato Social, o qual regerá seus interesses.

Conforme nos explica Coelho (2014, p. 184):


21

A sociedade limitada é o tipo societário de maior presença na economia


brasileira. Introduzida no nosso direito em 1919, ela representa hoje mais de
90% das sociedades empresárias registradas nas Juntas Comerciais. Deve-se
o sucesso a duas de suas características: a limitação da responsabilidade dos
sócios e a contratualidade. Em razão da primeira, os empreendedores e
investidores podem limitar as perdas, em caso de insucesso da empresa.

A segunda característica que motivou a larga utilização desse tipo societário


é a contratualidade. As relações entre os sócios podem pautar-se nas
disposições de vontade destes, sem os rigores ou balizamentos próprios do
regime legal da sociedade anônima, por exemplo. Sendo a limitada contratual,
e não institucional, a margem para negociações entre os sócios é maior.

A sociedade anônima, também denominada Companhia, é utilizada para exploração


de atividades econômicas de grande monta. O instrumento que rege os interesses de seus
acionistas se denomina Estatuto.

Nesse sentido, Coelho (2014, p. 217):

A sociedade anônima é uma sociedade de capital. Os títulos representativos


da participação societária (ação) são livremente negociáveis. Nenhum dos
acionistas pode impedir, por conseguinte, o ingresso de quem quer que seja
no quadro associativo. Por outro lado, será sempre possível a penhora da ação
em execução promovida contra o acionista.

E continua o autor (COELHO, 2014, p. 218):

O capital social deste tipo societário é fracionado em unidades representadas


por ações. Os seus sócios, por isso, são chamados acionistas, e eles respondem
pelas obrigações sociais até o limite do que falta para a integralização das
ações de que sejam titulares.

O capital social representa o montante de recursos que os sócios disponibilizam para


a constituição da sociedade. Não se confunde o capital social com o patrimônio social, que é o
conjunto de bens e direitos de propriedade da sociedade empresária.

Quando da constituição da sociedade empresária, apenas os recursos inicialmente


fornecidos por seus sócios compõem o seu patrimônio. Se a atividade se mostrar lucrativa, há
a ampliação desses recursos iniciais ou, caso não haja lucro, há a perda parcial ou total de tais
recursos, acarretando em um patrimônio social menor que o capital social.

Para a contribuição do sócio ao capital social, lhe é atribuída a participação


correspondente. Tratando-se de sociedade limitada, essa participação é denominada quota. Se
sociedade anônima, essa participação se chama ação.
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A quota e a ação não são de propriedade da sociedade. Se o sócio possui uma dívida,
pode o credor, em casos específicos, promover a execução sobre a participação titularizada pelo
sócio. Ainda, o patrimônio social da sociedade pode caracterizar garantia a determinado credor,
mas não as partes representativas do capital social.

O sócio de uma sociedade limitada, titular de mais da metade da composição de seu


capital, compõe a maioria societária, tendo poderes especiais para decidir sozinho sobre
determinados assuntos, desde que não seja estabelecido pela lei ou Contrato Social, quórum
qualificado para determinada deliberação.

Na sociedade anônima, o titular da maioria das ações é, normalmente, o acionista


controlador. Normalmente porque há ações que conferem aos acionistas o direito de voto na
assembleia geral e, nem sempre, o titular da maioria das ações também será titular da maioria
das ações com direito de voto.

Como representante legal, a sociedade limitada tem o administrador, o qual tem


poderes de administrar a sociedade. Nada impede, porém, que a administração caiba a mais de
uma pessoa, que atuarão em conjunto ou isoladamente, conforme previsão no Contrato Social.
A sociedade anônima, por sua vez, tem como representante legal o diretor. Para nenhuma das
sociedades é exigido que o administrador ou diretor seja sócio ou acionista.

Conforme demonstrado, essas são as duas principais sociedades empresárias previstas


na legislação brasileira, a qual abrange vários tipos de sociedades com o objetivo de exercício
de uma atividade empresarial. Ainda, é possível aferir que há diversas formalidades para
constituição e tomada de decisões, com vista à proteção dos sócios e preservação da sociedade.

1.2.4. Estabelecimento empresarial

Estabelecimento empresarial é o conjunto de bens que o empresário reúne para


exploração e desenvolvimento de sua atividade econômica, mais comumente conhecido como
fundo de empresa e compreendendo os bens indispensáveis e/ou úteis para desenvolvimento da
empresa (estoque, máquinas, veículos, móveis etc.).

Nesse sentido, conforme ensina Coelho (2014, p. 80), é mais fácil de entendermos o
significado de estabelecimento empresarial fazendo-se a seguinte analogia:
23

Para se entender a natureza desse instituto jurídico é útil socorrer-se de uma


analogia com outro conjunto de bens: a biblioteca. Nela, não há apenas livros
agrupados ao acaso, mas um conjunto de livros sistematicamente reunidos,
dispostos organizadamente, com vistas a um fim – possibilitar o acesso
racional a determinado tipo de informação. Uma biblioteca tem o valor
comercial superior ao da simples soma do preço dos livros que a compõem,
justamente em razão desse plus, dessa organização racional das informações
contidas nos livros nela reunidos.

No mesmo sentido, Tomazette (2014, p. 93):

A atividade (empresa) é exercida por um sujeito (o empresário), que


geralmente viabiliza o exercício da atividade por meio de um complexo de
bens, que denominaremos estabelecimento empresarial – ele é o instrumento
da atividade empresarial. Pode-se dizer que, na maioria dos casos, a todo
empresário corresponde um estabelecimento. Diz-se na maior dos casos,
porque é possível o exercício da empresa com a utilização exclusiva de meios
financeiros.

Com base na explanação dos autores acima, constata-se que o estabelecimento


empresário é elemento indissociável à empresa, não havendo a possibilidade, na maioria dos
casos, de exploração da atividade empresarial sem o correspondente estabelecimento. Ao
organizar o estabelecimento, o empresário agrega aos bens reunidos determinado valor,
alcançando, em conjunto e articulados em função da empresa, um valor de mercado maior à
soma de cada um deles em separado

O imóvel no qual funciona a empresa, por si só, não pode ser efetivamente considerado
o estabelecimento empresarial, pois, embora fundamental para o exercício da atividade
empresarial, é apenas mais um elemento que compõe o estabelecimento empresarial. Ainda, o
direito não reconhece o estabelecimento como pessoa jurídica, as quais são definidas no artigo
44 do Código Civil.

Desta forma, o estabelecimento não tem capacidade de exercer direitos nem contrair
obrigações, uma vez que não é dotado de personalidade jurídica, sendo, em verdade, objeto de
direito e pertencente ao titular do negócio. O estabelecimento como objeto de direito está
inserido na universalidade ou totalidade de bens pertencentes à mesma pessoa, conforme artigo
90 e parágrafo único do Código Civil.

O Código Civil, no Título III, Capítulo Único, definiu estabelecimento empresarial e


os elementos que o compõem, cada uma com suas características autônomas, podendo,
inclusive, serem modificados e reagrupados.
24

Estes elementos unificados representam o estabelecimento, que por sua vez pode ser
objeto unitário de direitos e de negócios jurídicos, translativos ou constitutivos, que sejam
compatíveis com a sua natureza.

Assim, guardando compatibilidade com sua natureza unitária, o estabelecimento pode


ser objeto de negócio jurídico próprio, podendo ser vendido, arrendado, alienado e cedido.

1.3. FUNÇÃO SOCIAL DA EMPRESA

A palavra função social origina-se do latim funciona, é derivada do verbo fungor, cujo
significado é de cumprir algo, desempenhar um dever ou tarefa, ou seja, cumprir uma
finalidade, funcionalizar. Tem como base a filosófica e teologia, mais acertadamente, no
cristianismo, uma vez que a igreja católica dizia que os bens se destinavam a uma finalidade de
produção, desconstruindo uma preocupação com o bem-estar coletivo.

Com a vinda da Revolução Francesa e instauração de uma nova filosófica fundada nos
ideais de liberdade social e política, configurando a propriedade privada segundo os interesses
da burguesia, a propriedade privada passou a ser vista como absoluta, tendo como origem o
trabalho e, em caso de excedente e desde que não corresse risco de se deteriorar, pertencente ao
proprietário.

Tal modelo absolutista, foi superado com a passagem das duas grandes Guerras
Mundiais, que instauraram um novo ideal de propriedade privada, passando o Estado a intervir
na ordem econômica com vistas à redução das desigualdades sociais e econômicas, ou seja,
passou a tratar de forma diferente as questões concernentes à propriedade, ao contrato e à
empresa, impondo restrições às liberdades contratuais e de utilização da propriedade.

Nessa evolução do conceito de propriedade privada, os direitos individuais e coletivos


integram-se, em face do cunho social, com a finalidade de equilibrar os interesses individuais
e sociais num momento histórico excessivamente capitalista e marcado pela alta concentração
de poder econômico.

