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UNIVERSIDADE FEDERAL DO OESTE DA BAHIA- UFOB

CENTRO DAS HUMANIDADES- CEHU


BACHARELADO INTERDISCIPLINAR EM HUMANIDADES

KIRA DOS REIS PINTO

O SEXISMO NA CULTURA GAMER E A HIPERSEXUALIZAÇÃO DA MULHER

BARREIRAS-BA
2021
KIRA DOS REIS PINTO

O SEXISMO NA CULTURA GAMER E A HIPERSEXUALIZAÇÃO DA MULHER

Trabalho de Conclusão do Curso apresentado


ao curso de Bacharelado Interdisciplinar em
Humanidades da Universidade Federal do
Oeste da Bahia (UFOB) como requisito à
obtenção do título de Bacharela em
Humanidades.

Orientador: Prof. Dr. Uillian Trindade


Oliveira.
BARREIRAS-BA
2021
KIRA DOS REIS PINTO

O SEXISMO NA CULTURA GAMER E A HIPERSEXUALIZAÇÃO DA MULHER

Trabalho de Conclusão do Curso apresentado


ao curso de Bacharelado Interdisciplinar em
Humanidades da Universidade Federal do
Oeste da Bahia (UFOB) como requisito à
obtenção do título de Bacharela em
Humanidades.

Orientador: Prof. Dr. Uillian Trindade


Oliveira.

Aprovado em: __/__/__

_________________________________________
Profa. Dra. Josenilce Rodrigues de Oliveira Barreto
Coordenadora do Bacharelado Interdisciplinar em Humanidades

Banca Examinadora:

________________________
Prof. Dr. Uillian Trindade Oliveira.
Orientador
Universidade Federal do Oeste da Bahia

________________________

Prof. Me. Francisco Cleiton Alves


Avaliador
Universidade Federal do Oeste da Bahia

______________________
Profa Dra. Fernanda Monteiro Barreto Camargo
Avaliadora
Universidade Federal do Espírito Santo
Este trabalho é dedicado às minhas colegas de
classe e aos meus queridos pais.
AGRADECIMENTOS

A Deus, por ter permitido que eu tivesse saúde e força ao


longo desses anos de estudo.
Ao meus Pais e ao meu Irmão, por sempre terem me incentivado a estudar e por me
ensinarem sobre as coisas mais importantes que já aprendi na vida, sobre educação, respeito e
amor.
Ao meu namorado Felipe, que me ajuda no que for possível em todos os momentos
que preciso, obrigada pelo amor e cuidado que você tem por mim.
À minha querida amiga Isla, a quem posso desabafar e conversar quando me sinto
aflita.
Ao querido professor Uillian, por ser meu orientador, obrigada pela paciência e
aprendizado que o senhor me proporcionou.
Às minhas amigas do grupo Corporação Capsula, companheiras de time nos jogos
online que foram de imensa importância para esta pesquisa.
À querida Stream Netflix, para onde pude correr e assistir minhas séries investigativas
policiais, quando procurei relaxar.
Ao Spotify por criar a melhor playlist de MPB que embalou algumas madrugadas de
escrita.
Às minhas queridas plantinhas com que conversos todos os dias e alegram minhas
manhãs.
Obrigada a todos que fizeram parte da minha formação, ainda que indiretamente vocês
foram essenciais para minha caminhada.
RESUMO

O presente trabalho discute o sexismo na cultura Gamer e como a mulher se torna


hipersexualizada nesse contexto. Para isto, através da revisão bibliográfica são coletados
teorias e conceitos sobre gênero, sexismo e feminismo, utilizados para criar uma perspectiva
da pesquisa. Através de uma apresentação sociocultural e mercadológica, buscou-se entender
como o consumo de jogos eletrônicos não é algo pertencente ao universo feminino, para o
senso comum. E como isso é refletido nas representações de personagens femininas dentro
dos jogos digitais. Posteriormente, é apresentado um estudo de caso com jogadoras de games
online da cidade de Barreiras (BA), por meio da pesquisa qualitativa investigou-se como as
moradoras de Barreiras (BA) enxergam o machismo e a hipersexualização na comunidade
gamer. Os resultados da pesquisa demostraram como as relações entre homens e mulheres
nesse meio, ainda são repletas de machismo, violência e estereótipos.

Palavras-chave: Games; Hipersexualização; Mulher.


ABSTRACT

This paper discusses sexism in Gamer culture and how women become hypersexuality
in this context. For this, through the bibliographical review, theories and concepts about
gender, sexism, and feminism are collected, used to create a research perspective. Through a
sociocultural and marketing presentation, this study is intended to understand how the
consumption of electronic games, is not something that belongs to the female universe,
according to common sense. And how this is reflected in the representations of female
characters within digital games. Subsequently, a case study with online game players in the
city of Barreiras (BA) is presented. Through qualitative research, it was investigated how the
people from Barreiras see machismo and hyper-sexualization in the gaming community. The
research results, showed how the relationships between men and women in this environment
are still full of machismo, violence, and stereotypes.

Keywords: Games. Hyper-sexualization. Woman.


LISTA DE FIGURAS

Figura 1- Dados gerais sobre a COVID-19...............................................................................30


Figura 2: Perfil geral gamer......................................................................................................31
Figura 3- Você se considera um Gamer?..................................................................................32
Figura 4- O que é um gamer para você.....................................................................................33
Figura 5- Jogo “Pong”..............................................................................................................38
Figura 6-Carol Shaw.................................................................................................................39
Figura 7- Evolução dos Consoles (1995 a 2006)......................................................................40
Figura 8-Ms. Pac-Man..............................................................................................................43
Figura 9- Donkey Kong............................................................................................................44
Figura 10-Samus Aran..............................................................................................................45
Figura 11-Evolução da Lara Croft............................................................................................48
Figura 12- Tomb Raider Umderwored......................................................................................48
Figura 13- Rise of the Tomb Raider..........................................................................................49
Figura 14- Gráfico 1: Qual a sua Idade?...................................................................................50
Figura 15- Gráfico 2: Qual tipo de jogo você joga?.................................................................51
Figura 16- Gráfico 3: Considera o ambiente de games machista?............................................53
Figura 17-Gráfico 4: Já foi acusada de não ser uma boa jogadora por ser mulher?.................54
Figura 18- Gráfico 5: Você já teve alguma experiência de ter sido agredida verbalmente
durante um jogo por ser mulher?..............................................................................................56
Figura 19- Gráfico 7: Você acha que o mercado de games produz jogos voltados para o
público masculino e outros jogos voltados para o público feminino?......................................58
Figura 20- Captura de tela de Garota popular – Fashion arena................................................59
Figura 21- Gráfico 8: Você acha que existem jogos com personagens femininos
hipersexualizados?....................................................................................................................59
Figura 22- Miss Fortune............................................................................................................61
Figura 23- Gráfico 9: Você acha que existem jogos com personagens femininos
estereotipados?..........................................................................................................................62
Figura 24- Princesa Peach.........................................................................................................63
LISTA DE SIGLAS

ESPM- Escola Superior de Propaganda e Marketing

FPS- First Person Shooter

LOL- League of Legends

MMORRPG- Massively Multiplayer Online Role-Playing Game

MMOs- Massively Multiplayer Online

MOBA- Multiplayer Online Battle Arena

MOBA- Multiplayer Online Battle Arena

PGB- Pesquisa Gamer Brasil

PUBG- Fortnite e PlayerUnknown’s Battlegrounds

PVP- Player versus Player

RPG- Role-Playing Game

WoW- World of Warcraft

BNL- Brookhaven National Laboratories


SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO....................................................................................................................15
1.1 Percurso da Pesquisadora....................................................................................................16

2 METODOLOGIA................................................................................................................20

3 SEXISMO E GÊNERO.......................................................................................................24

4 CULTURA GAMER............................................................................................................27
4.1 Casos de sexismo no cenário gamer...................................................................................34

5 O JOGO COMO FORMA DE CULTURA.......................................................................36

5.1. A criação dos jogos eletrônicos..........................................................................................37

6 A PERSONAGEM FEMININA NOS GAMES.................................................................41


6.1 A hipersexualização da personagem Lara Croft.................................................................46

7 Estudo de caso......................................................................................................................50

7 CONCLUSÃO......................................................................................................................65

REFERÊNCIAS......................................................................................................................67

APÊNDICE A..........................................................................................................................71
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1 INTRODUÇÃO

A luta das mulheres pelos direitos, espaço e pela igualdade acontecem


na esfera social atualmente. Nos games não é diferente, a procura pelo reconhecimento como
um público em potencial e a representação dentro dos games são objetivos a serem alçados.
Na tentativa de compreender a relação entre jogos eletrônicos, sexismo e mulheres, é
impossível desconsiderar as relações sociais de gênero que são historicamente construídas,
ainda que primitivas em nossa sociedade. Embora a mulher exerça cada vez mais um papel de
protagonista na sociedade em diversas áreas e profissões, ainda existe uma herança histórica
marcada pela desigualdade de gênero, que dificulta essa jornada em alguns âmbitos
popularmente masculinos, como o cenário gamer. É cada vez mais comum mulheres entrarem
nesse universo, porém também é frequente ainda no universo dos jogadores masculinos ouvir
xingamentos de outros jogadores, o assédio sexual, ameaças de morte, ofensas à sua
performance, enfim comentários negativos e sexistas. Todas essas expressões se caracteriza
como são uma forma de bullying, que faz parte da rotina de algumas gamers no Brasil e no
mundo.
Quando pensamos em um indivíduo denominado “gamer”, a primeira imagem que
vem em nossa mente é de um homem jogando em um console no computador ou videogame.
Isso não acontece por acaso, pois para a maioria das pessoas os jogos eletrônicos são apenas
“coisas de homem”. Essa ideia foi construída e estereotipada junto com o surgimento do
mesmo, constituindo a cultura gamer. Pois, os meios de comunicação em massa segundo
Sarkeesian (2013, on-line), "têm um poderoso efeito de formação, ajudando a moldar atitudes
e opiniões culturais".
Outro problema que podemos pontuar, é de como a mulher se torna hipersexualizada
nesse contexto. Sabemos que no mundo real já existe muita objetificação/sexualização da
mulher e nos games isso acaba ficando cada vez mais escancarado, principalmente porque é
um ambiente (infelizmente) dominado por homens, principalmente nos jogos mais populares.
Grande parte disso é por conta de um pensamento enraizado na nossa sociedade fática de que
as mulheres são de um gênero somos “fracas” e “frágil”. Consequentemente, somos
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objetificadas e sexualizadas e o que é transportado para o mundo virtual também


(SARKEESIAN, 2013, on-line).
Portanto, a seguinte pesquisa tem como objetivo geral discutir o sexismo na cultura
gamer e como a mulher se torna hipersexualizada nesse contexto. De início, para entendermos
melhor essa problemática, será necessário discutir sobre algumas categorias epistemológicas
ns temas relevantes para essa pesquisa, se apoiando nos estudos de Louro (1997), Beauvoir
(1970), Moraes (2002), onde foi é possível compreender conceitos importantes sobre Sexismo
e Gênero, que leva a existência de uma segmentação no universo gamer.
Logo depois, será mostrado um panorama sobre o que é cultura, identidade e
representação, utilizando o embasamento teórico de Hall (2016), Louro (1997), e Bauman
(2021) de, nos quais tentam entender como a identidade cultural dos indivíduos pós-modernos
são formadas na contemporaneidade atualmente. Posteriormente, será abordada a análise da
Pesquisa Gamer Brasil que possui o objetivo de avaliar os hábitos dos jogadores brasileiros.
Também será abordado episódios relevantes de sexismo no cenário gamer, principalmente
envolvendo a famosa ativista feminista Anita Sarkeesian (2001).
Com uma breve explanação de como ocorreu a criação dos jogos eletrônicos e o
surgimento das primeiras personagens femininas, relacionando-os dentro de um contexto
sociocultural e mercadológico, buscarei compreender como o consumo dos jogos eletrônicos
é algo não pertencente ao universo feminino e como reflete nas representações das
personagens nos gamers. Desse modo, serão mostradas alguns personagens femininas dos
games que são hipersexualizadas e estereotipadas.
Utilizando a metodologia qualitativa em um estudo de caso, buscarei entender como as
mulheres gamers residentes da cidade de Barreiras (BA) se sentem em relação ao machismo,
desigualdade de gênero e a falsa representatividade feminina nos jogos. Serão realizadas
entrevistas com mulheres adultas e adolescentes do grupo do WhatsApp denominado
“Corporação Capsula”, composto por jogadoras e consumidoras da cultura gamer, através da
internet, por meio de um formulário disponível na rede.

