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A ESTÉTICA NEGRA E AS DIMENSÕES DO SAGRADO E REPRESENTAÇÃO DA

MULHER NEGRA
SANTOS , Angela Maria1

Eu sou negra, minha origem é africana. As orixás são africana.


Você entende, né? Só nós negras, sabemos o que significa ser
de axé, tendo orixás que evidentemente é negro. E as Orixás,
então, fortes, com poderes divinos. Eu me encho de orgulho
de ser quem sou e saber do significado da nossa religião
(Helena).

Na observação do cotidiano dessas mulheres, pode-se perceber que as


características de personalidade, poderes femininos e atributos femininos e
estéticos, estão comumente nas conversas. São elementos que denotam uma
identificação que transitam no grupo religioso e produzem particularidades na
construção de identidade negra.
A divindade Oxum, no grupo é sempre mencionada como a mãe protetora
possuidora de beleza e senhora dos encantamentos. Essa personalidade da Orixá,
parece transitar na referência simbólica que acabam comportamento das mulheres,
particularmente de suas iniciadas como a energia que dá a ela, uma referência de
feminilidade e beleza negra.
Oxum, além de outras divindades femininas, são exaltadas no versos
religiosos também pela sua beleza e atributos e personalidades muito características
as mulheres de uma forma geral. Como o gosto pelo embelezamento, uso de joias e
outros. No oríkì (invocação) abaixo, apresentam alguns aspectos dessa divindade
quanto a sua condição feminina.

Oríkí Ọ̀ ṣun Yèyé Adé-Oko23

Yèyé adé-oko!
23
A mitologia dos Orixás Africanos de Síkírù Sàlámì (king) (p.1990, p. 221)

1
Parte do texto do TCC do curso de Sociologia.
O jó gèdé wo ojà.
Yèyé adé-oko ó ṣe à lólólubi,
èw
Yèyé mí o se èji òkè sérúsérú bí iyẹ́ ogomugomu,
Iyá mí wà lòkùnkùn,
Eyín ẹnu rẹ ò dé búji.
Eléyín dògádògá bí ẹni do gágá oṣù.
ṣegede òwú.
Yèyé ọlóṃ ọ.
Arídẹ g'osun.
Yèyé adé oko.
Ó dé gèdè wojà.
Ó sé èwà lólólubi.

Tradução

Invocação Yèyé Ade-Oko

Graciosa mãe Ade-Oko, que entra na feira dançando sozinha.


Adé-Oko, deusa da beleza feminina.
Minha graciosa mãe cujos dentes superiores harmoniosamente separados imitam a
beleza das penas da ave ogomugomu.
Minha mãe está no escuro, seus belos dentes iluminam a escuridão.
Ela possui dentes claros como a lua,
Despreza o invejoso.
Mãe procriadora, que se embeleza com ide osun
Mãe adé-oko, que entra na feira dançando sozinha.
Deusa da beleza.

A mulher negra experíencia subjetividades sócio-religiosos que permitem


uma construção de identidade negra que dimensiona ancestralidade e
representação divinizada das Orixás femininas, que para além está no corpo e
estética negra. Lembrando Karl Mannheim, que entende a formação de
personalidade das pessoas acrescentando elementos das interações sociais.
Entendo que as que foram no processo de construção de identidade no contexto
social afro-religioso, estão envolvidos um conjunto de negociações consigo mesmo
e compreensão sobre o que é significativo para a pessoa, dentre elas está o fato da
relação com o cabelo afro. Muitas começaram a partir da vivências no grupo
religioso a deixarem seus cabelos encaracolarem.
Fonseca (2003) ao tratar das arquétipos das divindades femininas yorùbá
nas lendas e mitos comuns no Brasil, na representações dos papeis de mulheres.
Estamos convencidas de que tratar os mitos iorubá como
“arquétipos” pode nos ajudar a entender os substratos comuns que
residem e resistem no cerne das sociedades onde —por razões tanto
históricas,
quanto místicas— este legado se fez presente. Na tradição
iorubá, conhecer o nome de algo ou de alguém, isto é,
reconhecer a sua existência e identidade, permite interferir
sobre o seu destino, através do poder dos orixás. Ao
pronunciar os nomes dos deuses e deusas iorubá,
evocamos o seu axé e aceitamos ser os portadores do seu
legado, oferecendo a eles uma via de “re-existência”.

Comumente no Candomblé o espelho é um dos elementos


representante dos objetos que veicula os gosto pelo embelezamento e de
feminilidade. O que se observa aqui, é o outro elemento relacionado a
estética negra de Oxum, presente inclusive enquanto símbolo dos seus
elementos sagrados no igba, que é o pente africano.

Pentes africanos -Fotos de Wagner Souza e Silva - MAE/USP

A reflexão destacando a importâncias desse objeto característicos


para o uso de cabelos africanos para as mulheres regidas por este orixá.
Mais a frente abordaremos acuradamente o mito deste orixá, por enquanto
resta saber da sua importância mitológica para construção da identidade
religiosa e sociocultural das mulheres identificadas como de Oxum.
O fato do pente africano estar em um dos elementos sacralizados,
evidencia como a cultura yorùbá respeita essas particularidades da
personalidade feminina. Para nos mulheres negras evidencia também, a
importância da estética negra, presente na individualidade da Orixá, que ao
mesmo tempo nos singulariza e nos coletiviza enquanto negra, que é nosso
cabelo de negro.
Pode-se supor que o pente africano de Oxum, evidencia uma estética
negro que se contrapõe a um padrão branco fortemente presente na realidade
brasileira. O cabelo é um dado fenotípico que designa um grupo racial e
consequentemente uma ancestralidade africana. Um item como com o
processo de afirmação identária negra. Munanga (2009, p. 12) considera o
fator histórico como sendo o mais importante, desde que alicerçada no
que constitui o cimento cultural, unindo os elementos diversos de um povo,
transversalmente de sentimento de continuidade histórica vivido no conjunto
de sua coletividade. Pois, o essencial para um povo é reencontrar o fio
condutor que o liga a seu passado ancestral o mais distante possível.
O pente africano é neste caso alude uma representatividade o
cimento cultural da estética negra, propiciado pelo o que traz de aspecto
ancestral do item fenotípico de herança africana. A cultura negra existente
na religião são condicionantes silenciosos que tornam um terreno fértil para
a construção de identidade.

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