A atividade economicamente organizada passa a desempenhar um papel significativo


no desenvolvimento econômico e social, evidenciando sua importância social, restando saliente
o cumprimento da sua função social ao gerar riquezas, empregos e dividendos para o Estado e,
ainda, influenciando comportamento de instituições e grupos sociais.
25

Logo, inicialmente, o conceito de função social da empresa, no direito, surgiu atrelado


à ideia de propriedade, formada através da injeção de capital pertencente a proprietários
privados e, consequentemente, coloraria da propriedade privada.

No mesmo sentido, com aplicação na esfera econômica e visando os interesses


coletivos, há os princípios da integração, objetivando os interesses coletivos, como a defesa do
consumidor e do meio ambiente, acarretando na redução da desigualdade social e mais
empregos, cumprindo com os princípios da ordem econômica disciplinados na Constituição
Federal.

No Brasil, a lei contempla duas medidas judiciais com o objetivo de evitar que
a crise na empresa acarrete a falência de quem a explora. De um lado, a
recuperação judicial; de outro, a homologação judicial de acordo de
recuperação extrajudicial. Os objetivos dela são iguais: saneamento da crise
econômico-financeira e patrimonial, preservação da atividade econômica e
dos seus postos de trabalho, bem como o atendimento aos interesses dos
credores. Diz-se que, recuperada, a empresa poderá cumprir sua função social.
(COELHO, 2015, p. 395).

Desta forma, é possível entender que a função social da empresa atua em duas
vertentes: garantindo-lhe a efetividade com a preservação de sua atividade, conforme previsão
no ordenamento falimentar e, na coercitividade, limitando seu exercício e visando uma
sociedade mais justa e maior integração do interesse individual ao coletivo. Dessa maneira, é
possível que a empresa cumpra sua função social de forma plena e satisfatória a todos os
envolvidos.

1.4. PRINCÍPIO DA PRESERVAÇÃO DA ATIVIDADE EMPRESARIAL

Por meio do entendimento de que a empresa é uma unidade produtora organizada,


passou-se a pensar em uma solução jurídica para aquelas que enfrentam crise econômico-
financeira, pois não se pode permitir que elas simplesmente desapareçam, visto a sua relevância
socioeconômica.

A preservação da empresa busca, primordialmente, a manutenção dos empregos, a


garantia dos interesses dos credores e preservação da função social da empresa.

O principal princípio da Lei 11.101/2005 é o da preservação da empresa, previsto em


seu artigo 47:

Art. 47. A recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação da


situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a
26

manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses


dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social
e o estímulo à atividade econômica.

Preservar a empresa, entretanto, não se traduz em preservar o empresário ou a


sociedade empresária, mas proteger a atividade produtora de bens e/ou serviços.

O princípio da preservação da empresa se traduz na priorização da recuperação para


aquelas empresas viáveis, que comportem uma reorganização eficiente. Primeiro tenta-se a
preservação da atividade empresária e, somente em último caso, pensa-se no processamento de
liquidação da empresa, uma vez que a liquidação da empresa gera uma consequência econômica
e social relevante e por isso deve-se mensurar antes sua viabilidade e os danos que causaria sua
liquidação.

Logo, o legislador, pautado no pensamento de que a empresa tem um papel social a


desempenhar, seja a projetação do desenvolvimento econômico e financeiro, quanto também,
o desenvolvimento humano, discriminou inúmeros meios de se preservar a empresa e promover
o seu seguimento.
27

CAPÍTULO II - ORIGEM HISTÓRICA DA FALÊNCIA

A palavra falência vem do latim falece, que seria faltar com o prometido. Quem falia,
era tido como mau devedor, aquele que faltou comprometimento frente ao seu credor.

Para Burgarelli (2007, p.21) “a falência é a exceção que somente caberá se, ao longo
de todas as tentativas de recuperação da atividade do empresário ou da sociedade empresária,
outro meio não se colocar à disposição”.

Na Roma Antiga, os devedores ofereciam como garantia ao credor o próprio corpo e


a liberdade para pagamento da dívida, ou seja, se tornavam escravos em decorrência da dívida,
pagando com partes do próprio corpo ou, em caso de descumprimento, com a própria vida.

Após, em 428 a.C., foi publicada a Lex Poetelia-Papiria, em que os devedores foram
impedidos de darem como garantia ao credor a sua própria liberdade, seu próprio corpo. Essa
lei trouxe, ainda, outra modificação - a responsabilidade do devedor, que era pessoal, passou a
ser patrimonial. (RAMOS, 2017, p. 628).

Com a responsabilidade passando a ser patrimonial, surgiu a questão da ocorrência de


o patrimônio do devedor não ser suficiente para a satisfação dos seus credores, caso do devedor
que não possuía bens suficientes para pagar ao seu credor.

Com base no Código de Justiniano, houve o instituto do missio in possessio bonorum,


em que a posse dos bens do devedor passava para o credor, e o credor dispunha desses bens
para saldar a dívida do devedor. Logo, a posse dos bens do devedor passava para o credor, que
tinha poder de disposição, sendo esses bens administrador por um curador, o curador bonoro.
(RAMOS, 2017, p. 628).

Ainda, o instituto do missio in possessio bonorum era aplicado a todo tipo de devedor,
não somente ao comerciante pois, naquela época, ainda não se falava em Direito Comercial.

Com o Código de Napoleão, em 1804, há uma profunda mudança no direito, dividindo


o direito privado em dois ramos distintos: direito comum e o Direito Comercial, com um regime
comum aplicado à quase todas as relações jurídicas e, de outro lado, o Direito Comercial
aplicado às atividades mercantis. O Direito Comercial do Código de Napoleão adotou a teoria
dos atos de comércio, ou seja, era comerciante quem praticava atos de comércio.
28

Em 1808, com o Code de Commerce, foi trazida uma mudança no Direito Comercial
que, consequentemente, atingiu o direito falimentar, com uma série de regramentos especiais
que somente eram aplicados aos devedores comerciantes insolventes. Para o devedor insolvente
de natureza civil eram aplicadas as regras de Direito Civil e para o devedor comerciante
insolvente, as regras do Direito Comercial.

Logo, a falência, vista como algo negativo, como ato de mau devedor, passa a ser vista
como uma questão de risco inerente à própria atividade comercial. A própria atividade
comercial já tem o risco de falência e as crises econômicas são tão possíveis de acontecer que
o direito falimentar começa a criar a noção de função social da empresa, cabendo ao direito
falimentar se preocupar com a recuperação da empresa, não mais tirando a empresa do mercado
como uma forma de punição, mas buscando sua manutenção no mercado.

2.1. SURGIMENTO NO BRASIL

Falência vem de insolvência. É ter mais passivo do que ativo. Se uma sociedade
empresária está insolvente, pode ser encerrada por uma ordem judicial. Em realidade, o instituto
da falência somente se aplica a quem exerce atividade empresarial. O código de Processo Civil
tem um procedimento chamado insolvência civil parecido com falência para quem não exerce
atividade empresarial.

O instituto da falência surgiu antes da concordata ou recuperação judicial, tendo


sempre existido enquanto procedimento para liquidação de uma atividade empresarial inviável.

O que mudou, desde o Código Comercial de 1850, foi o procedimento, sem


possibilidade de o credor recebe fora da falência. Logo, se um credor desejar receber de uma
empresa em falência, deverá receber dentro do processo, assim como, em caso de pagamento,
também deverá ser feito dentro do processo.

Essa mudança de procedimento foi o meio do legislador tentar torná-lo mais eficiente
e incentivar a atividade econômica mesmo durante a falência, com vista ao cumprimento de
seus objetivos, otimizando os recursos produtivos do devedor, ou seja, conseguir o maior
volume possível de dinheiro, conforme artigo 75 e parágrafo único da Lei nº 11.101/2005:

Art. 75. A falência, ao promover o afastamento do devedor de suas atividades,


visa a preservar e otimizar a utilização produtiva dos bens, ativos e recursos
produtivos, inclusive os intangíveis, da empresa.
29

Parágrafo único. O processo de falência atenderá aos princípios da celeridade


e da economia processual.

Logo, falência é o fim do exercício de uma atividade empresarial em razão da


insolvência de uma sociedade empresária. Então, aquele empresário, que exerce a atividade
empresarial e se vê diante de situações específicas, pode-se presumir sua insolvência, podendo
o juiz decretá-la.

Durante o processo de recuperação judicial também pode-se presumir a falência,


entretanto, para se ter falência, é necessário haver uma sentença. O juiz, então, ao perceber que
há estado de insolvência, decretará a falência por sentença, começando, a partir daí a fase da
execução concursal.

A recuperação judicial destina-se às empresas que estejam em situação de


crise econômico-financeira, com possibilidade, porém, de superação; pois
aquelas em tal estado, mas em crise de natureza insuperável, devem ter sua
falência decretada, até para que não se tornem elemento de perturbação do
bom andamento das relações econômicas de mercado. (BEZERRA FILHO,
2014, p. 144).

