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ANDRÉA DIAS GARZESI SOUZA

PRÓ-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA


STRICTO SENSU EM PSICOLOGIA
APRENDIZAGEM E COMPORTAMENTO FOSSILIZADO:
A COMPREENSÃO DA CONSTITUIÇÃO DE
CONCEITOS NA DEFICIÊNCIA INTELECTUAL

Mestrado
APRENDIZAGEM EDissertação apresentada ao Mestrado em
COMPORTAMENTO
FOSSILIZADO: A Psicologia da UniversidadeDA
COMPREENSÃO Católica de Brasília,
como requisito NA
CONSTITUIÇÃO DE CONCEITOS para obtenção do título de mestre.
DEFICIÊNCIA
INTELECTUAL.

Autora: Andréa Dias Garzesi Souza


Orientadora: Drª. Tânia Maria de Freitas Rossi
Co-orientadora: Drª. Sandra Francesca Conte de Almeida
Orientadora: Drª Tânia Maria de Freitas Rossi
Co-orientadora: Drª. Sandra Francesca Conte de Almeida

Orientador:
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ANDRÉA DIAS GARZESI SOUZA

APRENDIZAGEM E COMPORTAMENTO FOSSILIZADO: A COMPREENSÃO DA


CONSTITUIÇÃO DE CONCEITOS NA DEFICIÊNCIA INTELECTUAL.

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-


Graduação Stricto Sensu em Psicologia da
Universidade Católica de Brasília como
requisito parcial para obtenção do título de
Mestre em Psicologia.

Orientadora: Drª. Tânia Maria de Freitas


Rossi.

Co-orientadora: Drª. Sandra Francesca Conte


de Almeida

Brasília
2009
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Dissertação de autoria Andréa Dias Garzesi Souza, intitulada “Aprendizagem e


comportamento fossilizado: a compreensão da constituição de conceitos na deficiência
intelectual”, apresentada como requisito parcial para obtenção do grau de mestre em
Psicologia da Universidade Católica de Brasília, em 31 de março de 2009, defendida e
aprovada pela banca examinadora abaixo assinada.

________________________________________________________________
Orientadora: Profª. Drª.Tânia Maria De Freitas Rossi
Universidade Católica de Brasília

________________________________________________________________
Co-orientadora: Profª. Drª. Sandra Francesca Conte de Almeida
Universidade Católica de Brasília

________________________________________________________________
Profª. Drª. Ana da Costa Polônia
Universidade de Brasília

________________________________________________________________
Profª. Drª. Divaneide Lira Lima Paixão
Universidade de Brasília

________________________________________________________________
Profª. Drª. Nara Liana Pereira Silva
IESB

Brasília
2009
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DEDICATÓRIA

Dedico este trabalho a Deus por colocar em


meu caminho pessoas tão abençoadas e
sublimes, dentre elas: meu pai, minha mãe,
irmãos, marido e meu filho, as quais foram
presentes, motivadores, acompanhando-me
nesse percurso pela busca de uma atuação
profissional comprometida com uma postura
ética. Além dessas pessoas de minha família,
também agradeço a Deus por ter me
oportunizado conhecer a professora Tânia
Rossi e Sandra Francesca por confiarem a
mim, um tema tão complexo, mas prazeroso
de ser investigado.

“Somos o intervalo entre o que desejo ser e os outros me fizeram”


Álvaro de Campos
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AGRADECIMENTOS

Ao meu pai, por ter me ensinado-me a persistir diante das dificuldades da vida, sempre com
muita humildade e perseverança, fazendo-me acreditar que tudo posso quando tenho coragem
de lutar pelos meus objetivos.

À minha mãe, por ter ensinado-me a valorizar a vida e aprender a respeitar as diferenças das
pessoas, acreditando em suas potencialidade, e principalmente, que com fé em Deus, qualquer
barreira é transposta.

Ao meu querido marido, e fiel amigo, pelo carinho, compreensão, amor, por sempre me
apoiar em meus ideais, e por acreditar em mim, em momentos que nem eu mesmo acreditava.

Ao meu anjo que Deus trouxe para iluminar minha vida e torná-la mais colorida, Flavinho,
ensinando-me a cada dia e viver e ser feliz hoje, o amanhã pode ser tarde para demonstrar
amor.

Aos meus três irmãos que tanto admiro pela personalidade forte, carinhoso e bondoso com os
outros, independentes de quem sejam.

À professora Tânia Rossi, pela oportunidade de compor um grupo de pesquisa no mestrado,


pelo exemplo de inteligência, competência, e por ter me ajudado a construir um trabalho
acadêmico com tanta relevância teórico-metodológica.

À professora Sandra Francesca pelas contribuições teóricas, carinho, e palavras acolhedoras


que sempre teve durante todo o curso.

À Iêdes, amiga, que espalha humor, felicidade, ensinou-me a olhar para coisas com esperança
e de esperar o melhor e não o pior.

À Dona Lourdes pela compreensão e carinho.

“Amo como ama o amor. Não conheço nenhuma outra razão para amar senão amar. Que
queres que te diga, além de que te amo, se o que quero dizer-te é que te amo?”

Fernando Pessoa
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RESUMO

O objetivo da pesquisa foi investigar o comportamento fossilizado de crianças com


deficiência intelectual no processo de constituição dos conceitos científicos. A pesquisa
ocorreu em uma escola da Secretária de Educação do Distrito Federal que oferece
atendimento aos alunos com deficiência intelectual. Participaram da pesquisa 02 crianças, na
faixa etária entre 12 e 14 anos, regularmente matriculadas em uma turma de educação
especial, direcionada ao atendimento específico da deficiência intelectual. Os dados foram
coletados durante aulas ministradas para constituição dos conceitos relativos aos seres vivos e
não-vivos e vertebrados e invertebrados. Especial destaque foi dado aos vertebrados,
trabalhou-se, os conceitos de mamíferos, peixes e aves. Esta escolha decorreu da proximidade
desses animais com o cotidiano das crianças e por integrarem o currículo escolar. Foram
utilizados as técnicas de observação participante, o método de classificação do quarto
excluído e o método de definição de conceitos (Luria, 1990). Durante a aplicação do quarto
excluído e do método de definição, utilizou-se dois roteiros, um para registro dos conceitos
cotidianos e outro para registro do desenvolvimento dos conceitos científicos em fase de
constituição. Os dados foram alvo de análise microgenética com o objetivo de acompanhar o
percurso do desenvolvimento dos conceitos científicos. Os resultados evidenciaram uma
modificação no modo de funcionamento das crianças com deficiência intelectual, ampliando
níveis de abstração e generalização; percebeu-se que o sujeito pode fossilizar um conceito
desde uma outra perspectiva, daquela proposta por Gallimore e Tharp: automatizando não os
atributos criteriais distintos da categoria, mas outros enlaces reais-imediatos e persistir nesse
funcionamento, e que o processo de fossiliza e defossilização são dialeticamente imbricados,
possíveis de serem constituídos simultaneamente.

Palavras-chave: Deficiência intelectual. Constituição de conceitos científicos. Fossilização.

Desfossilização.
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ABSTRACT
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SUMÁRIO

1 - Introdução
2 – Objetivos da pesquisa
3 – Referencial teórico
3.1 - Compreensão da Deficiência Intelectual
3.2 - Um Olhar Histórico-Cultural para a Deficiência Intelectual
3.3 - Internalização das Funções Psicológicas Superiores
3.4 - Mediação semiótica
3.5 - Constituição de conceitos científicos
3.6 - Conceito espontâneo e conceito científico
3.7 - A Zona de desenvolvimento proximal de Vigotski e seus desdobramentos
pedagógicos
3.8 - A tentativa de compreender o comportamento fossilizado
4 – Delineamento metodológico
4.1 - Considerações sobre o método de estudo
4.2 - Participantes
4.3 - Local
4.4 - Instrumentos
4.5 - Procedimentos
5 - Apresentação e Discussão dos Resultados
5.1 – Primeiro momento: aplicação do quarto excluídos para conceitos cotidianos
5.2 – Segundo momento: Observação participante
5.3 – Terceiro momento: aplicação do quarto excluídos para conceitos científico
6 – Considerações finais
7 - Bibliografia
8 – Anexos
8.1 - Versões das Prachas para Analisar os Conceitos Cotidianos e os Conceitos Científicos
8.2 Roteiro de registro da atividade do quarto excluído e do método de definição – pranchas
tipo A
8.3 - Roteiro de registro da atividade do quarto excluído e do método de definição – pranchas
tipo B
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8.4 - Mapa Conceitual referente à classificação dos seres vivos a serem trabalhados durante a
fase de coleta de dados.
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1 INTRODUÇÃO

Teóricos desenvolvimentistas vêm se debruçando em seus estudos na tentativa de


descrever e explicar os processos de interação entre o sujeito e o ambiente, e analisar os
fatores que incidem sobre o desenvolvimento durante o ciclo vital. No início do século
passado, os debates teóricos acerca do desenvolvimento humano abrangiam um discurso
polarizado entre os fatores inatos, adquiridos geneticamente, e os fatores ambientais, de
origem social e/ou física para, posteriormente, focalizar a atenção além da dicotomia
inato/herdado (Rogoff, 2005; Valsiner, 1987; Werstch, 1998; Vigotsky, 1997; idem, 2003).
As abordagens psicogenéticas acerca do desenvolvimento humano atualmente
concordam que o sujeito afeta e é afetado pela dimensão social, ou seja, as manifestações
especificamente humanas são constituídas na dinâmica social. Segundo Vigotsky (2001),
principal representante da abordagem histórico-cultural, no desenvolvimento humano ocorre
uma mudança do próprio tipo de desenvolvimento – do biológico para o social. Nessa
perspectiva, a ordem biológica, por si, não constitui o que é especificamente humano. As
atividades humanas são construídas ao longo da vida, por intermédio das experiências, e são
frutos de aprendizagens mediadas na cultura, o que imprime às relações sociais e à atividade
psicológica traços comuns que transcendem suas qualidades particulares (Rossi, 2006a).
O ponto chave da psicologia histórico-cultural consiste em salientar que apenas esses
traços comuns não se sustentam por serem próprios de atividades localizadas (Ratner, citado
por Rossi, 2006b). Mesmo sendo seres constituídos nas (e pelas) relações sociais, permeadas
pela cultura, o desenvolvimento do seres humanos apresenta características diversificadas e
particulares. Cada ser humano é único, desenvolve-se em um ambiente singular, moldado por
inúmeras gerações de pessoas em luta pela sobrevivência, circundado de artefatos,
conhecimentos, crenças e valores, elementos que guiam as interações das pessoas entre si e
com o mundo (Rossi, 2006). A cultura é parte do ambiente produzido pelo homem, que a
molda e a transmite às gerações que se seguem, principalmente através da linguagem, o que
torna o processo de construção do sujeito intimamente ligado ao outro social.
Fatores biológicos, geneticamente determinados, interagem com fatores
ambientais/culturais para produzir resultados desenvolvimentais. O debate em torno da
participação das predisposições biológicas herdadas do indivíduo – e da educação sobre o
desenvolvimento humano – considera que não se pode descrever adequadamente o
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desenvolvimento considerando a natureza ou a educação isoladas uma da outra; o organismo e


seu ambiente se constituem num único processo de vida (Cole, 2003). Ao se pensar a interação
de fatores biológicos e ambientais no desenvolvimento humano, não há como derrogar a
diversidade humana. Tanto a natureza quanto a dimensão social resultam de um processo
histórico, um movimento permanente que produz e modifica os aspectos fisiológicos e
psíquicos da atividade humana, entendido como instância de um único processo que os
constitui e os relaciona. Assim, o desenvolvimento humano pode ser concebido como o estudo
científico das maneiras pelas quais as pessoas se modificam quantitativa e qualitativamente no
decorrer do tempo (Papalia, 2000) e em contextos sociais específicos, historicamente
determinados, o que determina grande diversidade nos cursos que os processos de
desenvolvimento podem seguir, sendo um deles a deficiência mental.
Contrapondo-se aos estudos que analisam os aspectos atípicos, ou seja, que se
encontram fora dos padrões previstos no ciclo da vida, centrados no prisma do defeito, da
deficiência e da incapacidade do sujeito, Vigotski (1997) acreditava em outra forma de
desenvolvimento das crianças com deficiência intelectual, pois a pessoa não é simplesmente
menos desenvolvida que as normais da mesma idade, apenas se desenvolve de outro modo.
Sendo assim, a criança “deficiente” apresenta um tipo de desenvolvimento qualitativamente
distinto e peculiar, porém segue as mesmas leis do desenvolvimento humano.
A perspectiva histórico-cultural na deficiência intelectual destaca alguns aspectos que
contribuem para entender a dinâmica de seu funcionamento, por compreender que o contexto
onde o sujeito está inserido influencia no agravamento da dificuldade ou na superação das
limitações e, ainda, que a representação de deficiência é construída no bojo social, a partir do
olhar das pessoas e das relações que elas estabelecem com os sujeitos que tenham algum tipo
de deficiência. Apesar de Vigotski (1997) aceitar a dimensão orgânica como um dos fatores
da deficiência intelectual, ele entende que a mesma não seja preponderante para explicar o
quadro. Nessa perspectiva, é necessário entender como esse defeito orgânico é percebido pela
sociedade e como essa percepção repercute no processo de desenvolvimento e aprendizagem
desses indivíduos.

Sólo es posible el desarrollo de las funciones psíquicas superiores por las vias de su
desarrollo cultural, siendo indiferente que este desarrollo siga el curso del dominio
de los medios exteriores de la cultura (lenguaje, escritura, aritmética) o la línea del
perfeccionamiento interior de las propias funciones psíquicas (elaboración de la
atención voluntaria, de la memoria lógica, del pesamiento abstracto, de la formación
de conceptos, del libre albedrio, etc). Pero este desarrollo no depende de la
insuficiencia orgánica. (VIGOTSKI, 1997, p.187).
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O desenvolvimento humano é tido como fruto de complexas dinâmicas estabelecidas


entre o contexto social e o sujeito. A interdependência entre o sujeito e o contexto possibilita o
processo de desenvolvimento, por intermédio da internalização dos conteúdos sociais que são
compartilhados por uma dada comunidade ou grupo social e apropriados desde a esfera
interpsicológica para a intrapsicológica.

Toda as funções no desenvolvimento da criança aparecem duas vezes: primeiro, no


nível social e, depois, no nível individual; primeiro entre pessoas (interpsicológicas)
e, depois, no interior da criança (intrapsicológico). (VIGOTSKI, 2003, p.64).

Assim, do ponto de vista do desenvolvimento ontogenético, o plano intrasubjetivo de


ação é formado pela internalização de capacidades geradas no plano intersubjetivo, plano este
que não é o plano do outro, mas das relações do sujeito com o outro. Essa acepção implica
processos dialéticos de transformação no lócus simbólico dos conteúdos internalizados,
descartando a dimensão de determinação do sujeito pelo outro ou de simples mimese dos
conteúdos correntes na dinâmica. (Rossi, 2007).
Conforme assevera Leontiev (citado por Rossi, 2007), o processo de internalização
não é a transferência externa para o plano interno preexistente da consciência, mas um
processo no qual este plano é formado. A entrada do sujeito no universo simbólico, pela
apropriação dos mecanismos internalizados oriundos da produção e elaboração cultural,
representa para o bebê a possibilidade de humanização.
Seguindo as orientações de Vigotski (citado por Carvalho & Maciel, 2003) o
desenvolvimento biológico das crianças ditas normais está interligado aos fatores de seu
desenvolvimento cultural, caracterizando a natureza sociobiológica do sujeito. Entretanto,
essa interligação não acontece com as crianças que apresentam deficiência, pois o
comprometimento orgânico alavanca dificuldades frente à cultura.
O processo de desenvolvimento ocorre de maneira peculiar nas crianças com
deficiência intelectual, pois é marcado pelo desenvolvimento insuficiente das funções
psicológicas superiores e apresenta forte tendência de manutenção das características de
funcionamento, próprias das funções psicológicas elementares – ponto principal para que se
possa compreender esse modo de funcionamento (Vigotski, 1997). Apesar disso, essa
dinâmica não é considerada como condição de fator secundário, já que não deriva do próprio
defeito orgânico, mas sim de seus sintomas originários. O desenvolvimento incompleto das
funções superiores é uma subestrutura secundária sobre o defeito, que apresenta um
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funcionamento particular, e transcorre da seguinte maneira:

a raiz de un determinado defecto, aparece en el niño una serie de particularidades


que obstaculizan el normal desarrollo de la comunicación colectiva, de la
colaboración e interacción de ese niño con las personas que lo rodean. El
apartamiento de la colectividad o la dificultad del desarrollo social, a su vez,
determina el desarrollo incompleto de las funciones psíquicas superiores, las cuales,
cuando es normal el curso de las cosas, surgen directamente en relación con el
desarrollo de la actividad colectiva del niño. (VIGOTSKI, 1997, p.223).

As insuficiências das funções psicológicas elementares comprometem o campo do


raciocínio lógico, do potencial criador, da linguagem e da memória, prejudicando a interação
da pessoa nos vários contextos e gerando dificuldades na realização de atividades coletivas e
comprometimento do desenvolvimento social. Nesse caso, ocorre uma insuficiência especial
no desenvolvimento dos processos de abstração e generalização responsáveis pela
constituição de conceitos.
As dificuldades que as crianças com deficiência intelectual apresentam no pensamento
abstrato podem persistir ao longo do seu desenvolvimento. Quando crianças da mesma idade
já transpuseram formas primitivas e concretas do pensamento, elas permanecem gerindo o
raciocínio das crianças com deficiência intelectual. O aspecto concreto do pensamento
implica que cada coisa adquire para ela um significado e apresenta uma situação determinada
e acabada. Exposta a uma atividade de resolução de problema que demanda abstração e
generalização, a criança apresentará menor mobilidade e flexibilidade e maior rigidez mental.
De acordo com Vigotski (1997, p.258), “a abstração exige certa delimitação no que concerne
à situação, o que trava por completo a criança retardada”. Em decorrência disso, há uma
acentuada dificuldade de simbolização, ou seja, de substituir fatos concretos por algo que não
pertence ao real (Padilha, 2000). O conceito de deficiência intelectual enfatiza essa dimensão.
Assim, para a American Association on Mental Retardation (AAMR, 2006), o retardo mental
– ou deficiência mental – é considerado um estado particular de funcionamento que encobre o
desenvolvimento inicial da criança e é caracterizado por limitações no nível de inteligência e
nas qualidades adaptativas. Esse estado reflete a relação entre a capacidade individual e a
expectativa de desenvolvimento da pessoa e uma inabilidade caracterizada por significativas
limitações nas funções intelectuais e em comportamentos adaptativos, expressos em
habilidades conceituais, sociais a qualidades adaptativas práticas. O funcionamento da
cognição, da motricidade, do comportamento social adaptativo pode ficar comprometido e
prejudicado em diferentes níveis. Essa definição pode engendrar uma concepção eussêmica de
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desenvolvimento, na qual a deficiência deixa de ser um fenômeno abstrato ou uma condição


médica para assumir uma construção social, calcada em crenças, valoração e reações das
outras pessoas à própria deficiência (Rossi, 2006b). Nesse aspecto, a criança na qual o
desenvolvimento se complicou não é simplesmente uma criança menos desenvolvida, mas
uma criança que tem um desenvolvimento peculiar, com ritmo diferente (Vigotsky, 1995)
De fato, a construção social da deficiência (Omote, 1994, citado por Rossi, 2006b)
implica um conjunto de expectativas dirigidas à pessoa com deficiência que determinam as
relações em um dado grupo social e o conceito de deficiência. No entanto, a tendência ao
enfoque eminentemente clínico (Omote, 1994; Mazzotta, 1996, citados por Rossi, 2006b)
mantém-se presente no diagnóstico e na educação da criança em função da deficiência
intelectual ser considerada como uma coisa e não como um processo. Em conseqüência, o
planejamento das formas de atendimento educacional dessas crianças privilegia a tentativa de
superação das causas biológicas da deficiência e deixa em segundo plano a avaliação dos
efeitos que estão relacionados às causas sociais.
Essa tendência parece desconsiderar que a conduta coletiva das crianças não só ativa e
exercita as funções psicológicas próprias como também configura fonte do surgimento de
novas formas de conduta, emergentes no desenvolvimento histórico da humanidade e que, na
estrutura de personalidade, se apresenta como uma função psicológica superior (Vigotsky,
1995).
Luria & Yudovich (1985) consideram os processos mentais como formações
funcionais complexas que são produzidas na concreta interação entre organismo e meio. Os
processos mentais são organizados em sistemas dinâmicos, compreendidos como resultados
de atividade reflexa e o ambiente escolar configura um locus privilegiado para a promoção
dessa organização (Rossi, 2006b). A educação escolar imprime forte impacto na vida da
criança por ser um espaço social com papel decisivo no processo do envolvimento da criança,
com o contexto, a interpretação e a apropriação dos bens culturais.
No caso das crianças com deficiência intelectual, a escolarização tem sido uma
alternativa que amplia o convívio social e a possibilidade de aprendizagem; no entanto,
grande parte dos estudos voltados para a escolarização do deficiente intelectual apresenta em
comum o fato de considerar o desenvolvimento como fator de aprendizagem, isto é, a
aprendizagem é dependente e deve-se adequar aos processos de desenvolvimento infantil
(Rossi, 2006b). Para Vigotski (1995), a aprendizagem só é boa quando está à frente do
desenvolvimento, motivando e desencadeando uma série de funções que se encontram em
fase de amadurecimento. Na idade escolar, a tomada de consciência e a arbitrariedade, traços
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distintivos essenciais de todas as funções superiores, encontram espaço fértil para sua
constituição. É na escola que o desenvolvimento psicológico da criança pode alcançar níveis
de aperfeiçoamento de determinadas funções e estabelecer mudanças dos vínculos e das
relações interfuncionais preconizadas por Luria (1985).
Depreende-se que a presença de um defeito não impede o desenvolvimento do sujeito
pois, com a inserção na cultura, surgem processos de compensação ou substituições de
funções que ajudarão na constituição das funções psicológicas superiores. Para Vigotski
(1997), o indivíduo que traz em si um desenvolvimento complicado por um defeito busca
novas formas de se apropriar da cultura, singularizando o seu desenvolvimento. O defeito
representa uma limitação, mas não uma incapacidade. Dessa forma, o estudo do
funcionamento do deficiente intelectual permite pensar em intervenções pedagógicas que
possibilitem o desenvolvimento das crianças com deficiência.

o milagre da educação social consiste em que ela ensina o deficiente a trabalhar,


mudo a falar, o cego a ler, através de um processo absolutamente natural de
compensação educativa das deficiências‟ (VIGOTSKI, 2004, p. 381)

A inserção do sujeito na escolarização permitirá o avanço dos processos de


aprendizagem que foram iniciados antes de sua entrada na escola, contribuindo para o
desenvolvimento das funções psicológicas superiores que serão necessárias para assimilar os
conhecimentos e adquirir novas habilidades. Os professores, por intermédio da Zona de
Desenvolvimento Proximal, contribuirão para aprendizagem dos alunos.

A zona de desenvolvimento proximal é a distância entre o nível de desenvolvimento


real, que se costuma determinar através da solução independente de problemas, e o
nível de desenvolvimento potencial, determinado através da solução de problemas
sob a orientação de um adulto ou em colaboração com companheiros capazes
(VIGOTSKI, 2003, p.112).

O nível de desenvolvimento real é caracterizado pelas funções que já foram atingidas e


desenvolvidas e ocorreram como fruto de uma dinâmica do desenvolvimento, ou seja, são
atividades que o indivíduo já realiza com independência, bem como a capacidade de resolver
as situações problemas sozinho. Contudo, no transcorrer do desenvolvimento, o sujeito se
defronta com situações nas quais não é capaz de realizar sozinho alguma atividade, porém
pode realizá-las a partir da orientação, da mediação e de pistas verbais de um outro mais
capaz. Ao longo das mediações, algumas funções psicológicas superiores que se encontravam
em estado embrionário potencial se desenvolverão e, conseqüentemente, tornar-se-ão funções
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consolidas; funções essas que, pelo dinamismo, voltar-se-ão para o nível de desenvolvimento
real do sujeito.
Na constituição do ser humano, em geral, o desenvolvimento natural e o cultural
coincidem e se fundem; na criança com deficiência intelectual, não se observa esse tipo de
fusão (Vigotski, 1995), já que o próprio defeito desencadeia a divergência. As atividades de
uma cultura são construídas para um biótipo comum. Ao nascer, a criança com deficiência
intelectual não encontra em seu meio condutas culturais de atividades que são adequadas à
sua atuação, o que dificultará o seu desenvolvimento histórico-cultural. Conseqüentemente,
seu desenvolvimento cultural transcorre numa direção distinta da direção do desenvolvimento
da criança normal, à semelhança da plasticidade de sua inteligência, ainda que sejam
prevalecentes as mesmas leis gerais do processo de internalização. Em função disso, o ritmo
da aprendizagem e do desenvolvimento apresenta características de um processo incompleto.
A evolução intelectual na deficiência mental configura-se analogamente a uma construção
inacabada a demandar investigações acerca desse funcionamento psíquico peculiar. O
conceito de fossilização, apenas delineado por Vigotski (1997), pode constituir-se em um
operador lógico no entendimento desse funcionamento.
Durante os estudos relacionados à análise dos processos psicológicos superiores,
Vigotski (1997) deparou-se com situações onde os processos psicológicos, com o decorrer do
tempo, tornaram-se rígidos e mecanizados. Fazendo uma analogia com a paleontologia, esse
conjunto de característica foi denominado de fossilização, ou seja, sua aparência externa não
teve modificação no transcorrer dos anos, mas sua aparência interna foi modificada e
esmaecida. Conseqüentemente, os principais aspectos do comportamento fossilizado referem-
se ao automatismo e comportamento mecanizados. Portanto, para estudar o comportamento
fossilizado é necessário realizar uma análise genotípica, afinal o interesse é verificar os
motivos que levaram o comportamento a ficarem mecanizados.
Segundo Vigotski (2003, p.85),

O estudo das funções rudimentares deve ser o ponto de partida para o


desenvolvimento de uma perspectiva histórica nos experimentos psicológicos. È
aqui que o passado e o presente se fundem e o presente é visto à luz da história;
aquele que é e aquele que foi. A forma fossilizada é o final de uma linha que une o
presente ao passado, os estágios superiores do desenvolvimento aos estágios
primários.

Os termos automatização e fossilização podem ser considerados em suas


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características polissêmicas e, dependendo da área que estão sendo empregados, apresentarão


definições e entendimentos distintos. O levantamento de pesquisas sobre fossilização mostra
uma tendência que orienta as investigações e diz respeito ao processo de automatização de
comportamentos e seu uso não deliberado em situações-problema. Yokota (2001), por
exemplo, estudou as especificidades da aquisição-aprendizagem da língua espanhola por
falantes do português brasileiro. Para o autor, erros fossilizados surgem no sistema lingüístico
não-nativo em situações de cansaço, em momentos de ansiedade e em situações de
relaxamento. Silva (2004), investigando a fossilização dos erros e desvios no uso de uma
língua estrangeira, encontrou que esses são fenômenos característicos que se manifestam em
pessoas que estudam línguas, especialmente na infância, sem ter contato com falantes nativos.
Lerch (2000) pesquisou as dificuldades que os estudantes adultos enfrentaram na
disciplina de álgebra no curso de matemática. Muitos desses alunos eram repetentes nessa
matéria devido à dificuldade que advém da educação básica. O maior interesse da autora em
realizar essa pesquisa foi o de que os estudantes cometiam os mesmos erros repetidamente. O
que foi percebido nesse grupo é que os estudantes aprenderam a multiplicação e operações
exponenciais, mas não sabiam aplicar os processos de multiplicação e de operações
exponenciais nas situações problemas. Os estudantes podem ter aprendido o conceito de
algoritmos nas séries anteriores, entretanto não compreenderam como ou por que usar esses
processos.
A autora indica a existência da fossilização em contextos diferentes, tais como o
acadêmico, o sociocultural e o histórico (Albert, Bilics, Lerch & Weaver, 1999, citados por
Lerch, 2000). A fossilização sociocultural ocorre em conseqüência da aprendizagem no plano
interpessoal: o conhecimento é adquirido sem que se esteja ciente das conexões existentes.
Um exemplo do comportamento fossilizado no contexto sociocultural é o desenvolvimento de
uma cultura que se refira ao conjunto de normas e regras que regem uma sociedade.
Para Lerch (2000), fossilização acadêmica refere-se às conexões de habilidades e
conceitos que foram apreendidos no passado, porém perdidos ao longo do tempo. Os
estudantes apresentam restos de habilidades e de conceitos desconectados que são usados
incorretamente.
Uma vez identificada a área da fossilização, é possível realizar o processo da
desfossilização. Segundo Lerch (2000), unfossilization significa quebrar conexões velhas e
liberar o sujeito para uma nova aprendizagem. Trata-se de re-conectar o conhecimento velho e
elaborar o conhecimento que faz sentido para o sujeito.
Já para Gallimore e Tharp (2002), fossilização é o conhecimento interiorizado, no qual
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o sujeito passa a resolver situações-problema sem precisar de ajuda assistida. Os autores


analisaram a zona de desenvolvimento proximal definindo estágios genéticos no processo.
Entendiam que o processo de aprendizagem e o desenvolvimento das funções psicológicas
superiores têm um dinamismo dialético no qual qualquer desempenho dependerá do
relacionamento entre a auto-regulação e a regulação social. No decorrer do tempo, o sujeito
gradualmente necessita de menos assistência para executar suas atividades e começa a
aumentar sua capacidade de auto-regulação. Na ZDP, ocorre a passagem “do desempenho
assistido ao desempenho não assistido e auto-regulado, o que se processa gradualmente.”
(Gallimore; Tharp, 2002, p. 179)
O estágio I refere-se às atividades que as crianças pode operar com auxilio de outras
pessoas mais capacitadas. Esse auxílio objetiva promover o desenvolvimento para que, mais
tarde, o sujeito tenha condições de agir com independência. Quando é apresentando um
estímulo novo ao sujeito, para que ele possa manifestar alguma ação direcionada, este
mostrará limitações e necessitará da ajuda de professores, colegas ou pais, para concluir as
atividades.
No estágio II, a criança desempenha as tarefas sem assistência externa, porém seu
desempenho não está totalmente interiorizado, permanecendo contaminado pelo discurso e
pelos modos de funcionamento dos adultos, ainda que utilize a autodireção. Nesse estágio e
no primeiro, o sujeito ainda encontra-se imerso na zona de desenvolvimento proximal.
No estágio III, a assistência do adulto e a auto-assistência já não são mais necessárias.
Há a interiorização e automatização do conhecimento, o que possibilita melhor performance e
o alcance dos objetivos.
O último estágio se caracteriza pela busca da desautomatização do desempenho, o que
permite a entrada em uma zona de desenvolvimento proximal, tornando cíclico o caminhar
pelos estágios, o que pode resultar na construção da aprendizagem de forma dinâmica e
interativa.
Para Gallimore e Tharp (2002), o objetivo em analisar a ZDP foi o de tentar
demonstrar o progresso do ensino, que é caracterizado pelo caminho do “desempenho
assistido a auto-regulação para novamente sair da zona de desenvolvimento proximal por
meio de uma nova automatização” (p.182)
Compreender as formas fossilizadas de comportamento, ou seja, os chamados
processos psicológicos mecanizados, exige, pois, a análise do processo de aprendizagem de
um dado conteúdo, sua automatização e, posteriormente, a flexibilização desse funcionamento
de forma a prosseguir com a aprendizagem e com o desenvolvimento. Vigotski (1997, p.
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259), ao tratar do funcionamento do deficiente intelectual, afirma que “na presença de uma
diferenciação insuficiente da personalidade, o mundo das percepções e vivências resulta ser
na criança retardada, também muito mais uniforme, inerte e fossilizado”.
Na deficiência intelectual, há dois problemas centrais: o primeiro diz respeito a
internalização de um dado conteúdo a ponto de tornar-se fossilizado; o segundo refere-se ao
processo de desfossilização, que assegura a continuidade do processo de desenvolvimento.
Cabe, então, perguntar: como crianças com deficiência intelectual realizam o processo de
fossilização? Elas apresentam peculiaridades quanto ao reverso, ou seja, a desfossilização?
É sabido que tanto para a criança considerada “normal” quanto para a criança com
deficiência intelectual, as características das funções psicológicas superiores são alteradas
significativamente com a formação de conceitos, pois o conceito, em termos psicológicos, em
qualquer nível do seu desenvolvimento, é um ato de generalização. O desenvolvimento dos
conceitos coincide com o desenvolvimento dos significados das palavras e requer atenção
arbitrária, memória lógica, abstração, comparação e discriminação dos próprios processos
intelectuais que lhe servem de base, além de incluir reflexões mais complexas entre a
aprendizagem e a atividade da criança (Vigotsky, 2001). Durante a dinâmica de constituição
de conceito, é possível estudar, portanto, o processo de fossilização.
Nesse sentido, o objetivo deste projeto é investigar o modo de funcionamento
psicológico de crianças com deficiência intelectual ao longo da constituição de conceitos
científicos em sala de aula, para analisar como se realizam os processos de fossilização e
desfossilização nessa dinâmica.
20

2 OBJETIVOS

1 Objetivo geral

Investigar o modo de funcionamento psicológico de crianças com deficiência


intelectual ao longo da constituição de conceitos científicos em sala de aula, para analisar
como se realizam os processos de fossilização e desfossilização nessa dinâmica.

2 Objetivos específicos

- Observar as crianças em processo de constituição dos conceitos de mamífero, ave e peixe


em sala de aula.

