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Quando outra bala passou zunindo por seu ombro, ela se virou
para trás da imponente árvore mais próxima.
Você é tão louca quanto ele, por vir aqui! ela pensou. Mas que
escolha tinha? Era a última amiga que ele havia deixado no mundo, e
se não o ajudasse, ninguém o faria.
Ao redor dela, na floresta alpina, ecoavam tiros e as ordens
furiosas gritadas dos guardas vestidos de preto que saíram
apressados do Castelo de Waldfort quando ela havia sido vista. De
costas para o tronco da árvore, com o peito arfando, Emily Harper
esperou pela próxima chance de correr.
Ela vinha rastreando sua presa há semanas a uma distância
cautelosa, mas quando ele chegou, desaparecendo na sinistra
fortaleza no topo da montanha, não havia nada que pudesse fazer
além de esgueirar-se pela floresta e tentar vislumbrá-lo, tentar
descobrir como atraí-lo.
Mas então um dos sentinelas a notou, e seus esforços para
resgatar Drake foram interrompidos.
Agora! Se colocando em movimento, disparou pelo caminho dos
cervos mais uma vez, seu manto de lã marrom fluindo atrás dela, seu
arco e sua aljava de flechas batendo em suas costas a cada passo.
Raios dourados de luz do sol perfuravam a verdejante escuridão
da floresta como lanças de anjos, mostrando-lhe o caminho. Seu olhar
experiente examinou cada próximo passo sobre o solo áspero e
inclinado. A inclinação era acentuada, ela quase escorregou, mas
virou-se rapidamente, derrapando agilmente, se agarrou a raiz
espessa e retorcida de uma árvore e depois segurou uma pedra como
uma mão ossuda e correu.
A estavam alcançando.
A retumbar selvagem de seu pulso latejava em seus ouvidos,
mas seus passos eram silenciosos sobre o espesso leito de agulhas de
pinheiro que amoleciam o chão da floresta.
Ela não parou para contar quantos mercenários estrangeiros a
perseguiam, alguns a pé, alguns a cavalo.
Alguns com cachorros.
Mas se houvesse alguma dúvida de que a alta cúpula do culto
dos Prometeos estava tramando uma conspiração, a presença de um
segurança armado era um detalhe muito convincente.
Tão logo sua presença fora detectada, os guardas saíram de trás
das muralhas do remoto castelo da Bavária, onde uma reunião secreta
de alguns dos homens mais ricos e poderosos da Europa estava em
andamento.
Se eles não estavam tramando algo nefasto, então por que
precisavam da presença de todos esses guardas armados para manter
as pessoas afastadas?
Emily não se importava pessoalmente com os novos e
distorcidos esquemas de tirania que os conspiradores ocultistas de
alto padrão estavam sonhando em sua interminável busca de poder.
Ela veio por apenas um motivo: levar Drake para casa.
Ele não pertencia a este lugar, não importava o que ele dissesse,
e mesmo que esses bandidos contratados a levassem de volta a base
da montanha, jurou a si mesma que simplesmente a escalaria de
novo. Ela se recusava a desistir, se recusava a desistir dele. Seu
amado lunático precisava dela, quer ele soubesse disso ou não.
Independentemente do que acontecesse não iria embora sem ele. Ele
não a abandonara em sua hora mais sombria, e chegara a hora de
devolver-lhe o favor.
Drake estava com mais problemas do que sabia. Não importa
seus inimigos, agora até seus amigos queriam matá-lo.
— Lá está ele!
— Olhem!
Uma expressão de mau humor passou pelo rosto dela quando
outra bala voou acima de sua cabeça, atingindo o tronco da árvore à
frente.
Eles a tinham visto.
Com um olhar zangado por cima do ombro, se esquivou atrás de
um velho olmeiro que estava ao lado do caminho à frente, tirando o
arco do ombro. Suas mãos suavemente encaixaram uma flecha, como
se tivessem vontade própria.
Enquanto esperava pelo momento certo, sua memória estava
repleta de imagens das horas que passara brincando de esconde-
esconde com Drake quando eram crianças na propriedade de sua
família.
Eles corriam como animais selvagens pelo parque florestal de
Westwood Manor na parte de trás da casa: o herdeiro indisciplinado
do conde e a filha indomável do guarda caça.
Tais rivalidades os levaram a competir, tentando com ousadia
superar um ao outro em suas pequenas aventuras compartilhadas,
suas corajosas façanhas, subindo em árvores, usando troncos caídos
como pontes sobre o barranco razoavelmente profundo onde o riacho
atravessava o extenso monte de área cultivada do conde. Quem
poderia pular uma pedra melhor, quem poderia lançar um graveto
mais longe, como uma lança. Eles montaram armadilhas para os
coelhos, mas fraquejaram ao tentar entregar os animais para o
cozinheiro. Então deixaram os coelhos livres e resolveram passar as
muitas tardes de verão pegando sapos.
Mas, o requerente havia chegado, aquele imponente e taciturno
escocês chamado Virgílio, e Drake fora escolhido para a Ordem de
São Miguel Arcanjo. Seus pais haviam concordado com este dever
secreto, uma responsabilidade presente na família há séculos dada
pelos cavaleiros das cruzadas. Com sua bênção, ele logo se foi para
aquela misteriosa escola militar na Escócia, se gabando que um dia se
tornaria o maior guerreiro da Ordem.
Ela o chutou nas canelas por causa de sua ostentação na época,
depois chorou quando o dia seguinte chegou, e não havia mais
ninguém para brincar exceto a sua estranha coleção de animais
selvagens feridos que ela cuidara até terem recuperado a saúde e que
gradualmente se transformaram em animais de estimação.
Com o tempo ela se acostumou a ficar sozinha, enquanto Drake
crescia firmemente em direção ao seu objetivo. Logo, o garoto
barulhento de cabelos negros se tornou um jovem de tirar o fôlego,
que não tinha mais permissão de lhe dizer para onde ia toda vez que
a Ordem o enviava para uma daquelas longas e perigosas missões.
E então, no ano passado, em um dos dias mais sombrios de sua
vida, souberam pela mesma Ordem que ele havia desaparecido.
Emily pressionou as costas contra o grosso tronco da árvore,
ouvindo seus perseguidores avançando.
Talvez eu deveria deixar que me capturassem.
Eles a levariam para o castelo, mais perto de Drake. Mas ela
descartou o pensamento na seguinte batida de seu coração.
Muito arriscado. Ela não era uma dama, e inimigos irritados
como esses eram conhecidos por fazer uso grosseiro de mulheres de
baixa renda.
Ela alegremente daria sua vida por Drake, mas não permitiria
que nenhum cão de guarda dos Prometeos tirasse a sua honra.
Enquanto seus perseguidores avançavam, aproximando-se entre
as árvores, Emily atirou sua flecha bem além deles na direção dos
bosques: distração.
Imediatamente, eles correram em direção ao som. Ela preparou
outra flecha e atirou a segunda por precaução. Os guardas correram
para rastrear a fonte do barulho. Assim que saíram, ela pendurou o
arco sobre o ombro novamente e saiu em disparada na direção
oposta.
À frente, a luz do sol se refletia nas águas do riacho onde
enchera o cantil mais cedo. Ela saltou de pedra em pedra para
atravessá-lo, quando ouviu mais homens se aproximando, e soube
que havia chegado a hora de se esconder.
Seu olhar se deteve em uma pequena caverna, que mais parecia
um mero vazio entre as camadas de rocha, provavelmente a toca de
uma raposa. Analisando bem, ela viu que era pequena o suficiente
para se encaixar na abertura estreita, e estava desesperada o
suficiente para tentar.
Rápida como um gato, correu para a margem estreita do riacho
translúcido. Era apenas uma faixa de terra lamacenta e alguns
pedregulhos empilhados antes de se enfiar na face íngreme da rocha
que contornava a pequena e barulhenta cascata dos dois lados.
Emily subiu. Seu coração estava batendo forte, mas ela estava
de alguma forma mantendo o medo à distância. Ainda assim, morrer
nessas florestas tão longe de casa era uma possibilidade maior do que
ela gostaria de admitir, e a perspectiva de ser pega e usada para o
esporte cruel de mercenários estrangeiros não a fazia se sentir
melhor.
Ao chegar à borda da caverna em miniatura, com um último
puxão, conseguiu terminar a subida e pôde explorar o interior escuro.
Ninguém estava em casa, felizmente, mas a reentrância arredondada
na terra confirmava que outrora fora morada de algum animal.
Emily entrou na caverna, se agachou e ficou escondida pela
escuridão. Puxou o seu manto em volta dela; sua tonalidade cinza-
amarronzada misturava-se à pedra.
— Ele veio para cá, capitão!
Sorriu para si mesma em seu esconderijo. Claro, eles assumiriam
que estavam seguindo um homem, independente se tivessem ou não
vislumbrado de relance seu traje de menino. Mas isso era um bom
sinal, pois significava que eles não conseguiram ter uma visão clara
do rosto dela.
— Continue em frente! — Uma voz inglesa forte respondeu.
Os olhos de Emily se arregalaram e ela prendeu a respiração; ela
conhecia essa voz profunda e ligeiramente áspera, como o som de
seu próprio batimento cardíaco.
— Vá por esse caminho — acrescentou Drake, repetindo o
comando em francês e alemão para os outros. — Eu vou verificar por
aqui.
Ele tinha que saber. Ele tinha que saber que era ela.
Certamente, ele a sentiu em sua alma através do vínculo quase
místico que eles tinham compartilhado desde a infância.
Com o coração batendo, ela mordeu o lábio segurando um
sorriso enlouquecido diante a sua proximidade. Finalmente! Era por
isso que ela estava orando, uma chance de conversar com ele.
Para trazê-lo de volta aos seus sentidos. Para persuadi-lo voltar
para casa como um de seus animais selvagens feridos. Ele não sabia o
que estava fazendo, vindo para cá.
Esperou que os outros homens saíssem, alegria e alívio recaindo
sobre ela, embora a última vez que tinha visto Drake, o canalha
colocara uma faca em sua garganta e a usou como refém para poder
escapar.
Claro, ele nunca a machucaria, ela se assegurou.
Não importa quanto os Prometeos poderiam ter cicatrizado seu
corpo e danificado sua mente, até mesmo apagado boa parte de sua
memória com seus abusos durante os meses que eles o mantiveram
naquela masmorra — não importando o quanto a sua maldade o
tivesse mudado — ele ainda era o seu Drake.
E em seu coração, ainda era seu melhor amigo, embora fosse
tolice pensar assim já que ele era um conde, e ela não era ninguém
em particular.
Ela podia ouvir os outros se retirando para a floresta para
continuar a caçada ao intruso. Perto dali, não havia som acima do
rápido murmúrio do riacho. Nem mesmo os pássaros chamaram,
assustados pelo tiroteio.
Ela ficou imóvel por um longo momento até que ouviu a voz
dele, calma e sombria.
— Diga-me, por favor, meu Deus, me diga que não é você aí.
Emily lentamente puxou a borda de sua capa do rosto. A
princípio, de seu ponto de vista, ela só conseguia ver a metade
inferior de seu corpo musculoso. O longo e solto casaco preto. Calça
de couro preta bem gasta. Botas pretas no joelho.
Esperando que ele não ficasse zangado, ela tirou o manto e saiu
do esconderijo, espiando para garantir que os outros tinham ido
embora, e depois pulando levemente do esconderijo da raposa para a
margem estreita abaixo.
Sorriu para ele e jogou seus longos cabelos sobre os ombros.
— Surpresa!
Do outro lado do córrego, Drake a imobilizou com um olhar frio e
sério.
Seu sorriso atrevido desapareceu quando ela viu seu rosto
anguloso pálido de pavor, possivelmente ardendo em fúria ao vê-la.
Balançando a cabeça em descrença, sem dizer uma palavra, o
semideus alto e de cabelos negros a examinou da cabeça aos pés,
certificando-se de que ela não estava ferida.
Ela fez o mesmo com ele quando se aproximou com cautela,
aliviada por não encontrar novos ferimentos em seu corpo alto e
formidável. Em seus olhos, no entanto, ela viu a mesma intensidade
fraturada brilhando em suas profundezas negras de carvão.
Foi então que soube, por mais louca que a ideia de vir fora, ela
fizera a coisa certa.
Ele não estava nem perto de estar bem.
Deus, isso doía, aquele olhar perdido em seus olhos cheios de
alma depois de tudo que ele tinha passado. Claramente, ele não
entendia as consequências de suas ações. O que ele achou que
estava fazendo? Os Prometeos não podiam confiar nele. Eles o
matariam, e se não o fizessem, a Ordem o faria.
Seus irmãos guerreiros agora o viam como um traidor.
Ela deu outro passo em direção a ele, sem deixar de encará-lo.
— Como está? Você está bem? — Ela murmurou.
Com um sorriso frio, ele não respondeu à pergunta.
Mas Emily não se ofendeu mais do que quando havia tido aquele
falcão com a asa quebrada que mordeu o seu dedo. Drake precisava
de ajuda, e era por isso que ela estava aqui.
Segurando seu olhar, ela se aproximou, embora seu coração
doesse sempre que olhava em seus olhos e lesse a dor deixada por
trás do que esses bastardos Prometeos tinham feito a ele. Seu tempo
no cativeiro o transformara em um estranho distante e pensativo cuja
própria presença fervilhava de ódio e raiva silenciosos — um homem
que outrora fora um brincalhão prático.
Quando garoto, ele gostava de fazer brincadeiras. Aos vinte
anos, tinha sido um patife amante da diversão com o infeliz hábito de
cantar canções de taberna rudes no topo de seus pulmões quando ele
estava bêbado, rindo das atenções de todas aquelas horríveis
mulheres pintadas, altas e baixas, que o adulavam e o chamavam de
"Westie", abreviação de seu título, Conde de Westwood. Na casa dos
trinta, ele ainda era muito bonito por fora. Ele sempre fora bonito...,
mas por dentro, ela sabia que os torturadores o haviam destruído.
Acabaram com o seu encanto, outrora contagiante, e com o seu
ardente desejo pela vida. Agora ela parecia ser a única pessoa que
poderia alcançá-lo por causa de sua história juntos.
Ele confiava nela.
Depois de meses de espancamentos e interrogatórios, a Ordem
puxara todas as cordas necessárias para conseguir seu agente de
volta. Drake tinha sido devolvido a eles em um estado tão danificado
que havia perturbado a todos. Ele atacou seus ex-companheiros de
equipe como um homem selvagem, não reconhecendo-os, achando
que todos queriam matá-lo. Implorando-os para não o colocar em
uma gaiola, reclamando que ele tinha que voltar para James. O velho
estava em perigo, dissera repetidamente. Em vez de prestar atenção,
seus amigos, tristes, o levaram para casa para que ele pudesse se
recuperar.
Ainda enchia Emily de raiva pensar em quão magro ele estava
quando o viu pela primeira vez, e como se assustava ao menor ruído.
O que quer que seus captores tivessem feito, não tinha
reconhecimento de sua própria mãe ou da propriedade rural onde ele
crescera.
A única coisa que ele lembrara... fora ela.
Enquanto Lorde Rotherstone, um de seus amigos mais íntimos
na Ordem, o guardara na Mansão Westwood, Emily se dedicara à
tarefa de curar seu amado companheiro de infância.
Eles vinham progredindo bem depois de algumas semanas. Ela
lentamente, gentilmente, silenciosamente, começou a tirá-lo da
tempestade escura em que ele vivia. Ela chegou a reivindicar a vitória
de vê-lo acordar uma manhã tendo dormido a noite toda.
Ele parecia estar se saindo tão bem depois de um tempo que a
última coisa que ela esperava era que Drake resolvesse o problema
com suas próprias mãos, escapando, tomando-a como refém, tudo
para que pudesse voltar ao seu precioso James e àqueles que
abusaram dele.
Em face de todas as evidências em contrário, Emily ainda não
conseguia acreditar que Drake se tornara traidor. Era impossível.
Não, ela tinha uma sensação horrível de que o verdadeiro motivo
dele voltar era para tentar se vingar.
O que só servia para mostrar como ele ainda estava instável.
A Ordem vinha lutando contra os Prometeos por séculos. Um só
homem não iria derrubar toda a organização sozinho. Doente ou são
pensou ela, deixaria Drake tentar.
Fosse o que fora que ele tinha debaixo da manga, claramente,
não a tinha incluído em seus planos.