Na fase de execução concursal, o objeto é de satisfazer a obrigação. A arrecadação é


realizada a título universal, sento todos os bens do falido reunidos em um único processo de
falência.

A falência é possível de existência, assim como o Estado pode liquidar os bens de um


empresário, em razão da função social da empresa. O Estado é responsável pelo processo de
falência porque a atividade empresarial é fundamental para a economia, uma vez que traz
benefícios para a sociedade.
30

CAPÍTULO III - A RECUPERAÇÃO JUDICIAL

O instituto da recuperação judicial de empresas surgiu em 2005. Surgiu como uma


esperança do empresário superar uma crise, cabendo a iniciativa ao próprio devedor, pois, caso
contrário, pode ter a falência decretada.

Quando se diz que uma empresa está em crise, surgem daí vários significados.
Sistematizando o assunto, é necessário distinguir os diferentes tipos de crises: econômica,
financeira e patrimonial. Normalmente, uma é decorrente da outra, mas a complexidade da
economia e das relações jurídicas geram situações que, manifestada uma dessas crises, não há
preocupação nos agentes econômicos.

Conforme ensina Coelho (2015, p. 241), devemos entender os diferentes tipos de crises
da seguinte forma:

Por crise econômica deve-se entender a retração considerável nos negócios


desenvolvidos pela sociedade empresária. Se os consumidores não mais
adquirem igual quantidade dos produtos ou serviços oferecidos, o empresário
varejista pode sofrer queda de faturamento (não sofre, a rigor, só no caso de
majorar seus preços). Em igual situação está o atacadista, o industrial ou o
fornecedor de insumos que veem reduzidos os pedidos dos outros
empresários. A crise econômica pode ser generalizada, segmentada ou atingir
especificamente uma empresa; o diagnóstico preciso do alcance do problema
é indispensável para a definição das medidas de superação do estado crítico.
Se o empreendedor avalia estar correndo retração geral da economia, quando,
na verdade, o motivo da queda das vendas está no atraso tecnológico do seu
estabelecimento, na incapacidade de sua empresa competir, as providências
que adotar (ou deixar de adotar) podem ter o efeito de ampliar a crise em vez
de combate-la.

A crise financeira revela-se quando a sociedade empresária não tem caixa para
honrar seus compromissos. É a crise de liquidez. As vendas podem estar
crescendo e o faturamento satisfatório – e, portanto, não existir crise
econômica – mas a sociedade empresária ter dificuldades de pagar suas
obrigações, porque ainda não amortizou o capital investido nos produtos mais
novos, está endividada em moeda estrangeira e foi surpreendida com uma
crise cambial ou o nível de inadimplência na economia está acima das
expectativas. A exteriorização jurídica da crise financeira é a impontualidade.
Em geral, se a sociedade empresária não está também em crise econômica e
patrimonial, ela pode superar as dificuldades financeiras por meio de
operações de desconto em banco das duplicatas ou outro título representativo
dos créditos derivados das vendas ou contraindo mútuo bancário mediante a
outorga de garantia real sobre bens do ativo. Se estiver elevando o custo do
dinheiro, contudo, essas medidas podem acentuar a crise financeira, vindo a
comprometer todos os esforços de ampliação de venda e sacrificar reservas
imobilizadas.
31

Por fim, a crise patrimonial é a insolvência, isto é, a insuficiência de bens no


ativo para atender à satisfação do passivo. Trata-se de crise estática, quer
dizer, se a sociedade empresária tem menos bens em seu patrimônio que o
total das suas dívidas, ela parece apresentar uma condição temerária,
indicativa de grande risco para os credores. Não é assim necessariamente. O
patrimônio líquido negativo pode significar apenas que a empresa está
passando por uma fase de expressivos investimentos na ampliação de seu
parque fabril, por exemplo. Quando concluída a obra e iniciadas as operações
da nova planta, verifica-se um aumento de receita e de resultado suficiente
para afastar a crise patrimonial.

Podemos entender, então, que a crise financeira decorre da incapacidade de operação


da empresa e, consequentemente, paralisação da atividade empresarial; a crise financeira,
decorre de problema de caixa, falta de crédito e inadimplemento; e, por fim, a crise patrimonial
é a falta do ativo e o aumento do passivo, acarretando riscos aos credores.

Ainda, Coelho (2015, p. 243), mostra o quão preocupante é a crise de uma empresa:

A crise da empresa pode ser fatal, gerando prejuízos não só para os


empreendedores e investidores que empregaram capital no seu
desenvolvimento, como para os credores e, em alguns casos, num encadear de
sucessivas crises, também para outros agentes econômicos. A crise fatal de
uma grande empresa significa o fim de postos de trabalho, desabastecimento
de produtos ou serviços, diminuição na arrecadação de impostos e,
dependendo das circunstâncias, paralisação de atividades satélites e problemas
sérios para a economia local, regional ou, até mesmo, nacional. Por isso,
muitas vezes o direito se ocupa em criar mecanismos jurídicos e judiciais na
recuperação da empresa.

Conforme bem colocado pelo doutrinador, os objetivos da recuperação judicial são a


manutenção da fonte produtora, a manutenção dos empregos dos trabalhadores e a preservação
dos interesses dos credores, alcançando a realização do princípio da preservação da empresa e
da sua função social.

Tais objetivos, como já explicado em capítulo anterior, decorre do disposto no artigo


47 da Lei 11.101/2005. Esse artigo traz objetivos e princípios que vão reger a recuperação
judicial, que é viabilizar a superação da crise econômica e financeira do devedor.

Na parte final do artigo 47 “[...] promovendo, assim, a preservação da empresa, sua


função social e o estímulo à atividade econômica.”, há a consolidação da importância da
recuperação judicial empresarial, uma vez que falar em preservar a empresa é falar em manter
seu funcionamento, a manutenção da fonte produtora.

Nas palavras de Souza Júnior; Pitombo (2007, p. 222):


32

Recuperar significa reaver, mas a palavra é, também, empregada no sentido


de restaurar, repor em condições de operar, sendo este o entendimento que
recebe na Lei em comento. Trata-se de repor a empresa em crise, que cessaria
as operações por impossibilidade de honrar as dívidas, em condições de
continuar a exercer a atividade.

Quando tais objetivos não são possíveis de serem alcançados, não há por que motivo
tentar a recuperação da empresa.

[...] se não há solução de mercado para a crise de determinada empresa, é


porque ela não comporta recuperação. Se nenhum empreendedor ou investidor
viu nela uma alternativa atraente de investimento, e a recapitazação e a
reorganização do negócio não estimulam nem mesmo os seus atuais donos,
então o encerramento da atividade, com a realocação dos recursos nela
existentes, é o que mais atende à economia. Quando não há solução de
mercado, aparentemente não se justificaria a intervenção do estado (Poder
Judiciário) na tentativa de recuperação da empresa. O próprio instituto jurídico
da recuperação parece, prima facie, um despropósito no sistema econômico
capitalista. Se ninguém quer a empresa, a falência é a solução do mercado, e
não há por que se buscar à força a sua recuperação.

A recuperação judicial não pode significar, como visto, a substituição da


iniciativa privada pelo juiz na busca de soluções para a crise da empresa. Se a
sobrevivência de determinada organização empresarial em estado crítico não
desperta o interesse de nenhum agente econômico privado (empreendedores
ou investidores), então, em princípio, as suas perspectivas de rentabilidade não
são atraentes quando comparadas com as das demais alternativas de
investimento. (COELHO, 2015, p. 247).

Desta forma, não é qualquer empresa que deva ou mereça ser beneficiada pela
recuperação, uma vez que é um procedimento custoso, recaindo o ônus da reorganização das
empresas na sociedade brasileira como um todo, uma vez que os principais agentes econômicos
acabam repassando tal ônus aos consumidores. (COELHO, 2015, p. 397).

Logo, as condições para recuperação estão agrupadas no conceito de viabilidade da


empresa, a ser mensurado durante o processo de recuperação judicial ou na aprovação de
recuperação extrajudicial. A viabilidade de recuperação da empresa não é apenas uma questão
técnica, que só pode ser resolvida por economistas e gerentes da empresa. No estágio atual de
evolução das empresas, algumas vezes esses fatores são excluídos, outras se complementam.
Em algumas indústrias, quanto mais moderna a tecnologia empregada, menor o número de
funcionários e maiores as habilidades necessárias.

No setor de serviços, como telemarketing, por exemplo, a relação é direta entre


modernidade tecnológica e volume de trabalho. Se a crise da empresa é exclusivamente
econômica, as medidas dizem respeito à produção ou comercialização. Se for financeiro, pode
33

exigir reestruturação de capital ou redução de custos. Quando a crise é apenas patrimonial, é


preciso avaliar se a dívida da empresa é preocupante ou não.

