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A Prática do Estado de Direito Democrático em

Moçambique

Celestina Moniz
21/12/2020 às 15:17
A dignidade é considerada como um princípio da liberdade, da justiça,
da paz, que coloca a pessoa como o fim superior do Estado de direito
democrático, sendo que o Estado se compromete a respeitar a
Constituição cumprindo com rigor a lei, e a justiça.
Problematização

Em  Moçambique, o Estado nasce em 1975, com a Independência do


país e existência de um texto legal escrito, ou seja, a Constituição da
República Popular de Moçambique (CRPM). É, no entanto, na
Constituição da República de 1990 que se introduz o Estado de Direito
Democrático, pela inclusão clara no texto fundamental dos direitos,
liberdades e garantias fundamentais dos cidadãos. Porém, a prática
do Estado de Direito Democrático em Moçambique, é segundo nossa
análise um desafio, visto que não há separação entre o Estado e o
Governo no poder. O presidente da República é de acordo com o
artigo 145º da Constituição, Chefe do Estado, Chefe do Governo,
Comandante-Chefe das forças da defesa e serviços de segurança,
conforme o nº 04 do artigo 262º, assim como, presidente do partido,
que dirige o governo no poder. Entendemos desta forma que  os
agentes das forças da defesa e segurança do Estado, que ao abrigo
da lei se subordinam-se ao Presidente da República, ao invés de
proteger os cidadãos, agem em defesa dos interesses do partido que,
ao mesmo tempo, é governo no poder e Estado. Conforme o nº 2 do
artigo 225º da Constituição da República de Moçambique de 2004,
revista em 2018, as nomeações do Presidente e Vice-Presidente do
Tribunal Supremo, assim como, do Presidente do Tribunal
Administrativo, segundo o nº 2 do artigo 228º; do Presidente do
Conselho Constitucional, segundo a alínea a) do artigo 241º e do
Procurador e Vice-Procurador da República de acordo com o nº 1 do
artigo 238º, são feitas pelo presidente da República. Isto  em nosso
entender faz com que os Tribunais e a Procuradoria da República não
sejam efetivamente independentes, para agir contra os ilícitos
praticados por membros, seja do Estado, do Governo, ou do partido
no poder, tendo em conta a forma como os seus representantes são
nomeados para o exercício da função. Assim, em nossa análise a
Constituição moçambicana e, em vigor, é contraditória no que diz
respeito a separação de poderes, pois embora esta tenha sido
estatuída no artigo 134º, é o Presidente da República que concentra
todos os poderes, inibindo assim a liberdade dos diferentes órgãos de
exercer o seu poder com independência. Portanto a Constituição de
Moçambique e, em vigor, é mais política, ou seja, defende mais os
interesses políticos do partido e do governo no poder, para além de
absorver muito a cultura ocidental. Neste sentido, entendemos que
não representa a vontade do povo moçambicano (individual ou
coletivamente) ou seja, não reflete os elementos fundamentais do
povo moçambicano na sua diversidade cultural e outras tendências
coletivas fundamentais de que se servem os cidadãos para se
conduzir e que podiam servir de base para a elaboração da
Constituição, para que o povo se sinta refletida nela.  Em nossa
análise o cidadão moçambicano não é submetido a igual
tratamento, perante a lei. A justiça moçambicana é forte para os
fracos e fraca para os fortes.

Este estudo pretende analisar a prática do Estado de Direito


Democrático em Moçambique, ou seja, o respeito aos direitos,
liberdades e garantias fundamentais preconizados na Constituição da
República de Moçambique, procurando conhecer a génese do Estado
de direito democrático no seu contexto geral, compreender os
elementos característicos do Estado de direito democrático, por forma
a poder situar o Estado de Direito Democrático na Constituição de
Moçambique, analisar a aplicação prática destas matérias inseridas na
Constituição da República de Moçambique , nas leis ordinárias
moçambicanas, para o benefício dos cidadãos.