— Que diabos você está fazendo aqui? — Ele exigiu em uma voz
baixa e tensa quando ela se aventurou dar outro passo em direção a
ele.
— Você não está feliz em me ver? — Ela tentou em um tom
arejado.
Ele olhou para ela exasperado.
— Nem um pouco.
— Você sabe por que estou aqui, Drake — ela repreendeu
baixinho, com muita paciência. — Eu vim para levar você para casa.
Ele fechou os olhos. Abaixou a cabeça. E coçou a sobrancelha. O
que não era um bom auguro.
Então ele abriu os olhos negros novamente e olhou para ela.
— Saia já daqui. Agora.
— Não.
— Agradeço o gesto, Em, mas você fez a viagem em vão. Eu vou
ficar aqui e você vai para casa. Continue. Volte para a caverna e se
esconda até que tenhamos voltado para o castelo. Eu irei cobrir você.
— Não! Eu não vou a lugar nenhum sem você! Acha que eu
percorri seiscentos quilômetros por nada? — Ela olhou para a floresta
para se certificar de que os outros não estavam retornando.
Mas advertiu a si mesma para não perder de vista o fato de
estar lidando com um homem perigoso que não era mais o dono de
suas faculdades. Se o pressionasse muito, não havia como dizer o que
ele seria capaz de fazer.
Ela estendeu a mão para ele.
— Venha comigo, Drake. Fuja comigo agora, antes que eles
voltem. Eu cuidarei de você.
— Oh, Emily — ele sussurrou com um estremecimento fugaz e
angustiado.
— Eu já te perdi uma vez. Não posso passar por isso novamente.
— Eles vão te matar — ele sussurrou. — Eles vão matar a nós
dois.
— Não, se formos embora agora. Nós ainda podemos fugir. Você
sabe que nós podemos, você e eu juntos. Será como nos velhos
tempos. Deixe-me cuidar de você, querido. Você está confuso. Eu sei
que você não quer estar aqui.
Ele balançou a cabeça, afastando-se dela em agitação.
— Por que você nunca escuta? Não posso acreditar que você
está aqui. Eu te disse que tenho que fazer isso!
— Mas não é assim. O que quer que pense que está tentando
fazer aqui, você só vai se matar. Eu não posso permitir isso, Drake.
Você abocanhou mais do que pode mastigar dessa vez e precisa
voltar para casa. Seja o que for que James tenha lhe dito, não é aqui
que você pertence.
— Você é a única que não pertence aqui! — Respondeu em um
sussurro feroz, dando um grande passo mais perto. — Como você
pode se colocar em risco dessa maneira? E ainda diz que sou eu o
louco!
— Drake, negar o que passou não vai ajudar você a melhorar.
Você não está bem! Precisa de tempo para se curar. Apenas seja
paciente. Você vai voltar a sua força total a tempo, então talvez...
— Estou de volta à minha força total — ele rosnou.
— Fisicamente, talvez. Mas nós dois sabemos que você não está
pronto para qualquer tipo de missão. Venha para casa comigo. Tem
que me deixar te ajudar. Você sabe que pode confiar em mim. Por
favor, Drake. Vamos escapar agora antes que eles voltem.
— Não.
Ela fez uma pausa, adotando uma nova estratégia.
— Então, você quer me mandar de volta seiscentos quilômetros
sozinha? — Ela perguntou, pois sabia ser tão implacável quanto ele
quando a ocasião pedisse. — Você sabe o quão perigoso é nessas
florestas. Lobos. Ursos. Homens.
Ele estreitou os olhos para ela, bem ciente do que ela estava
tentando fazer.
Ele matou o último homem que a ameaçou.
— Você me faria viajar de volta através de três países
devastados pela guerra? Estou sem dinheiro. Eu não falo a língua.
— É uma maravilha que você tenha chegado tão longe — ele
murmurou. — Você nunca esteve fora do condado.
— Eu te segui — ela disse simplesmente, encolhendo os ombros.
— Você e a James. Achei que tinha quase me visto algumas vezes.
Ele baixou o olhar.
— Eu pensei que estava imaginando. — Então ele balançou a
cabeça para ela. — Por que você fez isso comigo?
— Não com você. Por você. Porque você precisa de mim. — Ela
pegou a mão dele e puxou. – Vamos! Mais tarde conversamos.
Precisamos ir agora mesmo.
Ele permaneceu plantado, embora seus dedos levemente
envolvessem os dela.
— Eu sinto muito, Emily. Não.
— Drake, você não é mais um agente! — Ela sussurrou
exasperada. — A Ordem teme que você os tenha traído!
— Talvez eu tenha. Já pensou nisso?
— Não diga absurdos! Se você se entregar, sei que tudo dará
certo. Eu te garanto. Nós vamos até eles juntos e explicamos que
você cometeu um erro, se equivocou no seu julgamento, pensando
que poderia vir aqui e derrubá-los sozinho...
— Eu não cometi um erro — ele respondeu sombriamente.
Só então, o som de vozes masculinas se aproximando pela
floresta fez Emily respirar fundo.
— Vamos, Drake! Por favor!
— Não! Eu não vou com você. Agora volte para aquela maldita
caverna e se esconda...
— Chega — ela o interrompeu, recorrendo a sua pistola.
Ele arqueou uma sobrancelha quando ela sacou a arma e
apontou para ele.
— Vamos agora.
— O que, você está me levando como refém?
— Vamos, seu idiota! — Ela implorou.
Ele soltou uma risada baixa e cínica.
— Puxe o gatilho, por favor. — Ele abriu a sua camisa, revelando
a parte superior do peito. – É o mesmo. Eu prefiro que você faça isso
do que qualquer outra pessoa.
Ela olhou furiosamente para ele, chamando-a de blefe, mas
agarrou-o pela camisa com a outra mão, preparada para arrastá-lo
fisicamente de volta para a Inglaterra, se fosse necessário.
— Eu o faço por você. Vamos, agora! — Ela ordenou, levando-o
sob a mira da arma. — Não me cause nenhum problema. Caminhe!
Ele estava rindo dela.
— Você vem comigo. Maldito seja, Drake, estou tentando te
salvar!
— O que faz você pensar que eu tenho algum desejo de ser
salvo? — Ele agarrou seu pulso onde sua mão puxava sua camisa. —
Solte-me, Emily. — Ele olhou profundamente em seus olhos e repetiu
em um sussurro significativo: — Deixe-me ir.
— Não — ela respirou fundo, olhando em seus olhos quando ela
balançou a cabeça. — Nunca.
— Eu já disse que é tarde demais para mim. Sei o que estou
fazendo, Emily. Agora vá. Você tem que fazer isso por mim. Nada
valerá a pena se você morrer.
Os olhos dela se encheram de lágrimas.
— Não chore. — Ele tocou o rosto dela melancolicamente. —
Não faça barulho. Apenas volte para aquela caverna e fique fora de
vista. Eles estão vindo. Vá em frente agora. Eu vou tirá-los daqui.
Espere até a nossa partida, então você corre como o inferno por esta
montanha e vai para casa. Você precisa confiar em mim. Diga o
mesmo para Max.
Emily se recusou a se mover.
— Nunca mais será meu lar de novo — ela sufocou. — Eu não
posso deixar você aqui para morrer.
Ele olhou por cima do ombro.
— Se não correr, você vai morrer comigo. É isso que você quer?
— Talvez. É melhor do que voltar sozinha.
Ele pareceu surpreso com a resposta dela, mas ela segurou seu
olhar em desafio. O idiota ainda não sabia como ela se sentia em
relação a ele?
— Não tem ideia no problema em que você se meteu — ele
disse.
— Eu não me importo, não posso deixar que te machuquem de
novo!
— Droga! Eu vou torcer seu pescoço por isso — ele murmurou,
então de repente a agarrou pelo pulso e puxou-a para ele, tirando a
pistola da mão dela e colocando-a na parte de trás da sua cintura. Um
segundo antes que os guardas Prometeos corressem para a clareira
junto ao rio, Drake fez algo que nunca havia feito antes.
Algo que a chocou. Muito.
Ele a pegou em seus braços e a beijou, reivindicando sua boca
com descarada e vigorosa intenção.
Ela ficou chocada demais no começo até para reagir. Afinal de
contas, sua mãe deixara bem claro para ela anos atrás, quando Emily
era uma estranha criança de 15 anos, que isso nunca deveria
acontecer, ou seu pai seria demitido.
Ela tinha feito o seu melhor desde então, nem mesmo deixava
os seus devaneios infantis de beijá-lo brincar em sua mente.
Não que seus esforços sempre tivessem sido bem-sucedidos.
Ela tinha idade suficiente para saber agora que o queria e sentia
que muitas vezes ele havia se afastado justamente porque também
pensava sobre isso.
Mas nenhum de seus devaneios havia imaginado o primeiro beijo
deles acontecendo assim, com uma dúzia de guardas Prometeos
correndo para a clareira e os cercando.
O terror misturou-se à intoxicação: ambos enfraqueceram seus
joelhos. Ela segurou os ombros largos para não cair, tentando seguir
sua liderança.
Drake ignorou completamente os homens e continuou a beijá-la,
a língua em sua boca, os dedos sensualmente apertando seus quadris
enquanto os homens zombavam e gritavam de surpresa ao encontrá-
los assim.
Quando ele finalmente terminou o beijo rude e ousado e soltou-
a, Emily viu estrelas.
— Falso alarme, rapazes — ele falou finalmente, soando um
pouco sem fôlego. Lambeu os lábios e avidamente encarou o seu
olhar atordoado, embora ela notasse sua exasperação ainda fervendo
nas profundezas da meia-noite de seus olhos.
Ela não conseguia desviar o olhar, bastante chocada com ele e
com a potente mistura de medo e miséria em seu sangue.
— O que é isso? — Perguntou um dos guardas em inglês.
— Isso? — Drake lançou ao homem um de seus velhos e
diabólicos sorrisos. — Esta é a minha garota.
— Sua garota? — Eles exclamaram em surpresa cética.
— Sim. Vocês, rapazes, quase atiraram na minha criadinha
favorita. Eu teria ficado muito zangado se algum de vocês tivesse
arranhado o traseiro dela.
Ele deu um tapa na bunda dela, e Emily engasgou de imediato.
Os homens trocaram olhares divertidos e zombeteiros.
— Sua criada, Capitão? — Perguntou um francês, como se não
estivesse em total acordo.
— Ah sim. Ela é muito dedicada aos meu bem-estar — Drake
disse lentamente, com uma insinuação que despertou suas risadas. —
Não é, amor?
Emily não conseguiu responder a princípio, corando e com a
língua presa. Ela sabia que era melhor seguir o jogo, mas estava
completamente fora de si e bastante mortificada.
Acima de tudo, estava aborrecida por sua escolha insultante de
termos para com ela — uma criada, de fato?
A diferença de suas posições sociais tinha sido por muito tempo
um ponto sensível para ela, como ele muito bem sabia, já que era
obviamente o que fizera seus pais considerarem-na indigna de seu
esplêndido filho. Seu lembrete afiado que dava agora, apenas
mostrava o quão furioso ele estava por ela ter vindo aqui.
Absolutamente acreditava que Sua Senhoria acabara de colocá-la em
seu lugar.
Vilão ingrato.
— Eu tinha a sensação de que ela poderia me seguir. Nós temos
feito isso há anos, não é, querida? Desde que ela tinha idade
suficiente para saber o que fazer com um homem. Mas, infelizmente,
ela se viciou, — ele demorou, olhando em seus olhos. — Toda vez
que eu tento colocá-la de lado, ela continua aparecendo de novo.
— Humph — disse Emily, levantando o queixo, meio divertida,
meio ultrajada com a sua fanfarronice, e bem ciente de que havia um
grão de verdade nela.
A indignação ante sua astuta e humilhante ajuda foi o ponta pé
para encontrar sua coragem novamente. Muito bem, ela poderia jogar
tão audaciosamente quanto ele, se isso significasse a diferença entre
a vida e a morte.
— Se eu sou a única viciada, então por que você continua
voltando para mim, milorde? — Ela respondeu com um olhar pedante.
— Boa pergunta —, ele murmurou, olhando para ela em
aprovação luxuriosa. — Você é meu pequeno segredo sujo, não é?
Era isso que a minha mãe temia. Ela agarrou a lapela de seu
casaco preto e se aproximou dele.
— Nós dois sabemos que você precisa de alguém que te atenda.
— E nós dois sabemos o que você precisa, também —, ele
respondeu com um sorriso extremamente perverso. Quando ele
passou as mãos pela sua cintura até os quadris, ela não conseguiu
segurar um suspiro; seus olhos brilharam ligeiramente.
Se amaldiçoou pela névoa de desejo que ele lançou sobre ela,
pois seu amado espião estava apenas fazendo um show para enganar
os outros. Não fique tão animada, disse a si mesma. Isso era apenas
um truque.
Afinal de contas, há muito tempo havia sido estabelecido que o
libertino e selvagem membro do clube inferno, Lorde Westwood,
aceitaria alegremente flertar com qualquer mulher na Inglaterra.
Exceto com ela.
Ela bufou e olhou para longe, corando. Metade dela queria
estrangulá-lo por frustrar seu plano perfeitamente sensato de tirá-lo
daqui, enquanto a outra metade queria que esses espectadores
saíssem para que os dois pudessem terminar o jogo que tinham
acabado de começar, bem aqui no chão da floresta macia.
Seu pulso acelerou quando ele a segurou contra seu corpo
musculoso. Não é de admirar que os homens parecessem acreditar
em sua farsa.
Ela podia sentir o coração de Drake batendo em resposta a ela,
também, e o aumento de volume de suas regiões inferiores contra o
seu umbigo.
— Eu estava começando a pensar que ele não gostava de
mulheres —, um dos soldados murmurou.
— Não, ele só gosta das mulheres erradas — disse Emily com
um insolente olhar de soslaio. — Cuide das suas próprias coisas! De
qualquer maneira eu não vim aqui para você.
Os homens gargalharam com sua impertinência.
— Quem me dera —, outro opinou em voz baixa.
Ela dispensou-os com uma sacudida de cabeça, enquanto Drake
a observava com um sorriso sereno. Ela voltou toda a sua atenção
para ele, passando a mão no peito dele em repreenda divertida.
— Quanto a você, senhor, se não quisesse que eu viesse,
deveria ter sido mais convincente em sua despedida. Foi bastante
inconclusivo, pelo que me lembro.
Drake riu baixinho e capturou seu queixo, levantando o rosto
para o dele.
— Bem, está aqui agora, sua pequena atrevida insolente, então
você pode muito bem entrar. Tenho certeza que posso encontrar
alguns usos para você nas minhas horas vagas.
— O que você quer dizer com “alguns usos” para ela, Capitão?
— O sujeito envelhecido recuou em um tom profissional.
— Bom Deus, Jacques, use sua imaginação — ele retrucou com
uma zombaria. — E você se chama de francês.
Os outros riram.
— Isso não é o que eu quis dizer, como você bem sabe —
Jacques respondeu impaciente. — O que Falkirk vai dizer sobre isso?
Drake deu de ombros, deslizando o braço mais confortavelmente
ao redor da cintura de Emily enquanto inspecionava suas curvas a
uma distância menor.
— Nada, provavelmente. Quaisquer que sejam as modestas
comodidades que eu necessite para o meu conforto pessoal não
interessam ao Conselho.
— Bem, é melhor você perguntar a ele. Ele é quem nos paga,
não você.
— Verdade. Mas fui eu quem os contratou. E eu posso me livrar
de você tão facilmente quanto, não se esqueça disso. Falkirk não me
teria feito chefe de segurança se não confiasse em minha discrição.
Além disso, ela não será um problema, não é querida? — Com um
meio sorriso indulgente, ele deu um tapinha no nariz dela
carinhosamente. — Você promete ser uma boa menina para mim?
Emily conseguiu dar-lhe um sorriso carinhoso, mas seu olhar
ardia em fúria. Agora você está brincando com a sua sorte.
— Sim, milorde.
— Veem?! Ela é muito obediente. — Ele estava deliberadamente
provocando-a.
Apenas me aguarde.
— Ela vai ficar fora do caminho, então não liguem para ela.
Dividirá o quarto comigo — acrescentou Drake. — Dessa forma, vai
estar por perto sempre que eu precisar dela.
O pulso dela acelerou com a quente promessa em seus olhos.