À medida que as crises se entrelaçam, a recuperação se defende das soluções mais


complexas. Novos negócios, com pouco mais de dois anos, por exemplo, não devem ser tratados
da mesma maneira que negócios antigos, após décadas de contribuições repetidas à economia
local, regional ou nacional. Finalmente, o exame de viabilidade deve abordar o tamanho
econômico da empresa a ser recuperada. Obviamente, não há necessidade de tratar as empresas
da mesma forma, apesar de desprezar seu tamanho. (COELHO, 2015).

Por fim, o doutrinador assim conclui:

A mais importante peça do processo de recuperação judicial é, sem sombra de


dúvidas, o plano de recuperação judicial (ou de “reorganização da empresa”).
Depende exclusivamente dele a realização ou não dos objetivos associados ao
instituto, quais sejam, a preservação da atividade econômica e o cumprimento
de sua função social. Se o plano de recuperação é consistente, há chances de
a empresa se reestruturar e superar a crise em que se mergulhara. Terá, nesse
caso, valido a pena o sacrifício imposto diretamente aos credores e
indiretamente a toda a sociedade brasileira. Mas se o plano for inconsistente,
limitar-se a um papelório destinado a cumprir mera formalidade processual,
então o futuro do instituto é a completa desmoralização.

Note-se, um bom plano de recuperação não é, por si só, garantia absoluta de


reerguimento da empresa em crise. Fatores macroeconômicos globais ou
nacionais, acirramento da concorrência no segmento de mercado em causa ou
mesmo imperícia na sua execução podem comprometer a reorganização
pretendida. Mas um plano ruim é garantia absoluta de fracasso da recuperação
judicial. (COELHO, 2015, p. 434)

Portanto, é evidente que a Lei 11.101/2005 trouxe voz ao credor. Antes da criação do
instituto, havia a concordata, que era um meio para superar a crise, mas era tida como um favor
legal, ou seja, significa que os credores não tinham voz no processo, tendo que aceitar condições
e aguardar. Já com o instituto da recuperação judicial, fica claro que a base é a negociação, a
busca de um acordo. O respeito aos interesses dos credores é crucial para a manutenção de
empregos, produção e circulação de bens e serviços e geração de riqueza.

3.1. REQUISITOS LEGAIS E O PROCESSO DE RECUPERAÇÃO


JUDICIAL

Neste subcapítulo, será explicado, resumidamente, o processo da recuperação judicial.


34

Conforme explicado no capítulo anterior, é o próprio devedor que toma a iniciativa. A


lei traz duas possibilidades: a recuperação judicial e a recuperação extrajudicial.

Na recuperação judicial o devedor se apresenta ao juiz e tenta uma “saída”. Na


recuperação extrajudicial, o devedor reúne seus credores para com eles negociar e, caso haja
acordo, vai ao judiciário para homologar, ou seja, de extrajudicial tem somente a negociação.

Em suma, a Lei 11.101/2005 se apresenta da seguinte forma: artigos 1º ao 4º tratam


das disposições preliminares; artigos 5º ao 46 tratam das disposições comuns; artigos 47 ao 74
tratam da recuperação judicial; artigos 75-160 tratam da falência; artigos 161 ao 168 tratam da
recuperação extrajudicial; e do artigo 169 e seguintes são tratadas as disposições penais e finais.

No que se refere à recuperação judicial, só pode requerê-la quem exerce atividade


empresarial. Ainda, como quem pede recuperação é sempre o devedor, não há como impor ao
mesmo tal obrigação.

A fase postulatória da recuperação judicial é a apresentação do pedido da recuperação


judicial, ou seja, a petição inicial. Apresentado o pedido, o juiz defere seu processamento, ou
seja, ainda não há o julgamento do mérito, mas sim, a observação se a petição inicial preenche
os requisitos de admissibilidade.

A fase deliberativa, cujo objetivo é a aprovação do plano de recuperação judicial, trata-


se de uma decisão de mérito concessiva da aprovação do plano e, consequentemente, dá início
à recuperação da empresa.

Por fim, a última fase é a executiva ou fase de supervisão do judiciário. Essa fase dura
dois anos e não se refere ao fim da obrigação do devedor, mas tão somente, verificação do
cumprimento das suas obrigações nesse período. Se o devedor não cumprir o plano de
recuperação judicial, há a convolação da recuperação judicial em falência.

Como o autor da ação é sempre o devedor que busca a negociação com seus credores,
há um critério dos créditos que entrarão no plano. Os créditos sujeitos à recuperação acarretam
a suspensão da exigibilidade do crédito em razão da aprovação do plano, ou seja, o credor deve
aguardar a aprovação do plano, não podendo cobrar o devedor. Tais créditos, estão
disciplinados no artigo 49 da lei.
35

Deferido o processamento da recuperação judicial, o juiz nomeará um administrador


judicial e publicará o primeiro edital, suspendendo as ações e execuções em que o devedor é
réu por 180 dias, com exceção das ações que versam sobre quantia ilíquida e das reclamações
trabalhistas.

A partir da publicação do primeiro edital, os credores, em 30 dias, devem apresentar


suas objeções. Se nenhuma objeção for apresentada, o plano será aprovado. Se qualquer credor
apresentar objeção, o juiz convocará a assembleia de credores para a aprovação do plano,
respeitado o quórum.

Mesmo que, ainda, o plano não seja aprovado, o artigo 58 da Lei possibilita ao juiz,
verificado o caso concreto, aprovar o plano, uma vez que o objetivo da Lei é o da preservação
da empresa, ou seja, se for possível, haverá uma flexibilização do juiz.

Concedida a recuperação de judicial, é encerrada a negociação e a empresa está em


vias de recuperação. A decisão que concede a recuperação representa uma novação, ou seja, a
extinção de obrigações anteriores para a constituição de novas obrigações, com a ideia de que
todos os créditos sujeitos vão ser extintos e substituídos por novas obrigações assumidos no
plano. Tal novação, é chamada de Novação Recuperacional.

Durante o período de dois anos da fase executiva, conforme mencionado, esse processo
ficará sob supervisão judicial, sendo, a empresa, administrada pelo administrador judicial.

Passado tal período, por fim, o juiz proferirá uma sentença de encerramento e
exonerará o administrador judicial. Caso, a partir do encerramento, haja descumprimento por
parte do devedor de suas obrigações, cada credor, individualmente, pode executar o seu título
ou requerer a falência do devedor, uma vez que o devedor não tem mais a proteção da
recuperação.
36

CAPÍTULO IV - ALIENAÇÃO DE UNIDADES PRODUTIVAS ISOLADAS (UPIs) NA


RECUPERAÇÃO JUDICIAL

Em consonância com a preservação da empresa e sua função social, há a previsão na


Lei acerca da alienação dos ativos, hipótese na qual, não há sucessão em dívidas fiscais e
trabalhistas.

Conforme artigo 60 e parágrafo único da Lei 11.101/2005:

Art. 60. Se o plano de recuperação judicial aprovado envolver alienação


judicial de filiais ou de unidades produtivas isoladas do devedor, o juiz
ordenará a sua realização, observado o disposto no art. 142 desta Lei.

Parágrafo único. O objeto da alienação estará livre de qualquer ônus e não


haverá sucessão do arrematante nas obrigações do devedor, inclusive as de
natureza tributária, observado o disposto no § 1º do art. 141 desta Lei.

A Lei 11.101/2005 inseriu a ideia de se preservar a empresa mesmo em casos de


falência, sendo ainda hoje, esse o ponto que prevalece. A Lei determina que o administrador
judicial, antes de qualquer coisa, faça uma tentativa de venda dos bens do falido em bloco,
preservando-se a atividade empresarial.

A venda em bloco é por porteira fechada. Como exemplo, imaginemos uma empresa
fabricante de embalagens. No caso, o administrador judicial irá procurar quem possa comprar
os bens dessa empresa na forma de porteira fechada, a fim de que a atividade empresarial possa
continuar.

Essa foi uma das maiores inovações da Lei - a possibilidade de se vender blocos de
determinada empresa, preservando-se a atividade empresarial e, o mais importante, o
adquirente não responde por obrigações trabalhistas e tributárias, sendo a aquisição livre de
ônus, podendo, inclusive, aproveitar a mão de obra.

Para Lazzarini; Kodama; Calheiros (2014, p. 202), o artigo peca no tocante do termo
estabelecimento:

A empresa que adquirir ativos em processos de recuperação ou falência pode


organizar a reabsorção dos ativos pelo mercado de forma viável, o que agrega
mais valor aos bens adquiridos, da mesma forma que a supervisão do Estado
e dos credores garante a lisura do procedimento, tendo-se sempre em vista o
escopo de buscar o bem social e manutenção da fonte produtiva.

Todavia, distanciando-se da orientação conceitual do Código Civil, a Lei nº


11.101/2005 utiliza a expressão empresa em lugar de estabelecimento. O §3º
37

do art. 140 esclarece que a alienação da empresa terá por objeto o conjunto de
determinados bens necessários à operação rentável da unidade de produção, o
que poderá conter a transferência de contratos específicos e intangíveis.