II. O Contexto histórico geral

A luta histórica por um Estado de Direito, que teve como percursores


os filósofos gregos, é considerada por alguns autores ter tido início em
Roma com a instituição da Lei de Doze Tábuas (Lex Duodecim
Tabularum) de 450 a.C. e que preconizava a eliminação das
diferenças de classe. Este instrumento é reconhecido como uma das
mais antigas legislações, que deu origem ao direito romano, visto que
contribuiu para a consolidação do princípio da legalidade, com vista a
impedir o autoritarismo. No entanto muitos autores são unânimes em
afirmar que é na Inglaterra, onde os primeiros sinais de Estado de
Direito foram positivados, através da Carta Magna de 1215, promovida
pelos barões ingleses contra os monarcas e que culminou na limitação
de alguns dos seus poderes, pela instituição de alguns direitos e
liberdades, a introdução e modificação do habeas corpus que, permitiu
o devido processo legal, positivou o direito e todas as gerações de
direitos de que se fala hoje. Segundo vários analistas, os movimentos
revolucionários ingleses, que incluem a Carta Magna de 1215,
a Petition of Rights de 1628, a Bill of Rights de 1689, a Revolução
Puritana de 1649 e Gloriosa de 1688 catapultaram outros povos da
Europa e América na luta pelos seus direitos.

A Revolução Americana de 1776 que três anos mais tarde possibilitou


a United States Bill of Rights “Declaração dos Direitos dos Estados
Unidos (1789-1791)  proibindo, assim, o Congresso de fazer leis que
violem entre outros: o direito à vida, à livre consciência, à liberdade, à
propriedade; a Revolução Francesa de 1789, não só limitou os
poderes dos Estados, como também proclamou direitos e liberdades
do homem, que deixa a partir de então, de ser um simples individuo
passando a ser considerado cidadão, com direitos e liberdades. Estes
movimentos revolucionários   trouxeram uma nova era no campo dos
direitos, pois criaram a base angular para a instituição do Estado de
direito, uma vez que de acordo com a análise de deferentes autores,
foi a partir deles que o Estado passa a ser visto como uma entidade
que serve ao povo, com base na observância da lei sendo esta a
expressão da vontade geral. O órgão da vontade geral passa a ser a
assembleia dos representantes da nação. A base da organização
assenta-se no individualismo não havendo, para o liberalismo, limite
para a riqueza, nem a interferência do governo no campo do trabalho.
Desaparecem desta forma as classes, corporações, privilégios.
ficando assim o homem considerado cidadão, sujeito aos direitos e
deveres na sociedade a que está inserido. Nestes movimentos o
surgimento do Estado liberal é marcado pelo reflorescimento do ideal
constitucionalista e é caracterizado pela necessidade de constituições
escritas. Embora os direitos reivindicados nas revoluções liberais
fossem para uma minoria, não deixa de ser o indicio da liberdade do
homem de que, mais tarde, todos vieram beneficiar.  

O Estado de direito democrático é desta forma um conceito que


procura melhorar a sua conceção inicial defendida pelo liberalismo, de
proteção dos direitos de propriedade, acautelando não só esses
direitos como também defendendo, através da lei outros direitos
fundamentais que garantem o principio da dignidade humana,
que significa reconhecer o ser humano igual a nós próprios e por
isso, tratá-lo com o respeito que desejamos ser dados.
Costa (2014) afirma que a Declaração dos Direitos do Homem de
1789, da revolução francesa, constituída de 17 artigos e um
preâmbulo é considerada por vários autores como a fundadora dos
direitos cívicos, pois assegura não só aos franceses, mas a todos os
homens do mundo, o direito à liberdade. Esta liberdade abre uma
nova era de direitos ao impedir o livre arbítrio do poder político.
Portanto assegura os direitos civis, estabelecendo também os limites
desses direitos que com os os horrores perpetrados pelo nazismo
contra o ser humano, durante a 2ª guerra mundial, despertaram o
sentimento das nações do mundo sobre a necessidade da criação de
um instrumento que pudesse defender os direitos e liberdade
fundamentais do homem, de forma universal. Surge assim a
Declaração Universal dos Direitos do Homem assinada inicialmente,
por 51 países membros da ONU como resultado dessa reflexão,
inspirada nos valores defendidos pelas revoluções anteriores, da
América e da Europa. O documento é indiscutivelmente reconhecido
como o marco histórico mundial da humanização de direitos
liberdades garantias e integrador do Estado e do Estado de Direito
Democrático, no mundo.