Mas então, um dos soldados mais jovens cometeu o erro de
fazer uma brincadeira inoportuna.
— Eh, eu tenho algumas tarefas em mente que a garota pode
fazer para mim quando você terminar com ela, Capitão.
— Por que você não a repassa por aí quando se cansar? — Um
alemão alto e robusto roncou com um sorriso.
Com o humor desaparecendo, Drake se virou lentamente para os
mercenários, num olhar gelado.
— O que você disse?
O irresponsável rapaz francês começou a repetir, mas Jacques,
mais velho e prudente, o segurou pelo braço. — Cale a boca, Gustave.
Gustave parecia confuso.
— O que? Ah, por favor, ela é apenas uma criada.
— Minha criada. Minha propriedade. — Drake disse algo para
eles em francês que imediatamente silenciaram suas piadas e
murcharam seus sorrisos lupinos.
Emily não entendeu as palavras, mas o grunhido assassino de
Drake era o do macho dominante do bando, alertando seus
subordinados para ficar longe de um pedaço escolhido de carne. Seu
tom de voz combinava com a tensão eriçada em seu corpo, e sua mão
desceu para a arma ao seu lado, como se estivesse bem preparado
para apoiar a repreensão verbal com qualquer grau de violência
necessário.
Ela também ficou tensa, assustada. Abaixou a cabeça.
— Compreendem? — Ele grunhiu.
Os homens murmuraram em concordância, encolhendo-se com o
desafio.
— Bom. — Ele voltou para o inglês para que ela pudesse
entender também, e manteve o braço em volta dos ombros dela, uma
declaração visível de sua proteção, e aparente propriedade. — Então
vamos voltar para o castelo. Retornem aos seus postos e fiquem
alerta. Da próxima vez, pode não ser um alarme falso.
Os homens castigados murmuraram em concordância, seguindo
o segundo em comando, Jacques, para fora do bosque.
Furtivamente, Emily enviou ao seu protetor feroz um olhar
ansioso. Ele ainda estava em uma posição eriçada enquanto os
observava andar à frente, de fato, estava observando cada
movimento deles.
Quando relaxou um pouco, ele olhou para ela com uma pergunta
em seus olhos escuros. Você está bem?
Ela assentiu, mas depois olhou para a fortaleza com dor. Para o
castelo, realmente? Devemos?
— Você só tem que agradecer, — seu sorriso sóbrio respondeu,
mas seus olhos estavam sombrios.
— Vamos. — Ele manteve o braço envolto em seus ombros,
enfatizando sua reivindicação proprietária sobre ela para os outros
soldados, que os alcançaram quando voltaram para a estrada
empoeirada da montanha.
Olhando em volta para todos os mercenários armados que se
encolheram ante Drake, Emily não viu escolha além de seguir adiante
com o teatro. Ele era claramente tudo o que estava entre ela e um
destino indescritível.
Talvez você devesse ter pensado nisso antes, repreendeu a si
mesma, suas emoções em um tumulto furioso com essa reviravolta
inesperada de eventos. Ela estava furiosa com ele por frustrar seu
plano de resgate, e, além disso, seu orgulho ainda sofria de sua
grosseira lembrança de seu status inferior.
Bem, ela pode ser uma criada, mas não era uma "garota". Que
deprimente, que depois de uma vida inteira de devaneios, seu ídolo só
a tinha beijado por causa de uma artimanha.
Sua frustração aumentava a cada passo que tomavam pela
estrada sinuosa em direção à fortaleza prometeica. Maldição, isso não
deveria ter acontecido! Ela não o havia seguido por centenas de
quilômetros e cruzado os Alpes para se juntar ao louco em qualquer
jogo que estivesse jogando.
Se é que fosse um jogo.
Um arrepio percorreu sua espinha na possibilidade mais sombria,
a que ela estava se recusando a considerar.
Talvez ele não viesse se vingar.
O pavor agarrou-a ao pensamento, mas seria possível que o
velho James Falkirk tivesse realmente conseguido transformá-lo, como
temiam os colegas agentes de Drake?
Depois de todos os anos que Drake se dedicou à Ordem,
pareceu completamente contra a razão. Mas a mente era uma coisa
misteriosa e, durante algum tempo, o conde ferido de Westwood
esquecera tudo, até quem ele era.
Se os Prometeos pudessem fazer isso com ele, por que eles não
poderiam persuadi-lo a renunciar à sua antiga vida e se unir ao seu
culto sombrio?
Talvez os meses de tortura o tenham rompido tão
profundamente que o Drake que ela conhecia e amava estivesse
realmente desaparecido, substituído por outra pessoa, como ele
tentara alertá-la na Inglaterra. Um escravo sem mente com todas as
habilidades letais de um agente de primeira ordem. Alguém disposto a
fazer o lance do inimigo sem hesitação.
Alguém mau.
Emily olhou de soslaio para ele... e se questionou.
Capítulo 2
Em alerta, Emily estava determinada a manter os olhos abertos e
a boca fechada até ter uma ideia melhor do que estava acontecendo
por ali, e onde a lealdade de Drake estava no momento.
O castelo de Waldfort se erguia à frente, com suas pedras
volumosas emergindo pelas árvores. Sua poderosa pegada no terreno
montanhoso formava um quadrilátero desigual com torres
pontiagudas nos cantos irregulares.
Os telhados cinza-escuros cobriam as paredes escavadas na
pedra marrom dourada. Tinha uma torre central de formato quadrado
na metade do seu comprimento, mas uma segunda camada cilíndrica
estendia-se em cima fazendo com que ficasse ainda mais perto do
céu. As muitas janelas estreitas da fortaleza brilhavam ao sol.
Abaixo do castelo, bosques verdes abraçavam as paredes; atrás,
montanhas brancas e, acima, um belíssimo céu azul. Não parecia de
modo algum um lugar onde coisas sinistras pudessem acontecer.
Mas as aparências enganam.
Ao se aproximarem da guarita, Emily notou o brasão de armas
gravado no alto da abóbada de berço na entrada da eriçada fortaleza.
Os cabelos de sua nuca se arrepiaram quando viu o símbolo da tocha
no centro da crista — a insígnia favorita dos prometeicos, como Drake
lhe dissera há muito tempo.
Seu coração batia forte enquanto ela caminhava a seu lado sob
a ponte levadiça e através da abertura protegida pelas maciças
paredes externas do castelo.
Uma vez dentro da fortificação, eles passaram por um portão
menor em outro muro defensivo.
Emily levantou a cabeça, embora seu estômago estivesse em
nós. A presença de Drake ao lado dela a ajudou a manter uma
fachada confiante, mas no momento, até ele parecia um estranho.
Talvez tudo isso tenha sido uma péssima ideia. Mas era tarde demais
para voltar atrás quando ela foi escoltada para um pátio com pórticos
no coração da fortaleza.
Drake manteve firmemente sua mão nas costas dela. Mas com
os outros guardas ao redor deles, ainda evitava contato visual com
ela, olhando para frente, com queixo erguido. Algo sobre o conjunto
de seus ombros largos a advertiu que ele estava preparado para lutar
se o momento viesse. Deus! A última coisa que precisava para sua
duvidosa sanidade era se engajar em mais violência. No coração da
fortaleza prometeica, porém, com guardas de todos os lados,
percebeu que o que ele havia dito anteriormente era verdade — um
movimento errado, e ambos poderiam morrer.
Em que demônios estava pensando, entrando assim na toca do
leão? Será que eles a aceitariam ali?
Até onde chegou para ganhar sua confiança?
— Por aqui — disse ele, acompanhando-a pelo pátio interno,
com uma mão firme pressionada contra suas costas.
A maioria dos guardas se separou deles, dividindo-se para voltar
aos seus vários postos. Jacques e outros dois os escoltaram para o
castelo propriamente dito.
Assim que entraram, Emily vacilou, surpreendida por uma súbita
sensação indescritível — com temor, sem palavras — como se ela
tivesse caminhado através de uma parede invisível de maldade ao
entrar neste lugar.
Calafrios percorreram pelos seus braços ante a assustadora
atmosfera dentro do castelo, o estranho, nauseante odor no ar.
O cheiro da morte, corrupção...
— Venha — Drake murmurou.
Se ele notou sua instintiva repulsa, como um cavalo empacando
diante de uma estrada onde o perigo que o cavaleiro não podia ver
espreitava, não deu nenhum sinal.
Ela disse a si mesma que estava sendo boba. A queda súbita de
temperatura era apenas o resultado de terem passado para a área
mais fria da construção.
No entanto, os bondosos camponeses alemães das fazendas
remotas a haviam advertido a não vir ao castelo quando ela tinha
parado para comprar suprimentos e pedir informações. Ela tinha
apenas pegado algumas palavras básicas em sua língua ao longo do
caminho, mas a partir de seus gestos, seus sinais apressados da Cruz,
e o tremor sombrio de suas cabeças, ela percebeu que os habitantes
locais consideravam o Castelo de Waldfort amaldiçoado. “Nein,
fraulein.” Não vá lá. “Sehr gefährlich.” Muito perigoso.
Mas por sua lealdade a Drake, aqui estava. Ela respirou fundo,
endireitou os ombros e entrou.
No térreo, a primeira área em que entraram foi o Salão dos
Guardas, uma sala de jantar ampla e abobadada, comprida e estreita,
com lareiras gigantes nas duas extremidades; tinha um chão de
pedra, paredes caiadas de branco e colunas maciças unidas por arcos
góticos. Não havia muita mobília, apenas uma mesa comprida e
escura com cadeiras de madeira ao redor.
Eles marcharam através dele e saíram do outro lado, entrando
em um corredor mais ricamente adornado.
De repente, uma porta branca se abriu à frente.
De entre os dois guardas à sua frente, Emily avistou um
cavalheiro magro e distinto, que parecia estar na casa dos sessenta,
saindo do recinto. Ele fechou a porta silenciosamente atrás de si e
aproximou-se, magro e elegantemente vestido, com traços patrícios e
uma mecha de cabelo de estanho. No entanto, quando ele se
aproximou, Emily ficou impressionada com o pensamento de que
havia algo estranhamente reptiliano em seu rosto ossudo e olhos frios
e cinzentos.
— Você capturou o intruso? — Ele perguntou a Drake
imediatamente. Assim que falou, ela o reconheceu como um colega
inglês pelo toque de Yorkshire em seu sotaque. — Era alguém da
Ordem? — Acrescentou.
— Er, não exatamente, senhor. — Drake acenou ironicamente
para os guardas se afastarem.
Eles se separaram, revelando Emily no meio deles.
— Bem. — Enquanto o olhar perspicaz e penetrante do velho se
estreitava nela, Emily percebeu que esse era o infame James Falkirk.
O suposto salvador de Drake.
O magnata prometeico era quem finalmente ordenara que Drake
fosse liberto das masmorras, não por uma preocupação particular com
seu bem-estar, é claro, mas apenas como uma mudança de tática, já
que as torturas brutais diárias não estavam produzindo os resultados
desejados.
Quando os outros falharam em quebrar o agente capturado
através da crueldade, Falkirk esperava manipular Drake através da
bondade, prometendo-lhe proteção contra os torturadores, ganhando
sua confiança, tudo em um esforço para trazê-lo para o lado sombrio.
Emily não tinha certeza se deveria encarar o velho com gratidão
ou um ódio ainda mais profundo. É verdade que Falkirk
provavelmente salvara sua vida, mas a confusão de Drake sobre de
que lado ele estava no momento — sua perda, essencialmente, de si
mesmo — era devido a esse velho intrigante e seus jogos mentais.
O olhar frio de Falkirk a sondou.
— E quem poderia ser essa?
Drake limpou a garganta ligeiramente.
— Esta é a garota que eu lhe falei, senhor.
Falkirk arqueou uma sobrancelha prateada para ele.
— De fato? — Ele dispensou Jacques e os outros com um olhar.
Eles se curvaram brevemente e recuaram, deixando os três
sozinhos. Emily esperou tensa, pronta para seguir a encenação de
Drake, como antes.
— Se lembra em Londres, quando fomos confrontados do lado
de fora do Hotel Pulteney? Foi ela quem jogou a pedra naquele
agente da Ordem que nos segurou sob a mira de uma arma e tentou
impedir nossa fuga.
— Ah, sim, sua pequena criada. — Falkirk se virou para encarar
Emily com espanto. — Você quer dizer que essa garota seguiu você
desde Londres?
Emily apertou os lábios. Ela não gostava de ser discutida como
uma peça de mobília.
— Mesmo quando éramos jovens, suas habilidades de
sobrevivência eram impressionantes, senhor. Seu pai era o guarda
caça da minha propriedade. Ele ensinou-a a rastrear animais, a viver
da terra. Foi assim que ela nos encontrou.
— Percorreu toda a Inglaterra... por amar você? — Falkirk riu
baixinho enquanto ele a examinava surpreso. — É um longo caminho
a percorrer por um homem que não pode ter, minha querida.
Suas palavras eram tão casualmente cruéis que poderia
facilmente matá-la. Ela baixou o olhar com um estremecimento mal
disfarçado.
— Eu conheço meu lugar, senhor. E não controlo o que sinto.
Além disso, ele precisa de mim.
Drake limpou a garganta ligeiramente, estudando o chão.
— Quando eu ainda não tinha vinte anos, o dono de uma
propriedade vizinha tentou estuprar a menina. Eu o matei para
protegê-la. Ela tem se dedicado a mim desde então.
— Humm. — Falkirk assentiu lentamente.
Emily olhou para o chão, chocada por dentro, por ele ter dito
isso a Falkirk. Mas parecia que o velho não ficaria satisfeito com nada
menos que a verdade.
— Entendo. Então você o ama, não é?
Emily levantou o queixo e encontrou seu olhar em choque.
Falkirk esperou.
Ela não suportava olhar para Drake.
— Sim senhor.
— E ele ama você?
— Não senhor. Isso não seria adequado — disse ela, quase
inaudível.
— Mas você compartilha sua cama? — Ele cruzou os braços
sobre o peito, estudando-a.
Emily se encolheu com o interrogatório, com a língua
momentaneamente atada, pois Drake nunca a havia tocado até
momentos atrás, na floresta. Mas essa era a história que eles haviam
inventado, e a tensão que ela sentia emanando de seu grande corpo a
fez lembrar-se de mantê-la.
— Garotas ricas podem se dar ao luxo de manter sua moral,
suponho — ela forçou obliquamente.
Falkirk sorriu finalmente em uma cínica aprovação.
— Sim, elas podem — disse ele indulgentemente,
aparentemente bastante entretido. — Qual é o seu nome, então?
— Emily Harper, senhor.
— Humm. Bem, você já se provou para mim, se bem me lembro.
De volta a Londres, foi você quem nos permitiu fugir quando aquele
agente da Ordem nos colocou sob a mira de uma arma.
— Ele ia matar meu senhor — ela murmurou com um aceno de
cabeça para Drake.
— Então, você o salvou, e isso permitiu que ele me salvasse, por
sua vez — disse Falkirk. — Estou em dívida com você.
Emily inclinou a cabeça.
O velho pareceu aceitar a explicação para sua chegada. Drake
falou para ter certeza disso.
— Espero que você não se importe, senhor. Eu não previ que ela
me seguiria, mas não é seguro mandá-la de volta sozinha.
— Não, claro que não. — Ele encolheu os ombros. — Você tem
direito a uma criada, se desejar. Estou um pouco intrigado, é tudo. —
Falkirk estudou-o, intrigado. — Nós lhe oferecemos uma mulher
antes, bem voluptuosa, mas você não queria fazer parte dos flertes
dela ou de sua cortesã.
Drake baixou o olhar.
— Não senhor.
— Agora eu vejo por quê. Uma prostituta adequada não é
exatamente o seu gosto. Você prefere algo um pouco mais...
inocente. Realmente, Westwood, divertindo-se com as criadas — o
velho murmurou divertido, atraindo-o como um satã de voz suave. —
Eu não teria tomado você para o tipo.
Drake sorriu quase intimamente para ele.
— Todos nós temos nossos vícios, senhor. Além disso, ela não é
tão inocente quanto parece.
Os lábios de Falkirk se torceram.
— Muito bem, então. Se você tem certeza de que ela pode ser
confiável. As apostas não poderiam ser maiores, como você sabe.
— Absolutamente.