Conforme entendimento dos doutrinadores, quando falamos da aquisição de ativos em


processos de recuperação judicial ou falência, deve-se entender, ao invés de alienação de
empresa, alienação de estabelecimento de unidade produtiva de forma desmembrada.

Esclarecida tal divergência, é notório, conforme elucida Souza Júnior; Pitombo (2007,
p. 297), o qual inovadora foi a Lei 11.101/2005:

Uma das inovações mais importantes da Lei atual é a de desonerar de todos e


quaisquer ônus e obrigações a alienação de filiais ou unidades produtivas do
devedor no processo de falência ou de recuperação. A sucessão das obrigações
trabalhistas, e, sobretudo, das tributárias, no sistema anterior, inviabilizava a
manutenção da unidade produtiva (da empresa) viável nas mãos de terceiro,
em detrimento do interesse dos trabalhadores e credores (inclusive o próprio
fisco) do devedor anterior.

No mesmo sentido, Lazzarini; Kodama; Calheiros (2014, p. 199):

É salutar a inédita previsão de não sucessão na compra dos ativos. Esta


inovação visa, ao mesmo tempo, à garantia de segurança jurídica e a eficiência
econômica no momento da solução do ativo não poderia ser diferente.

Portanto, a consequência é a rápida reinserção de ativos no mercado, em


especial o da unidade produtiva isolada, trazendo menor depreciação aos
ativos, já que os bens podem ser liquidados a qualquer momento não havendo
necessidade de se aguarda a consolidação do quadro geral de credores.

Observa-se, então, que o artigo 60 da Lei tem como objeto os ativos das empresas,
com o fim de preservar seus valores, agradando não só aos credores, mas também ao devedor,
uma vez que dará substancial impulso para saldar suas dívidas.

E isso é evidente na ordem determinada na Lei, que privilegia a venda de


estabelecimentos em blocos ou a venda de suas filiais ou unidades de produção isoladamente,
a fim de manter a empresa ou parte dela em funcionamento. Isso torna muito mais fácil e
lucrativo adquirir um negócio pronto do que iniciar um negócio do zero, o que muitas vezes
exige grandes investimentos de longo prazo com uma expectativa de retorno ainda maior.
(LAZZARINI; KODAMA; CALHEIROS, 2014, p. 201).

Nesse sentido, Souza Júnior; Pitombo (2007, p. 298):

O fim da sucessão das obrigações do devedor nas alienação realizadas no


âmbito de processo de recuperação ou de falência permite a transferência da
38

empresa para um novo empresário, obtendo-se dessa forma recursos que


podem ser utilizados para o pagamento das obrigações do devedor, inclusive
as trabalhistas e tributárias. Ademais, a transferência assegura a manutenção
de empregos, o pagamento de tributos e a geração de riqueza para todos os
participantes dessa atividade. Sob todos os aspectos, portanto, a eliminação da
sucessão dos ônus e obrigações na alienação de unidades produtivas isoladas
do devedor deve ser havida como positiva. Trata-se do tardio reconhecimento
pela lei brasileira da distinção entre empresa e empresário; os ônus e
obrigações assumidos por este ao longo do exercício da atividade empresarial
devem permanecer sob a sua responsabilidade, não sendo de se admitir que a
sucessão destes comprometa a continuidade da empresa sob o comando de
terceiro. Para evitar fraudes, porém, a alienação deve estar prevista no plano
de recuperação e ser realizada nos termos dos art. 141 e 142. Assim, a ausência
de sucessão e a exoneração dos ônus deixam de ser aplicados quando o
arrematante for: (i) sócio do devedor ou da sociedade por ele controlada; (ii)
parente, em linha reta ou colateral até o 4º grau, consanguíneo ou afim, do
devedor ou de sócio do devedor; (iii) identificado como agente do devedor
com o objetivo de fraudar a lei (art. 141, §1º). Ademais, a alienação deverá ser
realizada judicialmente, adotando-se uma das seguintes modalidades (i) leilão,
por lances orais; (ii) propostas fechadas; e (iii) pregão (art. 142).

Desta forma, essa inovação trazida pela Lei apresenta benefícios tanto para o devedor,
quanto para os credores. Para o devedor, porque o passivo da sua empresa poderá ser solvido
mais depressa. Para os credores, porque suas dívidas serão pagas mais rapidamente. Além
desses benefícios, a alienação para um novo empresário permite a manutenção da atividade
empresária, cumprindo com os objetivos da Lei.

Entretanto, em que pese a Lei versar sobre a não sucessão, há divergência


jurisprudencial e doutrinária. Para alguns doutrinadores, há falhas na redação do artigo 60, que
permite essa divergência de interpretação.

A ausência de menção expressa pelo parágrafo único do artigo 60 da Lei, referente às


obrigações decorrentes da legislação trabalhista, conforme previsto no inciso II do artigo 141,
que trata da falência, leva à conclusão de que a regra geral é em relação à não sucessão em
relação às obrigações do devedor, seguida pela menção das obrigações fiscais, entretanto, como
não há referência direta às obrigações trabalhistas, é possível a suposição de que, na recuperação
judicial, há possibilidade de sucessão ao adquirente, das obrigações trabalhistas do devedor.
(SOUZA JÚNIOR; PITOMBO, 2007, p. 208-209).

Entendeu-se, então, que a Lei 11.101/2005 tratou o assunto de diferentes maneiras em


relação aos regimes de recuperação judicial e falência, uma vez que proíbe expressamente, em
seu artigo 141, inciso II, a sucessão trabalhista na falência, mas não da mesma forma, na
39

recuperação judicial, apenas mencionando em seu artigo 60 que não haverá sucessão de créditos
tributários. (LAZZARINI; KODAMA; CALHEIROS, 2014, p. 204).

Com base nessa premissa, alguns juristas entendem que, ao contrário da falência,
haveria uma suposta autorização legal no sentido de sucessão trabalhista na recuperação
judicial.

Há quem entenda que o princípio in dubio pro operario induz uma interpretação mais
favorável ao trabalhador, além dos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana,
a valorização social do trabalho, a justiça social e a solidariedade, garantindo aos empregados
a garantia do recebimento de seus créditos e permitindo a cobrança destes junto aos adquirentes
dos ativos da empresa sujeitos a recuperação judicial (LAZZARINI; KODAMA;
CALHEIROS, 2014, p. 205).

Entretanto, em que pese tal ausência na Lei, é possível verificar que, tal questão, já
resta superada. A divergência jurisprudencial no direito do trabalho ocorria quando a Lei
11.101/2005 ainda era muito nova, quando não havia um entendimento jurisprudencial
consolidado, conforme jurisprudências abaixo:

TRT-PR-10-10-2008 RECUPERAÇÃO JUDICIAL – ALIENAÇÃO –


SUCESSÃO TRABALHISTA. A alienação promovida segundo o plano de
recuperação judicial não impede o reconhecimento da sucessão de
empregadores, nos termos dos arts. 10 e 448 da CLT. A Lei de Falências (Lei
nº 11.101/2005) faz clara distinção entre os efeitos da alienação judicial na
recuperação judicial e na falência, incluindo de forma expressa apenas em
relação a esta a ausência de sucessão do arrematante nas obrigações “de
natureza tributárias, as derivadas da legislação do trabalho e as decorrentes de
acidentes de trabalho” (art. 141, II), limitando quanto àquela a inclusão das
obrigações de natureza tributária (art. 60, parágrafo único). Interpretação
sistemática do texto legal indica que o legislador pretendeu excluir a
responsabilidade do adquirente pelas obrigações trabalhistas contraídas pela
empresa apenas na hipótese de falência. (TRT-9- 20932007663904 PR 2093-
2007-663-9-0-4, Relator Arion Mazurkevic, 5ª Turma, julgamento
10/10/2008).

RECUPERAÇÃO JUDICIAL E SUCESSÃO TRABALHISTA.


