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Ficha de Estudos - População Brasileira e Fluxos Migratórios

PORTUGUESES, ESPANHOIS E AFRICANOS Milhões de africanos foram


capturados, vendidos como escravos e
A imigração para o Brasil nos séculos XVI e transportados para o Brasil para
XIX foi um processo significativo que moldou trabalhar nas plantações de açúcar,
profundamente a demografia e a cultura do nas minas e em outras atividades
país. A imigração nesse período foi econômicas. Esse tráfico
influenciada por uma série de fatores, transatlântico de escravos deixou um
incluindo exploração colonial, comércio de legado duradouro na demografia e na
escravos, busca por oportunidades cultura do Brasil, contribuindo
econômicas e fugas de perseguições religiosas significativamente para a diversidade
e políticas. Vamos abordar cada grupo étnico étnica e cultural do país.
separadamente:
POVOS GERMÂNICOS
★ Portugueses: A imigração portuguesa
para o Brasil começou com a chegada Durante o período de 1820 a 1840, houve um
de Pedro Álvares Cabral em 1500, influxo significativo de imigrantes de origem
marcando o início da colonização germânica para o Brasil. Esse movimento
portuguesa. Nos séculos seguintes, migratório foi motivado por uma série de
muitos portugueses migraram para o fatores, tanto na Europa quanto no Brasil. Na
Brasil em busca de oportunidades Europa, os povos germânicos enfrentavam
econômicas, como a exploração de desafios socioeconômicos, políticos e
recursos naturais, a agricultura e o religiosos. As Guerras Napoleônicas e os
comércio. Muitos portugueses também conflitos subsequentes deixaram muitas
ocuparam cargos administrativos e se regiões devastadas e instáveis. Além disso, a
estabeleceram como proprietários de industrialização estava começando a
terra. A presença portuguesa foi tão impactar as comunidades agrárias, levando a
significativa que, após séculos de dificuldades econômicas para muitos. Por
colonização, a língua portuguesa se outro lado, o Brasil estava buscando mão de
tornou a língua predominante no obra para suas plantações de café e outras
Brasil. atividades agrícolas. O governo brasileiro
★ Espanhois: Embora a colonização implementou políticas para atrair imigrantes
espanhola tenha sido mais europeus, oferecendo terras e incentivos para
proeminente na América Central e do aqueles dispostos a se estabelecerem no país.
Sul, houve também uma presença Os imigrantes germânicos que vieram para o
espanhola no Brasil durante os séculos Brasil durante esse período se estabeleceram
XVI e XVII. No entanto, a imigração principalmente no sul do país, em estados
espanhola para o Brasil foi como Rio Grande do Sul, Santa Catarina e
relativamente limitada em comparação Paraná. Eles trouxeram consigo suas
com a portuguesa. No entanto, alguns tradições, cultura e habilidades agrícolas,
espanhois imigraram para o Brasil em contribuindo para o desenvolvimento das
busca de oportunidades comerciais e, regiões onde se estabeleceram. Essa
mais tarde, durante o século XIX, como imigração teve um impacto duradouro na
resultado das guerras napoleônicas e sociedade brasileira, influenciando a
das instabilidades políticas na Europa. culinária, a arquitetura, a língua e outros
★ Africanos: A imigração africana para o aspectos culturais. Muitas cidades e vilas no
Brasil durante os séculos XVI e XIX foi sul do Brasil ainda preservam fortes
predominantemente forçada e ocorreu influências germânicas em sua arquitetura e
por meio do tráfico de escravos. tradições até hoje.
ITÁLIA facilitavam a adaptação e a integração
no novo país.
A imigração italiana para o Brasil entre 1870 ★ Políticas de imigração: O governo
e 1910 foi um dos principais fluxos brasileiro implementou políticas
migratórios que contribuíram para a favoráveis à imigração, incluindo
formação cultural, social e econômica do país. incentivos financeiros e assistência
Este período coincide com o auge da para os recém-chegados se
imigração italiana para o Brasil. Vários estabelecerem.
fatores impulsionaram esse movimento
migratório: Os imigrantes italianos se estabeleceram
principalmente nas regiões sul e sudeste do
★ Condições socioeconômicas na Itália: Brasil, onde encontraram oportunidades de
Durante o século XIX, a Itália passou trabalho na agricultura, indústria e comércio.
por um período de mudanças Sua influência é evidente até hoje na
socioeconômicas significativas, culinária, na arquitetura, na língua e em
incluindo crises agrícolas, diversas tradições culturais brasileiras.
sobrepovoamento, falta de terras e
pobreza generalizada. Essas condições JAPÃO
levaram muitos italianos a buscarem
oportunidades em outros países, como Os motivos que levaram os japoneses a
o Brasil. deixarem seu país e migrarem para o Brasil
★ Promessas de terras e trabalho: O foram diversos. No Japão, muitos
governo brasileiro e empresas enfrentavam dificuldades econômicas,
particulares fizeram esforços para escassez de terras e oportunidades limitadas,
atrair imigrantes oferecendo terras especialmente nas áreas rurais. Além disso, o
para agricultura, principalmente no sul governo japonês incentivou a emigração como
do Brasil, e oportunidades de trabalho uma forma de aliviar a pressão demográfica
em setores como a construção de interna e de fortalecer os laços comerciais
estradas de ferro e a indústria. com outros países. No Brasil, os imigrantes
★ Abolição da escravidão: Com a japoneses foram inicialmente direcionados
abolição da escravidão em 1888, houve para trabalhar nas fazendas de café,
uma demanda crescente por mão de principalmente no estado de São Paulo. Eles
obra para substituir os trabalhadores foram contratados para substituir a mão de
escravizados nos setores agrícolas, obra escrava, que havia sido abolida em 1888,
como café e cana-de-açúcar. Os e para suprir a crescente demanda por
imigrantes italianos, muitos dos quais trabalhadores nas plantações de café, que
tinham experiência na agricultura, eram a principal fonte de riqueza do país na
preencheram essa lacuna. época.
★ Cultura de emigração na Itália: A
emigração tornou-se uma parte EUROPEUS E JAPONESES
culturalmente aceita na Itália, com
muitas famílias vendo a migração ★ Imigração Japonesa: A imigração
como uma oportunidade para melhorar japonesa para o Brasil começou
suas condições de vida e enviar oficialmente em 1908, com a chegada
dinheiro de volta para suas famílias na do navio Kasato Maru. No entanto, foi
Itália. durante as primeiras décadas do
★ Redes de apoio: Muitos imigrantes século XX que houve um aumento
italianos foram encorajados a se significativo na imigração japonesa
estabelecer no Brasil por parentes ou para o Brasil, em grande parte devido
conhecidos que já haviam migrado ao crescimento da população e à falta
antes deles, criando redes de apoio que de terras cultiváveis no Japão. Além
disso, a ascensão do militarismo no
Japão e as dificuldades econômicas imigração como uma oportunidade de escapar
após a Primeira Guerra Mundial da instabilidade e procurar uma vida melhor
também contribuíram para o aumento no exterior. O Brasil era um destino atraente
da emigração. Os japoneses se devido à sua política de portas abertas para
estabeleceram principalmente em imigrantes, à disponibilidade de terras para
áreas rurais, dedicando-se à agricultura e ao boom econômico que o país
agricultura, principalmente no cultivo experimentava na época.
de café, uma das principais
commodities do Brasil na época.
★ Imigração Europeia: A imigração
europeia para o Brasil já havia POVOS LATINOS
começado no século XIX, mas foi
durante as primeiras décadas do A imigração de povos latinos para o Brasil
século XX que houve um novo fluxo entre 1970 e 2020 foi influenciada por uma
significativo de europeus para o país. série de fatores econômicos, políticos e sociais