— Bem, tenha, então, se é essa a sua preferência. Ela é bonita o
suficiente, eu vou te conceder isso. Uma atrativa criatura, debaixo de
toda essa poeira. Limpe-se garota. E depois cuide bem do meu chefe
de segurança. Você pode ser exatamente o que ele precisa.
— Com prazer, milorde. — Emily se aproximou de Drake.
Falkirk olhou cautelosamente de um para o outro, depois
dispensou os dois com um aceno de cabeça, voltando para o recinto
do qual havia saído. Quando a porta se abriu, ela vislumbrou uma sala
de jantar ricamente decorada; um certo número de cavalheiros mais
velhos estava sentado ao redor da mesa, embora nenhum alimento
fosse servido.
Algum tipo de reunião parecia estar em progresso.
Então a porta se fechou e Drake tocou seu cotovelo, acenando
para ela com um olhar cauteloso para acompanhá-lo.
Emily o seguiu, soltando um suspiro de alívio já que pelo menos
tinham pulado um obstáculo.
Eles caminharam, mas sua mente repetia a cena que ela acabara
de testemunhar. Agora que tinha visto Drake e Falkirk juntos, ela
estava ainda mais confusa sobre o que estava acontecendo.
Obviamente, Falkirk salvara a vida de Drake, tirando-o da masmorra,
mas a Ordem sabia que Drake havia salvado a vida de Falkirk, por sua
vez.
Como o segundo mais poderoso de todos os Prometeos, James
Falkirk tinha muitos inimigos; mas ele era um estudioso, não um
guerreiro, e na crescente fragilidade de seus anos, ele tinha que
confiar em homens mais jovens para sua segurança.
Era aí que entrara Drake.
Depois que Falkirk removeu o agente da Ordem da masmorra,
Drake se tornou tão agradecido a ele que, com suas habilidades de
guerreiro, acabou salvando o pescoço de Falkirk em várias ocasiões.
Um vínculo estranho parecia ter se formado entre eles no último
ano ou pelo menos era o que tudo que havia acontecido indicava.
Francamente, Emily ficou impressionada com a influência que
Drake agora parecia ter sobre o velho intrigante. Falkirk certamente
parecia confiar nele. Talvez eles realmente estivessem íntimos. Ou
talvez Drake tivesse jogado alguns jogos mentais de sua autoria em
seu suposto mestre.
Ela não podia esperar até que estivessem sozinhos, para poder
perguntar a ele sobre isso e muito mais.
Indo mais fundo no castelo, ela viu que enquanto o Salão dos
Guardas tinha sido deixado em seu estado medieval, o piso principal e
os aposentos residenciais dos donos tinham sido luxuosamente
reformados no estilo rococó florido do século anterior.
Passaram por grandes salões cheios de dourados e cores
pastéis, móveis de garras com estofamento de veludo, candelabros
ornamentados e lareiras brancas reluzentes. Mas a opulência dos
Salões de Estado apenas aguçava seu senso de algo maligno dentro
de si.
No final do corredor central, Drake conduziu-a por uma grande
escadaria. Eles contornaram o segundo e o terceiro andares, mas no
quarto deixaram as escadas e seguiram por um corredor simples,
onde a decoração mais uma vez abandonou a profusão barroca em
favor do estilo mais antigo: simplicidade forte, rústica e alemã.
Drake conduziu-a pelo corredor, depois parou diante de uma das
portas de madeira arredondadas, muitas delas colocadas em
intervalos regulares. Ela observou o rosto dele incerta, mas ele evitou
o olhar dela enquanto tirava uma chave do bolso do colete preto.
Ele destrancou a porta e abriu-a, revelando um quarto simples
de uma só recamara. Ele acenou para ela para ir na frente.
Emily entrou em seu aposento espartano, olhando ao redor. A
câmara tinha um teto baixo com algumas vigas escuras, pesadas,
expostas e paredes cremosas de gesso ondulado.
À direita da porta havia uma pequena lareira. À esquerda, um
lavabo com um velho espelho manchado de ferrugem acima. Não
havia janelas, mas uma pequena sacada se abria na parede oposta.
Drake tinha deixado as pequenas portas da sacada abertas para
permitir a entrada da luz e do ar fresco da montanha, e a vista dos
Alpes era simplesmente espetacular. Emily foi atraída para ela, mas
então ela parou, notando sua cama bem-feita no canto.
Uma cama.
Engolindo a saliva, ela se virou e olhou para ele.
Ele encostou-se à porta aberta, observando-a em seu quarto
com um olhar semicerrado, e braços cruzados sobre o peito.
— Você pode colocar suas coisas ali. — Ele acenou com a cabeça
em direção à parede, onde seu casaco extra e algumas camisas
estavam penduradas em ganchos para as roupas.
Ela assentiu com a cabeça, consciente de sua censura silenciosa
enquanto atravessava o pequeno, oval e desbotado tapete trançado e
colocou sua bolsa contra a parede.
— Bem! Sinta-se em casa — concluiu com um traço de sarcasmo
em sua voz. — Você ouviu James. Fique neste quarto e mantenha-se
longe de problemas, se isso for possível para você. Eu tenho que
voltar ao meu posto.
Ela se virou para ele quando tirou o manto.
— Você já está saindo?
— Eu não estou de férias, senhorita Harper.
— Senhorita Harper? — Ela olhou para ele em perplexa
desconfiança quando ela colocou o manto sobre o braço. – Se sente
bem?
Sua única resposta foi um olhar gelado.
Ela percebeu que ele estava muito zangado com ela por ter ido
até lá e por se recusar a escapar.
Um impasse.
Ela jogou a capa com raiva na cama dele.
— Bem, por que você não tira isso do seu peito? — disse
rispidamente.
Ele fechou a porta, incapaz de resistir, parecia.
— O que diabos quer que eu diga? — Ele sussurrou duramente.
— Você não tinha por que ter vindo aqui!
— Você acha que eu queria? — Ela sussurrou de volta. —
Arrisquei minha vida para vir aqui para você, e esse é o meu
agradecimento?
— Eu lhe disse para não me seguir. Droga, eu sabia que ia fazer
isso.
— Oh, desculpe. Por que você não coloca uma faca na minha
garganta de novo, seu louco?
Ele estreitou os olhos.
— Eu já pedi desculpas por isso.
— Bem, lamento que você esteja tão infeliz em me ver, mas eu
estou aqui agora, então o que vamos fazer?
Ele balançou a cabeça cansadamente.
— Eu não tenho a menor ideia.
Emily procurou seu rosto.
— Pelo menos me diga se recuperou sua memória. Você teve
aquela dor de cabeça por três dias a última vez que te vi. Lembra-se
do emplastro que fiz para você? O chá de sálvia? Quando entramos na
floresta em sua propriedade, tudo começou a voltar para você. — Ele
apenas olhou para ela, mais teimoso do que uma tropa inteira de
mulas. Emily queria estrangulá-lo. — Tudo bem, eu entendo, você
está com raiva! Acredite em mim, mas não tive escolha. Eu tive que
vir e avisá-lo. Percebe que a Ordem está autorizada a matá-lo? Aquele
agente em Londres, teria atirado em você se não fosse pela minha
excelente pontaria! — Ela jogara uma batata de sua bolsa de
suprimentos no agente. Uma pedra teria sido mais conveniente, mas
ele era um agente da Ordem. Ela não queria machucá-lo, apenas dar
a Drake uma chance de fugir.
Drake estava sacudindo a cabeça para ela.
— Era Jordan, Emily. Eu o conheço desde sempre. Não teria
atirado em mim.
— Ele tinha uma pistola apontada bem entre os seus olhos!
— Esqueça isso. Ouça-me. — Ele agarrou os ombros dela,
inclinando-se um pouco para encarar seu rosto. — Agora você precisa
deixar de vê-lo ou Rotherstone ou qualquer um desses homens.
Esqueça seus nomes. Quero dizer, você deve limpá-los da sua mente.
Qualquer coisa que eu já lhe contei sobre a Ordem ou os Prometeos,
apague-a da sua memória neste exato momento. Você não sabe
nada. Compreende?
— Eu não sei nada — ela repetiu com um aceno de cabeça.
— Fui um tolo por ter revelado essas coisas para você.
— Você era um menino — ela disse suavemente, olhando para
ele. — Estava animado com o seu grande destino.
O lembrete pareceu doer-lhe.
— Você não precisa se preocupar — acrescentou. — Nunca
contei nada a uma alma viva.
— Bom. Porque se as pessoas daqui achassem que poderiam
obter qualquer informação de você, elas iriam... — Ele se deteve com
um olhar abalado, soltou-a e se virou. — Mas eu mesmo te mataria
antes de deixá-los levá-la lá para baixo — ele sussurrou.
Ela congelou.
— Para baixo? Onde?
— Deixa para lá. Apenas fique neste quarto, mantenha a cabeça
baixa e não fale com ninguém. Tudo vai acabar em breve.
— O que você quer dizer com isso?
— Não se preocupe — ele murmurou. — Eu tenho que ir.
Assustada, ela o seguiu em direção à porta.
— Drake, espere.
Ele fez uma pausa, olhando-a de soslaio.
— O que?
Ela andou na frente dele para que não pudesse escapar e olhou
em seus olhos.
— Diga-me a verdadeira razão pela qual você veio aqui.
Ele abriu um meio sorriso.
— Não é da sua conta.
— Por que você escapou de Lorde Rotherstone e voltou para
James? Por favor...
Ele apenas olhou para ela em mudo desafio, seus olhos negros
guardando segredos inescrutáveis.
— Você não pode ter escolhido o Prometeos sobre a Ordem! —
Ela sussurrou.
— Não posso?
Ela balançou a cabeça lentamente, segurando seu olhar
tempestuoso.
— Não. E eu nunca acreditarei nisso. Não você. A Ordem foi toda
a sua vida. Não pode ter se voltado contra seus irmãos e Virgílio. Você
veio aqui para se vingar, não é? — Ela o desafiou em um tom quase
inaudível.
Ele a encarou por um longo momento.
— A vida é dor, Emily. Os Prometeos entendem isso.
— Não. — Ela balançou a cabeça em recusa de suas palavras
grosseiras. — A vida é beleza e luz, Drake. Olhe lá fora. As árvores, as
montanhas, o céu. — Ela tocou sua bochecha com ternura. — Você
não deve desistir. Você conheceu o ódio e o sofrimento como poucos
homens têm, mas também há amor e bondade.
Ele lançou um olhar indiferente para a sacada, como havia
sugerido, depois olhou de novo para ela, cinicamente, de fato, quase
friamente, com pena. E ele segurou sua bochecha, por sua vez.
Por um momento, olhou para os lábios dela, como se lembrasse
de seu beijo de pouco tempo atrás.
Emily queria outro.
— Espero que você sempre mantenha suas ilusões, minha
querida — ele sussurrou. — Elas poderiam ter sobrevivido se você não
tivesse vindo aqui.
Ele começou a passar por ela, mas ela fez uma careta e o
deteve, colocando uma mão teimosa em seu peito e capturando seu
olhar.
Então ela tentou usar o blefe.
— Eu sei o verdadeiro motivo de você estar aqui. Diga o que
quiser. Mas Drake é uma loucura. Há muitos deles, mesmo para você.
— Você acha que eu me importo com o que acontece comigo?
— Ele suspirou.
— Não, mas eu me importo. Não vou deixar você morrer.
— Você não tem escolha. — Ele empurrou-a para o lado,
alcançando a maçaneta da porta, como se não pudesse sair da sala
rápido o suficiente.
Emily se virou, apaixonadamente.
— Isso é o que você realmente veio fazer aqui, não é? Morrer?
— Ela exigiu, sua voz tremendo. — E levar tantos deles para baixo
quanto possível.
Com uma mão na maçaneta, ele soltou uma risada baixa e
cansada.
— O que, uma missão suicida?
Ela assentiu.
— Você ainda acha que eu sou algum tipo de herói.
— Eu sei que você é — ela disse imediatamente do fundo do seu
coração.
— Que tola... — ele murmurou lentamente, olhando para ela. —
Minha cega, linda e pequena tola.
Seu rosto se tornou sombrio, mas ele endureceu quando a
olhava por cima do ombro por uma última vez. "Fique fora do meu
caminho", ele ordenou. Então fechou a porta atrás dele.
Capítulo 3
Drake parou do lado de fora da porta, embora seu coração
estivesse batendo forte, se recusou a dar um centímetro à emoção.
Ele não podia fazê-lo.
Ele a trancou, colocou a chave de volta no bolso e se esforçou
para ignorar o pânico pulsando em suas têmporas. Ele não conseguia
pensar em nada pior do que a presença de Emily aqui. Ela não tinha
ideia no que havia se metido.
Como raios ela tinha chegado até ali viva, ele mal podia
imaginar; mas, claro, o cenário rural teria trabalhado a seu favor. A
filha do guarda caça pode se defender habilmente no mundo da
natureza.
Quando chegava ao mundo dos homens, no entanto, não.
Ela não tinha nenhum conceito do mal que ele enfrentou neste
lugar. Ela nunca havia sido exposta a nada desse tipo. E nem deveria.
Ele olhou para a porta. Podia senti-la do outro lado, mas recuou,
balançando a cabeça ligeiramente.
Ela falava da beleza das árvores e do céu, das montanhas e da
luz, sem saber que ela mesma era a coisa mais bonita do mundo, pelo
menos para ele.
Ele fechou os olhos. Odiando-a por amá-lo. Odiando-se pelo tipo
de beijo que tinha roubado dela pela primeira vez em que seus lábios
haviam se tocado e pelas palavras degradantes que ele tinha falado
sobre ela. Mas a degradação, usando uma mulher, era tudo que as
pessoas aqui entendiam.
Ele tinha que tirá-la daqui.
Assim que fosse seguro.
Encontraria um jeito.
Com um olhar endurecido, girou nos calcanhares e marchou pelo
corredor. Ainda assim, a consciência dela se agarrava a ele como um
espírito brincalhão assombrando-o a cada segundo, provocando-o
com aqueles olhos violeta sobrenaturais. Tentando atraí-lo de volta
para coisas traiçoeiras como a vida e a alegria e toda aquela podridão
inútil que ele havia abandonado há muito tempo. Mas ela realmente
achara que eles estavam separados?
Será que ela não sabia que estivera com ele o tempo todo
naquela cela horrível? Que a lembrança de sua doçura, era a única fio
que o prendia ao que outrora fora bom nele, muito depois que a dor e
o instinto o transformaram em demônio? A única coisa que o impediu
de se tornar algo muito mais monstruoso do que qualquer Prometeos.
Como algum anjo com capacidades curativas vindo consolá-lo,
ela aparecia para ele depois de cada surra, cada corte, cada osso
quebrado. Não podia tocá-la, mas a visão dela tinha sido o suficiente
para mantê-lo vivo. As lembranças do brilho do sol em seus cabelos,
aquelas sardas cujo arranjo ele conhecia tão bem quanto as
constelações.
Os seus carrascos fizeram com que sua mente engolisse muitos
dos detalhes de sua antiga vida como guerreiro da Ordem de São
Miguel Arcanjo. Mas nunca conseguiram fazê-lo esquecer a razão pela
qual lutou para manter-se vivo: Emily e tudo o que ela representava
para ele.
Quando pensava em casa, não pensava na mansão, nos pais ou
nos estábulos senhoriais que eram de dar inveja por todo o condado.
Pensava na filha do guarda caça, perambulando pelos campos de caça
de Westwood Park, selvagem e livre, inocente como uma etérea ninfa
da floresta, intocada pela corrupção do mundo.
Era assim que Drake queria que ela ficasse para sempre. Mas
era tarde demais. Sua devoção cega a ele a atraiu para lá. E depois
do modo como o mal do Prometeos o contagiara, ele tinha uma
sensação terrível e fria em seu estômago de que ela seria sua ruína.
Tinha que tirá-la dali. O mais rápido possível. Não podia se
distrair com ela. Ele desprezava e temia o quão profundamente ela o
atraía. Isso poderia matá-lo neste lugar.
Ele poderia, por algum milagre, ainda ser capaz de salvar a vida
dela — tinha que, ou toda a sua existência teria sido em vão. Mas ele
já sabia que, quando se tratava da inocência cristalina de seu coração,
era apenas uma questão de tempo para que o rompesse. Ela olharia
para o rosto do mal aqui, e ela nunca mais seria a mesma.
Deus sabia que ele já não era.