1.1 Percurso da Pesquisadora

Sou, kira dos Reis Pinto, tenho 26 anos e irei narrar contar um pouco da minha
trajetória, itinerâncias e travessia de vida pessoal, acadêmica e profissional até hoje. As
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minhas memorias afetivas sobre mim, me levam inicialmente Começando pela para minha
infância, um espaço temporal de lembranças pode-se dizer que foi ótimas, mas um pouco
sofrida. Sempre fui uma criança muito tímida, tive muitas dificuldades de me socializar na
escola e no bairro, porém fui uma criança muito curiosa, e de imaginação fértil e muito
sonhadora. Em razão de um problema de saúde que tive na infância passei a metade dela indo
para médicos e hospitais. Meus pais me “superprotegeram” um pouco por causa desse
problema, por isso fiquei um tanto “mimada” demais e não sabia ser independente. Apesar
disso, sabendo dessa minha dificuldade, meus pais sempre buscaram despertar o melhor em
mim, apesar de ter poucos amigos eles me incentivavam a socializar com outras crianças, me
deixavam brinca livremente na rua com os meus primos, andar de bicicleta, jogar bola, pular
elástico e etc. Mas, o que eu mais gostava de fazer mesmo era ler revistas em quadrinhos,
desenhar e observar a natureza quando eu ia para a roça dos meus avós.
Todos os meses íamos visitar meus avós na casa deles na roça em um povoado do
município de Angical- BA, próximo a Barreiras, um lugarzinho tranquilo e com poucos
habitantes. Gostava de explorar as redondezas, cuidar das galinhas e dos outros animais que
eles criavam, enquanto isso minha avó me ensinava os saberes das plantas medicinais e da
vida no campo. Confesso que passava um dia ou dois muito bem, mas ao decorrer dos dias já
estava com saudades da minha casa, dos meus quadrinhos e do meu quarto.
Meu pai foi o grande responsável por me apresentar o que seria minha companhia e
minha paixão por muitos anos, a leitura. A expectativa para a melhor hora do dia chegava as
18h30min, que era hora que ele chegava do trabalho com um gibi da turma da Mônica, eu mal
podia esperar para descobrir qual seria a próxima aventura da turma do limoeiro. Depois ele
foi me trazendo HQ’s da Marvel e dos X mens, minhas preferidas eram as aventuras do
Homem Aranha e a HQ da Tempestade. Foi aí que comecei a me adentrar nesse universo
imaginário da leitura, minhas preferencias pelas aventuras dos super heróis aumentaram e
comecei a mim expressar também pelos desenha usando os personagens das revistinhas como
inspiração.
Domingo a tarde era dia de ir na locadora para locar um filmes, passava horas em
frente aquele mundo também imaginário do audiovisual em formato de filmes até escolher o
que seria perfeito para assistir, foi desde então que começou o meu vício pela sétima arte, por
filmes, com 9 anos de idade já tinha assistido uma centena de produções cinematográficas.
Minha vida na infância passou a ser baseada em ler, assistir filmes e assistir desenhos
animados que foram uma febre nos anos 2000.
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Para a estranheza dos meus pais, eles já tinham percebido que desde muito pequena eu
possuía uma afinidade maior por brincadeiras “consideradas preferidas por meninos”. Isso
porque eu, era viciada nos desenhos do Dragon Ball Z, gostava de jogar bola, jogos de baralho
YUGI OH, RPG, ou seja, não ligava muito para brincar de boneca ou de casinha, rotulada em
muitas sociedades como brincadeiras e brinquedos para o gênero feminino.
Por volta dos 10 anos eu ainda acreditava em papai Noel, foi nessa época que a Sony
lançou o Playstation 1, o sonho de consumo de qualquer criança, principalmente os do sexo
masculino. No entanto, o preço do console na época era muito caro, e nas lojas de utilidade
vendiam um tipo de “copia” chinesa que se chamava Polystation, com o preço bem mais
acessível e ainda vinha com cerca de 1000 jogos na memória. Assim, resolvi escrever muitas
cartinhas no natal pedindo para que o papai Noel me presenteasse com um videogame (o
Playstation), e assim foi feito, porem acabei ganhando o Polystation. Mesmo não sendo
exatamente o que eu queria, fiquei extremamente feliz em ter ganhado o presente que seria
capaz de mudar minha vida, e minhas interações com brincadeiras e jogos daqui pra frente.
O videogame naquela época para as crianças não era apenas um simples
entretenimento, era um estilo de vida. Pra mim se tornou um hobby viciante, onde passava
maior parte do tempo jogando tanto sozinha quanto com os meus primos, fazíamos
campeonatos e nos divertíamos muito. O jogo preferido daquela época era o Super Mário
World, dentre vários outros que tentávamos “zerar”, sim, a grande logica lúdica de um jogo
eletrônico na época era o processo de “zerar”, como também jogos de Luta. Os campeonatos
de jogos eletrônicos do bairro eram basicamente compostos só por meninos, e eu a única,
menina considerada “intrusa” entre eles, mesmo assim competia de igual para igual e era até
melhor que muitos deles.
Momento que começo a perceber os primeiros Existia um leve sinais de preconceito
por eu ser menina, mas devido as minhas viagens pelo universo lúdico da literatura (revistas,
filmes e jogos eletrônicos), não me sentia tão afetada. pesado. Por sermos criança levávamos
de um jeito amigável, claro que algumas vezes os meninos mais velhos soltavam piadas em
relação a isso, mas eu sempre tentava não ligar, tanto que levei a arte de jogar videogame e
jogos eletrônicos para muito além de criança até adolescência.
Por essa travessia, chego a minha vida escolar, acadêmica que começou quando eu
tinha 4 anos, em uma escola particular do meu bairro onde iniciei a alfabetização até a 3° série
do Ensino Fundamental, apesar da timidez gostava de brincar na hora do intervalo de
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queimada e de esconde e esconde até acontecer um episódio horrível ainda na primeira série,
na hora de uma das brincadeiras de correr, todo mundo da escola resolveu passar por um beco
estreito no fundo da escola, foi ai que eu cai e fui pisoteada por todos os alunos da escola,
além de ter caído e me machucado muito os alunos ainda riram de mim por eu ter caído ,isso
me deixou traumatizada e fiquei até 3° serie sem sair na hora do intervalo. Me mudei pra
outra escola do bairro na 4° série, lá eu consegui realmente fazer amigos, era uma das
melhores alunas da escola, tirava notas excelentes, minha disciplina favorita sempre foi
biologia, artes e história, foi nesse ano que ganhei o prêmio de rainha do milho da escola e
também o de melhor aluna, foram uma das melhores sensações que senti na pré-adolescência.
Depois tive que me mudar novamente de escola, onde cursei fiquei da 5° até o 8° ano.
Como Sempre tirava notas ótimas nas disciplinas de humanas e biologia que era ciências na
época, mas matemática eu era péssima e tinha que estudar muito para conseguir entender, e
mesmo estudando não conseguia o resultado esperado na hora da prova. Nessa época eu
estava com 15 anos entrando na adolescência, e me sentia uma menina “esquisita”, em relação
a outras garotas porque ao contrário delas eu não gostava de conversar sobre garotos nem
maquiagens e afins, ou seja, não me encaixava naquela caixinha denominada pela sociedade
como universo feminino, pois, possuía vergonha do meu corpo, ao ponto de usar vestimentas
que cobriam todo o meu corpo e ia o mais coberta possível na hora de ir para a escola, foi
então que comecei a me incomodar o fenômeno do bullyng, sobre o meu jeito de se vestir, me
condicionando a um processo de e por eu ser introvertida e não interagir muito com o resto da
classe.
Cada série ano letivo que passava eu me sentia mais “excluída” do resto da turma,
principalmente por ser considerada “nerd” pelo colegas de escola por eles. Foi a partir daí que
comecei a passar ei todos os intervalos escolares na biblioteca, ficava lendo e viajando em
diversos universos, era muito mais legal do que brincar no recreio, era em meio aos livros que
eu realmente me descobria, aonde me encaixava. Na classe, era raro alguém capaz de escrever
um texto tão bom quanto o meu, eu ganhava todos os concursos de redações que tinha na
escola, todos os mimos dos professores por acertar mais questões, a não ser quando tinha os
desafios de acertar a tabuada que era péssima, odiava matemática e as outras matérias de
exatas que nas provas tirava nota baixa quase sempre.
Com 15 anos vou para um movimento de travessia escolar do ensino fundamental para
o Ensino Médio, sendo aprovada para eu passei n o IFBA (Instituto Federal de Educação e
Tecnologia da Bahia) de Barreiras-BA, comecei a cursar informática e foi lá que passei uma
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das maiores dificuldades na vida escolar durante o ensino médio academia, era uma escola em
tempo integral e com um nível muito elevado principalmente em matemática pois era muito
utilizada para desenvolver programas e afins. Minha escolha por informática foi em razão de
desde adolescente tinha mais afinidade com tecnologias (pois gostava bastante de games e
computador), mas não imaginaria que passaria por tantas dificuldades nas provas ao longo do
curso e que com isso desenvolveria um transtorno de ansiedade e depressão onde me faria ir
constantemente em psicólogos. Quando eu estava no 3° ano as coisas melhoraram, consegui
um estágio em uma escola infantil e dei aula de informática básica por 1 ano para alunos da 4°
ano serie, também estagiei no próprio IFBA na área de audiovisual no auditório, até a minha
conclusão no curso de Informática.
Se passaram alguns anos, e consegui passar na UFOB, no curso de Bacharelado
Interdisciplinar em Humanidades, basicamente era o único curso que minha nota cabia e
também era o que eu possuía mais afinidade. Assim, inicia a minha vida acadêmica
universitária. Posso dizer que comecei bastante animada, mas ao passar dos semestres me
desanimei bastante em relação ao que eu imaginava ser, e pôr o curso ser tão desvalorizado
pelo campus, eu me senti perdida e tinha constantes crises de ansiedade e ainda tenho, foram
muitos problemas pessoais que me fizeram atrasar minha formação no curso, mas que agora
finalmente está indo em rumo a formação. Apesar de muitos percalços a UFOB foi algo
essencial que aconteceu na minha vida, consegui um estágio no setor de Recursos Humanos
na reitoria e fiquei por 2 anos, passei muitos momentos bons com alguns verdadeiros amigos
que fiz, aprendi muito nas aulas com ótimos professores e até trabalhei vendendo geladinho
gourmet pelos corredores, que aliás vendia como agua e todo mundo era fã, onde consegui
juntar dinheiro e abrir uma pequena loja online.
No geral, posso dizer que tive uma infância e adolescência feliz, usava muito minha
imaginação como fuga de realidade. Mas depois de adulta e de tantos problemas percebo que
a vida é o que de fato importa e a felicidade onde pode ser encontrada em pequenos detalhes,
qualquer um. Pequenos prazeres como deitar na grama e aproveitar o silêncio, ou usar meias
quentinhas no frio. Eu era uma criança sonhadora, que fui podada pela sociedade para me
encaixar onde não me cabia, desenvolvi feridas no meu psicológico que ainda luto para que se
fechem. Sei que o mundo pode ser cruel, para alguns de nós ele requer um amadurecimento
mais rápido e para aqueles que possuem um ritmo mais lento, a vida passa e não está nem aí.
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Nesse caminho, muitos sonhos são destruídos e eu até entendo quem desista deles e colocam
seu mundo no “automático”, é menos doloroso.
Como dizia Amelie Polain “São tempos difíceis para sonhadores". Porém, apesar disso
sempre fui uma pessoa perseverante e nunca desisti de lutar para alcançar meus objetivos, de
fato são tempos difíceis para os sonhadores, mas até os tempos difíceis nós deixam
aprendizados. Hoje ainda preservo aquela essência que possuo desde criança, ainda gosto
muito de ler revistas em quadrinhos, descobri outra paixão que é pintar em aquarela e
continuo amando jogos online, sinto aquela mesma adrenalina de quando ganhei meu
primeiro videogame. Ademais, luto para que um dia eu e mais mulheres sejam respeitas nesse
meio, para que possamos viver livre de bullyings e de preconceitos e que possamos ser e
conviver como quisermos.

2 METODOLOGIA

No livro “A Pesquisa Qualitativa em Educação” de Bogdan e Biklen (1994), é


discutido o conceito de pesquisa qualitativa. A princípio, os autores fazem um apanhado geral
do contexto histórico do desenvolvimento e estabelecimento da investigação qualitativa,
mencionando os principais autores e episódios que se destacaram e que levaram
pesquisadores em educação a adotarem a referida metodologia.
A pesquisa qualitativa tem suas raízes no século XIX nos EUA, sendo impulsionada
pelo nascimento da antropologia, da escola de Chicago e da sociologia da educação. Bogdan e
Biklen (1994) afirmam que a abordagem por "Investigação Qualitativa” surgiu em um campo
que prevalecia as práticas de mensuração, elaboração de testes de hipóteses variáveis e
estatística, da qual “[...] alargou-se para contemplar uma metodologia de investigação que
enfatiza a descrição, a indução, a teoria fundamentada e o estudo das percepções pessoais”.
(1994, p. 11).
Já na década de 80, do século XX, a pratica e teoria feministas influenciaram a
investigação qualitativa, especialmente ao estudar a forma como os papéis psicossexuais
influenciavam a construção do mundo, enquanto professores do sexo feminino. De acordo
com Hochschild (1983, apud Bogdan e Biklen, 1994, p. 44), “as feministas tiveram um papel
importante enquanto impulsionadoras da investigação sobre as emoções e os sentimentos”.
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Afetando o conteúdo da investigação, as feministas recorriam a observação do participante, à