Dallari (2000) define o Estado como sendo “a ordem jurídica soberana


que tem por fim o bem comum de um povo situado em determinado
território”. No sentido de direito, o Estado de direito significa aquele em
que a lei é sua base para a atuação, portanto, vigora a lei. No sentido
de democracia, o Estado democrático significa que as pessoas que
exercem as funções do Estado são eleitas por voto secreto.

Para kelsen (2006) o Estado de direito   é o sujeito artificial pela qual
se manifesta o poder do povo, submetendo a todos em igualdade de
circunstâncias (tanto governados como governantes), na observância
da lei. Em Moçambique embora o  Estado  tenha ratificado  o Pacto
Internacional dos Direitos Civis e Políticos em vigor desde 1991, com
vista à abolição da pena de morte, e a  Convenção Contra a Tortura e
Outros Tratamentos ou Penas Cruéis Desumanas ou Degradantes de
1984[1], observância  destes preceitos juridicos internacionais
continua sendo um desafio, segundo vários relatórios divulgados por
diferentes plataformas da sociedade civil (Amnistia Internacional, Liga
Moçambicana dos Direitos Humanos, Ordem dos Advogados de
Moçambique, Bureau of Democracy, Human Rights and Labor
Country, Centro de Integridade Pública, etc.). No contexto da
administração da justiça, o sistema de administração da Justiça,
conforme  vários analistas, não oferece garantias de que as violações
dos direitos e liberdades fundamentais dos cidadãos serão
penalizadas para quem as comete, independentemente do seu
estatuto político ou condição social.
 

III. Metodologia

Para a determinação da Prática do Estado de Direito Democrático em


Moçambique o estudo faz uma análise da História do Direito
Democrático no seu contexto geral, a análise da Constituições
moçambicanas tendo em conta de que as três Constituições
moçambicanas são fruto de conflitos armados e foram elaboradas e
revistas, para atender os interesses do Estado e de partidos políticos.
o Estudo faz ainda a análise de relatórios e debates de diferentes
plataformas da Sociedade civil, sobre a matéria em estudo. Serão
feitas mais pesquisas junto as instituições que lidam com a matéria,
em particular a Assembleia da República, o Ministério da Justiça, os
Tribunais, a procuradoria da República, o Instituto de Patrocínio e
Assistência Jurídica, a Comissão Nacional de Direitos humanos, a
Liga Moçambicana dos Direitos Humanos, a Ordem dos Advogados,
etc. através de, ferramentas de recolha de dados da pesquisa. O
presente estudo vai ainda analisar demais legislação nacional, e
internacional sobre a matéria. O estudo tem como principais atividades
previstas, para pesquisa: localização, estudo e análise da
documentação, fontes de dados e informações relevantes; Elaboração
das ferramentas de levantamento de dados; Envio do questionário às
instituições e singulares previamente identificadas, acompanhamento
à distância do preenchimento do questionário; entrevistas
personalizadas. 

IV. A vigência do Estado de Direito Democrático em Moçambique

                                                                     
Moçambique tornou-se independente em 1975, tendo entrado em
vigor a primeira Constituição da República, que durou 15 anos. Em
1990 entrou em vigor uma nova Constituição que contribuiu na
alteração da ordem política, social e económica do país e que veio a
ser melhorada com a Constituição de 2004, revista em 2018. 

Pretendemos analisar como os diferentes textos


constitucionais contribuíram na formalização e consolidação do Estado
de Direito Democrático do país.

 
4.1 Constituição da República Popular de Moçambique(CPRM) de
1975

Nos títulos I e II deste texto fundamental, constavam de forma


dispersa e limitada um conjunto de direitos individuais que
contemplavam os seguintes postulados:

Igualdade de direitos e deveres de homens e mulheres em todos os


domínios, segundo o nº artigo 17º e 29º); igualdade de todos perante a
lei, sem distinção de qualquer natureza (artigo 26º); a inviolabilidade
de domicilio e de correspondência (artigo 33º) o direito á liberdade de
consciência (artigo 35º), de opinião, de associação e reunião (artigo
27º). o direito à defesa e do devido processo legal (artigo 35º) direito
de votar e de ser eleito (artigo 26º), direito de propriedade(12º) direito
a educação e trabalho (artigo 31º), direito de asilo (artigo 25º). A
Constituição não incluía, no entanto, os direitos individuais mais
básicos que justificam a existência de todos outros direitos:  o direito à
vida, à integridade física, o direito a não ser torturado, o direito a não
ser submetido a tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes. Em
nosso entender, esta não inclusão dos direitos acima mencionados
pode ter tido outra motivação mais profunda do que  se possa
imaginar, pois analisando pelos objetivos fundamentais estatuídos no
artigo 4º do Titulo I o facto da Constituição ter surgido como um
culminar da luta que visava o estabelecimento de um Estado
Independente, a questão da defesa do território, da unificação do povo
na diversidade, da eliminação do colonialismo e imperialismo, em
nossa análise, constituíam os elementos angulares de auto afirmação
do Estado. O cidadão na sua singularidade não foi tomado como
questão de primeiro plano. O acento estava posto na coletividade,
razão pela qual o individuo entanto que singular, não constava nas
prioridades legais da I República podendo por isso ser sacrificado até
com atos de tortura e morte, porque a noção de dignidade humana
estava, até certo ponto, diluída com a própria guerra que levou a
Independência e a guerra civil que surgiu logo a seguir a
Independência e que teve como uma das consequências  a
degeneração total do tecido humano, com a  introdução nas leis
ordinárias  de penas degradantes (de morte em 1979 e de chicotada
em 1980). Os princípios básicos da dignidade humana, que,
conforme a interpretação do artigo 5º da Carta Africana
(1991) significa “o direito de não ser torturado, violentado,
espancado chicoteado ou vergastado”, não foram devidamente
inseridos ou mesmo, observados na Constituição da República
Popular de 1975.

4.2. Análise da Constituição da República de 1990

A Constituição da República de 1990, que também surge numa


situação de luta armada, (guerra civil) introduziu o Estado de Direito
Democrático alicerçada na separação e interdependência de poderes
e no pluralismo político. Esta separação de poderes em nosso
entender marcou o principio de liberdade política, no país.

No dizer de Montesquieu (1993) “a liberdade política só existe nos


governos moderados. Esta liberdade significa o direito de fazer tudo o
que a lei permite e, existe quando não se verifica abuso de poder.
Portanto, esta afirmação do autor em nosso entender só se concretiza
quando o poder limita o poder, separando o poder de julgar, com o
poder de executar e o de legislar, pois quando numa mesma pessoa o
poder legislativo está reunido no poder executivo não existe liberdade,
tão pouco existe liberdade se o poder de julgar não for separado do
poder legislativo e do executivo.  Na Constituição de Moçambique  o
poder foi limitado pela separação dos órgãos de soberania.[1] O Título
I da Constituição, define os princípios fundamentais que regem a
República de Moçambique. No Título II, a Constituição dedica 40
artigos, que vão desde o artigo 66º a 106º, sobre os direitos e
garantias fundamentais, numa alusão clara de ampliação de
declaração de direitos, já que na Constituição de 1975, apenas
constavam 10 artigos, sobre esta matéria. Na nova Constituição em
análise, portanto de 1990, há uma inovação no campo de direitos dos
cidadãos e dos direitos humanos no geral, visto que se demonstra a
partir dos direitos, liberdades e garantias estabelecidas, que o Estado
existe para servir ao homem e não o homem ao Estado
circunscrevendo-se assim legalmente num Estado de Direito. O texto
constitucional apresenta um conjunto de direitos e que foram
enquadrados nos princípios fundamentais, pertencentes ao Titulo I e II
e subdivididos em várias subcategorias e capítulos. Assim no Capitulo
I do Titulo I referente aos Princípios Fundamentais é indicada a forma
do Governo que é a República, onde os artigos 1º e 2º preconizam
que a República de Moçambique é um Estado independente,
soberano, democrático e de justiça social; a soberania reside no povo
que a exerce segundo as formas fixadas na Constituição. O Capitulo
III do Titulo I preconiza o regime político democrático representativo,
ao estabelecer nos artigos 30º e 31º que o povo moçambicano exerce
o poder político através do sufrágio universal direto, secreto e
periódico para a escolha dos seus representantes, por referendo sobre
grandes questões nacionais e pela permanente participação
democrática dos cidadãos na vida da Nação; os partidos expressam o
pluralismo politico, concorrem para a formação e manifestação da
vontade popular e são instrumento fundamental para participação
democrática dos cidadãos na vida da Nação[2]. O preceituado nos
artigos 30º e 31º da Constituição propiciou a realização das primeiras
eleições gerais democráticas em 1994, concretizando, assim o Estado
moçambicano, a um Estado Democrático. O Titulo II do texto
constitucional sedimenta os valores fundamentais da democracia
preceituados no Capitulo III, concretamente nos artigos 30º e 31º, ao
estabelecer os direitos, deveres e liberdades fundamentais. As
liberdades também chamadas de direitos individuais, foram
subdivididas sob ponto de vista político cívico, social e
económico. Sob ponto de vista político através do voto, do sufrágio
universal, o cidadão  exerce o seu direito de soberania popular,
estatuída no artigo 2º  e pormenorizada nos artigos seguintes que 
estabelecem que “os cidadãos maiores de dezoito anos têm o direito
de votar e de ser eleitos ; a eleição dos órgãos representativos  do
Estado, através do sufrágio  universal, direto, secreto, pessoal e
periódico”, abrindo desta forma espaço para a participação popular na
governação do país[3]. Sob ponto de vista cívico neste novo texto
fundamental o Estado introduz os direitos de dignidade pessoal e
amplia os já estabelecidos, garantindo desta forma: “o direito à vida, à
integridade física, proibição  da tortura, tratamentos cruéis  ou
desumanos ; proibição  da pena de morte; O direito à honra, ao bom
nome, à reputação  da sua imagem pública e à reserva da sua vida
privada” [4].