- Verificar se o curso do desenvolvimento segue os tópicos propostos por Gallmore e Tharp;

- Identificar e analisar o comportamento fossilizado, verificando os níveis de abrangência da


generalização e abstração ao longo da constituição do conceito científico;

- Analisar o processo de desfossilização


21

3 REFERENCIAL TEÓRICO

3.1 Compreensão da deficiência intelectual

A abrangência de estudos acerca dos processos mentais de aquisição do conhecimento


nos fornece os subsídios fundamentais e necessários para a nossa pesquisa, pois somente a
partir da compreensão da deficiência intelectual poderemos estabelecer investigações sobre a
aquisição do conhecimento por parte da criança com essa característica.
A American Association on Mental Retardation (AAMR) tem focalizado, ao longo dos
anos, sua atenção no campo do retardo mental. Seus estudos circunscrevem-se na definição,
classificação, etiologias, diagnóstico e intervenções no retardo mental. A mais nova edição da
AAMR, o sistema de 2002, apresenta o paradigma de funcionalidade e a visão
multidimensional. Essa visão analisa a pessoa em sua totalidade: habilidades intelectuais,
comportamentos adaptativos, saúde física e mental e as interações que ela estabelece com os
outros. De acordo com AAMR (2006, p.209), o sistema de 2002 “está concentrado no
indivíduo, suas potencialidade, suas limitações, seus ambientes, suas necessidades”.
Para culminar nessa nova perspectiva, a AAMR, juntamente com outros pesquisadores
e colaboradores, construíram uma luta em prol do melhor entendimento do retardo mental. A
primeira publicação da AAMR ocorreu em 1921 e, posteriormente, nove edições foram
publicadas, sempre com o objetivo de introduzir mudanças significativas que pudessem
esclarecer o quadro mencionado. No transcorrer dessas publicações, o retardo mental foi
compreendido com diferentes leituras, desde uma base mais organicista até uma visão mais
ecológica.
Em 1908, Tredgold (citado pela AAMR, 2006, p.29) pontua que o retardo mental “é
um estado de deficiência mental cerebral incompleto, em conseqüência do qual a pessoa
afetada é incapaz de realizar os seus deveres”. Percebe-se que a definição apresentada pelo
autor estava permeada por uma visão organicista pois, devido a uma insuficiência orgânica, a
pessoa fica impedida de executar com sucesso as suas tarefas diárias como indivíduo
participante e ativo em sua comunidade.
Já na década de 1940, Doll (citado pela AAMR, 2006, p.30) define o retardo mental
como:
22

um estado de incompetência social obtido na maturidade, resultante de uma parada


no desenvolvimento de origem hereditária ou adquirida; a condição é essencialmente
incurável através de tratamento e irremediável através do treinamento. (DOLL,
1941, p. 215).

Diferente de Tredgold, Doll não faz uma alusão ao desenvolvimento cerebral


incompleto, mas ainda persevera a ênfase na limitação e na concepção biologizante. Em
contrapartida às idéias desses autores, Heber (1961) substitui a concepção de retardo mental
por uma que preconiza a visão de funcionamento global. Assim, segundo Heber (1961, p. 66),
“o retardo mental refere-se a um funcionamento intelectual geral abaixo da média que se
origina durante o período do desenvolvimento e está associado com deficiência no
comportamento adaptativo”. Quase três décadas depois, essa mesma concepção continua e, de
acordo com Luckasson et al (1992, p.19), “o retardo mental é mais uma definição do
funcionamento presente do que de um estado permanente, e o funcionamento tipicamente
varia durante a vida de uma pessoa”.
Por mais de 65 anos, a visão organicista do retardo mental foi assumida e teve
implicação na prática pedagógica, gerando ações dos profissionais envolvidos no processo de
escolarização permeadas por uma visão que trabalha o defeito e o limite do indivíduo. Tal
comportamento estigmatiza o sujeito e o insere em um limiar inferior de aprendizagem e
desenvolvimento.
Já a AAMR, em sua décima edição de seu manual sobre o retardo mental, publicada
em 2002, buscou romper com o estigma que avalia apenas as limitações e propõe uma
ressignificação para a definição do retardo mental:

Retardo mental é uma incapacidade caracterizada por importantes limitações, tanto


no funcionamento intelectual quanto no comportamento adaptativo, está expresso
nas habilidades adaptativas conceituais, sociais e práticas. Essa incapacidade tem
início antes dos 18 anos de idade. (p. 29)

Essa nova definição apresenta uma perspectiva ecológica e multidimensional, baseada


na intensidade dos sistemas de apoios que servirão para traçar as intervenções que
possibilitem o crescimento do sujeito. Segundo a AAMR (2006, p.210), a definição de retardo
mental enquanto uma incapacidade refere-se à deficiência dentro de uma perspectiva de
limitações no funcionamento intelectual, podendo ser caracterizada por dificuldades
23

significativas na capacidade de funcionamento cognitivo, bem como em sua oportunidade de


funcionamento.
O funcionamento intelectual diz respeito ao desenvolvimento e uso de capacidades
que indiquem o pensamento abstrato, o raciocínio, o potencial criador, o planejamento e a
resolução de situações-problemas. A pessoa com deficiência intelectual apresenta limitações
nessas funções psicológicas superiores, bem como em seu conjunto de habilidades
conceituais, sociais e práticas.
A definição de retardo mental inclui três critérios marcantes em seu arcabouço: o
primeiro refere-se à limitação no funcionamento intelectual; o segundo, ao comprometimento
no comportamento adaptativo e o terceiro, à sua aparição no período desenvolvimental e
apresenta alguns pressupostos que ajudam a compreender a definição apresentada. São elas:
– as limitações no funcionamento atual devem ser consideradas dentro do contexto dos
ambientes da comunidade característicos das pessoas da faixa etária e da mesma cultura do
indivíduo;
– a avaliação válida considera a diversidade cultural e lingüística, e também as diferenças na
comunicação, nos fatores sensoriais, motores e comportamentais;
– cada indivíduo, as limitações freqüentemente coexistem com as potencialidades;
– um propósito importante ao descrever as limitações é o de desenvolver um perfil aos apoios
necessários;
– com os apoios personalizados apropriados durante um determinado período de tempo, o
funcionamento da vida com retardo mental em geral melhora.
Dessa forma, o funcionamento da pessoa deve ser compreendido dentro do contexto
social em que ela convive, considerando todos os padrões culturais que permeiam o sujeito,
tais como linguagem, comunicação, costumes e limitações físicas, o que rompe com a visão
reducionista anterior e considera o sujeito possuidor de um funcionamento complexo no qual
potencialidades também estão presentes.
Vale ressaltar que, mesmo após tantas mudanças significativas, no sistema de 2002
permaneceu o uso da expressão retardo mental, a despeito dessa terminologia estar sendo
discutida desde a década passada.
A Organização das Nações Unidas (ONU) promoveu um Simpósio intitulado
“Deficiência Intelectual: Programa, políticas e planejamento para o futuro”. O evento ocorreu
em 1995, na cidade de Nova York, no qual foi utilizada oficialmente, pela primeira vez, a
expressão deficiência intelectual. Em outubro de 2004, a Organização Mundial de Saúde
(OMS), juntamente com a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS), organizaram em
24

Montreal (o Brasil foi um dos países que participaram) o simpósio que culminou com a
construção de um documento, chamado “Declaração de Montreal sobre a Deficiência
Intelectual”.
O evento teve a participação de especialistas das mais diversas áreas, representantes
dos Estados, de famílias de pessoas com funcionamento intelectual prejudicado. A
conferência de Montreal declarou que:

a) assim como os demais sujeitos, a pessoa que apresenta uma incapacidade


intelectual tem os mesmos direitos; b) a incapacidade intelectual, assim como as
outras características humanas é uma dimensão da diversidade humana; c) Os
estados têm o dever de zelar pelas pessoas com deficiência intelectual, assegurando
seus direitos políticos, civis, sociais, econômicos e culturais; d) Favorecer um
contexto de inclusão social, com acesso a educação, saúde e oportunidade de
emprego; e) O direito não si restringe apenas a igualdade de oportunidades, mas
ações apropriadas, através de acomodações e serviços de apoios, baseados nas
necessidades das pessoas; f) direito a tomada de decisões que objetivam a melhoria
do seu desenvolvimento intelectual. (Declaração de Montreal, 2004).

Essas concepções, calcadas em um modelo igualitário e ecológico, também estão


presentes no atual modelo do sistema de 2002, apresentado pela AAMR (2006), no qual
serviram como base para as discussões referentes ao modelo de apoio que deve ser igualitário
e independente de questões sociais, políticas e econômicas. As discussões em Montreal
favoreceram a mudança da nomenclatura da AAMR para Associação Americana de
Deficiência Intelectual e do Desenvolvimento (AAIDD)
O modelo teórico do qual a AAMR deriva sua compreensão de deficiência intelectual
permite analisar a relação entre o funcionamento da pessoa com as cinco dimensões
(habilidades intelectuais; comportamento adaptativo – habilidades conceituais, sociais e
práticas; participação, interações e papéis sociais; saúde – física e mental e o contexto) que
abrangem a visão multidimensional do quadro.
O modelo toma como eixo principal o foco ecológico que, segundo Bronffenbrenner
(1996), refere-se às inter-relações estabelecidas entre o sujeito e as condições do contexto que
o cercam. Essas relações podem ocorrer em cinco níveis: microssistema, mesossistema,
exossistena, macrossistema e cronossistema. A perspectiva ecológica adotada pela AAMR
compreende que o microssistema representa o ambiente social imediato, que inclui a pessoa e
a família, composto pelas relações estabelecidas face a face. O mesossistema é a interligação
de diversos microssistemas. Os microssistemas família e escola prestam assistência e podem
integrar o mesossistema dos sujeitos. O exossistema é um espaço de interação no qual o
sujeito não se encontra presente, mas sofre influência de decisões tomadas por terceiros. Já o
25

macrossistema representa as influências sociopolíticas e o padrão de características da cultura.


E o cronossistema está relacionado ao contexto de desenvolvimento da pessoa, e representa o
núcleo do tempo, que compreende as mudanças e transformações históricas da vida do
sujeito, abrangendo desde acontecimentos históricos (copa do mundo, Declaração de
Montreal) até episódios da vida cotidiana da pessoa. Logo, a pessoa que tem a condição do
retardo mental é compreendida inserida em um contexto no qual qualquer análise e
intervenção precisam considerar os aspectos do funcionamento do sujeito e sua relação com o
social. A AAMR (2006, p.26) pontua que a “avaliação do contexto é um componente
necessário do julgamento clínico e essencial para compreender o funcionamento do
indivíduo”.
Calcadas nesses pressupostos, estão às cinco dimensões da deficiência intelectual. A
primeira refere-se às habilidades intelectuais. A inteligência é compreendida como uma
capacidade cognitiva, incluindo a resolução de problemas, raciocínio, potencial criador,
pensamento abstrato, e aprendizagem a partir de trocas de experiência. (AAMR, 2006). A
capacidade mental não se restringe apenas a uma habilidade acadêmica mas, em um sentido
mais amplo, pretende explicar, sistematizar e analisar os motivos pelos quais a pessoa
apresenta diferenças em suas habilidades para compreender as idéias mais complexas e as
potencialidades intelectuais de adaptação ao seu contexto, além de aprender através de trocas
de experiência, o que implica em diferentes formas e pensamento e transposição das
dificuldades através do pensamento e da comunicação (AAMR, 2006).
A segunda dimensão trata do comportamento adaptativo (habilidades conceituais,
sociais e práticas) e refere-se ao conjunto de habilidades conceituais, constituído pelas
características acadêmicas, cognitivas e de linguagem. Segundo Carvalho e Maciel (2003, p.
4), em corroboração com a AAMR (2006), são exemplos de habilidades conceituais a
“linguagem receptiva e expressiva; a leitura e escrita; os conceitos relacionados ao exercício
da cidadania”. Outra área do comportamento adaptativo são as habilidades sociais,
caracterizadas pela competência social como, por exemplo, a capacidade interpessoal, a auto-
estima, a credibilidade (possibilidade de ser manipulado ou enganado) e a possibilidade de
seguir regras e obedecer as leis e evitar a vitimização. E, por fim, as habilidades práticas
analisadas pelo exercício da autonomia, observadas através das atividades cotidianas (comer,
tomar banho, vestir-se, preparar as refeições, entre outras).
Essas habilidades adaptativas foram internalizadas pelos sujeitos para que eles possam
desempenhar suas atividades com funcionalidade. Acredita-se que tanto as potencialidades
26

quanto as limitações devem ser compreendidas inseridas em um contexto, relacionadas a


necessidades de apoios personalizados.
A terceira dimensão diz respeito à participação, interações e papéis sociais, e
expõe a necessidade da participação e interação da pessoa na vida comunitária, seja na escola,
na igreja, nos serviços e em demais locais que possibilitem o desenvolvimento da pessoa.
(Carvalho e Maciel, 2003).
O movimento igualitário defendido por vários especialistas pelo mundo, como no
evento de Montreal, promove os direitos civis e mais oportunidades para os sujeitos com
deficiência intelectual, para que possam ter mais condições de participação na vida de forma
geral, possibilitando a sua inclusão em papéis sociais e o reconhecimento nas suas interações
sociais. Segundo Rogoff (2005), a participação do sujeito nas atividades da comunidade
permite que as crianças desenvolvam sentimentos de autonomia e autoconfiança.
A quarta dimensão refere-se à preocupação em avaliar a saúde (física e mental). A
OMS (1993) esclarece que saúde é um bem estar de saúde física, mental e social. As
condições da saúde física podem interferir a saúde mental e vice-versa. Assim, a AAMR
(2006) pontua que, para os sujeitos que apresentam a condição da deficiência intelectual, as
conseqüências do efeito tanto da saúde física quanto emocional sobre o funcionamento
cognitivo podem variar desde os efeitos que contribuam para o desenvolvimento e
aprendizagem até aqueles que inibam.
Quando o sujeito apresenta uma boa saúde, pode aproveitar e participar amplamente
das interações sociais, muito embora nem sempre isso ocorra, pois algumas pessoas podem
apresentar diversas complicações de saúde, dificultando suas atividades e participações
sociais.
A última dimensão é nomeada de contexto (ambientes e cultura). O contexto
descreve os aspectos relacionados a situações e locais em que as pessoas convivem, como já
assinalado anteriormente no modelo ecológico, considerando os níveis propostos por
Bronffenbrenner (1996). Esses vários níveis são importantes para compreender o que as
pessoas fazem, em que lugar o fazem, quando e com quem fazem (AAMR, 2006).
As cinco dimensões apresentadas permitem avaliar a deficiência intelectual não apenas
diante do foco de seu quociente de inteligência, mas também na análise das demais dimensões
que fazem parte da constituição do sujeito. Nessa perspectiva, a deficiência intelectual não é
um “atributo da pessoa, mas um estado particular de funcionamento” (Carvalho e Maciel,
2003, p.3). A deficiência intelectual caracteriza uma condição de funcionamento que se inicia
na infância e é entendida de maneira multidimensional e influenciada de forma positiva pelos
27

serviços de apoio individualizados. A leitura ampla e eficaz do modelo multidimensional e da


abordagem ecológica requer uma reflexão da pessoa em interação com o seu contexto e as
conseqüências dessa interação contribuem para a participação do sujeito na escola e na
comunidade, promovendo o bem-estar e buscando uma melhoria da qualidade de vida.
A abordagem multidimensional também se estende na busca pela compreensão das
etiologias que rodeiam a condição da deficiência intelectual. A natureza multifatorial da
etiologia circunscreve-se, principalmente, em quatro fatores: o biomédico, que são os fatores
relacionados aos aspectos biológicos; os sociais, caracterizados pelos fatores relacionados à
interação familiar e social; os comportamentais, relacionados ao comportamento que
apresenta atividades perigosas, como abuso materno de substância; e os educacionais,
relacionados aos fatores que oportunizam intervenções e apoios educacionais que favorecem o
desenvolvimento mental e as habilidades adaptativas (AAMR, 2006).
O modelo da AAMR de 2002 não apenas preocupa-se em descrever e analisar a
natureza multifatorial da etiologia da deficiência intelectual, mas também busca refletir diante
do papel da prevenção para construir um novo modelo entre etiologia, prevenção e apoio.
Segundo a AAMR (2006, p.142), apoios são “recursos e estratégias que visam a
promover o desenvolvimento, a educação, os interesses e o bem-estar de uma pessoa, e que
melhoram o funcionamento individual”. O sistema de apoio baseia-se nas seguintes
premissas: o funcionamento da pessoa é conseqüência dos resultados das interações dos
apoios com as cinco dimensões apresentadas anteriormente; o objetivo primordial do sistema
de apoio é proporcionar melhoria nos relacionamentos da pessoa, através de intervenções que
promovam a independência, oportunidade de relacionamentos e participação na comunidade e
contribuir para a saúde física, emocional e social do sujeito.
O quadro a seguir representa o modelo atual do sistema de apoio 2002 para pessoas
com deficiência intelectual:
28

Capacidade pessoal e Fatores de proteção e de Participação na vida


Habilidades adaptativas risco ambientes (exigência e
demandas)

Área de Apoio

Desenvolvimento humano; saúde e segurança; Intensidade do apoio


ensino e educação; comportamento; vida Necessário
familiar; socialização; vida comunitária;
proteção e defesa; emprego.

Funções de Apoio Fontes de


apoio
Ensino; apoio comportamental; ajuda,
favorecimento; assistência na vida familiar;
planejamento financeiro; acesso e uso dos bens
comunitários; assistência no emprego;
assistência à saúde. Intensidade do apoio
necessário

Resultados Pessoais
- Independência
- Relacionamentos
- Cooperação;
- Participação escolar e comunitária
- Bem-estar pessoal Avaliação dos
apoios
Necessário

Fig. 1. Modelo de sistema de apoio para pessoa com deficiência intelectual (AAMR, 2006, p.143).

Baseia-se no modelo ecológico para entender o comportamento das habilidades e


competências relacionadas às habilidades adaptativas necessárias para interação do sujeito e
sua participação no contexto. Acredita-se na possibilidade de reduzir os efeitos causados pela
deficiência intelectual, favorecendo intervenções que se concentrem nos serviços de apoios e
29

de prevenção dos comportamentos adaptativos. Segundo Mantoan (1998, p. 1), o sistema de


apoio
começa a levar em conta não apenas os tipos de a intensidade de tais apoios, mas os
meios pelos quais a pessoa pode aumentar sua independência, produtividade e
integração no contexto comunitário e entre seus pares da mesma idade.

De maneira sistematizada, autores vêm discutindo a importância do serviço de apoio.


De acordo com Fonseca (1995),

Educacionalmente e socialmente, cabe ao adulto a criação de um envolvimento


estimulador adequado, que permita a edificação do desenvolvimento psicobiológico
harmonioso caracterizado por suporte afetivo, condições de desenvolvimento
emocional, lúdico e motor, facilidades de exploração do meio físico e social, relação
e interação consistente entre o adulto e a criança para a maturação da linguagem e
para a apropriação das aquisições de socialização. (p.48)

Cabe, portanto, aos profissionais identificar os tipos de apoios que são necessários, a
intensidade e o papel das pessoas que são responsáveis em possibilitar o apoio em cada uma
das nove áreas de apoio propostas pela AAMR (2006, p. 223): “desenvolvimento humano,
ensino e educação, vida doméstica, vida em comunidade, emprego, saúde e segurança,
comportamental, social, proteção e defesa”.
O atual conceito dos apoios está em consonância com o conceito de ZDP proposto por
Vigotski, que o define como a distância entre os níveis de resolução de problemas de maneira
independente e assistida. Assim, o desempenho da pessoa com deficiência intelectual pode
melhorar quando ela possui ajuda do outro mais capaz que a auxilie a resolver suas atividades,
para que, em outro momento, ela possa internalizar a aprendizagem para o desempenho das
atividades com independência.
Percebe-se, nas concepções da AAMR, uma preocupação em demarcar não apenas a
incapacidade da deficiência intelectual mas, primordialmente, os avanços que o sujeito
apresenta como dependentes do contexto onde no qual convive. Essa interpretação vai ao
encontro da concepção de deficiência intelectual apresentada pela abordagem histórico-
cultural, que tem como um dos seus principais representantes Vigotski. Nessa perspectiva, a
presença de um defeito não impede o desenvolvimento do sujeito, já que o indivíduo que traz
em si um desenvolvimento complicado por esse defeito busca novas formas de se apropriar da
cultura, singularizando o seu desenvolvimento. Portanto, o defeito representa uma limitação, e
não uma incapacidade.
30

3.2 Um olhar histórico-cultural para a deficiência intelectual

O ponto norteador da idéia de Vigotski é a dimensão histórico-cultural do psiquismo


do sujeito. As atividades humanas caracterizadas pelo modo de pensar, perceber, explicar, os
seus desejos e emoções em relação à sociedade, a outra pessoa e a si mesmo, são construídas
no decorrer da vida através de experiência e vão constituindo o psiquismo.
A criança, ao nascer, está em constante interação com outras pessoas, que transmitem,
através de suas ações, a maneira de pensar e realizar as atividades de sua comunidade,
relacionando-as aos significados que foram herdados historicamente. Ao passo que ocorre a
apropriação dos conhecimentos, os sujeitos constroem dispositivos que permitem sua
participação nas atividades e práticas culturais. Nesse momento, o sujeito deixa de ser um
aparato biológico e a inserção no social contribui para o processo de humanização. Segundo
Leontiev (2004), cada indivíduo aprende a ser homem, pois o desenvolvimento do sujeito não
é uma relação de adaptação da pessoa ao meio físico, mas sim do entrelaçamento dos fatores
biológicos, herdados geneticamente, que interagem com a dimensão cultural, compondo uma
dança constante que transforma tanto os aspectos fisiológicos quanto os psíquicos da
atividade humana (Rossi, 2006).
A presente pesquisa utiliza como pressupostos teóricos as contribuições da abordagem
histórico-cultural, que analisa o desenvolvimento humano num processo de conversão da
ordem biológica para a ordem cultural. Embasado nos estudos de Vigotski, Leontiev (2004)
pontua que a ordem biológica, mais precisamente os aspectos filogenéticos, são as
características genéticas que exprimem as particulares de uma determinada espécie, herdadas
de uma geração para outra e regidas pela lei da natureza biológica. O plano ontogenético
marca o desenvolvimento do sujeito, constituído pelas relações sociais; são as influências do
meio social no funcionamento psicológico da pessoa. No entanto, o estudo do
desenvolvimento humano não é realizado de forma segmentada, pois essas ordens não
interagem – ao contrário, os resultados do desenvolvimento humano são em conseqüência da
articulação entre os fatores biológicos e os culturais.
Dessa maneira, Vigotski deslocou o aspecto da natureza biológica para a dimensão
social e assinalou que esta é o espaço de desenvolvimento da mente humana. Os aspectos
orgânicos não são preponderantes em relação à dimensão ontogenética, mas apresentam
características do processo evolutivo da espécie e que envolvem a transformação dos próprios
indivíduos na vida das relações sociais. De fato, os sujeitos se constituem através das trocas
de experiências mediadas pela cultura, conforme assevera Vigotski (1929, p. 56 e 67, citado
31

por Góes, 2000, p. 119), “nos tornamos nós mesmos através dos outros” e que “sou uma
relação social comigo mesmo”. O desenvolvimento do sujeito é uma história de relações com
as pessoas mediadas pela linguagem e de constantes modificações no funcionamento
psicológico construídas pelas trocas sociais, que ocorrem tanto face a face quanto no plano
macro social – no de políticas públicas, por exemplo.
Mesmo vivendo em cultura, cada ser humano apresenta suas particularidades como
fruto de sua história de vida. A singularidade de cada pessoa resulta da multiplicidade de
influência que recaem sobre o sujeito no curso de sua história. Assim como a sociedade
desempenha um papel de modificação no sujeito, o mesmo também desempenha uma função
de organismo ativo, também tendo força para modificar o meio no qual está inserido, de
acordo com suas necessidades. Pessoas vivenciam emoções, sentimentos, confrontos de
situações de maneiras bastante particulares e específicas e, dessa forma, o desenvolvimento
ocorre em campos de conflitos e crises ou, conforme pontua Vigotski, irregularidades, que são
aspectos constituintes no processo do desenvolvimento.
Percebe-se que Vigotski, ao propor essa análise do estudo do desenvolvimento
humano, buscou superar as psicologias idealistas e as correntes materialistas e mecanicistas,
ancorando seu trabalho na filosofia marxista para estudar, de forma objetiva, as reações
humanas e suas características biológicas e sociais, mas evitando tanto o reducionismo do
psíquico ao social quanto o reducionismo do psíquico ao biológico.
A partir das colaborações de Vigotski, outros pesquisadores analisaram as concepções
de uma unidade de análise entre sujeito e cultura, compreendidos em constante
desenvolvimento dentro de uma dinâmica de interdependência entre o indivíduo e suas
relações sociais, sendo uma delas a abordagem sócio-cultural de Valsiner (1987). O
pesquisador tentou compreender o processo de desenvolvimento da criança em seus diferentes
contextos e em mudanças. Por sua vez, Wertsch (1998) buscou compreender a relação entre
funcionamento mental e seu vínculo com o contexto cultural e histórico.
A abordagem histórico-cultural caracteriza o desenvolvimento humano como fruto
das complexas dinâmicas que se estabelecem entre o contexto social e o sujeito. A
interdependência entre o sujeito e seu contexto, que favorece o desenvolvimento, se estrutura
a partir das internalizações dos conhecimentos que são compartilhados e expostos em sua
comunidade. Assim o desenvolvimento é

Um processo dialético, caracterizado pela periodicidade, irregularidade no


desenvolvimento das diferentes funções, metamorfose ou transformações
qualitativas de uma forma em outra, entrelaçamento de fatores externos e internos e
processo adaptativos. (VIGOTSKI, 2003, p.161)
32

Esse processo apresenta singularidades no percurso do desenvolvimento das pessoas,


especificamente no caso de sujeitos com deficiência intelectual. Sendo assim, a criança
deficiente apresenta um tipo de desenvolvimento qualitativamente distinto, peculiar.
(Vigotski, 1997).
A tese de Vigotski contribuiu para que a defectologia moderna virasse uma ciência,
pois o foco de análise não se circunscreve na incapacidade e sim nas potencialidades do
sujeito. Essa mudança de paradigma foi elucidada por Vigotski em 1935 e, no século
seguinte, a AAMR (2006) deu a devida importância a essa perspectiva de análise, refletindo
sobre a deficiência a partir de outros ângulos: o do olhar multidimensional, que considera
todas as dimensões do sujeito, e o do olhar multifatorial, entendendo que a condição da
pessoa com deficiência intelectual pode ser devida a diversos fatores e, portanto, a diferentes
etiologias.
Vigotski acreditava, ainda, que a defectologia possui o seu próprio objeto de
investigação e que este é a diversidade nos processos de desenvolvimento infantil, com o
objetivo de investigar as particularidades do desenvolvimento das crianças com necessidade
especial. Isso significava estudar não o defeito, mas a dinâmica do desenvolvimento, através
da análise genética de todo os sistemas das funções psicológicas.
Depreende-se que a presença de um defeito não impede o desenvolvimento do sujeito
pois, com a inserção na cultura, surgem processos de compensação ou substituições de
funções que ajudarão na internalização das funções psicológicas superiores. Para Vigotski
(1997), o indivíduo que traz em si um desenvolvimento complicado por um defeito busca
novas formas de se apropriar da cultura, singularizando o seu desenvolvimento. A abordagem
histórico-cultural rompe com as idéias que buscam na dimensão orgânica as etiologias para a
compreensão da deficiência intelectual. Vigotski postula que existem diversos fatores sociais
que se relacionam com as condições orgânicas na constituição da deficiência.
O ponto central ao compreender o desenvolvimento atípico, de acordo com Vigotski
(1997, p.35), é o “duplo papel que desempenha a insuficiência orgânica”. A defectologia
moderna entende que esse papel é a tese mais importante, pois todo defeito cria estímulo para
elaborar uma compensação (Vigotski, 1997, p. 35). Dessa forma, ao estudar o deficiente
intelectual, não se pode centrar atenção no nível e na gravidade da insuficiência cognitiva,
mas sim na análise dos processos compensatórios. Assim, a pedra angular do estudo das
crianças com deficiência intelectual é que todo defeito cria estímulos para compensação
(reação do psiquismo sobre o defeito). O mecanismo de compensação ocorre através da
33

interação do sujeito com sua comunidade, que pode possibilitar a pessoa compensar a
insuficiência orgânica.
Segundo Adler (citado por Vigotski, 1997, p. 36), se a causa da diminuição
morfológica ou funcional de algum órgão não pode cumprir plenamente suas tarefas, o
sistema nervoso central e o aparato psíquico do homem assumem a tarefa de compensar o
funcionamento difícil desse órgão, onde “o defeito se converte sendo a força motriz do
desenvolvimento psíquico”. Assim, o primeiro ponto de toda a educação é a luta do
sentimento de inferioridade. Tal sentimento não é ocasionado pelo defeito orgânico e sim
devido a sua base da degradação da posição social. Logo, o desenvolvimento de uma criança
deficiente é condicionado de maneira socialmente dupla: o sentimento de inferioridade, que é
um aspecto do condicionamento social do desenvolvimento, pois a incapacidade coloca a
pessoa em uma condição menos vantajosa em relação às outras; e a orientação social da
compensação e sua adaptação às condições do meio. O grau do defeito e sua normalidade
dependem do resultado da compensação social.
Para Vigotski (1997), a supercompensação pode ser compreendida como uma reação
defensiva do organismo, em proporção maior do que o necessário para neutralizar o risco a
que esse se encontra submetido. Portanto, a supercompensação é o processo na qual o
organismo compensa o dano e elabora uma defesa.
Por exemplo, um cego usa o tato como um analisador. Esse analisador leva um
estímulo ao cérebro. Psiquicamente, ocorre outro modo de funcionamento e institui-se uma
subestrutura psíquica. O analisador permite a compensação psíquica. Conseqüentemente,
muda a forma de como trabalhar com as crianças que tenham deficiência. Assim, a
dificuldade em realizar uma função gera um estímulo para sua superação (Vigotski, 2004).
Segundo Vigotski (1997), a educação de crianças com diferentes deficiências deve
basear-se na simultaneidade entre defeito e possibilidade compensatórias, orientando o
processo educativo seguindo as tendências naturais à supercompensação.
Assim, Vigotski (2004, p.381) acredita que o princípio da educação de crianças com
deficiência intelectual consiste na tentativa de em que o professor “ensine o deficiente a
trabalhar, o mundo a falar, o cego a ler”, ou seja, que os profissionais trabalhem para que
através da compensação social o sujeito possa superar suas limitações. “A educação
estabelece vínculos condicionados, vence as deficiências naturais e cria possibilidade de
convívio social e, conseqüentemente, do próprio desenvolvimento”. (Vigotski, 2004, p.388).
Na educação da criança deficiente intelectual, o importante não é conhecer a
insuficiência, o defeito em si, mas como a criança se desenvolve, como sua personalidade
34

reage em resposta à dificuldade que deriva da insuficiência. O importante é conhecer a criança


que tem a deficiência e saber que ela não está constituída só de defeitos e carências e que seu
organismo se reestrutura como um todo único. O objetivo da educação resume-se na tentativa
de possibilitar processos de compensação da deficiência pela ampliação da experiência social.
Percebe-se que o desenvolvimento das crianças com deficiência intelectual percorre
caminhos bastante peculiares, caracterizado pelo funcionamento insuficiente das funções
psicológicas superiores e manutenção das características do funcionamento das funções
psicológicas elementares.
Para que se possa compreender com mais precisão o funcionamento do intelecto do
deficiente intelectual, se faz necessária uma investigação do desenvolvimento das funções
psicológicas superiores, pois essa análise permitirá compreender o processo de apropriação da
experiência humana e o desenvolvimento intelectual das ações mentais.

3.3 Internalização das funções psicológicas superiores

Durante todo o trajeto teórico que Vigotski percorreu, a questão da natureza social das
funções psicológicas superiores estave presente. Pino (1999) discute a respeito do termo
“função” que Vigotski faz uso no decorrer de seus escritos. Nos trabalhos de Vigotski, não
está presente o motivo pela escolha do termo “função”, mas é certo que o seu caráter
semântico é bem diferente das teorias funcionalistas. Quando Vigotski (2003) refere-se à
gênese das funções mentais superiores, o autor utiliza diferentes termos para designar a
mesma coisa: formas superiores de conduta, formas mentais, processos mentais superiores e
funções mentais superiores. Independente da utilização indistinta do termo, ao entender o
psiquismo como constitutivo de um conjunto de funções de natureza social e não de ordem
biológica, Vigotski rompe com as perspectivas funcionalistas e estruturalistas e também com
as visões biologizantes e mecanicistas da concepção sobre desenvolvimento humano.

De acordo com Pino (2000, p.71), a terminologia “função” permite compreender o


psiquismo como algo dinâmico, que está sempre em transformação:

algo que nos faz pensar na criação ininterrupta do velho no novo, do significado
dado na flutuação do sentido. Entendido assim, o termo função permite ver as
“funções mentais” de que fala Vigotski como um acontecer permanente.
Conservando um certo grau de consistência e de continuidade, apresentam-se
sempre sob o signo do novo. É claro que a capacidade de pensar, de falar, de
registrar em memória etc, são funções permanentes da pessoa, mas sujeitas às leis
35

históricas das condições da sua produção: produção da fala, das idéias, das
lembranças etc. Essas funções são portanto função dessas condições de produção, as
quais não permanecem sempre necessariamente as mesmas. O que nós pensamos, o
que nós dizemos, o que nós rememoramos depende das condições concretas em que
isso ocorre. Se isso não impede que idéias, discursos ou lembranças possam ser
reproduzidas no tempo com uma certa persistência, elas têm de ser cada vez
(re)pensadas, (re)ditas ou (re)memoradas.

Vigotski foi um dos precursores ao tentar esclarecer que o desenvolvimento possuiu


uma lei genética que é social e que toda função psicológica ocorre primeiro na interação entre
pessoas, configurando-se assim como um episódio social. Indica-se, então, que o social e o
cultural constituem a chave principal do seu construto teórico. Para o autor, “o homem é uma
pessoa social, um agregado de relações encarnadas num indivíduo” (1989, p.58). Porém, os
termos “social” e “cultural” muitas vezes são utilizados como sinônimos, o que não precisa os
seus significados no campo da educação.

