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TODO CAMBURÃO TEM UM POUCO DE NAVIO NEGREIRO: racismo

institucional e colonialidade do poder punitivo. O caso Genivaldo de Jesus.

Aluno(a):Leonardo Souza da Silva


Matrícula: 19216090199
Polo: Duque de Caxias

ANO

2023
Leonardo Souza da Silva

TODO CAMBURÃO TEM UM POUCO DE NAVIO NEGREIRO: racismo


institucional e colonialidade do poder punitivo. O caso Genivaldo de Jesus

Monografia submetida ao corpo docente da


Escola de História da Universidade Federal
do Estado do Rio de Janeiro – UNIRIO,
como parte dos requisitos necessários à
obtenção do grau de Licenciado em
História, sob orientação do(a) Prof.(a) Dr.
(a) João Carlos Escosteguy Filho

Rio de Janeiro
2023
TODO CAMBURÃO TEM UM POUCO DE NAVIO NEGREIRO: racismo
institucional e colonialidade do poder punitivo. O caso Genivaldo de Jesus.

Leonardo Souza da Silva

Aprovado por

BANCA EXAMINADORA

___________________________________
Prof. Orientador

___________________________________
Professor(a)

Rio de Janeiro
2023
RESUMO
Mesmo que encoberto pelo mito da democracia racial, o racismo ainda está presente na
sociedade brasileira contemporânea, sendo estruturado no sistema e refletido em suas
instituições, dentre as quais, a polícia. O objetivo da pesquisa foi discutir a
colonialidade e o racismo institucional no poder punitivo, exercido por meio dos
agentes de segurança do Estado. Trata-se de uma pesquisa exploratória, descritiva em
que o procedimento metodológico da revisão bibliográfica foi utilizado. Os artigos,
teses e dissertações consultados na pesquisa foram encontrados nos seguintes
repositórios digitais: Google Scholar; Scielo – Scientific Eletronic Library Online e
BDTD – Biblioteca Brasileira Digital de Teses e Dissertações. Os resultados indicaram
que o caso de Genivaldo de Jesus, um cidadão negro assassinado injustamente em uma
ação policial, reflete toda a crueldade e opressão vivenciadas pelas minorias étnicas-
raciais. Considera-se que a população negra é alvo de massiva perseguição policial,
refletindo ainda o caráter da colonialidade expressa na tentativa de legitimar a
dominância em que a supremacia branca é afirmada por meio da desumanização da
pessoa negra, legitimando a tortura e penalização impostas à população negra.

Palavras-Chave: Mito da democracia racial. Poder Punitivo. Racismo. Desumanização


da pessoa negra.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO.................................................................................................................6

1 – CAPITÚLO - Era só mais uma dura, resquício de ditadura........................................8

1.1 Necropolítica, como formas de exercício do poder estatal........................................13

1.2 Decolonialidade e as formas de operação.................................................................13

CAPÍTULO 2 - Quem segurava com força a chibata, agora usa farda...........................19

2.1 Colonialidade do poder punitivo – Caso Genivaldo de Jesus...................................22

2.2 Caso Claudia Ferreira................................................................................................28

CAPÍTULO 3 – TRIBUNAL DE RUA...........................................................................32

3.1 Análise das investigações..........................................................................................34

3.2 Análise da mídia........................................................................................................37

3.3 Consequências políticas e sociais..............................................................................41

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS......................................................................................44

REFERÊNCIAS..............................................................................................................45
INTRODUÇÃO

Negar a humanidade e direitos da população negra é um projeto político e de


poder calcado na inferiorização e da criação de uma narrativa em que a população negra
é subalterna, descivilizada e inferior, cabendo-lhes tratamento diferenciado. No Brasil,
assim como outros diversos países, houve um regime escravocrata entre os séculos XVI
e XIX, em que os negros africanos compunham a maior parte da força de trabalho
escrava. Após a abolição da escravatura, não houve um regime segregacionista
oficialmente, porém, a visão social predominante seguiu inalterada, em que os negros
não eram desejados para fazer parte da sociedade como iguais.
No Século XIX, no contexto de uma sociedade abolicionista, os negros, que
encontravam diversas dificuldades para se integrar socialmente, foram seguiram sendo
excluídos e marginalizados. A ação do Estado e suas instituições de proibir, criminalizar
e perseguir expressões religiosas e culturais da cultura africana fortaleceu no imaginário
popular, a noção de que o negro é ligado ao crime, “vadiagem”, ociosidade, lascívia e
imoralidade, criando o racismo institucionalizado.
Em meados do século XX, no contexto da Ditadura Militar (1964 - 1985), a
repressão e brutalidade policial expuseram as chagas sociais do preconceito contra o
negro e da ação violenta do Estado para com a população. Neste período, torturas,
homicídios e terrorismo policial eram práticas aceitas pelo Estado, bem como a
violência de gênero e práticas racistas.
Após a redemocratização do Brasil, as práticas do Estado em seu poder punitivo
seguiram evidenciando o fenômeno histórico e cultural da colonialidade, em que mesmo
com a alteração política do regime, segue em vigência uma relação colonial entre os
grupos humanos, que mormente favorece os negros.
O objetivo da pesquisa foi discutir a colonialidade e o racismo institucional no
poder punitivo, exercido por meio dos agentes de segurança do Estado. Para tanto,
pretende-se analisar dois casos policiais de grande repercussão em que a brutalidade e
racismo policial ficaram evidentes, os assassinatos de Cláudia Ferreira e Genivaldo de
Jesus Santos. Como objetivos específicos, pretendeu-se: abordar os conceitos de
decolonialidade, necropolítica e racismo institucional; desvelar o racismo institucional
nas ações policiais de opressão e violência, por meio da apresentação dos casos de
Genivaldo de Jesus e Claúdia Ferreira. Por fim, pretende-se analisar o assassinato de
Genivaldo de Jesus Santos, analisando a cobertura midiática, as investigações da polícia
e as consequências políticas e sociais do crime.
O tema é relevante e emergente para construir conhecimentos acerca do racismo
que se instala nas instituições a partir de seu caráter estrutural. Pretende-se provocar
debates acerca da segregação racial ainda constante na sociedade brasileira
contemporânea, evidenciando e denunciando as práticas punitivas delegadas a parcela
mais vulnerável da população. Com isso, estima-se que questionamentos sobre as ações
de opressão, abuso de autoridade e massacre contra a população negra sejam
visibilizados, auxiliando na construção de políticas públicas e ações educacionais
antirracistas, que rompam com a hegemonia que mantém e legitima o poder da classe
dominante discriminatória.
Trata-se de uma pesquisa exploratória, descritiva em que o procedimento
metodológico da revisão bibliográfica foi utilizado. Os artigos, teses e dissertações
consultados na pesquisa foram encontrados nos seguintes repositórios digitais: Google
Scholar; Scielo – Scientific Eletronic Library Online e BDTD – Biblioteca Brasileira
Digital de Teses e Dissertações. Para a análise dos casos, foram consultados documentos
oficiais e informativos dos órgãos envolvidos na investigação, como a PRF e MP, além
de artigos jornalísticos sobre os casos.
O presente trabalho foi dividido em três capítulos. O capítulo 1: Era só mais
uma dura, resquício de ditadura, aborda o conceito de decoloniadade e racismo
estrutural, analisando a ação estatal à luz do conceito de necropolítica. O segundo
capítulo: Quem segurava com força a chibata, agora usa farda, visa desvelar o racismo
institucional nas ações policiais de opressão e violência, por meio da apresentação dos
casos de Genivaldo de Jesus e Claúdia Ferreira.. Por fim, o terceiro capítulo: tribunal de
rua, realiza uma análise do caso Genivaldo de Jesus Santos e discute a brutalidade
policial.
1 – CAPITÚLO - Era só mais uma dura, resquício de ditadura.

Lançada em 1994 pelo grupo O Rappa, a música Todo camburão tem um pouco
de navio negreiro, apresenta em seus primeiros versos uma situação que pode ocorrer
com qualquer pessoa. No entanto, aquela situação não é direcionada para todas as
pessoas, mas para um grupo em específico: “Mas eles não paravam. Ê, Qualé negão?
Qualé negão?” Logo fica evidente o preconceito racial percebido na relação da
sociedade com a população negra: “É mole de ver/que em qualquer dura o tempo passa
mais lento pro negão”.
O trecho aponta para a continuidade de formas de opressão e desumanização
enfrentadas pela população negra forjada nas estruturas coloniais e escravocratas que
estabeleceram uma lógica de subjugação e exploração racial que persiste até hoje. O
racismo estrutural e a discriminação racial moldam as experiências e as oportunidades
disponíveis para a população negra, a violência simbólica e a exclusão sistemática
negam a plena humanidade e cidadania aos negros, limitando seu acesso a recursos,
direitos e liberdades fundamentais. Neste sentido, Borges (2017) afirma que negar a
existência dessa estrutura excludente é contribuir com ela.
Em outras palavras, os repressores e os oprimidos ainda são o mesmo "quem
segurava com força a chibata agora usa farda engatilha a macaca e escolhe sempre o
primeiro/negro prá passar na revista”. Em seguida o grupo musical utiliza a linguagem
comparativa e aproxima "Todo camburão tem um pouco/de navio negreiro".
Por meio dessa comparação, é possível fazer uma ponte entre aquela visão de
mundo que alimentava o regime escravocrata e que continua até os dias de hoje. Como
naquele período, também atualmente, a população negra recebe tratamento diferenciado
sendo alvo preterido da perseguição policial. A cada ano que passa mais mortes são
contabilizadas, a taxa de letalidade policial, teve o alcance de 6.375 vítimas somente no
ano de 2019. Já no primeiro semestre do ano de 2020, 6% a mais de mortes atribuídas às
ações policiais, em relação ao ano anterior, foram verificadas (COALITION
SOLIDARITÉ BRESIL, 2021).
A pesquisa Negro trauma, racismo e abordagem policial na cidade do Rio,
divulgada por Rangel (2022) mostra que 63% das abordagens policiais na cidade têm
como alvo pessoas negras. Essa mesma pesquisa mostra que 68% das pessoas abordadas
andando a pé na rua ou na praia, são negras, enquanto apenas 25% dos brancos são
parados pela polícia nas mesmas circunstâncias. Outra pesquisa, Atlas da Violência
2021, revela os dados da violência contra os negros no Brasil:

[...] Comparativamente, entre os não negros (soma dos amarelos, brancos e


indígenas) a taxa foi de 11,2 para cada 100 mil, o que significa que a chance
de um negro ser assassinado é 2,6 vezes superior àquela de uma pessoa não
negra. Em outras palavras, no último ano, a taxa de violência letal contra
pessoas negras foi 162% maior que entre não negras. Da mesma forma, as
mulheres negras representaram 66,0% do total de mulheres assassinadas no
Brasil, com uma taxa de mortalidade por 100 mil habitantes de 4,1, em
comparação a taxa de 2,5 para mulheres não negras (CERQUEIRA et al
2021, p. 49).