análise de documentos, à investigação sobre histórias de vida e às entrevistas em
profundidade, os investigadores qualitativos tomaram seriamente em consideração autores
sociais e categorias de comportamento previamente ignorados.
Segundo DeVault (1990, apud Bogdan e Biklen, 1994, p. 22) “feministas contribuíram
para que no campo se passasse a preocupar mais com as relações que os investigadores
estabelecem com os seus sujeitos bem como para um aumento do reconhecimento das
implicações políticas da investigação”.
Os autores expõem as principais características da investigação qualitativa, são elas:
1) a pesquisa qualitativa tem o ambiente natural como sua fonte direta de dados e o
pesquisador como seu principal instrumento; 2) os dados coletados são predominantemente
descritivos; 3) há um interesse maior pelo processo que pelos resultados ou produtos; 4) os
investigadores tendem a analisar seus dados de forma indutiva; 5) interessa-se mais pelo
processo do que simplesmente pelos resultados obtidos (BOGDAN; BIKLEN, 1994).
Na primeira característica, entende-se que através do intensivo trabalho de campo o
pesquisador é o instrumento-chave da recolha de dados, possuindo contato direto e constante
com o ambiente e a situação que está sendo investigada. Para esses autores esse estudo
também é chamado de “naturalístico”, pois os problemas são estudados no ambiente, onde em
eles ocorrem naturalmente sem manipulação intencional do pesquisador, sendo assim o
investigador observa, entrevista, anota, na busca por produzir dados.
No que diz respeito a descrição, o material presente nessas pesquisas é rico em
hipóteses, descrições de pessoas, acontecimentos; inclui transcrições de identificação e
depoimentos, fotografias, desenhos, e extratos de vários tipos de documentos, os áudios e
ademais são transcritos e apresentados sob a forma narrativa no sentido de dar coerência aos
dados, descortinar aspectos relevantes, respeitando sempre as falas e pontos de vista dos
sujeitos envolvidos na pesquisa.
Na terceira característica da pesquisa qualitativa, o pesquisador deve possuir “olhos”
para enxergar expressões aparentemente corriqueiras, o empenho ao estudar um determinado
problema de verificar como ele se desponta nas atividades, nos procedimentos e nas
interações cotidianas. Explorar os sentimentos, sentidos e expectativas, porém, sem deixar de
lembrar que o objetivo fundamental de sua interpretação é elaborar conhecimento.
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A quarta característica tem a ver com a indução, ou seja, a parte da experiência


sensível e dados particulares. Onde o pesquisador necessita capturar a “perspectiva dos
participantes”, ou seja, uma alternativa dos informantes encararem as questões em que estão
focadas, percebe-se também nesse tipo de pesquisa que não há necessidade de elaborar
previamente hipóteses a fim de confirmá-las ou anula-las. Elas podem surgir ou não no
decorrer da investigação. Para os autores Bodgan e Bikle (1994, p. 50), na investigação
qualitativa o processo indutivo de análise dos dados assemelha-se a um funil em que,

[...] as coisas estão abertas no início (ou no topo) e vão se tornando mais fechadas e
específicas no extremo. O investigador qualitativo planeia utilizar parte do estudo
para perceber quais são as questões mais importantes. Não presume que se sabe o
suficiente para reconhecer as questões importantes antes de efetuar a investigação.
(BODGAN; BIKLE, 1994, p. 50)

Em suma, conforme a última característica notada pelos autores, a abordagem


qualitativa deve estar evidente na forma como as pessoas dão sentido às suas vidas, como
interpretam determinados fatos e por que os interpreta de uma maneira ou outra. Assim, “ao
apreender as perspectivas dos participantes, a investigação qualitativa faz luz sobre a
dinâmica interna das situações, dinâmica esta que é frequentemente invisível para o
observador exterior” (BOGDAN; BIKLE, 1994, p. 51).
A metodologia qualitativa foi a mais pertinente a ser utilizada para a presente
pesquisa, visto que a mesma possibilitou uma investigação mais aprofundada sobre os
significados atribuídos pelas participantes em relação ao sexismo na cultura gamer e a
hipersexualização das personagens, buscando também adquirir relatos pessoais das jogadoras
sobre o machismo nos jogos online. Para a coleta de dados da pesquisa foi utilizado um
formulário online no google forms, em virtude da atual conjuntura de pandemia do COVID-
19, visando um menor contato presencial para a preservação da saúde da entrevistadora e dos
entrevistados. A partir dos estudos bibliográficos, apoio de artigos sobre os temas em
questões para essa pesquisa, e de todo arcabouço teórico e prático de vivencia empírica da
pesquisadora para com os games, foi possível construir um formulário de questões que
atendesse essa demanda, contando com 10 questões sendo 8 fechadas e 2 abertas, obtendo um
total de 43 respostas.
O formulário em questão, foi destinado exclusivamente para mulheres
responderem, as participantes escolhidas foram mulheres integrantes do grupo da rede social
WhatsApp, chamado “Corporação Capsula”. O grupo é composto por homens e mulheres
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consumidores da cultura gamer /nerd da cidade de Barreiras, onde se é debatido todo tipo de
mídia relacionado a essa cultura, como filmes, revistas em quadrinhos, acessórios geek e
principalmente jogos eletrônicos. A identidade das participantes foi recolhida em anonimato,
para que tivessem mais liberdade para darem seus relatos, dessa maneira serão identificadas
como “Participante” e o número de ordem em que a mesma respondeu o formulário.
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3 SEXISMO E GÊNERO

De acordo com o dicionário Michaelis (2021), sexismo pode ser definido como o
conjunto de estereótipos quanto a aparência, atos, habilidades, papéis na sociedade, emoções,
de acordo com sexo. Ou também, preconceitos e discriminações que se baseiam no sexo ou
gênero. Lembrando que o sexismo não é um comportamento cultuado apenas pelo sexo
masculino, mas também de outros gêneros como o LGBTQIa+, feminino, transgênero e etc.
A sociedade de maneira geral pode ser considera sexista. Podemos
tomar como exemplo o ambiente escolar, que deveria ser um local que houvesse uma
desconstrução dos padrões do que seria “próprio” para o masculino e para o feminino, porém
se tornou um local para enraizar regras de conduta comportamentais como se fossem naturais
do ser humano, originando modos “únicos” de viver sua natureza sexual desde a infância
(GUIMARÃES, 2010).
Como salienta Louro (1997),

diferenças, distinções, desigualdades... A escola entende disso. Na verdade, a escola


produz isso. Desde seus inícios, a instituição escolar exerceu uma ação distintiva.
Ela se incumbiu de separar os sujeitos — tornando aqueles que nela entravam
distintos dos outros, os que a ela não tinham acesso. Ela dividiu também,
internamente, os que lá estavam, através de múltiplos mecanismos de classificação,
ordenamento, hierarquização. (p. 57)

Desse modo, essa diferenciação instituída pela sociedade reforça os privilégios de um


gênero sobre o outro, instigando a construção da identidade sexual. As relações de gênero
implicam em relações sociais de poder existentes entre os homens e mulheres, onde o papel
de cada um na sociedade é determinado pelas diferenças anatômicas (sexuais). Segundo
Cabral e Diaz (1999), essa segmentação já se inicia no nascimento e continua ao longo da
vida, reforçando as desigualdades existentes entre homens e mulheres.
Madureira (2015) questiona que desde o século XIX os argumentos pseudocientíficos
ancorados na biologia, são utilizados para justificar as desigualdades sociais originarias do
sexismo sofridas pelas minorias, principalmente as mulheres e os negros, tomando o preceito
de que a mulher era/é considerada um ser de sexo frágil. Já para Formiga (2002), o sexismo é
denominado como um instrumento de exploração dos preconceitos perante o papel das
mulheres na sociedade, já que elas são observadas como grupo “minoritário”. O sexismo pode
afetar a todos os gêneros, mas principalmente as mulheres.
26

Ademais, para Morães (2002, apud RODRIGUES, 2013) o sexismo é uma


forma de discriminação embasada no gênero, tal qual, pode se apresentar de três formas
diferentes, sendo: individual, cultural e o institucional. O sexismo individual se refere às
ações reproduzidas pelo indivíduo que são aprendidas no âmbito familiar e no privado. Essas
ações discriminatórias em relação ao gênero refletem e fazem reproduzir ações abusivas sem
questionar o motivo de cada uma delas. Já o sexismo cultural surge das crenças advindas da
sociedade. Ora, acreditam e defendem a imagem da mulher como reclusa e submissa ao
homem. Noutro ponto, o sexismo institucional associa-se às práticas de discriminação e
exclusão atreladas às diferenças sociais e econômicas entre os gêneros. De fato, o sistema
capitalista promove a desigualdade de gênero em entidades, organizações e comunidades,
com barreiras que impedem as mulheres de ter as mesmas oportunidades que os homens. Um
exemplo disso é o fato de as mulheres receberem uma remuneração desigual em seus salários
em cargos que homens também ocupam, em comparação a isso os homens recebem um valor
bem maior que elas. Segundo Bezerra (2016),

a literatura reitera que a desigualdade de gênero é um dos fatores que perpetua as


heterogeneidades sociais, fundamentadas na diferença entre os sexos. Essa
cristalização que circunda o senso comum subjuga as mulheres e favorecem
imposições estigmatizantes prevalecentes nos contextos social, econômico, cultural
e político, ganhando visibilidade nas constantes diferenças salariais, atribuições de
cargos, funções e papéis. (p. 52)

Culturalmente as mulheres são marginalizadas e vítimas de um conjunto de crenças


impostos pela sociedade. Foram, ou ainda são negados para elas uma série de direitos só pelo
fato de serem mulheres, como noutrora o direito ao voto, ou ainda o direito sobre o seu
próprio corpo, objetificado para gerar filhos. “Que nada nos defina, que nada nos sujeite. Que
a liberdade seja nossa própria substância” (BEAUVOIR, 1970, p. 7). A frase celebre dita pela
famosa escritora francesa feminista Simone de Beauvoir se refere às diversas restrições que as
mulheres sofreram ao longo do tempo e seus anseios pela liberdade.
A trajetória feminina na história é marcada por uma série de violências e
desigualdades, e foi a partir do século dezenove que ocorreu uma mudança social gradativa
que buscava valorizar a mulher. Desse modo, surgiram movimentos a favor dos direitos
femininos, como uma forte corrente liderada por mulheres chamada: Feminismo. Termo no
qual se refere à luta da mulher por um espaço maior na sociedade, já que o sexismo é
percebido como problema social sério (ARAÚJO, 2006).
27

Já o conceito de gênero está ligado a história do movimento feminista, movimento que


prega o direito de igualdade para que as pessoas do gênero feminino tenham os mesmos
direitos sociais e políticos que as do gênero masculino. O feminismo aparece como um
movimento social de minorias e um novo pensamento político que vem pressionar as leis e a
ordem estabelecidas, mas também para mudar as formas de pensar da sociedade.
Beauvoir (1970) foi uma das primeiras a contribuir com os estudos sobre gênero, a
autora analisou que existe uma dissociação entre “gênero” e “sexo biológico”. Em relação ao
“gênero”, ele estaria atrelado a questões de identificação e representaria características
conexas culturais e sociais à masculinidade e feminilidade. Já no “sexo biológico”, estaria
relacionado a propriedades que são capazes de diferenciar machos e fêmeas.

Ninguém nasce mulher: torna-se mulher. Nenhum destino biológico, psíquico,


econômico define a forma que a fêmea humana assume no seio da sociedade; é o
conjunto da civilização que elabora esse produto intermediário entre o macho e o
castrado que qualificam o feminino. (BEAVOUIR, 1967, p. 9)

Louro (1997) corrobora afirmando que as causas das desigualdades não devem
ser procuradas na diferença sexual, mas sim, na (des)valorização do gênero.

As justificativas para as desigualdades precisariam ser buscadas não nas diferenças


biológicas (se é que mesmo essas podem ser compreendidas fora de sua constituição
social), mas sim nos arranjos sociais, na história, nas condições de acesso aos
recursos da sociedade, nas formas de representação. (Ibidem, p. 22).

Ou seja, não é o sexo biológico que define como as mulheres são percebidas e
representadas, mas sim a própria construção social de uma sociedade formada por raízes
patriarcais. As autoras não negam a existência das diferenças biológicas entre os homens e
mulheres, elas consideram que as motivações para as crenças transcendem as diferenças
biológicas dos indivíduos, ou seja, é através das relações e construções sociais quem emergem
as discriminações e desigualdades sobre as mulheres na sociedade.
A luta pela igualdade de gênero foi impulsionada pelo movimento feminista no século
XX, também conhecida como igualdade sexual, com o objetivo de construir uma sociedade
livre de preconceitos, onde homens e mulheres possuam oportunidades iguais sem haver
nenhum tipo de restrição de gênero. Evidentemente, a desigualdade de gênero afeta diversos
âmbitos sociais e ocorre quando um gênero sobrepõe a importância de outro; essa “diferença’
enraizada pela sociedade pode atuar como forma de machismo. O machismo se opõe a
igualdade de direitos entre os gêneros, promovendo uma hierarquização e favorecendo o
28

gênero masculino em detrimento ao feminino, logo, o machismo pode ser considerado uma
forma de sexismo.

4 CULTURA GAMER

É cada vez mais frequente no mundo dos jogos virtuais a inserção da mulher dentro da
cultura gamer. Entretanto, para entender a cultura gamer é necessário entender o que é
cultura.
Conforme Morin (2002, p. 56),

a cultura é constituída pelo conjunto dos saberes, fazeres, regras, normas, proibições,
estratégias, crenças, ideias, valores, mitos, que se transmite de geração em geração,
se reproduz em cada indivíduo, controla a existência da sociedade e mantém a
complexidade psicológica e social. Não há sociedade humana, arcaica ou moderna,
desprovida de cultura, mas cada cultura é singular. Assim, sempre existe a cultura
nas culturas, mas a cultura existe apenas por meio das culturas.