Este período foi marcado por guerras e tanto nos países de origem quanto no Brasil.
instabilidade na Europa, incluindo a Aqui estão alguns pontos-chave sobre esse
Primeira Guerra Mundial (1914-1918) e fenômeno:
a Segunda Guerra Mundial
(1939-1945). Milhões de europeus ★ Contexto Econômico e Político nos
fugiram da guerra, da perseguição Países Latinos: Muitos países
política e das dificuldades econômicas latino-americanos enfrentaram
em seus países de origem. Muitos instabilidade política, crises
desses imigrantes europeus se econômicas e problemas sociais ao
estabeleceram em áreas urbanas e longo desse período. Isso inclui
industriais do Brasil, contribuindo ditaduras militares, guerras civis,
para o crescimento das cidades e para instabilidade econômica e altos índices
o desenvolvimento industrial do país. de violência em países como Argentina,
Chile, Colômbia, Venezuela, entre
SÍRIOS E LIBANESES outros. Esses fatores motivaram
muitas pessoas a buscar melhores
A imigração de sírios e libaneses para o Brasil oportunidades em outros lugares,
entre 1930 e 1970 foi um fenômeno incluindo o Brasil.
significativo que teve raízes em uma série de ★ Brasil como Destino Atrativo: O Brasil,
fatores, incluindo instabilidade política, sendo a maior economia da América
econômica e social no Oriente Médio, bem Latina e um país com uma cultura
como a busca por oportunidades econômicas e diversificada e receptiva, atraiu
segurança em terras estrangeiras. Entre 1930 imigrantes de países vizinhos em
e 1970, o Oriente Médio, incluindo as regiões busca de melhores condições de vida,
da Síria e do Líbano, foi marcado por oportunidades de emprego e
instabilidade política e conflitos, incluindo a segurança. Além disso, políticas de
queda do Império Otomano, as tensões imigração mais flexíveis e programas
resultantes da partição do Império após a de regularização migratória também
Primeira Guerra Mundial e a subsequente incentivaram a vinda de imigrantes
criação de novos estados, como o Líbano e a latinos para o Brasil.
Síria, e a instabilidade política decorrente ★ Setores de Trabalho: Muitos imigrantes
desses eventos. Além disso, a região também latinos encontraram oportunidades de
foi afetada por tensões sectárias, conflitos trabalho em setores como agricultura,
étnicos e guerras árabe-israelenses, que construção civil, serviços domésticos,
contribuíram para um clima de incerteza e turismo e indústria. Muitos
insegurança para muitas famílias. Nesse trabalhadores latino-americanos
contexto, muitos sírios e libaneses viram a foram atraídos para o Brasil devido à
demanda por mão de obra em áreas democráticos era uma opção
específicas. tentadora.
★ Fluxos Migratórios: Os fluxos ★ Busca por estabilidade e segurança:
migratórios variaram ao longo do Muitos brasileiros buscavam uma vida
tempo e entre os diferentes países de mais estável e segura para si e para
origem. Por exemplo, durante os anos suas famílias. Em um contexto de
1970 e 1980, houve um influxo incerteza política e social, emigrar
significativo de argentinos e chilenos para países com sistemas políticos
fugindo de regimes ditatoriais. Nas mais estáveis e democráticos oferecia
décadas seguintes, a migração essa perspectiva.
aumentou de países como Bolívia, ★ Os destinos mais comuns para os
Paraguai, Peru e Venezuela, devido a brasileiros que emigraram durante a
diferentes crises políticas, econômicas ditadura incluíam os Estados Unidos,
e sociais. Canadá, Europa (principalmente
Portugal, Itália e Espanha) e alguns
EMIGRAÇÃO BRASILEIRA países da América Latina. Alguns
brasileiros também buscaram refúgio
Durante o período da ditadura militar no em países que ofereciam proteção a
Brasil, que durou de 1964 a 1985, houve um pessoas perseguidas politicamente.
fluxo significativo de emigração de brasileiros
para outros países. Essa emigração foi Embora a emigração durante a ditadura
motivada por diversos fatores, incluindo militar brasileira tenha sido motivada por
perseguição política, repressão, violações dos diferentes razões, é importante reconhecer
direitos humanos, instabilidade econômica e que muitos brasileiros foram forçados a
falta de perspectivas de futuro. deixar seu país devido à perseguição política e
à falta de liberdades civis, enquanto outros
★ Perseguição política e repressão: buscavam simplesmente melhores condições
Durante a ditadura, houve uma forte de vida e oportunidades no exterior.
repressão contra opositores políticos,
ativistas, estudantes, sindicalistas e
membros de movimentos sociais. Durante a década de 1980, o Brasil enfrentou
Muitos foram presos, torturados e até uma série de desafios econômicos e políticos
mesmo mortos pelo regime. Para que levaram a um fenômeno conhecido como
escapar dessa perseguição, muitos "década perdida". Isso teve impactos
brasileiros optaram por deixar o país. significativos na migração de brasileiros para
★ Instabilidade econômica: A ditadura o exterior. A década de 1980 foi marcada por
militar implantou políticas econômicas uma combinação de inflação descontrolada,
que resultaram em uma série de crises estagnação econômica, endividamento
econômicas, inflação alta e externo elevado e instabilidade política. O
desemprego. A falta de oportunidades país experimentou uma crise econômica
de trabalho e de condições de vida profunda, com altas taxas de desemprego,
adequadas levou muitos brasileiros a queda na renda per capita e uma drástica
buscar melhores condições no exterior. redução do poder de compra da população. As
★ Censura e restrição de liberdades civis: políticas econômicas adotadas durante esse
Durante a ditadura, houve censura dos período não conseguiram reverter essa
meios de comunicação e restrição das situação, o que levou muitos brasileiros a
liberdades civis, o que limitava a buscar oportunidades fora do país. A
liberdade de expressão e o exercício da emigração brasileira durante a década de
democracia. Para aqueles que 1980 foi motivada principalmente pela busca
valorizavam essas liberdades, emigrar de melhores condições de vida e
para países com regimes mais oportunidades de trabalho. Muitos brasileiros,
especialmente jovens qualificados, deixaram o
país em busca de empregos mais estáveis, 3. Século XIX: Do Nordeste à Amazônia
salários mais altos e melhores condições de
vida em países como os Estados Unidos, A migração do Nordeste para a Amazônia
Canadá, Europa e até mesmo em outros começou a ganhar força no século XIX,
países da América Latina. Além disso, a falta especialmente após a abertura da navegação
de perspectivas econômicas e sociais, do rio Amazonas. Muitos migrantes
juntamente com a instabilidade política e a nordestinos foram atraídos pela promessa de
repressão durante a ditadura militar que terras férteis e oportunidades econômicas na
havia terminado em meados dos anos 80, região amazônica.
também impulsionou a migração de alguns
brasileiros em busca de liberdade e segurança
em outros lugares. Essa emigração brasileira
durante a década de 1980 teve impactos 4. 1930 a 1980: Do Nordeste Interior a
significativos na demografia do país, na Regiões Metropolitanas do Sudeste
chamada "fuga de cérebros", com a perda de
talentos e profissionais qualificados, e Durante o século XX, especialmente após a
também teve implicações sociais e culturais industrialização no Brasil, as regiões
para as famílias e comunidades que foram metropolitanas do Sudeste, como São Paulo e
separadas devido à migração. Rio de Janeiro, experimentaram um rápido
crescimento econômico e urbano. Isso atraiu
MIGRAÇÕES INTERNAS NO BRASIL uma grande migração de pessoas do
Nordeste, principalmente do interior, em
Os fluxos de migração interna no Brasil ao busca de emprego nas indústrias e serviços
longo dos séculos têm sido influenciados por urbanos.
uma série de fatores econômicos, sociais e
políticos.