O que se percebe dessa situação é que a integração dos negros na sociedade não
se teve uma evolução concreta, pois o direito de igualdade assegurado por lei parece
distante das vias de fato. É, pois nesse contexto de violência policial contra a população
negra é que se insere o caso a ser estudado nesse trabalho, que é o assassinato de
Genivaldo de Jesus que foi agredido e morto sufocado em um camburão da Polícia
Rodoviaria Federal (PRF) no estado do Sergipe.
A violência policial vem se mostrando grande manifestação do racismo,
verificado a partir do perfil das vítimas. São os principais alvos do abuso de autoridade
e da violência policial, a população negra e periférica. Das abordagens policiais
ocorridas no ano de 2019 que resultaram em mortes, 79,1% eram pessoas negras.
Estima-se que a polícia mate 2,8% mais negros do que brancos. Outra evidência do
racismo institucional que parte de base estrutural é a impunidade com que são tratados
os casos de mortes de negros por abordagens policiais, pois cerca de, somente 10% dos
casos resultam em punição, gerando grande sentimento de injustiça (COALITION
SOLIDARITÉ BRESIL, 2021).
A violência policial verificada no caso Genivaldo, embora seja atual, possui
raízes profundas na história do Brasil que remontam ao tempo da colonização e do
regime escravocrata que durante séculos vigorou no país. Cabe destacar que, mesmo
com o fim dos regimes supracitados, a configuração brasileira hodierna diz mais
respeito às consequências do sistema colonialista, denominado de colonialidade. Em
outras palavras, aquelas características da colonização, tais como a violência, o
extermínio e o subalternização de diferentes povos deixa uma marca profunda e que tem
efeitos danosos até hoje. Flauzina (2006) afirma que o Estado adequou suas funções
para a manutenção da estrutura social, diante de um quadro em que não mais poderia se
valer da escravidão, pois, foi a partir do rompimento com o sistema escravocrata que o
Estado se tornou o único espaço para formalmente solucionar conflitos e regular o
cotidiano.
O direito de matar tornou-se a prerrogativa do Estado para exercer seu domínio
e gerenciar a vida, dessa forma, foi por um sistema desumanizador utilizou da produção
da morte para legitimar e reafirmar a subserviência:

Surgimos da confluência, do entrechoque e do caldeamento do invasor


português com índios silvícolas e campineiros e com negros africanos, uns e
outros aliciados como escravos. Nessa confluência, que se dá sob a regência
dos portugueses, matrizes raciais díspares, tradições culturais distintas,
formações sociais defasadas se enfrentam e se fundem para dar lugar a um
novo povo (FLAUZINA, 2006, p.96).

Desde meados do Século XVIII os países centrais afastam-se da política de


disciplinamento dos corpos para o gerenciamento da vida. Tal gerenciamento se
apresenta no controle dos incidentes e previsão dos perigos vivenciados a partir da
vivência em coletividade. A República é fundada tendo como uma de suas
características o medo branco da insurreição negra, de forma a reinventar a inferioridade
e atribui-la a raça recém-liberta. O escravismo como prática da inferiorização do negro
reverte-se para a inferiorização biológica, impondo à raça branca a manutenção de sua
suposta pureza no tecido social (FLAUZINA, 2006).
Atenta-se, assim, para o resguardo da pureza e da vida para tanto, a medicina
une-se ao discurso policial, como resultado foi possível vislumbrar os desastrosos e
violentos episódios da destruição do Cortiço Cabeça de Porco e a Revolta da Vacina,
ainda no Século XIX. O mito da democracia racial foi sendo construído pelo
deslocamento do discurso de segregação racial para a luta de classes. Em um modelo
estatal em que há a priorização da vida, é o racismo que representará a produção da
morte (FLAUZINA, 2006).
De um passado tão marcado pela violência e pela corrupção, o projeto de país
inicia calcado no genocídio, etnocídio e na exploração da mão de obra escrava. Com
efeito, as raízes da violência policial começam na execução de povos originários,
perpassando pela exploração da mão de obra escrava e, pode-se colocar o período
ditatorial como o ápice da violência impregnada na cultura brasileira, cujos efeitos estão
presentes até os dias de hoje.
Pires (2018) elucida que em período antecedente ao golpe militar foi instituído o
Projeto Unesco personificado como uma série de pesquisas sobre as questões raciais no
Brasil. Em teoria, tal pesquisa, seria a evidenciação do “paraíso racial” no Brasil,
porém, tornou-se aporte acadêmico para o questionamento do mito da democracia racial
por meio das análises sobre a relação de raças na década de 1950. Em cenário seguinte,
no contexto da Ditadura Militar, a Agência Central do Serviço Nacional de Informações
produziu mais de 400 documentos enfatizando o controle das chamadas Associações
Culturais de negros, sendo o assunto definido como “racismo negro”:

Ao assumir o mito da democracia racial como uma de suas bases ideológicas,


a ditadura empresarial-militar garantia, de um lado, que fosse intocado o
modelo de supremacia branca e os privilégios a ele decorrentes; de outro,
sufocava qualquer possibilidade de enfrentamento direto da população não
branca sobre as violências sofridas (PIRES, 2018, p.1062).

É, pois nessa perspectiva, que é correto afirmar que o processo de


redemocratização na América Latina não foi suficiente para transformar as forças da
segurança pública ou suprimir a segregação racial e a marginalização do negro:

Os processos de democratização dos países da América Latina, ocorridos a


partir dos anos 80, de maneira geral não foram capazes de gerar processos de
transformação consistentes das forças de segurança pública, dificultando, em
alguns casos, o enfrentamento da criminalidade violenta, e não equacionando
problemas estruturais da relação entre as polícias, os poderes de estado e a
sociedade civil em democracia (AZEVEDO, 2016, p. 547).

Nesse sentido, é urgente promover profundas mudanças no aparato de segurança


do país que corresponda ao espírito proposto pela redemocratização brasileira expresso
na Constituição de 1988, mas que segundo Pinheiro (1991 apud Vitor, 2020, s.i.), não
“mudaram uma vírgula da estrutura da segurança pública herdada do regime militar”.
Portanto, a estrutura da polícia brasileira é herança da ditadura militar.
A ditadura militar, ao centralizar o poder político nas mãos de coronéis e
comandantes do Exército, levou à militarização da esfera política do país, naturalizando
a repressão, a violência, a censura e a perseguição a todos aqueles que fossem contrários
ao regime. Ao impor a tortura às pessoas de diferentes tipos, a prática torna-se
visibilizada em sua dimensão desumanizadora e ganha maior comoção vista da ótica
pública:

É na ditadura civil-militar, que intelectuais, artistas e comunistas também


tiveram seus corpos expostos a esse tipo de violência, e as vivências dessa
época são lembradas com um tom maior de repulsa e tem uma comoção mais
intensa as experiências e relatos desse momento histórico (FERNANDES,
2022, p.285).

Nota-se, que apesar da população negra vivenciar o terror da tortura durante


anos de escravidão, foi no período da Ditadura Militar, em que a tortura foi vista como
uma prática desumana, causando comoção, a partir do ferimento de outros corpos que
não só o negro.
No ano de 1969 foi promulgado o Decreto-Lei n.º 667, que criou a identidade e a
estrutura da Polícia Militar tal qual existe hoje. Segundo a lei supracitada é papel
exclusivo das PMs o policiamento ostensivo fardado. Em outras palavras, os policiais
militares assumem as atribuições de garantia da ordem pública. O decreto também
estabelece que o Exército é o responsável pelo controle e coordenação das PMs, ficando
as Secretarias de Segurança dos Estados com autoridade sobre a orientação e
planejamento. Nesse sentido, as PMs ficam organizadas como pequenos exércitos.
A ditadura militar acabou e logo em seguida fora criada a Carta Magna de 1988,
que traz significativas e profundas mudanças para a concretização da democracia. No
entanto, cabe destacar que no que diz respeito à segurança pública, as alterações não
foram suficientes para uma real ruptura do modelo de polícia do regime ditatorial, haja
vista que:
[...] falar sobre a atual estrutura da segurança pública no Brasil implica
reconhecer que, se por um lado conseguimos avançar na construção de
discursos e políticas que se baseiam em princípios de Direitos Humanos e de
cidadania, por outro, convivemos com um modelo em que a ausência de
reformas estruturais obstrui – em termos práticos e políticos – a efetivação
desses mesmos princípios, bem como a oferta de uma segurança pública
verdadeiramente para todos (LIMA; PRÖGHLOF, 2013, p. 31).

Um dos sinais mais claros dos problemas da segurança pública no Brasil é o


visível desgaste da relação entre cidadãos e policiais, marcada por desconfiança frente
ao abuso de poder e pela falta de critérios para o uso da força, produzindo altas taxas de
mortes praticadas pela polícia e de vitimização policial (AZEVEDO, 2016).
As novas democracias apresentam um dado em comum, o alto índice de
desconfiança da população quanto as atividades da polícia. A qualidade da democracia
está atrelada a tal nível de confiança, porém, percebe-se que mesmo em países com alto
nível de confiança na polícia, como nos Estados Unidos, as minorias étnicas, em ênfase
a população negra não confia no trabalho polícia. Esta desconfiança diz respeito ao fato
de que a polícia, mesmo diante das premissas das novas democracias não respeitam os
direitos dos cidadãos, principalmente pautados nos Direitos Humanos (SILVA, 2010).
Raphael (2013, p.81) evidencia que a polícia militar brasileira vinculada na
Constituição Federal não conseguiu se desenvolver pelos princípios da cidadania: “[...] a
formação policial militarizada no contexto brasileiro não possibilita o desenvolvimento
de uma segurança cidadã, pautada na refletividade das expectativas do militar e do
civil”.
Uma pesquisa sobre o nível de confiança da população no trabalho policial,
realizada e divulgada pelo Poder Data em janeiro de 2023, revelou que entre as pessoas
que afirmaram que confiavam pouco na polícia e que não confiavam, 48% da amostra
de 2500 pessoas espalhadas em 288 municípios, se revelou não confiante nas ações
policiais. Apenas 26% revelaram que confiam muito no trabalho policial. Entre aqueles
que não confiam, pode-se extrair o perfil de maioria mulheres com idade entre 16 e 24
anos, ou mais de 60 anos, da região Nordeste, com escolaridade ensino fundamental e
renda familiar até 2 salários-mínimos (PODER360, 2023).
Para alguns estudiosos, a mudança das corporações policiais deve ocorrer em
direção a princípios democráticos e republicanos, isto é, o contexto atual não é de
ditadura em que o autoritarismo era a linguagem. Com efeito, aquele modelo de polícia
do período da ditadura, no qual pessoas eram mortas, torturadas e desaparecidas, é
incoerente com o Estado democrático de direito. Assim,

É necessário que as práticas institucionais sejam reformuladas, com a


implantação de uma deontologia das práticas policiais orientada por
princípios democráticos e republicanos de tratamento com o público e
controle e transparência da atuação policial. O quadro atual é de policiais
formados supostamente em uma nova perspectiva, mas tendo que atuar em
instituições antidemocráticas, gerando um descompasso entre o que se
aprende nos cursos de formação e o que se faz no dia a dia do trabalho
policial (AZEVEDO, 2016, p. 13).

Nesse sentido urge desvincular a polícia da ideia de defesa do Estado e de


segurança nacional, fortemente associada com uma cultura de guerra contra o inimigo.
E é justamente essa visão que leva ao assassinato da população, principalmente a
população negra e pobre, por parte da polícia.

1.1 Necropolítica, como formas de exercício do poder estatal.

Quando a violência é institucionalizada e um programa de governo, pode-se


entrar em outra base epistemológica, que é o conceito de Necropolítica. Este conceito
foi elaborado pelo pensador camaronês Achille Mbembe a partir do pensamento de
Michel Foucaul, Hannah Arendt e Giorgio Agamben, ou seja, o conceito parte da
perspectiva do conceito de biopoder, em sua relação com as noções de soberania e
estado de exceção. Com efeito, à medida que se aprofunda o conceito de Necropolítica
percebe-se que:

[...] a preocupação gira em torno daquelas formas de soberania cujo projeto


central não é a luta pela autonomia, mas ‘a instrumentalização generalizada
da existência humana e a destruição material de corpos humanos e
populações’. Isso porque compreende que essas formas de soberania, tal
como o campo agambeniano, constituem o nomos do espaço político em que
ainda vivemos (MBEMBE, 2018a, p. 11).

Mbembe lança um olhar crítico sobre as relações políticas de expressão do


poder, sobre o binômio vida versus morte e complementa o entendimento consolidado
em torno da biopolítica, cunhando o termo Necropolítica:

De um ponto de vista antropológico, o que essas críticas contestam


implicitamente é uma definição do político como relação bélica por
excelência. Também desafiam a ideia de que necessariamente, a
racionalidade de vida passe pela morte do outro, ou que a soberania consiste
na vontade e capacidade de matar a fim de viver (MBEMBE, 2019, p. 20).