Nesse mesmo sentido, Hall (2016) acredita que o conceito de cultura é algo bastante
complexo de definir e que possui várias maneiras de descrevê-lo, podendo ser definida como
os valores, sentidos e os significados compartilhados pela sociedade ou um grupo. Como se
pode observar, a sociedade atual é composta por múltiplos povos separados por raças, regiões
e culturas. Cada um possui suas características e particularidades e se diferenciam das demais
sociedades. Um exemplo disso é o nudismo, uma pratica normal em algumas partes da Europa
enquanto em determinados países islâmicos como o islã ocorrem severas punições apenas por
mostrar o rosto em público, por exemplo. (LARAIA, 2001).
A linguagem está diretamente atrelada ao conceito de cultura, pois é a partir dela que é
permitido aos indivíduos construírem uma cultura de valores compartilhados e interpretar o
mundo de maneira semelhante, além de estar relacionada a sentimentos, conceitos, ideias,
senso de pertencimento. Segundo Hall (2016) “a linguagem é um dos ‘meios’ através do qual
pensamentos, ideias e sentimentos são representados numa cultura” (p. 18).
A linguagem não precisa ser propriamente “falada”, para ocorrer uma interação social
entre os indivíduos de uma sociedade por intermédio da mesma, a linguagem pode ser dos
mais diversos tipos: seja escrita, falada, ou por meio de imagens, objetos, expressões faciais,
linguagem corporal, música. No videogame isso também ocorre, pois ele de certa maneira
transmite símbolos específicos aos jogadores, os jogadores interpretam e transformam em
29

significados para eles. Bem como é a “imagem”, que possui uma capacidade ímpar de causar
comoção nas pessoas.
Dessa maneira, a cultura carrega uma série de estimas e práticas que necessitam ser
significativamente interpretadas e que dependem dos sentidos para que funcionem. Hall
(2016) acredita que os sentidos percorrem várias áreas e processos no chamado “circuito da
cultura”, nos fazendo perceber que o sentido das coisas é o que nos permite construir a nossa
própria noção de identidade e pertencimento. As questões de como o a cultura mantém e
diferencia as identidades dentro de um grupo estão intimamente ligadas aos sentidos, assim,
os espaços são delimitados causando a noção de pertencimento ou não de um grupo. Isso cria
identidades próprias às culturas existentes, ou as já extintas no tempo pós-moderno. (ALVES,
2018)
No estudo dos fenômenos sociais a identidade é algo bastante debatido. Neste ínterim,
infere-se que as chamadas “velhas identidades” estão entrando em decadência; essas
identidades que foram responsáveis pelo equilíbrio do mundo social estão sendo substituídas
pelas novas identidades, as quais são caracterizadas pela fragmentação do indivíduo moderno.
Para Hall (2006), as identidades estão ficando cada vez mais fragmentadas e estariam
entrando em declínio.

Essas transformações estão também mudando nossas identidades pessoais, abalando


a ideia que temos de nós próprios como sujeitos integrados. Esta perda de um
sentido de si estável é chamada, algumas vezes, de deslocamento ou descentração do
sujeito. (Ibidem, p. 9).

Nesse sentido, o autor divide em três as identidades culturais do sujeito, sendo elas: o
sujeito do iluminismo, onde o indivíduo é mais racional, individualista e centrado em seu
interior; no sujeito sociológico onde o indivíduo possui seu núcleo interior, porém não é
autônomo em suas ideias, pois pode passar a ser alterado por meio do diálogo com as outras
identidades culturais existentes no mundo; e no sujeito pós-moderno caracterizado por sua
identidade ser formada de várias identidades –contraditórias em alguns casos–, sendo de
identificação instável e fragmentada, definida historicamente e não biologicamente e o sujeito
não possuir uma identidade fixa. Assim, “o sujeito assume identidades diferentes em
diferentes momentos, identidades que não são unificadas ao redor de um ‘eu’ coerente”
(Ibidem, p. 10-11).
30

O sujeito pós-moderno surgiu em um momento que a sociedade passava por uma


integração cultural, da política internacional e econômica, denominado de Globalização. Esse
fenômeno foi marcado pela ascensão das tecnologias, sistemas de transportes e nos meios de
comunicação, na esfera mundial. Esses avanços, possibilitaram uma maior “conexão” entre as
pessoas e a troca de informações e de conhecimento ocorre de forma mais simples e rápida.
Essa época também foi e ainda é marcada por uma pluralidade cultural, de forma que as
identidades fechadas e centradas sofrem um efeito fragmentado causadas pelo
desenvolvimento de uma cultura global, produzindo uma diversidade cada vez maior de
estilos e identidades, afinal,

[...] quanto mais a vida se torna mediada pelo mercado global de estilos, lugares e
imagens, pelas viagens internacionais, pelas imagens da mídia e pelos sistemas de
comunicação globalmente interligados, mais as identidades se tornam desvinculadas
– desalojadas – de tempos, lugares, histórias e tradições específicos e parecem
‘flutuar livremente’. Somos confrontados por uma gama de diferentes identidades
(cada qual nos fazendo apelos, ou melhor, fazendo apelos a diferentes partes de nós),
dentre as quais parece possível fazer uma escolha. (HALL, 2006, p. 75).

Bauman (2021) utiliza o termo Modernidade Líquida para definir o período pós-
moderno, associando a sociedade atual marcada pela individualidade, fluidez e liquidez das
relações, onde as relações humanas são superficiais e estão em constante mudanças, não se
perdurando por muito tempo. Para o autor, umas das certezas fundamentais de uma sociedade
liquidada é de que tudo é passageiro e está prestes a mudar; tudo é incerto e indefinido. Dessa
maneira, fica evidente que a pós-modernidade é extremamente variável, juntamente com o
sujeito pós-moderno mutável em suas identidades existentes. Assim, percebe-se que o sujeito
pós-moderno é o existente na cultura gamer.
Os jogadores de cada gamers eletrônico, possuem identidades multifacetadas que
compõe as definições de o que é ser um gamer e o que é a cultura gamer. Segundo Bianco
(2012) “[...] o sujeito passa a vivenciar os dilemas gerados pelo jogo eletrônico e com isso o
jogador acaba assimilando tais conteúdos com os de sua realidade, gerando novas reflexões
sobre o cotidiano do sujeito” (p.21).
Desde 2013, a agência de tecnologia Sioux Group em parceria com a Blend New
Research e ESPM (Escola Superior de Propaganda e Marketing), desenvolveram a Pesquisa
Game Brasil (PGB) afim de compreender melhor o público gamer, seu perfil,
comportamentos, consumos e tendências. Em 2021, foi lançada a 8°edição 1, utilizando o
1
Disponível em: https://www.pesquisagamebrasil.com.br/pt/
31

método quantitativo que por meio de entrevistas realizou a referida pesquisa. A ação ocorreu
em fevereiro e teve a participação de 12.498 pessoas entre 16 a 54 anos em 26 estados do
Brasil e no Distrito Federal.

Figura 1- Dados gerais sobre a COVID-19

Fonte: https://www.pesquisagamebrasil.com.br/pt/pesquisa-game-brasil/ .Acesso em:03 nov. 2021

O estudo mostrou que 72% da população do país se declara gamers, esses indivíduos
estão habituados a jogar algum gamer eletrônico independentemente da plataforma. O período
da pandemia (Figura 1), fez com que 75,8% dos jogadores declarassem que o tempo gasto
com jogos aumentaram e 60,9% dos jogadores afirmaram maior interesse em consumir
conteúdos relacionados a gamers durante o isolamento social. Para o responsável pela
organização da PGB (Pesquisa Game Brasil) Carlos Eduardo da Silva2 (2021) “[...] o
distanciamento social se reflete no aumento de interesse em torno da experiência de jogar on-
line, já que foi uma das poucas opções viáveis em tempos de confinamento”. O estudo
também aponta que o público gamer brasileiro é adulto, com mais de 40% do total entre 20 e
30 anos. Do total, apenas 10% é menor de 19 anos. Um dado importante a se destacar, é que o
público mais velho “+40 anos” representa 19% dos jogadores, mostrando que a cultura dos
2
SILVA, Carlos Eduardo. In: CLIENTESA Play; Drops ClienteSA – GoGamers. Youtube, 22 set. de 2021
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=UbGGFuStL3Y. Acesso em: 2 out. de 2021.
32

jogos eletrônicos não se resume apenas ao público jovem e adultos, percebendo-se que essa
cultura abrange os jogadores em outros momentos da vida.

Figura 2: Perfil geral gamer

Fonte: https://www.pesquisagamebrasil.com.br/pt/pesquisa-game-brasil/ .Acesso em:03 nov. 2021

Desde 2016, a PGB aponta o público feminino como maioria no cenário gamer. Em
20213 não foi diferente, o levantamento mostrou que 51,5% do público de jogos eletrônicos
do país é feminino. Esse crescente aumento pode ser explicado pela forte presença de
smartphones no mercado, onde as mulheres dominam em 62,2%. De acordo com Silva (2021)
“não é que não existam mulheres no console e no PC; tem também. Mas os smartphones são
uma plataforma mais acessível, mais prática, é o mesmo celular que você usa para fazer várias
outras coisas, então criou-se essa proximidade.”

3
Disponível em: https://www.pesquisagamebrasil.com.br/pt/
33

Ora, é evidente a crescente dependência entre o ser humano e a tecnologia, logo, entre
nós e aparelho celular. Uma novidade muito importante nessa edição foi o mapeamento
(Figura 2) da etnia dos jogadores brasileiros, onde quase a metade do público se identificou
como branca (46%), seguido da grande parcela que se identificou como parda ou preta
(50,3%, na soma). Outro ponto a ser observado na pesquisa, é de que a média-alta (B2) é a
principal classe social dos jogadores no Brasil. Porém, as classes sociais baixas e médias (C1,
C2, D, E) estão em crescimento e representam quase metade dos consumidores de jogos no
país contabilizando (49,7%, na soma), esse fenômeno se dá por conta do maior uso de
smartphones como principal instrumento de acesso às plataformas de jogos no Brasil.
Conforme Silva (2021) “O smartphone oferece o melhor custo-benefício com diversas
funcionalidades e portabilidade, incluindo uma grande quantidade de jogos gratuitos que
ganharam grande destaque no ano passado, como Free Fire e Among Us.”
Essas seriam uma das causas para grande popularidade do uso dos celulares como
plataformas de jogos, além disso, o custo é bem abaixo em comparação com PCs gamers e
consoles (os da nova geração custam cerca de R$ 6 mil4)

Figura 3- Você se considera um Gamer?

Fonte: https://www.pesquisagamebrasil.com.br/pt/pesquisa-game-brasil/ .Acesso em:03 nov. 2021

A PGB, mapeou em 2021 um maior percentual de entrevistados que se consideram


gamers em relação as pesquisas dos anos anteriores. Pode ser observado que o público

4
Disponível em: https://www.techtudo.com.br/noticias/2020/10/pc-gamer-como-montar-modelo-a-r-5-
mil-preco-de-ps5-e-xbox-series-x.ghtml
34

masculino possui uma maior identificação como normalmente ocorre nas pesquisas já
realizadas. Há alguns anos, o termo “gamer” ou "gameplayer” se referia a quem joga Role-
Playing Games (RPG), ou seja, jogos em miniaturas que pessoas assumem o papel de
personagens.

Figura 4- O que é um gamer para você.

Fonte: https://www.pesquisagamebrasil.com.br/pt/pesquisa-game-brasil/ .Acesso em:03 nov. 2021

Atualmente, o termo gamer é usado para caracterizar pessoas que praticam jogos
eletrônicos. Já para os mais críticos essa palavra deve ser utilizada para caracterizar pessoas
que possuem um costume maior de jogar e que consequentemente possuem maior
conhecimento desse universo gamer, não se encaixando em pessoas que utilizem os jogos
apenas como hobby (BRISTOT, 2016 apud PETRY, 2014). Como pode ser observado no
gráfico, existe uma alta porcentagem de jogadores que acreditam que ser gamer é conhecer
tudo sobre os jogos digitais. Percebeu-se então na pesquisa que a maioria das pessoas ainda
possuem essa ideia.
35

Compreende-se com todos os resultados atuais da ESPM e da PGB relacionando-os


com o conceito de cultura e identidade, que atualmente a cultura gamer faz parte da
identidade de diversas pessoas e essa cultura é cada vez mais compartilhada e difundida,
principalmente por meio da tecnologia que está presente em todos os momentos da vida em
sociedade. Além disso, a cultura em questão pode ser aderida pelo gênero masculino ou
feminino, como indicado na pesquisa. A ideia de que ser gamer ou que gamers era apenas
“coisa de menino” ainda faz parte do senso comum,porém é uma perspectiva quem vem
sendo superada . E apesar do publico masculino ainda estar em grande maioria, as mulheres
gradativamente estão adentrando frente a essa cultura e tentando conquistar o seu espaço
nesse cenário hostil e ainda sexista da cultura gamer.

4.1 Casos de sexismo no Cenário gamer: relatos de casos de sexismo

É cada vez mais comum mulheres adentrarem no universo gamer, porém também é
frequente ouvir manifestações sexistas, a exemplo de xingamentos de outros por parte dos
jogadores masculinos, além do o assédio sexual, moral, e ameaças de morte e ofensas à sua
performance nos jogos eletrônicos. Comentários negativos e sexistas são uma forma de
bullying que faz parte da rotina de algumas gamers no Brasil e no mundo. Infelizmente o
machismo desenfreado permanece vivo e forte na sociedade (DRUMMONT, 1980).
São incontáveis episódios de assédio que ocorrem nesse cenário, um exemplo recente
ocorreu em janeiro deste ano envolvendo a comunidade de League of Legends5 (LOL).
O movimento de exposição exposed teve início na plataforma do Twitter, quando a tatuadora
Daniela Li publicou um tuíte contando a situação que vivenciou em um encontro com o ex-técnico
de League of Legends (LOL), Gabriel “MiT" Souza, cerca de sete anos atrás. Horas depois da
publicação, diversos relatos de outros abusos começaram a surgir na Internet. Os exposeds, como
são chamadas as revelações, trouxeram à tona comportamentos intolerantes, machistas,
racistas e misóginos dos jogadores da equipe masculina, que se repetiram por diversas vezes.
Além disso, diversas jogadoras do cenário gamer começaram a se manifestar depois da
denúncia6.