1. Século XVII: Do Nordeste ao Centro-Oeste 5. 1950 a 1980: Do Nordeste ao Centro-Oeste

Durante o período colonial, houve migração O Centro-Oeste, especialmente Brasília, que


interna no Brasil motivada principalmente foi construída na década de 1960, atraiu
pela busca por ouro e outras riquezas migrantes do Nordeste em busca de
minerais. Muitos migrantes partiram do oportunidades de emprego, especialmente na
Nordeste em direção ao Centro-Oeste, construção civil e na administração pública.
seguindo as rotas de exploração mineral.

2. Século XIX: Do Centro-Oeste ao Rio de


Janeiro e São Paulo

Com a decadência da mineração, o 6. 1960 a 1980: Do Nordeste à Amazônia


Centro-Oeste perdeu parte de sua
importância econômica, e a região Sudeste, O governo brasileiro incentivou a colonização
especialmente o Rio de Janeiro e São Paulo, da Amazônia durante este período,
emergiu como centros de desenvolvimento oferecendo incentivos fiscais e terras para
econômico devido ao ciclo do café. Isso atraiu agricultores e empresas. Isso resultou em
migrantes do Centro-Oeste em busca de uma migração significativa do Nordeste para
oportunidades de trabalho nas fazendas de a Amazônia, com muitos migrantes buscando
café e nas indústrias em crescimento. oportunidades agrícolas e de exploração de
recursos naturais.
as estações do ano. Esse tipo de migração é
comum em áreas rurais, onde as condições
7. 1970 a 2000: Do Sul ao Centro-Oeste e climáticas variam significativamente ao longo
Amazônia do ano. Durante os meses mais quentes, os
pastores levam seus rebanhos para áreas de
Durante as décadas de 1970 a 2000, o Sul do pastagem mais alta e fresca, enquanto
Brasil, especialmente estados como Paraná e durante os meses mais frios, eles descem para
Santa Catarina, enfrentou problemas áreas mais baixas em busca de pastagens
econômicos, enquanto o Centro-Oeste e a mais acessíveis e clima mais ameno. A
Amazônia começaram a se desenvolver transumância tem sido uma prática
rapidamente devido à expansão agrícola e à tradicional em muitas culturas ao redor do
exploração de recursos naturais. Isso levou a mundo e é crucial para garantir a
uma migração de pessoas do Sul para essas sobrevivência dos rebanhos e a
regiões em busca de melhores oportunidades sustentabilidade das comunidades pastorais.
econômicas.
Refugiados: Os refugiados são uma
subcategoria específica de migrantes
forçados. Eles são pessoas que fogem de seus
8. Migração Contemporânea países de origem devido a perseguições,
conflitos armados, violações de direitos
A migração contemporânea no Brasil ainda é humanos ou violência generalizada. Os
influenciada por fatores econômicos, sociais e refugiados são protegidos pelo direito
políticos. As pessoas migram de regiões internacional, particularmente pela
menos desenvolvidas para áreas urbanas e Convenção das Nações Unidas sobre o
regiões mais prósperas em busca de emprego, Estatuto dos Refugiados de 1951 e seu
educação e qualidade de vida. Além disso, a Protocolo de 1967.
migração internacional também desempenha
um papel significativo, com pessoas de outros Os refugiados têm direito a certos benefícios
países migrando para o Brasil em busca de e proteções, incluindo o direito de não serem
trabalho e oportunidades. devolvidos para um país onde corram o risco
de serem perseguidos, o direito de solicitar
MIGRAÇÃO PENDULAR E TRANSUMÂNCIA asilo em outro país e o acesso a serviços
básicos, como abrigo, alimentação, cuidados
Migração Pendular: A migração pendular de saúde e educação.
refere-se aos deslocamentos diários ou
regulares de pessoas entre suas residências e É importante notar que nem todos os
locais de trabalho, estudo ou outras migrantes forçados são automaticamente
atividades. Esse tipo de migração é comum considerados refugiados. O status de
em áreas urbanas, onde as pessoas vivem em refugiado é concedido mediante a avaliação
uma cidade ou região, mas trabalham ou individual do caso e requer prova de que o
estudam em outra. Geralmente, essas indivíduo enfrenta perseguição ou risco de
migrações ocorrem diariamente, com as vida em seu país de origem.
pessoas retornando às suas residências no
final do dia. O termo "pendular" deriva do Em resumo, enquanto as migrações abrangem
movimento de "ir e vir" semelhante ao de um uma variedade de movimentos populacionais,
pêndulo. os refugiados são uma categoria específica de
migrantes forçados que fogem de suas casas
Transumância: A transumância é um tipo de devido a perseguições ou conflitos. Ambos os
migração sazonal que envolve o deslocamento fenômenos têm implicações humanitárias,
de rebanhos de animais (como ovinos, políticas e socioeconômicas significativas e
caprinos ou bovinos) entre pastagens de requerem respostas coordenadas e solidárias
diferentes altitudes ou regiões, de acordo com da comunidade internacional.
alto, dado o seu tamanho. “Como é um país
enorme, e às vezes não há boas oportunidades
TEXTOS COMPLEMENTARES: em alguma região, por exemplo, o Nordeste,
as pessoas vêm ao Sudeste em busca de
Processo de migração interna não é tão empregos.” As pessoas normalmente
intenso quanto no período de urbanização do procuram tanto o litoral quanto outras
Brasil capitais. Mas o litoral tem uma procura maior
porque há centros turísticos, hotéis,
A migração interna no Brasil teve seu ápice
restaurantes e os períodos de férias de verão,
entre os anos de 1960 e 1980, quando houve
o que faz com que mais profissionais do
um avanço na urbanização e um grande
interior busquem atuar no setor turístico.
deslocamento de pessoas do campo para as
capitais. Isso ocorreu principalmente da
A procura pelo interior não é muito comum, a
região Nordeste, de onde muitos saíram desde
não ser que se trate de uma região que esteja
a década de 40 para o Sudeste do País. Paulo
passando por uma fase positiva, como o
Feldmann, professor de Economia da
Centro-Oeste do País. O professor Feldmann
Faculdade de Economia, Administração,
destaca que “o agronegócio nos últimos anos