É, pois a dualidade vida e morte é que direciona a possibilidade de determinados


grupos possuírem o direito à vida, enquanto outros grupos dentro de um estado de
violência e guerra no qual se incute o terror, poderiam ser mortos, está diretamente
ligada à existência e decretação de estado de sítio e estado de exceção. Em outras
palavras, pode-se definir assim a Necropolítica:

[…] política racional que não aponta para a garantia da vida, pelo contrário,
ela indica uma razão de morte. Esta política se torna efetiva quando a
soberania se manifesta através da submissão de certo grupo, que está sujeito
ao controle de seu corpo através da vigilância e de uma política que pode
chegar a utilizar o extermínio, para a efetivação da garantia de determinada
ordem social (SANTOS, 2019, p. 24).

Em sua obra A Crítica da Razão Negra, Mbembe (2019), defende que a razão
negra é a construção de enunciados e discursos que tende sempre a classificar o outro de
forma depreciativa, através de registros literários ou imagéticos, associando fatores
como a África e o Negro à bestialidade, o seja, o sujeito africano é visto, por natureza, é
como um ser atrasado, arcaico e selvagem. É justamente este o pensamento base que
fundamenta do racismo: “o racismo é, acima de tudo, uma tecnologia destinada a
permitir o exercício do biopoder. Na economia do biopoder, a função do racismo é
regular a distribuição da morte e tornar possíveis as funções assassinas do estado
(MBEMBE, 2019, p. 18).
É justamente baseada nessa racionalidade é que se torna aceitavel e naturalizado
os castigos corporais e, até, a pena de morte de um negro no contexto não somente na
escravidão, mas também ainda nos dias de hoje. Se antes essas ações eram
fundamentadas em teorias pseudos científicas, hoje ela é justificada por um pensamento
implantado e gestado no imaginário popular, por narrativas e discursos conservadores,
de que há uma guerra declarada a um inimigo, que deve ser derrotado, e só através do
enfrentamento, se conseguiria, enfim, pacificar a sociedade (MBEMBE, 2019). Assim,
as consequências desses enfrentamentos são vistas como males menores. Por exemplo,
quando uma criança morre baleada no morro, logo se vende o discurso de que ali estava
ocorrendo uma ação de pacificação. Ou quando uma pessoa morre sufocada em um
camburão, logo se vende o discurso também de pacificação, a instalação de uma ordem.
No entanto, esta tal ordem que tanto se deseja instalar só extermina pessoas de um
determinado grupo social, tal qual vem ocorrendo desde o sistema colonialista
escravagista.
Nesse sistema a morte adquire centralidade no modus operandi das tecnologias
de segurança pública e de controle do Estado. É, pois essa a centralidade da análise de
Mbembe (2018), que entende que a morte é a categoria da política e do poder
claramente expressa na matança generalizada de grupos racializados. Em outras
palavras, a morte é a espinha dorsal para manutenção e legitimação da soberania do
Estado. Desta forma,

[...] o poder ainda depende do firme controle sobre os corpos (ou sobre
concentrá-los em campos), as novas tecnologias de destruição estão menos
preocupadas em conformar os corpos em aparatos disciplinares que, quando
chegar a hora, conformá-los a ordem da máxima economia representada pelo
massacre (MBEMBE, 2003, p. 34).

Assim, a noção de Necropolítica racial ajuda a compreender as diversas mortes


violentas e prematura pela qual a população negra no Brasil vem passando promovido
pelo aparato de terror policial. É importante apontar que Mbembe parte do pensamento
de Foucault e no pensamento desse filósofo o racismo assume posição nefrálgica, pois é
a raça é
[...] a sombra sempre presente no pensamento e na prática das políticas do
Ocidente, especialmente quando se trata de imaginar a desumanidade de
povos estrangeiros – ou a dominação a ser exercida sobre eles (MBEMBE,
2018a, p. 18).

Com efeito, para Foucault (2010), o racismo se constitui em condição de


possibilidade para a aceitabilidade do “fazer morrer” em um regime alicerçado na
economia do biopoder:

[...] no contínuo biológico da espécie humana, o aparecimento das raças, a


distinção das raças, a hierarquia das raças, a qualificação de certas raças
como boas e de outras, ao contrário, como inferiores, tudo isso vai ser uma
maneira de fragmentar esse campo do biológico de que o poder se incumbiu;
uma maneira de defasar, no interior da população, uns grupos em relação aos
outros. Isso vai permitir ao poder tratar uma população como uma mistura de
raças ou, mais exatamente, tratar a espécie, subdividir a espécie de que ele se
incumbiu em subgrupos que serão, precisamente, raças. Essa é a primeira
função do racismo: fragmentar, fazer cesuras no interior desse contínuo
biológico a que se dirige o biopoder (FOUCAULT, 2010, p. 212)

Foucault (2010), aponta ainda uma outra função do racismo na legitimação da


morte do “outro” a partir de uma maneira inteiramente nova:

[...] a morte do outro, a morte da raça ruim, da raça inferior (ou do


degenerado, ou do anormal), é o que vai deixar a vida em geral mais sadia
[...] a função assassina do Estado só pode ser assegurada, desde que o Estado
funcione no modo do biopoder, pelo racismo (FOUCAULT, 2010, p. 215).

Mbembe (2018a, p. 41) aponta que, nesse contexto, a soberania “é a capacidade


de definir quem importa e quem não importa, quem é ‘descartável’ e quem não é.” A
raça funcionaria como verdadeiro “dispositivo de segurança fundado naquilo que
poderíamos chamar de princípio do enraizamento biológico pela espécie. A raça é ao
mesmo tempo ideologia e tecnologia de governo.” (MBEMBE, 2018b, p. 75). É, pois tal
qual é descrita a política por Mbembe é que percebe no cenário brasileiro
contemporâneo em que há uma licença para matar pobres e favelados, ratificada pelos
próprios governos (PETRONE, 2020).

1.2 Decolonialidade e as formas de operação.

Nesse sentido, Almeida (2019) ao tratar do racismo, existente nas relações


sociais no Brasil desde o processo de escravidão, afirma que este se estruturou enquanto
um sistema opressor que nega direitos à população negra. Deste modo, afirmar que o
Brasil não superou este sistema também significa que o racismo não foi eliminado das
relações do país. Referir-se ao racismo estrutural é não se limitar a manifestações de
violência direta, mas no racismo presente no funcionamento de instituições, no
tratamento diferenciado a negros/as, na diferença salarial entre pessoas negras e
brancas; no diferente acesso à educação, entre outros. Portanto, o racismo estrutural está
no âmbito conjuntural da sociedade e se constitui como padrão de normalidade
(ALMEIDA, 2019).
O colonialismo fora superado e a escravidão abolida. No entanto, aquele trágico
período da história da construção da identidade brasileira ainda está enraizado na
estrutura da sociedade brasileira através da colonialidade, que nada mais é do que uma
dimensão simbólica do colonialismo. Cunhado pelo sociólogo peruano Aníbal Quijano
em 1980, a ideia de colonialidade “como parte do novo padrão de poder mundial, a
Europa também concentrou sob sua hegemonia o controle de todas as formas de
controle da subjetividade, da cultura, e em especial do conhecimento e da produção do
conhecimento” (QUIJANO, 2005, p. 121).
Segundo Maldonado-Torres (2020), a colonialidade se refere à lógica global de
desumanização que perdura mesmo sem a existência de colônias formais. Desta forma,
“a ‘descoberta’ do Novo Mundo e as formas de escravidão que imediatamente
resultaram daquele acontecimento são alguns dos eventos-chave que serviram como
fundação da colonialidade” (MALDONADO-TORRES, 2020, p. 36). Essa dimensão
simbólica manteria as relações de poder estabelecidas no momento do colonialismo,
determinadas principalmente pela cor da pele. Em outras palavras, com base na
naturalização de determinadas hierarquias, produz subalternidades, suprimindo as
formas de conhecimento, experiências e vivências dos povos dominados e explorados
pelo projeto colonial. Sendo assim, mesmo com o fim do colonialismo essa lógica de
dominação perdura e se propaga de diferentes maneiras ao longo do tempo.
Já o pensador argentino Mignolo (2016), defende que não existe modernidade
sem colonialidade, haja vista que o próprio conceito de modernidade foi construído a
partir do ponto de vista da noção de civilização ocidental ao qual se celebra as
conquistas de dominação sobre outros povos. Portanto, a “modernidade, nessa
sistematização, é uma narrativa europeia/ocidental que tem na colonialidade seu suporte
e fundamento, sendo entendida como um modo de vida e um projeto civilizatório”
(TONIAL; MAHEIRIE; GARCIA JR., 2017, p. 21).
Como é possível perceber, a noção de modernidade está fundamentada na
classificação de raças, como aponta Quijano (2005), ao discorrer que a ideia de raça e o
eurocentrismo, atrelados ao capitalismo e à mercantilização da força do trabalho são a
base da colonialidade do poder. Dessa forma, além da dominação territorial, ocorre
também o controle e imposição da língua, da cultura e do saber. Este autor aponta ainda
as diferentes ações de colonialidade do poder em diferentes continentes, na Ásia e no
Oriente Médio, as altas culturas foram colocadas em um lugar de subalternidade em
relação à cultura europeia. Já no continente africano, ela foi capturada pela categoria do
exótico e na América Latina houve uma verdadeira repressão cultural e a colonização do
imaginário foram acompanhadas de grande brutalidade, com o massivo extermínio de
indígenas (QUIJANO, 2005). Diante deste fato, pode-se considerar que “não somente
terras e recursos são tomados, mas as mentes também são dominadas por formas de
pensamento que promovem a colonização e a autocolonização” (MALDONADO-
TORRES, 2020, p. 41).
A partir do conceito de colonialidade é possível compreender mais
profundamente a violência policial contra pessoas negras. O fato é que esse tipo de
violência faz parte da estrutura social e é tida como algo normal, uma vez que a
violência não é um mero comportamento desviante, mas um regime institucional, como
bem apontou Oliverira (2017), ao expor que a violência advinda de sistemas
colonialistas e escravagistas se articula com outras duas dinâmicas da formação dos
Estados nesses países: a lógica da concentração de renda e patrimônio e a concepção
restrita de cidadania. Em outras palavras, o estado é o próprio responsável e o
articulador da violência e da mortalidade, como é possível analisar nos inúmeros dados
das mortes violentas praticadas pelas forças policiais.
CAPÍTULO 2 - Quem segurava com força a chibata, agora usa farda

A criminologia em sua concepção e prática vive intensos questionamentos diante


da constatação das iniquidades estruturais que cobram posicionamentos mais efetivos do
que mencionar o racismo como um apêndice do sistema penal. O racismo quando
deslocado para o cerne das questões dos sistemas periféricos faz com que sejam
questionados, não somente os aparelhos repressivos, mas toda a formação do Estado em
sua legitimação narrativa (FLAUVANI, 2006).
As práticas de combate à criminalidade foram estudadas por algumas escolas de
criminologia criadas para a regularização das leis e penas, intencionando uma
otimização do sistema penal, com justiça e garantia de manutenção da ordem e paz
social. Dessa forma, o crime e o criminoso foram estudados por diferentes perspectivas
e das teorias surgiram os Códigos Penais e a forma do Estado lidar com o delito. Entre
os estudos criminológicos, estão os da Escola Clássica, guiadas pela filosofia iluminista
e da Escola Positivista, em que se destacam Cesare Lombroso, que, em seus estudos,
caracterizava o criminoso como um ser degenerado; Enrico Ferri, apresentando a
sociologia criminal e Rafael Garófalo, que defendeu a pena capital. A Escola Positivista
apresenta o crime como “[...] um fato humano originário de fatores individuais, físicos e
morais” (MORAES; FRANCESCO; IGLESIAS, 2017, p.27). As Escolas Clássica e
Positivista embasaram a formação de outras correntes teórica-filosóficas da
criminologia e do direito penal, em período mais atual, no século XIX, fundou-se, ainda,
a criminologia crítica para contestar as ideias positivistas.
A teoria da criminologia crítica analisa o Sistema Penal em suas falhas e o
classifica como perpetuador da criminalidade e das lutas sociais, pois favorece a
permanência do poder da elite e a dominação das classes desfavorecidas. No Sistema
Penal brasileiro verifica-se uma alta população encarcerada o que demanda cada vez
mais recursos do governo, falta de presídios, além da falta de cumprimento da Lei de
Execução Penal que prevê que cada preso seja classificado e alocado de acordo com a
sua periculosidade, porém a população dos presídios são de apenados julgados por
diferentes delitos, além de suspeitos que aguardam julgamento (PINTO, 2006).
Em contestação da criminologia liberal e positiva surge a teoria do
etiquetamento (labelling approach), que, segundo Santos (2014) define o crime e a
reação social como produtos de interação social. Apesar dessa teoria dar um passo na
direção do rompimento com as perspectivas criminais anteriores, ainda não consegue
desvincular-se dos conceitos estruturais-funcionais, psicológicos e outros:

[...] embora tenha sido uma teoria de médio alcance, incapaz de oferecer
crítica macrossociológica, tal limitação não conseguiu lhe retirar o caráter
deslegitimador. Os limites do labelling significaram, apenas, que o estudo
insuficiente tinha que ser completado, nunca desqualificado (SANTOS, 2014,
p.4).