Para que se possa fundamentar o papel dos termos social e cultural no


desenvolvimento das funções psicológicas superiores, se faz necessário circunscrever esses
termos no contexto teórico proposto pela abordagem histórico-cultural. Segundo Pino (2000),
o termo social caracteriza comportamentos de sociabilidade existentes no mundo
naturalmente e não configuram uma organização social; já o termo cultural apresenta esse
caráter de organização de idéias e comportamentos específicos em determinada comunidade.

Na evolução das espécies, mudanças vão ocorrendo e novas habilidades e capacidades


surgem, permitindo ao sujeito transformar a natureza conforme sua necessidade e criando suas
próprias condições de existências. Isso possibilita que o homem modifique o seu próprio
modo de pensar e agir. Os momentos de rupturas fazem com que o homem transcorra da
passagem do natural, a filogênese, para a ordem do social, a ontogênese.

A função elementar refere-se à natureza biológica, o desenvolvimento da filogênese,


enquanto a função superior trata da natureza social, que constitui-se no plano da ontogênese.
De acordo com Vigotski (2003), as funções biológicas não desaparecem, mas sim criam uma
via de superação ao adquirem uma nova roupagem, e são incorporadas na história do sujeito a
partir de sua participação na cultura. Pino (1991) esclarece que entender o desenvolvimento
humano como cultural é o mesmo que dizer que o desenvolvimento humano é histórico,
portanto refere-se ao processo que o homem realiza na natureza e em si mesmo como parte
integrante dela. Ainda segundo Pino, a abordagem histórico-cultural pretende estudar a
relação entre sujeito e sociedade. “No lugar de perguntar como a criança se comporta no meio
36

social, diz ele, devemos perguntar como o meio social age na criança para criar nela as
funções superiores de origem e natureza sociais”. (Vygotsky 1989, p.15).

As funções psicológicas superiores, tais como pensamento, linguagem, formação de


conceitos, memória, potencial criador, são os aspectos essenciais que distinguem o ser
humano de outras espécies. Esses processos apresentam um caráter social que se desenvolve
apenas se o sujeito estiver inserido em situações sociais. Já os processos psicológicos
elementares são de origem filogenética, não sendo aspectos determinantes para o surgimento e
transformações das funções psicológicas superiores.
Essa lei genética do desenvolvimento é a mesma tanto para as crianças normais quanto
para aquelas que apresentam algum comprometimento intelectual. O ciclo da lei fundamental
da psicologia apresenta processos de transição do percurso interpsicológico para o
intrapsicológico. Para exemplificar o processo de internalização, Vigotski (1997) estudou o
desenvolvimento da criança no caminho da linguagem exterior a interior como forma
fundamental de conduta coletiva, de colaboração social com os outros que se converte em
forma interior de atividade psicológica da própria personalidade.
Entretanto, esse processo ocorre de uma maneira peculiar nas crianças com deficiência
intelectual, nas quais o defeito e a incapacidade do desenvolvimento das funções superiores se
encontram em uma relação distinta do defeito do desenvolvimento insuficiente das funções
elementares. Essa diferença é o ponto principal para que se possa compreender o
desenvolvimento das crianças com deficiência intelectual. Segundo Vigotski (1997), pode-se
vislumbrar essa idéia na qual o desenvolvimento incompleto do pensamento gera um atraso
intelectual na criança.
O desenvolvimento incompleto das funções psicológicas superiores nas crianças com
deficiência intelectual configura-se como fator secundário que não deriva do próprio defeito
orgânico, mas sim de seus sintomas originários. Sendo assim, Vigotski (1997) se propõe a
estudar por que as funções superiores se desenvolvem de maneira incompleta em crianças
com atraso mental. O desenvolvimento incompleto das funções superiores é uma subestrutura
secundária sobre o defeito, que apresenta um funcionamento particular que transcorre da
seguinte maneira:

El niño normal responde al conflicto de modo mucho más moderado, más elástico,
por médio de transiciones más graduales y conectadas entre si. Encuentra la forma
de dar uma solución de compromiso al conflicto, lo cual le permite no interrumpir e
inmediato el trabajo iniciado. La conducta de los niños mentalmente retrasados
tiene, em esta situación, um caráter mucho más incoherente y se subordina a la ley
de –uma cosa o la outra-. Una de las diferencias fundamentales de los niños
37

retrasados consiste em el estancamiento y el entorpecimiento, em la difícil


movilidad del material psíquico [...] en comparación con un nino normal, el
retrasado parece ser más maduro em el sentido de su menor dinamismo y menor
movilidad de sus sistemas psíquico y de una mayor rigidez y fragilidad de los
mismos (VIGOTSKI, 1997, p.253 e 256)

As particularidades do funcionamento intelectual das crianças que apresentam


dificuldades no campo cognitivo estão relacionadas à constituição da estrutura psíquica,
constituída pela insuficiência das funções elementares que comprometem o desenvolvimento
ontogénetico das funções psicológicas superiores, nas quais, por sua vez, o pensamento
apresentará menor mobilidade, flexibilidade e maior rigidez mental.
Os construtos teóricos de Vigotski possibilitam um delineamento metodológico das
pesquisas que pretendem investigar o percurso dos processos das funções elementares em
funções psicológicas superiores, pois apontam à importância da função mediadora no
desenvolvimento intelectual do sujeito. Segundo Rossi (1993, p. 9), “a ação do sujeito sobre o
objeto é mediada socialmente pelo outro e através de signos”. Assim, a atividade intelectual
apresenta-se como um produto interpsíquico.

O sujeito, a partir do nascimento, apropria-se dos conhecimentos da cultura na qual


está inserido e essa apropriação ocorre em decorrência das relações interpessoais que são
preconizadas no contexto social da criança. Depreende-se que essa apropriação acontece
quando o sujeito parte do processo da interação com o outro, transformando-o em processo
interiorizado; então, o conhecimento é realizado internamente. O sujeito apropria-se dos
conteúdos culturais por meio do processo chamado internalização. Segundo Rossi (2006, p.2),
a “internalização é a reconstrução interna, intrapsicológica, de uma operação externa com
objetos e bens culturais com os quais o sujeito interage. A atividade externa ao sujeito,
realizada no contexto cultural torna-se atividade interna ao sujeito”

Segundo Vigotski (2003), o processo de internalização das funções psicológicas


superiores consiste, principalmente, em três aspectos: o primeiro relaciona-se ao inicio do
processo de uma atividade externa que começa a operar internamente. Esse mecanismo é de
grande valia para o desenvolvimento das funções psicológicas superiores e para a
compreensão da utilização dos signos. O próximo processo representa uma atividade
interpessoal que é modificada num processo intrapessoal. As funções psicológicas que têm
origem no social, através da “atividade prática e instrumental, porém não individual, mas em
interação ou em cooperação social” (Coll, 1982, p.82), referem-se ao nível interpsicológico
que se transforma, posteriormente, em um processo intrapsicológico. O terceiro discute a
38

transformação do processo interpsicológico para o intrapsicológico, que é fruto do percurso


histórico do desenvolvimento. “A internalização de formas culturais de comportamento
envolve a reconstrução da atividade psicológica tendo como base as operações com signos”
(Coll, 1982, p.75)

Portanto, Coll (1982), embasado pela abordagem de Vigostki (2003), postula algumas
idéias centrais para que se possa compreender o processo de internalização:

a) a melhor forma para entender a mente é observar como ela muda;

b) as funções mentais superiores têm sua origem na atividade social; e

c) funções mentais superiores são mediadas por instrumentos e signos.

Percebe-se que as funções mentais superiores são construídas e transmitidas no nível


social, ao passo que o sujeito adquira condições de internalização dos conhecimentos
oferecidos pela sociedade através dos signos. “A internalização das atividades socialmente
enraizadas e historicamente desenvolvidas constitui o aspecto característico da psicologia
humana; é a base do salto qualitativo da psicologia animal para a psicologia humana”.
Vygotski (2003).

Assim, o processo de internalização dos significados, mediados culturalmente nas


relações entre os sujeitos, é umas das principais colaborações da abordagem histórico-
cultural. Conforme Rossi (2006, p.3), ao se apropriar do pensamento de outra pessoa, através
da linguagem, o sujeito constrói concomitante sua linguagem e seu pensamento. A
apropriação do que circula na realidade objetiva, no mundo, é um movimento dialético
mediado por signos. Então, as funções psicológicas superiores são constituídas por meio da
mediação semiótica.

3.4 Mediação semiótica

O pensamento e a linguagem são funções psicológicas superiores que acontecem


simultaneamente, construídas nas interações sociais. Dessa maneira, uma não existe sem a
outra, afinal as pessoas não pensam para posteriormente formar a linguagem. Assim, “o
significado é a unidade de análise do pensamento e da linguagem”, onde o significado
representa um dado da realidade, constituído por meio dos signos. (Rossi, 2006, p. 3).
Percebe-se que a cultura desempenha um papel de suma importância na construção
dos sistemas simbólicos, pois irá mediar, através dos signos e instrumentos, o processo de
39

internalização. Segundo Araújo (1995, p. 21), o processo de mediação “evidencia a


importância histórica e cultural de instrumentos psicológicos no processo de desenvolvimento
humano, torna-se fator essencial para a emergência das funções psicológicas superiores”.

A atividade mediada é constituída pelos signos e pelos instrumentos. O homem cria


instrumentos com o objetivo de ampliar e transformar suas ações. Pode-se considerar como
instrumento, por exemplo, um giz, quadro negro, apagador, criados pelo homem para facilitar
sua ação sobre o meio. Já o signo é um instrumento psicológico utilizado para representar
algo que não está presente, tal como a palavra, o desenho, a bandeira. Assim, segundo
Vigotski (2003, p. 72), “a função do instrumento é servir como um condutor da influência
humana sobre o objeto da atividade; ele é externamente. O signo constitui um meio da
atividade interna dirigido para o controle do próprio individuo; o signo é orientado
internamente”, modificando o funcionamento psicológico da pessoa.

Vigotski (2001, p.137-138), em suas pesquisas experimentais, explorou a importância


dos signos nas atividades mediadas e comprovou que o desenvolvimento dos signos
circunscreve-se em quatro estágios:

O primeiro caracterizado como o estágio natural ou primitivo representa a


linguagem pré-intelectual e ao pensamento pré-verbal, quando essas operações
aparecem em sua forma original, tal como evoluíram na fase primitiva do
comportamento;
O segundo estágio definido como psicologia ingênua, corresponde a experiência da
criança com as propriedades físicas do seu próprio corpo e dos objetos a sua volta, e
a aplicação dessa experiência ao uso de instrumentos: o primeiro exercício
inteligência prática que está brotando na criança;
O terceiro estágio se caracteriza por signos exteriores, operações externas que são
usadas como auxiliares na solução de problemas internos. È o estágio em que a
criança conta nos dedos, o estágio dos signos mnemotécnicos externos de
memorização;
O último estágio denominado metaforicamente como crescimento para dentro, as
operações externas se interiorizam e passam por uma profunda mudança. A criança
começa a contar mentalmente, a usar a memória lógica, isto é a operar com relações
interiores em forma de signos interiores.

No processo do desenvolvimento cultural, as crianças dominam certas particularidades


dos meios culturais criados pela humanidade no curso do desenvolvimento histórico. A pessoa
aprenderá e ampliará o funcionamento de alguns signos como meio de uma operação
psicológica. Dessa maneira, os estágios do signo marcam a transição das formas elementares
e primitivas do pensamento que se converte em atos e processos culturais mediados. As
limitações no desenvolvimento cultural das crianças com deficiência intelectual baseiam-se
no fato de que essas crianças permanecem em um dos estágios dos signos enumerados durante
40

um tempo mais prolongado do que as crianças normais (Vigotski, 1997).

De acordo com Peirce (1991, citado por Rossi 2006, p.4), pode-se considerar que
“signo tudo aquilo que está no lugar de alguma coisa, para alguém”.

Quando um objeto novo é apresentado a uma pessoa, uma flor rara, por exemplo,
conquanto ela tenha existência real, para a pessoa que a vê pela primeira vez, a flor
carece de significado. O sujeito não conhece a flor por si mesmo, como se possuísse
em seu espírito todas as condições dadas a priori para conhecer esse objeto.
Tampouco a flor se dá a conhecer ao sujeito por si mesma, pois ela não encarna
todas as propriedades que imprimem determinados reflexos no sujeito e o faz
conhecê-la. O sujeito age sobre a flor, que, por sua vez, age sobre o sujeito. Ainda
assim, falta um elemento imprescindível entre o sujeito e objeto que permitirá
conhecer a flor como uma flor rara. Uma outra pessoa, um outro social, intercepta a
relação sujeito-objeto e atribui significados à flor. Esses significados emitidos são a
expressão do pensamento e da linguagem do outro; são signos que representam
aquilo que é a flor. (ROSSI, 2006, p.4)

A internalização dos instrumentos e dos signos pelo sujeito ocorre na interação com o
outro. Dessa forma, Vigotski (2003) afirmou que o caminho do objeto até a criança e desta até
o objeto passa através de uma outra pessoa; logo, as explicações acerca do funcionamento
psicológico do homem devem ser analisadas considerando sua participação no mundo das
interações sociais. É nesse plano que o sujeito tem acesso aos instrumentos e aos signos que
possibilitam o desenvolvimento das funções psicológicas superiores e permitem estruturar o
pensamento.
O processo de desenvolvimento do signo marcado pela relação entre sujeito-objeto é
denominado por Vigotski (2003) como mediação semiótica. O conhecimento adquirido
acontece através da representação que o próprio sujeito faz. Só ocorreu apropriação dos fatos
porque foi significativo para o indivíduo. Dessa maneira, o conhecer tem um caráter social e
não uma perspectiva individual dada pela história da filogênese. Os objetos são internalizados
inicialmente como imagens sensoriais que permanecem coladas à singularidade do objeto. É
necessário descolar o objeto do reflexo da realidade representando a imagem sensorial por um
signo, promovendo sua abstração e generalização. Entretanto, distintos dos animais, os
homens são constituídos de sinais que apresentam seus significados sociais e culturais. Desde
muito cedo, a criança já percebe o “objeto semiótico, ou seja, a imagem com sua significação”
(Rossi, 2006, p.4) pelo uso da palavra. Ora, a palavra é uma ação de generalização, um
significado que tem um conceito que se desenvolve no plano da ontogênese. (Rossi, 2006)
Os instrumentos de mediação semiótica promovem o desenvolvimento e organizam o
funcionamento psicológico. A criança, no decorrer dos anos, apropria-se paulatinamente de
novos instrumentos psicológicos, ao passo que vai conhecendo e ampliando suas formas de
41

funcionamento psíquico e refinando o seu desenvolvimento psicológico enquanto ocorre um


processo dialético, no qual as funções psicológicas superiores mais refinadas e mais
elaboradas organizam o funcionamento psíquico e tornam-se inter-relações funcionais entre
os diversos processos psicológicos. O desenvolvimento da formação dos conceitos permitirá
que essa integração aconteça (Rossi, 2006).

3.5 Constituição de conceitos científicos

Os conceitos são generalizações cuja origem encontra-se na palavra que, internalizada,


se transforma em signo mediador, uma vez que todas as funções mentais superiores são
processos mediatizados e o signo é o meio para orientá-los. Segundo Vigotski (2001), o
conceito é um ato de pensamento. Assim, o conceito pode ser entendido como estrutura
complexa do pensamento com a função de comunicar, analisar e resolver situações
problemas.
Aparece no processo de elaboração intelectual, em combinação com outras funções
psicológicas elementares, materializado com a utilização da palavra, que orienta a atenção,
abstração, generalização da sua síntese e simbolização, diante de um processo de resolução de
um problema. (SCHOROEDER 1990- ).
De acordo com Vigotski (2001), na constituição de conceitos, a palavra tem um
espaço essencial e o seu significado sofrerá modificações, portanto o significado da palavra
não é estático mesmo após o ato de aprendizagem. Dessa maneira, a formação conceitual
sempre será o resultado do esforço da operação com palavra ou signo em conjunto com os
processos psicológicos. Vigotski assim argumenta:

O processo de formação de conceitos é irredutível às associações, ao pensamento, à


representação, ao juízo, às tendências determinantes, embora todas essas funções
sejam participantes obrigatórias da síntese complexa que, em realidade, é o processo
de formação de conceitos. A questão central desse processo é o emprego funcional
do signo ou da palavra como meio através do qual o adolescente subordina ao seu
poder as suas próprias operações psicológicas, através do qual ele domina o fluxo
dos próprios processos psicológicos e lhes orienta a atividade no sentido de resolver
os problemas que tem pela frente. (VIGOTSKI , 2001, p. 169)

O processo do pensamento conceitual promove mudanças nas relações dos sujeitos


com o social. Acredita-se que a constituição dos conceitos demanda processos criativos com
foco na resolução de problemas. O desenvolvimento do pensamento conceitual inicia-se na
infância e se estende durante todo o ciclo vital. Entretanto, a depender das interações sociais
42

da pessoa, apenas na adolescência, de acordo com Vigotski (2001), o sujeito terá condições de
realizar processos de abstrações “que suplantam significados ligados à suas práticas
imediatas”. (ROSSI, 2006, p.5).
Ao realizar o experimento acerca da ontogênese do desenvolvimento dos conceitos,
utilizando blocos de madeira de diversos tamanhos, cores e formas geométricas e que tinham
denominações especificas de acordo com suas propriedades, Vigotski (2001) formulou três
momentos diferentes afeitos ao desenvolvimento da estrutura de generalização: o pensamento
sincrético, pensamento por complexo e o pensamento conceitual. Os diferentes níveis de
generalização encontram-se imbricados as fases do desenvolvimento de conceitos.
A primeira fase, denominada como amontoados sincréticos, é uma forma de
pensamento que manifesta-se na criança bem cedo e caracteriza-se pela tentativa da criança
em realizar os primeiros agrupamentos de maneira não organizada, utilizando o signo como
um conjunto de informações vagas e sincréticas de objetos isolados. Essa fase é a mais
rudimentar na formação do conceito e tem baixo nível de abstração e generalização. (Rossi,
2006). As crianças, ao discriminarem os objetos, encadeiam pensamentos que se encontram
em sua percepção um pouco concatenados, mas a criança utiliza critérios subjetivos e não
estabelece relações com as palavras, afinal não apresenta um fator de organização para ação.
De acordo com Simões (2008), essa situação ocorre porque a criança apresenta incapacidade
em operar com o pensamento lógico objetivo, substituindo-o por conexões subjetivas. Por sua
vez, essa fase divide-se em três estágios: a) formação da imagem sincrética ou amontoados de
objetos – as crianças escolhem os objetos ao acaso, sem critérios; b) disposição espacial –
forma-se com base nos encontros espaciais e temporais de determinados elementos que
surgem no processo de percepção imediata. A criança utiliza critérios diante da posição
espaço-temporal que os objetos se encontram em “contigüidade em relação a outros objetos”.
(Rossi, 1993, p.90); c) imagem sincrética – forma-se em uma base mais complexa e se apóia
na atribuição de um único significado aos representantes dos diferentes grupos, de acordo
com a percepção da criança. Esse último estágio é considerado superior e finda o
desenvolvimento e a passagem para o segundo estágio na constituição dos conceitos.
A segunda fase da formação de conceitos é denominada pensamento por complexos e
é baseada no funcionamento do pensamento verbal, no qual as relações entre os objetos
factuais se estabelecem na mente da criança em decorrência de suas experiência concreta. O
sujeito estabelece relações de critérios entre os objetos, ligadas em um agrupamento real
reunidos em fatos factuais (Rossi, 2006). Segundo Shoroeder (1990-, p. 15 ), “o pensamento
ainda se encontra no plano real-concreto e não no lógico-abstrato”. Assim, Rossi (2006)
43

assevera que o signo se constitui a partir das relações reais e imediatas através das
experiências da pessoa e com um nível de abstração e generalização mais avançado em
relação à fase anterior. As generalizações elaboradas por intermédio do pensamento
representam enlaces de objetos específicos e concretos, não mais ligados a critérios subjetivos
estabelecidos pela percepção da criança, mas de vínculos de objetos factuais em que
realmente existem relações entre os objetos. Segundo Simões (2008), o pensamento por
complexo caracteriza-se pela situação em que uma mesma palavra pode apresentar, em
situações diferentes, significados diferentes, mas que apresenta o mesmo sentido funcional
desde que haja ligações associativas entre eles.
A pedra angula do pensamento por complexo é a compreensão da relação concreta e
factual entre os aspectos específicos que constituem sua composição e que se mostram na
experiência imediata; assim, possibilitam a unificação concreta com o grupo de objetos
agrupada pela sua semelhança física. Dessa forma, no pensamento por complexo, a criança
utiliza o processo psicológico de generalização para unir objetos que são heterogêneos e
concretos. Segundo Vigotski (2001, p. 180), o aspecto essencial ao construir um complexo “é
o fato de ele ter em sua base não um vínculo abstrato e lógico, mas, um vínculo concreto e
fatual entre elementos particulares que integram a sua composição”. Enquanto o conceito se
fundamenta em vínculos da mesma propriedade e idênticos, o complexo se baseia em
vínculos fatuais de generalizações dos mais diversos. Portanto, no conceito, os vínculos são
generalizados a partir de fato idênticos; já o complexo, por traço fatual, ou seja, “cada objeto
particular, abrangido por um conceito generalizado, insere-se nessa generalização na mesma
base de identidade com todos os outros objetos”. (Vigotsky, 2001, p.181).
Vigotski (2001), em um estudo experimental, identificou cinco estágios que embasam
as generalizações presentes na fase do pensamento por complexo.
O primeiro estágio do complexo é o complexo do tipo associativo. Caracteriza-se por
diferentes vínculos associativos com qualquer aspecto percebido pela criança, por diferentes
relações concretas de conhecimento que a criança descobre e diversas relações associativas
entre o fenômeno e o objeto do complexo. Essas características são o suficiente para que a
criança engendre a inclusão de determinados objetos ao grupo e designe o nome comum para
o conjunto. Assim, as palavras deixam de ser utilizadas como significados isolados e tornam-
se nomes de um grupo.
O segundo estágio do pensamento por complexo é denominado de complexo-coleção.
As crianças relacionam objetos e percepções concretas dos fatos em grupos específicos, que
representam coleções. Esse estágio é consideravelmente longo e persiste no processo de
44

desenvolvimento do pensamento infantil. Baseia-se na experiência prática e imediata da


criança, que utiliza operações mentais a partir de coleções de objetos que se complementam,
ou seja, o conjunto é constituído de partes que apresentam significado. Por exemplo: caneta,
lápis, borracha, caderno formam um conjunto de materiais escolar. Esse pensamento
reducionista é processo de generalização de percepções concretas que, a partir da experiência
imediata, a criança aprendeu. Segundo Vigotski (2001, p. 184), “o complexo-coleção é uma
generalização dos objetos, com base na sua co-participação em uma operação prática,
indivisa, com base na sua cooperação funcional”.
O terceiro estágio o pensamento por complexo refere-se ao complexo em cadeia. È o
“princípio da combinação dinâmica e temporal de determinados elos, em uma cadeia única e,
também, da transmissão do significado por meio de elos isolados dessa cadeia”. Nos
experimentos, foi observado por Vigotski (2001) que a criança faz opções considerando a
associação entre os objetos. Posteriormente, junta os objetos concretos em complexos únicos
a partir do aspecto secundário do objeto que se encontra fora da amostra. Por exemplo: sendo
a amostra um triângulo vermelho, a criança inicia a distinguir e separar as figuras de forma
geométrica de triângulo para, em seguida, prestar atenção na cor azul de uma figura que foi
acrescentada na amostra. Assim, começa a escolher e selecionar as figuras azuis,
independente da forma geométrica. Vigotski (2001, p.187) pontua que a “natureza do
pensamento por complexo é concreta e figurada, não há, entre os traços, uma vinculação
hierárquica como nos conceitos. Funcionalmente todos os traços são iguais”.
O quarto estágio é designado de complexo difuso: a criança realiza combinações dos
aspectos difusos e indefinidos com os grupos concretos dos objetos físicos. Vigotski (2001)
exemplificou essa idéia a partir do seguinte experimento: a criança, inicialmente, escolhe
qualquer figura, que pode ser um triângulo amarelo. Depois de juntar todos os triângulos
amarelos, ela soma, ao grupo, outras figuras geométricas que são semelhantes com o triângulo
como, por exemplo, os trapézios. Posteriormente, acrescenta aos trapézios os quadrados e, aos
quadrados, os hexágonos, e esses aos semicírculos e, por fim, os semicírculos aos círculos.
Verifica-se nesse experimento o principio basilar do pensamento por complexo difuso, onde
os objetos apresentam características indefiníveis e ausência de limites.
Vigotski (2001, p.191) afirma que, enquanto o pensamento por complexo – coleção
representa as percepções naturais da vida da criança, marcado pelas generalizações,
embasadas na semelhança funcional de objetos específicos, o pensamento por complexo
difuso se faz representar pelas generalizações que representem os pensamentos não concretos
que a criança combina e que estão fora do conceito prático. “Dessa forma os processos
45

ilimitados do pensamento da criança, as generalizações difusas, impressionam pela


combinação dos vínculos, baseados em traços flutuantes, que a criança estabelece”.
O quinto estágio é denominado de pseudoconceito, sendo o último tipo de pensamento
por complexo proposto por Vigotski para analisar o desenvolvimento do pensamento infantil.
O termo pseudoconceito foi escolhido pela generalização que a criança faz, na qual, apesar do
conceito utilizado ser semelhante àquele empregado pelo adulto, existe diferença significativa
no que refere-se à sua natureza psicológica. Nesse estágio, as combinações, em suas
características externas, são parecidas com o conceito, mas os aspectos internos assemelham-
se ao complexo. Aqui não ocorre mais a classificação de objetos separados pelas suas
impressões imediatas, mas sim a separação.
Ainda não se pode considerar que existe a formação de um conceito propriamente dito;
apenas na última fase, denominada de decomposição, análise e síntese, a pessoa apresenta
capacidade de abstrair e analisar os elementos abstratos de maneira a distingui-los da
experiência concreta que os compõem. A análise e síntese dos objetos são combinadas de
maneira a abstrair as “características que definem o objeto como um membro de uma da
classe e o diferencia das demais classes de objetos” (Rossi, 2006, p.6). Rossi (1993, p.93),
com base nos construtos de Vigotski (2001), descreve que os três estágios presentes na última
fase da formação do conceito são constituídos de “operações de diferenciação e generalização,
isolamento/abstração, análise/síntese se realizam” nos respectivos estágios.
A primeira fase do terceiro estágio caracteriza-se pela união dos diversos objetos a partir
da semelhança entre eles. No início, apresenta-se como um processo de abstração através da
impressão da propriedade do objeto. Vigotski (2001) denominou esse estágio de conceitos
potenciais, onde a criança destaca um conjunto de objetos que ela generalizou após criar um
grupo a partir de um atributo comum.
A segunda fase se refere ao momento em que a criança, ao abstrair certos atributos, não
mais utiliza de situação concreta e constrói critérios para novos arranjos e cria atributos em
nova premissas. A palavra tem papel decisivo na orientação arbitrária da atenção da criança
para certos atributos, pois com a palavra ela os sintetiza, simboliza o conceito abstrato e
opera-o como lei máxima do pensamento humano. (Vigotsky, 2001).
O último estágio na evolução do pensamento infantil é marcado pelo uso da palavra
como meio de formação de conceito que faz surgir a estrutura significativa e original que foi
denominada de conceito na verdadeira acepção da palavra. “Surge quando uma série de
atributos abstraídos torna a sintetizar-se, e quando a síntese abstrata obtida torna forma basilar
46

de pensamento com o qual a criança percebe e toma conhecimento da realidade que a cerca”.
(Vigotsky, 2001, p.228).
Para Vigotski (2004), o conceito não surge sem a palavra, assim como o pensamento
conceitual não aparece sem o pensamento verbal. A capacidade de formação de conceitos é
uma das funções psicológicas superiores constituída através da relação entre análise e síntese,
na qual a abstração e generalização são mediadas pelo pensamento e materializadas pela
palavra. É na adolescência que o sujeito apresenta capacidade de utilizar o significado da
palavra para representar um conceito.
A adolescência é uma fase caracterizada, principalmente, pelo amadurecimento do
pensamento que transpõe as características do pensamento sincrético e do pensamento por
complexo para alcançar a formação dos conceitos propriamente ditos. Segundo Vigotski
(2001), as forças que impulsionam os processos psicológicos de abstração e generalização,
essenciais para a formação do conceito, não são derivadas de fatores internos, mas sim de
aspectos externos ao sujeito. Os determinantes sociais impulsionam o desenvolvimento
intelectual do adolescente, haja vista os seus objetivos para o futuro, tais como suas decisões
profissionais. Dessa forma, Shoroeder (1990-p.10) afirma que “o desenvolvimento do
adolescente precisa ter o seu vetor voltado ao crescimento e domínio da consciência sobre si
mesmo, sobre a natureza e sobre a cultura”. Rossi (1993, p.93) ainda assevera que

Os processos historicamente determinados e culturalmente sistematizados, as formas


de abstração e generalização consolidadas nos sistemas lingüísticos não se
desenvolvem naturalmente. A formação de conceitos depende das possibilidades do
sujeito de se apropriar e objetivar os conteúdos e formas organizadas de elaboração
do conhecimento, em suas interações.

Nesse sentido, a escola tem como função reestruturar as funções mentais para
possibilitar que os estudantes tenham capacidade de utilizar operações mentais complexas
para resolução de situações problemas. De acordo com Vigotski (2004), o processo de
aprendizagem que ocorre na escola permite aos investigadores que analisam a formação do
conceito observar dois aspectos valiosos no estudo do processo do pensamento. O primeiro
refere-se à evolução do próprio conceito, ou como apontado pelo próprio Vigotski, estudar o
desenvolvimento e a mudança da estrutura do significado da palavra, resultado de um
funcionamento psicológico com significados diversos. O segundo aspecto compreende que o
significado da palavra constitui uma unidade do pensamento, já que pesquisa o pensamento
discursivo, em que pensamento e discurso formam uma unidade de análise.
47

Todo significado de uma palavra é, de certo modo, um discurso que representará uma
ação mental de generalização do significado da palavra pois, ao contrário, seria apenas como
Vigotski (2004, p. 521) afirmou: “as palavras desprovidas de significados são simplesmente
um som vazio”.
As mudanças no desenvolvimento dos significados das palavras permitem que novas
aprendizagens ocorram. Dessa forma, percebe-se que a gênese que Gallimore e Tharp (2002)
propõem a respeito da capacidade do indivíduo de fossilizar, interiorizar um conceito, para
posterior desfossilizar, contribua para e evolução da formação de conceito e a possibilidade
do sujeito operar com nível de pensamento categorial, ocorrendo assim a generalização.
Assim, Vigotski (2004, p.522) afirma que deve-se “estudar as mudanças celulares
internas, as mudanças da estrutura do próprio significado da palavra e estudar as funções, os
modos de movimento das palavras que podem realizar-se no pensamento discursivo”.
Verifica-se que o sujeito elabora o pensamento discursivo antes de sua entrada na
escola. Por outro lado, o ingresso da pessoa na escola promove o desenvolvimento dos
significados das palavras porque o ambiente favorece a aquisição de diversos conceitos mais
formais, tais como os investigados e trabalhados pelas ciências naturais e sociais e pelos
códigos e linguagens.
Dessa maneira, verifica-se a existência de dois tipos distintos de conceitos: conceitos
espontâneos e conceitos científicos. Segundo Vigotski (2004), esses conceitos aparecem e se
desenvolvem de formas diferentes.

3.6 Conceito espontâneo e conceito científico

A prática pedagógica da transmissão dos conhecimentos científicos de maneira pronta,


acabada, que trabalha apenas a aprendizagem por recepção. Nesse método de ensino a criança
não consegue analisar o significado do conceito, mas sim, memorizar a palavra, aqui o
estudante não é concebido como ser ativo pela busca do conhecimento. Essa prática
pedagógica, tem sido largamente criticada pelos pesquisadores que estudam o processo de
ensino e aprendizagem, no qual acreditam na compreensão da construção do conhecimento
pela implicação e participação ativa do aluno nesse processo.
Quando a criança inicia o processo de escolarização, ela já apresenta diversas
explicações acerca de fenômenos e conceitos adquiridos foram do âmbito escolar e distintos
daqueles transmitidos na escola. Esse repertório de informações apreendido fora da escola foi
48

construído no decorrer de sua história de vida através das experiências sociais que servem
para entender e analisar a realidade. Essas estruturas de conhecimentos facilitam o
amadurecimento de vários processos psicológicos necessários para a formação de conceitos
científicos. Por sua vez, Daniels (2003) reforça que estruturas de conhecimento ajudam os
sujeitos a elaborarem julgamentos e interpretações de fenômenos que direcionam suas ações
na cultura.
Os educadores não dão a devida importância aos conceitos espontâneos,
desenvolvendo uma prática voltada para transmissão de conhecimentos desprovida de
significado. Os conceitos espontâneos são construídos nas relações familiares, grupos de
amizades e demais grupos significativos para o sujeito. A partir dessa troca de experiência,
juntam-se os conhecimentos adquiridos nos grupos, compostos por seus valores morais
étnicos e afetivos, que resultam em um conjunto de representações com um universo
simbólico peculiar, constituindo os sistemas de interpretações da realidade, ou seja, pontos de
vistas diante do fenômeno.
Em suas pesquisas da influência da interação social, da linguagem e da cultura sobre a
aprendizagem, Vigotski (2004) se debruça na investigação da relação entre conceitos
científicos e conceitos espontâneos. Defende a idéia da interação dinâmica entre os dois tipos
de conceitos. Schoroeder (1990-, p. 7) corrobora com Vigotski e assinala que “os conceitos
científicos não são assimilados em sua forma já pronta, mas sim por um processo de
desenvolvimento relacionado a uma capacidade geral de formar conceitos, existentes no
sujeito”. Por sua vez, está associado à constituição dos conceitos espontâneos. Os conceitos
espontâneos que o individuo vai acumulando durante sua história de vida favorece a
transformação qualitativa e quantitativa dos tipos de pensamento científico.
O conceito científico aparece no momento em que o sujeito começa a trabalhar com a
definição verbal juntamente com operações mentais articuladas com o conceito internalizado.
De acordo com Vigotski (2001, p. 244), a definição verbal primária que nas condições de um
“sistema organizado, descende ao concreto, ao fenômeno, ao passo que a tendência do
desenvolvimento dos conceitos espontâneos se verifica fora do sistema ascendendo para as
generalizações”. O caminho do desenvolvimento do conceito científico germina quando: (1) a
criança relaciona um determinado conceito com alguma outra experiência, esses objetos são
mais conhecidos pelos adultos, mas ainda não são objetos reais; (2) ao passar do tempo a
criança começa a conseguir definir o conceito, apresenta capacidade de discriminação e de
operar com relações lógicas que se estabelecem entre eles. Mas essas relações lógicas ainda
estão vinculadas a suas experiências.
49

Nesse sentido, “os conceitos científicos dos espontâneos parecem encontrar-se em um


nível no sentido de que não se pode separar nos pensamentos da criança os conceitos
adquiridos na escola dos conceitos adquiridos em casa”. (Vigotski 2004, p.528). Em certo
sentido, os conceitos espontâneos na criança precisam atingir um determinado nível mental
para que a assimilação dos conceitos científicos ocorra.
De acordo com Rossi (2006, p.6),

O conceito cotidiano é definido por seus aspectos fenotípicos, de cunho aparente,


sem uma organização consistente e sistemática. As palavras que servem para
exprimir esse conceito têm certo apelo ao próprio objeto ou às suas impressões
factuais. Em contrapartida, o conceito científico organiza-se dentro de um sistema
hierárquico de inter-relações conceituais. Essas relações são tipos de generalizações
que implicam em uma estrutura mental superior que acontece no desenvolvimento
do indivíduo. São constituídos por meio de sua articulação a outros conceitos
subordinados ou supra-ordenados, imprescindíveis a sua compreensão.