POSSIBILIDADE. CONFLITO DE LEIS. PRINCÍPIO DA NORMA MAIS
FAVORÁVEL AO EMPREGADO. O parágrafo único do art. 60 da Lei nº
11.101/2005, situado no capítulo que trata “Da Recuperação Judicial”,
estabelece que a arrematação não acarretará sucessão do arrematante nas
obrigações do devedor, inclusive as de natureza tributária, não excepcionando,
no entanto, as obrigações “derivadas da legislação do trabalho”, como o faz
expressamente o inciso II do art. 141, este situado no capítulo que trata “Da
Falência”. (TRT-5- RO 132001920085050038 BA 0013200-
19.2008.5.05.0038, Relator Marama Carneiro, 1ª Turma, julgamento
07/07/2009)
40

INCOMPETÊNCIA EM RAZÃO DA MATÉRIA. SUCESSÃO


TRABALHISTA. EMPRESA EM RECUPERAÇÃO JUDICIAL. Expressão
do fenômeno justrabalhista da despersonalização do empregador (CLT, artigo
2º, §2º), a sucessão de empregadores na empresa constitui intuito peculiar do
Direito do Trabalho cuja regência legal é dada pelos artigos 10 e 448 da CLT.
Tratando-se de instituto que surge no âmbito da relação de emprego (espécie),
a controvérsia acerca de existência de sucessão de empregadores na empresa
inscreve-se na competência da Justiça do Trabalho, a teor do inciso I do artigo
114 da Constituição Federal, uma vez que o precitado dispositivo
constitucional atribui a esta Justiça Especializada a competência para julgar
as controvérsias decorrentes da relação de trabalho (gênero). Em se tratando
de arrematação de ativo de empresa em recuperação judicial ocorre sucessão
trabalhista por imperativo legal previsto nos artigos 10 e 448 da CLT e artigo
60 da Lei 11.101/05. (TRT-4- RO 00910008920085040026 RS 0091000-
89.2008.5.04.0026, Relator Iris Lima de Moraes, 26ª vara do trabalho de Porto
Alegre, julgamento 05/12/2012).

Analisando jurisprudências atuais, a divergência quanto à interpretação do artigo, é


praticamente inexistente, até mesmo em razão dos julgamentos da ADI nº 3.944-2/DF e RE
583.955-9/RJ, que serão tratados no capítulo seguinte, trazendo segurança jurídica e
fortalecendo o instituto da alienação de unidades produtivas isoladas:

UNIDADE PRODUTIVA ISOLADA – PLANO DE RECUPERAÇÃO


JUDICIAL – AQUISIÇÃO – SUCESSÃO TRABALHISTA –
INEXISTÊNCIA. O Grupo Canabrava adquiriu Unidade Produtiva Isolada –
UPI localizada em Campos do Goytacazes das Executadas através do Plano
de Recuperação Judicial como faz prova a Certidão de Objeto expedida pela
Secretaria do 8ª Oficio Civil da Comarca de São João Pedro do Rio Preto /SP.
Esta aquisição em regra implicaria em sucessão trabalhista, contudo, como a
alienação ocorreu em decorrência do Plano de Recuperação Judicial é certo
dizer que o arrematante esta livre de qualquer ônus, inclusive, de qualquer
obrigação do devedor, mesmo trabalhista, por expressa previsão legal contida
no art. 60, parágrafo único, da lei 11.101/2015, como já decidiu o Supremo
Tribunal Federal, interpretando este dispositivo na Adi 3934/DF (Rel. Min.
Ricardo Lewandowski, DJ 06/11/2009) ao considerar em controle
concentrado de constitucionalidade que este dispositivo se compatibiliza com
as normas de proteção ao trabalhador prevista no art. 7º da CRFB/88. Recurso
não provido. (TRT-1- AP: 00002687520135010283 RJ, Relator Jose Antonio
Teixeira da Silva, 8ª Turma, julgamento 06/10/2015)

RECUPERAÇÃO JUDICIAL. ARREMATANTE. SUCESSÃO


TRABALHISTA. NÃO CONFIGURAÇÃO. Havendo alienação judicial de
unidade produtiva ou filial de devedor e estando tal medida aprovada em plano
de recuperação judicial, o objeto da alienação estará livre de qualquer ônus,
não configurando sucessão do arrematante nas obrigações do devedor. (TRT-
17 AP: 01083007020135170012, Relator Jailson Pereira da Silva, julgamento
22/01/2018)

Corroborando as jurisprudências atuais, esse também é o entendimento de Lazzarini;


Kodama; Calheiros (2014, p. 222):
41

Tanto a doutrina especializada quanto a jurisprudência têm se posicionado no


sentido da não sucessão na falência e também na alienação de unidades
produtivas isoladas na recuperação judicial.

Tal posicionamento é referendado pelo próprio espírito da lei e se espelha em


exemplos de várias legislações modernas existentes no mundo.

A Lei nº 11.101/2005 contém, portanto, todo um sistema direcionado a


maximizar o valor dos ativos, visando o bem geral, pois assim ganham os
devedores que pagam mais, os compradores do bem que têm segurança
jurídica e os credores que recebem muito mais do que recebiam na obsoleta
legislação anterior. Enfim, todos ganham. Essa premissa, por si só autoriza e
incentiva o posicionamento a favor da não sucessão, pois, caso contrário,
despareceriam todos os benefícios mencionados, e voltaríamos à situação
anterior onde os bens, principalmente das massas falidas, eram vendidos a
poucos interessados “profissionais” dos leilões, por valores ínfimos.

Assim, esperamos que a segurança da não sucessão trabalhista e tributária


permaneça como está para propiciar o bem geral.

Logo, em que pese a falta de menção expressa à não sucessão trabalhista, a alienação
do estabelecimento permite a exploração e continuidade de determinada atividade econômica,
cumprindo com os objetivos da função social da empresa e preservação da atividade
empresarial. Tais objetos mantêm a fonte de riqueza, emprega trabalhadores e resguarda
interesse de credores.

Ainda, se a Lei não desonerasse expressamente o adquirente de uma unidade produtiva


isolada, dificilmente alguém assumiria tal ônus e adquiriria ativos de empresas sob o risco de
ter de arcar com o pagamento das obrigações do devedor.

Assim, para evitar qualquer tipo de onerosidade, perda de tempo e dúvidas, é


recomendada a previsão, no plano de recuperação judicial a ser aprovado pelos credores, da
possibilidade de aquisição de unidades produtivas isoladas sem qualquer ônus, seja tributário,
em que a divergência jurisprudencial praticamente nunca existiu, quanto trabalhista.

4.1. ADI nº 3.944-2/DF e RE 583.955-9/RJ

Conforme mencionado neste capítulo, os julgamentos da Ação Direta de


Inconstitucionalidade n° 3.934-2/DF e Recurso Extraordinário 583.955-9/RJ foram essenciais
para a não sucessão tributária e trabalhista, mas principalmente, a não sucessão trabalhista no
âmbito da alienação de unidades produtivas isoladas.

Em decorrência da ausência de menção expressa à não sucessão trabalhista no âmbito


da recuperação judicial, as cortes trabalhistas inferiores vinham, reiteradamente, reconhecendo
42

a sucessão trabalhista de empresas em recuperação judicial quando da alienação de suas


unidades produtivas isoladas, o que não ocorria no processo falimentar.

Tal conflito de decisões, consequentemente, gerava uma grande incerteza jurídica.


Imaginemos alguém, à época, que pretendia adquirir uma unidade produtiva isolada de uma
empresa em recuperação judicial. O adquirente, observando que poderia ser responsabilizado
por obrigações trabalhistas do devedor, as quais podem ser um dos maiores passivos de uma
empresa em crise, certamente não assumiria o risco e investiria seu capital, sob perigo de perda
de seu investimento.

Além disso, provavelmente, não seria dada continuidade à atividade empresarial de


forma a cumprir com os objetivos da recuperação judicial, já mencionados em capítulos
anteriores. Muito certamente, também não seria aproveitada a mão de obra do devedor, parte
essencial tratando-se de empresa de produção de produtos ou prestação de serviços específicos,
em que mão de obra qualificada e especializada, além de essencial, é cara.

Desta forma, em que pese o direito do trabalhador ao recebimento de seu salário, não
é condizente com o objetivo da Lei que o adquirente arque com tais ônus, até porque, os titulares
de créditos trabalhistas participam ativamente do plano de recuperação judicial, sendo livres
para votar por sua aprovação ou rejeição e ainda, gozam das garantias previstas no artigo 54 e
parágrafo único, da Lei 11.101/2005.

Nos próximos subcapítulos, será abordado o contexto geral desses julgamentos e


quanto o que foi decidido consolidou o entendimento jurisprudencial, com o fim de que a defesa
da não sucessão não ocorra somente em alienação no processo falimentar, mas também, no
instituto da recuperação de empresas.

4.1.1. ADI nº 3.944-2/DF

A Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3.944-2/DF, julgada em 27/05/2009 foi


apresentada pelo Partido Democrático Trabalhista – PDT, o qual impugnou, entre outros artigos
da Lei 11.101/2005, o artigo 60, parágrafo único.

No que tange ao artigo 60 e parágrafo único, conforme relatório, o PDT fundamentou


o seguinte:
43

[...] ao liberarem os arrematantes de empresas alienadas judicialmente das


obrigações trabalhistas, tornando-os imunes aos ônus de sucessão, estariam
afrontando os valores constitucionais da dignidade da pessoa humana, do
trabalho e do pleno emprego, abrigados nos arts. 1º, III e IV, 6º e 170, VIII,
da Lei Maior.

[...]

[...] passará a constituir caminho fácil para o desrespeito aos direitos


adquiridos pelos empregados no curso da relação desenvolvida com seu
empregador, que vindo a prestigiar outros credores comuns e, uma vez
acumulando com eles grandes dívidas, delas poderá se livrar com a simples
realização de uma alienação judicial [...].