Porém, a criminologia crítica surge para romper com os pressupostos da


criminologia liberal da Escola Clássica e da Escola Positiva, o modelo da ênfase à uma
análise do fenômeno criminal por uma ótica histórica-analítica, considerando fatores
macrossociológicos, como a acumulação de bens e microssociológicas, como a
rotulação das classes e cidadãos (SANTOS, 2014).
Dessa forma, a criminologia crítica substitui o caráter patológico do delinquente
defendido pela Escola Positivista:

[...] sustentou-se o caráter normal do crime, constatou-se a existência de


mecanismos de socialização aos quais as pessoas são expostas pela
estratificação social, verificou-se a aprendizagem social do crime, entre
outras teorias sociológicas que foram aplicadas ao fenômeno criminal
(LOPES, 2018, p.3).

O crime, assim, passa a ser visto como construção social ligado a fatores
deterministas e o Sistema Penal considerado como o próprio criador da criminalidade,
além de selecionar discriminatoriamente os indivíduos: “A partir das conquistas teóricas
advindas de paradigmas da criminologia crítica, a lógica de operacionalidade do sistema
penal pôde então ser explicitada” (FLAUZINA, 2006, p.22).
Santos (2014) afirma que o direito fundamentado nos princípios de liberdade,
igualdade e fraternidade (direito liberal positivista), do bem comum não questionam a
noção de divisão social, contradição de classes, opressão, expropriação da mais-valia do
trabalho excedente não remunerado etc. Para a Criminologia crítica a prevalência do
Direito Penal e do Sistema de Justiça Criminal perpetua as desigualdades sociais:

Assim, através das definições legais de crimes e de penas, o legislador


protege interesses e necessidades das classes e categorias sociais
hegemônicas da formação social, incriminando condutas lesivas das relações
de produção e de circulação da riqueza material, concentradas na
criminalidade patrimonial comum, característica das classes e categorias
sociais subalternas, privadas de meios materiais de subsistência animal: as
definições de crimes fundadas em bens jurídicos próprios das elites
econômicas e políticas da formação social garantem os interesses e as
condições necessárias à existência e reprodução dessas classes sociais. Em
consequência, a proteção penal seletiva de bens jurídicos das classes e grupos
sociais hegemônicos pré-seleciona os sujeitos estigmatizáveis pela sanção
penal - os indivíduos pertencentes às classes e grupos sociais subalternos,
especialmente os contingentes marginalizados do mercado de trabalho e do
consumo social, como sujeitos privados dos bens jurídicos econômicos e
sociais protegidos na lei penal (SANTOS, 2014, p.11).

Assim sendo, Baratta (2012) reforça a crítica de Santos (2014) afirmando que a
criminologia crítica se dá pela superação das patologias criminais da Escola Positiva e
pelos conceitos de livre arbítrio da Escola Clássica, considerando uma análise de
aprendizagem e construção social como fator preponderante para o delito.
A Escola Clássica se deteve à análise do crime e a Escola positiva do
delinquente, atribuindo, a este, modelos genéticos e biológicos, dando origem a
Criminologia Clínica, a qual realizava estudos laboratoriais para formular meios de
ressocialização do sujeito. Analisando as lacunas deixadas pelas duas Escolas, surgiu a
Criminologia crítica, ou radical, que parte do estudo do crime como criminalização, isto
é, defende que há uma construção social do crime e do criminoso para a perpetuação das
desigualdades sociais:

A impessoalidade inerente ao uso de prognósticos de risco e a relação


abstrata com a questão criminal que instaura são brutais formas de
esvaziamento do conteúdo ético nas relações humanas em função de um
interesse utilitário. De fato, contra a instrumentalização estatística do sistema
punitivo e mecanização da violência, o sujeito tem pouca capacidade de
resistência. Resta-lhe apenas buscar socorro, de uma forma um tanto
quixotesca, nos direitos inerentes à cidadania (DIETER, 2012, p.190).

Nesse ponto, Baratta (2012), Dieter (2012) e Santos (2014) são assertivos ao
defender que a solução para a redução da criminalidade é o ajuste econômico e a
equidade política no tratamento das classes sociais. Baratta (2012) afirma que essa
teoria se difere das teorias anteriores por sua crítica e objeto de estudo, sendo este, o
crime e os meios de controle, analisando-os por uma abordagem materialista dialética.
O racismo vem sendo debatido e praticado de diferentes ângulos e perspectivas
na sociedade brasileira. A partir da década de 1920 teve ascendência a teoria de
harmonização racial, tentando negar a existência do racismo no país. Nesse discurso, há
a diluição do passado colonial, porém, tal passado é aquele em que as elites não querem
abrir mão:
[...] nos destacamos com o maior regime de trabalhos forçados que a
humanidade já conheceu: escravizamos mais e por mais tempo. Também não
é novidade que para tanto foi utilizado, em nome de Deus ou da ciência, o
racismo como teoria que justificava a exploração dos africanos, por sua
defasagem civilizatória ou inferioridade intrínseca (FLAUZINA, 2006, p.36).

A criminalidade e a população negra caminharam por produções que lhes


impunha o crime afetando a imagem do negro e o racismo manchando a imagem do
sistema.:

A instabilidade dos direitos aportados constitucionalmente para o segmento


negro é contraposta pela garantia das violações que não encontram espaço
para a contestação efetiva em parte alguma. Como pontuado anteriormente, o
controle do direito à vida, ou melhor, a disponibilidade de se decretar a morte
das pessoas negras, a necropolítica (FLAUZINA, 2019, p.69).

Nesse sentido, é notada uma atuação intencional nas esferas jurídicas e políticas,
tendo no sistema criminal, o centro da produção genocida em “apetite incessante por
carne negra” (FLAUZINA, 2019, p.70). O racismo motivador de genocídios está
presente em todos os governos, incluindo os progressistas, o que demonstra a
complexidade do racismo no Brasil.

2.1 Colonialidade do poder punitivo – Caso Genivaldo de Jesus

A colonialidade do poder é compreendida a partir da percepção da alta


seletividade do Sistema Penal Brasileiro. É por meio do controle social que são
determinados os comportamentos que serão punidos. O controle social é exercido de
diversas formas na sociedade, seja por meio de relações informais como na família, na
escola e pela mídia, por meios formais como pela polícia, pelos asilos ou pela justiça,
em que há a aplicação de regras formuladas pelo direito penal, sendo essa a justiça penal
(RIBEIRO, 2010).
É por meio do controle social que são determinados os comportamentos que
serão punidos. O controle social é exercido de diversas formas na sociedade, seja por
meio de relações informais como na família, na escola e pela mídia, por meios formais
como pela polícia, pelos asilos ou pela justiça, em que há a aplicação de regras
formuladas pelo direito penal, sendo essa a justiça penal (RIBEIRO, 2010).
O sistema criminal não pode ser considerado estático e sim passível de
transformações de acordo com a dinâmica das relações sociais, pois como elucida
Ribeiro (2010), no Brasil colonial, os escravos que fugiam de seus senhores estavam a
cometer um crime gravíssimo, porém, após as transformações nas relações sociais por
pressões de setores abolicionistas e no mercado econômico, os crimes cometidos por
escravos já não eram validos, sendo absolvidos e retirados do Sistema Penal.
A construção da criminalidade se faz por meio do sistema de controle social
informal e oficial, de forma a, parcialmente, selecionar os criminosos. A criminologia
crítica não aceita o caráter universal e consensual do crime, mas sim o liga a fatores
estruturais da sociedade, diferente das escolas anteriores. Pinto (2006) critica o Sistema
Penal brasileiro afirmando que há um desacordo entre os três Poderes: Legislativo,
Executivo e Judiciário para a redução da criminalidade e manutenção da paz social, o
que pode ser notado analisando fatos como: o excesso de condenações para penas
restritivas de liberdade; a falta de Defensoria Pública pelos estados; a quase não
utilizada progressão de regimes; a falta de aplicação de penas alternativas à restrição de
liberdade e a não obediência a Lei de Execuções Penais.
Para Pinto (2006) a criminalidade é agravada por fatores socioeconômicos que
espalham a miséria e o ócio, além da falta de investimentos no sistema carcerário que
impacta nos programas de ressocialização do apenado. Baratta (2012) afirma que há a
necessidade da aplicação de penas alternativas para a punição. No Sistema Penal
Brasileiro, a inserção de alternativas penais compreendeu o desafogamento do sistema
penal, porém, além de não resolver a situação supersaturada do encarceramento, ainda,
levou ao judicial, eventos que, normalmente, não seriam punidos pela justiça, como
briga de vizinhos entre outros (BATISTA, 2011).
A solução para o problema do Sistema Penal, justificado pela condição de
igualdade judicial que vai além do caráter punitivo, somente é possível compreendendo
todo o sistema estrutural que promove as desigualdades nas relações tanto de produção
quanto de distribuição de bens aliado a escuta e providência das necessidades
emergentes das classes mais vulneráveis (RIBEIRO, 2010).
Baratta (2012) afirma que o sistema criminal deve ser reformado, pois se
configura em uma forma de manutenção do poder da elite, que escolhe quais são as
condutas desviantes e, também, quem serão seus criminosos. Diante disso, é necessário
partir das necessidades subalternas para estabelecer as políticas criminais, verificando as
condutas que serão criminalizadas de forma diferenciada em classes subalternas e
dominantes, aplicando a tutela penal sobre bens essenciais para a vida da comunidade e
dos indivíduos.
Ressignificar o cárcere a partir da consciência de que essa se configura em uma
Instituição falida que não é capaz de controlar a criminalidade, de praticar a reinserção
social do apenado e, apenas, contribui para o aumento da marginalização e avaliar a
sustentação da opinião pública para a legitimação do sistema penal. Almeida (2018)
indica que o racismo está instalado nas instituições:

[...] a desigualdade racial é uma característica da sociedade não apenas por


causa da ação isolada de grupos ou de indivíduos racistas, mas
fundamentalmente porque as instituições são hegemonizadas por
determinados grupos raciais que utilizam mecanismos institucionais para
impor seus interesses políticos e econômicos. O que se pode verificar até
então é que a concepção institucional do racismo trata o poder como
elemento central da relação racial. Com efeito, o racismo é dominação. É,
sem dúvida, um salto qualitativo quando se compara com a limitada análise
de ordem comportamental presente na concepção individualista (ALMEIDA,
2018, p.27).