5
League of Legends é um jogo de estratégia em que duas equipes de cinco poderosos Campeões se
enfrentam para destruir a base uma da outra.
6
Disponível em: https://www.techtudo.com.br/noticias/2021/01/denuncias-de-assedio-nos-esports-ganham-
forca-no-brasil-entenda-onda.ghtml
36

Entretanto, um dos episódios mais famosos envolvendo o sexismo no mundo gamer


foi o gamergate, uma campanha polêmica contra o assédio virtual e sexismo nos jogos on-
line. O termo gamergate, faz alusão ao Watergate, um dos maiores escândalos de corrupção
da história da política dos Estados Unidos. A polêmica teve início quando o jogo Depression
Quest, da desenvolvedora de jogos americana Zoe Quinn recebeu uma aprovação unânime de
toda imprensa internacional. Depois disso, seu ex-namorado começou a disparar uma série de
acusações na web. Segundo ele o jogo só teria tido repercussão por que Quinn teria dormido
com membros da crítica especializada em jogos. Desse modo, foi lançada a campanha para
que houvesse a discussão sobre liberdade de expressão e direito das mulheres, pois nunca foi
provado que Quinn teria “comprado” opiniões com favores sexuais, sendo plenamente
possível uma mulher receber mérito por sua dedicação e sucesso no desenvolvimento de um
game. (FONTOURA, 2020). O gamergate não foi bem aceito pela imprensa, abrindo margens
para jornalistas e sites publicarem uma série de reportagens machistas, alegando o quanto a
indústria de jogos estaria vendida. A campanha foi perdendo seu real sentido e começou a se
dissipar pelos fóruns e comunidades gamers, tornando-se um movimento que oprime as
mulheres do cenário gamer e contraria a liberdade de expressão feminina, gerando
comentários machistas e estereótipos para com as mulheres.
Outra vítima do gamergate foi a famosa blogueira feminista Anita Sarkeesian. Ela
ficou famosa por apresentar uma série de vídeos em seu canal do YouTube7, onde analisa
jogos clássicos tecendo críticas sobre como as personagens são hipersexualizadas,
evidenciando como as mulheres são representadas como inferiores em detrimento aos
personagens masculinos sempre representados como viris e musculosos. Como era de se
esperar, os fóruns de jogos on-line que são formados a maioria pelo público masculino
começaram a atacar Anita, pois se sentiram afrontados e ofendidos por ela. A indústria gamer
também não gostou nada do posicionamento da ativista. Sarkeesian e Quinn QUEM É
QUINN? receberam uma serie de comentários misóginos por terem incitando essa discussão
no cenário gamer, até mesmo ameaças de morte e estupro. Anita também foi obrigada a
anular uma palestra na Universidade Estadual de Utah ao receber mensagens anônimas sobre
a possível ocorrência um massacre onde ela estivesse, ou seja, caso a palestra fosse acontecer
(FONTOURA, 2020).

7
Disponível em: https://www.youtube.com/playlist?list=PLn4ob_5_ttEaA_vc8F3fjzE62esf9yP61.
37

APARA MIM, FALTOU UM CONTETUALIZAÇÃO DE UM TEORICO SOBRE


ESSES RELATOS DE SEXISMOS NO MUNDO GAMER

5 O jogo como forma de cultura

Para o grande historiador do estudo dos jogos, Johan Huizinga (2007) os jogos fazem
parte da cultura humana e possuem extrema importância para a sua formação, considerando o
aparecimento dos jogos anterior ao surgimento da cultura, pois até uma brincadeira com
animais é considerada um jogo, existindo a necessidade de algumas regras. O jogo é,
Segundo o autor, o jogo

uma atividade ou ocupação voluntária, exercida num certo nível de tempo e espaço,
segundo regras livremente consentidas e absolutamente obrigatórias, dotado de um
fim em si mesmo, atividade acompanhada de um sentimento de tensão e alegria, e de
uma consciência de ser que é diferente daquela da vida cotidiana. (HUIZINGA,
2007, p. 33)

Esse conceito está ligado ao prazer e ao divertimento que o jogo oferece para o ser
humano, como uma forma de distensão e descargas de energia acumulada. Um conceito mais
ligado ao tipo de jogos de competição ou dos esportistas. Um exemplo, é o jogo de futebol
que possui regras que são consentidas pelos jogadores antes de jogar, porém não impede que
haja prazer ao praticá-lo. O autor destaca algumas características essenciais do jogo, uma
delas pode ser destacada como,
38

uma atividade livre, conscientemente tomada como ‘não – séria’ e exterior à vida
habitual, mas ao mesmo tempo capaz de absorver o jogador de maneira intensa e
total. É uma atividade desligada de todo e qualquer interesse material, com a qual
não se pode obter qualquer lucro, praticada dentro de limites espaciais e temporais
próprios, segundo certa ordem e certas regras. (HUIZINGA, 2007, p. 16)

O jogo está fortemente ligado com a liberdade, sendo uma representação do


lúdico na sociedade. Reis (2005) afirma que “o jogo não é a vida real, pelo contrário, trata-se
de uma evasão da vida real, para um plano temporário de total liberdade do espírito” (REIS,
2005, p. 27). É uma atividade espontânea, que ocorre em um tempo/espaço que são pré-
determinados, por ser algo lúdico causa nos participantes um maior interesse em jogar até o
fim e consequentemente aumenta a vontade do telespectador de continuar assistindo. Apesar
de ser uma atividade livre, existem regras e valores que devem ser seguidos, por exemplo a
ética entre os jogadores (REIS, 2005).
A essência do conceito sobre jogos citado por Huizinga (2007), continua até os dias
atuais e pode ser aplicada aos gamers eletrônicos, pois nesse universo os jogadores possuem
liberdade para jogar, existe a delimitação de tempo e espaço para a execução de ações dentro
do jogo, cada jogo possui sua história, personagens e mundo específicos; existem as regras
impostas pelo gamer para que o jogador atinja os objetivos, onde a realidade virtual se funde
com a imaginação. Tudo isso proporciona ao jogador uma experiência única de
entretenimento e diversão.

5.1. A criação dos jogos eletrônicos

Em 1947, os físicos Estle Ray Mann e Thomas T. Goldsmith Junior por meio do
osciloscópio, que era um instrumento utilizado para projetar um sinal nas telas dos televisores,
criaram um dispositivo de entretenimento com tubo de raios catódicos, os traços de luz eram
exibidos no mesmo e aparentavam mísseis. Esse dispositivo foi considerado o jogo
elétrico interativo mais antigo conhecido (AMAROSO, 2014).
Uma década depois no auge da guerra fria e por meio desse mesmo dispositivo, o
físico William Higinbotham produziu um jogo que tentava simular uma partida de tênis. O
game era composto por apenas dois traços e uma bola. O jogo foi batizado de Tennis for Two,
desenvolvido em uma instalação com finalidades bélicas em Nova York, com o objetivo de
39

aumentar o número de visitantes no Brookhaven National Laboratories8(BNL), pois o governo


americano possuía intenção de exibir seu potencial nuclear para a sua nação (SILVA, 2014, p.
28).
Silva (2014) destaca que o outro possível videogame pioneiro surgiu em 1961 e foi
desenvolvido pelo programador Steve Russel estudante do MIT (Massachusetts Institute of
Technology). Era um jogo simples de guerra chamado de Space War que consistia na batalha
de duas naves espaciais que foram representadas por triângulos exibidos na tela de uma
televisão e novamente o jogo não possuía fins lucrativos. É valido lembrar que nessa época a
tecnologia juntamente com os computadores estavam em ascensão, fazendo surgir muitas
novidades causando a evolução dos jogos eletrônicos.
De acordo com Novak (2010), em 1968 Ralph Baer mais conhecido mundialmente
como o pai dos videogames, patenteou sua ideia de um televisor interativo equipado com um
game de tênis de mesa. Em seguida a empresa Magnavox adquiriu a licença do aparelho e em
1972 lançou um console chamado Odyssey com games interativos. Nele continha o jogo de
pingue-pongue inicialmente desenvolvido por Baer, que foi o primeiro console introduzido no
mercado e deu início a indústria de games.
Nessa mesma década também surgia o Pong (Figura 5) o primeiro game da Atari,
projetado pelo engenheiro Atari Al Alcorn. Seu controlador era um disco giratório
bidirecional e as regras consistiam apenas em usar as raquetes para acertas a bola e obter
pontos. Foi o primeiro jogo em maquinas eletrônicas a fazer um grande sucesso, por ser
simples e manipulado por duas pessoas. Junto com o sucesso e o alto faturamento na
indústria, surgiram empresas que começaram a fazer diversas imitações do jogo Pong
(LEITE, 2006).
Franco (2017), ressalta a grande importância que as mulheres desempenharam no
desenvolvimento e programação dos jogos. Um exemplo disso é a programadora e primeira
mulher designer de videogames, Carol Shaw (Figura 6). No final da década de 70, Shaw foi
contratada como engenheira de softwares pela Atari, onde trabalhou em jogos como o Polo
(1978) e Video Checkers (1978). Na sequência em 1979, Shaw lançou o primeiro jogo
comercialmente criado por uma mulher: o 3-D Tic-Tac-Toe, baseado no tradicional jogo da
velha. Já em 1980 na equipe da Activision9 ela programou o River Raider, onde um o jogador

8
O Laboratório Nacional de Brookhaven é um laboratório nacional do Departamento de Energia dos
Estados Unidos situado em Upton, em Long Island, a cerca de 90 quilómetros a este da cidade de Nova Iorque,
numa antiga base do exército americano.
9
Activision Publishing, Inc. são uma distibuidora norte-americana de jogos eletrônicos.
40

pilotava um avião seguindo o curso de um rio afim de combater tropas inimigas; esse foi o seu
jogo mais conhecido tornando-se um clássico na época.

Figura 5- Jogo “Pong”

Fonte: Novak (2010)

Figura 6-Carol Shaw

Fonte: Franco (2017)

Segundo Novak (2010) “o primeiro contato do público com os games eletrônicos não
se deu com os consoles de games domésticos ou com os computadores pessoais, mas nas
casas de games ou de eletrônicos ou de fliperama” (NOVAK, 2010, p. 6). O ápice do
41

fliperama10 ocorreu em 1981 pelo fato de as casas de fliperama estarem localizadas


estrategicamente em parques de diversões ou próximo as escolas, atraindo adolescentes e
crianças. Dessa maneira, a indústria de games faturava bilhões de dólares, quase o dobro da
indústria cinematográfica e das ligas esportivas, os maiores fabricantes de jogos eletrônicos
eram o Japão e os Estados unidos (LEITE, 2006).
Conforme Silva (2014) também na década de 80, o auge da história dos videogames
aconteceu quando os jogos eletrônicos começaram a diminuir nas casas de fliperama e
aumentarem nas residências em forma de consoles, eles eram conectados nos aparelhos de
televisão que serviam como monitores para o jogo funcionar. Os games passaram por muitas
transformações nessa época e a tecnologia havia evoluído suficiente para que programadores
amadores começassem a criar seus próprios jogos, causando um declínio nas vendas das
grandes empresas daquela época como a Atari. Como afirma Mendonça (2014),

a disseminação dos microcomputadores e sua acessibilidade para jogos eletrônicos


começou a afetar não somente a Atari como empresas menores que tiveram de
fechar as portas devido à enorme pressão. Fatores como a enxurrada de consoles e
jogos parecidos e com falta de qualidade – problema que incentivou posteriormente
a Nintendo a criar um selo de qualidade próprio – afastavam o público consumidor e
geravam grandes “elefantes brancos” de produtos encalhados em estoque. (p. 29)

Apesar do declínio na indústria dos videogames, foi no fim desse período que
surgiram os jogos mais famosos do universo gamer, e que até hoje são bastantes populares.
Estes jogos eram, entre muitos, Space Invaders, Frogger, Pac-Man, Donkey Kong e Super
Mario, criados pela famosa Nintendo11 (MENDONÇA, 2014).
Logo depois na década de 90, houve melhorias nas tecnologias de reprodução dos
jogos eletrônicos, a empresa Sony lançou seus jogos em formato de CD e com perspectiva 3D
pois até então, ainda eram utilizados cartuchos para a reprodução dos mesmos. No ano de
2001, a empresa Microsoft, construiu o console XboX360 (Figura 7) que passou a disputar no
mercado com a Sony.

Figura 7- Evolução dos Consoles (1995 a 2006)

10
Fliperama ou salão de jogos é um estabelecimento destinado ao uso de máquinas do tipo "pinball", o
nome "flipper" vem das alavancas usadas para controlar a bola em pinball. O termo pode remeter ainda às
máquinas de "arcade" propriamente ditas.
11
A Nintendo Co., Ltd. são uma desenvolvedora e publicadora japonesa de jogos eletrônicos e consoles
sediada em Quioto.
42

Fonte: https://baudovideogame.wordpress.com/linha-do-tempo/ .Acesso: 05 nov.2021

Com o crescimento da internet de forma exponencial, surgiram os jogos on-line que


começaram a atrair um público que buscava por mais interação social. Assim, nasceu o
MMOs (Massively Multiplayer Online) e o RPG (Role-playing game), uma das modalidades
mais famosas de jogos on-line, que permite que vários jogadores interajam ao mesmo tempo
em um mesmo ambiente virtual. Novak (2010), destaca que “os jogadores imergiam em um
mundo de fantasia simulado e constante, personalizando seus próprios personagens, formando
equipes ou ‘confrarias’ colaborativas e envolvendo-se em missões de aventura” (NOVAK,
2010, p. 32)
Atualmente, devido essa evolução tecnológica, os gamers se desenvolveram também
de maneira visual em seus gráficos altamente realísticos com personagens cada vez mais
parecidos com formas humanas, dando margens para questionamentos de como eles são
representados nos games.