No decorrer do processo de constituição dos conceitos científicos, a utilização da


palavra ou signo tem o caráter funcional de guiar a compreensão, a discriminação e a
capacidade de abstração e síntese do atributo. Os conceitos, assim como outros processos
psicológicos, são processos mediados pelo emprego dos signos. Dessa maneira, o processo de
formação de conceitos emprega o signo como palavra, inicialmente, e posteriormente torna-se
símbolo. Vigotski (2001) afirma que o percurso da aquisição de um novo conceito científico
pode ser compreendido quando:
O caminho entre o primeiro momento em que a criança trava conhecimento com o
novo conceito se tornam propriedade da criança é um complexo processo
psicológico interior, que envolve a compreensão da nova palavra que se desenvolve
gradualmente a partir de uma noção vaga, a sua aplicação propriamente dita pela
criança e sua efetiva assimilação apenas como elo conclusivo. (VIGOTSKI 2001,
p.250)

Na ocasião em que a criança internaliza o conhecimento, pela primeira vez, de uma


nova palavra, o processo de constituição dos conhecimentos não chega ao fim, mas inicia o
desenvolvimento gradualmente da evolução dos níveis de abstração e generalização. Segundo
Abreu (2006, p.36), “o estudo da formação dos conceitos científicos mostra que o processo de
generalização e sua vinculação com os níveis abstração refletem relações substanciais e
naturais entre os significados”. A compreensão desse processo auxilia o estudo da formação
dos conceitos científicos em crianças com deficiência intelectual, onde deve ser considerado
que “o desenvolvimento mental da criança não se caracteriza só por aquilo que ela conhece,
mas também pelo que ela pode aprender” (Vigotsky, 2004, p.537).
50

Independente das capacidades intelectuais, todas as pessoas têm a condição de adquirir


conhecimentos e, particularmente, as pessoas com deficiência intelectual adquirem
conhecimentos desde que os assuntos ensinados a elas se encontrem em um nível de abstração
e generalização que tenha significado para o sujeito. A formação dos conceitos científicos
decorre das experiências de aprendizagem oferecidas à criança pelas pessoas que integram a
sua rede social e, no caso da deficiência intelectual, apresentam suas particularidades.
As investigações apontam para o fato de que os conceitos científicos baseiam-se em
diversos conceitos espontâneos que brotaram na inserção do sujeito no processo de
escolarização e, posteriormente, transformados em conceito cientifico. “A criança o
conscientiza, ele se modifica na estrutura, ou seja, passa a generalização de um tipo mais
elevado no aspecto funcional e revela a possibilidade das operações, dos signos que
caracterizam a atividade do conceito científico”. (Vigotsky, 2004, p. 540).
A compreensão da constituição da formação dos conceitos ensinados na escola analisa
as particularidades e as ligações entre os conceitos espontâneos e científicos. De acordo com
Vigotski,

O desenvolvimento dos conceitos espontâneos e dos conceitos não-espontâneos – se


relacionam e se influenciam constantemente. Fazem parte de um único processo: o
O desenvolvimento da formação de conceitos, que é afetado por diferentes
condições externas e internas, mas que é essencialmente um processo unitário, e não
um conflito entre formas de intelecção antagônicas e mutuamente exclusivas. O
aprendizado é uma das principais fontes de conceitos da criança em idade escolar, e
é também uma poderosa força que direciona o seu desenvolvimento, determinando o
destino de todo o seu desenvolvimento mental”. (VYGOTSKY, 2001, p. 74)

Cabe ressaltar que mesmo existindo a relação entre conceitos espontâneos e


científicos, as vias de desenvolvimento desses conceitos apresentam distinção entre eles. Os
conceitos científicos emergem e se formam no processo de ensino e aprendizagem escolar,
por meio completamente diferente que no processo de experiência cotidiana particular da
pessoa. Os desejos que possibilita a criança a constituir os conceitos científicos, também são
distintos daqueles que engendram o pensamento infantil a formar conceitos espontâneos. Os
conceitos científicos não são decorados pelo sujeito, mas aparecem como representação de
uma atividade mental do próprio pensamento, constituído pelas suas particularidades
A constituição dos conceitos espontâneos e científicos pode ser compreendida como
um processo que ocorre através das experiências e aprendizagem dos sujeitos e possibilita o
avanço no nível de desenvolvimento intelectual, por meio das aprendizagem escolares.
(ROSSI, 2006). Dessa maneira, Vigotski elabora o conceito de Zona de Desenvolvimento
Proximal.
51

3.7 A Zona de desenvolvimento proximal de Vigotski e seus desdobramentos pedagógicos

Durante algumas décadas, tentou-se compreender e explicar os diferentes problemas


que rondavam o processo de escolarização, mais especificamente a relação entre
aprendizagem e desenvolvimento cognitivo.
Vigotski (2003) declarou a existência de três posicionamentos teóricos relativos à
relação entre aprendizagem e desenvolvimento cognitivo. O primeiro vislumbra que a
aprendizagem escolar deve, primeiramente, obedecer às etapas do desenvolvimento humano,
portanto é uma leitura de desenvolvimento ancorada em modelos organicistas, que
apresentam em sua base epistemológica a concepção predeterminista na qual se considera que
as funções psicológicas superiores se desenvolvem de forma natural, em decorrência do
próprio amadurecimento cerebral, ou seja, a aquisição da aprendizagem é conseqüência de
uma maturação biológica.
Vigotski (2004) tinha suas críticas referentes a essa visão organicista, alegando que
levava a um “pessimismo pedagógico” pois, caso a criança apresentasse certa dificuldade em
uma determinada área do conhecimento, caberia ao professor canalizar sua atenção a essa
incapacidade para que outros mecanismos de compensação fossem acionados. A outra crítica
evidencia que, para estudar o desenvolvimento humano, é necessária uma análise global e
sistêmica e não apenas centrar a atenção utilizando um único parâmetro.
A segunda posição teórica refere-se à relação entre aprendizagem e desenvolvimento
cognitivo e considera que a aprendizagem é a força motriz para que o sujeito se desenvolva,
tornando-se o extremo da posição anterior. Um representante dessa idéia seria Thorndike, que
alegava que o sujeito se desenvolve a partir de suas experiências.
Com o objetivo de ir além das explicações acima, mas não as descartando, Koffka
tentou explicar que desenvolvimento e aprendizagem são dois processos distintos que, apesar
disso, se relacionam; “de um lado a maturação, que depende diretamente do desenvolvimento
do sistema nervoso; de outro o aprendizado, que é, em si mesmo, também um processo de
desenvolvimento” (Vigotski, 2003, p.106).
Embora Vigotski reconhecesse essas leituras referentes à aprendizagem e
desenvolvimento, ele contrapunha-se às três acima já que acreditava que existe uma assintonia
entre aprendizado e o desenvolvimento. O autor buscou romper com a idéia organicista e
linear de desenvolvimento, implementando, em sua concepção, estudar o desenvolvimento
humano como elemento histórico e em constante transformação, salientando que assim como
52

a sociedade desempenha um papel de transformação no sujeito, o mesmo também


desempenha uma função de organismo ativo, também tendo força para modificar o meio no
qual está inserido de acordo com suas necessidades.
As pesquisas caminhavam rumo a uma tentativa de entender a relação entre
aprendizagem e desenvolvimento com a formulação das duas principais questões de
investigação. A primeira refere-se “a relação geral entre aprendizado e desenvolvimento” e a
segunda a “compreender os aspectos específicos dessa relação quando a criança atinge a idade
escolar” (Vigotski, 2003, p.109).
A criança começa a desenvolver o seu potencial cognitivo antes de sua inserção no
processo de escolarização, através de sua interação com a cultura. Segundo Rogoff (2005), os
seres humanos são definidos em termos de sua participação na cultura e nas interações que
estabelecem uns com os outros. E, também, a “geração continua a revisar e a adaptar sua
herança cultural e biológica em face das circunstâncias em que vive” (Rogoff, 2005, p.15).
Para a autora, quando se inicia uma análise acerca do desenvolvimento humano, torna-
se essencial compreender o desenvolvimento das práticas culturais que permeiam a vivência
do sujeito. Considerando as mudanças históricas que ocorreram ao longo do tempo e que
contribuíram para o modo de pensar e viver das pessoas, atualmente percebe-se a influência
do ambiente no individuo e do individuo no ambiente. Para exemplificar essas transformações
culturais, podemos citar o avanço tecnológico que ocorreu em alguns países, com o advento
de telefones celulares, máquinas fotográficas digitais, internet, a televisão digital, entre outros,
que provocou mudanças profundas no comportamento da sociedade.
Todas essas inovações foram criadas para atender às necessidades de determinadas
populações em face das circunstâncias em que vivem. Segundo Rogoff (2005), as
transformações culturais promovem uma interação entre os povos que favorece o
desenvolvimento e aprendizagem das crianças. Essa perspectiva de análise do
desenvolvimento humano corrobora com a sentença de Vigotski (2003, p. 110): “o
aprendizado das crianças começa antes de elas freqüentarem a escola”. Essa aprendizagem
pode ser intencional ou não. Consideremos o exemplo de uma pesquisa na qual uma criança,
com idade de quatro anos, auxilia sua mãe a construir uma lista de compras. A “lista de
compras” foi um instrumento de planejamento que favoreceu a criança a contar e solucionar
problemas com operações matemáticas (Tizard e Hughes, 1984 citados por Rogoff, 2005).
Dessa forma, para que ocorra a aprendizagem, existem mecanismos pelos quais o
sujeito adquire informações, habilidades e valores a partir de sua interação com o social, mais
especificamente através dos contatos que se estabelecem com as outras pessoas. Portanto,
53

para que ocorram os processos internos de desenvolvimento, o sujeito precisa se inserir em


uma cultura que propicie a aquisição de conhecimento.
Sabendo que o indivíduo já entra na escola com uma bagagem riquíssima de
conhecimento, portanto com um potencial cognitivo que favorece o processo de
escolarização, Vigotski (2003), juntamente com seus colaboradores, iniciou uma pesquisa na
intenção de compreender e solucionar as dificuldades práticas que permeavam a psicologia da
educação, sendo elas: a avaliação do potencial intelectual dos sujeitos e a avaliação das
práticas pedagógicas.
Em relação à avaliação do potencial do sujeito, Vigotski entendia que as técnicas
compostas por testes psicológicos consideravam apenas os aspectos intrapsicológicos,
esquecendo de considerar as possibilidades de avanços e transformações posteriores. Essas
técnicas acabavam realizando certas profecias quanto ao potencial cognitivo do sujeito. Com
o intuito de romper com a visão predeterminista, Veer & Valsiner (1996) afirmaram que
Vigotski questionou se há como determinar os períodos mais indicados para aprendizagem
das diversas capacidades cognitivas, ou seja, se há a possibilidade de estabelecer o nível de
potencial do sujeito.
O conceito de zona de desenvolvimento proximal (ZDP) começou a ser utilizado por
volta de 1932. Nessa época, os escritos referentes ao tema baseavam-se apenas em dados
manuscritos e estenografados. Dessa forma, Valsiner e Van der Veer (1991) acreditam que
não é possível afirmar com precisão o início do uso do conceito.
A primeira referência de que se tem conhecimento a respeito da ZDP aparece em uma
conferência realizada em Moscou, em 17 de março de 1933, no Instituto Experimental de
Defectologia, tendo como título “A análise paedológica de processos pedagógicos”.
O conceito de ZDP foi investigado na área de testes de inteligência na época em que a
criança entra na escola, utilizando o fenômeno denominado “regressão para a média”.
Vigotski (2004) ressaltou a necessidade de avaliar as crianças no momento de entrada na
escola. Para isso, dividiu os alunos em quatro grupos; desses, três foram autorizados a
freqüentarem a escola normal e foram constituídos a partir das seguintes categorizações: “QI
alto (110 ou mais), médio (entre 90 e 110) e baixo (entre 70 e 90)”. As crianças que obtiveram
um resultado com um QI abaixo de 70 eram direcionadas a escolas especiais.
A partir dessa pesquisa, foi demonstrado que a análise prévia do QI demonstra o
desempenho da aprendizagem de uma criança e Vigotski mencionou ser favorável às
diferentes categorias de acordo com a classificação: “Esta regra atualmente é usada pelas
escolas no mundo inteiro e contém a sabedoria fundamental de todas as investigações
54

pedológica levadas a cabo no período em que a criança entra na escola” (Vigotski, 1933, p.37,
citado por Veer & Valsiner, 1996, p.364).
Segundo Vigotski (2003), para estudar o desenvolvimento mental do sujeito é
necessário considerar os seus dois níveis: o nível de desenvolvimento real e a zona de
desenvolvimento proximal.

A zona de desenvolvimento proximal é a distância entre o nível de desenvolvimento


real, que se costuma determinar através da solução independente de problemas, e o
nível de desenvolvimento potencial, determinado através da solução de problemas
sob a orientação de um adulto ou em colaboração com companheiros capazes.
(2003, p.112)

Dessa forma, o nível de desenvolvimento real refere-se às funções mentais dos sujeitos
que se findaram como resultado de uma aprendizagem já completada, formulada, em que o
sujeito já soluciona com independência as situações problemas. A crítica de Vigotski refere-se
às medidas de testes de inteligência, já que essas técnicas avaliam apenas o nível de
desenvolvimento real. O nível de desenvolvimento proximal apresenta as funções mentais que
os sujeitos adquirem em momentos de atividades sob a supervisão e instruções de um adulto
ou de outrem mais capazes, sendo determinada por soluções-problema que dependem da
ajuda de outros para a resolução da atividade.
A ZDP “define aquelas funções que ainda não amadureceram, mas que estão em
processo de maturação, funções que amadurecerão, mas que estão presentemente em estado
embrionário” (Vigotski, 2003, p.113). Cabe ao educador instruir a criança em situações de
aprendizagens, contribuindo para o desenvolvimento das funções que se encontram em estado
embrionário, favorecendo o seu amadurecimento. Portanto, “o nível de desenvolvimento real
caracteriza o desenvolvimento mental retrospectivamente, enquanto a ZDP caracteriza o
desenvolvimento mental prospectivamente” (Vigotsky, 2003, p.113). Assim, o
desenvolvimento encontra-se em processo para vir a se consolidar através de atividades
compartilhadas.
Em algumas situações, deparamo-nos com ações educativas que não promovem a
aprendizagem das crianças. O professor tem dificuldade em lidar com a falta de conhecimento
do aluno e não consegue criar estratégias que possam contribuir para aprendizagem da
criança. Ele precisa contribuir para a aprendizagem do aluno considerando a sua ZDP,
atuando, assim, para a modificação de estruturas cognitivas.
Portanto, o conceito de ZDP reitera a idéia de que o desenvolvimento das funções
psicológicas superiores dependerá das condições do ambiente, onde o educador precisa
avaliar seu aluno considerando também a idade real e a ideal mental do mesmo.
55

Vigotski (2004) afirmava que a vinculação entre a idade mental ideal de determinada
série e a idade mental real das crianças dessa classe deveria ter uma medida compreensiva por
parte dos profissionais, pois a diferença entre o ideal e o real não poderia diferir demais: “uma
criança não alfabetizada que fosse parte de uma classe alfabetizada” ou vice-versa, os
benefícios da escolaridade para essas crianças seriam poucos.
Entretanto, “como seria estabelecida a distância apropriada entre a idade mental real e
a ideal e quais são as condições adequadas para o desenvolvimento intelectual”? (Veer &
Valsiner, 1996, p.366). Pesquisas realizadas pelos colaboradores de Vigotski apresentaram a
diferença da relação da idade mental ideal e o nível de idade mental real associada com a
ZDP:

A análise da Zona de desenvolvimento proximal torna-se não só um meio magnífico


para o prognóstico do futuro do desenvolvimento intelectual e da dinâmica do
sucesso relativo da criança na escola, mas também um ótimo meio para a
composição de classes. O nível de desenvolvimento intelectual da criança, sua zona
de desenvolvimento proximal, a idade mental ideal da classe e a relação entre a
idade mental ideal da classe e a zona de desenvolvimento proximal, formam a
melhor maneira de solucionar o problema de composição das classes. (VIGOTSKI,
1933, p.49 citado por VEER & VALSINEER 1996, p.368).

Portanto, Vigotski retoma a discussão referente à “regressão para média”, explicando


que é apenas um indicador para composição de classe porque não podemos considerar apenas
o resultado do QI, já que o seu produto final nada nos diz a respeito dos dados históricos que
ele reflete.

Quando se preocupava pela avaliação educativa, Vygotsky era consciente de que, na


prática escolar habitual, era freqüente: ou a despreocupação com o nível de
desenvolvimento alcançado pela criança, de modo que a instrução operava fora da
aprendizagem da criança, de modo que instrução se limitava a atuar dentro da ZDR
e, portanto, não impulsionava o desenvolvimento (COLL, 2004, p.100)

Assim como Vigotski buscou compreender a natureza social do desenvolvimento


humano e sua relação com aprendizagem, os autores neo-vigotskianos ampliaram e
operacionalizaram a idéia da ZDP a fim de explicar melhor as formulações de Vigotski que,
em alguns aspectos, acreditam serem superficiais.
O conceito de ZDP vem sendo utilizado por diversos autores relacionados à educação,
sendo que alguns deles apontam as inconsistências e os pontos que necessitam de maiores
esclarecimentos e aprofundamentos. Os pesquisadores apropriam-se desse conhecimento em
busca de avanços em suas pesquisas no campo da educação.
56

Após algumas leituras críticas dos diversos autores contemporâneos que exploram o
conceito de ZDP, esta pesquisa tomará como ponto de partida, sobretudo, as contribuições de
Rogoff, Wertch, Valsiner, Van der Veer, Gallmore e Tharp.
Segundo Valsiner & Van der Veer (1991), diversos autores tentaram compreender a
história da utilização do conceito de ZDP; em especial um deles, L. Winegar, que analisou
que, quando exposta diante de uma determinada atividade que envolve uma solução
problema, a criança recebe pistas verbais para chegar a um resultado. Posteriormente,
observa-se a capacidade da criança para generalizar as estratégias utilizadas anteriormente a
situações parecidas. Portanto, para Winegar, a noção de ZDP é compreendida como se a
criança tivesse uma prontidão inerente.
O outro direcionamento de investigação do uso do conceito de ZDP enfoca a
aprendizagem como um aspecto interativo, com atividades compartilhadas. Nessa perspectiva,
o sujeito cria suas estruturas cognitivas através de “andaimes” com a ajuda de outros
companheiros mais capazes.
De acordo com Valsiner & Van der Veer (1991), a metáfora do andaime é superficial
para a compreensão da ZDP, pois o professor não trabalha para construir funções mentais
inovadoras nas crianças. Dessa forma, se a tarefa dada pode ser alcançada pela seqüência de
ação x-y-z, e a habilidade para a realização de y ainda não está madura, o tutor ajuda a criança
a alcançar y, tornando possível para ela a solução da tarefa. Uma vez que a habilidade para y
amadurece, o tutor “retira” o suporte para y e a criança pode, então, alcançar a tarefa
individualmente. Desse modo, o ensino-aprendizagem não se adianta ao desenvolvimento
(como explicitado por Vigotsky), mas encaixa-se ao programa maturacional de habilidades já
estabelecidas.
Já Bruner 1985, citado por Coll (2004), aponta aspectos de similaridades entre as
noções de andaime e ZDP:

Se a criança é capaz de avançar da existência sob a tutela de um adulto ou um par


mais competente, então o tutor ou o par serve ao aprendiz como uma forma indireta
de consciência até o tempo em que o aprendiz seja capaz de controlar sua própria
ação através de sua própria consciência e controle. Quando a criança alcança aquele
controle intencional sobre uma nova função ou sistema conceitual, é então que ela é
capaz de usá-la como um instrumento. Sobre este ponto, o tutor na realidade
desempenha a função de “andaime” de tornar a tarefa de aprendizagem possível para
a criança, nas palavras de Vigotsky, internalizar conhecimento externo e convertê-lo
em um instrumento para controle da consciência. (1985:24-25).

O outro enfoque, apontado por Valsiner & Van der Veer (199), enfatiza à insuficiência
de aspectos teóricos da noção de ZDP na linha de pesquisa da psicologia do desenvolvimento.
57

Os teóricos contemporâneos constroem seu arcabouço teórico com repetições de argumentos


de outros pesquisadores e a sensação que deixam transparecer é a de que vários estudiosos
falam sobre a ZDP mas sem contribuições significativas que avançam com a idéia que foi
precursora. Os autores utilizam o conceito de formas gerais e, muitas vezes, sem
aprofundamento.
Wertsch (1988) também contribui na construção do aprofundamento da ZDP.
Primeiramente, referenda as contribuições de Vigotski em relação à mediação semiótica e ao
processo de internalização, direcionando sua análise para os processos interpsicológicos para
o intrapsicológico. Esse processo, que vai de fora para dentro, é o ponto central da análise da
ZDP. Diante das atividades que as crianças vivenciam com ações compartilhadas com outros
companheiros, ela passa a internalizar posteriormente o funcionamento para solucionar
determinadas atividades.
Wertsch (1998) esclarece ainda que Vigotski validava por excelência que a ZDP é um
ótimo recurso no que se refere aos processos de mediação pedagógica. Embora as pesquisas
deste se refiram às crianças em processo de escolarização, ele também salientava a
importância desse processo em outros ciclos do desenvolvimento humano.
De acordo com Wertsch e Stone (1985, citados por Fino, 2001), Vigostski construiu a
zona de desenvolvimento proximal na tentativa de entender duas questões de cunho
pedagógico relacionadas à psicologia educacional: a primeira é a de que a avaliação das
habilidades cognitivas dos sujeitos buscava verificar o grau de desempenho individual da
criança, o nível de desenvolvimento real e o nível que elas poderiam atingir, o chamado nível
de desenvolvimento potencial. A segunda refere-se à avaliação das práticas de instrução,
salientando que o desenvolvimento do funcionamento intrapsicológico ocorre em
decorrências do funcionamento interpsicológico. Portanto, apenas podemos considerar como
boa uma instrução quando ela desperta as funções que estão em amadurecimento na zona de
desenvolvimento proximal.
Wertsch aponta uma insuficiência teórica na explicação de Vigotski sobre a ZDP.
Vigotski trabalhou na busca de entender o ser humano em suas dimensões de filogênese e
ontogênese, enquanto que, para Wertsch, os argumentos de Vigotski referentes à ontogênese
foram superficiais, pois o autor não fez uma imersão no estudo a respeito do desenvolvimento
da infância. Entretanto, pesquisas contemporâneas estudam a ZDP já em seus primeiros
contatos sociais
Outra lente de interpretação é a proposta de Bárbara Rogoff (2005), em que a noção de
ZDP aponta o cenário de interação que é formado em ações compartilhadas pela criança e
58

outrem mais capaz em atividades que ocorrem a partir de processos de participação. Nesse
evento interativo, ambos os envolvidos direcionam os seus esforços para o mesmo objetivo
pois, por meio das experiências vivenciadas e das interações com o outro, o desenvolvimento
emerge também a partir de uma circunstância social.
De acordo com Rogoff (2005), a ZDP é um espaço propício para as aquisições de
conhecimentos a partir de experiências em ambientes onde os sujeitos envolvidos possuem
papéis definidos. O principal papel do adulto nessa relação é proporcionar um auxílio para
que a criança consiga construir seus degraus rumo ao alcance de seu objetivo.
Segundo Rogoff (2005 p.231), a zona de desenvolvimento proximal é

a idéia de que as crianças aprendem por meio de sua interação com adultos e pares
mais experientes, que as ajudam a desenvolver pensamentos que estejam além da
zona de desenvolvimento próxima, na qual elas conseguiriam desempenhar sem
ajuda. Dessa forma as crianças aprendem a usar os instrumentos intelectuais de sua
comunidade, entre eles, a alfabetização, sistemas numéricos, o idioma e
instrumentos para memorização e planejamento.

Rogoff (2005) defende a idéia de que a natureza do desenvolvimento humano é


cultural e que este se constrói e modifica-se através das participações e interações do sujeito
em sua comunidade, por meio das atividades que realizam em cooperação com os adultos
mais capazes, buscando ampliar e a aprofundar os seus conhecimentos.
Exemplificando a atuação dos adultos na zona de desenvolvimento proximal das
crianças, temos as crianças Guareño, localizadas na Venezuela, que “aprendem as habilidades
do cultivo, do trato de animais, da caça e da pesca, com a ajuda de adultos que estruturam sua
participação” (Rogoff, 2005, p. 238).
Vigotski enfatizava a importância de se brincar com regras e papéis, afirmando que o
brinquedo cria sua própria zona de desenvolvimento proximal da criança. “Ao brincar, a
criança está sempre acima de sua média de idade, acima de seu comportamento diário”
(Rogoff, 2005, p. 243). Muitas brincadeiras da criança se limitam a imitar os papéis dos
adultos e também de outras pessoas da sua sociedade.
Rogoff (2005, p. 245) aponta uma outra forma de aprendizagem tendo como estratégia
a observação:
em comunidades nas quais têm acesso a muitos aspectos da vida adulta, as crianças
aprendem a partir de suas oportunidades de observar, e os adultos costumam esperar
que elas que aprendem dessa forma. Pode até haver apoio dos adultos, com
sugestões e ajuda na forma de respostas as demandas da criança, em lugar de
instrução.
59

As crianças são inseridas nas atividades diárias de seu grupo social envolvidas com os
padrões culturais por intermédio dos valores e ações culturais. Cada comunidade apresenta
seus costumes que influenciam o desenvolvimento humano, afinal sistemas de organização
das culturas procuram de alguma forma conduzir a conduta de indivíduos. “As oportunidades
para observar e participar, permitem que as crianças aprendam por meio de atenção apurada e
atividades em andamento”. (Rogoff, 2005, p. 249). O conhecimento tem, na sua arquitetura
inicial, bases sociais que de alguma forma irão modificar as estruturas individuais que
possibilitam a construção da aprendizagem.
A zona de desenvolvimento proximal pode ser percebida quando duas pessoas
trabalham em um problema que, sozinha, uma delas não resolveria com independência. Isso
pode ocorrer nas interações de sala de aula, em ambientes de aprendizagens, na relação entre
mãe e filho, com crianças brincando ou quando duas ou mais pessoas em níveis de
conhecimento diferentes se juntam para resolver uma tarefa para uma mudança cognitiva.
As pessoas vêm para as interações sociais com diferentes perspectivas, diferentes
interpretações, diferentes entendimentos sobre um conceito ou tarefa. Para se desenvolver, os
indivíduos precisam assumir papéis ativos no compartilhar dos conhecimentos. A construção
conjunta do conhecimento ocorre quando cada membro assume algo do conhecimento do
outro.
A ZDP precisa envolver a intersubjetividade entre os participantes, na qual os
indivíduos compartilham um propósito, um objetivo. A atenção conjunta e a troca de solução
de problema são necessárias para criar um processo de cognição social e de troca emocional.
O trabalho construtivo na ZDP ocorre, em grande parte, na interação com o adulto e com a
criança, como nos processos internos da criança. Adultos aprendizes e ferramentas culturais
podem auxiliar a criança durante a mudança cognitiva, mas a construção conjunta deve existir
para que a mudança aconteça na interdependência da atividade social. Hausfather apresentou,
em seu texto “Vigotsky and Schooling: Creating a social context for learning”, um estudo
etnográfico da transmissão de conhecimentos e habilidades em 35 lares espanhóis, nos quais
encontraram a ZDP que era constantemente gerada pela atividade produtiva dos membros das
famílias. A sabedoria não era imposta pelos adultos, mas obtida pelas crianças dentro de
relacionamentos sociais recíprocos. Era essa reciprocidade social dos trabalhos que permitiam
as crianças, conjuntamente com os adultos, a construir a sabedoria, conhecimento dentro de
um contexto social. Nessa perspectiva, Vigotski argumentou que o desenvolvimento do
sujeito não pode ser entendido estudando apenas a criança. È necessário uma análise do
cenário social na qual a criança desenvolveu-se.
60

A busca emergente da compreensão da zona do desenvolvimento proximal possibilitou


a ampliação das idéias de Vigotski, com a colaboração de Gallmore e Tharp (2002), que
construíram uma gênese da zona do desenvolvimento proximal.
Gallimore e Tharp (2002, p. 179) asseveram que:

O desenvolvimento de qualquer capacidade individual de desempenho representa


um relacionamento mutável entre regulação social e auto-regulação. Ao longo do
tempo, a criança gradualmente passa a exigir menos assistência ao seu desempenho,
na medida em que aumenta sua capacidade de auto regulação. Assim, o avanço pela
zona de desenvolvimento proximal-do desempenho assistido ao desempenho não
assistido e auto-regulado se processa gradualmente.

A abordagem mediada pelos conceitos de zona de desenvolvimento proximal


Vigotskiana proporciona uma reflexão permanente do ato educativo, pois a condução da
criança à autonomia é um processo longo e exige do docente uma cumplicidade na
transformação de processos interpessoais para os processos intrapessoais que, de alguma
forma, conduzem até a internalização.
A internalização do processo de conhecimento se dá por meio da assistência; a zona de
desenvolvimento proximal proporciona um espaço facilitador do processo de construção do
conhecimento, uma vez que permite a análise do desempenho do aluno de maneira mais
individualizada.
Existe um progresso do desenvolvimento que precisa ser observado, visto que a
interação entre a criança e o seu ambiente social se dá de forma gradativa e interdependente e
que, para tanto, é necessário observar os estágios da ZDP que podem facilitar a práxis
educativa.
Gallimore e Tharp (2002, 179) afirmam que a zona de desenvolvimento proximal é
dividida em quatro estágios, conforme apresentado no esquema abaixo:
61

Capacidade RETORNO
inicial

Capacidade desenvolvida
ZONA DE DESENVOLVIMENTO PROXIMAL
----------------------------------------------------------------
-
Assistência prestada por
indivíduos mais capacitados:
Auto-assistência
Interiorização Desautomatização
Pais colegas

Professores
Automatização Retorno aos
Especialistas

Treinadores Fossilização Estágios iniciais

ESTÁGIO I ESTÁGIO II ESTÁGIO III ESTÁGIO IV

Figura 1: Gênese de uma capacidade de desempenho: avanços para além da zona de desenvolvimento proximal.

Os autores citados construíram uma gênese para compreender a zona de


desenvolvimento proximal embasando suas idéias nas contribuições teóricas de Vigotski.
Enquanto este postulou que a zona de desenvolvimento proximal é constituída pela zona de
desenvolvimento real e potencial, aqueles redefinem essa nova abordagem apresentando os
quatros estágios seguintes:

I- O desempenho é assistido por indivíduos mais capazes. Antes que as crianças


possam funcionar como atores independentes, elas dependem dos adultos ou de
colegas mais capazes para assegurarem uma regulação externa ao desempenho de
suas tarefas.
II- O desempenho é auto-assistido - Se prestarmos cuidadosamente atenção às
afirmações da criança durante este período de transição, veremos que os padrões de
atividade que permitiram a criança participar do trabalho de resolução de problemas
no plano intermental agora permitirão a execução de tarefas no plano intramental.
III – O desempenho é desenvolvido, automatizado e fossilizado. Uma vez
desvanecida toda aparência, ou exteriorização, da auto regulação, a criança emerge
da zona de desenvolvimento proximal. A execução de tarefas torna-se amena e
integrada: ela foi interiorizada e automatizada. Não há mais necessidade de
assistência do adulto , ou de auto-assistência.
IV- A desautomatização do desempenho conduz a um retorno a zona de
62

desenvolvimento proximal. Em qualquer individuo, ao longo de toda sua vida, o


aprendizado segue as mesmas regras e seqüências da ZDP- da assistência externa à
auto assistência- a elas retornando reiteradas vezes para o desenvolvimento de novas
capacidades. Para cada individuo, em cada momento especifico, haverá uma mescla
de regulação externa, auto-regulação e processos automatizados. A criança que já
consegue dominar diversos passos da montagem de um quebra cabeças poderá ainda
situar-se na zona de desenvolvimento proximal no que diz respeito às atividades de
leitura.

Para criar uma zona de desenvolvimento proximal, isto é, para engendrar uma série de
processos de desenvolvimento interior, precisamos dos processos corretamente construídos de
aprendizagem escolar (Vigotski, 1933, p.134, citado por Veer & Valsiner, 1996, p.358).