Reprimiu um estremecimento e desceu as escadas correndo,
descendo a espiral de mármore branco. Com uma expressão severa
no queixo, caminhou em direção à sala de jantar onde o Conselho
estava em sessão, ainda recusando-se a pensar na última vez em que
fora hóspede do Castelo Waldfort.
Não havia ficado no quarto andar, mas sim em um lugar escuro,
mais abaixo. Ele varreu a lembrança de sua mente mais uma vez e
manteve o rosto inexpressivo e frio, com o rastro de sofrimento que
nunca deixava seus olhos.
Aproximando-se da sala de jantar onde James tinha convocado a
reunião, sabia muito bem que por trás daquela porta havia uma sala
cheia de assassinos, cada um deles. Se ele não tivesse penetrado tão
profundamente em sua organização, talvez nunca tivesse acreditado.
Como o resto do mundo, ele teria sido enganado por sua fachada de
banalidade tranquila.
Como cavalheiros podiam ser educados, tomando chá em salas
de visitas aristocráticas, jogando xadrez no clube White ou em outros
clubes para o bem relacionados, passeando em uma tarde de
domingo com seus netos. Mas esses aristocratas tinham um outro
lado, um segredo terrível escondido na verdadeira natureza de quem
eram.
Seus amigos ou qualquer outra pessoa da sociedade teriam
ficado horrorizados ao testemunhar certas cerimônias depravadas,
como aquela na qual recentemente Drake se obrigou a participar. As
velas negras, as vestes encapuzadas, os estranhos cantos antigos
cheios de blasfêmias, o sangue que corria da fenda das gargantas de
animais sacrificados e gotejava dos lugares onde eles se perfuravam
para glorificar as imagens macabras que adoravam.
Seu estranho sistema de crença era baseado em pergaminhos
ocultistas dos Magos encontrados por cavaleiros das cruzadas em uma
caverna no deserto há centenas de anos. Eles o haviam misturado ao
longo dos séculos com muitas outras fontes de conhecimento antigo
oculto, mas essencialmente, seu credo os colocou no centro do
universo e rejeitou toda a autoridade na vida e na terra, exceto a
deles mesmos.
Para eles, Prometeos, o Titã da mitologia grega que havia dado
fogo à humanidade, e Lúcifer, o portador da luz, haviam se tornado
um e o mesmo. Mas na visão deles, Satanás não era o inimigo
monstruoso de Deus e do homem, mas um príncipe rebelde,
injustiçado, poderoso e heroico.
A disposição dos Prometeos de perseguir seus objetivos de
maneira digna do Pai de Mentiras tornou difícil para a Ordem, limitada
pelo código de conduta do cavaleiro, derrotá-los.
Mas Drake não era mais tecnicamente um cavaleiro da Ordem.
Suas mãos não estavam mais atadas por esses nobres ideais.
Chegara a hora de combater o fogo com fogo.
Ele veio para destruir os destruidores, enganar os enganadores,
infiltrar-se nos infiltrados e assassinar os assassinos. Para combater o
mal com o mal puro e negro. Ele não se importava mais com as linhas
que atravessava, pois não tinha mais nada a perder.
Pelo menos, não até Emily aparecer na jogada.
Mas ela não ficará ali por muito tempo. Ele não permitiria, pois
tinha a noção do perigo que ela corria. A própria inocência que a
tornava tão poderosa, um tesouro tão grande para ele, era a mesma
coisa que poderia sentenciá-la a seu destino.
Os Prometeos odiavam o bem onde quer que aparecesse. Eles
não aguentavam estar perto disso. Estavam fascinados por isso, mas
todos os instintos que possuíam os incitavam a destruí-lo. Se eles
percebessem que a jovem beleza virginal era muito mais para ele do
que algum brinquedo sexual servil, estremeceu ao pensar no que
poderiam fazer com ela.
Tinha que dar logo um fim nisso. Deixando-se entrar
discretamente no recinto, Drake retornou ao seu lugar atrás da
cadeira de James.
O velho estava sentado à cabeceira da mesa, pois era ele quem
chamara esse cume secreto dos líderes.
O conde Septimus Glasse, dono do castelo, um alemão forte e
barbudo, olhou com cautela para Drake enquanto este se sentava.
— A violação de segurança foi tratada?
— Sim, meu senhor. Não teve nenhuma importância, apenas
uma criada — acrescentou ele, curvando a cabeça em deferência.
— Sua criada, nós ouvimos.
— Sim senhor.
— Isso é bastante peculiar.
Drake apenas olhou para ele.
— James, tem certeza de que podemos confiar em seu chefe de
segurança? — Perguntou o cardeal de pele azeitonada, seu
representante em Roma. — Afinal, ele já foi numerado entre os
inimigos.
— Drake é um de nós agora, Antônio — respondeu ele. — Ele
provou sua lealdade salvando minha vida em numerosas ocasiões.
Certamente, não pode parecer tão chocante para você que mesmo
um ex-agente da Ordem possa finalmente perceber que a nossa visão
é melhor para a Humanidade, não a deles. Além disso, senhores —
acrescentou James em ligeira diversão —, não há maior zelote que
um convertido. Vá em frente, Drake. Conte a eles sobre o nosso
credo.
— Com prazer, senhor. — Ele ficou de pé, com as mãos
frouxamente cruzadas atrás das costas, o queixo alto. — A
humanidade é básica e selvagem, meus senhores, bárbara, estúpida e
cruel. Para seu próprio bem, deve ser domesticada, administrada por
aqueles que humildemente buscaram e adquiriram a verdadeira
iluminação. Se o homem não se submeter à razão ou à justa
autoridade dos iluminados, então sua vontade deve ser quebrada
primeiro, através da força.
O general austríaco que servia como conselheiro corrupto dos
Habsburgos deu uma risada baixa.
— Não poderia ter dito melhor.
James sorriu com orgulho de seu aluno.
— Vá em frente, garoto. O que você me diz de Deus? — Ele
encorajou-o.
— Se a criatura vil, o homem, é de fato feita à imagem de Deus,
então esta é uma divindade infantil e tirânica a quem nenhum homem
em sã razão deve sua lealdade — Drake respondeu. — Se Deus
existe, ele é nosso inimigo, pois foi ele quem nos deu a vida, e a vida
é apenas dor. Tudo o mais é uma ilusão.
— Você fala sobre a dor com alguma autoridade, monsieur —
disse suavemente o duque francês, girando o conhaque em sua taça.
Os Prometeos o situaram bem, antecipando a chance da queda
de Napoleão. O duque francês tinha ido para o exílio com o rei Louis
como amigo leal durante o reinado de Napoleão, mas agora que o
pequeno imperador foi preso em Elba, os Prometeos já tinham
plantado seu homem perto do trono dos Bourbon.
— Sim, Sua Graça — Drake respondeu sua pergunta em uma voz
monótona e baixa. – Foi através da dor que eu mesmo entendi a
verdade.
— Diga-me — Septimus Glasse falou novamente. — Você se
ressente do seu tratamento em nossas mãos, inglês?
— Não, senhor, agradeço. Agora o resto da minha vida não será
desperdiçado na loucura das mentiras e ilusões da Ordem. Melhor
sofrer e ver a verdade do que permanecer cego.
— De fato — o cardeal murmurou. — Eu imagino que com todas
as armas que a Ordem deve ter dado a você, seria maravilhoso trazer
mais convertidos para nós.
— Sim, senhor, acredito que sim. Se eu for encontrado digno
desse privilégio.
— E quanto à sua vida anterior como agente do inimigo? —
Prosseguiu o general austríaco.
— Lembro-me muito pouco disso, senhor.
— E o que lembrou, ele confiou a mim — respondeu James —
para ser usado a meu critério, no momento apropriado.
Glasse encolheu os ombros.
— Obviamente, ele é um membro valioso.
James assentiu.
— Sua perspectiva será crucial em nossa busca para derrotar a
Ordem de uma vez por todas.
— A menos que tudo isso seja um truque — o romancista russo
entrou na conversa. Os livros e peças do escritor de alto nascimento
encantaram o jovem e impressionável czar.
— Eu não sou tão corajoso, senhor. — Drake olhou para ele,
permitindo que o líder da moda dos círculos intelectuais russos
olhasse em seus olhos, como se quisesse sondar seus motivos,
entediante em sua alma.
— Você vê? — James murmurou orgulhosamente em
comprimento. — Eu disse, meus amigos, seria um desperdício matá-
lo. Drake está no verdadeiro caminho agora. Além disso, se meu
guarda-costas comprovou sua lealdade a mim, ninguém mais tem
motivo para questioná-lo.
— Muito bem, velho amigo — Glasse murmurou para James. —
Se você está satisfeito, então nós também estamos, é claro.
O cardeal encolheu os ombros em concordância.
— Melhor que ele seja para nós do que contra nós.
— Precisamente.
— Então, diga-nos, Falkirk, por que você chamou esta reunião
do Conselho? — Perguntou o general austríaco. — Você indicou que
era uma questão de extrema importância.
— Ah, mas estamos sentindo falta de alguém — o duque francês
interveio com um sorriso fraco e astuto.
— De fato — James respondeu com uma risada baixa. — Sem
dúvida, todos vocês devem estar se perguntando por que Malcolm
não está aqui. — James olhou para eles por um longo momento.
Enquanto isso, de forma sutil, a mão de Drake se aproximou do
cabo de sua arma. Se alguém se opusesse ao esquema de James, ele
estaria pronto.
— A verdade é — admitiu James, olhando em volta para ele —
nosso querido líder Malcolm não foi convidado. Eu não senti que ele
estava pronto para ver a maravilha que eu tenho para mostrar para
vocês, meus amigos. Drake, a caixa, por favor.
Drake deu um passo para trás, virou-se e pegou a antiga arca de
madeira onde ficava o aparador próximo e a colocou na mesa. Então,
olhou para James com ar questionador. O velho assentiu e Drake
obedientemente abriu a caixa.
James se levantou, inclinando a caixa para que os outros
pudessem ver o interior.
— Eis aqui senhores. Os pergaminhos perdidos de Valeriana, o
Alquimista, o maior de nossos antepassados.
— Os Pergaminhos do Alquimista! — Exclamaram os homens,
levantando-se de seus assentos para se aproximarem, olhando para
os documentos medievais amarelados.
— São estes verdadeiramente os autênticos...?
— Mas onde demônios você os encontrou?
— É um tesouro, há alguma coisa nesses pergaminhos para nos
ajudar agora?
— Muitas. — James olhou em volta sobriamente para eles, e os
homens se acomodaram em seus assentos, maravilhados. —
Senhores, permitam-me ser franco. O atual chefe do Conselho falhou-
nos. Seriamente. Nós devemos enfrentar os fatos. Malcolm não presta
mais que o serviço dos lábios aos velhos deuses. Ele acha que a
sabedoria sombria não é mais do que contos de fadas. Ele zomba dos
príncipes do ar e dos poderes invisíveis deste mundo, as mesmas
forças que sustentaram Valeriana e inspiraram nossos antepassados
desde a Idade Média. — James colocou as mãos na mesa e olhou
para eles. — Se o nosso chamado líder fosse realmente um de nós,
não teríamos nos deparado com nosso recente fracasso amargo. Olhe
para a oportunidade inestimável que ele deixou escapar pelos nossos
dedos. O império de Napoleão nos deu a nossa maior oportunidade
desde Carlos Magno para reunir todos os povos da Europa como um
só. Pense na chance que se foi. Uma língua, uma moeda, sem mais
guerras, sem mais fome. Quem pode dizer? Com o tempo,
poderíamos ter estendido nosso domínio através do Mediterrâneo
para ultrapassar o Império Otomano, e através da água, também,
para as Américas. Por décadas nós trabalhamos, gastamos imensas
fortunas inserindo nossos fiéis em toda corte real, pacientemente,
com cuidado, esperando pelo nosso momento. E então veio. Na
pessoa do brilhante Napoleão Bonaparte, uma ferramenta perfeita
que nos foi operada pelas mãos dos deuses. Éramos úteis para ele,
mas ele era ainda mais útil para nós, mesmo sem saber. Nós apenas
deixamos que ele continuasse conquistando países, ajudando-o onde
podíamos, e continuamos colocando nosso povo em altos postos em
todo o seu crescente império. Ele não tinha filho. Isso significava que
só precisávamos esperar que ele morresse. Então tudo que ele havia
construído, o mundo inteiro, talvez, teria caído naturalmente,
facilmente em nossas mãos como uma ameixa madura. Que passo
nós ignoramos? — James perguntou com raiva. — Nenhum. Que
preço nós negamos a pagar para trazer nossa visão sobre a terra?
Nós demos tudo de nós, até a última gota de sangue daquilo que era
mais precioso para nós. Nós estávamos tão perto! Mas tudo
desmoronou. Por quê? Por que, eu pergunto a vocês? — Ele exigiu.
— Er... por causa da Ordem — o francês murmurou.
— Não. Seria bom pensar assim — James disparou de volta —
mas a culpa, eu temo, está mais perto de casa. O inimigo não poderia
ter nos vencido se não tivéssemos escolhido um líder que zombasse
dos deuses. Esse idiota irresponsável, Malcolm, jogou fora a chance
de estabelecer nosso sonho de uma nova ordem no mundo apenas
para cumprir sua própria ganância.
— Estas são palavras perigosas, James — avisou Septimus com
suavidade.
— Ainda assim, devo falar-lhes que nossa irmandade deve se
erguer novamente. Estes são os fatos. Napoleão está caído. Nossa
chance está perdida. Não virá novamente em nossas vidas, talvez não
por um século ou mais e a falha deve ser colocada aos pés de
Malcolm. Mas ele ainda continua como chefe do Conselho? Como isso
pode ser?
Eles ficaram em silêncio, ponderando seus pontos.
James sacudiu a cabeça.
— Eu não posso mais ficar em silêncio. Não depois de todo o
sangue que derramamos, os riscos que corremos. Os sacrifícios que
cada um de nós fez — ele os lembrou amargamente enquanto
examinava seus rostos.
Os líderes do Prometeos baixaram seus olhares, abaixando a
cabeça com expressões doloridas enquanto James olhava para cada
um deles.
— Nós demos como Malcolm nunca deu. Vocês sabem o que
minhas palavras significam — acrescentou sombriamente. — Não é de
admirar que tudo tenha sido em vão. Nosso próprio líder recusou aos
deuses o sacrifício deles. Nós nos separamos do que nós amamos e
assistimos Niall crescer de um menino mimado em um homem
perigoso e mal-humorado. A verdade é que — continuou James —
Malcolm teve todos nós em seu jogo. Ele se considera acima de
nossas regras e de nossos "modos estranhos", embora eles servissem
aos nossos ancestrais desde as Cruzadas. Não, ele é moderno demais
para todo esse “lixo medieval” — disse James amargamente. — Mas
agora vejam o que sua esperteza nos trouxe. Falha. Destruição. — Ele
encolheu os ombros. — Nós somos aqueles que o escolheram para o
nosso líder. Um homem sem visão. Um homem que acredita em nada.
Eu odeio dizer isso, mas temo que temos o que merecemos.
— Ele está certo —, o romancista falou. — Nós trouxemos isso
para nós mesmos.
James enviou-lhe um aceno de agradecimento pelo apoio.
— Se Malcolm Banks continuar no poder, na minha opinião,
poderíamos desistir. Suas decisões tolas como chefe do Conselho nos
deram a derrota quando a vitória estava ao nosso alcance. Ele provou
que não merece sentar-se na cadeira principal. Removê-lo é nossa
única esperança. — Ele olhou para eles. — Acredite em mim, irmãos,
nossa chance virá novamente, um dia. Podemos não estar vivos para
ver isso; pode levar duzentos anos. Mas a descoberta dos
Pergaminhos do Alquimista depois de todos os séculos em que
estiveram perdidos é um sinal de nosso Pai sombrio para não
desanimar, para não desistir da luta. Com o conhecimento oculto que
Valeriana transmitiu nesses escritos, marque minhas palavras, nos
levantaremos novamente para erguer a tocha da verdade para toda
uma nova geração. Mas primeiro, o responsável por nosso fracasso
deve ser punido. Agora é a hora de atacar.
— Por que agora? — Perguntou o austríaco.
— A facção de Malcolm está enfraquecida no momento —
respondeu James. — Você pode ter ouvido que seu assassino de
estimação, Dresden Bloodwell, foi morto em Londres por um agente
da Ordem há algumas semanas.