6 A PERSONAGEM FEMININA NOS GAMES


43

Ao longo dos anos, o mundo vem passando por intensas mudanças tecnológicas e
culturais. Destacam-se as lutas e resistências que as mulheres tiveram que enfrentar para obter
um espaço igualitário na sociedade, o feminismo foi essencial para o mesmo. Dessa maneira,
o papel da mulher perante a comunidade evoluiu e suas contribuições avançaram, se tornando
importantes e de grande influência em diversos âmbitos, levando a ocorrer uma mudança na
construção da imagem e da representação da mulher nas mídias atuais.
Dentre as mídias contemporâneas, a dos jogos eletrônicos é uma das que mais se
destacam, os jogos ocupam o ambiente familiar de milhares de pessoas em todo o mundo,
movimentando a indústria de entretenimento, o mercado bilionário mundial e sendo um dos
maiores símbolos culturais.
Para Hall (2016) a maneira com que fazemos uso da linguagem, das coisas que
sentimos, pensamos e dizemos faz produzir significados, esse processo reflete em como
interpretamos algo para podermos representa-lo., assim,

[...] objetos, pessoas, eventos, no mundo - não possuem, neles mesmo, nenhum
sentido fixo, final ou verdadeiro. Somos nós, na sociedade dentro das culturas
humanas que fazemos as coisas terem sentido, que lhes damos significados”.
(Ibidem, p. 106).

A representação é uma das práticas essenciais para a produção da cultura, pois


causam impactos sobre os costumes e o sentido que as pessoas dão para a vida. Desse modo, é
importante que vejamos os games como integrante da cultura visual e questionemos como
essa cultura é reproduzida nas mídias. Louro (2007), discute como as marcas de gênero são
impostas desde o início da vida, no ambiente familiar e no escolar, questionando a construção
da ideia de que existem coisas específicas feitos para meninos e para meninas.
De fato, esse fenômeno também ocorre no universo dos jogos eletrônicos, visto que as
indústrias que produzem os jogos tiveram desde o seu surgimento um público
predominantemente masculino. Conforme Novak (2010)

como a atmosfera e as estratégias de marketing não atraíam a população adulta, esse


segmento demográfico de jogadores era ignorado. Embora fosse fácil para essas
casas de fliperama atrair igualmente as adolescentes do sexo feminino, isso não
aconteceu. Mesmo com games projetados especificamente para atingir um público
mais amplo, como Pac-Man, as casas de fliperama continuaram a ser dominadas
pelos adolescentes do sexo masculino. (p. 56)

No ano de 1982, surgiu a primeira protagonista feminina dos jogos eletrônicos,


derivada do famoso jogo PacMan: a Ms. Pac Man (Figura 8). Seu inventor Toru Iwatani,
44

resolveu investir em um jogo que fosse menos violento e que o público feminino se
identificasse. Assim, criou o personagem Pac Man de batom e lacinho vermelho. O jogo
consistia em um labirinto que a personagem teria que percorrer fugindo dos inimigos e
comendo elementos que aumentaria seu score12. (LEITE, 2006). Ms. Pac Man também
possuía uma estrutura dramática animada em cada momento crítico do jogo. No Ato I(cena) o
Pac-Man e a Ms. Pac-Man encontravam-se; no Ato II (cena 2) os dois flertavam e o Pac Man
perseguia a Ms. Pac Man pela tela; e no Ato III (cena 3) nascia o Pac-Man Jr (NOVAK,
2010).

Figura 8-Ms. Pac-Man

Fonte: Novak (2010)

A renomada empresa de videogames Nintendo, lançou naquela época um jogo com um


dos personagens mais conhecidos em todo o mundo, o Mario Bros. O japonês Shigeru

12
Em um jogo, o score define o total de pontos obtidos por cada jogador ou equipe.
45

Miyamoto criador do Mario, resolveu lançar um jogo diferente dos que já existiam naquela
época, então ele misturou referencias do King Kong com A Bela e a Fera, resultando no game
Donkey Kong (Figura 9). Foi o primeiro jogo do gênero plataforma 13, que consistia em o
personagem principal, o Mario, saltar e correr por plataformas enfrentando inimigos para
salvar sua namorada (Pauline) do Gorila que a mantinha prisioneira. (Ibidem, 2010). Pauline
foi uma das primeiras personagens femininas a ser retratada como uma princesa em apuros,
que necessitava ser salva por um herói.

Figura 9- Donkey Kong

Fonte: https://stringfixer.com/pt/Ms._Pac-Man. Acesso em:10 nov. 2021

Em 1986, nasce a personagem feminina mais conhecida da história dos games, Samus
Aran (Figura 10) da série de jogos Metroid. A personagem foi a primeira a ser retratada como
uma heroína, ao longo do jogo ela utiliza uma armadura pesada com uma bazuca de plasma,

13
É um gênero de jogos eletrônicos em que o jogador corre e pula entre plataformas e obstáculos,
enfrentando inimigos e coletando objetos bônus.
46

porém quem está jogando não sabe que se trata de alguém do sexo masculino ou feminino.
Devido a Samus esconder sua identidade com as vestimentas, era impossível sofrer um pré-
julgamento. Ao longo do game, se o jogador terminasse o jogo em determinado tempo
recorde, a personagem retiraria sua armadura e capacete aparecendo apenas com um biquini,
apenas dessa maneira o jogador descobria que se tratava de uma mulher, como se ela fosse
considerada um prêmio para ele. Por outro lado, se o jogador perdesse, a identidade de Samus
continuaria preservada levando o jogador a crer que ela era um personagem homem.

Figura 10-Samus Aran

Fonte: https://www.theenemy.com.br/esports/um-breve-historico-das-mulheres-nos-games. Acesso em


20 nov.2021.
47

As personagens femininas foram sendo inserida nos games ao longo do tempo, porém
em comparação com a quantidade de personagens masculinos, a presença das personagens
femininas ainda é muito pequena. Desde o surgimento dos games é perceptível a
predominância dos estereótipos de gênero e como as minorias são representadas de forma
equivocadas, principalmente relacionados a estarem ligadas a vida doméstica e a
hipersexualização dos corpos. De acordo com John Berger (1999, p. 66 apud ROMANUS
2012, p. 19),

a mulher é representada de uma maneira bastante diferente do homem –não porque o


feminino é diferente do masculino – mas porque se presume sempre que o
espectador ‘ideal’ é masculino, e a imagem da mulher tem como objetivo agradá-lo.

É comum vermos nas mídias representações de mulheres caracterizadas como


submissas e inferiores aos homens. Em 2012, o estúdio de videogame Bungiea convidou
Anita Sarkeesian para falar sobre o desenvolvimento de personagens femininos fortes. O tema
foi bem recebido e a inspirou a pensar mais em games. Em 27 de maio daquele ano, Anita
lançou uma campanha em uma plataforma para financiar seus projetos criativos para seu canal
no YouTube, o Feminst Frequency, projeto no qual seria uma web série intitulada Tropes vs
Women in Videogames. A campanha foi um sucesso e arrecadou 158,922 dólares, Anita
expandiu o seu projeto e o número de vídeos que seriam lançados no canal. Durante cinco
anos, Anita lançou em seu canal cerca de 16 vídeos, os vídeos tinham como objetivo analises
e críticas das representações femininas nos games (VIEIRA, 2018)
Sarkeesian expõe que a maioria dos gamers eletrônicos atendem ao público masculino
heterossexual, em seus vídeos ela explora os estereótipos dos gamers que diminuem as
mulheres nessa cultura. Ela apresenta os personagens masculinos que são jogáveis versus as
personagens femininas objetificadas para tecer uma comparação. De acordo com Vieira
(2018)

em seus vídeos, Sarkeesian identifica as seguintes tropes: Damsel in Distress,onde


uma personagem feminina e passiva é resgata da pelo herói, muitas vezes o tema
da violência à mulher se faz comum e as personagens femininas são vistas
como descartáveis; Ms Male Character, onde a personagem feminina é uma
variável de um já existente personagem masculino, e apenas características
tipicamente atribuídas às mulheres as diferenciam dos mesmos; Women as
Reward,onde as personagens e o seu corpo são apresentadas como recompensa para
alguma ação no jogo. (VIEIRA, 2018, p. 696)
48

Anita categoriza e da nomes aos estereótipos


identificados nos gamers, não só os citados por Vieira (2018) mas como outros vários, em
seus vídeos. Essa categorização serviu de aporte para estudos das personagens femininas, em
todas as categorias o tema da hipersexualização e objetificação da mulher está presente,
mostrando o quanto as personagens são inferiorizadas nesse contexto.
A representação das mulheres nos jogos eletrônicos de forma apropriada é
fundamental para que a representatividade da mesma seja reconhecida dentro desse universo.
Essa representatividade tem como objetivo dirimir os estereótipos negativos, ofensas e
preconceitos sofridos por essa classe oprimida. De acordo com Lipovetsky (2000 apud
SALÁFIA, p. 226), “a representação da mulher deve colocá-la em sua ausência, transmitir seu
real significado através de suas leis, de sua moral, de sua dimensão psicológica e de seus
papéis sociais e sexuais”.

6.1 A hipersexualização da personagem Lara Croft

A ausência da representatividade feminina nos games é visível, pois são estereotipadas


principalmente em suas formas físicas, levando a uma hipersexualização da personagem na
maioria dos games. A palavra "hipersexualização não possui significado definido nos
dicionários, mas podemos deduzir conforme o significado de sexualização e suas derivações,
pelo dicionário Michaelis (2021) que sexualizar significa “tornar(-se) sexualizado; adquirir
conotação, aparência ou conteúdo sexual”. Desse modo, as personagens são representadas
com exagero sexual não condizendo com o contexto do jogo que estão inseridas. Para
Bouchard et. al. (2005, p. 11) “a hipersexualização é um fenómeno que consiste em atribuir
caráter sexual a um comportamento ou a um produto que o não seja”.
No dia 15 de outubro de 1996 foi lançado no Playstation One, Tomb Raider, uma das
séries de jogos de grande sucesso na geração dos anos 90, com uma das heroínas mais
marcantes de toda a história dos jogos eletrônicos, Lara Croft. Uma famosa arqueóloga
britânica, que é deserdada por seus pais depois que abandona o noivado com o Conde de
Farringdon para se dedicar a explorar tumbas e procurar artefatos misteriosos.
Lara, se tornou símbolo da representatividade feminina por ser forte, inteligente e
destemida, abrindo margem para o surgimento de mais personagens femininas nos games.
49

Porém, o que mais chamava atenção na personagem era sua forma exageradamente sensual, o
que levava a ser vista como símbolo sexual e levantar o questionamento se ela estava sendo
representada como apenas algo para agradar ao público masculino. No primeiro jogo (Figura
11), observa-se que a personagem era um simples modelo 3D constituída de 250 polígonos,
mas já era perceptível como suas formas ficavam em evidencias, com seus seios volumosos e
cintura desproporcionalmente fina, seus trajes curtos e apertados também não condiziam com
suas missões perigosa que ela enfrentava (cair de grandes alturas, escalar penhascos e pular).
Para Mungioli (2011), Lara possui motivações mal construídas,

ela não possui múltiplos traços psicológicos, sendo impossível descrevê-la sem citar
seus atributos físicos, ou a sua profissão. Logo, sua construção narrativa nunca
surpreende e suas atitudes e interesses são sempre previsíveis”. (p. 6)

O jogo Tomb Raider teve algumas continuações e em cada uma delas se tornava mais
hipersexualizada, no entanto apesar de tantas diferenças e evolução tecnológica nas interfaces
dos jogos, a personagem continuava com a mesmo aspecto “vazio” da primeira versão do
jogo, apenas sendo uma mulher linda, rica e sexy.
Outro ponto que podemos observar, é de que em todos os games da franquia Tomb
Raider até 2016 (Figura 12), a personagem Lara Croft não interage com outros personagens
do gamer, aparecendo sozinha praticamente o jogo inteiro e quase não possui diálogos, apenas
dá gemidos e suspiros enquanto pratica as suas ações dentro do jogo, trazendo uma atmosfera
sensual para o game.

Figura 11-Evolução da Lara Croft


50

Fonte: https://www.theenemy.com.br/playstation/25-anos-de-tomb-raider-desbravando-o-legado-de-
lara-croft . Acesso em :25. Nov.2021.

Figura 12- Tomb Raider Umderwored

Fonte: https://www.theenemy.com.br/playstation/25-anos-de-tomb-raider-desbravando-o-
legado-de-lara-croft . Acesso em :25. Nov.2021.