Contabilidade e Atuária (FEA) da USP, explica
tem estado bem no Mato Grosso, Mato Grosso
que “o processo de migração interna, hoje em
do Sul, são Estados que têm uma demanda
dia, não é tão intenso quanto no período de
grande por pessoas, por trabalho e por
urbanização do Brasil”. Ele lembra que,
emprego”.
durante a pandemia, houve um número
grande de desempregados, uma das taxas
No Brasil, desastres socioambientais e
mais altas dos últimos anos, e com isso
violência impulsionam as migrações internas
muitos buscaram no interior novas
oportunidades, mas não foi algo explosivo. O número de deslocados internos, em todo o
mundo, alcançou um total de 71,1 milhões de
O economista destaca que é muito raro hoje pessoas até o final de 2022, de acordo com
as pessoas saírem das capitais para buscar levantamento do Centro de Monitoramento
melhores condições de trabalho em outro de Deslocamento Interno (IDMC), parceiro da
local. “O aumento, como sempre, é motivado Agência ONU para as Migrações (OIM). Esse
por razões econômicas. As pessoas mudam número representa um aumento de 20% em
porque procuram empregos e muitas vezes relação a 2021, com os desastres naturais
eles não estão onde elas moram, e elas exercendo um papel crucial no crescimento
precisam se dirigir para as cidades, as dos dados. Nas Américas, o Brasil se destaca
capitais, onde há um número expressivo de como o país com o maior número de
contratações e de empregos.” Essa migração migrantes internos, com mais de 708 mil
não traz problemas para as capitais, a não ser deslocados nos primeiros meses deste ano.
quando há falta de mão de obra como em anos
anteriores, quando houve um boom de Os deslocamentos internos também são
construção de imóveis e faltava mão de obra conhecidos pelo nome de migração interna e
especializada, e muita gente vinha de outras se referem ao movimento de pessoas dentro
localidades para São Paulo, Rio de Janeiro e das fronteiras de um determinado país.
grandes centros para trabalhar no setor da Segundo Márcio Henrique Pereira
construção civil. O professor Feldmann Ponzilacqua, professor da Faculdade de
destaca que “é mais natural as pessoas virem Direito de Ribeirão Preto (FDRP) da USP,
do interior para as capitais. É muito raro as apesar dos desastres socioambientais serem a
pessoas saírem das capitais em direção ao maior causa dessa migração, ela não é a
interior.” única. “As outras causas que originam essa
migração, são, principalmente, as violências,
Se comparado a outros países, o processo de em especial a violência agrária. Isso é um
migração interna no Brasil é relativamente
problema sério que atravessa a história do 133 mil deslocamentos. Entretanto, apesar do
nosso país.” alto número, o relatório esclarece que das
mais de 700 mil pessoas afetadas no País,
Segundo pesquisa realizada em 2021 pela apenas 44 mil não tinham voltado ao seu local
Comissão Pastoral da Terra (CPT), o número de origem até o fim do ano passado.
de assassinatos em conflitos no campo
cresceu 75%, indo de 20 para 35 mortes Especialistas apontam falta de políticas
computadas. Além dos já conhecidos públicas municipais para receber refugiados
atentados contra povos indígenas e no Brasil
quilombolas, a pesquisa também relata a
violência vivida pelas famílias de agricultura Desde 1985, o Brasil já reconheceu cerca de
familiar em conflitos no campo. 60 mil pessoas como refugiadas, segundo
dados do Alto Comissariado das Nações
Problema estatal Unidas para Refugiados (Acnur). Porém, ainda
faltam políticas públicas para recepcionar
Para Ponzilacqua, o crescimento no número essas pessoas, principalmente no âmbito
de deslocamentos internos é um problema municipal. De acordo com o IBGE, nem 6% dos
sério e deve ser enfrentado. “Cabe ao Estado, municípios com refugiados ou imigrantes
nas suas diversas dimensões, oferecer conta com estrutura para gestão migratória.
políticas públicas que evitem ou diminuam o Para discutir essa questão, o USP Analisa
sofrimento da população.” desta sexta conversa com a professora da
Faculdade de Direito de Ribeirão Preto da
Apesar de a maioria dos deslocamentos USP, Cynthia Soares Carneiro, e a professora
internos serem causados por desastres do Instituto de Artes da Unicamp Ana
socioambientais, ou seja, acontecimentos que Carolina de Moura Delfim Maciel, que
não podem ser interrompidos, isso não exime também está à frente da Cátedra Sérgio
o Estado de criar políticas públicas para Vieira de Mello da Unicamp.
diminuir o impacto dessas intercorrências na
vida da população. “Com o nível tecnológico Ana Carolina explica que o Brasil não recebe
que nós temos hoje, é possível mapear as um número tão expressivo de refugiados,
zonas de risco de potenciais desastres e criar mesmo com a crise venezuelana, por não ser
políticas públicas de caráter preventivo. É prioritariamente o país de destino desejado
claro que nem sempre é possível evitar que por eles. “O Brasil não é um país, uma rota
esses desastres aconteçam, mas, nesses desejável, exceto Venezuela, pela
casos, o Estado tem a obrigação de realocar proximidade. Dos fluxos majoritários que nós
os afetados da maneira mais rápida possível.” temos, por exemplo, os sírios acabaram vindo
uma grande parte para cá porque nós temos
Um problema para todos uma tradição imigratória síria. Então a
comunidade se ajuda muito, isso é
É fato que os mais afetados pelas migrações determinante. Mas não é um lugar como
internas são os próprios deslocados, todavia, Alemanha, Canadá, que as pessoas têm um
eles não são os únicos afetados. Segundo projeto de chegar até esse lugar para poder
Ponzilacqua, “toda vez que um grande reconstruir a sua vida. Então tem um certo
contingente populacional parte de uma acaso. Tem também essa possibilidade de um
localidade para a outra, isso sobrecarrega as acolhimento de uma comunidade que já está
estruturas, ou a falta delas, no local de constituída. Dessa forma, a gente não tem um
destino”. número expressivo”, diz ela.