3.8 A tentativa de compreender o comportamento fossilizado

Toda pesquisa científica investiga o seu fenômeno a partir de uma abordagem teórica e
constrói o seu método de análise coerente com a literatura escolhida. Durante a história da
psicologia, diversas correntes teóricas surgiram e, conseqüentemente, vários métodos de
análise também. Mesmo existindo variados procedimentos para investigar os problemas
científicos, a maioria utilizava o método experimental nos moldes de estímulos e respostas.
O modelo experimental de estímulo-resposta foi estudado pela primeira vez por
Pavlov. Durante o experimento, percebeu que a boca do animal encontrava-se com saliva
tanto quando via ou sentia o cheiro do alimento quando percebia a presença de outros
estímulos associados a ele, como o barulho de passos, fora da sala, na hora da refeição. Dessa
forma, o autor relacionava os alimentos a outros estímulos, originalmente neutros quanto à
capacidade de provocar a salivação, como a luz de uma lâmpada ou o som de uma campainha.
Caso a comida fosse, repetidas vezes, precedida desses estímulos, o cachorro passaria a
salivar também na sua presença. Esse comportamento foi denominado de reflexo
condicionado.
Percebe-se nesse método uma posição ativa do experimentador em controlar situações
com estímulos que garantem uma resposta já esperada do sujeito. Vigotski construiu seu
método de análise partindo de uma visão crítica do método de estímulo-resposta, pois ele não
comungou com a idéia de passividade do sujeito diante das circunstâncias, considerando o
sujeito ativo de seu comportamento.
63

Vigotski não descartou e nem descredibilizou o método, pois soube reconhecer a


devida importância da descoberta acadêmica e, principalmente, sua repercussão na construção
da psicologia no campo cientifico. A partir das idéias do condicionamento reflexo, ele
incorpora a diferença entre estímulo-objeto e estímulo-meio.
Segundo Valsiner (1989), os estímulos-objetos incluem a subclasse de estímulos- meio
potenciais, sendo todo estímulo que pode, a princípio, tornar-se meio para algum fim; nas
mãos de um individuo ativo, são primeiros apresentados como estímulos que afetam o
individuo. O sujeito ativo introduz o processo de construção de novos meios para algum fim
dado experimentalmente, usando os recursos (estímulos) que o experimentador forneceu.
Conforme Vigotski (2003), a abordagem dialética acredita na influência do meio sobre
o sujeito, mas também que este, por sua vez, “age sobre a natureza e cria, através das
mudanças nela provocadas, novas condições naturais para sua existência.” (p.80). Já a
abordagem naturalística apresenta uma visão reducionista de que apenas a natureza modifica
o ser humano.
Tanto o método de estímulo-resposta quanto a abordagem naturalística são ineficazes
para a pesquisa das funções psicológicas superiores. Valsiner defende que a abordagem
dialética é a que apresenta mais consistência teórica-metodológica para estudarmos os novos
métodos de análise que Vigotski defende.
Vigotski (2003) procurou construir três princípios fundamentais que formam o alicerce
da abordagem da análise das funções psicológicas superiores.
O primeiro consiste em analisar processos e não objetos. Esse princípio pretende
discutir a diferença entre a análise do objeto e análise do processo (análise dos estudos
psicológicos). Vigotski se fundamentou em parte nas concepções de Koffka e Werner. Assim
como Werner, acreditou na possibilidade de estudar o desenvolvimento utilizando uma
situação experimental, mas no sentido que o experimento possa ser gerador de
desenvolvimento. No entrelaçamento das idéias de tais autores, Vigotski acreditou que as
pesquisas experimentais possibilitam situações para que possamos observar e analisar o
desenvolvimento das funções psicológicas, ressaltando que podem ser observados quaisquer
processos psicológicos, independente do tempo que o comportamento leva para ser emitido,
como por exemplo nas percepções normais que ocorrem em segundos quando um processo
mental mais complexo exige um tempo mais significativo. Esse princípio também demonstra
a importância da análise do processo a partir da retrospectiva das etapas iniciais do
desenvolvimento, para que possamos compreender os comportamentos atuais.
64

O segundo princípio é o de explicação versus descrição. Na psicologia experimental,


o foco da investigação se restringe às descrições dos fatos e não na compreensão das relações
dos fatos. O interesse de Vigotski não foi apenas descrever as funções psicológicas
superiores: seu objetivo era compreender os processos psicológicos. Partindo desse interesse,
foi buscar em Lewin um suporte para suas reflexões. Lewin diferenciou análise do fenótipo da
análise do genótipo. O primeiro descrevia as características externas – uma pesquisa
descritiva –, e o segundo investigava o fenômeno em sua origem, buscando uma investigação
explicativa. Quando o fenômeno estudado refere-se a desenvolvimento humana, precisa ser
analisado pela sua “gênese e relações dinâmicos – causais”, conforme Vigotski (2003, p.82)
salientou.
Segundo Lewin (citado por Vigotski 2003), pode ocorrer a possibilidade de dois
fenômenos fenotipicamente iguais ou parecidos serem completamente diferentes em seus
aspectos dinâmicos-causais, assim como pode ocorrer também o contrário, ou seja, dois
fenômenos parecidos em sua relação dinâmico-causal podem ser diferentes fenotipicamente.
O terceiro princípio é o de problema do comportamento fossilizado. Durante os
estudos relacionados à análise dos processos psicológicos superiores, Vigotski deparou-se
com situações onde os processos psicológicos, com o decorrer do tempo, tornaram-se rígidos
e mecanizados. Fazendo uma analogia com a paleontologia, esse conjunto de característica foi
denominado de fossilização. Sendo assim, os principais aspectos do comportamento
fossilizado referem-se ao automatismo e comportamento mecanizado. Portanto, para estudar o
comportamento fossilizado, é necessário realizar uma análise genotípica, pois o interesse é
verificar os motivos que levaram o comportamento a ficarem mecanizados. O interesse não é
pelo resultado, mas pela investigação do processo das funções psicológicas. A busca pela
compreensão desse fenômeno tem como objetivo auxiliar o pesquisador a criar condições que
possibilitem a desautomatização desses comportamentos.
Segundo Vigotski (2003, p.85),

O estudo das funções rudimentares deve ser o ponto de partida para o


desenvolvimento de uma perspectiva histórica nos experimentos psicológicos. È
aqui que o passado e o presente se fundem e o presente é visto à luz da história;
aquele que é e aquele que foi. A forma fossilizada é o final de uma linha que une o
presente ao passado, os estágios superiores do desenvolvimento aos estágios
primários.

Para realizar o estudo dos comportamentos fossilizados, há que se considerar a


perspectiva histórica do desenvolvimento. Alguns pesquisadores alegam a dificuldade em
realizar uma análise do processo porque compreendem que é necessário um estudo dos
65

eventos do passado; entretanto, essa visão é inadequada, pois a análise histórica significa
estudar o processo psicológico em mudança, característica importante do método dialético.
Portanto, os princípios de análise para estudar as funções psicológicas superiores
foram expostos por Vigotski (2003) com os seguintes objetivos:
1. Realizar uma análise do processo, focando-se na compreensão do processo que
resultou o comportamento fossilizado e não apenas preocupando-se em realizar uma pesquisa
experimental com condições estáveis;
2. Apresentar a análise das relações dinâmicas-causais para investigar o
comportamento fossilizado através de observações e análises dos contextos das relações e
suas possíveis influências no fenômeno estudado. Sendo assim, a pesquisa focalizará os dados
explicativos e não os dados descritivos;
3. Analisar a origem do fenômeno. Existem alguns tipos de pensamento que no
decorrer do desenvolvimento tornaram-se mecanizados e automatizados, ou seja, fossilizados.
A metodologia era o ponto central para Vigotski (2007). A busca pelo método se torna um
dos problemas mais importantes para o entendimento das atividades psicológicas unicamente
humanas. Nesse caso, o método é simultaneamente pré-requisito e produto, a ferramenta e o
resultado do estudo. Mais relevantes do que testes de condutas, experimentos ou observações
que trouxeram à luz os produtos fossilizados de um processo que já tinha sido completado, ele
sentia que os pesquisadores deveriam criar formas de pesquisa que tornassem visíveis os
começos e os pontos de mudança da experiência e seus efeitos sobre o desenvolvimento das
funções mentais de uma pessoa. Ele queria uma metodologia que pudesse estudar a
criatividade e o desenvolvimento em movimento – ambas dentro do processo. Dessa forma, o
pesquisador poderia determinar não apenas como a mente funciona, mas também como seu
sistema interconectado e seu ambiente desenvolveram e influenciaram as outras mentes.
Para estudar o comportamento fossilizado, Vigotski traçou considerações tanto
orientadas para o passado quanto para o futuro, como a base de um método experimental novo
em psicologia no qual estabeleceu a estimulação dupla (Valsiner, 1989). Ele criou esse
método para alterar características automatizadas, mecanizadas, fossilizadas, das formas mais
superiores do comportamento e torná-las novamente em sua fonte ou, conforme Galllmore e
Tharp afirmam, torná-las desenvolvimento real.
O conceito de fossilização não é tão explorado pela comunidade científica mas, a
partir de um exame bibliográfico, foi possível encontrar dados que favoreçam avanços
teóricos e metodológicos acerca do tema. As pesquisas encontradas tiveram pressupostos nas
idéias, apresentadas anteriormente, a respeito do método de análise para estudar as funções
66

psicológicas superiores, apontadas por Vigotski, e as contribuições de Gallmore e Tharp, que


entendem a fossilização como sendo o terceiro estágio da zona de desenvolvimento proximal.
Lerch (2000) pesquisou as dificuldades que os estudantes adultos enfrentaram na
disciplina de álgebra no curso de matemática. Muitos desses alunos eram repetentes nessa
matéria devido à dificuldade que advém da educação básica. O maior interesse da autora em
realizar essa pesquisa foi que os estudantes cometiam os mesmos erros repetidamente. A
autora buscou em Vigotski a tentativa de compreender a dificuldade dos alunos.
O que se percebeu nesse grupo é que os estudantes aprenderam a multiplicação e
operações exponenciais mas não sabiam aplicar os processos de multiplicação e de operações
exponenciais as situações problemas. Os estudantes podem ter aprendido o conceito de
algoritmos nas séries anteriores, mas não compreenderam como ou por que usar estes
processos.
A literatura indica a existência da fossilização em contextos diferentes, tais como
acadêmico, social, cultural e histórico (Albert, Bilics, Lerch & Weaver 1999). A fossilização
sociocultural ocorre em conseqüência da aprendizagem no plano interpessoal, o conhecimento
que foi adquirido sem estar ciente das conexões existentes. Um exemplo do comportamento
fossilizado no contexto sociocultural é o desenvolvimento de uma cultura. Quando
perguntado o motivo pelo qual as pessoas apresentam tal atitude, disseram que necessitaram
porque representaram o conhecimento acumulado de sua cultura e deram forma às tradições
que a sociedade quis. São ações que não são pensadas, questionadas, apenas são imitadas
gerações após gerações. A fossilização cultural refere-se ao conjunto de normas e regras que
regem uma sociedade.
Para Lerch (2000), fossilização acadêmica refere-se às conexões de habilidades e
conceitos que foram apreendidos no passado, mas foram perdidos tempo excedente. Os
estudantes são deixados com os restos de habilidades e de conceitos desconectados,
conduzindo a estas habilidades que estão sendo recordadas incorretamente e,
conseqüentemente, usadas incorretamente.
De acordo com Lerch (2000), a aprendizagem fossilizada pode ser retratada como
pontos desconectados em uma correia fotorreceptora, como se percebe na figura abaixo:
67

Figura 2 – aprendizagem fossilizada

Os vértices que são conectados frouxamente no gráfico da correia fotorreceptora da


fossilização representam aqueles conceitos que são interligados apenas em alguns
conhecimentos, com poucas recordações. Há os lugares onde a correia fotorreceptora é
quebrada. Essa quebra representa a perda das conexões dos conceitos no decorrer do tempo.
Uma vez que a área da fossilização acadêmica foi identificada, inicia-se o processo da
desfossilização. Segundo Lerch (2000), unfossilization significa quebrar as conexões velhas
para liberar uma nova aprendizagem, apenas como a embalagem que cerca um fóssil da planta
que é quebrada e revela o que existiu. O conhecimento velho é reconectado, o conhecimento
novo é adicionado às categorias e os estudantes desenvolvem uma compreensão mais
abrangente dos fatos.

Figura 2 - unfossilized

Moran e Steiner (2003) também pesquisaram a presença do comportamento


fossilizado na relação entre criatividade e desenvolvimento. Segundo os autores, o
conhecimento fossilizado compreende o processo de desenvolvimento que inclui ciclos de
perdas e ganhos ocorridos dialeticamente, com novas possibilidades de aprendizagem que
ocorrem através de esforços criativos. Por sua vez, o cristalizado não é o fim do
desenvolvimento, isso porque existem possibilidades adicionais que revelam aquelas quebras
ou negam essas formas fossilizadas para dar materiais mais profundos.
68

Vigotski disse que os pesquisadores estavam estudando a fossilização da


personalidade (formas características do comportamento) e não a criatividade (inata), e que
eles mediam a suposta acumulação de atos passados que foram praticados o suficiente para
estabilizar (em um curto período de tempo), mas não poderiam suprir a informação de como a
fossilização individual surgiu.
A metodologia dialética de Vigotski enfatiza a interação social e a mediação cultural,
funções psicológicas superiores, pluralismo cognitivo e concepções dialéticas do sujeito e do
objeto, indivíduo e cultura, imaginação e pensamento lógico e significado e o senso de criar
uma nova base para o pensamento sobre o pensamento criativo.
Para o autor supracitado, o melhor caminho para entender a mente era especificando as
origens e as transformações genéticas e como elas aconteceram. A mente está em constante
mudança como parte do comportamento dialético, com o meio influenciando o sujeito e o
sujeito modificando o ambiente de acordo com sua necessidade. É esse processo que deveria
ser analisado e não o produto.
69

4 DELINEAMENTO METODOLÓGICO

4.1 Considerações sobre o método de estudo

Esta pesquisa investigou o modo de funcionamento psicológico de crianças com


deficiência intelectual ao longo da constituição de conceitos científicos em sala de aula, para
analisar como se realizam os processos de fossilização e desfossilização durante a construção
do conhecimento das crianças com deficiência intelectual. O objetivo não se restringiu apenas
em identificar a capacidade da criança em internalizar o conceito, mais também em analisar o
processo de constituição do conceito cientifico. Para as peculiaridades desse objeto, a
investigação foi realizada por meio de estudo de casos mediante abordagem qualitativa e
priorizou a análise microgenética.
De acordo com Merriam (citado por André, 2005), o estudo de caso com abordagem
qualitativa apresenta as seguintes características: suas particularidades dizem respeito a
focalização de um fenômeno específico e peculiar, o que torna o estudo de caso muito
utilizado em pesquisas que pretendem analisar fenômenos que ocorrem diariamente, voltados
a situações práticas. Além disso, a análise do caso privilegia também a descrição densa do
objeto em estudo e interpreta os resultados encontrados por intermédio de filmagens,
observações, entrevistas, ações e palavras dos sujeitos em estudo. Já a dimensão heurística
possibilita compreender e descobrir novos conhecimentos a partir do estudo de casos,
oportunizando nova leitura do fenômeno investigado. Por fim, a indução mostra que grande
parte dos estudos de casos se fundamentam em uma lógica indutiva, o que possibilita a
descoberta de novos conceitos e não simplesmente validações ou refutações de hipóteses.
O estudo de caso com abordagem qualitativa, na ótica de Mazzotti (2006), é uma
investigação científica contextualizada, determinada a partir de critérios predeterminados, na
qual utiliza-se múltiplas fontes de dados e que tem como objetivo fornecer uma visão holística
do fenômeno que se estuda. O principal dessa abordagem é que não só haja critérios claros no
que diz respeito à seleção do caso como também que a situação configure-se como um caso,
por apresentar elementos complexos e intrigantes que motivem o esforço de entendimento e
compreensão.
Segundo Freitas (2002), o marco central da abordagem qualitativa refere-se ao olhar
de análise, que percebe os sujeitos como históricos, datados, concretos, marcados por uma
70

cultura como criadores de idéias e consciências que, ao produzirem e reproduzirem a


realidade social, são, ao mesmo tempo, produzidos e reproduzidos por ela. A autora
fundamenta sua idéia nas premissas de Vigotski sobre o estudo do método das funções
psicológicas superiores, onde o mesmo propõe que os fenômenos humanos sejam estudados
em seu processo de transformação e mudança, portanto em seu aspecto histórico. Sendo
assim, o pesquisador precisa ter em mente que o foco de análise não é a soma dos resultados,
mas sim a análise da gênese dos dados e sua relação com o processo de transformação e
mudança do fenômeno pesquisado.
De acordo com Vigotski (2003), existem alguns pontos importantes que devem ser
verificados em uma pesquisa, para que não ocorram erros metodológicos, sendo eles: o
pesquisador não deve restringir-se à descrição dos fatos, pois deve avançar para a análise e
explicação dos mesmo; a pesquisa é uma relação entre sujeitos, relação essa que se torna
promotora de desenvolvimento mediado por um outro; os fenômenos estudados devem ser
considerados em seu processo de transformação e mudança, o que auxilia o pesquisador a ter
um olhar na dimensão da relação do singular com a totalidade.
Vigotski (2003) apresentou contribuições metodológicas riquíssimas para a análise da
gênese das funções psicológicas superiores. Uma delas é a argumentação do estudo da
dimensão histórica dos fatos e ressalta que isso não significa analisar eventos passados, mas
sim compreender o processo de transformação dos fatos. De acordo com Góes (2000, p. 3),
estudar o curso de transformação significa investigar “as condições passadas e aquilo que o
presente tem de projeção para o futuro”.

2 Participantes

Participaram desta pesquisa duas crianças, Danilo e Amanda, com 12 e 14 anos


respectivamente. Suas família têm nível sócio-econômico considerado baixo. Ambas
apresentam o diagnóstico de deficiência intelectual, sem comorbidades outras, matriculados
pública de ensino de Taguatinga – Distrito Federal. A escolha das crianças atendeu alguns
critérios essenciais: a professora necessitou ter a disponibilidade para trabalhar com as
crianças e interesse em colaborar com o estudo; o conceito investigado não podia ter sido
ensinado às crianças. Tais critérios foram essenciais para assegurar a validade da pesquisa.
71

3 Local

A pesquisa foi realizada em uma turma de classe especial de um colégio de ensino


regular da rede pública de ensino de Taguatinga, vinculada à Secretária de Educação do
Governo do Distrito Federal.

4 Instrumentos

Para a coleta de dados foram utilizadas a técnica de observação participante, a


aplicação do método de classificação do quarto excluído seguida de perguntas críticas e o
método de definição de conceitos com auxílio de gravuras (Luria, 1990). Estes instrumentos
foram utilizados para identificar os conceitos cotidianos já adquiridos pelos alunos e analisar
a apropriação dos conceitos científicos referentes à classificação de seres vivos e seres não
vivos, de animais vertebrados e animais invertebrados e a de mamíferos, aves e peixes.
Foram construídos dois tipos de pranchas que apresentavam o mesmo objetivo e
conteúdo, pranchas do tipo A e B. As do tipo A se prestaram à análise dos conceitos
cotidianos e a prancha do tipo B dos conceitos científicos, e, foram aplicadas individualmente,
num total de quarentas pranchas cada versão (anexo 1). Cada prancha foi composta por quatro
figuras de seres diferentes, três delas pertencentes à mesma categoria e a quarta pertencente à
outra categoria. As categorias presentes na prancha dividem-se em: classificação de seres
vivos e seres não-vivos; a classificação de animais vertebrados e animais invertebrados e a
classificação de mamíferos, aves e peixes.
Durante a apresentação das pranchas, foram utilizadas, inicialmente, as seguintes
perguntas: O que isso? Uma dessas não deve está aqui. Qual? O que essa figura se parece
com as outras? O que essa figura tem de diferente? Como você sabe que é uma (nome da
figura, por exemplo, planta) planta? As respostas foram registras em um formulário (anexo
2). As perguntas críticas permitiram que a partir da justificativa da resposta do participante se
analisasse o funcionamento psíquico do sujeito, principalmente no que diz respeito à
capacidade de abstração e de generalização. Especificamente no caso da deficiência
intelectual, o método de classificação do quarto excluído seguido por inquérito é considerado
um instrumento que possibilita ao pesquisador identificar o curso de pensamento da criança e
72

a capacidade de transpor das formas real-concretas de generalizações para o pensamento de


generalização abstrata. (Rossi, 2006).
Após a atividade de classificação do quarto excluído, usou-se o método de
determinação ou definição de conceitos, solicitando a criança à definição, ou, o significado de
uma palavra. Por exemplo: o que é um martelo? o que é um cachorro? O método de
determinação ou definição do conceito auxiliou a identificar o funcionamento e as
características dos enlaces reais-imediatos ou lógico-verbais que representam o significado da
palavra. (Luria, 1987).
Em função da natureza de investigação, foram elaborados roteiros para registro das
aulas ministradas, onde utilizou a observação participante, que permitiu analisar com mais
propriedade os comportamentos e tomadas de decisões, sentimentos e atitudes da criança ao
resolver situações problemas.
De fato, o planejamento e o registro das observações participantes em diário de campo
e gravações audiovisuais possibilitou a elucidação do percurso de desempenho da criança, ou
seja, o caminho do plano social para o plano psicológico, da regulação social à auto-
regulação.

5 Procedimento de Coleta de dados

Na fase preliminar, foi realizado o contato com os responsáveis pelo colégio de ensino
especial, com o objetivo de verificar a possibilidade de realização da pesquisa nessa
instituição. Solicitada, nessa ocasião, a autorização formal da direção do colégio para
viabilização da coleta de dados, através da assinatura do termo de consentimento livre,
concedido pelo professor (anexo 5) e pais (anexo 6) das crianças investigadas.
Em seguida ocorreu a inserção da pesquisadora no ambiente da sala de aula, após ser
combinado previamente com a professora o conceito científico a ser trabalhado, de acordo
com as atividades curriculares desenvolvidas, neste caso, os conceitos de seres vivos e não-
vivos; animais invertebrados e vertebrados; e a classificação vertebrados em mamífero, ave e
peixe. Em seguida, foram verificados os conceitos cotidianos já desenvolvidos pelas crianças
por meio do método de classificação do quarto excluído e do método de definição de
conceitos com auxílio de gravuras.
Foram, então, realizadas processos mediacionais visando à formação dos conceitos em
foco, em sala de aula, registrando igualmente em diário de campo e em áudio e vídeo. Dessa
forma, primeiro foi ensinado a classificação de seres vivos e não-vivos e, a seguir, a
73

classificação de animais vertebrados e invertebrados; e, por fim, a classificação de mamíferos,


aves e peixes.
Na seqüência, após a mediação, as crianças foram ajudadas a realizarem as atividades
para o desenvolvimento dos conceitos, quando buscou-se analisar a sua capacidade de avanço
na Zona de Desenvolvimento Proximal, e de operar com os conceitos sozinha, ou seja,
avaliada a dinâmica do processo de fossilização. Nesse momento, verificou-se a eficácia da
internalização e automatização.
Buscou-se identificar processos de desfossilização. Após a criança ter fossilizado
determinado conceito, era necessário uma certa flexibilidade mental, para que ela retornasse à
zona de desenvolvimento proximal e aprender um novo conceito que dependesse do anterior.
Por fim, aplicou-se novamente o quarto excluído e o método de definição de conceitos, com o
objetivo de analisar a abrangência de generalização e abstração dos conceitos científicos
acerca das classificações já mencionadas.
74

5 – RESULTADOS, ANÁLISE E INTERPRETAÇÃO DE DADOS.

Conforme já mencionado, a pesquisa analisou o modo de funcionamento psicológico


de duas crianças com deficiência intelectual, durante a constituição de conceitos científicos,
em sala de aula, para investigar como ocorrem os processos de fossilização e desfossilização.
A coleta de dados ocorreu em três momentos distintos, porém complementares e
essenciais ao entendimento do objeto investigado. No primeiro momento, aplicou-se o
instrumento do quarto excluído (Prancha tipo “A” – versão para os conceitos cotidianos). No
segundo, a técnica de observação participante. Por último, repetiu-se o instrumento do quarto
excluído (Prancha tipo “B” – versão para os conceitos científicos), somado ao método de
definição, seguido de perguntas críticas auxiliadas por gravuras. Os resultados serão
apresentados seguindo essas três etapas e procedendo-se na seqüência, a análise
microgenética dos episódios considerados relevantes, ou seja, a análise do comportamento
minucioso da formação de um processo detalhando as ações dos sujeitos e as relações
interpessoais, num curto espaço de tempo. (Wertch, 1985)

PRIMEIRO MOMENTO: APLICAÇÃO DO QUARTO EXCLUÍDO PARA


CONCEITOS COTIDIANO.

É sabido que os conceitos cotidianos constituem a base, a âncora sobre a qual se


assentarão os conceitos científicos. Nesse sentido, buscou-se verificar os níveis de
abrangência da generalização e abstração dos conceitos cotidianos, construídos pelos relativos
à classificação de seres vivos e não-vivos; animais vertebrados e invertebrados; mamífero;
ave e peixe, por meio, do quarto excluído na versão “A”. Nesse instrumento, foi apresentada
uma prancha com quatro gravuras e solicitado ao participante a escolha de três que
representassem a mesma categoria e excluísse a quarta gravura por ser pertencente à outra
categoria, com a finalidade de verificar a atividade de classificação categorial, a utilização do
pensamento para escolher atributos e subordinar objetos a uma categorial geral (LURIA,
1990).
Os resultados da aplicação do quarto excluído indicaram que Amanda apresentou
predominantemente um funcionamento mental baseado no uso do pensamento por complexo
do tipo associativo, difuso e em cadeia (vinte e um episódios), assim distribuídos: associativo,
75

dois - sem acertos; difuso, dezesseis - com 50% de acertos; cadeia dois - sem acertos.
Observou-se, por meio de conceitos verdadeiros, doze episódios, sendo oito acertos e quatro
erros. Já os conceitos potenciais apareceram em quatro episódios, com três acertos e um erro.
Ao todo, Amanda totalizou dezenove respostas corretas e dezoito erradas, conforme o quadro
1 que se segue:

QUADRO 1 REFERENTES AO DESEMPENHO DE AMANDA NA APLICAÇÃO DO


INSTRUMENTO QUARTO EXCLUÍDO NA VERSÃO “A” – CONCEITOS
COTIDIANOS
ERRO / ACERTO:
CATEGORIA TIPO DE PENSAMENTO PRANCHAS A
QUANTIDADE
Acertos: 3
Seres vivos e não- Conceito propriamente dito 1; 2; 3; 5
Erro: 1
vivos
Complexo em cadeia 4 Erro: 1
Acerto: 1
Vertebrados e Complexo difuso 6; 7; 8; 9
Erros: 3
invertebrados
Conceito potencial 10 Acerto: 1
Conceito potencial 11 Acerto: 1
Mamíferos e não- Complexo difuso 12; 13 Acertos: 2
mamíferos Conceito propriamente dito 15 Erro: 1
Complexo difuso 16; 17 Erros: 2
Complexo em cadeia e relação
18 Erro: 1
Aves e não-aves ao anterior
Acerto:1
Conceito propriamente dito 19; 20
Erro: 1
Acertos: 2
Conceito propriamente dito 21; 23; 25
Peixes e não-peixes Erro: 1
Complexo 24 Acerto: 1
Conceito propriamente dito 26 Acerto: 1
Acerto: 1
Mamíferos e aves Complexo difuso 27; 28; 30
Erros: 2
Conceito potencial 29 Erro: 1
Complexo associativo 32; 33 Erros: 2
Mamíferos e peixes
Complexo difuso 31; 34; 35 Acertos: 3
Acerto: 1
Complexo difuso 37; 38
Erro: 1
Peixes e aves
Conceito propriamente dito 39 Acerto: 1
Conceito potencial 40 Acerto:1
76

Os dados obtidos na aplicação do quarto excluído evidenciaram que Danilo


utilizava de forma predominante um modo de funcionamento mental baseado no uso do
pensamento por complexo do tipo em cadeia e difuso (vinte dois episódios), assim
organizados: pensamento por complexo do tipo difuso, dezesseis - com seis acertos e dez
erros; cadeia, seis, sendo dois acertos e quatro erros. Apresentou por meio de conceitos
verdadeiros, em oito episódios, três acertos e cinco erros e apenas um episódio de conceito
potencial, sem acerto. Danilo totalizou vinte erros e onze acertos, de acordo com o quadro 2,
mostrado a seguir.

QUADRO 2 REFERENTES AO DESEMPENHO DE DANILO NA APLICAÇÃO DO


INSTRUMENTO QUARTO EXCLUÍDO NA VERSÃO A – CONCEITOS
COTIDIANOS
ERRO / ACERTO:
CATEGORIA TIPO DE PENSAMENTO PRANCHAS A
QUANTIDADE
Conceito propriamente dito 1 Acerto: 1
Complexo em cadeia 2; 3 Acerto: 1
Seres vivos e não- Erro: 1
vivos Complexo difuso 4; 5 Acerto: 1
Erro: 1
Vertebrados e Complexo difuso/cadeia 6; 7; 8; 9 Acerto: 1
invertebrados Erros: 3
Mamíferos e não- Complexo difuso 11; 12; 13; 15 Acertos: 2
mamíferos Erros: 2
Aves e não-aves Complexo difuso 16 Erro: 1
Conceito propriamente 17; 18 Erros: 2
dito/cadeia
Conceito propriamente 23; 24; 25 Acertos: 2
Peixes e não-peixes dito/difuso Erro: 1
Complexo difuso 21 Acerto: 1
Conceito propriamente dito 26 Erro: 1
Mamíferos e aves Complexo difuso 27; 28; 29 Acerto: 1
Erros: 2
Mamíferos e peixe Complexo difuso 31; 32; 33; 34 Acerto: 1
Erros: 3
Conceito propriamente dito 36 Erro: 1
Peixe e ave Complexo difuso 37 Erro: 1
Conceito potencial 38 Erro: 1

Ao apresentarem um modo de funcionamento com pensamento por complexos, as


crianças construíram vínculos baseados em características factuais que existem efetivamente
relações entre os objetos, e que foram apreendidos nas experiências imediatas. Trata-se de
pensamento com tentativas de unificação concreta de um grupo de objetos agrupados pela sua
77

semelhança física. Assim, foram selecionados alguns episódios considerados mais


elucidativos dos processos de constituição dos conceitos para análise, ora de uma criança, ora
de outra, tendo a preocupação de não estabelecer comparações entre os desempenhos deles.
Conforme o exemplo da prancha aplicada em Amanda:

QUADRO 1 Prancha 19 A
Amanda Papagaio – cisne – águia – macaco
(ave e não ave)

Pesquisadora: O quê é isso?


Criança: Papagaio - Cisne - Águia - Macaco
Pesquisadora: Qual desses não combina?
Criança: Papagaio.
Pesquisadora: O papagaio? Por quê?
Criança: Porque só fica na gaiola, voa, come ração, é cheio de cor.

Esperava-se que Amanda identificasse os atributos criteriais da categoria ave, ou seja,


que constituem uma classe de animais vertebrados, caracterizados principalmente por
possuírem o corpo coberto de penas; bicos para se alimentarem; asas e pés que auxiliam na
locomoção; e são ovíparos. A ponto de abstrair tais atributos e excluir a categoria mamífero
ou outro animal qualquer presente à situação. Entretanto, a criança selecionou o papagaio,
utilizando o critério, “ser doméstico”. De acordo com o quadro 3, a criança não buscou o que
não combina, e, sim aquilo que realmente faz sentido para ela, quando caracterizou o
papagaio dentro das relações que apreendeu, pelas percepções imediatas; e não atendeu o
comando dado na atividade. O pensamento da criança, por um lado, buscou elementos
factuais da classificação de animais domésticos, afinal, animal que vive em gaiola e come
ração é aquele criado em casa. E construiu elos baseados em aspectos concretos do objeto,
formados pela suas características físicas, caracterizando, de fato, o pensamento por
complexo. Por outro lado, porém, demonstra já identificar um atributo criterial de “animais
domésticos”, denotando o uso de conceitos.
O pensamento por complexo do tipo difuso baseia-se nas relações não-concretas,
priorizando processos indefinidos, diluídos, que foram organizados para formar vínculos
diversos que se combinam entre si. Quando o indivíduo organiza o pensamento por complexo
difuso, começa a raciocinar além de suas percepções práticas e imediatas, cria elos subjetivos,
mas ainda prevalecem as características do limite de pensamento por complexo, que são os
vínculos factuais concretos entre os objetos específicos, apenas compreendidos quando se
solicita ao outro a definição do conceito.
78

De acordo com Vigotski (2001, p.189) “toda a diferença consiste em que esses
vínculos se baseiam em traços incorretos, indefinidos e flutuantes, na medida em que o
complexo combina objetos que estão fora do conceito prático”. Esses conceitos podem ser
verificados no quadro dois, na prancha aplicada em Amanda.

QUADRO 2 PRANCHA 8 A:
Amanda FORMIGA – LEÃO – ELEFANTE – CACHORRO
(ANIMAIS VERTEBRADOS E ANIMAIS INVERTEBRADOS)

Pesquisadora: O quê é isso?


Amanda: Formiga – leão – elefante – cachorro
Pesquisadora: Qual desses não combina?
Amanda: O cachorro.
Pesquisadora: O cachorro? Por quê?
Amanda: Porque o cachorro não vive no mesmo lugar que os outros bichos.
Pesquisadora: E onde os outros bichos vivem?
Amanda: Na selva .
Pesquisadora: E o cachorro, vive aonde?
Amanda: Em casa, no veterinário e tudo mais.