Por fim, requereu:

seja dada interpretação conforme ao artigo 60, parágrafo único, da mesma


norma (Lei 11.101/2005), de modo a que seja esclarecido que os adquirentes
de unidades produtivas ou empresas, em processos de recuperação judicial,
respondem pelas obrigações derivadas da legislação do trabalho [...]

O relator, Sr. Ministro Ricardo Lewandowski, examinou os argumentos suscitados e,


no que tange à sucessão em alienação de unidades produtivas isoladas, assim decidiu:

Não é difícil constatar, a meu ver, que o escopo do referido diploma normativo
restringe-se a estabelecer normas para a recuperação judicial e a falência das
empresas, além de proteger os direitos de seus credores.

Mesmo que se considere que a eventual recuperação ou falência da certa


empresa ou, ainda, a venda de seus ativos acarrete, como resultado indireto, a
extinção de contratos de trabalho, tal efeito subsidiário nada tem a ver com a
“despedida arbitrária ou sem justa causa”, que decorre sempre de ato volitivo
e unilateral do empregador.

É bem de ver que os contratos de trabalho não se rompem necessariamente


nessas hipóteses, nem mesmo na circunstância extrema da falência,
verificando-se, inclusive, que o art. 117 da Lei em comento prevê que os
contratos bilaterais, dos quais a relação de emprego constitui exemplo, não se
resolvem de forma automática, visto que podem ser cumpridos pelo
administrador judicial em proveito da massa falida.

[...]

Convém registrar que, a rigor, um dos principais objetivos da Lei 11.101/2005


consiste justamente em preservar o maior número possível de empregos nas
adversidades enfrentadas pelas empresas, evitando ao máximo as dispensas
imotivadas, de cujos efeitos os trabalhadores estarão protegidos, nos termos
do art. 10, II, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, de
aplicabilidade imediata, segundo entende esta Corte, enquanto não sobrevier
lei complementar disciplinadora.
44

Não prospera, assim, o argumento de que os dispositivos impugnados regulam


“ato jurídico que gera a extinção automática do contrato de trabalho” (fl. 14),
mesmo porque, como nota Jorge Luiz Souto Maior, a dispensa coletiva de
empregados não figura, no art. 50 da Lei 11.101/2005, como um dos meios de
recuperação judicial da empresa.

[...]

[...] o requerente sustenta que os arts. 60, parágrafo único, e 141, II, da Lei
11.101/05 são inconstitucionais do ponto de vista substantivo, ao
estabelecerem que o arrematante das empresas em recuperação judicial não
responde pelas obrigações do devedor, em especial as derivadas da legislação
do trabalho.

[...]

[...] não identifico a inconstitucionalidade aventada pelo requerente quanto


aos arts. 60, parágrafo único, e 141, II, da Lei 11.101/05.

Primeiro, porque a Constituição não abriga qualquer regra expressa sobre o


eventual direito de cobrança de créditos trabalhistas em face daquele que
adquire ativos de empresa em processo de recuperação judicial ou cuja
falência tenha sido decretada.

Depois, porque não vejo, no ponto, qualquer ofensa direta a valores implícita
ou explicitamente protegidos pela Carta Política. No máximo, poder-se-ia
flagrar, na espécie, uma colisão entre distintos princípios constitucionais. Mas,
mesmo assim, não seria possível falar, no dizer de Luís Virgílio Afonso da
Silva, “nem em declaração de invalidade de um deles, nem em instituição de
uma cláusula de exceção”, visto ter o legislador ordinário, apenas,
estabelecido, nas palavras de Robert Alexi, “relações de precedência
condicionada”.

É que, na conhecida definição do referido jurista germânico, princípios são


mandamentos de otimização, ou seja, normas que exigem que algo seja
realizado na maior medida possível diante das condições fáticas e jurídicas
existentes, razão pela qual a sua concretização demanda sempre um juízo de
ponderação de interesses opostos, à luz de uma situação concreta.

As condições fáticas e jurídicas, no seio das quais o juízo de ponderação é


levado a cabo, contudo, nem sempre são as ideais, visto que a tendência
expansiva dos princípios tende a fazer com que a realização de um deles no
mais das vezes, se dê em detrimento da concretização de outro.

No caso, o papel do legislador infraconstitucional resumiu-se a escolher dentre


os distintos valores e princípios constitucionais, igualmente aplicáveis à
espécie, aqueles que entendeu mais idôneos para disciplinar a recuperação
judicial e a falência das empresas, de maneira a assegurar-lhes a maior
expansão possível, tendo em conta o contexto fático e jurídico com o qual se
defrontou.

Assim, o exame da alegada inconstitucionalidade material dos dispositivos


legais que estabeleceram a inocorrência de sucessão das dívidas trabalhistas,
na hipótese da alienação judicial de empresas, passa necessariamente pelo
45

exame da adequação da escolha feita pelo legislador ordinário no tocante aos


valores e princípios constitucionais aos quais pretendeu emprestar eficácia.

Ora, analisando a gênese do diploma normativo cujos dispositivos se


encontram sob ataque, verifico que ele resultou de um projeto de lei, o PL
4.376/1993, o qual tramitou por cerca de onze anos no Congresso Nacional.
Após longas e aprofundadas discussões, os parlamentares aprovaram a Lei
11.101/2005, revogando concomitantemente o Decreto-lei 7.661/1945, que
antes regia a matéria.

[...]

Embora houvesse um consenso generalizado, na doutrina, acerca da


excelência técnica do texto normativo editado em 1945, registrava-se também
uma crescente concordância na comunidade jurídica quanto ao seu
anacronismo diante das profundas transformações socioeconômicas pelas
quais passou o mundo a partir da segunda metade do Século XX, e que
afetaram profundamente a vida das empresas.

[...]

Assim, é possível constatar que a Lei 11.101/2005 não apenas resultou de


amplo debate com os setores sociais diretamente afetados por ela, como
também surgiu da necessidade de preservar-se o sistema produtivo nacional
inserido em uma ordem econômica mundial caracterizada, de um lado, pela
concorrência predatória entre seus principais agentes e, de outro, pela eclosão
de crises globais cíclicas altamente desagregadoras.

Nesse contexto, os legisladores optaram por estabelecer que adquirentes de


empresas alienadas judicialmente não assumiriam os débitos trabalhistas, por
sucessão [...].

[...]

Do ponto de vista teleológico, salta à vista que o referido diploma legal


buscou, antes de tudo, garantir a sobrevivência das empresas em dificuldades
- não raras vezes derivadas das vicissitudes por que passa a economia
globalizada -, autorizando a alienação de seus ativos, tendo em conta,
sobretudo, a função social que tais complexos patrimoniais exercem, a teor do
disposto no art. 170, III, da Lei Maior.

Isso porque o processo falimentar, nele compreendido a recuperação das


empresas em dificuldades, objetiva, em última análise, saldar o seu passivo
mediante a realização do respectivo patrimônio. Para tanto, todos os credores
são reunidos segundo uma ordem pré-determinada, em consonância com a
natureza do crédito de que são detentores.

O referido processo tem em mira não somente contribuir para que a empresa
vergastada por uma crise econômica ou financeira possa superá-la,
eventualmente, mas também busca preservar, o mais possível, os vínculos
trabalhistas e a cadeia de fornecedores com os quais ela guarda verdadeira
relação simbiótica.

[...]
46

Cumpre ressaltar, por oportuno, que a ausência de sucessão das obrigações


trabalhistas pelo adquirente de ativos das empresas em recuperação judicial
não constitui uma inovação do legislador pátrio. De fato, em muitos países,
dentre os quais destaco a França (Code de Commerce, arts. L631-1, L631-13
e L642-1) e a Espanha (Ley 22/2003, art. 148), existem normas que enfrentam
a problemática de modo bastante semelhante ao nosso.

[...]

Por essas razões, entendo que os arts. 60, parágrafo único, e 141, II, do texto
legal em comento mostram-se constitucionalmente hígidos no aspecto em que
estabelecem a inocorrência de sucessão dos créditos trabalhistas,
particularmente porque o legislador ordinário, ao concebê-los, optou por dar
concreção a determinados valores constitucionais, a saber, a livre iniciativa e
a função social da propriedade - de cujas manifestações a empresa é uma das
mais conspícuas - em detrimento de outros, com igual densidade axiológica,
eis que os reputou mais adequados ao tratamento da matéria.

Conforme voto acertado proferido pelo Sr. Ministro Ricardo Lewandowski, em


consonância com o disposto na Lei 11.101/2005 e conforme amplamente demonstrado no
presente trabalho, o que se procurou foi cumprir com os objetivos da Lei.

A alienação de unidades produtivas isoladas sem que haja sucessão trabalhista visa,
sobretudo, a necessidade de preservação da atividade empresarial. Ainda, não é porque não há
sucessão trabalhista que a obrigação do devedor de arcar com suas obrigações cessam. Pelo
contrário, os trabalhadores participam ativamente da aprovação do plano e, ainda, são os
primeiros na ordem de preferência para recebimento de seus créditos.