Os direitos de liberdade que no anterior texto constitucional estavam


previstos num único artigo e limitados somente a liberdade de opinião,
associação e reunião, foram alargados e incorporados novas matérias
tais como: o Artigo 74º  que previa o pluralismo de informação, criando
assim condições para a elaboração e aprovação da Lei de imprensa,
em 1991 e que contribuiu bastante, para a abertura de canais de
informação privados, com  jornalistas independentes, assim como a o
surgimento de massa crítica que influenciou na  abertura das mentes
dos cidadãos através de acesso à fontes  e meios de  informação 
diversificados e imparciais. A nosso ver, o direito à liberdade de
expressão, de imprensa e de informação, significou uma grande
conquista para os cidadãos, visto que criou condições para o acesso à
informação, possibilitando assim a diversidade de opiniões e
consequentemente melhores formas interventivas da sociedade, de
articular de forma eficaz ideias e desejos e de ser parte ativa, nas
decisões que interessam à coletividade. A liberdade de expressão foi
reforçada em 1991 com a assinatura da Declaração de Windhoek, (de
03 de Maio de 1991) que apela a liberdade de imprensa, guiando-se
pelo artigo 19º da Declaração Universal dos Direitos Humanos, que
preconiza o estabelecimento, manutenção e promoção de uma
imprensa livre, independente, pluralista e livre como a garantia para a
execução plena da democracia. Ao rol dos valores fundamentais da
democracia, a Constituição preconiza que:

Todos os cidadãos são iguais perante a lei, gozam dos


mesmos direitos e estão sujeitos aos mesmos deveres, sem
distinção de cor, raça, sexo, origem étnica, lugar de
nascimento, religião, grau de instrução, posição social,
estado civil dos pais, profissão. O homem e a mulher são
iguais perante a lei, em todos os domínios da vida politica,
económica, social e cultural[5].