Em 2013 foi lançado um dos maiores sucessos da franquia, Rise of the Tomb Raider.
Finalmente a protagonista Lara Croft está mais madura, com mais personalidade e
profundidade em suas relações, a heroína aparece vestida de maneira condizente com a
missões que ela tem realizar no gamer, deixando de lado os shorts e agora aparece utilizando
uma calça, os seios e o corpo parecem mais condizentes com a realidade, tornando-a com o
porte físico mais proporcional e realístico. Melo (2016) analisa:

Lara suja-se constantemente de lama e sangue, recebe cicatrizes e tem não só os


braços cobertos por ataduras como também a roupa suja e rasgada, ainda que de
51

forma que não revele mais de seu corpo. Ou seja, por mais dentro dos padrões de
beleza que Lara seja, ela não é apresentada como uma beleza constante, o que
subverte estereótipos de feminilidade. (p. 56)

Pode se dizer que essa versão da Lara é a de verdadeira heroína, pois carrega a
essência da personagem destemida e corajosa, porém não possui apelo sexuais e está mais
humanizada. Uma protagonista que não agrada apenas uma parcela do público, mas sim, que
as mulheres podem se identificar e se inspirar.

Figura 13- Rise of the Tomb Raider.

Fonte: https://www.theenemy.com.br/playstation/25-anos-de-tomb-raider-desbravando-o-legado-de-
lara-croft . Acesso em :25. Nov.2021.
52

7 ESTUDO DE CASO

Figura 14- Gráfico 1: Qual a sua Idade?

Fonte: Elaboração própria, (2021).

Primeiramente, identifica-se o perfil das participantes questionando a idade. Assim, foi


observado que a faixa etária das jogadoras barreirenses se situam em sua grande maioria entre
21 e 36 anos: 55,8 %. Devido essa grande porcentagem, percebe-se que a maioria do público
feminino é formado por mulheres jovens/adultas. Como já mostrado nessa pesquisa, o fato de
a maioria dos jogadores serem dessa faixa etária, pode se dar por que a maior parte desses
indivíduos fazem parte da Geração Y, mais conhecida como Millenials, na qual os sujeitos
nasceram em um mundo já globalizado, marcado principalmente pelo avanço tecnológico e
pela influência da internet na vida social (FARIA, 2016).
53

Figura 15- Gráfico 2: Qual tipo de jogo você joga?

Fonte: Elaboração própria, (2021).

Dando prosseguimento, quanto a análise dos jogos, foi questionado qual tipo
de gênero de jogo as participantes preferem/jogam. Foi colocado nas alternativas os gêneros 14
mais populares de jogos eletrônicos. Sendo eles:

1.1 FPS (First Person Shooter), que são jogos de tiro em primeira pessoa.
Exemplos: Counter-Strike, Call of Duty;

1.2 Battle Royale, Tem como objetivo colocar times de jogadores em uma
arena para eliminar inimigos e sobreviver até o final da partida.
Exemplo: Fortnite e PlayerUnknown’s Battlegrounds (PUBG);

1.3 MOBA (Multiplayer Online Battle Arena), reúne elementos do RPG e


estratégias, os MOBA’s permitem que o jogador controle um
personagem, crie um time para combater os inimigos em uma arena
especificas, Exemplo: League of Legends (LOL) e dota 215;

1.4 RPG (Role-Playing Game), é derivado do RPG tradicional (jogo com


fichas e dados em que os participantes devem interpretar seus
personagens), os eletrônicos têm o objetivo de completar várias missões
para chegar à conclusão do enredo principal, enfrentando inimigos e

14
Disponível em: https://fastlife.fastshop.com.br/moba-fps-mmo-conheca-os-generos-de-games-
eletronicos-mais-populares/
15
Dota 2 é um jogo eletrônico gratuito do gênero batalha multijogador,
54

melhorando a habilidade dos personagens. Exemplo: Witcher e Final


Fantasy;

1.5 MMO e MMORRPG (Massively Multiplayer Online Role-Playing Game),


envolvem centenas de jogadores que interagem e cooperam ativamente
entre si, assumindo o papel de um personagem e normalmente todos os
jogadores compartilham o mesmo objetivo ou um objetivo semelhante.
Nas opções de personalização dos personagens existem inúmeros
equipamentos e características para deixar o jogador único, além de
cenários realísticos com mudanças de clima. Exemplo: World of Warcraft
(WoW) e Final Fantasy XIV;

1.6 PVP (Player versus Player), um estilo onde um ou mais jogadores


enfrentam outros jogadores no habitual cara a cara, esse gênero é mais
comum em jogos de luta, onde é possível acompanhar o progresso de
cada jogador ou derrota, através de uma barra de energia/força/saúde no
topo da tela. Exemplo: Mortal Kombat X, Street Fighter.

Os resultados da pesquisa apontam que o gênero que as jogadoras mais jogam é o MOBA
(Multiplayer On-line Battle Arena), com 30,2%, seguido do MMORPG (Massively
Multiplayer On-line Role-Playing Game) com 20,9 % e do RPG (Role-Playing Game) com
18,6%. Os gêneros mais escolhidos pelas participantes são jogados em times ou duplas,
menos o RPG que os jogadores podem escolher se preferem individual.
Para Fortim (2008, apud KROTOSKI, 2004) as mulheres possuem mais afinidades com
jogos que envolvam uma interação social, ou seja, onde possam conversar com os outros
jogadores e isso é possível principalmente nos jogos MOBA e MMO.
Já para Izukawa (2015) é presente o estereotipo de que as mulheres só jogam para
interagir com seus namorados ou amigos. Dessa maneira, esses dois estereótipos referidos
pelos autores, sugerem que as mulheres não se interessam realmente pelos games, e sim para
poder interagir mais socialmente, reforçando outros estereótipos de que as mulheres falam
mais que os homens e que fazem determinadas ações só para agradar o companheiro, quando
na verdade, as mulheres podem se sentir interessadas pelos games por gostar de competição e
entretenimento. Em geral, podem se atrair por jogos pelos mesmos motivos que os homens.
55

Figura 16- Gráfico 3: Considera o ambiente de games machista?

Fonte: Elaboração própria (2021)

Na continuação do referido questionário, das quarenta e três mulheres que


foram questionadas se consideravam o ambiente dos games machista, trinta e quatro
responderam que “sim”, correspondendo a 79,1%; cinco pessoas responderam que “não”
(11,6%); e quatro pessoas (9,3%) responderam que “talvez”. Observa-se que uma grande
maioria afirma que o ambiente de games é machista, evidenciando a suposta dominação e
poder masculino sobre o feminino no ambiente gamer.
Segundo Drumont (1980) o machismo se configura em um sistema de representações-
dominações que emprega o argumento do sexo para definir as relações entre homens e
mulheres, reduzindo-os a sexos hierarquizados, categorizando assim, o machismo como a
dominação do homem sobre a mulher na sociedade, transformando o espaço dentro dos jogos
em um espaço onde ocorre opressão e a marginalização.
Desse modo, é perceptível o quanto os jogos são dominados pelos homens, onde
utilizam de estratégias para amedrontar e desqualificar as jogadoras. Com a tentativa de
amedrontar e/ou menosprezar as mulheres num espaço popularmente machista, os homens as
56

agridem de modo pejorativo as “reenviando” para um local onde acreditam que as mulheres
devem estar, o ambiente doméstico (BEAUVOIR, 1970).
Esse fato pode ser comprovado mediante os depoimentos nas questões abertas quando
questionado se as jogadoras já passaram por alguma situação machista. Dizem algumas delas:
“Sempre rola de falarem que eu deveria lavar louça ao invés de jogar” (PARTICIPANTE 5),
“mandaram eu ir lavar louças e arrumar a casa. Fiquei irritada”. (PARTICIPANTE 28).
Como proposto, por (COSTA e ANDROSIO, 2015) apesar das mulheres possuírem
grandes conquistas ao longo do tempo, ainda há marcas do tradicionalismo, onde a mulher
é vista e reduzida como a responsável por cuidar da casa e da família (COSTA e
ANDROSIO, 2015). Outro depoimento reforça esse pensamento:

Me recordo que em uma partida, um jogador (masculino) disse que eu jogava mal
pois, além de eu ser mulher, eu deveria passar mais tempo na cozinha fazendo
minhas ‘obrigações’ ao invés de jogar, e depois me perguntou: - Quantas meninas
você está vendo por aqui? Jogos são pra homens, vá lavar os pratos.
(PARTICIPANTE 23)

É possível identificar em muitos depoimentos os estereótipos de que “lugar da


mulher é na cozinha”, apesar de ser um preconceito bastante antigo ele prevalece até os
dias atuais, onde as mulheres além de trabalharem fora ainda precisam as vezes, serem as
únicas responsáveis pelas atividades domésticas. Essa ideia possui raízes desde a infância,
onde crianças em suas brincadeiras são ensinadas a brincarem com carrinhos e meninas
com acessórios de casa e cozinha, uma visão que se perpetua por toda a sociedade (SOUZA
e ROST, 2016).
ESSAS NARRATIVAS DAS SUAS ENREVISTAS DEMONSTRAM COMO O
MACHISMO TENTA CONTIDIANAMENTE DESQUALIFICAR A PRESENÇA DA
MULHER NOS UNIVERSO DOS JOGOS ELETRONICOS E EM OUTROS SETORES
DA SOCIEDADE.

Figura 17-Gráfico 4: Já foi acusada de não ser uma boa jogadora por ser mulher?
57

Fonte: Elaboração própria, (2021).

Na seguinte pergunta, as participantes foram questionadas se já foram


acusadas de não serem boas jogadora por ser mulher, trinta e uma (72,1%) responderam
que sim, e doze (27,9%) responderam que não. Além disso, nós depoimentos das jogadoras
é possível encontrar muitos exemplos de como os homens subjugam a inteligência da
mulher. “Quando vou jogar em um nível superior (difícil) e os jogadores que são homens,
dizem que não consigo por ser complicado demais pra mim” (PARTICIPANTE 12). “Caras
comentando que eu só podia ser um cara disfarçado de menina pra ter uma performance tão
boa assim; mandando eu ir lavar uma louça ao invés de jogar e infinitas agressões verbais”
(PARTICIPANTE 6).
Como afirma Guillaumin et. al. (2014) a construção social da inteligência feminina e
masculina é uma das principais dimensões da apropriação das mulheres, pois a inteligência da
mulher é vista como uma inteligência prática, inteligência da coisa. Logo, as mulheres não
possuiriam domínio do cérebro nem senso de logica e desse modo, supostamente, elas não
teriam as mesmas agilidades e desenvoltura dos homens nos games. “Qualquer erro cometido
é associado com nosso gênero, como se o fato de ser mulher inferiorizasse enquanto
jogadora devido as capacidades físicas, cognitivas, estratégicas, etc.” (PARTICIPANTE
11).
No século passado, muitas mulheres que gostariam de estudar e aprender, eram
oprimidas, escutando frequentemente que o estudo era um desperdício de tempo para elas e
que deveriam se ocupar aprendendo a cuidar do lar, do marido e dos seus filhos. Para elas,
o estudo não iria servir para nada, pois a única função da mulher na sociedade era ser uma
boa esposa e mãe. Beauvoir (1970, p. 12) destaca “O destino que a sociedade propõe
tradicionalmente à mulher é o casamento [...]”.
58

Ademais, se a mulher obtivesse direito de estudar deveria ser em um nível muito


inferior ao gênero masculino, pois existia um medo de que as mulheres acessassem mais
conhecimentos que os homens. A mulher só podia ouvir e aprender o menor número de coisas
possíveis, sendo impedidas de conversas e se intrometer nas conversas dos homens. Por isso,
foram colocados tantos rótulos nas mulheres ao longo do tempo, pois sempre foram
inferiorizadas e subestimadas pelos homens e, portanto, pela sociedade. Isso se reflete nas
falas machistas e estereotipadas dos homens nos jogos eletrônicos. “Uma vez eu derrotei
vários homens em duelos e eles foram zoados pelos outros por terem perdido para uma
mulher” (PARTICIPANTE 16).
INFELIZMENTE ESSES CASOS LEVAM AO FEMINICIDIO, HOMEM NÃO
ACEITAR A PERDA PARA UMA MULHER

Figura 18- Gráfico 5: Você já teve alguma experiência de ter sido agredida verbalmente durante um jogo por ser
mulher?