Segundo o relatório publicado pelo IDMC, Cynthia destaca que o país tem uma
apenas as chuvas de janeiro no Estado de sociedade xenofóbica e altamente racista,
Minas Gerais e as de maio, em Pernambuco, portanto há uma resistência na sociedade e
motivaram, respectivamente, cerca de 107 e nas próprias instituições na acolhida a
determinados povos. “Essa legislação sua pesquisa incluiu autores de diversas
securitista, que coloca o Estado como nacionalidades.
destinatário e o estrangeiro como uma
ameaça, existe no Brasil desde a década de Os refugiados ao longo da história
1920. Apesar da gente ter uma legislação
recente, de 2017, que muda o paradigma para Além da bibliografia decolonial, Thaynara
uma acolhida, isso acabou reforçando baseou-se em documentos internacionais
durante todas essas décadas uma resistência relacionados aos refugiados. Ela explica que a
da sociedade brasileira em relação aos Segunda Guerra Mundial criou um grande
imigrantes e aos refugiados. Principalmente contingente de refugiados e isso deu origem à
àqueles que vêm do Oriente Médio, da Convenção de Genebra Relativa ao Estatuto
América Latina, que têm um fenótipo dos Refugiados (1951), primeiro tratado
indígena, de povos originários, aqueles que internacional sobre o refúgio. O documento,
vêm da África, que são o principal fluxo no entanto, só considerava refugiadas as
migratório atual. E nós percebemos que existe pessoas de origem europeia, ignorando os
esse racismo estrutural nas instituições. As impactos que a própria Europa causou em
instituições brasileiras no município não outros países com a colonização e o
estão preparadas para esse recebimento”, imperialismo. Começaram a surgir, então,
aponta ela. questionamentos do Sul Global sobre esse
tratado, que não atendia às suas
Pesquisa propõe olhar decolonial e intelectual necessidades. Eles iam ao encontro de
para a questão dos refugiados teorizações que mais tarde dariam corpo a um
No mundo acadêmico, as referências mais referencial decolonial. Em 1967, foi criado o
utilizadas e conhecidas são as obras de Protocolo Sobre o Estatuto dos Refugiados
autores europeus. Porém, o estudo de como uma resposta a esses questionamentos.
intelectuais de nacionalidades diversas, como O novo documento passou a abranger pessoas
do continente africano e da América Latina, é de outras nacionalidades dentro do conceito
essencial para analisar, por exemplo, a de refugiados, mas não possuía poder
questão dos refugiados. Essa foi a conclusão suficiente para obrigar todos os países a
da dissertação de mestrado em Ciência adotar seu conteúdo.
Política intitulada O regime internacional
para refugiados a partir da perspectiva
Por causa disso, a África e a América do Sul,
decolonial: contribuições do Sul Global,
que sofriam os efeitos do imperialismo,
desenvolvida por Thaynara de Lima Alves, da
formularam, respectivamente, a Convenção
Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências
da Organização da Unidade Africana (OUA),
Humanas (FFLCH) da USP.
em 1969, e a Declaração de Cartagena, em
1984, contemplando diversas causas para o
A pesquisadora concentrou sua análise no Sul
deslocamento forçado. A criação dessas
Global, composto basicamente por países que
convenções representou uma tentativa de
estão fora do eixo Europa-Estados Unidos e
quebrar os resquícios coloniais.
que costumam ser descritos como “menos
desenvolvidos”. Mais especificamente,
Thaynara estudou os refugiados sudaneses no Mas a Convenção de Genebra e o Protocolo
Egito e os venezuelanos no Brasil e na Sobre o Estatuto dos Refugiados não
América do Sul. Existe uma série de adotaram os tratados do Sul Global. De
estereótipos e paradigmas em relação aos acordo com Thaynara e com o referencial
migrantes do Sul Global e, de acordo com a teórico que ela utilizou, os países europeus
pesquisadora, o uso de referências decoloniais “têm o poder, devido a sua posição geopolítica,
(o termo refere-se à resistência ao de diminuir outras convenções e chamá-las de
colonialismo e à perpetuação da regionais e de localizadas, como se elas não
colonialidade) é importante para quebrar representassem o que é internacional e o que
esses preconceitos. Por isso, a bibliografia da deve ser seguido pelo resto do mundo. Apenas
padrões europeus são vistos como manutenção da colonialidade – isto é, dos
conhecimentos válidos e universais”. resquícios do pensamento e da prática
colonial na modernidade. As ideias
eurocêntricas estão presentes até hoje em
diversas esferas da sociedade. São
O reconhecimento legal dos refugiados por principalmente os países do eixo
parte do Estado garante seu acesso aos Europa-Estados Unidos que constroem o
serviços públicos e à devida documentação. É conhecimento, as convenções e as legislações,
por isso que o Sul Global luta para ampliar a além de perpetuar estereótipos e
definição de refugiados nas convenções – pois preconceitos. É nítido, também, que as
não querem estar em situação irregular grandes potências têm poder de barganha e
perante o Estado. influência muito mais fortes do que outros
países no cenário internacional.
Em 2005, o Egito recebeu imigrantes
sudaneses, que não eram reconhecidos A pesquisadora afirma que a transformação
legalmente como refugiados. Para lutar por do olhar eurocêntrico e a quebra dos
seus direitos, alguns desses imigrantes paradigmas em relação aos imigrantes são
passaram a se autorreconhecer como complexas e enfrentam muitos desafios
refugiados e elaboraram um manifesto, burocráticos. Porém, a questão dos refugiados
obtendo apoio do grupo de estudos sobre pode ser tratada com mais cidadania por meio
migrações da Universidade do Cairo. Esse foi de um olhar decolonial e intercultural.
um “exercício da decolonialidade na prática”,
segundo Thaynara. Mortes em viagens migratórias estão ligadas
à omissão e falta de segurança
A pesquisadora estudou, ainda, o tratamento
brasileiro ao fluxo de venezuelanos no País No último mês de novembro, a Organização
durante o governo Temer. Ela afirma que Mundial para Migrações (OIM) relatou que
faltava suporte a esses refugiados, que foram ocorreram mais de 50 mil mortes em viagens
recebidos no Brasil com recursos temporários migratórias desde 2014. O Projeto de
em vez de soluções duradouras. Os Migrantes Desaparecidos busca coletar
venezuelanos, por sua vez, estavam em informações sobre pessoas que perderam a
situação de grave violação dos direitos vida no processo de migração para um destino
humanos em seu país de origem, com carência internacional e expor a situação dessa crise
de necessidades básicas, como alimentação. que atinge todo o globo.