Ao consagrar o principio da igualdade, atinge-se assim o preceito


universal de proibição de qualquer tipo de descriminação cumprindo
desta forma os valores supremos de igualdade para todos os homens
preceituado na Declaração Universal dos Direitos do Homem e em
outros documentos internacionais e regionais sobre direitos
humanos.Sob ponto de vista social e económico os valores
democráticos foram consagrados e garantem respetivamente: “O
direito à propriedade, à herança, ao trabalho, à livre escolha da
profissão, a remuneração justa, à proteção e segurança no trabalho, o
direito de acesso à educação, assistência médica e sanitária, o direito
de assistência em caso de incapacidade e na velhice[6]”. O Estado, ao
garantir o direito à propriedade aos cidadãos, criou condições á
estabilidade social e fortalecimento das famílias, pela fixação definitiva
em lugares optados e no caso das famílias que se dedicam a
agricultura, este preceituado, contribuiu para a diminuição do êxodo
rural, pela fixação definitiva em “sua” terra, com a garantia de
indemnização em caso de  desapropriação pelo Estado, por
necessidade ou utilidade pública. A consagração do direito à herança
completa o direito de propriedade, visto que a herança é um
património sucedário e configura-se como meio de complemento e
subsistência familiar. O acesso à educação como um direito social
preconizado na Constituição, trouxe uma mais valia aos cidadãos, ao
garantir o acesso gratuito a todos, ao ensino básico e a alfabetização,
o que possibilitou a difusão da cultura, permitindo a abertura das
mentes dos cidadãos, para que sejam capazes de julgar o que é
melhor e desta forma evitar o risco de ser doutrinados, por ideologias
políticas ou propaganda enganosa. O direito ao pluralismo político é
enquadrado dentro dos direitos, deveres e liberdades fundamentais,
garantindo-se assim a criação, e adesão aos partidos políticos. O
pluralismo político criou condições para o surgimento de mais partidos
políticos com a possibilidade de emitir suas opiniões sobre os atos do
governo e da administração, assim como apresentar suas propostas
alternativas de governação e participar nas eleições democráticas. O
Estado deixa assim de ser monopartidária, com a entrada de mais
partidos na cena politica do país. O artigo 78º que previa o pluralismo
religioso abriu espaço para a tolerância religiosa contribuindo assim
para o desenvolvimento da moral e da ética em Moçambique. Portanto
os direitos cívicos, políticos, económicos, sociais e culturais foram,
duma forma geral alargados abrindo assim espaço para a promoção
da cidadania no país.[7]  A  separação  de poderes do Estado
estatuída no artigo 109º,  concretiza aquilo que Montesquieu (1993)
defende em sua obra,” O Espirito das Leis” segundo a qual, a 
liberdade política só existe  quando não se verifica o abuso do poder”,
ou seja, com a separação de poderes capaz de limitar o poder de
acção do outro poder.

Pinho e Nascimento (1991) afirmam que a teoria de Montesquieu,


embora em sua forma tradicional tenha sofrido alguma oposição, a
essência das suas ideias prevalece até aos dias de hoje, nas
Constituições democráticas.

4.3. Análise da Constituição da República de 2004, revista em


2018.

O preâmbulo do texto constitucional, dá indicações claras do


estabelecimento do Estado de Direito Democrático, iniciado com o
texto legal de 1990. O Titulo I, que estatui sobre os princípios
fundamentais, reafirma no artigo 1º os princípios democráticos
preconizados na Constituição de 1990 e ampliou a redação sobre os
princípios do Estado de direito democrático, ao dedicar os artigos 2º a
4º sobre a soberania e legalidade do Estado; Estado de Direito
democrático e pluralismo jurídico.  O artigo 11º, que preconiza sobre
os objetivos fundamentais do Estado, define nas alíneas e) e f)
respetivamente “a defesa e a promoção dos direitos humanos e da
igualdade dos cidadãos perante a lei; o reforço da democracia, da
liberdade, da estabilidade social e da harmonia social e individual”. O
Titulo III que estabelece sobre os direitos, deveres e liberdades
fundamentais, ampliou estes conceitos distribuindo-os em cinco
capítulos, com um total de 59 artigos, portanto um acréscimo de mais
19 artigos que o texto legal anterior. A estatuição e ampliação destes
direitos cívicos,políticos económicos e sociais, conjugados com os
princípios de separação e interdependência de poderes preconizados
no artigo 133º, da atual lei mãe configuram, sem margem de dúvidas,
os traços fundamentais do regime de direito democrático do Estado
moçambicano.