— E o filho de Malcolm?
— Sim, onde está Niall?
— Engraçado você perguntar. — James lançou um sorriso sábio
para Drake. — Senhores, pode assustar o que estão prestes a ouvir...
a notícia mais desconcertante... Malcolm enviou seu filho para me
matar enquanto eu estava em Londres.
— O que?
— Para matar você? — Exclamaram, previsivelmente indignados.
— Você, James? Mas você é um dos nossos líderes mais
reverenciados!
— Obviamente, ele o vê como uma ameaça — o russo
murmurou.
James hesitou com um olhar sombrio.
— A verdade é que eu não acredito que ele quisesse parar com
a minha morte. Parece que Malcolm não deseja mais responder ao
Conselho. Eu acho que ele decidiu que pode se dar bem sem nós.
— O que exatamente você quer dizer? — O duque francês
exigiu.
— Eu estou dizendo que Malcolm pretende governar sozinho...
ele e seu filho. E logo virá atrás de nós se não o eliminarmos primeiro.
— Ele realmente faria isso agora? — O cardeal murmurou no
silêncio ameaçador que caíra sobre a sala.
— Por que não? Ele não tem mais nada a perder. — James
encolheu os ombros. — Ele sabe que não confiamos mais nele depois
de seu fracasso como nosso líder. O ataque contra a minha vida foi
apenas o começo. Depois de me tirar do caminho, tenho certeza de
que ele planejara enviar Niall e seus bandidos atrás do resto de vocês.
A sala ficou em silêncio enquanto os membros do Conselho
ponderavam sobre essas revelações perturbadoras.
— Não se esqueçam, da última reunião do Conselho — James
lembrou — Malcolm tentou fazer de nós um bode expiatório por sua
incompetência. Lembram? Ele ordenou que Niall espancasse Rupert
Tavistock bem na frente de nós. Certamente que isso fora uma
advertência para todos nós.
O marechal de campo balançou a cabeça, maravilhado.
— Eu não posso acreditar que ele enviou seu filho para matá-lo.
— Felizmente, Drake estava por perto para me proteger —
respondeu James.
— Então ... — O francês se aproximou. — Niall está morto?
— Não — James respondeu judiciosamente. — Ele foi capturado
pela Ordem. Basta dizer que Niall não será mais um problema. Duvido
que algum de nós tenha notícias de Junior novamente.
A maioria deles parecia satisfeita com essa notícia, embora
alguns parecessem um pouco abalados por tudo isso.
— Malcolm sabe que a Ordem tem seu filho? — Perguntou o
cardeal.
— Eu não acredito que saiba. Mas não demorará muito para ele
começar a se perguntar por que não teve notícias e por que Niall não
voltou de Londres. É por isso que convoquei este encontro em tão
pouco tempo, e agradeço a todos vocês que chegaram aqui tão
rapidamente. Espero que não tenha sido inconveniente. Septimus teve
a gentileza de oferecer sua hospitalidade aqui em Waldfort, e a
localização parecia central o suficiente para que todos pudessem
chegar com relativa facilidade.
Glasse fez um gesto educado de boas-vindas.
— Então, aqui estamos nós — disse James, colocando as mãos
sobre a mesa diante dele, — e o tempo é essencial. Devemos decidir
o que pretendemos fazer e, se vamos agir, devemos agir rapidamente
para pegar Malcolm de surpresa. Eu não lhe daria tempo para
organizar suas forças contra nós. No momento, ele ainda não
percebeu nada de errado, mas duvido que tenhamos mais de quinze
dias.
— Vamos votar, então, e acabar com isso — disse Glasse,
impaciente. — Aqueles a favor de manter Malcolm como chefe do
Conselho, digam sim.
A câmara estava perfeitamente silenciosa.
— Aqueles que se opõem à sua liderança?
Mãos levantadas ao redor da mesa.
Foi unânime.
— Muito bem, então — disse James severamente. — Malcolm é
por este meio deposto como chefe do Conselho. Vamos começar a
considerar nossos planos de como agir contra ele de uma vez.
— Mas quem vai assumir o papel de nosso novo líder enquanto
isso? — Glasse interrompeu.
Drake estava bem ciente de que Falkirk e seu velho amigo, seu
anfitrião, o conde alemão, haviam combinado previamente entre si
para que essa pergunta fosse feita no momento crucial.
— Alguém tem que assumir a responsabilidade como o próximo
chefe do Conselho — acrescentou Glasse.
Todos eles olharam para James.
— Deve ser você, James, sim — vários deles murmuraram.
— Eu, meus senhores? — Ele parecia genuinamente chocado,
mas é claro que esse era o plano desde o começo.
— Vamos votar de novo — insistiu Glasse, levantando-se da
cadeira, o primeiro a levantar a mão. — Aqueles a favor de James
Falkirk como o próximo chefe do Conselho?
— Sim! — Os outros concordaram antes mesmo de ele terminar
de falar as palavras.
James pareceu oprimido.
— Eu não busco isso, meus irmãos.
— É por isso que você é o antídoto perfeito para o interesse
pessoal de Malcolm — assegurou o cardeal.
O velho balançou a cabeça.
— Não sei o que dizer, senhores. Eu sou apenas um velho
estudioso.
— Diga que você aceita — o autor russo respondeu com um
sorriso.
— Bem, é claro, vou servir em qualquer capacidade que seja
necessária — ele disse modestamente.
— Todo mundo o conhece, James. Todo mundo confia em você.
Você nos deu todos seus sábios conselhos em um ponto ou outro ao
longo dos anos. Se Malcolm tivesse escutado você em primeiro lugar,
o resultado com Napoleão poderia ter sido muito diferente.
James parecia conter a emoção profunda.
— Verdadeiramente, eu estou honrado por sua fé em mim, e eu
juro a vocês em minha vida que eu defenderei o credo e farei meu
melhor para trazer as metas que nossos antepassados estabeleceram
há muito tempo.
— Então, por onde começamos? — O duque francês perguntou,
quando James afundou em seu assento.
— Bem, — disse James com um suspiro sábio e cansado seguido
por uma pausa pensativa. — Parece-me que precisamos fazer um
novo começo, limpar a lousa. Um novo começo antes de partirmos
para a próxima etapa da nossa longa jornada através dos tempos. A
Ordem dizimou nossas fileiras durante a queda de Napoleão, e os que
ficaram estão profundamente desanimados. — Ele puxou a caixa com
os pergaminhos para mais perto. — Eu digo que nós reunimos todos
eles aqui e lhes damos algo para restaurar a sua fé na missão.
— Como o quê? — Perguntou o russo.
James acariciou a caixa de madeira com carinho.
— Enquanto estudava os Pergaminhos do Alquimista, me deparei
com uma cerimônia magnífica, perdida para nós todos nesses
séculos... um ritual de renovação que Valerian planejou
cuidadosamente para um momento de derrota como o que
enfrentamos agora. Vocês conhecem a perseguição que nossos
antepassados enfrentaram em seus dias.
— Sim.
— Ele chamou isso de ritual de renascimento, a ser realizado no
eclipse lunar.
— Então, é por isso que você queria que viéssemos agora — o
francês murmurou com um sorriso melancólico. — Há um eclipse da
lua em cerca de quinze dias, não é?
James assentiu com um sorriso enigmático.
— O passado deve ser purgado, a escuridão completamente
abraçada antes que a luz possa se romper novamente. Depois de tudo
que passamos digamos... derrota total, esta é a oportunidade perfeita
para reunir nossos remanescentes dispersos, todos os nossos pobres
crentes vacilantes e enchê-los novamente com fogo. Se alguma vez
precisávamos nos unir, renovar nossos votos para o pai das trevas e
oferecer sacrifícios à medida que invocamos sua ajuda e favor, agora
é a hora — concluiu James.
— Que sacrifício esse ritual exige? — O cardeal murmurou
enquanto os outros concordavam com a cabeça.
James olhou para ele, em silêncio por um momento.
— Somente o mais alto é aceitável para esta cerimônia. Ele pede
o sangue de uma virgem, pura de coração.
Nada que os Prometeos fizessem poderia surpreender Drake
mais, porém as palavras o atingiram com horror de uma faca no
intestino.
O inocente sorriso de Emily passou por sua mente.
A resposta, entretanto, atraiu o cinismo do duque francês.
— Er, e ainda há alguma dessas na terra, eu pergunto-me?
— Haveria se você não tivesse seduzido todas elas — brincou o
russo.
— Nunca tema, meus irmãos. — James fechou a caixa de
pergaminhos com um sorriso sereno. — O pai das trevas proverá. E
quando tal sangue fluir e nossa força for renovada, então partiremos
para a reconstrução, como sempre fizemos. A Ordem nos derrotou da
última vez, mas agora também temos uma arma secreta contra eles
— disse James, com um aceno de cabeça por cima do ombro para
Drake. — Enquanto isso, devemos enviar para todos os nossos
crentes, convites para que eles possam chegar aqui a tempo do
eclipse. Além disso, vou começar a preparar um contingente para lidar
com Malcolm.
Os homens estavam quietos, absorvendo tudo isso.
— Pelo menos a ganância do escocês deixou nossos cofres
cheios — James acrescentou secamente. — Vamos precisar de todo o
nosso ouro para restabelecer nossa influência nos tribunais reais. Os
reis são bastante fáceis, tolos inatos, mas cortejar cortesãos e
subornar políticos, é que, meus amigos, pode resultar caro.
Eles riram de sua brincadeira, então Glasse propôs um brinde ao
novo chefe do Conselho Prometeos. James aceitou a homenagem com
um aceno modesto.
Drake, enquanto isso, ficou tenso, com um nó doentio no
estômago e apenas um pensamento em sua mente. Graças a Deus,
ele teve a visão de criar desde o início a impressão de que Emily não
era nada além de sua própria prostituta.
Capítulo 4
Depois de limpar-se, como James Falkirk sugerira com altivez, da
suas semanas de caminhada pelos Alpes, Emily lavou as roupas no
lavatório, ocupou-se em lubrificar as botas, afiando a faca, verificando
a corda do arco e depois, quando não havia mais nada a fazer,
andando de um lado para o outro no quarto de Drake, começou a
sentir-se como um animal enjaulado.
Nada disso deveria ter acontecido. Drake deveria ter caído em si
e fugido com ela. Em vez disso, ela estava presa, e ainda não tinha
certeza se ele estava louco ou não.
Suas palavras mais cedo ainda a gelavam. Vida é dor. Isso não é
um bom presságio!
Se ele está em uma missão suicida, ela teria que detê-lo. Mas
como? Ele nem sequer disse a ela de que lado estava.
Ela estava começando a se sentir muito feliz por ter tido a ideia
de escrever para Lorde Rotherstone depois de rastrear Drake para o
norte da capital bávara de Munique e antes de voltar para tentar
resgatá-lo.
Ela ficara angustiada com a possibilidade de correr o risco, mas
agora estava muito feliz por ter enviado o mensageiro da pitoresca
cidade alemã, embora tenha lhe custado o resto do seu dinheiro.
Não havia garantias de que sua mensagem chegaria ao velho
amigo de Drake em Londres, nem poderia dizer quanto tempo levaria
para chegar ao marquês.
Ela também não podia prever a reação da Ordem quando
recebesse a notícia.
Sua escolha de dar aos ex-colegas de Drake essa informação
poderia custar caro se as coisas continuassem tão erradas quanto no
início do dia. Afinal, Drake agora era oficialmente considerado um
agente desonesto. Seus irmãos guerreiros tinham instruções para
atirar nele antes de revelar os segredos da Ordem aos Prometeos.
Mas Emily tinha que acreditar que a lealdade pelo menos os
obrigaria a dar a Drake uma chance de se explicar antes que
tentassem derrubá-lo como um lobo raivoso.
Afinal, eles eram amigos desde que eram meninos.
De volta à Inglaterra, ela tinha visto em primeira mão o quanto
Max, Lorde Rotherstone, cuidara do amigo ferido, e como um irmão,
tentara ajudar Drake a recuperar sua memória.
Quaisquer que fossem os comandos que recebessem de seus
superiores, Emily não acreditava que seus irmãos guerreiros
pudessem apertar o gatilho contra um dos seus. Certamente seus
amigos não podiam desistir dele. E quando Drake lhes informar que
tinha vindo por vingança, eles entenderiam.
Talvez chegassem a tempo de ajudar.
Agora, no entanto, ela estava começando a ter dúvidas.
Se Drake estava aqui para se vingar desses demônios, então por
que ele simplesmente não admite isso?
Ele não confiava nela para guardar seus segredos?
Ou ela estava simplesmente se enganando, recusando-se a
encarar o que estava bem na sua frente — que Drake realmente
abandonara toda sanidade para abraçar seu novo e distorcido credo?
Ele era bom ou mal? Ele havia se tornado um verdadeiro prometeico?
Emily precisava de respostas, quanto mais cedo melhor.
Então, naturalmente ela vasculhou seu quarto enquanto ele
estava fora, procurando por quaisquer pistas que pudessem revelar
seus verdadeiros motivos.
Revirou seus pertences, abrindo as mesmas gavetas de onde
pegara emprestada uma de suas camisas, vasculhando suas roupas e
sapatos, sua extensa coleção de armas e seu arsenal pessoal de
munição, procurando por qualquer coisa que pudesse ter escondido
na quarto que pudesse lhe dar uma pista do que estava passando por
sua cabeça.
Mas o ex-agente da Ordem cobria seus rastros muito bem,
deixando-a sem nenhuma maneira de confirmar ou negar seus
medos. Ela leu todas as páginas de suas notas quase ilegíveis no
pequeno diário que ele mantinha sobre suas atividades como chefe de
segurança de James.
Foi assim que ela descobriu que Drake havia contratado a
maioria dos guardas vestidos de preto em Paris, em nome de James.
Eles eram um grupo mercenário de veteranos de guerra do exército
de Napoleão, de um regimento misto composto de homens de
diferentes áreas onde os recrutas eram exigidos como o imperador
deveria. A maioria era francesa, mas algumas eram alemãs, outras
italianas. Um era belga.
Agora guerreavam por dinheiro e o mais velho, Jacques, era o
seu sargento.
Emily guardou suas anotações frustrada, insegura se Drake
ainda era a pessoa que ela conhecia e amava desde a infância ou se
ele havia se resignado à escuridão.
Depois de tudo o que ele passou, não poderia culpá-lo, em certo
sentido. Mas se ele tivesse começado a se bandear para o lado negro,
o que isso significava para ela, dividindo essa pequena recamara com
ele?
A noite já estava caindo quando ela guardou rapidamente as
coisas dele depois de toda a sua espionagem. Ela acendeu duas velas,
começando a se perguntar se tinha cometido um sério erro de cálculo
ao ter parado naquele castelo.
Então seus pensamentos foram interrompidos quando um
barulho metálico na fechadura da porta de ferro anunciou seu
retorno.
Ainda sem saber se ele era totalmente amigo ou inimigo, ela
estava dividida entre alívio e trepidação quando a porta se abriu e ele
entrou, alto, sombrio e perigoso.
Muito perigoso, ainda mais se ele tivesse más intenções.
Não sorria enquanto fechava a porta atrás de si, carregando
uma bandeja de comida com um prato coberto e uma caneca de
cerveja. Quando dirigiu seu olhar para ela, a sobressaltou fazendo-a
cruzar os braços sobre o peito nervosamente.
Mantendo a distância, ela o observou cruzar o quarto em direção
à cômoda, onde pousou a bandeja.
— O que é isso? — Ela perguntou, seguindo-o a uma distância
cautelosa.
— Sua ceia.
— Oh. Isso é tudo para mim? — Ela ofereceu um sorriso
cauteloso. — E você?
— Eu já comi no Salão dos Guardas.
— Ah... — Ela se aproximou da cômoda, espiou a caneca de
cerveja alemã que ele lhe trouxera e depois espiou por baixo da
tampa do prato quente. — Cheira bem.
De repente notou que ele encarava o peito dela. Ela recuou, com
os olhos arregalados, segurando a camisa branca de linho contra a
garganta.
Ele deu-lhe uma carranca ociosa.
— Você pegou minha última camisa limpa.
— Oh. Certo. — Ela percebeu, nervosa, que ele não estava
olhando para o corpo dela. Ele só estava olhando para a camisa. —
Desculpa. Foi tudo o que pude encontrar. Eu vou devolvê-la assim
que minhas roupas estiverem secas.