Almejava-se que Amanda reconhecesse os atributos criteriais da categoria de


animais vertebrados, a ponto de abstrair tais atributos e excluir a categoria de animais
invertebrados. Os elementos criteriais da categoria de animais vertebrados são caracterizados
pela presença de coluna vertebral e por possuírem músculos e esqueletos. Contudo, o animal
eleito foi o cachorro. Ao solicitar-se que explicassem porque selecionou esta figura apontou
que o cachorro mora em um lugar diferente dos demais. A formiga, o elefante, e o leão
moram na selva. Já o cachorro em casas e lojas veterinárias. A análise fenotípica indica que a
classificação de Amanda está errada, considerando o critério da pesquisa, mas, do ponto de
vista da natureza do funcionamento psicológico, na genotípica, observa um pensamento já
refinado, onde, ao abstrair a diferença de habitat dos animais, Amanda constrói a categoria de
animais domésticos e selvagens. As generalizações que ela realizou, transpuseram o
pensamento concreto, e também, já apresentam níveis de raciocínio mais abstrato.
O modo de funcionamento psicológico dos participantes não ocorreu apenas pelo
pensamento por complexo. Apesar de uma freqüência baixa, também, em alguns episódios,
configurou o conceito propriamente dito, no qual, os participantes conseguiram reunir alguns
atributos e abstraí-los para sintetizá-los posteriormente. Considere-se que abstração dos
elementos criteriais é a forma basilar do pensamento com o qual o indivíduo percebe e
adquire o conhecimento que o rodeia (VIGOTSKI 2001). Acredita-se então, que uma vez
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tendo alcançado esse tipo de funcionamento, as crianças responderiam corretamente a tarefa


de classificação que lhes fora proposta.
Porém, os dados mostram um movimento distinto. De acordo com o quadro que se
segue, o complexo difuso pode levar ao acerto (Quadro 3) e do pensamento por conceitos
propriamente dito ao erro (Quadros 4 e 5).

QUADRO 3 PRANCHA 13 A: JACARÉ – MACACO – CACHORRO – CACHORRO


Amanda (MAMÍFERO E NÃO-MAMÍFERO)

Pesquisadora: O quê é isso?


Amanda: Jacaré / Macaco / Cachorro / Cachorro
Pesquisadora: Qual desses não combina?
Amanda: Jacaré.
Pesquisadora: Jacaré. Por quê?
Amanda: É um bicho agressivo.
Pesquisadora: O quê mais?
Amanda: A pessoa pode chegar perto dele e ele comer.
Pesquisadora: Tem mais alguma diferença?
Amanda: Pode matar.
Pesquisadora: Aham! Mais alguma coisa?
Amanda: É feio.

Esperava-se que Amanda identificasse os atributos criteriais da categoria mamífero, ou


seja, que constituem uma classe de animais vertebrados, caracterizados principalmente por
possuírem o corpo coberto de pêlos; o filhote se desenvolve dentro do útero; tem quatro patas
e, na sua maioria são carnívoros, a ponto de abstrair tais atributos, e excluir, a categoria não
mamífero. Ela selecionou o Jacaré, justificando que ele é agressivo e perigoso. Já o macaco e
o cachorro, não representam perigo, critério, pois, de periculosidade. Buscou escolher o que
lhe pareceu ameaçador. Alcançando acerto na prancha mesmo com o uso de pensamento por
complexo do tipo difuso. Cabe ressaltar que, de fato, a prancha oferece esse tipo de
classificação como outra possibilidade.
Já nos quadros 4 e 5, Amanda opera com pensamento por conceitos propriamente dito,
consegue abstrair e generalizar os atributos criteriais do conceito, mas erra na classificação.
Ela emite uma resposta que, fenotipicamente, no contexto de prancha, está errada e, após a
investigação da natureza do funcionamento psicológico, observa-se que, genotipicamente,
opera com outro nível de desenvolvimento do conceito científico. No caso, seleciona a
prancha errada, mas já funciona com o conceito propriamente dito. O quadro exemplifica essa
situação.
80

QUADRO 4 PRANCHA 15 A: ONÇA – TARTARUGA - BALEIA – VACA (MAMÍFERO E


Amanda NÃO-MAMÍFERO)

Pesquisadora: O quê é isso?


Amanda: Onça / Tartaruga / Baleia / Vaca
Pesquisadora: Qual desses não combina?
Amanda: É... Baleia.
Pesquisadora: Por quê?
Amanda: Porque ela é um bicho que fica só na água, nadando.
Pesquisadora: Ela vive nadando, vive na água... O quê mais ela tem de diferente dos outros?
Amanda: Come peixe, ela é enorme.
Pesquisadora: Come peixe, é enorme... Mais alguma?
Amanda E solta água por cima.

Pretendia-se investigar se as crianças identificavam a classificação de animais


mamíferos. Ao apresentar as gravuras dos animais, almejava-se que Amanda reconhecesse os
atributos criteriais para abstraí-los e excluísse a categoria diferente neste caso, a tartaruga,
como nas demais pranchas. Entretanto, escolheu a baleia, diferenciando-a dos outros animais
porque fenotipicamente coincide com os atributos próprios dos peixes. Mesmo diante da
resposta errada, ao analisar o curso do funcionamento mental, pode-se constatar a presença de
enlances lógico-verbais em sua resposta, quando demonstra inserir a baleia na categoria peixe.
Mesmo errando a figura, Amanda apresentou um funcionamento psicológico pelo
pensamento por conceito propriamente dito. Isso ocorre porque o signo que deveria
representar o objeto em seus aspectos essenciais, deslocados dos traços reais e imediatos,
deixa de exprimir seus enlaces lógicos e verbais, denotando um erro categorial. Embora a
resposta seja fenotipicamente errada, é diferente na sua essência e natureza psicológica.
(ROSSI, 2008)
Na aplicação do quarto excluído, versão para os conceitos cotidianos, os resultados
fortaleceram a premissa de Vigotski (2001), na qual, de fato, o sujeito elabora o pensamento
verbal antes de sua entrada na escola e, por outro lado, o ingresso na escola visa oportunizar
o desenvolvimento dos significados semânticos variados do uso da palavra, pois, o ambiente
promove a aquisição e desenvolvimento dos conceitos formais.
Algo semelhante ocorreu com Danilo, tanto considerando as características externas
da resposta quanto à natureza do funcionamento psicológico, embora, também tenha errado a
seleção da figura.
81

QUADRO 5 PRANCHA 26 A: LEÃO – GALINHA – PATO – PÁSSARO (AVE E


Danilo MAMÍFERO)

Pesquisadora: O quê é isso?


Danilo: Leão / Galinha / Pato / Passarinho
Pesquisadora: Qual desses não combina?
Danilo: Esse (apontando para a galinha)
Pesquisadora: A galinha? Por quê?
Danilo: Porque ela tem penas
Pesquisadora: Tem mais alguma diferença?
Danilo: Não.

Na prancha 26 foram apresentadas a Danilo as figuras: leão-galinha-pato-pássaro.


Esperava-se que ele pudesse identificar os atributos criteriais da classificação de ave, para
abstraí-los a ponto de excluir a categoria diferente. Contudo, foi escolhida a galinha, “porque
ela tem penas”. É sabido que o pato e o pássaro também as têm, mas acredita-se que a escolha
da galinha se deu por esta mais próxima da criança. O modo de funcionamento intelectual de
Danilo demonstra que a criança com deficiência intelectual é capaz de abstrair os atributos
criteriais da ave, diferenciando-os das suas percepções concretas, pois sua escolha não foi
porque ela é um animal que vive no galinheiro, e sim, porque ela possui penas. O atributo
escolhido já demonstra sua capacidade de abstração para identificar elementos criteriais que
associados a outros são necessários para classificar a galinha dentro da categoria de aves. Erra
a classificação, pois não exclui o mamífero em meio, as aves, e demonstra dificuldades de
generalizar. De fato, os resultados mostram que os conceitos cotidianos são construídos nas
relações sociais que o sujeito estabelece com seus pares, familiares, amigos e demais redes
significativas. Nesse contexto, Danilo representou os conceitos por meio de palavras que
expressaram, geralmente, impressões factuais do objeto. Assim, mostrou as representações
simbólicas desenvolvidas diante de determinadas situações e expressou a abrangência da
abstração que realizou.
Durante o processo de desenvolvimento do conceito e, portanto, do signo, a relação
entre pensamento e linguagem sofre modificações, na esfera quantitativa, o critério para
incluir também, “pato” e “passarinho” na mesma categoria. De todo modo, mostra um tipo de
pensamento que pode ser considerado “conceito potencial”, já que enuncia pelo menos um
atributo criterial de categoria. Na qualitativa (VIGOTSKI, 2001), pretendeu apreender as
modificações que ocorrem no funcionamento, no segundo momento da pesquisa, procurando
verificar os níveis de abrangência da generalização e abstração ao longo da constituição do
conceito científico, identificar e analisar o comportamento fossilizado, verificar se o curso do
82

desenvolvimento segue os tópicos propostos por Gallimore e Tharp e analisar o processo de


desfossilização.

2 – SEGUNDO MOMENTO: OBSERVAÇÃO PARTICIPANTE

No segundo momento de investigação, o uso de observação participante possibilitou o


planejamento e a mediação semiótica, visando o desenvolvimento dos conceitos cotidianos já
identificados. Para um melhor entendimento do curso do desenvolvimento das aulas, as
mesmas foram divididas em cinco etapas que contribuíram para a investigação do
funcionamento dos participantes da pesquisa, a saber: 1- Etapa de exploração do
conhecimento real das crianças; 2 – Apresentação do conteúdo; 3 – Atuação pela Zona de
Desenvolvimento Proximal; 4 – Momento de fossilização do conceito; e, 5 – A necessidade
da desfossilização.

2.1 – Aula 1: Seres vivos e não-vivos e apresentação do ciclo vital

O objetivo da primeira aula foi introduzir o conteúdo de seres vivos e não-vivos


juntamente com conceito de ciclo vital, que são as transformações que ocorrem na vida de um
ser vivo: o nascimento, o crescimento, a capacidade de reprodução, o envelhecimento e a
morte.

2.1.1 – Etapa de exploração do conhecimento real das crianças


Partir do conhecimento prévio é um recurso mediacional para promover relações entre
o que é conhecido e o que de novo será apresentado. Proporciona significado e há sentido real
da aprendizagem em curso. Para iniciar o processo de exploração do nível de conhecimento
real das crianças expressa pelos conceitos cotidianos já internalizados, foi utilizada uma caixa
que continha diversos objetos representando a categoria de seres vivos e não-vivos, sendo
eles: helicóptero, celular, pilha, bola, caneta, burro, planta, leão, gato, cachorro, porco,
hipopótamo, girafa. Solicitou-se as crianças para escolherem qualquer objeto. Conforme o
quadro 6 demonstra:
83

QUADRO 6
Pesquisadora: Vamos ver o quê eu tenho aqui dentro? Vocês podem pegar o quê vocês quiserem.
Pesquisadora: Um celular? Esse celular serve pra quê?
Danilo: Para brincar
Pesquisadora: Ahhh! E pra que serve esse celular de verdade? O quê a gente faz com esse celular?
Amanda: Liga, tira foto... Manda mensagem
Pesquisadora: Celular come?
(Danilo e Amanda balançam a cabeça, negando)
Pesquisadora: Celular dá filhinho?
Danilo: Não
Amanda: Não (Responde sorrindo e balançando a cabeça, negando)
Pesquisadora: Não? (Puxa a caixa) Pega aqui pra mim então, um que come e dá filhinho.
Ana pega um porco
Danilo pega um leão
Pesquisadora: Um porco e um leão. Fale sobre o leão, Danilo.
(Danilo encosta a cabeça na mesa. Olha para o leão)
Pesquisadora: Onde o leão vive? Você sabe?
Danilo: Na selva
Pesquisadora: Na selva... O quê será que ele come?
Danilo: Mato
Pesquisadora: Mato... Ele é bravo?
Danilo: Não
(Amanda balança a cabeça, afirmando)
Pesquisadora: Não é não? E você acha que o leão é bravo, Amanda?
Amanda: Sim, ele é agressivo.
Pesquisadora: Quando ele fica agressivo, o quê ele faz com os outros animais?
Amanda: Não sei
Pesquisadora: Porque ele é agressivo? Você falou que ele é agressivo, o quê é ser agressivo?
Amanda: Não sei
Pesquisadora: Você sabe Danilo?
Danilo: Não sei
Pesquisadora: O leão é agressivo porque ele come os outros bichos?
Danilo: Come
(Amanda balança a cabeça, afirmando)
Pesquisadora: Ele dá filhote?
(Amanda e Danilo balançam a cabeça, afirmando)
Pesquisadora: E um dia, o leão morre?
Danilo: Não
(Amanda olha para pesquisadora discordando de Danilo)
Pesquisadora: O leão morre ou ele vai viver para sempre, ele nunca vai morrer?
Pesquisadora: Ele morre? Ou ele vive pra sempre?
(Amanda balança a cabeça, afirmando)
Amanda: Ele morre

Amanda selecionou o celular e pontuou as funções que o aparelho tem, tais como:
realiza ligações, tira foto e manda mensagem. Ela se refere ao objeto considerando seus
atributos criteriais, pois, efetivamente, os novos modelos de celulares suplantam a mera
função de comunicação telefônica, instituindo-se como câmara fotográfica e mini computador
que envia mensagem. Embora sejam dados advindos de suas experiências, não são dados
meramente factuais do aparelho.
Ao analisar se os participantes conseguiram identificar as características do ciclo vital,
observou-se, que tanto Amanda quanto Danilo, apontaram que o celular não apresenta ciclo
84

vital. Então, foi pedido que escolhessem algo capaz de reprodução. Amanda escolheu o porco
e Danilo, o leão. Durante o inquérito para esclarecer a lógica de escolha dos animais, os
participantes demonstraram conhecimento das características do ciclo vital. Ainda, que as
crianças não pudessem conceituar o que seja ciclo vital, já demonstraram um repertório de
conhecimentos sobre o mesmo, tais como: que o leão nasce, cresce, pode reproduzir e um dia
morre, diferente do celular. Esses conceitos cotidianos adquiridos na relação do sujeito com
sua rede social são a base para a constituição dos conceitos científicos, desenvolvidos durante
o processo de escolarização através da sistematização dos conhecimentos. E já apresenta um
nível de abstração interessante e importante. Em síntese, no que concerne à categoria seres
vivos e não vivos, Amanda já apresenta um nível de classificação compatível com conceito
propriamente dito, ainda que, não possam, neste momento, enunciar verbalmente e definir o
conceito.
Danilo mostra-se em uma fase diferente, na qual, ainda busca sistematizar os critérios
de ser vivo para abstraí-los em uma categoria geral.
A exploração do conhecimento prévio das crianças foi utilizada como inter texto para
a enunciação das perguntas críticas que resultaram durante o processo de ensino, na
apresentação dos conceitos em pauta.

2.1.2 – Apresentação do conteúdo de seres vivos e não-vivos

A despeito de já conhecerem cotidianamente os seres vivos e não-vivos, os conceitos


foram apresentados e aprofundados para servir de âncora as demais classificações. Foram
utilizados os mesmos objetos apresentados aos participantes durante o momento de
exploração.
Desejava-se, através da sistematização do ensino, observar o desenvolvimento do
conceito e a mudança na estrutura da natureza psicológica da palavra. Para isso foi pedido aos
participantes que separassem os objetos do interior da caixa, utilizando como critério
elementos animais e não animais. Daniel escolheu o cavalo, o hipopótamo, a girafa e a baleia;
Amanda, o burro, para compor o grupo de animais. O mesmo critério foi adotado para os
demais objetos que faziam parte do grupo dos não animais. Danilo escolheu a bola, a pilha e o
celular. Amanda, o helicóptero e a caneta.
O conceito de ciclo vital foi apresentado às crianças, demandando a elevação do nível
de abstração, já apresentado, de acordo com o quadro 6:
85

QUADRO 6
Pesquisadora: Olha só, vocês já ouviram falar o quê é um ser vivo e o quê é ser não vivo?
(Amanda balança a cabeça afirmando e Danilo observa o cavalo)
Pesquisadora: Já? Já ouviu Amanda?
Amanda: Aham
Pesquisadora: O quê é um ser vivo?
Amanda: É uma pessoa que “ tá”a viva
Pesquisadora: É uma pessoa que “tá” viva... Muito bem, Amanda!
(Pesquisadora olha para Danilo)
Pesquisadora: E aí, o quê é um ser vivo? Você sabe?
Danilo: Não
Pesquisadora: Olha só, ser vivo, é qualquer animal que nasce, cresce, reproduz////dá filhotinho e
morre.
Pesquisadora: Vamos ver o cavalo. Ele nasce?
Danilo: Não
Pesquisadora: O cavalinho nasce de algum lugar, não nasce da mamãezinha dele?
Danilo: Aham
Pesquisadora: Não nasce Danilo, dentro da barriga da mamãe dele?
(Danilo balança a cabeça afirmando)
Pesquisadora: Depois ele cresce
(Danilo balança a cabeça afirmando)
Pesquisadora: Ele vai dar filhotinho?
Danilo: (Balança a cabeça afirmando) Vai
Pesquisadora: Vai Amanda?
(Amanda balança a cabeça afirmando)
Pesquisadora: E ele vai morrer também?
(Danilo e Amanda balançam a cabeça afirmando)
Pesquisadora: Então... ele é o quê?
Danilo: Ser vivo.

No momento da sistematização do conteúdo foram apresentadas às crianças


primeiramente os atributos criteriais do ciclo vital. Após a inserção do conceito, utilizou-se o
animal – cavalo, para exemplificar o ciclo vital. Assim, no momento da exploração foram
introduzidos conceitos que demandavam abstrações pela presença física do objeto, ou seja,
com signos externos; já, na sistematização do conteúdo trabalhou-se o pensamento mais
abstrato, em movimento que ia do signo externo ao interno. Essa dinâmica de apresentação do
conteúdo contribuiu para o processo de internalização do conceito.

2.1.3. Atuação pela zona de desenvolvimento proximal

Wertsch (1998) esclarece que a atuação na Zona de Desenvolvimento Proximal (ZDP)


é um excelente recurso no que se refere aos processos de mediação pedagógica, pois favorece
o avanço da aprendizagem e maior refinamento do modo de funcionamento psicológico.
A ZDP representa aquelas funções mentais que as pessoas constroem em situações de
atividade, sob a supervisão e orientação de outro mais capaz. Na internalização do conceito de
seres vivos e não-vivos, percebeu-se que Danilo começou a transpor do pensamento real
imediato para o lógico abstrato, conforme o quadro 7 apresenta:
86

QUADRO 7

Pesquisadora: Vamos pegar a caneta... Quem vai brincar com a gente agora é a tia Roberta. Tá bom?
Olhem para a Roberta. A Roberta é um ser vivo ou é um ser não-vivo?
Danilo: Ser vivo
Amanda: Ser vivo
Pesquisadora: Ser vivo! Muito bem! Vocês são espertos, heim?!. Porque que a Roberta é um ser vivo?
Danilo: Porque ela tem mãe
Pesquisadora: Porque ela tem mãe. Quê mais?... Tá certinho!
Danilo: Porque ela cresce.
Pesquisadora: Ela cresce... Quê mais?
Danilo: Depois pode ter filho
Pesquisadora: É... Pode ter filho! E a caneta? E essa caneta aqui é um ser vivo ou não vivo?
Danilo: É um vivo
Pesquisadora: Eu vou perguntar de novo. Você pensa aí,”ta” bom? A caneta, é um ser vivo ou não
vivo?
Danilo: Não-vivo.
Pesquisadora: Ah... Por quê?
Danilo: Porque é morto.
Pesquisadora: Por que Amanda?
(Amanda fica tímida, sorri)
Pesquisadora: Porque é um ser não vivo?
(Danilo de cabeça baixa e Amanda tímida pensando)
Pesquisadora: Porque ela não nasce... (espera as crianças completarem)
(As crianças não completam)
Pesquisadora: Não cresce, não reproduz e não morre. Entendeu? Não é porque ela é morta não.
(Amanda fala “não cresce, não reproduz e não morre” apenas movendo os lábios e balança a cabeça
afirmando que entendeu)
(Danilo balança a cabeça afirmando)

Acreditava-se que os participantes pudessem reconhecer os atributos criteriais do ciclo


vital, a ponto de abstraí-los para diferenciá-los de outras categorias. Se para Amanda faltava
obter consciência da classificação categorial já efetuada na primeira etapa, Danilo avançava-
se para construção e identificação de alguns atributos, com ajuda da pesquisadora através de
pistas verbais. Ao perguntar às crianças se a Roberta era um ser vivo ou não-vivo, Danilo, foi
assertivo em sua resposta – ser vivo, e ainda, ao ser questionado o que é um ser vivo,
apresentou alguns atributos criteriais do ciclo vital, tais como: tem mãe, e dá filhotes, ou seja,
ela reproduz, aqui, já está fazendo a diferenciação com o não-vivo. Diante de uma caneta,
conseguiram identificar como ser não-vivo, contudo, não conseguiram enunciar o que é um
ser não-vivo, mesmo após as pistas verbais oferecidas. Ao final, Danilo já identificava os
atributos criteriais do ciclo vital, mas quando foi necessário flexibilizar o pensamento para
pensar nos atributos dos seres não-vivos, não conseguiu.
A seleção de perguntas críticas e pistas verbais cujas respostas auxiliariam na
compreensão do que diferencia o ser vivo do ser não-vivo constituiu uma modalidade de
ajuda deliberada no processo de desenvolvimento do conceito. Ao longo das interações com
87

as crianças, buscou-se “na maiêutica” das indagações propiciar a apropriação consciente do


conceito, ampliá-lo, de modo que as crianças pudesse regular seu próprio comportamento se
ministrados a utilizar a categoria, torná-la abstrata e geral o suficiente para que tal processo
fosse possível. Atue-se, pois, na ZDP das crianças, de modo deliberado.
A literatura apresenta estudos de autores neovigotskianos, como, Gallimore e Tharp
(2000) que acreditam ser o desenvolvimento da capacidade cognitiva do sujeito representado
por um movimento dialético entre a regulação social e a auto regulação, ou seja, do
desempenho assistido ao auto regulado. Esse funcionamento refere-se ao processo de
internalização, em que, ao passo que a criança interioriza o conhecimento, o desempenho é
desenvolvido e automatizado, portanto, fossilizado. Assim a criança realiza a atividade
sozinha. Foi o intento, pois, da mediação semiótica efetivada.

2.1.4 Momento de fossilização do conceito de seres vivos e não-vivos.

Com o objetivo de analisar se os participantes conseguiram fossilizar os conceitos


trabalhados durante aula, foram realizadas duas atividades. Na primeira, foi entregue em uma
folha de exercício, na qual, tinham que ligar os seres vivos a um círculo e não-vivos a um
quadrado. Na segunda, eles deveriam recortar em revistas, figuras que representassem seres
vivos e não-vivos, para construir um mural. A realização de atividade com acertos expressaria
a fossilização porque, eles deveriam identificar seres vivos e não-vivos e verbalizar os
atributos criteriais de cada categoria, com independência. Tanto Amanda quanto Danilo foram
capazes de realizar a atividade corretamente. Conforme observado quadro 8 e 9.

QUADRO 8

Pesquisadora: Vamos lá, o cavalo é um ser vivo ou não vivo?


Danilo: Ser vivo.
Pesquisadora: Então você vai ligar ele onde?
Danilo: Aqui (apontando para o círculo)
Pesquisadora: No circulo, muito bem! Então liga.
(Danilo faz a ligação)
Pesquisadora: A galinha é um ser vivo ou não vivo?
Danilo Ser vivo.
Pesquisadora: Então você vai ligar aonde?
Danilo: No círculo.
Pesquisadora: Agora deixa para Amanda. Amanda, a mesa?
(Amanda liga a mesa ao quadrado)
Pesquisadora: Ah! Muito bem! E o tênis?
(Amanda liga o tênis ao quadrado)
Pesquisadora: Isso! E a vaca?
(Amanda liga a vaca ao círculo)
88

De acordo com o quadro 8, Danilo identificou o cavalo e a galinha como seres vivos e
Amanda classificou a mesa e o tênis como seres não-vivos e a vaca como ser vivo.
Entretanto, para analisar o curso do desenvolvimento da construção do conceito
científico, não basta apenas proporcionar atividades que exijam a identificação e classificação
de categorias, sem avaliar quais foram os critérios utilizados como subordinação de vários
atributos para formar uma categoria. Já se sabe que as crianças alcançaram um nível de
abstração, alto e um pensamento bastante elaborado. Contudo, isso não é suficiente para
apreender o modo de funcionamento psicológico. Assim, a atividade em que as crianças
teriam que construir um mural dos seres vivos e não-vivos e, posteriormente, explicar sua
resposta permitiu à pesquisadora apreender o funcionamento mental dos participantes e
analisar as características do pensamento fossilizado, demonstrado no quadro a seguir.

QUADRO 9

Pesquisadora. Vai lá Amanda, me apresente. Aqui é o quê?


Amanda: Seres não vivos.
Pesquisadora: Seres não vivos. Por quê?
Amanda sorri timidamente e diz: Porque não mexe.
Pesquisadora: Porque não mexe? Ué, mas a bola se movimenta, não se movimenta? Você não chuta a
bola assim? (Mostra como faz)
Pesquisadora: E aqui?
Amanda: Seres vivos
Pesquisadora: Porque seres vivos?
Amanda: Porque são pessoas
Pesquisadora: E o que mais? Fala mais sobre o que é um ser vivo.
Pesquisadora: Quais as características de um ser vivo?
Amanda: Cresce...
Pesquisadora: Cresce, e o que mais?
Pesquisadora: O que mais que um ser vivo faz?
Amanda: Eles morrem
Pesquisadora: Muito bem, Amanda
Pesquisadora: E o ser não vivo? Porque ser não vivo?
Amanda: Porque não se movimenta
Pesquisadora: A bola não se movimenta não?
Amanda começa a rir
Pesquisadora: Olha... Está movimentando ou não está? (Mostra uma bola rolando para Amanda)
Pesquisadora: Então ela é um ser não vivo não porque ela não movimenta. É Porquê?
Pesquisadora: Hein Danilo, olha aqui.
Pesquisadora: Essa bola, ela vai crescer? Ela vai morrer?
Danilo e Amanda respondem que não.
Pesquisadora: Então ela é o quê?
Amanda: Ser não vivo.
Pesquisadora: Por quê?
Pesquisadora: Porque, Danilo, que a bola é um ser não vivo?
Pesquisadora: E o celular? Porque é um ser não vivo?
Amanda: Porque não cresce, não morre.
Pesquisadora: Muito bem, Amanda)
89

Na construção do mural, perguntou-se a Amanda o que era ser vivo, ela verbalizou os
atributos criteriais do ciclo vital. Em relação à categoria dos seres não-vivos apresentou
raciocínio transdutivo, ao selecionar o movimento ou sua ausência como atributo criterial do
conceito de ser não-vivo. Trata-se de um raciocínio que transita do particular para o
particular, tudo que se movimenta teria vida, uma generalização ampla e que não foi
relacionada a outras características que lhe dão sentido. Nesse ponto, atuar na ZDP da criança
para fossilizar o conceito de seres vivos, implica se envolver com o termo de sua
negatividade, sua contradição que é o conceito de ser não-vivo.
Ao término da aula as crianças criaram um conjunto de atributos dos (seres vivos) e os
generalizaram, a partir de atributos comuns. Embora as crianças alcançassem o pensamento
lógico-abstrato, apresentarem capacidade de automatizar a diferença de seres vivos e não-
vivos, apresentaram certa rigidez na desfossilização por não conseguirem flexibilizar o
raciocínio para enunciar o conceito de seres não-vivos, a princípio, a característica que logo
foi superada, conforme se verá, a seguir.

2.1.5 – A necessidade da desfossilização

De acordo com Gallimore e Tharp (2002), uma vez que ocorre a fossilização da
aprendizagem, o sujeito precisa flexibilizar o pensamento para oportunizar uma nova
aprendizagem, portanto, desfossilizar. A desfossilização é alvo de ação pedagógica trabalhada
quando o professor introduz um novo conceito que é supra-ordenado ao anterior. Entretanto,
concebe-se, diferentemente dos outros autores, tais processos, como dialeticamente
imbricados, possíveis de serem constituídos simultaneamente. Ao ser apresentado o conceito
de ser vivo em oposição ao não-vivo, ao mesmo tempo em que a criança realiza a
fossilização, também opera com a desfossilização. Assim, o modo de funcionamento pode ser
flexibilizado, solicitando a criança mais plasticidade, quando se conceituam algo numa
relação de diferença e contradição com seu oposto, conforme o quadro 10.

QUADRO 10
Pesquisadora: Vamos pegar a caneta... Quem vai brincar com a gente agora é a tia Roberta. Tá bom?
Olhem para a Roberta. A Roberta é um ser vivo ou um ser não-vivo?
Danilo: Ser vivo
Amanda: Ser vivo
Pesquisadora: Ser vivo! Muito bem! Vocês são espertos heim. Porque que a Roberta é um ser vivo?
Danilo: Porque ela tem mãe
Pesquisadora: Porque ela tem mãe. Quê mais? Tá certinho!
90

Danilo: Porque ela cresce


Pesquisadora: Ela cresce... Quê mais?
Danilo: Depois pode ter filho

Pesquisadora: E o ser não vivo? Pq ser não vivo?


Amanda: Pq não se movimenta
Pesquisadora: A bola não se movimenta não?
Amanda começa a rir
Pesquisadora: Olha... Está movimentando ou não está? (Mostra uma bola pra Ana)
Pesquisadora: Então ela é um ser não vivo não porque ela não movimenta. É Porquê?
Pesquisadora: Hein Danilo, olha aqui.
Pesquisadora: Essa bola, ela vai crescer? Ela vai morrer?
Danilo e Amanda respondem que não.
Pesquisadora: Então ela é o quê?
Amanda: Ser não vivo.
Pesquisadora: Por quê?
Pesquisadora: Pq Daniel, que a bola é um ser não vivo?
Pesquisadora: E o celular? Pq é um ser não vivo?
Amanda: Porque não cresce, não morre.
Pesquisadora: Muito bem, Ana.

Foram apresentadas às crianças uma caneta e uma pessoa, para identificarem suas
respectivas classificações. Observou-se que os participantes apontaram a “Roberta” como ser
vivo e apresentaram alguns atributos criteriais, tais como: cresce e poder ter filho, ou seja,
apresenta capacidade de reprodução, reiterando que o conceito já estava fossilizado. Já na
internalização do conceito de seres não-vivos, as crianças apresentaram mais dificuldade
necessitando de auxílio. Ao pedir que conceituassem o ser não-vivo, relacionaram o conceito
a algo que não se movimenta. Foi necessário modificar o pensamento de Danilo, com um
contra exemplo, de modo a ressaltar que o movimento é um atributo não criterial de ser vivo e
que pode, portanto, estar presente em seres não vivos. Após essa intervenção foi perguntando
para as crianças porque o celular era não-vivo e Amanda conseguiu identificar os atributos da
categoria. Assim, desfossilizam o conceito de seres vivos para apreender seres não-vivos, e ao
flexibilizarem o pensamento estavam prontos, para constituir os conceitos subordenados: a
categoria de animais vertebrados e invertebrados.

2.2 – Aula 2: Animais vertebrados e invertebrados

Ao começar a aula primeiramente realizou-se uma revisão junto aos alunos dos
conceitos já aprendidos na aula anterior. Foram apresentadas figuras de seres vivos e não-
vivos, para que eles pudessem nomear, classificar e justificar a sua resposta. As crianças
comprovaram que podiam classificá-los em oposição, sem dificuldade
91

2.2.1 – Etapa de exploração do conhecimento real das crianças

Após a revisão, utilizou-se como recurso didático a música “O Pato” de Vinícius de


Morais, para realizar a exploração dos conceitos cotidianos de animais vertebrados e
invertebrados. Após a análise da música com as crianças, foram exploradas as características
do animal, tais como: quantas patas têm o pato? O seu corpo é coberto de quê? Onde o pato
vive? E, a seguir, a pergunta crítica para iniciar a sistematização do ensino: vocês sabem como
o pato faz para ficar em pé? Vocês sabem como nós fazemos para ficar em pé? Enquanto as
perguntas eram direcionadas às características do animal, as crianças demonstraram
conhecimento, mas, nessas duas últimas questões, ficaram pensativos e não emitiram
quaisquer respostas. Esta atividade teve como objetivo identificar o nível desenvolvimento
real dos participantes, e revelou que não conheciam a importância do esqueleto para
sustentação dos seres vivos e tampouco conceituavam vertebrados invertebrados.
Ao analisar o nível de desenvolvimento real, intenta-se preparar as crianças para novas
situações de aprendizagem, favorecendo a identificação e o desenvolvimento das funções que
se encontram em estado embrionário, portanto, atuar na Zona de Desenvolvimento Proximal –
ZDP.
Esse processo de aprendizagem é o mesmo tanto para as crianças normais quanto para
aquelas que apresentam algum comprometimento intelectual. A lei genética da apropriação do
conhecimento é a mesma para os deficientes intelectuais, porque a construção da
aprendizagem percorre o caminho da transposição do interpsicológico para o intrapsicológico.
Para que isso ocorra é importante que o sujeito apreenda os conhecimentos da cultura da qual
faz parte, transformando-os em processos interiorizados.