Conforme sustenta Gouveia (2015, p. 259):                                                                   


A caracterização de Moçambique como um Estado de Direito
Democrático se obtém, sem qualquer                          hesitação
através da análise da prática politica de todo este percurso da II
República (…) desde então a                     experiência democrática
tem amadurecido não apenas com a multiplicação das formações
partidárias, como             também pelo alargamento do principio eletivo
as assembleias provinciais e aos órgãos autárquicos já com                 
diversas eleições efetuadas.

Segundo nosso entendimento os traços característicos do regime de


Direito Democrático  elencados na  Constituição em vigor são: Estado
democrático e de justiça social, significando que as ações do Estado
devem sempre ter em conta, o respeito e a satisfação dos interesses
da coletividade; a soberania que reside no povo e  que o faz através
do voto, para a escolha dos seus representantes; a subordinação do
Estado à Constituição e a atuação dos seus representantes com base 
na legalidade; a Constituição considerada como a lei suprema de
todas as leis do país; a garantia dos direitos e liberdades
fundamentais aos cidadãos; o pluralismo politico e jurídico e a
separação e interdependência de poderes, Executivo, legislativo e
judiciário.

Conclusão

A liberdade política e os direitos e liberdades fundamentais, são


elementos indissociáveis para a construção de uma sociedade que
respeita os direitos humanos e, portanto, de um Estado de direito
democrático. Um Estado que não respeita os direitos e liberdades
fundamentais dos indivíduos, por mais que formal e politicamente se
defina como um Estado de Direito Democrático é um Estado
absolutista ou autoritário. Assim, da análise que se faz aos textos
constitucionais moçambicanos, em particular a Constituição em vigor,
de 2004 revista em 2018, conclui-se que formalmente há elementos
que configuram o Estado de Direito Democrático em Moçambique. No
entanto, sua prática ainda é um desafio, visto que as instituições de
defesa, segurança e justiça, por estarem, por força da lei mãe,
subordinadas ao Presidente da República, que ao mesmo tempo é
chefe do Estado e Presidente do partido no poder, no nosso
entendimento não são totalmente democráticas. Por isso, para a
efetivação do Estado de Direito democrático em Moçambique há
necessidade de  reformular os nºs 02 dos artigos 225º e 228º; nº 1 do
artigo 238º; a alínea a) do artigo 241º, que preconizam a nomeação de
presidentes dos tribunais Supremo, Administrativo e Presidente do
Conselho Constitucional respetivamente, pelo presidente da
República, passando estes a ser nomeados, como acontece em
sociedades  que respeitam e observam  o  Estado de Direito, pelo
Conselho colegial de juízes da magistratura judicial ou outro órgão
independente. Há também necessidade de reformular o nº 04 do artigo
262º da Constituição que preconiza que o Presidente da República é o
Comandante Chefe das forças de defesa e serviços de segurança do
Estado, por este ser ao mesmo tempo presidente do partido no poder.
Somos favoráveis a inclusão no texto constitucional de elementos
culturais representativos de cada região, tendo em conta que o povo
moçambicano é constituído por várias nações (cultura, tradição, língua
materna, etc.) distintas.

Bibliografia

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13. _______________________. Constituição da República de
Moçambique. 1990. Maputo. Boletim da Republica. 1ª série. nº 44, de
02 de Novembro.
14. _______________________. Constituição da República de
Moçambique 2018. Editora Escolar. Maputo.

                                                         
 

[1] Artigo 109º do Titulo III, que preconiza os Órgãos do Estado

[2] Artigos 30º e 31º dos Princípios fundamentais da Constituição

[3] Nº 02 do artigo 75º dos Direitos, Deveres e Liberdades e 102 dos


órgãos do Estado estatuídos na CRM.

[4] artigo 70º, 71º dos princípios gerais da CRM.

[5] Artigo 66º, 67º Capitulo I dos Princípios Gerais da CRM

[6] Artigos 86º, 87º,88º 89º 91º, 92º 94º, 95º, Capitulo III, dos Direitos e
Deveres Económicos e sociais, da CRM

[7] artigo 77º das direitos, deveres e liberdades da CRM.

[1] Ratificada por Moçambique pela resolução n° 4/93 de 02 de junho.

[1] Daqui em diante passa a chamar-se de CRPM.


Sobre a autora

Celestina Moniz
Jurista, Mestrada em Direito Juridico Politico; doutoranda em Direito
Público .
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