Ele deu de ombros e se virou.
— Não se preocupe com isso. Fica melhor em você do que em
mim. — Então ele apontou para a bandeja. — Coma. Você deve estar
faminta.
— Estou com um pouco de fome sim... — Quando ele se virou,
Emily removeu a tampa do prato, em seguida, olhou para ele. — O
que é isso?
Drake estava tirando o casaco.
— Culinária bávara — disse ele secamente.
Ela franziu a testa, estudando a comida desconhecida. O prato
continha uma salsicha branca pálida com uma gota de mostarda ao
lado, uma pequena pilha de repolho vermelho em conserva e...
— O que é isso?
— Bolinhos de batata — a informou divertido. — Vá em frente,
você vai gostar... Prove pelo menos, afinal foi o que pude conseguir
de comida para hoje.
Ela ergueu as sobrancelhas brevemente enquanto partia um
pedaço do bolinho de batata com o garfo.
— Então, o que você tem feito o dia todo?
— Meu trabalho.
— E qual é o seu trabalho exatamente? Proteger a James?
Ele assentiu, desafivelando o cinto de armas pendurado em sua
cintura magra.
Ela balançou a cabeça, fingindo um ar casual, quando na
verdade estava ferozmente determinada a tirar qualquer pedaço de
informação que pudesse.
— Eu não posso acreditar que você o está ajudando — ela
comentou em um tom ocioso.
Ele apenas olhou para ela.
Ela colocou a garfada de comida em sua boca.
Então ele baixou o olhar com desdém, pendurando o cinturão de
armas em uma estaca e desabotoando o colete.
Emily deu uma mordida na salsicha, descendo o pedaço com um
gole de cerveja.
— Isso é bom. Foi gentil da sua parte pensar em mim.
Ante o seu insolente encolher de ombros, fingiu indiferença, mas
sorriu alegremente quando ele se aproximou e tomou um gole do
caneco depois que ela o tinha colocado no chão.
— Bem, você deve admitir, é um pouco estranho, um conde
trabalhando como guarda-costas — ela o pressionou, enquanto
perseguia o repolho com o garfo e o levava à boca acompanhado de
um pedação de pão negro.
Ele a olhou cautelosamente, jogando o colete sobre a cadeira,
permanecendo com a boca tão fechada quanto a um túmulo.
— Por que você se importa tanto com o que acontece com esse
velho? — Ela perguntou.
— Eu já disse. Ele salvou minha vida.
— E você salvou a dele, o que significa que a dívida está paga.
Então, por que não me diz por que está aqui?
— Cuide da sua vida, Emily. — Ele se virou, levantando a camisa
sobre a cabeça.
Levantando o garfo até a boca, ela ficou imóvel ao ver sua
musculosa beleza masculina. Sua carne macia brilhava com vitalidade
calorosa à luz das velas.
Emily baixou o garfo novamente atordoada. Por Deus! Ela não
tinha visto Drake sem a camisa desde que era um menino magro de
dez anos brincando no jardim de sua casa.
Bom Deus, ele era todo um homem agora, alto e robusto,
embora marcado aqui e ali, para seu desalento. No entanto, de
alguma forma, a evidência dessas velhas cicatrizes apenas enfatizava
o poder feroz de seu corpo magnífico, a qualidade imparável do
homem.
Era inútil. Ela não conseguia parar de olhá-lo, cativada pela
curva elegante de seu ombro, o volume robusto de seu braço, o
esplendor esculpido de seu abdômen.
Ele a olhou com um olhar bastante sarcástico enquanto
despejava um pouco de água do jarro na pia branca.
— Você está bem?
— Humm... er, sim... é claro — ela forçou uma pequena tosse e
um súbito rubor escarlate interrompeu a sua face. Assentindo
nervosamente, ela se obrigou a se virar, envergonhada.
Felizmente, Drake optou por ignorá-la. Ele se inclinou para jogar
agua em seu rosto. Ela o observou novamente enquanto estava
distraído, maravilhada por ter músculos onde ela nem sabia que os
músculos poderiam estar.
No momento em que ela o ouviu soltar um suspiro de
relaxamento baixo e cansado, um momento depois, havia conseguido
se recompor. Sorriu fracamente e, sem corar, passou uma toalha para
ele que aceitou com um baixo grunhido de agradecimento.
Agora eu entendo como você enlouqueceu todas aquelas
mulheres de Londres, ela pensou, encarando-o enquanto ele se
endireitava novamente, secando o rosto e a garganta.
Ela não conseguia tirar os olhos dele, observando-o com um
prazer estranho e delicioso. Pensou novamente em seu beijo naquela
tarde na floresta, e seu olhar extasiado seguiu a mão de Drake
enquanto ele passava a toalha em seu peito para secar algumas gotas
de água.
Mas então, quando ele se virou em sua direção, ela pôde ver
uma marca em seu peito e seu sangue gelou. À luz da uma lamparina,
a pequena e redonda marca gravada em seu poderoso peitoral
maculava a perfeição do seu Adônis. Ela sentiu sua postura enrijecer,
quando o encarou pela segunda vez agora concentrada, mas
verdadeiramente, ela não podia acreditar no que via.
O encarou imediatamente com perplexidade.
Seu rosto se converteu em uma máscara de provocação fria,
dura quando ele correspondeu seu olhar como se a desafiasse a
questioná-lo.
Emily estava chocada demais para dizer uma palavra.
A marca em seu corpo era idêntica a tocha gravada no arco do
lado de fora dos portões do castelo. A tocha dos chamados
Iluminados. Ele havia dito a ela sobre isso há muito tempo. Os
Prometeos cauterizavam seus verdadeiros crentes com o que eles
chamavam de Marca do Iniciado.
Bem, parecia que ela tinha a sua resposta. E de repente ficou
sem fôlego.
Ele se virou enquanto ela estava lá cambaleando.
Com o coração descompassado, ela baixou o olhar, tentando
absorver o que tinha visto. Ele puxou um suéter escuro de malha
sobre a cabeça.
— Drake — ela forçou finalmente.
— Basta comer o seu jantar — ele aconselhou-a em um tom frio.
Então, agarrou a única cadeira do quarto e levou-a para a sacada.
Depois de colocá-la do lado de fora, pegou um cobertor extra e um
dos travesseiros da cama.
Emily ficou parada, mal sabendo o que dizer. Abalada, sentou-se
lentamente na beira da cama, sentindo-se tão aturdida como se
alguém a tivesse golpeado na cabeça.
Depois de um momento, Drake se aproximou devagar.
Cabisbaixa, ela viu suas botas pretas pararem na frente dela.
— Olhe para mim — ele murmurou.
Ela não tinha certeza se poderia suportar.
Ele não esperou que ela obedecesse, então segurou seu queixo
não muito gentilmente e ergueu o rosto para fazê-la encontrar seu
olhar.
— Quem mais sabe que você está aqui? — Perguntou em um
tom de exigência, olhando astutamente em seus olhos.
Emily se atrapalhou. De repente, ela não se atreveu a confessar
que enviara a carta a seus ex-colegas.
Não havia como dizer como ele poderia reagir.
— Rotherstone sabe onde você está? — Perguntou ele, como se
pudesse ler sua mente. — Me responda.
— Não — ela sussurrou com voz rouca. Pode ter sido a primeira
mentira que ela já lhe contara. Enquanto isso, estava ciente das
pontas dos dedos dele sob a mandíbula, pressionando sua pele.
— Alguém mais na Ordem sabe onde você está? — Perguntou
ele com voz suave, mas austera.
Ela balançou a cabeça lentamente.
Seus olhos escuros a examinaram, mas depois de um batimento
cardíaco, ele pareceu acreditar em sua palavra. Ele assentiu,
abaixando a mão para o lado.
Então ele se inclinou devagar, ainda estudando o rosto dela.
— De volta a Londres, você me seguiu até o Hotel Pulteney. Eu
presumo que viu minha luta com Niall Banks. Aquele homem ruivo.
Ela assentiu, com o coração na garganta.
— A Ordem encontrou Niall onde eu o deixei? O que aconteceu
depois que minha carruagem se afastou?
Emily engoliu em seco.
— Vi Lorde Rotherstone, Virgílio e os outros levarem o homem
ruivo em custódia. Ele estava gritando quando saíram do hotel. Acho
que você deslocou o ombro dele.
O traço de um meio sorriso cruel curvou seus lábios.
— Que pena. O que mais?
Ela balançou a cabeça, levantando os ombros.
— Eles foram embora. Então eu te segui.
Seu olhar suavizou ligeiramente quando ele olhou para ela.
— Pare de me olhar como se estivesse com medo de mim. Eu
não vou te machucar.
— Você está marcado — ela disse com uma voz estrangulada,
acenando para o peito, embora estivesse agora coberto por sua
camisa. — Com a marca do iniciado. Eu vi.
Ele assentiu uma vez, segurando-a com ar desafiador. Ela não
podia acreditar.
— Te obrigaram a ter essa marca?
— Eu não posso dizer que sim.
— Oh, Drake! — Ela cobriu a boca com a mão para abafar um
soluço, lágrimas brotando em seus olhos.
Parte do fogo recuou de seus olhos, mas ele balançou a cabeça
levemente.
— Não vale a pena chorar.
Não. Drake, isso é uma tragédia! Ela se virou, incapaz de
encará-lo, em sua enorme confusão e decepção. Era verdade. O
Drake que ela conhecia e amava se fora. Os Prometeos haviam
vencido. Ele agora carregava a prova de sua traição em seu corpo. E
quando seus amigos chegassem, eles teriam que matá-lo.
Ela não iria ficar em seu caminho.
Tirou a mão dele quando tentou acariciar a sua bochecha.
Observando-a, ele não ofereceu nenhuma palavra de consolo,
nenhuma garantia.
— Boa noite. — Ele endireitou-se e virou em direção à sacada. —
Deixe essas portas destrancadas. Vou ter que sair mais cedo. Estou
de volta ao amanhecer. — Ele pegou uma de suas pistolas e saiu para
dormir na sacada.
Nenhuma palavra em nenhuma das línguas que Drake falava
poderia ter expressado sua repugnante e miserável fúria pelo sucesso
de sua decepção enquanto ele se arrastava para fora e caía
pesadamente na cadeira que havia trazido.
Através das portas da sacada, ele ainda podia ouvir Emily
chorando baixinho enquanto escondia a arma em um lugar de fácil
acesso. Ele puxou o cobertor sobre si, apoiou os pés no parapeito da
sacada e olhou através das copas das árvores da floresta para a meia-
lua branca.
Metade na escuridão, metade na luz.
Um pouco como ele mesmo.
Maldição. Drake esfregou as órbitas dos olhos com uma das
mãos, tentando abafar o som dos pequenos soluços de Emily.
Mas tinha que manter a atuação. Embora suas lágrimas o
afetassem, ele não podia arriscar deixá-la vê-lo por trás de sua
máscara como um convertido prometeico.
Se ele dissesse a verdade, ela nunca seria capaz de mentir o
suficiente para enganar James. As chances era que ela
inconscientemente revelaria seus planos, e ambos estariam mortos.
É verdade que Drake tinha voltado para o castelo no que era
provavelmente uma missão suicida, mas ele não pretendia morrer até
que tivesse a certeza que seus inimigos se juntariam a ele.
As coisas estavam se movendo na direção certa. A reunião
produziu um desenvolvimento encorajador. James estaria enviando
mensagens a todos os Prometeos que ainda não tinham chegado ao
castelo. Ele poderia matá-los todos juntos. Neste ponto, era apenas
uma questão de descobrir como.
Enquanto isso, mentir para Emily era a melhor opção.
Talvez fazê-lo ajudaria a inspirá-la a partir. Ele a queria fora dali,
mas não conseguia se livrar dela sem a sua cooperação. O tipo de
fuga que ele poderia fornecer para ela exigiria que corresse sozinha e
usasse suas habilidades na floresta para se esconder e fugir.
Unida a ele como ela era, sabia que poderia precisar de algum
meio útil para afastá-la. Deixar que ela acreditasse que ele era mau
era o melhor truque que provavelmente encontraria.
Drake suspirou, descansando a cabeça na cadeira.
Não era muito confortável, mas ela era bem-vinda para pegar a
cama. Ele não dormia muito, de qualquer maneira.
No momento, enquanto fechava os olhos, ele ainda podia ver
com nítidos detalhes em sua mente, sua enorme camisa cobrindo
aquele pequeno corpo.
Quando entrou no quarto mais cedo, trazendo-lhe o jantar,
ficara surpreso com a deliciosa imagem dela em seu quarto, toda
limpa, quente e despenteada, como se ela tivesse passado o dia
descansando em sua cama.
Ela quase o pegou olhando-a, dos pés descalços delicados até a
cascata de longos cabelos castanhos dourados, passando pelos
delicados ombros.
A camisa chegava até a metade de suas coxas, e quando ela se
virou, seu olhar vidrado tinha varrido suas pernas finas e macias e a
curva sedutora onde o tecido vagamente roçava seu firme traseiro.
Então ela se virou para encará-lo novamente, dobrando as
longas mangas. Embora ela tivesse abotoado a camisa até o pescoço,
o V profundo da camisa ainda expunha completamente o suave e
sedoso vale branco entre seus seios.
Ao ver aquele lindo vale, ele sentiu seu sangue ferver em calor e
com verdadeiro desejo pela primeira vez em dois anos. Ele não
conseguia parar de pensar sobre a maneira com que ela o havia
correspondido quando ele a beijou mais cedo na floresta.
E ponderou sobre o interessante conhecimento de ela não se
incomodar em fazê-lo.
Houve um tempo no qual ele tinha sido um amante de proezas
lendárias. Mas desde a sua permanência na masmorra, mal podia
suportar que alguém o tocasse, mesmo por acidente.
No entanto, se sentiu muito diferente depois daquele beijo. E
tinha gostado muito. Na verdade, ficara chocado com a rapidez com
que o corpo dele reagira a ela. Saboreando o pensamento de sua
figura escassamente vestida, de repente se surpreendeu ao olhar para
si mesmo.
Todas as suas reflexões sobre as muitas tentações de Emily
começaram a deixá-lo duro.
Ele levantou o cobertor com espanto e se agarrou.
— Droga — ele sussurrou, surpreso, mas satisfeito.
Não havia tido uma assim desde antes de ser capturado.
Na verdade, não havia ficado com uma mulher em dois anos e,
francamente, perdera todo o interesse pelo sexo — pelo menos, pelo
que parece, até aquele momento.
Considerando que havia perdido a cabeça e a memória por um
tempo devido às torturas, perder sua potência como homem parecia-
lhe o menor de seus problemas.
Isso o confortou um pouco por saber que pelo menos seus
muitos defeitos não eram culpa dele. Tudo funcionara perfeitamente
antes que os torturadores o apanhassem.
Depois, no entanto, bem, ele havia mais ou menos concluído que
tudo estava acabado para ele no campo onde as mulheres estavam
preocupadas.
De volta a Londres, James contratou uma prostituta para
agradá-lo, mas a experiência só o traumatizou ainda mais. Seu toque
demasiado agressivo quase o fez vomitar; tudo o que pôde sentir em
relação à prostituta de alto preço foi repulsa e nojo. Foi um episódio
humilhante, mas Drake tinha tirado isso da cabeça porque a triste
verdade era que ele não se importava mais com sexo, mulher ou
qualquer outra coisa. Tudo o que importava era matar os Prometeos.
Ele já tinha aceito o fato de que sua outrora esplêndida
masculinidade, a qual havia trazido deleite para tantas, estava extinta
para o pobre soldado caído que não ressuscitaria novamente.
Mas eis que descobre que estava errado. Tendo provas
concretas do contrário em suas mãos. Deu-lhe um aperto de boas-
vindas por cima da calça: sim, era uma ereção completa e
extremamente carente.
Bom! Parece que seu velho amigo voltou à vida por causa da
adorável Emily.
Bastante encantado com essa surpreendente reviravolta nos
acontecimentos, tirou a mão de sua virilha. Depois de tanto tempo,
até mesmo o seu próprio toque era maravilhoso, mas não ousou
forçar sua sorte.
Ocorreu-lhe que essa cura imprevisível e ainda hesitante,
instantânea, mágica, para seu membro poderia ser útil caso não
consiga se livrar de Emily. Se fosse a virgindade dela que poderia
colocá-la em perigo pelos Prometeos, talvez eles pudessem fazer algo
sobre o assunto, apenas como último recurso, é claro.