2.2.2 – Apresentação do conteúdo de animais vertebrados e invertebrados

O objetivo da aula foi mediar a internalização dos conceitos de animais vertebrados e


invertebrados. Para isso, foi utilizado uma técnica, na qual, partes do corpo dos participantes
que tinham osso eram massageadas, predominantemente a coluna vertebral. Na medida que
prosseguiam o toque em si mesmo e no outro, ocorria a apresentação formal do conteúdo,
conforme o quadro a seguir:
92

QUADRO 11
Pesquisadora: Vocês sabem por que a gente fica em pé?
Participantes: ficam calados
Pesquisadora: Fiquem de pé
Participantes: Todos se levantam
Pesquisadora: Nas nossas costas tem esses ossinhos, um debaixo do outro. “Ta” sentindo Amanda?
Vai baixando a sua mão, como estou fazendo com você, pegando em todos os ossos de Danilo. Vocês
sabem como se chama essa parte do nosso corpo?
Participantes: continuam calados, prestando atenção na atividade
Pesquisadora: Coluna vertebral, ela serve para nos ajudar a ficar de pé. Vamos fazer um círculo?
Em círculo a pesquisadora explica – temos diversos ossos espalhados por todo nosso corpo. Vamos
sentir?
A pesquisadora apalpa a mão de Amanda e ela faz os mesmos movimentos com Danilo.
Pesquisadora: Olhem o tanto de osso que temos na mão, nos dedos.
Pesquisadora: Agora, Danilo pega no ombro de Amanda ....Isso aqui também é osso.
Pesquisadora; Vamos pegar também no queixo,no cotovelo...
Pesquisadora: Essas partes do corpo podem quebrar?
Participantes: sim.
A pesquisadora apresenta através de imagens o esqueleto de animais vertebrados.
Pesquisadora: Olhem este esqueleto.É uma foto dos nossos ossos, observem o queixo, coluna vertebral,
o osso (foi apontando as partes para as crianças).
Participantes: ficam atentos às imagens que foram lhe apresentadas.
Pesquisadora: Todo animal, inclusive o homem, quando tem coluna vertebral e osso é chamado de
animal vertebrado.
Pesquisadora; Olha o pombo (aponta para imagem). Amanda, cadê a coluna vertebral desse animal?
Amanda: aponta com precisão para o lugar que foi demandado.
Pesquisadora: Cadê a coluna vertebral do Gato Danilo?
Danilo: aponta com precisão para o lugar que foi demandado.
O mesmo acontece com o Cavalo.
Pesquisadora: Quando um animal tem osso e coluna vertebral ele é chamado de que?
Danilo: vertebrado
Pesquisadora: Todo animal anda?
Participantes: não
Pesquisadora: A borboleta anda?
Participantes: não
Danilo: voa
Pesquisadora: a aranha tem osso?
Danilo: não
Pesquisadora: qual o outro animal que não tem osso?
Danilo: barata
Pesquisadora:Muito bem! Parabéns! Quando o animal não tem osso e coluna vertebral é chamado de
invertebrado. Dentre os seres vivos nós temos animais vertebrados – a pesquisadora apresenta as
imagens de: elefante, gato, peixe, sapo, galinha, jacaré. E os invertebrados.
Pesquisadora: Por que são invertebrados mesmo?
Danilo: porque não tem osso.
Pesquisadora: quê mais? O que nos ajuda a ficar em pé?
Amanda: coluna vertebral
Pesquisadora: As pessoas são animais vertebrados ou invertebrados?
Danilo: invertebrados.
Pesquisadora: Ué! Mas você não tem osso e coluna vertebral? Então você é um animal....
Danilo: vertebrado.
Pesquisadora: Parabéns, de novo!

Procurou-se, durante a introdução do conteúdo, apresentar exemplos da vivência das


crianças, e com recursos concretos, como por exemplo, exploração das partes do próprio
corpo que tinham osso compreendendo a necessidade de apoiar a constituição do conceito em
signos externos. Após, fora introduzidas as figuras de esqueleto, mais abstratas que as
93

anteriores usadas. O desenvolvimento do conceito seguiu realizando movimentos de avanço


rumo a níveis mais elevados. O conceito cotidiano como âncora do conceito científico, serviu
para diminuir o nível de abstração deste último. Ao contrário, o conceito científico era
utilizado para elevar o nível de abstração do conceito cotidiano. Mais uma vez, o processo de
fossilização ou de automação do conceito de vertebrado no jogo e na síntese dos contrários.
Na constituição do conceito de invertebrado, que nega a anterior (vertebrado), tem-se a
fossilização e desfossilização em movimento e constituição dialéticos.

2.2.3. Atuação na zona de desenvolvimento proximal

No transcorrer do processo de apreensão dos conhecimentos, as crianças se depararam


com ocasiões nas quais apresentam dificuldade em solucionar atividades sozinhas, entretanto,
podem realizá-las a partir da mediação de um outro sujeito mais capaz. Aquelas funções que
se encontravam em estado embrionário, como potência, se desenvolverão, e se tornarão nível
de desenvolvimento real do sujeito. Conforme o quadro a seguir.

QUADRO 13

Pesquisadora: Observem a vaca. Ela é vertebrada ou invertebrada?


Danilo: vertebrada
Amanda: invertebrada
Pesquisadora: Mas ela não tem coluna vertebral? Olhem aqui (aponta para a figura), olhem os ossos
das pernas. Se ela tem osso e coluna vertebral, então ela é o que Amanda?
Amanda: fica calada
Danilo: vertebrada
Pesquisadora: Observe o leão, Amanda. Ele tem osso?
Amanda: tem
Pesquisadora: tem coluna vertebral?
Amanda: tem
Pesquisadora: então ele é vertebrado ou invertebrado?
Danilo se antecipa a Amanda
Danilo: vertebrado
Pesquisadora: Vamos ver o gato. Ele tem osso e coluna vertebral?
Participantes: tem.
Pesquisadora: então ele é...
Danilo: vertebrado
Pesquisadora: E a formiga. Tem osso?
Participantes: não
Pesquisadora: Tem coluna vertebral?
Participantes: não
Pesquisadora: Então ela é o que?
Danilo: invertebrado
Pesquisadora: E o gafanhoto?
Danilo: não vertebrado
Pesquisadora: se não é vertebrado é o que?
Danilo: vertebrado
94

O investimento na Zona de Desenvolvimento Proximal auxiliou Amanda, não apenas a


abstrair os atributos criteriais dos vertebrados e invertebrados, mas operar com generalizações
classificando e, incluindo um conjunto de animais nas categorias. Foram apresentados às
crianças os animais: vaca, leão, gato, formiga e o gafanhoto. Nos quatro primeiros animais
forneceu-se pistas verbais acerca dos atributos criteriais de modo a facilitar e identificação de
qual animal pertencia a que classe, para, posteriormente, realizarem a oposição vertebrados
invertebrados. Daniel demonstrou maior apropriação dos conceitos, uma vez, que ele se
antecipava para responder os questionamentos feitos. Quando foi exigido pensamento
reversível, na apresentação dos animais invertebrados, evidenciou a capacidade de abstração
dos atributos trabalhados para constituir as categorias.

2.2.4 Fossilização do conceito de animais vertebrados invertebrados.

A atividade seguiu com a apresentação aos participantes três animais vertebrados,


(onça, leão, gato), e quatro animais invertebrados (formiga, gafanhoto, lagarta, formiga). Para
verifica se as crianças eram capazes de realizar a atividade com autonomia e conceituarem
corretamente, foi solicitado que escolhessem animais vertebrados e os colocassem juntos e da
mesma forma com os invertebrados, conforme o quadro a seguir:

QUADRO 14
Pesquisadora: Vocês vão escolher dois animais vertebrados e dois animais invertebrados
Conforme o comando os participantes escolhem as figuras
Pesquisadora: Agora colem os animais vertebrados de um lado e invertebrados do outro.
Pesquisadora: Danilo, porque esses animais são invertebrados?
Danilo: porque não tem osso e coluna vertebral
Pesquisadora: Então ela uma animal vertebrado ou invertebrado?
Danilo: Vertebrado
Pesquisadora: E a vaca?
Danilo:Não sei (fica pensativo, e logo depois)
Tem coluna vertebral e osso
Pesquisadora: Amanda a Lagarta é o que ?
Amanda::não sei
Danilo: invertebrado
Pesquisadora: o que é um animal invertebrado?
Danilo:não tem osso e coluna vertebral

Acreditava-se, com essa atividade, que as crianças identificariam os atributos criteriais


de animais vertebrados e invertebrados para que pudessem abstraí-los para subordiná-los a
suas respectivas categorias. De fato, isso aconteceu, com Danilo, além do que, pode-se
afirmar que ele fossilizou os conceitos trabalhados.
95

Segundo Luria

“A classificação categorial implica pensamento verbal e lógico complexo que


explora o potencial da linguagem de formular abstrações e generalizações para
selecionar atributos e subordinar objetos a uma mesma categoria geral. Deve notar
que o pensamento categorial é bastante flexível, onde os sujeitos passam
prontamente de um atributo a outro e constroem categorias adequadas” (p. 65)

O quadro apresenta não somente o processo de fossilização, mas também o


movimento em que uma atividade externa se transforma em atividade interna. Segundo Rossi
(2006, p. 2), “ a internalização é a reconstrução interna, intrapsicológica, de uma operação
externa com objetos e bens culturais com os quais o sujeito interage”. Essa perspectiva de
analisar o processo de aprendizagem não difere muito da concepção de Gallimore e Tharp
(2002), ao propor que apropriação do conhecimento decorre da dinâmica da regulação externa
à auto-regulação. Uma vez ocorrido a internalização, o sujeito interioriza, automatiza a
aprendizagem, portanto, fossiliza o conhecimento. De fato, as crianças conseguiram realizar a
atividade sozinhas, conforme apresentada no quadro. Verificou-se que, diante dos conceitos
trabalhados nesta aula, Danilo apresentou um pensamento por conceito propriamente dito e
Amanda com conceito em potencial.
A literatura, no entanto, afirma, que as crianças com deficiência intelectual apresentam
um desenvolvimento insuficiente das funções psicológicas superiores e apresenta forte
tendência de manutenção dessas características de funcionamento, próprias das funções
psicológicas elementares. Era de se esperar, então, sério prejuízo no desenvolvimento dos
processos de abstração e generalização responsáveis pela constituição de conceitos científicos,
o que efetivamente, não ocorre com Amanda e Danilo.

2.3 - Aula 3: Classificação de mamífero e ave

2.3.1 – Etapa de exploração do conhecimento real das crianças


Foram levados para a aula um cachorro e um periquito de verdade com objetivo de
estimular a participação dos alunos e, principalmente, para que eles pudessem perceber os
principais atributos criteriais de mamíferos e de aves.
Danilo sentou no chão e começou a brincar com o cachorro, fazia carícias no animal,
deitava no chão para abraçá-lo, depois caminhou até a mesa onde estava o periquito e se pos a
observá-lo. Aproveitando essa interação, inicia-se o processo de exploração do conhecimento
96

prévio acerca das características dos animais para, posteriormente sistematizar, de modo
formal, as informações expressas através dos conhecimentos cotidianos. Como mostra o
quadro a seguir:

QUADRO 15

Pesquisadora: Esse periquito foi doado para uma amiga minha. O seu dono anterior cortou um
pedaços de sua asa, maltratava o animal, daí foi denunciado e levado para uma outra casa.
Danilo ficou atento escutando e tentando passar o mão no periquito.
Danilo o cachorro tem bico?
Danilo: não
Pesquisadora: O periquito tem pêlo ou penas?
Danilo: penas
Pesquisadora: e o cachorro?
Amanda: penas
Pesquisadora: o cachorro voa?
Danilo: não
Pesquisadora: por quê?
Danilo: ele não tem asas
Pesquisadora: O cachorro pode ter filhotes?
Participantes: tem
Pesquisadora: Quando filhotes eles mamam?
Danilo: sim
Pesquisadora: Quantas patas têm o cachorro e o periquito?
Danilo: quatro
Pesquisadora: e o periquito?
Danilo: quatro
A pesquisadora apresenta figuras do cavalo, gato e pintinho
Pesquisadora: Você sabe por onde que o cavalo e o gato e o cachorro respiram?
Danilo: não
Pesquisadora: o cavalo e o gato têm penas ou pêlo
Danilo: pêlos
Pesquisadora: o pintinho nasce pela barriga ou do ovo?
Danilo: ovo

Através dessa interação pode-se perceber que Danilo identificou algumas


características que diferenciam o cachorro do periquito, por exemplo, que o cachorro tem o
corpo coberto de pêlos, pode reproduzir e amamentar, e não apresenta a capacidade para voar.
Já o periquito tem o corpo coberto de penas e pode voar, bem como, identifica a função que a
asa tem na locomoção do animal. Para confirmar que as respostas de Danilo não foram
motivados pelo fato de ter os animais presentes, foram apresentadas figuras de animais
(cavalo, gato e pintinho), para verificar se suas respostas iam além de suas percepções visuais.
Ele identificou que tanto o cavalo, quanto o gato tem o corpo coberto de pêlos, e que o
pintinho nasce do ovo. Apenas não apresentou conhecimento sobre o modo de respiração dos
animais (cavalo e gato).
97

Danilo possui um repertório de conhecimentos de alguns atributos criteriais


importantes para a internalização da classificação de mamífero e ave, construídos no decorrer
de sua história de vida.

2.3.2 – Apresentação do conteúdo de mamífero e ave

Os conceitos científicos são construídos no processo de ensino-aprendizagem e


normalmente a partir de sua definição verbal que expressa as operações mentais a serem
internalizadas. De acordo com Vigotski (2001, p. 244), a definição verbal percorre um
caminho, “organizado, descende ao concreto, ao fenômeno, ao passo que a tendência do
desenvolvimento dos conceitos espontâneos se verifica fora do sistema, ascendendo para as
generalizações”. Assim, através da sistematização do ensino da classificação de mamífero e
ave, pretendeu-se que as crianças conseguissem abstrair os atributos criteriais de tais
classificações para subordiná-los a uma categoria geral, apresentando capacidade de
discriminação e condições de operar com relações lógicas, inicialmente e um nível mais
abstrato.
Para isso, apresentou-se figuras de animais, para serem classificadas em mamíferos ou
aves, conforme o quadro:

QUADRO 16

Pesquisadora: Danilo, você falou que o cachorro tem quatro patas, tem o corpo coberto de pêlos,
quando a fêmea está grávida seu filhote fica dentro da barriga; quando nascem mamam quando
filhotes. Qual outro animal que também tem essas características?
Danilo: gato
Pesquisadora: Então, Danilo todo animal que tem essas características é chamado de mamífero.
Existem outros animais, como o pintinho, que tem dois pés, tem o corpo coberto de
penas, tem asas, voa, nasce pelo ovo, tem bico, são chamados de ave.
Pesquisadora:O cachorro é uma ave ou mamífero?
Danilo: mamífero
Pesquisadora:Por quê?
Danilo: porque tem quatro patas
Pesquisadora: que mais?
Danilo: tem rabo, orelha, unha, boca
Pesquisadora: ele tem penas ou pêlos?
Participantes:pêlos
Pesquisadora: Quando filhotes eles mamam?
Danilo: sim
Pesquisadora: então são chamados de quê?
Danilo: mamífero
Pesquisadora: e o pato?
Danilo: mamífero
Pesquisadora: Ué, observa o pato, ele tem bico? Penas?asas? duas pés? Então ele é o que?
Danilo: ave
Pesquisadora: muito bem!
98

Pesquisadora: e o gato?
Danilo: mamífero
Pesquisadora: Por quê?
Danilo: Porque tem orelha, quatro patas, rabo, unha, boca
Pesquisadora:e o leão?
Danilo: mamífero
Pesquisadora: Por quê ?
Danilo: quatro patas, orelha
Pesquisadora:ele tem pêlos ou penas?
Danilo: Penas
Pesquisadora: Danilo, o cachorro, o gato, e o leão têm quatro patas, tem o corpo coberto de pêlos,
quando a fêmea está grávida seu filhote fica dentro da barriga; quando nascem mamam quando
filhotes; respiram pelos pulmões iguais a nós. Então todos esses animais são mamífero ou ave?
Danilo: mamífero.

Danilo apresentava ter conhecimentos dos principais atributos criteriais dos conceitos
em pauta, o que, mais a diante, lhe auxiliaria a compreender a diferenciação de forma mais
aprofundada entre mamíferos e aves, de modo a exigir um alto nível de abstração. De fato, ele
conseguiu identificar que o gato, cachorro e o leão são mamíferos, contudo, ao justificar sua
resposta apresentou um modo de funcionamento psicológico considerando elementos factuais
dos animais, tais como: orelha, rabo, unha e boca. Suas respostas representavam um
pensamento por complexo, pois, primeiramente utilizou os elementos factuais do animal
cachorro, e, para responder ao novo animal que lhe foi apresentado, o gato, utilizou os
mesmos critérios do animal anterior. Segundo Rossi (2008), nesse tipo de complexo, há a
combinação dinâmica e temporal de determinados elos da atividade anterior com a atual, em
uma cadeia única, atribuindo e transmitindo o significado de um elo a outro, como se fossem
os elos interligados de uma corrente.
Danilo gradativamente ampliou a capacidade de abstração, uma vez que passou a
identificar os atributos criteriais. Mesmo assim, ao explicar as categorias, apresentava
dificuldade. Foi necessário promover mediações que contribuíssem para a internalização dos
conceitos em seu movimento ascendente e descendente, de modo a tornar o conceito
científico mais factual e aquele cotidiano, já internalizado, mais abstrato.

2.3.3. Atuação pela zona de desenvolvimento proximal

De acordo com Rogoff (2005), a ZDP é um espaço que oportuniza novas


aprendizagens a partir das experiências do sujeito com o ambiente. O adulto mais experiente,
por exemplo, o professor, desempenha um importante papel na construção da aprendizagem,
auxiliando o sujeito a construir degraus que o ajudam a atingir o seu objetivo. Assim, ao
99

identificar o potencial de Danilo e analisar o desenvolvimento do conceito científico de


mamíferos e aves, foi realizada uma atividade para favorecer o processo de fossilização.
Conforme o quadro a seguir:

QUADRO 17

Pesquisadora: Danilo, procure e recorte da revista, animais que são mamíferos.


Danilo: achei uma zebra
Pesquisadora: Procure outro mamífero.
Danilo: cavalo
Pesquisadora: E o leão? É o quê?
Danilo: mamífero
Pesquisadora: tem mais animal mamífero?
Danilo: tem a girafa
Pesquisadora: Quais as características que a girafa tem para ser um mamífero?
Participantes: chifre, orelhas, boca, olho.
Pesquisadora: Você falou que a girafa é mamífero porque tem olho. O periquito tem olho
Danilo: tem
Pesquisadora: então ele é mamífero?
Danilo: não é ave
Pesquisadora: então não é olho que faz com que o animal seja mamífero, mas porque o coberto de
quê?
Danilo: penas
Pesquisadora: Tem quantas patas?
Danilo: quatro
Pesquisadora:quando ficam grávidas o filhote fica onde?
Danilo: na barriga.

O quadro indica que Danilo identifica os animais mamíferos, mas apresenta


dificuldade de enunciar o que é o conceito verbalmente. Os primeiros animais recortados
foram a zebra, o cavalo e a girafa e, ao justificar sua resposta, permaneceu buscando
elementos factuais para explicá-la. Para flexibilizar o modo de funcionamento da criança,
levando-o a refletir diante de sua resposta e assim pudesse aumentar o nível de abstração,
foram feitas perguntas críticas, tais como: P: você falou que a girafa é mamífero porque tem olho. O
periquito tem olho? Danilo: tem. P: Então ele é mamífero? Danilo: não é ave. Ao auxiliar a discriminação
das características dos animais de modo a destacar o que é factual e o que é criterial, investia-
se na zona de desenvolvimento proximal da criança. Um apelo lógico que reorganiza o
pensamento e o auxilia na classificação. A provocação desse conflito cognitivo favorece a
criança a transformar os processos internos de sua reposta, ressignificando a resposta,
desconsiderando o elemento factual “olho” como atributo importante, para subordiná-lo a
uma categoria geral.
Ressalta-se que atuação na ZDP não se restringiu apenas nesse momento, mais sim,
durante toda aula, até que pudesse ocorrer a automatização do conceito.
100

2.3.4 Momento de fossilização do conceito de mamífero e ave

Conforme Gallimore e Tharp (2002), a fossilização é um conhecimento interiorizado,


na qual a criança, ao se deparar com uma situação difícil, resolve o problema com autonomia.
O quadro a seguir demonstra a tentativa da fossilização dos conceitos de mamífero e ave.

QUADRO 18

Pesquisadora: Danilo, recorta para mim, animais que são aves.


Danilo: achei esse aqui (aponta para um periquito)
Pesquisadora: Procura outra ave, cuidado, já passou várias figuras de ave
Olha essas figuras, são aves ou mamífero?
Danilo: aves
Pesquisadora:Por que?
Danilo: tem penas
Pesquisadora: Que mais?
Danilo: não sei
Pesquisadora: tem quantos pés?
Danilo: quatro
Pesquisadora: A galinha tem quatro pés?
Danilo: não, duas
Danilo: aqui, achei uma ave
Pesquisadora:que animal é esse?
Danilo: é um ganso
Pesquisadora: Por que é uma ave?
Danilo: porque tem penas...põe ovo... e voa
Pesquisadora:E por que esses que você recortou primeiro são mamífero?
Danilo: porque tem pêlos, boca, orelha, quatro pés e rabo.

Mais uma vez, Danilo conseguiu abstrair os atributos criteriais de ave, a ponto de
abstraí-los para subordiná-los a uma categoria geral, portanto, a de seres vivos. Mas, isso já
não ocorreu com a classificação de mamífero, mesmo após a mediação ele mostrou estar em
processo de transição, pois se baseou em elementos factuais do animal, encetando outros
criteriais. Pode ocorrer que o conceito seja fossilizado desde uma outra perspectiva:
automatizado não os atributos criteriais distintos da categoria, mas outros enlaces reais-
imediatos e persistir nesse funcionamento. Nesse sentido, o pensamento torna-se rígido.
A depender do nível de rigidez, do funcionamento mental poderá haver prejuízo da
aprendizagem da criança, pois não permitirá que ocorra uma flexibilização do funcionamento
para engendrar novas aprendizagens. Nessa aula foram observadas algumas questões
importantes investigadas em curso:
a) A criança alcançou o processo de fossilização no sentido de conseguir realizar com
autonomia a identificação de mamífero e ave;
101

b) Também observou-se dois tipos de fossilização: Fossilizou os atributos criteriais de ave, a


ponto de abstrair para subordinar a categoria; e a fosilização dos elementos factuais para
conceituar a categoria.
Segundo Lerch (2000), após reconhecer área da fossilização é necessário realizar o
processo de reverso, ou seja, a desfossilização, para romper com as conexões velhas e
oportunizar ao sujeito a apreensão de novos conhecimentos. No caso, será necessário
desfossilizar os atributos de ave; e desfossilizar os elementos factuais que Danilo utiliza para
explicar a categoria de mamíferos.

2.4 - Aula 4: Classificação de mamífero, ave e peixe

Uma vez que Danilo não desfossilizou os elementos factuais que estava utilizando
para classificar os animais em mamífero, ou seja, não automatizou os atributos criteriais da
categoria, foi necessário dar continuidade ao ensino da classificação de mamífero juntamente
da nova categoria, peixe.

2.4.1 – Etapa de exploração do conhecimento real das crianças


Como o conceito fora trabalhado na aula anterior, pretendeu-se identificar,
primeiramente, a aprendizagem real de Danilo, expressa pelos conceitos científicos em
desenvolvimento, para verificar se Danilo ainda ser pautava por os elementos factuais para
explicar o conceito de mamífero.
Amanda e Danilo receberam, cada um, três jogos de quebras-cabeça com imagens de
animais que representavam a categoria de mamífero, ave e peixe, para montá-los. Após, a
resolução dessa atividade, foram explorados os atributos criteriais dos animais presentes no
jogo. Conforme o quadro apresenta:

QUADRO 19

Pesquisadora: Vocês montaram três quebra cabeças. Danilo você montou um cachorro. Me fale sobre
as características de um cachorro.
Fica em silêncio.
Pesquisadora: Ele tem quantas patas?
Danilo: quatro
Pesquisadora: Ele tem pêlos ou penas?
Amanda: pêlos
Pesquisadora:os cachorros mamam quando filhotes?
Participantes: sim
Pesquisadora: Eles respiram por meio do quê?
102

Danilo: pulmões
Pesquisadora:Agora vamos ver essa outra imagem, a galinha. O corpo dela é coberto de quê?
Danilo: penas
Pesquisadora: A galinha tem boca ou bico?
Amanda: bico
Pesquisadora:Os pintinhos nascem da barriga?
Amanda, o pintinho, o pássaro, a galinha, nascem pelo ovo, diferente do cachorro que
nasce pela barriga. Amanda, a galinha voa?
Pesquisadora: Por que você acha que ela voa?
Amanda: não sei
Danilo: porque tem asas
Pesquisadora: Olha temos um quebra-cabeça de peixe. Vocês já viram um peixe? Onde o peixe vive?
Danilo: na água
Pesquisadora:Vocês sabem por onde o peixe respira?
Os participantes ficam calados.
Eles respiram pelas brânquias e Guelras
O peixe, nada, rasteja ou anda?
Amanda: nada
Pesquisadora:Isso mesmo, o rabo dele ajuda ele nadar. O corpo do peixe é coberto de quê?
Amanda: escamas

Verificou-se que Danilo e Amanda reconhecem os atributos criteriais de mamífero,


pois conseguiram enunciar que o cachorro tem o corpo coberto de pêlos, tem quatro patas,
respiram por meio dos pulmões, ficam na barriga da mãe e mamam quando filhotes. Essa
capacidade de abstração não se restringiu apenas para a categoria dos mamíferos, mas se
estendeu à classificação de aves e peixe. Ainda, identificou-se, principalmente, em Danilo, um
modo de funcionamento mais avançado quando lhe eram apresentadas pistas verbais.
Tanto Amanda quanto Danilo, demonstraram um modo de funcionamento por
propriamente dito, mesmo que ainda, não consigam enunciar verbalmente a definição do
conceito.

2.1.2 – Apresentação do conteúdo de mamífero, ave e peixe


A despeito de identificarem características de mamífero, ave e peixe, os conceitos
foram apresentados e aprofundados proporcionando uma elevação no nível de abstração dos
participantes, pois é sabido que, o significado da palavra evolui, levando a generalização cada
vez mais elaborada. (Vigotski 2001)
Almejava-se, através da apresentação formal dos conceitos, analisar as mudanças que
ocorrem no funcionamento psicológico durante o processo de ensino. Dessa maneira, foram
apresentadas, aos participantes, fichas com imagens de animais que representavam as
classificações em análise. Os conceitos de mamífero, ave e peixe, foram apresentados às
crianças, partindo de um nível baixo de abstração, para outro, mais elevado que demandassem
maior abstração. Conforme o quadro a seguir:
103

QUADRO 20

Pesquisadora: Existem outros animais que têm pêlos, quatro patas, mamam quando filhotes, respiram
por meio dos pulmões, igual o cachorro?
Danilo: a zebra, girafa, cavalo
Amanda: porco
Pesquisadora:Esse animais que têm todas essas características são chamados de quê Danilo?
Fica em silêncio
Mamífero ou ave?
Danilo: mamífero
Pesquisadora: então mamífero é todo animal que tem o corpo coberto pêlos, quatro patas, mamam
quando filhotes, respiram por meio dos pulmões, nascem da barriga.
Pesquisadora: Esses animais que tem o corpo coberto de penas, duas patas, põe ovo,e voa, além do
pintinho, existem outros?
Amanda: pombo, passarinho.
Pesquisadora: Esses animais são chamados de quê Danilo?
Danilo: ave
Pesquisadora: Viu Amanda, o que Danilo falou. Que os animais que são chamados de ave é porque
corpo coberto de penas, duas patas, põe ovo,e voa.
Pesquisadora: Com as fichas na mão a pesquisadora foi apresentando os animais aos participantes. O
pato é mamífero, ave ou peixe?
Danilo: Ave
Pesquisadora: Amanda, o peixe, é mamífero, ave ou peixe?
Amanda: peixe
Pesquisadora:O peixe são animais que têm o corpo coberto de escamas, respiram por meio de
Brânquias, vivem na água.
Pesquisadora: E o avestruz?
Danilo: ave
Pesquisadora: e a vaca?
Danilo: não sei
Amanda: mamífero
Pesquisadora: e o ser humano?
Amanda: mamífero.
Pesquisadora: Grande parte dos mamíferos são chamados de terrestres porque vivem na terra. Eu trouxe
para vocês animais que são mamíferos, e que vivem na água: o golfinho, a baleia, o peixe-boi, a foca. E
também existe um animal que voa, mas não é ave, e sim mamífero, o morcego.

Ao perguntar quais animais que apresentam o corpo coberto pêlos, quatro patas,
mamam quando filhotes e respiram por meio dos pulmões, Danilo apontou a zebra, a girafa e
o cavalo, Amanda, o porco. Ao questionar a Danilo qual a classificação dos animais que
apresentam essas características, ele apenas respondeu após serem apresentadas as alternativas
(é mamífero ou ave?). O mesmo ocorreu com as categorias aves e peixes. Primeiramente era
apresentados os atributos criteriais da categoria, associados a exemplos de animais, e
posteriormente sistematizado o ensino da categoria. Dessa maneira, foi, gradativamente
demandado dos participantes um nível elevado de abstração para que pudessem abstrais os
atributos criteriais para subordiná-los a uma categoria geral. Assim, conceito científico se
desenvolvia e elevava o nível de abstração do conceito cotidiano.
Durante o processo de internalização há conceitos cuja abstração, é considerada mais
fácil, enquanto, outros demandam maior investimento, devido ao seu grau de complexidade e
104

das seleções nele envolvidos. A criança é instigada a criar novos modos de funcionamento
através de andaimes, internalizar signos externo e convertê-los em um instrumento para
controle da consciência (Brunner 1985, citado por Coll 2004), com a ajuda de um outro social
mais capaz.

2.1.3. Atuação pela zona de desenvolvimento proximal

A compreensão do significado de andaime pode ser inserida no contexto da ZDP, uma


vez que ambos os conceitos objetivam auxiliar o sujeito a superar suas dificuldades
favorecendo o avanço do potencial cognitivo. Conforme o quadro:

QUADRO 21

Pesquisadora: O que caracteriza um animal como mamífero?


Participantes ficam calados
Pesquisadora:o cachorro é mamífero ou ave?
Amanda: mamífero
Pesquisadora:por quê ele é mamífero?
Amanda: têm pêlos
Pesquisadora: muito bem. Danilo, qual outro animal que é mamífero?
Danilo: gato
Pesquisadora:por quê?
Danilo: têm pêlos
Pesquisadora:quê mais?
Danilo: não sei
Pesquisadora:Têm quantos pé tem o gato?
Amanda: quatro
Pesquisadora: respiram por meio do quê?
Danilo: pulmões
Pesquisadora:e o passarinho é ave ou mamífero?
Danilo: tem penas, bico
Pesquisadora:muito bem Danilo, então ele é ave ou mamífero
Danilo: ave
Pesquisadora: Então, o que é ave?
Amanda: dois pés
Pesquisadora: E como é a sua reprodução?
Danilo: põe ovo
Pesquisadora: E porque alguns animais são peixes?
Amanda: porque tem guelras
Pesquisadora: o corpo é coberto de quê?
Danilo: escamas
Pesquisadora: Como eles fazem para nadar?
Amanda: mexe o rabo

As crianças conseguiram identificar a classificação, na qual determinados animais


pertenciam, mas, apresentaram dificuldade em conceituar tais categorias. Ao perguntar o que
caracteriza um animal em mamífero, percebeu que os participantes apresentaram apenas um
105

atributo, entretanto o elemento criterial enunciado demonstra um nível de abstração


significativo, uma vez que a característica da amamentação e a respiração por meio dos
pulmões são características fundamentais que diferencia o mamífero de outros grupos, pois a
ave não mama, e o peixe não respira por meio dos pulmões. Na categoria “aves” foi
necessário apenas fornecer uma pista, pois conseguiram enunciar que o animal tem dois pés,
bico e o corpo coberto de penas. As pistas verbais serviram como andaime auxiliando as
crianças a identificarem os atributos criterias das categorias estudadas, para ampliar o nível de
abstração.
De acordo com Vigotski (2001), as organizações mentais das abstrações e
generalização existentes não são consolidadas naturalmente, pelo contrário, a constituição da
formação dos conceitos científicos depende das oportunidades que são oferecidas ao sujeito,
de se apropriar dos conteúdos para sistematizar o conhecimento. Portanto, a atuação na zona
de desenvolvimento proximal dos participantes contribuiu para sistematizar o conhecimento
dos participantes diante dos atributos criteriais das classificações, ampliando o modo de
funcionamento mental dos sujeitos.

2.1.4 Momento de fossilização do conceito de seres vivos e não-vivos.

Ao serem questionadas sobre os animais (vaca, leão, peixe, arraia, baleia, golfinho,
gato, girafa, pato, galinha, passarinho), as crianças conseguiram enunciar os atributos
criteriais da classificação de animais mamífero, ave e peixe ainda, e apresentaram os
principais atributos da categoria. Conforme o quadro a seguir:

QUADRO 22

Pesquisadora: O golfinho é ?
Danilo: mamífero
Pesquisadora: o que é mamífero?
Amanda: porque mamam, tem pêlos
Danilo: porque tem quatro patas, boca e nariz.
Pesquisadora: e tem o corpo coberto de quê?
Danilo: pêlos
Pesquisadora:respiram por meio...
Danilo: pulmões
Pesquisadora: então, o que é mamífero mesmo Danilo?
Danilo: tem pêlos, quatro patas, boca, orelha
Pesquisadora: Esses animais são aves. O que é ave?
Danilo: tem penas e põe ovo
Pesquisadora: Esses animais são o quê (aponta para os peixes)?
Amanda: peixe
Pesquisadora: o que é peixe ?
106

Ficam calados.
Danilo: tem escamas
Pesquisadora:O pato é mamífero?
Amanda: não, ave
Pesquisadora: e o leão?
Amanda: mamífero.
Pesquisadora: peguem os animais que são mamíferos.
Danilo: coelho
Amanda: homem e cavalo.

Ao apresentarem alguns atributos criterias das categorias, demonstraram que


conseguiram generalizá-los para subordiná-los a uma categoria. Uma vez que o significado da
palavra caracteriza uma generalização (VIGOTSKI 2001), pode-se afirmar que tanto Amanda
quanto Danilo elevaram o nível de abstração do conceito, uma vez que, no início da aula.
Danilo procurava no próprio animal elementos factuais para classificá-lo. Na situação atual
demonstra que desfossilizando esse funcionamento para engendrar uma nova aprendizagem,
no caso, automatizar os atributos criteriais de mamífero e ave, e posteriormente defossilizá-los
para oportunizar a internalização do conceito de peixe. Amanda já apresentava no começo da
aula um pensamento por conceito potencial, e, após a automatização dos conceitos manifestou
modificações importantes na natureza psicológica do pensamento. Padilha (2000) afirma que
há uma acentuada dificuldade de simbolização nas crianças com deficiência intelectual, ou
seja, de substituir fatos concretos por algo que não pertence ao real, não obstante o modo de
funcionamento psicológico das crianças que participaram desta investigação mostra-se
possível de superar condições adversas, próprias da deficiência intelectual e realizar
abstrações e generalizações com ajuda e, posteriormente, com autonomia.