Dessa forma, avaliando a questão do sistema penal, que segundo Pinto (2006) e
Batista (2011) são completamente ineficazes e insuficientes para o controle da
criminalidade, atuando apenas por apelos sexistas, racistas e discriminação de classe.
Esse fato se justifica pelo massivo aumento de apenados, tem-se duas vertentes da teoria
crítica: o abolicionismo e o direito penal mínimo.
A vertente abolicionista defende a abolição de todo o sistema penal, pois
compreende que o sistema penal atual é uma fábrica de criminosos. Para controlar o
crime, a sociedade substitui o Estado nas responsabilidades das funções penais. A teoria
abolicionista se faz por três vertentes em que a primeira, marxista, explica o Sistema
Penal como mais uma estrutura do capitalismo que legitima o poder da elite, dessa
forma, instrumento de domínio e controle do Estado sobre o povo (ZAFFARONI,
1996).
Já a segunda vertente, denominada fenomenológica, afirma que o Sistema
carcerário é inútil pois não resolve a criminalidade, mas sim a agrava, dessa forma deve
ser eliminado e substituído por práticas de controle criminal no âmbito privado, além da
eliminação de todos os termos como crime e criminalidade, para que o crime seja
estruturado como problema social.
A terceira vertente, a fenomenológica-historicista afirma que a ineficácia do
Sistema Penal se explica pela historicidade das relações sociais. Compreende-se que
para a corrente abolicionista os crimes devem ser corrigidos por medidas restaurativas
com a participação de toda a sociedade. Batista (2011) afirma que o Brasil intensificou o
policiamento de acordo com as políticas punitivas, que por mais transformações que
tiveram, ainda deposita seu medo no negro.
Baratta (2012) ao propor o Direito Penal Mínimo explica-o como baseado
integralmente nos Direitos Humanos, de forma a reduzir o sistema carcerário e
humanizar as punições, pois reconhece que o Sistema Penal é seletivo e promove
desigualdade social. Dessa forma, no Brasil, a intenção é proteger os que não estão no
poder por meio da limitação das punições fundamentadas nos Direitos Humanos. Para
que tal proposta possa ser adequada à realidade brasileira, deve-se considerar uma
reestruturação em toda as esferas sociais. Batista (2011) afirma que são alguns tópicos
que devem ser trabalhados para superar um sistema sucateado e promover uma política
criminal justa e humanizada que busque nas causas estruturais soluções para o controle
e redução da criminalidade no Brasil.
Entre as recomendações da autora, estão: mudanças nas políticas de
criminalização de drogas, promovendo a legalização, descriminalização de crimes
patrimoniais sem violência, abrir os muros das prisões para a comunicação com o
mundo, impedir a penalização de familiares de apenados, promover as políticas de
desarmamento, diminuir o número de policiais e torna-los agentes da defesa civil para
que se finde a guerra contra os pobres, Liberação do segundo emprego para policial e
bombeiro, fortalecimento e ampliação da Defensoria Pública, e fim da divulgação de
suspeitos e “noticiários emocionalizados” do crime por noticiários que interferem no
julgamento (BATISTA, 2011, p.115).
Flauzina (2019) elucida o genocídio negro como a naturalização da dor, pois nas
práticas escravistas, houve a sistematização da violação dos corpos, a colonialidade
punitiva atua pela desumanização, pelo imaginário da tortura e a morte como naturais ao
destino do negro:

A incapacidade de se reconhecer a dor quando ela é infligida diretamente em


carne negra é, portanto, um pressuposto fundamental do genocídio. Em
outras palavras, é preciso entender que as dinâmicas do terror racial
conseguiram expropriar o sentido de humanidade de forma tão brutal dos
corpos negros que o sofrimento imposto a esse segmento populacional não é
socialmente inteligível (LAUZINA, 2019, p.65).

O genocídio negro tem seu início com a criminalização da dor das mães, por
meio da culpabilização dos desvios de seus filhos. São fabricadas as criminalidades,
tanto pelo descaso estatal quanto pelas evidências plantadas. Em verdade, o estado
democrático de Direto é sustentado pelas desigualdades, pois a garantia dos direitos
constitucionalmente afirmados é válida desde que não rompa com a ordem de poder
(LAUZINA, 2019). O direito a vida e a necropolítica aparecem nas agendas do poder
vigente nas sociedades contemporâneas:

Assim sendo, os avanços em termos de consolidação de direitos para a


população negra, fruto de intensa mobilização da militância, não são lidos
como parte de conteúdos que compõe um acervo constitucional a ser
preservado. Ao contrário, são taxados como penduricalhos do politicamente
correto que podem ser suprimidos a qualquer tempo. A instabilidade dos
direitos aportados constitucionalmente para o segmento negro é contraposta
pela garantia das violações que não encontram espaço para a contestação
efetiva em parte alguma (LAUZINA, 2019, p.69).

O meio mais eficaz de exercer o genocídio negro é a partir do sistema de justiça.


A questão do racismo e do genocídio negro se mostra complexa no Brasil, pois, apesar
do governo aderir a algumas reivindicações dos movimentos negros, atua com a
mitigação da vida (LAUZINA, 2019).
No dia 25 de maio do ano de 2022, Genivaldo de Jesus foi morto após uma
abordagem da Polícia Federal no município de Umbaúba, em Sergipe. Genivaldo, ao
pilotar uma motocicleta foi abordado por Paulo Rodholfo Lima Nascimento, Kleber
Nascimento Freitas e Willian de Barros Noia. Os vídeos do local mostram quando os
policiais imobilizam o homem com golpes de pernas em seu pescoço, depois, o
algemam e mantém seus pés amarrados.
Genivaldo foi trancado no porta-malas da viatura policial, o local foi infestado
de gás jogado pelos policiais. A vítima ainda se debate com os pés para fora do porta-
mala, mas os policiais forçam com que o homem permaneça ali o fechando. Na
prestação de esclarecimentos, os policiais afirmaram que Genivaldo teve reação
agressiva diante da abordagem policial, necessitando de imobilização de menor
potencial para a sua contenção. Ainda, afirmaram que durante a trajetória para a
delegacia, o homem sofreu de um mal-súbito:

Nas imagens gravadas por testemunhas e amplamente divulgadas pela mídia


e nas redes sociais, é possível ver que Genivaldo, indefeso e desarmado, não
apenas não oferece nenhuma resistência, como chega a erguer os braços,
indicando a intenção de colaborar (MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL,
2023, p. 2).
Os laudos legais informaram que sua morte foi causada por insuficiência
respiratória aguda e asfixia mecânica. Genivaldo deixou esposa e um filho de oito anos,
sendo o caso motivo de protestos e afastamento dos policiais envolvidos. Como parte da
comoção popular, a Educafro Brasil educação e cidadania de afrodescendentes e
carentes e Centro Santo Dias de direitos humanos, prestou queixa judicial por meio do
Processo Judicial Eletrônico n. 0802705-98.2022.4.05.8500 em desfavor da União
exigindo reparação de danos morais coletivos e social infringidos à população negra. No
relatório emitido pelo Ministério Público Federal, pode-se contemplar a seguinte
narração:

(…) Na tarde do dia 25 de maio de 2022, Genivaldo de Jesus Santos, cidadão


negro de 38 anos, foi brutalmente torturado e assassinado com requintes de
perversidade por agentes da Polícia Rodoviária Federal de Sergipe. Os
policiais rodoviários federais asfixiaram Genivaldo dentro de uma "câmara
de gás" montada no porta-malas de uma viatura da Polícia Rodoviária
Federal, no município de Umbaúba, litoral sul de Sergipe (MINISTÉRIO
PÚBLICO FEDERAL, 2023, p.1-2).

As testemunhas que estavam no local, dentre as quais, o sobrinho de Genival


afirmou que Genivaldo não havia demonstrado resistência à abordagem policial, sendo,
no momento em que os policiais viram um remédio para problemas mentais com a
vítima, o início das agressões policiais e investidas contra Genival. As testemunham
afirmaram que o caso remete a outros ocorridos no exterior, como o caso de George
Floyd assassinado por um policial na cidade de Minneapolis, nos Estados Unidos e
Alberto de Freitas assassinado por seguranças privados de um supermercado no ano de
2020.
A prática de asfixia cometida pelos policiais chegou a ser comparada com as
técnicas de alemães na Segunda Guerra Mundial, com as câmaras de gás que tirou a
vida de inúmeros judeus:

Com requintes de crueldade, um dos policiais segura a tampa do porta-malas


para assegurar que ela continue fechada e que desse modo Genivaldo não
consiga respirar e seja asfixiado pela fumaça tóxica, enquanto o outro joga,
dentro do espaço fechado, quantidade extra do gás. Toda a cena é assistida
por dezenas de testemunhas que, segundo demonstram os vídeos, preferiram
manter distância dos policiais. "Vai matar o cara aí dentro", diz um deles
(MINISTÉRIO PÚBLICO FERERAL, 2022, p.3).

Ainda, a nota do Ministério Público Federal ainda informou que a Polícia


Rodoviária Federal do Sergipe reconheceu as atrocidades praticadas pelos policiais de
sua corporação afirmando que instalaram inquéritos para apurar os pormenores do crime
cometido. Quanto as medidas preventivas contra o abuso praticado pelos policiais, foi
informado que seriam instaladas câmeras nas viaturas e fardas dos policiais, aplicação
de questões expressas sobre o racismo estrutural e institucional nos concursos de
admissão para novos policiais, incluir professor afro-brasileiro para ministrar aulas que
enfatizem o combate ao racismo institucional e estrutural, contratar empresa
especializada em avaliação comportamental da Polícia referente às ações racistas,
conscientizar os agentes públicos sobre o caráter criminoso das práticas racistas,
construção de protocolo para o uso da força em pessoas negras e multa de R$100.000 a
qualquer violação das recomendações feitas pelo Ministério Público Federal
(MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, 2022).
Almeida (2019) afirma que o racismo é um ato político pelo seu processo
sistematizado que influencia a organização da sociedade. O racismo está tão
naturalizado na sociedade brasileira que, até mesmo os críticos de que as ações
antirracistas podem gerar o racismo de minorias contra maiorias, utilizam o termo
“reverso”, isto é, o racismo deslocado de seu local natural, o racismo realizado de modo
atípico.
Os argumentos de racismo reverso servem somente como tentativa de
deslegitimar as causas antirracistas, pois, pessoas brancas “não perdem vagas de
emprego pelo fato de serem brancos, pessoas brancas não são “suspeitas” de atos
criminosos por sua condição racial” (ALMEIDA, 2019, p.35).
Casos como o de Genivaldo de Jesus reafirmam e legitimam o racismo
institucional, aquele que parte dentro do âmbito dos órgãos públicos que, em tese,
deveriam proteger os cidadãos. Ao não dar a devida atenção às desigualdades raciais
inscritas na sociedade, o governo colabora para a institucionalização do racismo,
custando a liberdade, dignidade e vida negra.
Nota-se, que mesmo com os direitos humanos constitucionalmente afirmados
para todos, sem distinção de gênero e raça, há indisponibilidade de tal leitura tratando-
se das práticas de extermínio sistemático da população negra periférica no Brasil. Há a
criminalização precária e pontual de policiais, porém sem afetar o sistema que produz o
genocídio, tornando as torturas e mortes práticas de exceção e incidente, quando na
verdade não é reconhecido que existe um padrão, o qual tem urgência em ser
desmobilizado (FLAUZINA, 2019).
2.2 Caso Claudia Ferreira

Em uma das operações policiais no Morro do Congonha – RJ, Claudia Ferreira,


de 38 anos de idade, foi baleada no pescoço e nas costas. Claudia era auxiliar de
serviços gerais e na manhã do dia 14 de maio de 2014 havia saído de sua casa para
comprar pão quando se viu em meio ao tiroteio inerente a operação policial. Claudia foi
posta no porta-mala da viatura pois naquele momento os policiais afirmaram que a
levariam ao hospital, porém, amigos e vizinhos não queriam deixar o corpo de Claudia
ser levado (LIMA, 2015).
Mesmo diante de protestos, Claudia foi levada com o porta-malas aberto por
uma estrada, seu corpo, naquele momento já sem vida, caiu do porta-malas, porém
manteve-se preso por um pedaço da roupa da mulher. Claudia foi arrastada pela estrada
por cerca de 250 metros. Pedestres e outros motoristas que passavam pela estrada
tentavam alertar os policiais, porém sem sucesso. Civis que estavam no local filmaram o
ato de extrema violência policial, gerando comoção e apelo para que providências
fossem tomadas (LIMA, 2015).
Os corpos negros, na sociedade capitalista são idealizados como mercadorias,
moedas e máquina a partir da destituição de sua racionalidade. A construção da visão
pejorativa do negro o levou da escravidão à alocação para as favelas, morros e cortiços,
evidenciando que mesmo ao fim da escravidão, a população negra não foi incluída na
sociedade:

A marginalização social do negro e a sua construção como coisa ou


mercadoria de pouco valor constituem alguns dos efeitos de uma perversa
herança colonial que se perpetua, sob a forma de atos de fala, com grande
poder performativo sobre a sociedade brasileira contemporânea
(BOAVENTURA; CARVALHO, 2018, p.98).