Nesse contexto, Thaynara analisou também a A maioria das mortes ocorreu em rotas com
atuação do Alto-Comissariado das Nações direção à Europa: só na região do Mar
Unidas para os Refugiados (Acnur), órgão da Mediterrâneo foram registradas mais de 25
ONU responsável pela questão do refúgio. O mil mortes. Afeganistão, Síria e Mianmar
Acnur permitiu que o Brasil e os demais ocupam o topo da lista dos países de origem e
países do Sul Global que recebiam os têm em comum os conflitos internos e a
venezuelanos adotassem a convenção insegurança presente no território.
latino-americana ou a africana, mas não
fizeram a mesma recomendação na Europa. Jameson Vinicius Martins da Silva,
Os países europeus continuaram seguindo especialista em migrações e doutorando do
suas convenções antigas, demonstrando, mais programa de Saúde Global e Sustentabilidade
uma vez, seu poder de moldar a identidade e da Faculdade de Saúde Pública da USP,
os direitos da população mundial, de acordo comenta que as mortes em viagens
com a pesquisadora. migratórias possuem relação direta com a
dificuldade de as pessoas acessarem o
Atualmente, Thaynara explica que, segundo território de destino almejado. As restrições
seus referenciais de estudo, há uma
impostas pelos países que recebem os racistas e xenofóbicos, com o elemento
imigrantes são determinantes nesse processo. identitário muito presente.

Os principais movimentos migracionais Silva conta que a Frontex, agência europeia


indicados no relatório são de pessoas que responsável por assegurar as fronteiras, tem
partem de países do sul global, muitas vezes desempenhado um papel controverso nos
de zonas de conflito armado ou de extrema últimos anos, algumas denúncias surgiram
pobreza e até mesmo de regiões que sofrem em relação à omissão da agência nos resgates
com a junção desses dois aspectos. O destino em alto mar. É papel dela controlar a região
predominante são os países desenvolvidos, costeira e proteger os direitos humanitários,
sobretudo da União Europeia. mas o que tem sido visto é uma atuação
impeditiva que fere o direito internacional.
Grande parte das pessoas deixa seus países
por ser vítima de perseguição, potenciais O doutorando indica: “ A legislação
vítimas de conflitos armados ou porque internacional prevê que toda pessoa com
simplesmente não conseguem meios de temor de perseguição ou sobrevivência possa
subsistência onde vivem. “As condições de chegar a um território para, pelo menos,
vida nos seus países de origem e as regiões iniciar um processo de solicitação de refúgio”.
que elas habitam são extremamente Isso está previsto em acordos dos quais
desfavoráveis, então há uma motivação muitos dos países com postura restritiva
estrutural para essa migração”, explica Silva. fazem parte, como a Convenção relativa ao
Estatuto dos Refugiados de 1951. A
Barreiras migratórias dificuldade em encontrar uma rota legalizada
e segura aumenta o risco e a probabilidade de
Por outro lado, os países que costumam que pessoas morram.
receber as migrações impõem diversas
restrições físicas e políticas que dificultam a De acordo com o Alto-Comissariado das
chegada dessas pessoas. Ao tirarem Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR),
alternativas viáveis de acesso, como estes estão fora de seu país de origem devido
aeroportos ou pontos de entrada na fronteira, a problemas envolvendo questões de raça,
aumentam os riscos dos grupos que buscam religião, nacionalidade, pertencimento a um
realizar a travessia. determinado grupo social ou opinião política,
assim como pela violação de direitos humanos
Mediante barreiras intransponíveis impostas e conflitos armados. Os refugiados são as
pelas políticas migratórias dos países principais vítimas das mortes no processo
desenvolvidos, muitas vezes essas pessoas migratório.
acabam recorrendo a métodos extremamente
arriscados de travessia de regiões inóspitas. O A postura duvidosa de alguns países europeus
doutorando comenta: “As regiões desérticas no trato com os imigrantes ficou ainda mais
na fronteira entre México e Estados Unidos, o clara após os desdobramentos da guerra da
Mar Mediterrâneo e o Atlântico são as zonas Ucrânia, em que diversos ucranianos se
mais mortíferas dessas rotas”. espalharam por todo o continente ao
deixarem o território do conflito. Segundo
Nos últimos anos, a ascensão de discursos Silva, não houve resistência dos países com a
nacionalistas, sobretudo em alguns lugares chegada dos ucranianos e todos se mostraram
da Europa e nos Estados Unidos, contribuíram dispostos a assegurar as vidas das vítimas da
para a imposição de barreiras e omissão dos guerra.
países no acolhimento de estrangeiros. A
retórica conservadora de alguns grupos O mesmo não ocorre quando os estrangeiros
políticos que tratam os imigrantes como partem de países africanos ou asiáticos, por
inimigos ou ameaças está baseada em valores exemplo. “Aqueles que não cumprem o papel
ou o imaginário do branco que precisa de
alguma forma ser resgatado não merecem necessidade de mão de obra, algo que pode
essa solidariedade do ponto de vista do ser resolvido pelo estímulo às políticas
imaginário do europeu conservador”, aponta o migratórias.
doutorando.
Embora a maior parte dos países seja
Outro fator que merece atenção nos dados resistente à migração, ela é uma medida
levantados é a subnotificação, visto que interessante para manter o bem-estar
existem indícios de que o número de mortes econômico no futuro; resta saber como as
ou desaparecimentos foi maior do que o questões sociais serão abordadas. “O fato é
registrado. O próprio relatório menciona que é que a população está diminuindo e a
muito difícil realizar o levantamento de Alemanha, como uma das economias mais
informações sobre as origens dessas pessoas, fortes do planeta e o motor da União
de modo que o número de 50 mil mortos Europeia, não pode se dar ao luxo de não
provavelmente é subestimado, diversas receber pessoas, isso ilustra do ponto de vista
mortes podem passar despercebidas pela OIM. estritamente econômico o quanto a imigração
pode na verdade beneficiar os países”, destaca
Para Silva, existe um interesse dos próprios Silva.
Estados na falta de esforço para contabilizar,
visto que um problema que não aparece não Além disso, do ponto de vista da política
precisa ser resolvido. “Interessa a esses internacional, existe o Pacto Global para
países não contabilizar para terem esse Migração, assinado em dezembro de 2018 por
problema invisibilizado e assim não terem que 164 países numa conferência internacional da
lidar com ele diretamente.” ONU em Marrakesh, no Marrocos. “Esse
acordo propunha que os países tomassem
Políticas de migração medidas em coordenação para promover uma
migração que eles chamam de ordenada,
O doutorando explica que a melhor forma regular e segura.” Facilitar a circulação das
para reduzir o número de mortes em viagens pessoas através da regularização das rotas
migratórias é o envolvimento dos países com está em conformidade com o direito
a questão dos imigrantes. É necessária uma internacional e pode salvar vidas.
nova política de migração que facilite o
trânsito e a circulação das pessoas, como a Fluxo migratório mundial, agravado no
criação de rotas regulares e seguras em seus pós-pandemia, tem reflexos no Brasil
territórios.
A crise migratória que ocorre no mundo foi
Essa abertura das rotas provoca uma agravada pela pandemia da covid-19. A
percepção, em especial nos países Comissão Mista Permanente sobre Migrações
nacionalistas, de que haveria um Internacionais e Refugiados da Câmara dos
deslocamento em massa para esses Deputados afirma que cinco países
territórios. Desse modo, os discursos respondem por 67% do deslocamento
extremistas são colocados em evidência com transfronteiriço no mundo: a Síria lidera, com
o intuito de manter uma suposta integridade quase 7 milhões de pessoas fora do país; a
nacional, mas, longe dessa lógica Venezuela é o segundo maior país com
preconceituosa, a migração tem muitos população deslocada no exterior; Afeganistão,
benefícios a oferecer. com mais de 2,5 milhões; Sudão do Sul, com
2,2 milhões; e Mianmar, com mais de 1 milhão.
A médio e a longo prazo as migrações geram
diversos benefícios culturais e econômicos, No Brasil, o trabalho das ONGs e
elas dinamizam a sociedade. A Europa, por principalmente do governo federal continuou
exemplo, passa por um processo de com o acolhimento dos refugiados. Com o
envelhecimento que gera preocupação para os fechamento das fronteiras em função da
próximos anos, sobretudo relacionada à covid-19, houve um decréscimo oficial, mas as
travessias, porém, ocorreram de forma
irregular. Segundo o advogado João Gilberto
Belvel Fernandes Junior, cientista social pela
Universidade de São Paulo, coordenador do
projeto Reconduz (organização social sem fins
lucrativos, que presta atendimento a
imigrantes e refugiados), o fluxo ocorreu pela
Amazônia, através da floresta, por rotas
alternativas, através de Roraima.