TERCEIRO MOMENTO: APLICAÇÃO DO QUARTO EXCLUÍDO PARA


CONCEITOS CIENTÍFICOS E DO MÉTODO DE DEFINIÇÃO

Aplicação do quarto excluído juntamente com o método de definição dos conceitos


possibilitou a apreensão da dinâmica do funcionamento psicológico dos participantes de
modo a comparar com a etapa inicial da pesquisa, na qual se identificou os conceitos
cotidianos das crianças, o desenvolvimento do conceito e seu estágio atual após sucessivas
mediações
107

Buscou-se verificar os níveis de abrangência da generalização e abstração dos


conceitos científicos, construídos pelos participantes, relativos à classificação de seres vivos e
não-vivos; animais vertebrados e invertebrados; mamífero; ave e peixe, por meio, do quarto
excluído na versão “B”.
Os resultados obtidos apontaram que Amanda apresentou predominantemente um
funcionamento mental ancorado no uso do pensamento por complexo do tipo coleção, cadeia,
difuso e pseudoconceito (com 23 episódios), assim distribuídos: coleção, um episódio com
erro; cadeia, cinco todos com erro; difuso; 9, sendo que errou quatro e acertou o restante;
difuso-cadeia, 8 com apenas um erro; e pseudoconceito, foram um episódio com acerto.
Observou-se, por meio de conceito em potencial, um episódio com acerto. Já os conceitos
propriamente ditos foram 19 episódios com 100% de acertos. Ao todo, Amanda somou onze
respostas erradas e 32 respostas corretas. Conforme o quadro que se segue:

REFERENTES AO DESEMPENHO DE AMANDA NA APLICAÇÃO DO


QUADRO
INSTRUMENTO QUARTO EXCLUÍDO NA VERSÃO B – CONCEITOS
23
CIENTÍFICOS
ERRO / ACERTO:
CATEGORIA TIPO DE PENSAMENTO PRANCHAS B
QUANTIDADE
Complexo coleções 1 Erro: 1
Seres vivos e não- Conceito propriamente dito 2; 4; 6 Acertos: 3
vivos Complexo em cadeia 3 Erro: 1
Conceito propriamente dito 6 Acerto: 1
Vertebrados e Acertos: 2
Complexo difuso 7; 9; 10
invertebrados Erro: 1
Complexo difuso / cadeia 8 Erro: 1
Mamífero e não Conceito propriamente dito 11; 15 Acertos: 2
mamífero Conceito potencial 12 Acerto: 1
Complexo em cadeia 16; 18 Erros: 2
Acerto: 1
Ave e não ave Conceito propriamente dito 17
Complexo difuso 20 Erro: 1
Complexo difuso 21; 22 Acertos: 2
Peixe e não peixe
Conceito propriamente dito 23; 24; 25 Acertos: 3
Complexo difuso 26; 27 Erros: 2
Mamífero e ave Complexo em cadeia 28 Erro: 1
Conceito propriamente dito 29; 30 Acertos: 2
Complexo coleção 35 Acerto: 1
Mamífero e peixe Conceito propriamente dito 31; 32; 33 Acertos: 3
Pseudoconceito 34 Acerto: 1
Conceito propriamente dito 36; 38; 39; 40 Acertos: 4
Peixe e ave
Complexo difuso 37 Acerto: 1
108

Observa-se que ocorreu uma mudança significativa na respostas de Amanda se


comparadas a aplicação do quarto excluído para conceitos cotidianos. No primeiro momento,
o funcionamento foi baseado no pensamento por complexo (21 episódios) e por conceitos (16
episódios) totalizando dezenove respostas corretas e dezoito erradas. Já na aplicação do quarto
excluído para conceitos científicos, foram 24 episódios do pensamento por complexo; e 20
por conceitos.
Já que Danilo demonstrou utilizar um modo de funcionamento mental baseado no uso
do pensamento por complexo do tipo em coleção, cadeia e difuso em quinze episódios, assim
organizados: pensamento por complexo do tipo coleção cinco episódios, todos com erros;
cadeia, quatro com três erros e um acerto; difuso, seis com quatro acertos e dois erros.
Apresentou três episódios usando o conceito em potencial, com 100% de acerto; e por
conceito propriamente dito foram quinze episódios com 12 acertos e dois erros. Totalizando
vinte respostas certas e doze erradas. De acordo com o quadro.

QUADRO REFERENTES AO DESEMPENHO DE DANILO NA APLICAÇÃO DO


24 INSTRUMENTO QUARTO EXCLUÍDO NA VERSÃO B – CONCEITOS
CIENTÍFICOS
ERRO / ACERTO:
CATEGORIA TIPO DE PENSAMENTO PRANCHAS B
QUANTIDADE
Complexo em cadeia 3 Erro: 1
Seres vivos e não
Complexo difuso 1 Erro: 1
vivos
Conceito propriamente dito 2; 4; 5 Acertos: 3
Acertos: 2
Conceito propriamente dito 7; 9; 10
Vertebrados e Erro: 1
invertebrados Conceito potencial 8 Acerto: 1
Complexo difuso 6 Erro: 1
Acerto: 1
Mamífero e não Complexo em cadeia 11; 12
Erro: 1
mamífero
Complexo coleções 15 Erro: 1
Conceito propriamente dito 16; 18; 20 Acertos: 3
Ave e não ave
Complexo em cadeia 17 Erro: 1
Complexo difuso 21; 23; 24; 25 Acertos: 4
Peixe e não peixe
Conceito potencial 22 Acerto: 1
Conceito potencial 26 Acerto: 1
Mamífero e ave Conceito propriamente dito 27 Acerto: 1
Complexo coleção 28 Erro: 1
Mamífero e peixe Conceito propriamente dito 31; 32; 33 Acerto: 3
Complexo coleção 36; 37; 40 Erros: 3
Peixe e ave
Conceito propriamente dito 38; 39 Acertos: 2

Semelhante a mudança no funcionamento mental de Amanda, Danilo também


apresentou que ampliou o nível de abstração na constituição do conceito científico, uma vez
109

que, na aplicação do quarto excluído para conceitos cotidianos operou de forma predominante
por pensamento em complexo em (22 episódios); e por conceitos em 9 ocorrências. Somando
onze respostas corretas e vinte respostas erradas. Ao término da aplicação do quarto excluído
para conceitos científicos essas mudanças se evidenciaram, ocorrendo quinze episódios com
pensamento por complexo, dezoito por conceito, totalizando vinte respostas corretas e doze
erradas.
A mudança mais substancial que ocorreu no modo de funcionamento de Amanda foi o
aumento do nível de abstração, pois utilizou vinte episódios o conceito propriamente dito com
100% de acertos. Afinal, ela conseguiu internalizar os atributos criteriais de uma determinada
categoria, a ponto de abstraí-los para subordiná-los a categoria referente. Conforme o quadro.

QUADRO 25 Prancha 31 B
Amanda Arraia – gato – peixe – peixe
(mamífero e peixe)

Pesquisadora: O quê é isso?


Qual não combina?
Amanda: Gato
Pesquisadora: Porque?
Amanda: Não vive dentro da água
Pesquisadora: E o gato é um animal o quê?
Amanda: Mamífero
Pesquisadora: Por quê? O quê é um mamífero?
Amanda: Quatro patas, pêlos...
Pesquisadora: Respiram por meio de quê?
Amanda: Pulmão
Pesquisadora: Então é um animal o quê?
Amanda: Mamífero
Pesquisadora: E os outros?
Amanda: Peixe.

Amanda identificou os atributos criteriais de da arraia e dos peixes, a ponto de abstraí-


los para excluir a categoria mamífero, representado na prancha pelo animal, gato. O quadro
não apenas retrata o tipo de pensamento, mas também demonstra a fossilização da
aprendizagem diante da classificação de mamífero e peixe.
O mesmo se passou com Danilo, uma vez que foram quinze episódios por complexo e
dezoito com conceito. Ao realizar uma análise detalhada do pensamento por complexo, ele
utilizou com mais freqüência o complexo do tipo difuso, semelhante à Amanda. Ressalta-se o
aumento do nível de abstração que ocorreu, também, em Danilo, onde apresentou que
automatizou os atributos criteriais para criar uma categoria geral. De acordo com o quadro:
110

QUADRO 26 Prancha 4 B
Amanda Bola – carro – pássaro - anel
(seres vivos e seres não vivos)
Pesquisadora: O quê é isso?
Danilo: Bola- carro – pássaro - anel
Pesquisadora: Qual desses não combina?
Danilo: Esse daqui (apontando para o passarinho)
Pesquisadora: Passarinho? Porque?
Danilo: Porque ele é ser vivo.
Pesquisadora: O quê é um ser vivo?
Danilo: Quando nasce, cresce, dá filhotinho...
Pesquisadora: É Danilo, mas você é esperto heim, o menino que é esperto!

Almejava-se que Danilo reconhecesse os atributos criteriais dos objetos: bola, carro e
anel, a ponto de abstraí-los para subordiná-los a uma categoria geral, ser não-vivo, para
excluir a outra categoria. De fato, ele conseguiu identificar e enunciar o que era um ser vivo,
situação essa que não ocorreu durante a aula dessas categorias.
Diante da atividade da aplicação do quarto excluído e do método de definição de
conceito, as crianças demonstraram ter alcançado o processo de fossilização tal qual proposto
por Gallimore e Tharp (2002).
111

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A pesquisa investigou o modo de funcionamento psicológico de duas crianças com


deficiência intelectual ao longo da constituição de conceitos científicos em sala de aula, para
analisar como se realizam os processos de fossilização e desfossilização nessa dinâmica.
Durante aplicação do quarto excluído para conceitos cotidianos, os participantes
apresentaram um modo de funcionamento com baixo nível de abstração e generalização, que
expressa o pensamento por complexo, construídos com vínculos baseados em características
factuais, que existem efetivamente relações entre os objetos, e que foram apreendidos nas
experiências imediatas.
Com a sistematização do ensino, estes vínculos foram sendo ampliados e evoluíram,
para o nível de desenvolvimento do conceito, no qual, as crianças demonstraram capacidade
de abstrair os atributos criteriais de uma categoria, a ponto de abstraí-los para subordiná-los a
uma categoria geral. Assim, as generalizações transpuseram o pensamento concreto, e
apresentam níveis de raciocínio mais abstrato.
Essa modificação da natureza psicológica se evidenciou com mais precisão durante
aplicação do quarto excluído para conceitos científicos, em um ciclo de ganhos e perdas, com
novas possibilidades de aprendizagem que demandaram dos sujeitos esforços criativos.
As conclusões identificadas quanto à investigação foram:
a) Apesar da literatura afirmar, que as crianças com deficiência intelectual apresentam um
desenvolvimento insuficiente das funções psicológicas superiores e apresentam forte
tendência de manutenção das características de funcionamento, próprias das funções
psicológicas elementares, que prejudica em especial, o desenvolvimento dos processos de
abstração e generalização responsáveis pela constituição de conceitos científicos, identificou-
se durante a pesquisa uma característica distinta, com mudanças no modo de funcionamento
psicológico, ampliando níveis de abstração e generalização.

b) O termo “fossilização” apresenta características polissêmicas, a depender da área que está


sendo empregada. Percebeu-se, durante a pesquisa, que o sujeito pode fossilizar determinado
conceito desde uma outra perspectiva, daquela proposta por Gallimore e Tharp:
automatizando não os atributos criteriais distintos da categoria, mas outros enlaces reais-
imediatos, persistindo nesse funcionamento. Nesse sentido, o pensamento torna-se rígido.
(Rossi, 2008). A depender do nível de rigidez do funcionamento mental poderá haver
112

prejuízos para a aprendizagem das crianças, pois não permitirá que ocorra uma flexibilização
para engendrar novas aprendizagens.

c) Diferentemente do que autores postulam, o processo de fossiliza e defossilização são


dialeticamente imbricados, possíveis de serem constituídos simultaneamente. Ao ser
apresentado determinado conceito em oposição a outro, ao mesmo tempo em que a criança
realiza a fossilização, também opera com a desfossilização. Assim, o modo de funcionamento
pode ser flexibilizado, solicitando a criança mais plasticidade, quando se conceituam algo
numa relação de diferença e contradição com seu oposto.(ROSSI, 2008).
Identificou-se, portanto, que as crianças não apenas se apropriam dos conceitos que
lhes são ensinados, como também, uma vez aprendidos, alteram a natureza psicológica,
ampliando níveis de abstração e generalização.
Para apreender o modo de funcionamento psicológico das crianças foi necessário
realizar uma análise aprofundada do objeto em estudo, considerando as particularidades e
peculiaridades que dizem respeito ao fenômeno investigado. Assim, entende-se que o tipo de
pesquisa que atende aos interesses da investigação foi o estudo de caso, com abordagem
qualitativa.
Esse tipo de pesquisa apresenta limitações, principalmente, no que se diz respeito, a
dificuldade do pesquisador em generalizar os dados encontrados para toda uma população.
Portanto, os resultados obtidos com a investigação, dizem respeito aos participantes e
conceitos científicos estudados nessa pesquisa. Por outro lado, a que se considerar que a
leitura densa de um fenômeno específico possibilita compreender e descobrir novos
conhecimentos a partir de estudos particulares, favorecendo um novo olhar ao objeto
analisado, e ainda, oportunizar, a partir desta pesquisa, outras linhas de investigações.
113

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116

ANEXOS
117

ANEXO 1

VERSÕES DAS PRACHAS PARA ANALISAR OS CONCEITOS COTIDIANOS E OS


CONCEITOS CIENTÍFICOS

PRANCHAS MÉTODO DE CLASSIFICAÇÃO QUARTO EXCLUÍDO

 Classificação de seres vivos e seres não-vivos

PRACHA TIPO (A) – CONCEITOS PRANCHA TIPO (B) – CONCEITOS


COTIDIANOS CIENTÍFICOS
Prancha 1 A Prancha 1 B
Telefone – caderno – sandália – coelho Lápis – pássaro – borboleta – baleia
(seres vivos e seres não vivos) (seres vivos e seres não vivos)
Prancha 2 A Prancha 2 B
Bola – pipa – pássaro - tênis Morcego – urso – onça – tênis
(seres vivos e seres não vivos) (seres vivos e seres não vivos)
Prancha 3 A Prancha 3 B
Gato – cadeira - macaco – tubarão Copo - peixe – pasta – esmalte
(seres vivos e seres não vivos) (seres vivos e seres não vivos)
Prancha 4 A Prancha 4 B
Relógio – cachorro – vaca – planta Bola – carro – pássaro - anel
(seres vivos e seres não vivos) (seres vivos e seres não vivos)
Prancha 5 A Prancha 5 B
Flor – papagaio - martelo – burro Batom – peixe – leão – cavalo
(seres vivos e seres não vivos) (seres vivos e seres não vivos)

 Classificação de animais vertebrados e animais invertebrados

Prancha 6 A Prancha 6 B
Minhoca – cavalo – gato – coelho Joaninha - peixe – barata – mosca
(animais vertebrados e animais (animais vertebrados e animais
invertebrados) invertebrados)
Prancha 7 A Prancha 7 B
Macaco – pato – joaninha - vaca Gato – leão – pássaro – mosquito
(animais vertebrados e animais (animais vertebrados e animais
invertebrados) invertebrados)
Prancha 8 A Prancha 8 B
Formiga – leão – elefante – cachorro Aranha – elefante – tigre – cachorro
(animais vertebrados e animais (animais vertebrados e animais
invertebrados) invertebrados)
Prancha 9 A Prancha 9 B
Aranha – vaca - borboleta – joaninha Formiga – aranha - tatu – mosquito
(animais vertebrados e animais (animais vertebrados e animais
invertebrados) invertebrados)
Prancha 10 A Prancha 10 B
Barata – borboleta – peixe - mosquito Coelho – vaca – galinha – borboleta
(animais vertebrados e animais (animais vertebrados e animais
invertebrados) invertebrados)
118

 Classificação de mamífero

Prancha 11 A Prancha 11 B
Leão - galinha – onça – coelho vaca – leão – macaco – galinha
(mamífero e não mamífero) (mamífero e não mamífero)
Prancha 12 A Prancha 12 B
Elefante – coelho – formiga – macaco Leão - peixe - girafa – veado
(mamífero e não mamífero) (mamífero e não mamífero)
Prancha 13 A Prancha 13 B
Jacaré – macaco – cachorro – cachorro Baleia – cobra – mosquito – pato
(mamífero e não mamífero) (mamífero e não mamífero)
Prancha 15 A Prancha 14 B
Onça – tartaruga - baleia – vaca Borboleta – pato – morcego - barata
(mamífero e não mamífero) (mamífero e não mamífero)
Prancha 15 B
Elefante – coelho – macaco – jacaré
(mamífero e não mamífero)

 Classificação de ave

Prancha 16 A Prancha 16 B
Macaco – vaca – gato – pássaro Pato – galinha – cachorro - arara
(ave e não ave) (ave e não ave)
Prancha 17 A Prancha 17 B
Pato – cachorro – galinha – pássaro Urubu – pássaro pintinho – macaco
(ave e não ave) (ave e não ave)
Prancha 18 A Prancha 18 B
Peru – ganso - leão – pássaro Pássaro – gato – cachorro – elefante
(ave e não ave) (ave e não ave)
Prancha 19 A Prancha 19 B
Pássaro – ganso – águia – macaco Morcego – girafa – pássaro – pássaro
(ave e não ave) (ave e não ave)
Prancha 20 A Prancha 20 B
Tucano – coelho – tatu – elefante Vaca – leão – pássaro – onça
(ave e não ave) (ave e não ave)

 Classificação de peixe

Prancha 21 A Prancha 21 B
Peixe – peixe - gato – peixe Peixe – peixe – peixe - gato
(peixe e não peixe) (peixe e não peixe)
Prancha 23 A Prancha 22 B
Pintinho – peixe - urubu – pato Elefante – peixe – peixe – peixe
(peixe e não peixe) (peixe e não peixe)
Prancha 24 A Prancha 23 B
Peixe – peixe – peixe - onça Pássaro – peixe - urubu – galinha
(peixe e não peixe) (peixe e não peixe)
Prancha 25 A Prancha 24 B
Pássaro – peixe – peixe – peixe Onça – tigre – peixe - vaca
(peixe e não peixe) (peixe e não peixe)
Prancha 25 B
Cavalo – peixe – peixe – peixe
119

(peixe e não peixe)

 Classificação de mamífero, ave e peixe

Prancha 26 A Prancha 26 B
Leão – galinha – pato – pássaro Macaco – pintinho – menino – onça
(ave e mamífero) (mamífero e ave)
Prancha 31 A Prancha 31 B
Peixe – vaca – peixe – peixe Arraia – gato – peixe – peixe
(mamífero e peixe) (mamífero e peixe)
Prancha 36 A Prancha 36 B
Peixe – peixe - pardal – peixe Peixe – galinha – pássaro – arara
(peixe e ave) (peixe e ave)
Prancha 27 A Prancha 27 B
Macaco – pintinho – cachorro – onça Veado – burro – baleia – pato
(mamífero e ave) (mamífero e ave)
Prancha 32 A Prancha 32 B
Coelho – cachorro – peixe - gato Cachorro – gato - peixe – vaca
(mamífero e peixe) (mamífero e peixe)
Prancha 37 A Prancha 37 B
Urubu - peixe – gavião – cisne Pássaro – beija-flor - peixe – águia
(peixe e ave) (peixe e ave)
Prancha 28 A Prancha 28 B
Veado – burro – pato - baleia Morcego – beija-flor – galinha – cisne
(mamífero e ave) (mamífero e ave)
Prancha 33 A Prancha 33 B
Arraia – golfinho – peixe – peixe Coelho – elefante – cavalo - peixe
(mamífero e peixe) (mamífero e peixe)
Prancha 38 A Prancha 38 B
Peixe – arraia – águia - peixe Peixe – peixe – peixe – pássaro
(peixe e ave) (peixe e ave)
Prancha 29 A Prancha 29 B
Vaca – beija-flor – galinha – pato Pintinho – pato – pássaro – cavalo
(mamífero e ave) (mamífero e ave)
Prancha 34 A Prancha 34 B
Macaco – cavalo – gato – peixe Golfinho – peixe – peixe – peixe
(mamífero e peixe) (mamífero e peixe)
Prancha 39 A Prancha 39 B
Pássaro – pardal – pássaro – peixe Peixe– pardal – peixe – peixe
(peixe e ave) (peixe e ave)
Prancha 30A Prancha 30 B
Urubu – pato – cisne – cavalo Pássaro – ganso – elefante - urubu
(mamífero e ave) (mamífero e ave)
Prancha 35 A Prancha 35 B
Leão – coelho - peixe – elefante Onça - golfinho - peixe – leão
(mamífero e peixe) (mamífero e peixe)
Prancha 40 A Prancha 40 B
Arraia – pássaro – pássaro – pássaro Arraia – urubu – gavião – cisne
(peixe e ave) (peixe e ave)
120

ANEXO 2

ROTEIRO DE REGISTRO DA ATIVIDADE DO QUARTO EXCLUÍDO E DO


MÉTODO DE DEFINIÇÃO – PRANCHAS TIPO A

Objetivos: a) Registrar as respostas dadas à atividade do quarto excluído; b) verificar as


características dos níveis de abrangência da generalização e abstração; c) identificar as
características do desenvolvimento do signo e do conceito científico.

PRANCHA 1

- Pergunta: o que é isso? Verificar se a criança consegue identificar as ilustrações.

- Pergunta: Uma dessas figuras não deve está aqui. Qual é?

Resposta à classificação:
______________________________________________________________________
Adequada ( ) Inadequada ( )

Justificativa da resposta
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
____________________________________________________________

PRANCHA 2

- Pergunta: o que é isso? Verificar se a criança consegue identificar as ilustrações.

- Pergunta: Uma dessas figuras não deve está aqui. Qual é?

Resposta à classificação:
______________________________________________________________________
Adequada ( ) Inadequada ( )

Justificativa da resposta
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
____________________________________________________________

(Continua até a prancha 30)


121

ANEXO 3

ROTEIRO DE REGISTRO DA ATIVIDADE DO QUARTO EXCLUÍDO E DO


MÉTODO DE DEFINIÇÃO – PRANCHAS TIPO B

Objetivos: a) Registrar as respostas dadas à atividade do quarto excluído; b) verificar as


características dos níveis de abrangência da generalização e abstração; c) identificar as
características do desenvolvimento do signo e do conceito científico.

PRANCHA 1

- Pergunta: o que é isso? Verificar se a criança consegue identificar as ilustrações.

- Pergunta: Uma dessas figuras não deve está aqui. Qual é?

Resposta à classificação:
______________________________________________________________________
Adequada ( ) Inadequada ( )

Justificativa da resposta
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
____________________________________________________________

PRANCHA 2

- Pergunta: o que é isso? Verificar se a criança consegue identificar as ilustrações.

- Pergunta: Uma dessas figuras não deve está aqui. Qual é?

Resposta à classificação:
______________________________________________________________________
Adequada ( ) Inadequada ( )

Justificativa da resposta
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
____________________________________________________________

(Continua até a prancha 30)


122

ANEXO 4

MAPA CONCEITUAL REFERENTE À CLASSIFICAÇÃO DOS SERES VIVOS A


SEREM TRABALHADOS DURANTE A FASE DE COLETA DE DADOS

SERES VIVOS SERES NÃO-VIVOS

ANIMAIS PLANTAS

VERTEBRADOS INVERTEBRADOS

ANFÍBIOS

AVES PEIXES MAMÍFERO RÉPTEIS

OBS: A seqüência a direita, em vermelho, a professora não irá trabalhar.


123

ANEXO 5

Termo de Consentimento Livre e Esclarecido


Carta – convite

Prezado Professor,

Você está sendo convidado a participar de um projeto de pesquisa em Psicologia cujo


objetivo é investigar o modo de funcionamento psicológico de crianças com deficiência
intelectual ao longo da constituição de conceitos científicos em sala de aula e analisar como se
realizam os processos de fossilização e desfossilização nessa dinâmica. Todo o material
coletado será utilizado somente na pesquisa e sua participação não será relacionada com
trechos de depoimento que possam implicar em sua identificação. Ao final do trabalho, será
realizado um encontro para a exposição dos resultados da pesquisa. A participação nesta
pesquisa é voluntária e poderá haver a desistência a qualquer momento, não havendo previsão
de gastos ou remuneração.
A sua valiosa colaboração, certamente, contribuirá não só para o seu crescimento
profissional, como também para o desenvolvimento de pesquisas em Psicologia com
aplicação na área da Educação.
Antecipadamente, agradecemos a sua atenção.

Universidade Católica de Brasília


Pró-Reitoria de Pós-Graduação e Pesquisa – PRPGP
Programa de Pós-Graduação em Psicologia
Orientadora: Drª. Tânia Maria de Freitas Rossi
Co-orientadora: Drª. Sandra Francesca Comte. de Almeida
Mestranda: Andréa Dias Garzesi Souza

_________________________________________
Assinatura do Professor

Data: ___________

ANEXO 6
124

Termo de Consentimento Livre e Esclarecido


Carta – convite

Prezados pais,

A Universidade Católica de Brasília está desenvolvendo uma pesquisa para investigar


como a criança com deficiência intelectual aprende os conceitos na escola. A escola onde
seu(sua) filho(a) está regularmente matriculado(a) concordou em participar desse estudo, por
entender que este tipo de investigação ajuda tanto o professor quanto a criança no processo de
ensino e aprendizagem. Dessa forma, solicitamos a autorização para que o(a) aluno(a) possa
participar das atividades que ocorrerão no decorrer da investigação. Todo o material coletado
servirá apenas para pesquisa e será utilizado somente para fins científicos. Ao término do
estudo, será marcada uma reunião com a escola para informar os resultados da pesquisa.
Antecipadamente, agradecemos a sua atenção.

Universidade Católica de Brasília


Pró-Reitoria de Pós-Graduação e Pesquisa – PRPGP
Programa de Pós-Graduação em Psicologia
Orientadora: Drª. Tânia Maria de Freitas Rossi
Co-orientadora: Drª. Sandra Francesca Comte. de Almeida
Mestranda: Andréa Dias Garzesi Souza

_________________________________________
_________________________________________
Assinatura dos pais ou responsáveis

Data: ________________
125

ANEXO 7

GRADE DE CARACTERIZAÇÃO DO DESENVOLVIMENTO DOS SIGNOS

Vigotski (2001) aponta que o desenvolvimento do signo ocorre em quatro


estágios:

Nome dos estágios Definições Características


1) natural ou primitivo representa a linguagem pré- Predomina as funções
intelectual e ao pensamento pré- elementares
verbal, quando essas operações
aparecem em sua forma original,
tal como evoluíram na fase
primitiva do comportamento;

2) estágio definido como corresponde a experiência da A aplicação da experiência da


psicologia ingênua criança com as propriedades criança com o corpo e com o
físicas do seu próprio corpo e objeto a sua volta - uso de
dos objetos a sua volta, instrumentos: o primeiro
exercício inteligência prática
que está brotando na criança;
3) signos exteriores se caracteriza por signos È o estágio em que a criança
exteriores, operações externas conta nos dedos, o estágio dos
que são usadas como auxiliares signos mnemotécnicos externos
na solução de problemas de memorização;
internos.

4) crescimento para dentro as operações externas se A criança começa a contar


interiorizam e passam por uma mentalmente, a usar a memória
profunda mudança. lógica, isto é a operar com
relações interiores em forma de
signos interiores.
126

GRADE DE CARACTERIZAÇÃO DA CONSTITUIÇÃO DE CONCEITO


CIENTÍFICO NA CRIANÇA

Vigotski (2001) definiu três fases referentes a constituição de conceito científico e


sua relação com os níveis de abrangência de generalização e abstração:

FASES Caracteriza-se como ESTÁGIOS CARACTERÍSTICAS


1) Amontoados Uma forma de 1 – Formação da A criança escolhe os novos
pensamento que imagem sincrética ou objetos ao acaso
manifesta-se na criança amontoados de objetos.
bem cedo e caracteriza-
se pela tentativa da 2 – Disposição espacial Forma-se com base nos encontros
criança em realizar os espaciais e temporais de
primeiros determinados elementos que
agrupamentos de surgem no processo de percepção
maneira não imediata
organizada, utilizando o 3 – Combinação das Forma-se em uma base mais
signo como um anteriores complexa e se apóia na atribuição
conjunto de de um único significado aos
informações vagas e representantes dos diferentes
sincréticas de objetos grupos.
isolados. Essa fase é a
mais rudimentar na
formação do conceito e
tem baixo nível de
abstração e
generalização.
2) Pensamento É baseada no 1 – Complexo do tipo Diferentes vínculos associativos
por complexos funcionamento do Associativo com qualquer aspecto percebido
pensamento verbal, no pela criança, por diferentes
qual as relações entre relações concretas de
os objetos factuais se conhecimento que a criança
estabelecem na mente descobre e diversas relações
da criança em associativas entre o fenômeno e o
decorrência de suas objeto do complexo.
experiência concreta. O 2 – Complexo - As crianças relacionam objetos e
sujeito estabelece coleção percepções concretas dos fatos
relações de critérios em grupos específicos, que
entre os objetos, ligadas representam coleções. Baseia-se
em um agrupamento na experiência prática e imediata
real reunidos em fatos da criança, que utiliza operações
factuais mentais a partir de coleções de
objetos que si complementam, ou
seja, o conjunto é constituído de
partes que apresentam
significados.
127

3 – Complexo em A criança faz opções


cadeia considerando a associação entre
os objetos. Posteriormente, junta
os objetos concretos em
complexos únicos a partir do
aspecto secundário do objeto que
se encontra fora da amostra. Por
exemplo: sendo a amostra um
triângulo vermelho, a criança
inicia a distinguir e separar as
figuras de forma geométrica de
triângulo para, em seguida,
prestar atenção na cor azul de
uma figura que foi acrescentada
na amostra. Assim, começa a
escolher e selecionar as figuras
azuis, independente da forma
geométrica.
4 – Complexo difuso A criança, inicialmente, escolhe
qualquer figura, que pode ser um
triângulo amarelo. Depois de
juntar todos os triângulos
amarelos, ela soma, ao grupo,
outras figuras geométricas que
são semelhantes com o triângulo
como, por exemplo, os trapézios.
Posteriormente, acrescenta aos
trapézios os quadrados e, aos
quadrados, os hexágonos, e esses
aos semicírculos e, por fim, os
semicírculos aos círculos.
Verifica-se nesse experimento o
principio basilar do pensamento
por complexo difuso, onde os
objetos apresentam
características indefiníveis e
ausência de limites.

5 – Pseudoconceito Aqui não ocorre mais a


classificação de objetos
separados pelas suas impressões
imediatas, mas sim a separação.
A generalização que a criança
faz, na qual, apesar do conceito
utilizado ser semelhante àquele
empregado pelo adulto, existe
diferença significativa no que
refere-se à sua natureza
psicológica. Nesse estágio, as
combinações, em suas
características externas, são
parecidas com o conceito, mas os
aspectos internos assemelham-se
ao complexo
128

3) Conceito - Apresenta capacidade 1 – Conceitos Caracteriza-se pela união dos


decomposição, de abstrair e analisar os potenciais diversos objetos a partir da
análise e elementos abstratos de semelhança entre eles. No início,
síntese maneira a distingui-los apresenta-se como um processo
da experiência concreta de abstração através da impressão
que os compõem. da propriedade do objeto.
Onde a criança destaca um
conjunto de objetos que ela
generalizou após criar um grupo
a partir de um atributo comum.
2 – Abstração do A criança, ao abstrair certos
conceito atributos, não mais utiliza de
situação concreta e constrói
critérios para novos arranjos e
cria atributos em nova premissas.
3 – Conceito é marcado pelo uso da palavra
propriamente dito como meio de formação de
conceito que faz surgir a estrutura
significativa e original que foi
denominada de conceito na
verdadeira acepção da palavra.
Surge quando uma série de
atributos abstraídos torna a
sintetizar-se, e quando a síntese
abstrata obtida torna forma
basilar de pensamento com o qual
a criança percebe e toma
conhecimento da realidade que a
cerca.
129

GRADE DE ANÁLISE DA CAPACIDADE DE DESEMPENHO: AVANÇOS PARA


ALÉM DA ZONA DE DESENVOLVIMENTO PROXIMAL.
Segundo Gallimore e Tharp (2002)

ESTÁGIOS CARACTERÍSTICAS
1 - O desempenho é assistido por indivíduos Antes que as crianças possam funcionar como
mais capazes atores independentes, elas dependem dos adultos
ou de colegas mais capazes para assegurarem uma
regulação externa ao desempenho de suas tarefas.
A criança não realiza atividade sozinha
2 - O desempenho é auto-assistido Se prestarmos cuidadosamente atenção às
afirmações da criança durante este período de
transição, veremos que os padrões de atividade que
permitiram a criança participar do trabalho de
resolução de problemas no plano intermental agora
permitirão a execução de tarefas no plano
intramental. A criança realiza atividade com
auxílio
3 - O desempenho é desenvolvido, Uma vez desvanecida toda aparência, ou
automatizado e fossilizado exteriorização, da auto regulação, a criança emerge
da zona de desenvolvimento proximal. A execução
de tarefas torna-se amena e integrada: ela foi
interiorizada e automatizada. Não há mais
necessidade de assistência do adulto , ou de auto-
assistência. A criança realiza atividade sozinha

4 - A desautomatização do desempenho Em qualquer individuo, ao longo de toda sua vida,


o aprendizado segue as mesmas regras e
seqüências da ZDP- da assistência externa à auto
assistência- a elas retornando reiteradas vezes para
o desenvolvimento de novas capacidades. Para
cada individuo, em cada momento especifico,
haverá uma mescla de regulação externa, auto-
regulação e processos automatizados. A criança
que já consegue dominar diversos passos da
montagem de um quebra cabeças poderá ainda
situar-se na zona de desenvolvimento proximal no
que diz respeito às atividades de leitura. Ocorre a
flexibilização para aprender um novo conceito

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