Uma das dimensões que demonstram a naturalização do racismo e a


marginalização das pessoas que se inserem nas periferias, favelas e cortiços é o caso de
Claudia Ferreira, que, nas redes sociais e meios midiáticos ficou massivamente
conhecida como “mulher arrastada”. Boaventura e Almeida (2018) afirmam que a
mulher branca de classe média tem nome e sobrenome, já a mulher negra, pobre não
tem rosto, nome e nem sobrenome é apenas a “mulher arrastada”.
Pellicione (2020) revelou que depois de 6 anos que o crime contra Claudia havia
ocorrido, os culpados seguiam impunes. A primeira audiência do caso ocorreu na 3ª
Vara Criminal apenas no ano de 2019. Os policiais envolvidos no assassinato de Claudia
foram Rodrigo Medeiros de Boaventura que comandava a patrulha, Zaqueu de Jesus
Pereira Bueno, sargento presente na viatura e, por modificarem a cena do crime,
retirando Claudia do local em que foi assassinada, respondem por fraude, os subtenentes
Rodney Arcanjo e Adir Serrano, o cabo Gustavo Ribeiro Meirelles e o sargento Alex
Sandro da Silva.
Como resultado do funcionamento institucional, o racismo tem gerado a
privação da liberdade e dos direitos das pessoas negras, pois como é possível notar, no
caso de Claudia, não foram aplicadas penas administrativas aos agentes públicos que
cometeram o crime, nem foi aberta investigação para saber se os agentes podem
continuar na corporação (PELLICIONE, 2020).
A omissão do Estado e das instituições diante do racismo fortificam a atuação
dos mecanismos discriminatórios. Apenas pelos conflitos no interior das instituições é
possível reverter padrões, comportamentos e funcionamento, ressignificando o conceito
de raça a partir da voz das minorias. O racismo institucional é sutil, muito menos
evidente do que o racismo institucional (ALMEIDA, 2018).
Nota-se, que nos casos apresentados, diante dos protestos e da comoção popular,
foram abertos inquéritos públicos de investigação criminal e, no caso de Genivaldo, os
autores do crime foram punidos. Institucionalmente, entretanto, os policiais que tiraram
a vida de Claudia, violando sua dignidade e seus direitos não foram penalizados, não
sofreram investigações e inquéritos que pudessem romper com a sua permanência
dentro da corporação policial.
Almeida (2018) explica que a partir do racismo institucional são repassados
valores a todo o contexto social. As instituições fazem parte de estruturas preexistentes,
as quais apresentam suas tensões, conflitos e contradições, de forma que o racismo que
tais instituições expressam é parte, também da sua estrutura:

[...] se há instituições cujos padrões de funcionamento redundam em regras


que privilegiem determinados grupos raciais, é porque o racismo é parte da
ordem social. Não é algo criado pela instituição, mas é por ela reproduzido
(ALMEIDA, 2018, p.31-32).

O racismo é institucional porque é estrutural, isto é, já são práticas consideradas


normais na sociedade, facilitando a reprodução das instituições e o fortalecimento cada
vez maior da sua naturalização. O sistema penal mantém o vínculo com os projetos de
controle formulados pelo Estado para que haja a manutenção da ordem vigente
ALMEIDA, 2014). O sistema penal brasileiro, carrega herança escravocrata, trazendo
sua vinculação com o passado colonial:

[...] se há instituições cujos padrões de funcionamento redundam em regras


que privilegiem determinados grupos raciais, é porque o racismo é parte da
ordem social. Não é algo criado pela instituição, mas é por ela reproduzido
(ALMEIDA, 2014, p.109).

Ao negro não há identidade para que seja possível forjar a sua noção de grupo,
estando mais susceptível às manipulações e ao domínio colonial que se arrasta para a
contemporaneidade pela eterna vigilância e controle da identidade negra.
CAPÍTULO 3 – TRIBUNAL DE RUA

Na presente seção pretende-se abordar as ideias por trás da exclusão e


preconceito contra negros, mulheres, pobres e minorias diversas no Brasil. Verifica-se
na literatura jurídica, que as ideias iniciais que associam o negro como um criminoso
são oriundas da escola de criminologia positivista. O conceito positivista da
criminologia pode ser considerado dogmático, pois apresenta sua premissa central como
verdade inquestionável, e a partir da certeza desse conceito inicial, ramificam-se outras
teorias (DEMIRANDA, 2017).
A verdade inquestionável do positivismo, é o determinismo biológico, ou seja,
alguns indivíduos estão determinados biologicamente a praticarem atos delituosos,
sendo incorrigíveis por sua natureza. Dessa forma, é necessário que sejam afastados da
sociedade. Dentro desse contexto, surgem ideias de teóricos como Rafael Garófalo
(1831-1934), jurista e criminólogo italiano que, adepto da teoria positivista, acreditava
que a tendência ao crime era algo inato em algumas pessoas, portanto defendia soluções
extremamente radicais para os criminosos natos, ou criminosos atávicos (SILVEIRA,
2020a).
O principal expoente das ideias positivistas na América Latina foi Cesare
Lombroso (1835 - 1909), ainda que sua teoria estivesse superada na maior parte da
Europa, as teorias de Lombroso influenciaram o código penal dos países latino-
americanos.
Lombroso, positivista criminologista italiano, realizou estudos em prisões no sul
da Itália para estudar as características físicas dos encarcerados, visando encontrar
semelhanças entre eles, numa tentativa de distinguir os criminosos atávicos do restante
da sociedade. O Estado, assim, poderia agir de maneira preventiva, e segregá-los da
sociedade antes que cometam crimes violentos (SILVEIRA, 2020b).
Dentro desse contexto, Lombroso (1897) agrega todos esses conceitos em e
realiza um estudo estatístico objetivando encontrar semelhanças físicas entre os
criminosos encarcerados no sul da Itália, para determinar a relação entre característicos
traços físicos com atitudes criminosas. Dessa forma, Lombroso (1897) afirma que
conseguiria determinar antecipadamente a pré-disposição para o crime seguindo os
traços físicos padrões por ele já descrito.
Como resultado, Lombroso determinou que algumas características são comuns
entre os criminosos, como: orelhas avantajadas, crânio pequeno (indicando pouca
inteligência de acordo com o a frenologia), braços muito cumpridos, insensibilidade a
dor, pelo fato de os criminosos possuírem tatuagens, assimetria facial, e até mesmo
características étnicas, como ciganos, turcos e negros (LOMBROSO, 1897)
No entanto, fazia distinção entre criminosos natos e pessoas que cometem
crimes não sendo biodeterminados às condutas criminosas, e dividiu os criminosos em
cinco categorias, sendo elas: 1º: Criminoso insano, condição psíquica inata ou adquiria
do indivíduo que o compele a realizar atos delituosos. 2º Criminoso Matóide: Individuo
sem as características físicas de degeneração ou subdesenvolvimento, inteligentes e bem
apessoados. 3º: Criminoso ocasional: Que comete o crime para suprir uma necessidade
momentânea, como a fome. 4º: Criminoso passional, que tomado por forte emoção
como a raiva, ciúmes, ou vingança comete o crime, no entanto tende expressa remorso
após o ato. 5º: Criminoso atávico: Delinquente por natureza, irrecuperável. (SILVEIRA,
2020a).
Apesar de seus estudos terem sido acompanhados de perto pelos teóricos
positivistas do século XIX, nas décadas seguintes, as teorias de Lombroso não se
mostraram assertivas, pois apenas por características físicas ou étnicas, não é possível
determinar a personalidade e o caráter dos indivíduos e, portanto, seus estudos já
haviam sido superados na Europa, no século XX (SALOMÃO. BELOTTI. COSTA,
2019).
Tem-se então, como característica do positivismo criminológico a seletividade
penal e o encarceramento de determinados indivíduos sem comprovação do delito,
baseado apenas, em aspectos sociais, étnicos e culturais, e a não prisão de outros
indivíduos com características determinadas como adequadas pelo Estado, independente
da comprovação de atos delituosos. Ou seja, cria-se no imaginário popular a percepção
de culpa de determinados indivíduos, ainda que não haja comprovação que esse
indivíduo tenha cometido qualquer ato delituoso. (BARBOSA, 2017).
Em que pese a Constituição Federal de 1988 e todos os dispositivos penais
infraconstitucionais afirmarem o tratamento igualitário e justo para os suspeitos e réus,
garantias de direitos fundamentais e garantias processuais, em que a discriminação é
vedada, Salomão; Belotti; Costa (2019) afirmam haver na sociedade e nas organizações
do Estado, resquícios velados das teorias de Cesare Lombroso.
No Brasil, as características físicas e comportamentais que Lombroso atribui aos
criminosos incorrigíveis não são tão utilizadas, havendo foco em características sociais
e étnicas, especialmente na polícia, em que os negros e indivíduos que se vestem ou se
portam de forma específica são perseguidos e julgados como criminosos antes que seja
realizada abordagem ou que haja nenhum indício de atividades criminosas.
Dessa forma, dada a influência das ideias de criminalistas positivistas como
Lombroso, Salomão; Belotti; Costa (2019) afirmam que o criminoso no Brasil foi
estudado como um ser complexo, cujo atividades ilícitas praticadas eram relacionadas
ao seus aspectos mentais e fisio-biológicos. Os autores afirmam que os Códigos penais
de 1890 e 1940 possuíam clara influência de tais ideias positivistas.
A influência das ideias lombrosianas e do social-darwinismo na criminologia
brasileira e de demais países Latino-Americanos criou controles sociais contra
populações marginalizadas (BATISTA, 2003). Dessa forma, negros, pobres e
homossexuais, por serem minorias e grupos vulneráveis foram denominados de
“marginais”, criando o preconceito e exclusão contra estas e outras classes
(DEMIRANDA, 2015).
Ramos et al (2022) afirmam que teoricamente, todos os indivíduos que circulam
nas ruas como pedestres, ou no interior de qualquer meio de transporte podem ser
abordados pelas forças de segurança pública em uma operação policial, porém os
autores afirmam que em geral, características como comportamento, horário, localidade
e demais critérios prévios de suspeição.
A pesquisa dos autores demonstra que a polícia do estado do Rio de Janeiro
aborda mais homens, pessoas negras, pobres e moradores de favelas ou periferias:

A distribuição de idade, cor, gênero e local de moradia dos que foram parados
mais de 10 vezes é extremamente reveladora das características do elemento
suspeito do ponto de vista policial: 94% eram homens, 66% eram negros,
50% tinham até 40 anos, 35% moravam em favelas, enquanto 33% moravam
em bairros de periferia e 58% ganhavam de zero até três salários mínimos
(RAMOS et al, 2022, p. 13).