Estão chegando refugiados não só da América Durante o ano de 2021, o Conselho Nacional
do Sul e Central, mas também da Europa e de Refugiados analisou 70.933 solicitações
Oriente Médio. A recente guerra na Ucrânia de refúgio, sendo esse o maior volume da
fez com que um grande número deles viesse década até o momento: 72,2% dessas
para o Brasil. solicitações foram registradas nas unidades
federativas que compõem a região Norte do
Os refugiados afegãos fogem do regime País e são resultado principalmente da
implantado pelo Talibã desde agosto de 2021, migração de pessoas vindas da Venezuela
quando tropas americanas deixaram o país para Roraima.
depois de 20 anos. O governo atual se baseia
no fundamentalismo islâmico, cujas normas Levando em conta apenas 2021, quando
sociais se baseiam na religião. Mulheres, 29.107 migrantes solicitaram refúgio no
sobretudo, perderam direitos e são as que Brasil, o acréscimo é de 208 solicitações se
mais sofrem com as sanções. Recentemente comparado ao ano de 2020, momento em que
um grupo ficou morando no saguão do o País recebeu 28.899 refugiados.
aeroporto internacional de Guarulhos, em São
Paulo. Novo recorde mundial de refugiados reflete
desigualdades estruturais entre nações
Diferentemente do que se imagina, é função
do governo federal dar suporte e assistência
humanitária a esses afegãos justamente em egundo recente relatório divulgado pela
função de acordos políticos internacionais Organização das Nações Unidas (ONU), o
feitos antes mesmo da chegada desses grupos mundo atingiu um novo recorde de
ao País. deslocamentos forçados em 2022. Cerca de
108 milhões de indivíduos encontram-se
Fluxo migratório deve aumentar nessa situação — com um aumento de 19
milhões de pessoas em comparação com o
Fernandes explica que o futuro do fluxo ano anterior. Entre os diferentes motivos para
migratório deve aumentar de forma o aumento exponencial desses valores se
substancial em todo o mundo. Esse encontram a guerra da Ucrânia, a atualização
deslocamento da população deve ocorrer em de informações sobre os refugiados afegãos e
função de guerras e conflitos sociais que a eclosão de novos conflitos, como o presente
devem ser intensificados na próxima década. no Sudão.
Além disso, o “refugiado ambiental” é a bola
da vez, em função de mudanças climáticas Os novos dados revelam que, entre todos os
com desastres naturais e escassez de recursos indivíduos que foram deslocados
nessas regiões. forçadamente, cerca de 35 milhões
precisaram sair de seus países de origem para
garantir sua sobrevivência, enquanto 62
milhões tiveram que realizar algum
deslocamento interno. O Alto Comissariado
das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR)
revelou também que a expectativa para os Além disso, a problemática apresenta relação
dados de 2023 não é positiva, uma vez que o direta com questões econômicas,
número de refugiados já ultrapassou os 110 movimentando ainda mais esses indivíduos
milhões na metade deste ano. que buscam melhores condições e meios
básicos de sobrevivência.
Jameson Martins, pesquisador em Saúde
Global pela Faculdade de Saúde Pública da Origem e destino
USP com foco em Políticas de Saúde para
Migrantes Internacionais, explica que fatores O relatório destaca, entre diferentes
que fazem as pessoas migrarem são informações sobre o perfil dos grupos
complexos e pensar em soluções para a deslocados, a origem e o destino final desses
questão deve ser nos âmbitos local e sujeitos. Assim, nota-se que 70% das pessoas
internacional. em movimentação forçada são abrigadas em
países vizinhos e 76% se encontram em países
Deslocamento forçado de média ou baixa renda. Nota-se, portanto,
uma correspondência geográfica nesses
Para compreender a movimentação forçada casos, exemplo disso pode ser observado pelo
de indivíduos é essencial o entendimento a fato de a Síria ser listada como o país com o
respeito de suas condições. Desde 1951, com o maior número de refugiados (6 milhões) e a
estabelecimento do Estatuto do Refugiado, Turquia, seu país vizinho, ser o que recebeu o
todos os indivíduos que estão fora de seu país maior número de pessoas (3,6 milhões).
de origem “devido a fundados temores de
perseguição relacionado a questões de raça, Além da Turquia, os países que mais
religião, nacionalidade, pertencimento a um receberam esses grupos foram: Irã (3,4
determinado grupo social ou opinião política, milhões), Colômbia (2,5 milhões), Alemanha
como também devido à grave e generalizada (2,1 milhões), e Paquistão (1,7 milhão).
violação de direitos humanos e conflitos Observa-se também que 52% dos refugiados
armados” são considerados refugiados. são originários de apenas três países: Síria
(6,5 milhões), Ucrânia (5,7 milhões) e
Entre os diferentes motivos para o Afeganistão (5,7 milhões). “Ao contrário do
deslocamento forçado de pessoas, Martins que pode fazer parecer a cobertura midiática,
explica que os conflitos armados a enorme maioria dos países desenvolvidos e
configuram-se como um fator preponderante mais ricos, com mais recurso para fazer esse
para forçar as pessoas a empreenderem essas acolhimento, não concentra a maioria dos
rotas migratórias. “No mundo complexo em refugiados do mundo”, reflete Martins. A
que vivemos, nós temos outros fatores Alemanha é uma das poucas exceções ao
forçando as pessoas a se deslocarem. Um caso, já que, por decisões políticas e pela
deles é a ausência de meios de subsistência, influência da União Europeia, vem facilitando
particularmente em países muito pobres que o trânsito de ucranianos em direção aos
estão sendo afetados diretamente pelos países do bloco econômico.
fenômenos da crise climática”, comenta.
Assim, países como Somália, Etiópia e Conflitos
Paquistão vêm passando por fenômenos de
desertificação e chuvas torrenciais que geram A guerra da Ucrânia é apresentada como um
um volume importante de refugiados. dos principais conflitos atuais e o seu
encerramento não parece contar com um fim
O especialista reflete ainda que, apesar da próximo. Segundo Jameson Martins, há uma
existência de aparatos jurídicos para o série de aspectos geopolíticos estratégicos
acolhimento desses indivíduos, quando o que parecem bloquear um horizonte previsível
debate fundamenta-se nas questões de cessação do conflito armado.
climáticas, não há uma legislação específica
para a proteção internacional dessas pessoas.
É importante notar também que, apesar de com relação aos países mais desenvolvidos.
ser protagonizada no território ucraniano, a Tornou-se comum a criação de mecanismos
guerra apresenta dimensões políticas que se de afastamento e de impossibilidade de
expandem para além dessa área. “A gente está entrada de refugiados, como a terceirização
falando de uma influência fortíssima dos de fronteiras. Dessa forma, Estados ricos
interesses dos países da União Europeia e dos delegam a outros países o recebimento desses
Estados Unidos em fazer frente a um sujeitos. Martins explica que uma
expansionismo da Rússia e a Rússia se consequência direta dessa contenção e de
justificando em termos de se sentir ameaçada outras burocracias institucionais é o aumento
pelo avanço geopolítico do Ocidente no Leste do risco de vida por meio da busca por rotas
Europeu”, discorre o pesquisador. alternativas.