Desta forma, verifica-se, conforme excepcional fundamentação do Sr. Ministro


Ricardo Lewandowski, que não houve infração às leis trabalhistas nem aos dispositivos
constitucionais, tendo somente se buscado o efetivo cumprimento da Lei.

4.1.2. RE 583.955-9/RJ

O Recurso Extraordinário 583.955-9, julgado em 28/05/2019, também pelo Sr.


Ministro Ricardo Lewandowski, foi interposto por pessoa física contra acórdãos conflitantes
entre a Justiça do Trabalho e a Justiça Especial Comum. A recorrente sustentou que a Lei
11.101/2005 não poderia reduzir a justiça especializada do trabalho, requerendo a competência
absoluta da justiça do trabalho para julgar causas de natureza trabalhista, inclusive as
decorrentes de alienações pela Lei 11.101/2005.

O relator, Sr. Ministro Ricardo Lewandowski, proferiu o seguinte voto:


47

[...] anoto que não cabe ao STF, em recurso extraordinário interposto contra
decisão prolatada em conflito de competência, em que se discute a exegese do
art. 114, na redação que lhe deu a EC 45/2004, examinar se o art. 60 da Lei
11.101/2005 estabelece ou não a sucessão de créditos trabalhistas, por tratar-
se de matéria totalmente estranha aos autos.

Mas, ainda que assim não seja, observo que esta Corte, na ADI 3.934/DF, de
minha relatoria, afirmou a constitucionalidade do referido dispositivo.

[...]

Como se vê, tanto na disciplina anterior como na atual, o legislador ordinário


adotou o entendimento, consolidado na doutrina e na jurisprudência, segundo
o qual, uma vez decretada a falência – e agora na recuperação judicial -, a
execução de todos os créditos, inclusive os de natureza trabalhista, deve ser
processada no juízo falimentar.

[...]

Como se verifica, na vigência do regime anterior sedimentou-se o


entendimento de que a competência para executar os créditos reclamados
perante a massa falida, inclusive os trabalhistas, era da Justiça Estadual
Comum, a qual administrava o pagamento de todos eles, observada a
respectiva ordem de preferência.

Essa orientação foi integralmente mantida pela Lei 11.101/2005. [...]

As regras hoje vigentes, assim como as passadas, consagram o princípio da


universalidade do juízo falimentar, que exerce uma vis attractiva sobre todas
as ações de interesse da massa falida, caracterizando a sua indivisibilidade.

[...]

Destarte, instala-se, no processo de falência, o denominado juízo universal,


que atrai todas as ações que possam afetar o patrimônio da empresa em
processo de quebra ou recuperação judicial. Cuida-se, em suma, do juízo
competente para conhecer e julgar as todas as demandas que exijam uma
decisão uniforme e vinculação erga omnes.

Convém sublinhar, desde logo, que o juízo universal da falência atrai apenas
os créditos consolidados, quer dizer, dele estão excluídos, a teor do art. 6º, §§
1º, 2º e 7º, da Lei 11.101/2005, 13 as ações que demandarem quantia ilíquida,
as trabalhistas e as de natureza fiscal, as quais terão prosseguimento nos juízos
especializados.

[...]

A meu ver, portanto, a Lei 11.101/2005 manteve-se rigorosamente fiel ao


princípio da par condicio creditorum no tocante aos créditos trabalhistas, os
quais, de resto, foram contemplados com a devida precedência sobre os
demais, de forma consentânea com a sua natureza alimentar.

Na verdade, tal como no regime anterior, a Justiça do Trabalho conservou a


jurisdição cognitiva sobre tais créditos, ficando, todavia, a execução destes,
quando líquidos, a cargo da Justiça Comum, uma vez instaurado o processo
falimentar.
48

O novo diploma legal, longe de restringir a percepção dos créditos


trabalhistas, na verdade ampliou a possibilidade de os empregados receberem
aquilo que lhes é devido, ao introduzir no ordenamento jurídico o instituto da
recuperação judicial, cujo objetivo é manter em atividade as empresas que
estejam passando por dificuldades de caráter conjuntural, tendo em conta a
função social que exercem.

Diante disso, penso que as disposições da Lei 11.101/2005, no concernente à


regra de competência para a execução dos créditos trabalhistas, em nada
conflitam com o que contêm os incs. I e IX do art. 114, em especial quanto a
esse último.

[...]

No caso da competência para processar e julgar a execução dos créditos


trabalhistas em recuperação judicial, a opção política do legislador ordinário
foi conservar intacta a sistemática anterior de conhecimento das controvérsias
trabalhistas pela Justiça Laboral, mantendo, contudo, a execução dos créditos
delas resultantes a cargo do juízo universal da falência, a bem do tratamento
uniforme de todos os credores, respeitada, evidentemente, a categoria a que
pertencem.

[...]

Verifico, pois, que o acórdão recorrido encontrase em harmonia com o texto


constitucional, bem assim com a jurisprudência desta Corte acerca da
competência do juízo universal da falência para a execução dos créditos
trabalhistas [...].

Em mais um voto acertado, o relator Sr. Ministro Ricardo Lewandowski, em


conformidade com o decidido na Ação Direta de Inconstitucionalidade n° 3.994-2/DF, afastou
a sucessão trabalhista na recuperação judicial, de alienação de unidades produtivas isoladas.

Desta forma, verifica-se que o Supremo Tribunal Federal, nos dois julgamentos,
decidiu pela constitucionalidade do afastamento de sucessão trabalhista no âmbito da alienação
de unidades produtivas isoladas na recuperação judicial e falência. Para tanto, buscou
argumentos na função social da empresa e na preservação da atividade empresarial e ainda, no
que tange à livre iniciativa e função social da propriedade, fortalecendo o desenvolvimento
jurisprudencial, o instituto da alienação de unidades produtivas isoladas e trazendo segurança
jurídica.
49

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Analisado o instituto da alienação de unidades produtivas na recuperação judicial e


todas as suas particularidades, pode-se dizer que se trata de um procedimento complexo, até
porque, está inserido no sistema da Lei 11.101/2005, muito complexo e com muitas
especificações.

Entender a alienação de unidades produtivas isoladas exige, essencialmente, a


compreensão da importância da Lei 11.101/2005 no direito brasileiro. Antes da Lei, não havia
o instituto da recuperação de empresas, ou seja, não era possível cumprir os objetivos da
recuperação judicial, a saber: a manutenção da fonte produtora, a manutenção dos empregos
dos trabalhadores e a preservação dos interesses dos credores, alcançando a realização dos
princípios da preservação da empresa e sua função social.

Diante da atual situação econômica e financeira nacional, o instituto é altamente


significativo, uma vez que vemos, cada vez mais, um aumento do número de empresas
requerendo sua recuperação judicial, inclusive, grandes empresas com capital na bolsa de
valores. Entre elas, podemos citar construtoras, como a Viver e, mais recentemente, a
Odebrecht, sendo a maior recuperação judicial já requerida no Brasil e também, operadora de
telefonia, mineradoras, farmacêuticas e companhias aéreas.

Logo, verifica-se que tratam-se de empresas de grande porte e, até mesmo,


multinacionais com muitos empregados, alto faturamento e significativo peso no mercado,
sendo perfeitamente possível dar continuidade à atividade empresarial por meio da alienação
de unidades produtivas isoladas, o que costumeiramente ocorre na recuperação judicial das
companhias aéreas.

Certamente, se não houvesse tal instituto e a possibilidade da não sucessão, grandes


empresas teriam sua falência decretada, acarretando uma série de efeitos negativos, como
desemprego, não arrecadação de impostos, ausência de produtos e serviços no mercado e, até
mesmo, desequilíbrio significativo no mercado financeiro.

São por estas razões que a Lei 11.101/2005 é de extrema importância no direito
brasileiro, inclusive no que concerne à alienação de unidades produtivas isoladas, possibilitando
a continuidade da atividade empresarial e impacto mínimo no mercado, beneficiando a
comunidade como um todo.
50

Ainda, restou claro que, apesar da falha na redação do artigo 60 da Lei, a jurisprudência
tem defendido a não sucessão trabalhista e tributária, inclusive, por conta do entendimento
consolidado no Supremo Tribunal Federal.

Logo, conforme amplamente demonstrado ao longe desse trabalho, o instituto da


alienação de unidades produtivas isoladas na recuperação judicial é altamente eficaz e atende
aos interesses de todos os envolvidos na relação.

Deste modo, conclui-se que o instituto, além estar de acordo com a Lei e não ir contra
a Constituição Federal, é necessário, efetivo e assim tem de continuar sendo. Como
consequência, haverá o preenchimento da preservação da empresa e da sua função social, a
qual, operando no plano econômico, produzirá rendimento e obterá resultados.
51

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