Como resultado dessa perseguição realizada por policiais e demais agentes do


Estado contra a população negra, periférica e marginalizada, ocorrem diversos casos de
tortura, violação dos direitos humanos, garantias processuais e demais direitos
Constitucionais, como no caso do cruel assassinato de Genivaldo de Jesus Santos, cujo
investigação e repercussões serão analisadas a seguir.
3.1 Análise das investigações

Após o bárbaro assassinato de Genivaldo de Jesus Santos, iniciou-se uma


investigação por parte da Polícia Rodoviária Federal, para averiguar as circunstâncias da
morte e a possibilidade de se iniciar um inquérito policial para a prisão dos policiais.
Em 25 de maio de 2022, a Polícia Rodoviária Federal divulgou uma nota
informando estar comprometida com “com a apuração inequívoca das circunstâncias
relativas à ocorrência no estado de Sergipe, colaborando com as autoridades
responsáveis pela investigação” (PRF, 2022, online). Em primeiro momento, a nota da
PRF justifica que a ação dos policiais foi motivada pela reação agressiva de Genivaldo
durante a abordagem policial. Por essa razão, foram utilizados técnicas de imobilização
e instrumentos de menor potencial ofensivo para conter o indivíduo abordado, que seria
conduzido para a Delegacia de Polícia Civil municipal:

Em razão da sua agressividade, foram empregados técnicas de imobilização e


instrumentos de menor potencial ofensivo para sua contenção e o indivíduo
foi conduzido à Delegacia de Polícia Civil em Umbaúba. Durante o
deslocamento, o abordado veio a passar mal e socorrido de imediato ao
Hospital José Nailson Moura, onde posteriormente foi atendido e constatado
o óbito (PORTAL G1, 2022a, online).

Em 28 de maio de 2022, o policial Territo, chefe da comunicação institucional


da PRF divulgou um vídeo na plataforma Youtube, em que pretende esclarecer os fatos
relativos ao assassinato de Genivaldo. No vídeo, o policial afirma ter assistido
indignado aos acontecimentos que levaram a morte de Genivaldo e que a PRF não
compactua com as ações adotadas durante a abordagem:

Os procedimentos vistos durante a ação não estão de acordo com as diretrizes


expressas em cursos e manuais da instituição [...] Afirmo que estamos
estudando os procedimentos internos de formação de aperfeiçoamento e
operacionais para ajustar o que for necessário para prestar o serviço de
excelência que o órgão vem fornecendo ao povo brasileiro. [...] Essa conduta
isolada não reflete o comportamento dos mais de 12 mil PRF, homens e
mulheres de honra, que anualmente abordam mais de 10 milhões de pessoas
que circulam pelas rodovias (YOUTUBE, 2022).

Imediatamente após o ocorrido, a PRF abriu um processo administrativo


disciplinar, afastando os policiais envolvidos e determinou que os fatos fossem apurados
por uma equipe interventiva, comprometendo-se com a transparência do inquérito
(YOUTUBE, 2022). O Ministério Público Federal, órgão responsável pelo controle
externo da polícia, também abriu uma investigação paralela a investigação realizada
pela PF, PRF e dos procedimentos administrativos da corregedoria da PRF (MPF,
Despacho de Autuação. PRM-PRP-SE-00000995/2022. Propriá/SE: MPF, 26/05/2022).
Todavia, Silva (2018) afirma que o inquérito policial, procedimento de
investigação que precede o processo penal, realizado pela polícia, que visa definir se há
justificativa para se abrir um processo penal, considerando os indícios de materialidade
e autoria não é um documento transparente, do contrário, é um procedimento escrito em
que a entidade policial visa ocultar os procedimentos que levam a produção de um
resultado e que é baseado na atribuição arbitrária de culpa.
A autora afirma ainda, apesar de nos manuais pertinentes, o inquérito é um
procedimento escrito, porém na realidade há a validação à posteriori das ações de
eugenia e controle social empregadas pelas forças policiais. Diversos inquéritos
atribuem a abordagem injustificada a um cidadão, ao tirocínio policial, uma espécie de
“sexto sentido”, que permite ao policial analisar o indivíduo e prever que este realizará
uma atividade criminosa (SILVA, 2018). Entretanto, na prática ocorre que as ações não
são baseadas em uma habilidade especial do policial, mas na eugenia e controle social
oriundos do racismo institucional:

O inquérito se inicia, portanto, a partir do gatilho operado pelo tirocínio


policial, da aplicação do filtro inicial de criminalização materializado nas
metarregras racializadas, na suspeição concretizada em captura e na
realização da prisão (do suspeito, como uma profecia autorrealizável). Essas
interações configuradoras e racializadas, operacionalizadas pela polícia,
distantes dos juízes e tribunais, iniciam o processo social criminalizador. A
polícia transforma essas práticas em linguagem dizível na oficialidade
burocrática e assim é composto o inquérito (SILVA, 2018, p. 236).

De acordo com este entendimento, Fogaça (2022) afirma ser indubitável a


presença do racismo institucional e práticas de controle social nas abordagens policiais e
procedimentos pré-processuais.
Daqui, extrai-se, a priori, que a morte de Genivaldo e outros diversos casos
similares são ações cometidas pela polícia com a intenção de controlar a população
negra, a açoitar, reproduzindo os procedimentos realizados durante o período
escravocrata e da Ditadura Militar no Brasil, enquanto o inquérito é o procedimento
administrativo cujo objetivo é acobertar as verdadeiras intenções da ação policial, e
dizer apenas “o que pode ser dito, de forma discursiva” (SILVA, 2018, p. 236).
O laudo do Instituto Médico Legal (IML) revelou que as circunstâncias da morte
de Genivaldo foi asfixia mecânica provocada por componente químicos presente em sua
corrente sanguínea, ou seja, o gás de pimenta que foi disparado contra a vítima
Genivaldo de Jesus Santos, enquanto este se encontrava preso no interior de uma viatura
policial imobilizado, foi a causa de sua morte (PORTAL G1. 2022b).
Segundo matéria do Portal g1 (2022b) as investigações da PF, MPF e PRF foram
iniciadas imediatamente após a divulgação do caso e a investigação da PF durou quatro
meses e concluiu que os agentes da PRF agiram de forma ilegal e não seguiram os
procedimentos da instituição durante a abordagem. Conclui ainda que os três policiais
investigados foram responsáveis pela morte de Genivaldo de Jesus Santos.
A investigação ocorreu de forma letárgica, visto que os vídeos que demonstram a
abordagem policial e os testemunhos dos transeuntes que testemunharam o bárbaro
assassinato deixam evidente que os agentes policiais agiram de forma cruel com
intenção de matar. Em que pesem os fatos e provas relativas ao caso, cobertura
midiática e ampla comoção nacional, com protestos realizados em todo o Brasil para
reivindicar justiça pelo assassinato, a investigação da PF durou quatro meses, sendo que
inicialmente, o prazo era de dois meses (G1, 2022a).
O inquérito da PF foi oficialmente entregue em 26/09/2022, em que os três
policiais foram indiciados por abuso de autoridade e asfixia sem meio de defesa
(MADEIRO, 2022). De forma geral, é possível compreender que a ação dos policiais
esteve de acordo com os padrões das polícias, em especial da Polícia Militar em regiões
periféricas com a população negra, carente e vulnerável, reproduzindo o racismo
institucional e a mentalidade policial, expressa com truculência, brutalidade e crueldade
contra essas populações. O inquérito da PF e as investigações realizadas buscaram
culpabilizar os agentes policiais envolvidos no assassinato, porém não suscitaram a
questão das práticas racistas, excludentes e de marginalização da população negra por
parte da polícia.

3.2 Análise da mídia

A mídia nacional e internacional cobriu amplamente o caso do assassinato e


Genivaldo de Jesus Santos, em que ficou evidenciado a brutalidade policial, suscitando
discussões acerca do assassinato em massa contra a população negra e sobre o papel da
polícia. Dentre as matérias selecionadas para compor a presente pesquisa, está:
“Dilemas da imprensa: Aline Midlej e o assassinato de Genivaldo de Jesus Santos”,
escrita por Samuel Pantoja Lima, no portal Observatório da Imprensa, em 14/06/2022.
O artigo destaca a atuação da jornalista Aline Midlej como “voz solitária” clamando por
justiça em uma emissora mainstream (LIMA, 2022).
Na primeira seção do artigo, verifica-se que o autor identifica a responsabilidade
do Estado, ao afirmar que “[...] O Estado mata, após brutal sessão de tortura, o cidadão
brasileiro Genivaldo de Jesus Santos, 38 anos, negro, casado, pai de dois filhos e
portador de esquizofrenia [...] (LIMA, 2022, online). Este trecho do artigo jornalístico
assume que como a força policial atua como longa manus do Estado, se utilizando do
monopólio da força e poder de polícia para cumprir suas atribuições com a autorização
do Estado, este é responsável pelos crimes praticados pelos homens que agem em seu
nome para garantir a ordem.
Rosa (2000) afirma que do ponto de vista jurídico, o Estado pode ser
responsabilizado pela ação dos policiais:

O Estado responde de forma objetiva com fundamento no art. 37, § 6º, da


C.F, pelos atos de seus agentes, que admite hipóteses de exclusão. A teoria
que vem sendo adotada não é a teoria do risco integral, onde qualquer dano
suportado pelo particular deverá ser indenizado, mas a teoria do risco
administrativo. Os Tribunais têm admitido esta teoria que permite ao Estado
demonstrar que não foi responsável pelo evento, o que poderá levar a
exclusão ou diminuição do valor pleiteado pela vítima a título de indenização
(ROSA, 2000, p. 109).

O artigo de Lima (2022) notícia de forma completa o caso Genivaldo e analisa a


posição da mídia tradicional e hegemônica, representada pelas empresas mainstream. O
autor afirma que nos primeiras dias, as manchetes midiáticas abordavam o assassinato, a
crueldade da ação, responsabilidade do Estado, citando a “câmara de gás” em que a
vítima foi assassinada, até timidamente citado a necropolítica, porém, após menos de
uma semana após o assassinato, as manchetes abordavam o crime de forma mais passiva
e indiferente, como: “homem morre em veículo tomado por fumaça”, “familiares pedem
justiça pela morte de Genivaldo”.
Verifica-se que as manchetes foram editadas de forma a evitar denominar a ação
como criminosa, sem chamar a atenção do leitor para o fato de ser mais um assassinato
entre outros milhares em que a vítima da polícia é negra, desarmada, à vista de
testemunhas durante o dia, sobre a brutalidade dos criminosos, semelhanças com o
assassinato do norte-americano George Floyd e sem o rigor necessário para noticiar um
bárbaro crime que chocou a sociedade. Para o autor, parte da cobertura jornalística da
grande mídia foi eivada de indiferença, falta de empatia, desfaçatez e passividade
(LIMA, 2022)
Ressalte-se que raros veículos jornalísticos abordaram a necropolítica em
editoriais, manchetes ou artigos. Um dos raros artigos que o fez, é intitulado “A morte
como política de Estado: o assassinato de Genivaldo faz parte da Necropolítica”, de
autoria do deputado estadual Reginaldo Lopes (PT/MG), ao portal “O tempo” (LOPES,
2022).
Neste contexto, Lopes (2022) afirma que o assassinato de Genivaldo de Jesus
Santos se insere no contexto da matança generalizada que ocorre de forma constante no
Brasil, que é entendido como o produto de um genocídio institucional, que acomete
mormente a população negra.
O conceito de necropolítica é proposto por Achille Mbembe (1957-atual),
filósofo natural de Camarões que afirma ser a política de gestão da morte, a submissão
da vida ao poder da morte (MBEMBE, 2011). Neste contexto, o autor define que surge
um novo conceito de soberania nacional, em que o Estado, no exercício de sua
soberania, possui o poder de decidir quem pode viver e quem deve morrer, ou seja,
“fazer morrer ou deixar viver”, que conforme informam Nogueira; Seixas e Alves
(2019) supera a definição de Foucault sobre o conceito de “biopoder”, em que se “fazer
viver e deixar morrer”.
Mbembe (2011, p. 71) afirma que o conceito de necropolítica e necropoder
propostos por ele, visam explicar as formas pelas quais as armas são fabricadas e
implantadas para destruir o maior número de pessoas possível na contemporaneidade,
criando “mundos da morte” em que emergem novas formas de existência social, em que
vastas populações são submetidas a condições de vida que lhes garante o status de
“mortos-vivos”, estando ainda vivos, aguardando apenas a decisão das autoridades para
ser assassinado.
Neste âmbito, Lopes associa a necropolítica ao assassinato de Genivaldo:

A morte no Brasil virou uma política de Estado, comandada por um


presidente que teve como símbolo de sua campanha dedos em riste formando
uma arma. Na Alemanha de Hitler, quando os tiros de armas de fogo já não
davam conta de assassinar todos aqueles que eram considerados inimigos do
regime, a tecnologia nazista criou as câmeras de gás. Impossível não associar
a elas o camburão tomado por gás lacrimogêneo que tirou a vida de
Genivaldo de Jesus Santos, no crime hediondo praticado por agentes da
Polícia Rodoviária Federal em Umbaúba, em Sergipe (LOPES, 2022, online).
No Brasil, à exemplo do caso de Genivaldo, há uma política, potencializada no
governo Bolsonaro, que confere caráter policial ao Estado, em que se institui o
genocídio institucional. O autor cita que a PRF esteve envolvida em outros assassinatos,
chacinas e ações letais no ano de 2022, o que demonstra a letalidade das entidades
policiais. Por fim, Lopes (2022) afirma que é necessário que em um Estado
democrático, os órgãos institucionais não permitam o progresso da necropolítica, e que
a polícia possua autorização para matar.
Quanto a repercussão internacional, a maioria das emissoras de mainstream
cobriram o caso de forma semelhante a imprensa mainstream brasileira, evitando
categorizar a ação como criminosa, citando trechos de entrevistas de testemunhas e
especialistas, mas se recusando a aderir tom mais forte contra a ação policial, a exemplo
da matéria “Brazilian Police kill mentally ill black man in squad car used as a gas
chamber”, publicado pelo portal eletrônico do jornal estadunidense “Daily Beast”
publicado em 27/05/2022. As matérias jornalísticas internacionais noticiaram sobre o
caso apenas após os primeiros dias da repercussão nacional e internacional acerca do
assassinato, demonstrando, assim como parte da mídia nacional, indiferença e
passividade (NADEAU, 2022).
Exceção é feita a portais e emissoras distantes do mainstream, como portais e
emissoras considerados alternativas ou independentes. A exemplo disso, há a
reportagem do portal “World Socialist Web Site”, publicado em 03/06/2022 (PARATI,
2022). A reportagem enfatiza a brutalidade da ação, a denomina de ataque contra
Genivaldo, relaciona a atuação truculenta e violenta da polícia com as medidas e
discurso do governo Bolsonaro e descredita a afirmação inicial da PRF, de que a vítima
teria sofrido um mal súbito dentro da viatura durante o percurso para a delegacia:

A sádica tortura pública e o assassinato de Santos provocaram a revolta dos


moradores da cidade, que bloquearam a rodovia onde ele foi morto,
queimaram pneus e levaram cartazes denunciando sua morte e pedindo
justiça. Nos jornais e nas redes sociais, muitos compararam o sufocamento de
Santos por asfixia à câmara de gás dos nazistas (PARATI, 2022, online,
tradução do autor).

No trecho acima exposto destaque-se que a reportagem se utiliza de termos mais


incisivos e tom mais crítico, além de enfatizar a reação popular ao ataque a Givanildo de
Jesus Santos. Portanto, ficou verificado que as matérias da grande mídia, em que pese
não tenham ignorado o ocorrido, foram realizadas em tom menos incisivo e crítico, se
limitando a informar os fatos. As matérias mais críticas, incisivas e com tom mais
agressivo em relação a ação dos PRF e do papel da polícia ficaram por conta da mídia
alternativa. Por fim, diversos portais jornalísticos seguiram noticiando os
desdobramentos da investigação, como o portal de Sergipe Infonet, que critica a
morosidade da justiça por, em 25/05/2023 ainda não ter julgado os assassinos de
Genivaldo (INFONET, 2023).

3.3 Consequências políticas e sociais

Imediatamente após o assassinato de Genivaldo, os moradores do município de


Umbaúba/SE realizaram protestos pacíficos pedindo justiça pelo assassinato de
Genivaldo. Os familiares da vítima organizaram e participaram dos protestos. Em
matéria de G1, escrita por Barreto (2022), consta que os protestos em Sergipe foram
realizadas de forma esporádica no decorrer do ano de 2022. Em setembro, manifestantes
protestaram contra a morosidade do processo de investigação e confecção do inquérito
policial, queimando pneus na estrada, bloqueando parte da BR-101 e expondo faixas e
cartazes demandando justiça e responsabilização penal dos policiais:
A manifestação foi realizada poucos dias após a conclusão do laudo do IML
sobre as causas da morte:

No começo deste mês, peritos do Instituto de Criminalística de Sergipe


concluíram que Genivaldo Santos, de 38 anos, morreu em virtude de uma
asfixia mecânica provocada por um componente químico em sua corrente
sanguínea. No entanto, não ficou atestado qual a substância foi inalada
durante a abordagem realizada por policiais rodoviários federais, em maio
deste ano (BARRETO, 2022 online).

Em outros Estados, manifestações também foram realizadas com o mesmo


intuito, como no Estado de São Paulo, em que manifestantes se organizaram e
promoveram um protesto em 27 de maio de 2022, dois dias após o assassinato de
Genivaldo, em frente à sede da PRF, expondo cartazes que denunciavam a violência
policial, referências a George Floyd e pedindo a prisão dos agentes da PRF (G1, 2022d).
Quanto ao espectro político, houve diversas manifestações de políticos da
oposição e apoio ao governo Bolsonaro. Entre a oposição, há o Projeto de Lei que busca
a indenização da viúva. A proposta protocolada por Reginaldo Lopes, João Daniel e
Márcio Macêdo, todos do PT, enseja o pagamento de pensão e indenização por parte do
Estado:

O projeto de lei estipula que a pensão mensal será paga aos herdeiros de
Genivaldo Santos (viúva e filho) equivalente ao limite máximo do salário de
benefício do Regime Geral de Previdência Social, hoje em R$ 7.087,22. Já a
indenização é estabelecida no valor de R$ 1 milhão, dividido em partes iguais
aos herdeiros. O projeto prevê que a despesa correrá à conta do programa
orçamentário Indenizações e Pensões Especiais de Responsabilidade da
União (OLIVEIRA, 2022, online).

Além disso, Humberto Costa (PT), presidente da CDH – Comissão de Direitos


Humanos já havia protocolado proposta de semelhante teor. No entender dos deputados,
o fato de Genivaldo possuir doença mental, não apresentar perigo à sociedade e já estar
imobilizado no momento da pulverização do gás lacrimogêneo no interior da viatura,
evidenciam a crueldade e irresponsabilidade do ato, que se transforma em
responsabilidade do Estado (OLIVEIRA, 2022).
O deputado Alexandre Frota, pertencente ao PSDB-SP, partido favorável ao
governo Bolsonaro em diversos aspectos, foi um dos deputados a convocar o Ministro
da Justiça e Segurança Pública para a CDH, para prestar esclarecimentos ao Legislativo
sobre a ação que resultou na morte de Genivaldo e sobre os procedimentos da PRF. Na
oportunidade, Frota afirma que os atos perpetrados pelos policiais são desumanos,
inaceitáveis e absurdos (PORTAL DA CÂMARA DOS DEPUTADOS, 2022).
No contexto da responsabilidade do Estado, as entidades EDUCAFRO Brasil –
educação e cidadania de afrodescendentes e carentes e Centro Santo Dias de Direitos
Humanos ajuizaram ação civil pública em desfavor da União, solicitando a
responsabilização do Estado, requerendo que as entidades policiais removam o sigilo
das investigações contra pessoas negras, instale câmeras operacionais no fardamento
dos PRF, além de pleitear indenização coletiva:

[...] n) Estipular multa de valor não inferior a R$ 100.000,00 (cem mil reais)
por cada violação a qualquer dos itens previstos no presente tópico, devendo
tal verba ser recolhida pela União Federal ao fundo a que se referem os
artigos 13 e 20 da Lei Federal n° 7.347/1985. 15.3 - Quanto à indenização do
dano moral coletivo: Seja imposto à União Federal o pagamento de
indenização por dano moral coletivo no valor de R$ 128.250.000,00 (cento e
vinte e oito milhões e duzentos e cinquenta mil reais), quantia a ser revertida
ao fundo destinado à reconstituição dos bens lesados, conforme dispõe o art.
13 da Lei da Ação Civil Pública (Lei nº 7.347/1985). (BRASIL. Ministério
Público Federal. Processo Judicial Eletrônico n. 0802705-98.2022.4.05.8500.
Parecer Cível nº 006/2023/MPF/PRSE/PRDC/MCDF. Juiz: Martha Carvalho
Dias de Figueredo. Aracajú: MPF, 19/03/2023, p. 7).
Em que pese a ação ajuizada pelas ONG’s não tenha sido acatada pelo MPF, fica
evidente a manifestação e indignação política e social como consequência ao
assassinato de Genivaldo de Jesus Santos.
Após a conclusão da letárgica investigação que durou quatro meses, sob forte
comoção e pressão popular, os policiais envolvidos no assassinato de Genivaldo foram
presos preventivamente pelos crimes de tortura, abuso de autoridade e homicídio
qualificado (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. 6ª Turma. Habeas corpus Nº 175879
- SE (2023/0020177-9). Rel.: Min. Rogério Schietti Cruz. Brasília: STJ, 11/04/2023).
Os supostos autores do crime seguem detidos e aguardando julgamento por júri popular.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A pesquisa teve como objetivo foi analisar o assassinato de Genivaldo de Jesus


sob as perspectivas da necropolítica, decolonialidade e colonialidade do poder punitivo.
Foi visto que o poder dominante se afirmam na violação dos direitos humanos a partir
das práticas punitivas seletivas, que oprimem e aprisionam as minorias e pessoas em
situação de vulnerabilidade no Brasil.
A criminologia crítica, ao analisar o sistema prisional identificando suas falhas,
propõe a interpretação do fenômeno criminal por uma ótica macrossociológica,
tornando evidente o caráter determinista e a seletividade dos criminosos pela ótica do
sistema punitivo.
O assassinato de Genivaldo de Jesus Santos é um evidente caso da ação da
necropolítica, em que o Estado, neste caso por meio de seus agentes policiais, decide
quem deve morrer, independente da presença de crime ou ameaça à segurança pública.
As investigações foram realizadas de forma letárgica e concluíram pela
responsabilidade dos agentes, o que ensejou sua prisão preventiva, porém ocultam que a
ação policial é fruto da política de morte do Estado contra a população negra.
Quanto à mídia, verificou-se que, salvo raras exceções, os veículos de
mainstream retrataram o caso com certa passividade e indiferença, noticiando o
ocorrido de forma crítica no início, mas que com o passar de semanas, trataram o caso
com passividade. As críticas mais precisas, contundência de opiniões e abordagem da
política de Estado que visa o genocídio da população negra ficaram por conta da mídia
alternativa.
Por fim, como consequências do assassinato, a população realizou diversos
protestos pedindo pelo fim do genocídio, justiça para Genivaldo, responsabilização dos
agentes policiais e críticas à atuação do Estado e da Polícia em regiões periféricas e
contra a população negra.
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