Martins analisa que, no momento, pensar nas “Quando você impede que as
consequências desse conflito para os pessoas cheguem ao território e
refugiados é essencial. Dessa forma, foi tenham a possibilidade de fazer a
possível observar que, para os ucranianos, a solicitação do pedido de refúgio,
garantia de acolhimento foi feita de forma você está violando a regra da não
assertivamente positiva. “Você vê uma recusa (non refoulement)”,
política de dois pesos da União Europeia. declara. Para além do recebimento
Quando se trata dos fluxos de países de fora desses grupos em países
da Europa nota-se uma série de barreiras para signatários é também importante
a migração e para a possibilidade de trânsito”, avaliar as condições de
explica. Isso não significa que o tratamento tratamento, sendo necessário o
dado aos refugiados ucranianos foi indevido, acesso aos meios básicos para
mas que o mesmo procedimento deveria ser uma vida com dignidade.
garantido para outros grupos que procuram o
mesmo tipo de proteção. Assim, nota-se que a
situação dos refugiados amplia-se também A criação de leis para a normalização do
para outros debates a respeito da garantia de trânsito dessas pessoas é primordial para
direitos humanos e políticas uma melhora nas condições presentes.
internacionalmente estabelecidas. Juntamente com elas, Martins explica que é
importante o fornecimento de um acesso
Futuro facilitado com saúde, alimentação,
saneamento, educação, empregabilidade etc.
Em um cenário ideal, a redução do número de “A gente também poderia pensar que, mais
refugiados no mundo seria estabelecida por adiante, a gente pode ter um mundo
meio da redução do número de conflitos economicamente mais equilibrado, de modo
armados, contudo, o especialista explica que, que as pessoas não seriam forçadas a migrar,
nos últimos tempos, estes estão aumentando mas poderiam simplesmente escolher”,
em decorrência de diferentes aspectos finaliza o pesquisador.
políticos, históricos, culturais e econômicos.
Assim, pensar e avaliar as formas como os Cerca de 67% de todos os refugiados do
refugiados estão sendo tratados deve se mundo são da Síria, do Afeganistão e do
tornar o centro de debates sobre a temática. Sudão do Sul
“Havendo conflitos e riscos à integridade
física das pessoas, o que a gente deveria O número assusta: 70,8 milhões de pessoas
esperar são políticas migratórias, foram forçadas a deixar seus locais de origem
principalmente dos países mais ricos”, por diferentes tipos de conflito no ano
esclarece o pesquisador. passado. Desses, 25,9 milhões são refugiados
e outros 3,5 milhões solicitaram
Nos últimos anos, um posicionamento reconhecimento da condição de refugiados e
contrário a esse é o que vem sendo observado aguardam decisão.
Os dados são do Alto Comissariado das
Nações Unidas para Refugiados (Acnur). Síria,
Afeganistão e Sudão do Sul são responsáveis
por cerca de 67% de todos os refugiados do
mundo. Na outra ponta, Turquia, Paquistão e
Uganda são os países que mais acolheram
refugiados. Na América Latina, os países com
maior movimento migratório nos últimos
anos são El Salvador, Guatemala, Honduras,
Haiti e Venezuela.

O Brasil entrou no radar dos povos que têm


buscado refúgio. Existem no País,
oficialmente, 11.231 refugiados, mas a fila de
espera é grande. São 161 mil e 57 solicitações
de refugiados em trâmite, segundo o Comitê
Nacional para Refugiados e a Polícia Federal.
Embora a crise em países vizinhos, como a
Venezuela e a Bolívia, tenha aumentado a
procura por refúgio nas fronteiras do País, a
Síria ainda é a nacionalidade de 51% dos
refugiados no Brasil.

A professora Cynthia Soares Carneiro, da


Faculdade de Direito da USP em Ribeirão
Preto, integra o grupo de Estudos Migratórios
e Direitos dos Trabalhadores Estrangeiros no
Brasil. Para ela, a situação dos refugiados
requer atenção especial porque existem
gargalos na legislação que dificultam a
classificação de migrantes como refugiados.
A professora fala que, apesar das
dificuldades, há novidades em relação ao
Brasil que passou a adotar a violação dos
direitos humanos para reconhecimento da
condição de refugiado.

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