Desde a sua infância, tinha sido advertido nos termos mais
terríveis possíveis de que não podia tocá-la, e se desobedecesse, e
ultrapassasse os limites do pudor com a sua lunática companheira,
seu pai seria demitido de seu cargo, e ambos Jack Harper e sua filha
de olhos violeta seriam mandados embora.
Drake havia obedecido a seus pais nisso, ainda mais quando
envelhecera o suficiente para entender o dever de um cavalheiro e a
sua obrigação de respeitar as suas criadas.
Além do mais, nunca quis se comportar de uma maneira
inapropriada com Emily. Não queria que ela sentisse que não podia
confiar nele. Diferente de suas muitas parceiras casuais de cama, ela
se tornou uma necessidade para ele ao longo dos anos, um dos
constantes pilares de sua vida. Ela estava sempre lá esperando-o
voltar para casa principalmente quando seu trabalho na Ordem
começou a direcioná-lo para um lugar escuro em sua cabeça. Ela
nunca teve que dizer muito. Apenas estar perto de sua simplicidade
calmante e tranquila o ajudava a resolver as coisas em sua própria
mente.
Tão profundamente estava enraizado nele que deveria tratá-la
como uma irmã ou seria castigado, que mal ousava permitir-se
imaginar como seria fazer amor com ela.
Mesmo assim, se chegasse a uma questão de mantê-la a salvo
desses bastardos e sua doente caça às virgens para um sacrifício,
talvez houvesse algo que os dois pudessem fazer sobre isso.
A maneira mais fácil de protegê-la da ameaça seria torná-la
realidade. Poderia seduzi-la...
Seu pênis estava vivo e bem, de fato, latejando com a
possibilidade. Drake se virou devagar e espiou por cima do ombro até
o quarto pelas portas abertas da sacada. Emily estava encolhida na
beira da cama, olhando para a pequena fogueira que ela havia
acendido na lareira antes de sua chegada.
Sua consciência gritou. Não queria que ela chorasse. Ele não
queria que ela ficasse triste ou duvidasse dele ou o visse como um
traidor. Sua opinião sobre ele era uma das últimas coisas que ainda se
importava na vida. A tentação era forte.
Quão fácil seria voltar lá e consolá-la. Dizer a ela que tudo ficaria
bem. Ela acreditaria nele. Ela sempre o fez. Ele poderia finalmente
tocá-la e levá-la para seus requintados braços. Deitá-la...
Até sua circulação sanguínea sabia que ela também o queria.
Então eles poderiam ter o que tanto desejavam e fantasiavam e
fingiam ignorar por tanto tempo, fingindo inocência, como se não
estivessem apaixonados, não importando quem os proibisse.
Finalmente, eles poderiam se tornar amantes.
Drake olhou para a curva de seu quadril, seu peito subindo e
descendo com cada respiração profunda na fome que o dominava.
Seu sangue estava em chamas.
Sim, por que não? Ele pensou engolindo saliva, seu pulso
acelerado.
Mas então veio o triste lembrete de sua metade mundana e
guerreira. Porque você vai morrer, pensou. Lembre-se de que você
está aqui. Ela já perdeu você uma vez.
Bem, isso prejudicou seu entusiasmo.
Ele soltou um suspiro profundo e olhou para frente novamente
para as montanhas e para a lua. Ele olhou para a paisagem escura
por um longo momento, lembrando-se da tentativa tola dela de
convencê-lo hoje de que a vida valia a pena por causa de um cenário
pitoresco, árvores e coisas do tipo, como se ele desse a mínima.
Ele balançou a cabeça para si mesmo ironicamente. Bela
pequena tola.
Mas talvez a visão alpina não fosse tão ruim, ele admitiu com um
sorriso fraco e invejoso. Havia algo muito mais bonito para olhar
dentro do quarto, na opinião dele. Mas olhar só levaria a tocar e
colocá-lo em apuros.
Drake fechou os olhos com o traço de um sorriso ainda em seus
lábios. Sentindo-se mais parecido com ele do que em dois anos, fez o
possível para dormir.
Não tinha intenção de admitir isso, mas amaldiçoado fosse se
uma parte dele não estivesse feliz por ela estar lá.
Capítulo 5
Londres
Londres
Pai,
Fui capturado pela Ordem, mas escapei. Falkirk está conspirando
contra nós. Ele convocou uma reunião na sede do Conde Glasse, no
Castelo Waldfort. Chegue lá o mais rápido que puder com uma força
tão grande quanto puder reunir neste curto prazo. Eu te encontrarei lá
e faremos um exemplo desses traidores.
N
A mensagem estava a caminho do sul, em direção ao castelo de
Malcolm, no vale do Loire. Mas Niall não pretendia ir para lá sozinho.
Não havia tempo. Além disso, era exatamente para onde os agentes
da Ordem esperavam que ele fosse. Ele ainda não os vira, mas tinha
certeza de que já estavam em seu rastro.
Puxando o casaco, agradeceu ao agente por sua ajuda, ignorou
sua humilhação e acenou maliciosamente para a esposa do homem.
Ela abaixou a cabeça, envergonhada depois do que fizera na noite
passada.
Ele se virou com um sorriso. Então marchou para os cavalos que
tinha recebido e se assegurou de que o belo par estivesse
seguramente amarrado. A jornada era longa e árdua, então ele
alternaria entre eles, montando um enquanto o outro servia como
animal de carga. Por fim verificou se o saco de dormir e os alforjes,
estavam bem amarrados.
Estava satisfeito, além do mais suas armas estavam de fácil
alcance: uma faca grande ao seu lado, duas pistolas nos coldres de
ombro e um rifle carregado em suas costas.
Teria que se manter em movimento para segurar suas poucas
horas de chumbo. Ele não pretendia levar os meninos de Virgílio
sozinho, se pudesse evitá-lo. Ele lidaria com eles quando chegasse ao
Castelo de Waldfort e se juntasse ao pai, que deveria levar uma força
de combatentes Prometeos, como Niall havia aconselhado em sua
nota.
Eles poderiam apanhar os bastardos de surpresa, bem como
reprimir a pequena insurgência de Falkirk. Niall não se importava em
fazer com que outros lutem a sua briga, nunca teve a necessidade de
bancar o herói.
Com isso, ele subiu no cavalo e partiu de Calais a galope,
seguindo para o leste através da França.
Bavária
Emily não sabia onde Drake havia dormido. Ele não havia
retornado ao quarto na noite anterior e, claramente, perdera a
aposta. E ela não gostava de perder.
De manhã, estava se coçando com inquietação, andando de um
lado para o outro e perturbada. Onde o diabo ele estaria?
Deus, tenho que sair deste quarto.
Determinada a descobrir onde ele estava se escondendo, ela
precisava de alguma desculpa para passear pelo castelo, então foi até
a área dos criados perto da cozinha e perguntou se havia algo que ela
pudesse fazer para ajudar.
Suas tarefas para o seu chamado mestre já estavam concluídas,
ela disse à velha empregada, e ela não podia simplesmente ficar
sentada olhando para as paredes.
A velha alemã, robusta, formidável e dedicada a manter sua área
de trabalho impecável, ficou impressionada com a disposição de Emily
e permitiu que ela andasse por ali cuidando das velas.
Então Emily foi de sala em sala no andar principal, carregando
um pequeno banquinho dobrável e uma cesta de suprimentos para a
simples tarefa.
Ela aparou um pavio aqui, recolocou os candelabros do aparador
ali e jogou as pontas gastas e pedaços de cera em sua cesta, os quais
seriam derretidos e adicionados aos novos lotes de cera e sebo para
serem despejados em moldes de vela e usados novamente.
Puxando seu banquinho até a parede, ela também cuidou dos
candelabros, substituindo as velas quando necessário e limpando a
fuligem do vidro com um pano embebido em vinagre.
Em a Westwood Manor, esse era o trabalho que fazia as criadas
gemerem, mas Emily achou a tarefa estranhamente reconfortante.
Além disso, dava a oportunidade perfeita para procurar por Drake.
Ela realmente ficou surpresa por ele não ter voltado para ela.
Talvez estivesse envergonhado. Talvez ele esteja furioso comigo. Era
difícil dizer o que poderia acontecer na próxima vez que seus
caminhos se cruzassem na intimidade de seu quarto.
Ela afastou a preocupação que lhe surgia de que poderia ter
exagerado em sua mão. Ela não estava inteiramente convencida,
afinal de contas, de que ele não havia se transformado em um
verdadeiro prometeico.
Ela simplesmente não sabia, e era difícil amar um homem que
era um mentiroso tão talentoso...
Ah, bem. Ela poderia ter usado mais iluminação ao invés das
velas de coco. Pegando a cesta e o banquinho, entrou na sala ao lado,
uma seção rococó do castelo.
Atravessando o saguão de entrada até a Sala de Estado oposta,
ouviu o distante estrondo de metal contra metal, sons fracos de
batalha. Eles ficaram mais altos quando ela entrou na sala de estar
dourada, onde duas criadas já estavam trabalhando, espanando os
móveis e varrendo o chão.
Acenaram quando ela entrou; devolveu a saudação e ficou
aliviada por elas parecerem imperturbadas pelo som. Não deve ser
nada. Talvez os guardas estivessem treinando em algum lugar
próximo dali.
Não querendo entrar no caminho das criadas, ela começou a
sair, com a intenção de voltar mais tarde, quando terminassem. Mas
uma das mulheres disse algo em alemão e apontou para uma porta
na parede dos fundos.
Emily olhou e viu através das vidraças das janelas góticas uma
sacada exterior coberta, onde, percebeu que havia mais velas
aguardando sua atenção.
Dois homens vadiavam do lado de fora, protegidos da chuvosa
garoa cinzenta. Um estava fumando, o outro apoiado no balaústre da
sacada enquanto conversavam.
Um dos homens era James Falkirk.
Instantaneamente, a guarda de Emily subiu. Ela olhou incerta
para a empregada. "Devo esperar?"
A mulher respondeu, e embora provavelmente não entendesse
melhor a pergunta em inglês do que Emily pudesse traduzir a resposta
alemã, seu gesto, tom e expressão facial transmitiam facilmente que
não havia problema em ela ir e continuar sua tarefa.
Ela teve a impressão de que os cavalheiros não se oporiam nem
lhe prestariam atenção. Emily hesitou, mas reuniu coragem e tomou a
palavra da mulher. Ela poderia cuidar de seus negócios de forma tão
invisível quanto qualquer empregado, supunha, e além disso, não se
importaria de ouvir a conversa de Falkirk.
Ela não confiava naquele velho homem astuto.
Quando ela cruzou a porta da galeria, com o coração acelerado,
os sons marciais ficaram mais altos. Eles ficaram mais afiados quando
ela abriu passagem para uma brisa úmida e fria.
Falkirk e o outro homem olharam para ela.
— Ora, senhorita Harper — o velho cumprimentou-a com sua
diversão fria e superior.
Emily fez uma reverência como qualquer empregada humilde e
manteve a cabeça baixa.
— Perdão, senhor. Eu vou cuidar das velas. Devo voltar mais
tarde?
— Não, não, está tudo bem. Siga em frente. — Seu olhar roçou
o banquinho e a cesta que ela carregava quando ela passou
rapidamente por ele, obedecendo a sua ordem.
Falkirk virou-se para seu colega conspirador e informou-o em
alemão quem ela era, ou algo similar a isso pelo o que ela pode
deduzir.
— Ah — disse o outro homem. Ele era pelo menos uma década
mais jovem que Falkirk, com olhos escuros e uma barba preta curta.
Ele a olhou desconfiado; Emily manteve distância. Contornando
a parede atrás deles, ela colocou seu banquinho sob a primeira
lanterna de ferro, em seguida, o subiu e fez o que tinha que fazer.
— Spricht sie Deutsch? — Perguntou o companheiro de Falkirk.
Ela fala alemão?
O velho balançou a cabeça. — Nein
E isso era verdade, pois essa foi a única parte da conversa que
ela entendeu. Ainda assim, era inteligente o suficiente para perceber
quem era o assunto discutido. O outro fez algumas perguntas; James
respondeu, aparentemente informando que ela era a garota que havia
seguido Drake.
Pelo tom cético de sua voz, ela teve a impressão de que o outro
homem não confiava no belo chefe de segurança de James — e muito
menos nela.
Mesmo assim, ela fingiu não ouvir ou notar nada enquanto
trocava as pequenas e gordas velas de dentro da lanterna. Mas ela
era incapaz de fazer suas mãos pararem de tremer ante a
proximidade de homens tão maus.
Limpando o vidro da lâmpada com um pouco de vinagre em um
pano, ela notou o tom de urgência sob sua troca silenciosa, mas era
impossível saber os detalhes do que eles estavam dizendo.
Terminado com a primeira lanterna, ela foi até a segunda e
colocou o banquinho debaixo dela, subindo. Desse ponto de vista, ela
conseguiu dar uma olhada por cima do ombro na cena abaixo da
sacada e, finalmente, descobriu a fonte dos sons da batalha.
A sacada de pedra dava para um pátio fechado onde os guardas
do castelo estavam treinando e, claro, lá estava Drake, no meio da
luta.
Ela ficou imóvel por um momento, olhando para ele.
A chuva fina tinha colado os cabelos negros na cabeça e
encharcado a camisa de marfim, de modo que se agarrava à sua pele;
mas tão bonito quanto ele era, seu ataque contra os três adversários
infelizes que o rodeavam era absolutamente cruel. Ele balançou e
empurrou e se lançou como se tivesse intenção de espetá-los. Não
parecia prática de onde ela estava, pelo menos.
Quando um golpe escarlate floresceu no braço de um homem,
ela balançou a cabeça, chocada, dizendo que eles não estavam nem
usando proteção das armas, e então ela se sentiu ingênua ao pensar
que eles o fariam.
O homem ferido retirou-se da luta e outro, severamente, tomou
o seu lugar. Drake o atacou também.
Olhando para ele, as gotas de chuva voando de sua lâmina, ela
mal respirava, gelada pelo quanto ele estava claramente aproveitando
a chance de espancar os homens em um estado de medo encolhido.
Ela nunca o tinha visto lutar antes. Nunca lhe fora permitido.
Agora ela preferia que não o tivesse feito, considerando que esta
criatura selvagem era seu companheiro de quarto.
Engolindo em seco, ela desviou o olhar e voltou para sua tarefa,
mas o breve vislumbre de sua ferocidade deixou claro com que tipo
de fogo que ela estava jogando na noite passada. A realização
sacudiu-a. Se ele quisesse, ele poderia facilmente ter conseguido o
que ela havia oferecido como suborno. Poderia ter se dado muito mal
se não fosse por sua disciplina, sua honra.
Ela também percebeu de repente que a frustração que ela havia
provocado em seu sangue na noite passada estava sendo liberada em
seus oponentes.
Quando outro grito de dor do pátio soou enquanto ela limpava o
vidro da segunda lanterna, ela estremeceu com um senso de
responsabilidade pela sua ira.
Drake havia atingido o outro soldado na perna.
Emily terminou de limpar a lanterna e decidiu voltar para o andar
de cima e pegar sua bolsa de ervas medicinais secas. Conhecendo a
tendência de Drake de se meter em encrenca, ela achou por bem ir
até o cirurgião e oferecer-se para fazer uma cataplasma de confrei.
Ele poderia aplicá-lo aos ferimentos de seus pacientes na
primeira troca de bandagens para aliviar um pouco da picada de seus
cortes e ajudar a evitar que suas feridas se infectassem.
E também, descendo até lá a levaria um passo mais perto de
Drake. Satisfeita com essa perspectiva, fechou a pequena porta de
vidro da lanterna, depois desceu do banquinho e pegou-a para voltar
para dentro. Fazendo uma rápida reverência em agradecimento aos
cavalheiros, se afastou e abriu a porta, embora suas mãos estivessem
cheias.
Falkirk e o estranho a observaram partir.
França
Escócia
Bavária
[←1]
Grisu é uma mistura do CH4 (Metano – Gás Natural), que ocorre naturalmente nas minas de carvão, com o
O2 (Oxigênio) do ar, formando em ambientes fechados uma mistura explosiva que detona facilmente na
presença de chamas ou centelhas, e constituía um grande perigo na mineração de carvão.