Fonte: Elaborada pelo autor (2021)


59

Foi questionado também, se as participantes já teriam sido agredidas verbalmente


durante um jogo por ser mulher. Vinte mulheres (46,5%) afirmaram que “sim”, dezoito
(41,9%) responderam que “não” e cinco (11,6%) não recordaram se já teriam sido
agredidas verbalmente. Apesar das percentagens se manterem quase equilibradas entre
“não” e “sim”, continua mais alto o número de mulheres que afirmam sofrer com esse tipo
de violência no cenário gamer. Como pode ser visto nos depoimentos das participantes,
elas sofrem muito com assedio verbal e são constantemente ofendidas:

sempre ao saber que sou mulher em partida, além do assedio verbal, sou chamada
de ruim, horrível e falam que erro por ser mulher. Além disso, várias vezes os
homens se sentem à vontade para fazer comentários obscenos. (PARTICIPANTE
7)

Essas relações de poder entre homens e mulheres produzem a desigualdade de


gênero, que se configuram em diversos tipos de violência contra a mulher, uma delas é a
violência de gênero. Arendt (2011, p.35) debate analogicamente sobre o poder: “[...] A
violência aparece onde o poder esteja em perigo, mas se se deixar que percorra o seu curso
natural, o resultado será o desaparecimento do poder”.
A violência de gênero pode ser definida como quaisquer tipos de atos cometidos
contra pessoas em situação de vulnerabilidade devido a sua orientação sexual ou identidade de
gênero. Verifica-se que as pessoas mais atingidas por esse tipo de violência são as mulheres,
que sofrem com agressões físicas, psicológicas e sexuais, além de serem acometidas por
diversas formas de ameaças. Sendo caracterizada principalmente pelo controle do gênero
masculino sobre o feminino. A violência psicológica é aquela que mais prevalece no ambiente
gamer, como os atos de humilhação, difamação e discriminação para com as jogadoras. Essas
atitudes podem ocorrem por meio de discursos de ódio, ameaças, chantagens, ofensas, ou seja,
que prejudicam a saúde mental das mulheres, causando ansiedade, baixo auto estima e uma
série de problemas psicológicos (SOUZA e ROST, 2019).
Assédio, foi um termo bastante presente nas falas das participantes da pesquisa, que
pode ser descrito como sendo, condutas abusivas por meio de palavras, comportamentos, atos,
gestos e escritos. O assédio também é um tipo de violência. “Já sofri assédio no cenário. O
cenário competitivo feminino é mais difícil de se destacar e menos valorizado que o
masculino. A gente treina tanto por nossos objetivos pra depois ser desvalorizada”.
(PARTICIPANTE 22).
60

O assédio verbal, sexual e virtual caminham juntos, e são cada vez mais causados
pelos jogadores, como descrito por uma participante: “Um cara me ameaçou dizendo que ia
me estuprar coletivamente. Ele não sabia nada sobre mim, mas mesmo assim eu fui dormir
pensando nisso, foi terrível" (PARTICIPANTE 3).
Essa fala da participante se configura como assédio sexual/virtual, pois ela sofreu
uma ameaça do jogador de que seria estuprada, ferindo sua dignidade através da
humilhação e do medo. “O assédio sexual caracteriza-se por constranger alguém, mediante
palavras, gestos ou atos, com o fim de obter vantagem ou favorecimento sexual,
prevalecendo-se o(a) assediador(a) da sua condição de superior hierárquico” (PEIXOTO,
2011).
Além disso, a cultura do estupro também pode ser identificada no depoimento da
participante três. Essa cultura nada mais é que a banalização e normalização do crime de
estupro pela sociedade que estimula essa cultura, principalmente objetificando as mulheres.
A cultura em questão, faz parte de um sistema patriarcal com uma estrutura de pensamento
fundamentado na dominação dos homens sobre as mulheres. O depoimento de uma
participante resume bem todo sofrimento que as jogadoras passam por serem simplesmente
mulheres:

Geralmente os casos mais comuns, são o assédio, se descobrirem que você é mulher,
vão mandar solicitação pedir foto, redes sociais... e já criam um romance na cabeça,
se você fala não, então vem os xingamentos absurdos, eles querem uma prova de
que você é mulher. E usam isso para fazer críticas, se estiver jogando mal
automaticamente o motivo é ser mulher. Além do preconceito e padrão criado pelos
homens da comunidade, onde tem muito racismo. Personagem sempre branca, com
peitos grandes e assim é o modo como querem que as mulheres sejam. As streaming
com mais visualizações são com mulheres nesse padrão e mesmo assim não
conseguem fazer um bom trabalho justamente pelo assédio, que não é difícil de
notar. Todos que assistem já estão acostumados e deixam passar, pq esse é o modelo
padrão da comunidade. Com mais homens, onde as mulheres tentam conquistar o
seu espaço, mas com muita luta, falta de patrocínio, falta de incentivo, e engolindo
muitos sapos. Querem comparar por não ver mulheres em muitos jogos
competitivos, mas o universo dos jogos é muito mais formado por homens e uma
mulher em meio a eles como parte de um time não se sentiria à vontade.
(PARTICIPANTE 36)

Figura 19- Gráfico 7: Você acha que o mercado de games produz jogos voltados para o público masculino e
outros jogos voltados para o público feminino?
61

Fonte: Elaboração própria, (2021).

Quando questionado para as jogadoras se elas achavam que o mercado de


games produziam jogos específicos para o público masculino e para o feminino, trinta e
uma (72,1%) responderam que “sim” e doze (27,9%) responderam que “não”. Portanto, a
maioria das jogadoras acham que existe essa diferenciação no mercado. Como já foi
demostrado na pesquisa, o mercado dos games é dominado pelo sexo masculino desde seu
início. Saláfia (2018, p. 226) considera que “as mulheres são grande parte consumidora da
indústria dos videogames, mas a indústria continua a investir no homem de trinta e três
anos de idade, solteiro e viciado em tecnologia”.
BRISTOT et. al. (2017) afirma que essa segmentação do mercado pode ser
explicada pelos valores que a sociedade atribuiu para diferenciar os gêneros, como por
exemplo, meninos usam azul e meninas usam rosa. Nos games isso ocorreu, pelo fato de
como as mulheres são representadas nos games e de como os estereótipos negativos
relacionados a ela comprovam que os games são produzidos para agradar ao público
masculino, excluindo a mulher de ser uma jogadora. Como as empresas de jogos
eletrônicos visam ao lucro, logo eles apelam para esse tipo de estratégia causando uma
segregação no mercado.
Pode-se tomar como exemplo o jogo Garota popular – Fashion arena (Figura 20)
em que os jogadores customizam uma personagem, tendo as opções de mudar suas roupas,
sapatos, acessórios e até a maquiagem da personagem. Ainda é possível modificar o
cenário e até escolher o tipo ideal de namorado para ela. Nesse caso fica claro como o uso
de estereótipos acerca do “universo feminino” e da ideia de que “mulher precisa de um
namorado” existe em certos games, compondo temáticas equivocadas pela indústria e pela
sociedade do que é ser mulher.
62

Figura 20- Captura de tela de Garota popular – Fashion arena

Fonte: https://garotapopular.com/. Acesso em: 5 dez. 2021

Figura 21- Gráfico 8: Você acha que existem jogos com personagens femininos hipersexualizados?]

Fonte: Elaboração própria, (2021).

Na penúltima pergunta, as participantes foram questionadas se


existem jogos com personagens femininos hipersexualizados, Trinta e cinco (81,4%)
responderam que “sim”, quatro (9,3%) responderam que “não” e quatro (9,3%) disseram
“não sei”. Analisando esses dados, percebe-se que é bastante expressivo o número de
mulheres que acham as personagens sexualizadas no universo gamer.
Sabendo que a maioria das mulheres nessa pesquisa jogam o gênero MOBA,
podemos tomar como exemplo para análise das personagens o jogo Legend of Legends
(LOL). O jogo desenvolvido pela empresa Riot Games é um dos games mais jogados dos
MOBAS em 2021, se tornando um fenômeno mundial de popularidade.
63

Consiste em um jogo de estratégia, onde possui duas equipes de cinco jogadores, os


jogadores assumem o papel de campeões e se enfrentam um em cada base do mapa. O
objetivo é destruir a base do adversário para conseguir a vitória e nesse caminho os
jogadores podem deparados com uma serie de torres que defendem o território de cada um.
No jogo, são mais de 140 campeões que podem ser escolhidos pelo jogador, onde cada
campeão possui forças, habilidades e fraquezas diferentes. De acordo com Nascimento
(2006) uma grande parte das campeãs no jogo são retratadas equivocadamente a partir do
olhar masculino, onde são exaltadas características como a nudez e a sensualidade, sendo
hipersexualizadas.
A sexualização das personagens foi bastante mencionada nos relatos das
participantes, quando questionadas sobre como os estereótipos na comunidade gamer
podem diminuir:

Desde o sistema, deve mudar em tudo. Criar leis que proíbam a sexualização de
mulheres em jogos (pois isso é apenas para atrair o público masculino, é nojento e
incentiva a objetificação das mulheres). Personagens femininas com roupas e
armaduras não biquínis, e então mudar o sistema dos jogos online, dando punição
para comportamentos machistas, penalidade e expulsão durante campeonatos.
Incentivo para mulheres que jogam e mais patrocínios. (PARTICIPANTE 2)

Dentre as campeãs mal representadas no jogo, podemos destacar Sarah fortune, mais
conhecida como Miss Fortune (Figura 22). Eduardo Gonzales o artista criador da personagem,
afirma que a heroína é representada como um ícone sexy, mas não como uma mulher indefesa.
Sarah é uma lendária caçadora de recompensas de um lugar chamado “Águas de Sentina”,
tornando-se uma garota vingativa e implacável. Gonzales enfatiza em sua personagem
elementos exageradamente representados, como suas armas e seu corpo escultural. Ele afirma
que Miss Fortune foi criada baseada no conceito de uma garota pin-up16 dos anos 50 (CRUZ,
2017).
As características das personagens visualmente são bem apelativas e segue o padrão de
“corpo perfeito”, com um corpo magro, cintura fina e seios avantajados. Em suas roupas
notamos grandes decotes, roupas muito justas e curtas marcando o seu corpo voluptuoso. De
fato, as roupas não condizem com a narrativa da personagem, considerando ser inacreditável
uma personagem se defender de inimigos no campo de batalha com um corpo tão visualmente
desprotegido.
16
Pin-up se refere a uma modelo voluptuosa, cujas imagens sensuais produzidas em grande escala
exercem um forte atrativo na cultura pop.
64

Além disso, durante o gamer a voz e a fala da personagem é representada bastante


estereotipada. É perceptível o quanto a voz da miss fortune é sexy, em determinadas situações
quando ela fala um bordão é acompanhado de gemidos e sussurros. Alguns dos seus bordões
remetem ao duplo sentido da forma libidinosa como é expressado, como por exemplo “tem
certeza de que pode comigo, invocador?”, ou “a brincadeira começou” e até mesmo “você
tem cara de mal, eu gosto disso”.
Desse modo, fica evidente como a hipersexualização das personagens femininas
reflete na personagem Miss Fortune, onde a objetificação de sua aparência torna-se mais
relevante do que exaltar seus atributos de guerreira empoderada, pois ainda é constante a
tentativa de agradar e atrair o público masculino para servir seus desejos e fantasias.

Figura 22- Miss Fortune

Fonte: https://universe.leagueoflegends.com/pt_BR/champion/missfortune/ .Acesso em :20 dez. 2021

Figura 23- Gráfico 9: Você acha que existem jogos com personagens femininos estereotipados?
65

Fonte: Elaboração própria, (2021).

Na última pergunta fechada do questionário, investiguei com as participantes


se elas acham que existem jogos com personagens femininos estereotipados (laços, saltos,
cores rosas). Trinta e sete (86%) responderam que “sim”, quatro (9,3%) responderam que
“não” e duas (4,2%) responderam que não sabiam. Ficando evidente como a maioria acredita
que ocorre esse fenômeno de estereotipar as personagens. Esse fato pode ser comprovado nas
falas das participantes, onde a palavra estereotipo aparece muitas vezes nos depoimentos.
Como exemplo, a crítica de uma participante em relação as heroínas dos gamers serem
retratadas de salto alto e batom, como se essas características fossem as únicas para se
referenciar uma mulher:

Os jogos têm que ter uma igualdade entre personagens femininos e masculinos já
que na maioria o masculino sempre tem um destaque maior dando mais valor do que
o feminino. Tem que mudar as campeãs femininas em questão a salto, batom, etc pq
nem todas as mulheres são assim, somos todas diferentes, e é triste que os
estereótipos prevalecem. (PARTICIPANTE 10)

Uma personagem que merece destaque em relação o quanto é estereotipada nos


jogos eletrônicos, é a Princesa Peach Cogumelo (Figura 24). Famosa personagem do jogo
Super Mario Bros, Peach é uma princesa do Reino dos Cogumelos que desempenha seu papel
de donzela em perigo, onde o personagem Mario precisa passar por todos os obstáculos do
jogo até salvar a princesa e “ganhá-la” como se fosse um prêmio. Salvando a princesa,
automaticamente o jogo é finalizado e a vitória alcançada. A frágil e doce princesa é retratada
66

com seu vestido rosa, cheia de joias e cabelos loiros, fazendo uma referência romantizada do
arquétipo da mulher.
Essa falsa representatividade vai bem além das vestimentas das personagens e
Mungoli (2011) classifica que os personagens com essas características são denominados
personagens planos, ou seja, que não possuem traços de personalidades nem motivações
profundas, a função deles no game não tem muita relevância, funcionando apenas como
objetos para o personagem protagonista.
Figura 24-Princesa Peach

Fonte: https://mario.fandom.com/pt/wiki/Princesa_Peach. Acesso em: 25 nov.2021

São nessas falsas representações do que é ser feminina que são colocados
significados construídos pela sociedade, significados nos quais são estritamente forçados e
que propagam uma separação artificial para distinguir homem e mulher em classes totalmente
distintas. Enquanto os personagens femininos apenas passam despercebidas e sem muito
aprofundamento nos jogos, os masculinos possuem uma personalidade mais bem construída
(SARKEESIAN, 2013).
Para finalizar, as participantes foram convidadas a sugerir maneiras de dirimir o
machismo e os estereótipos na comunidade gamer. As respostas corroboram com a
necessidade de discutir mais sobre essa questão e procurar saídas para os problemas citados,
como pode ser observado:
Ao meu ver, este assunto deveria ser mais discutido e amplamente difundido dentro
da comunidade gamer, visto que este ambiente foi primeiramente pensado para
homens (mesmo que isso não esteja explicitado, sabemos que a sociedade como um
todo foi pensada para o homem). Então, acredito que a partir do debate, possa ser
pensada uma maneira de criar um lugar mais confortável e acolhedor, em que
67

mulheres se sintam seguras para denunciar quando sofrerem violações dentro desse
ambiente virtual. (PARTICIPANTE 32)

Ademais, a Participante 22 considera que,

infelizmente cada atidute deve ser combatida individualmente, mas ajudaria muito
se os criadores de jogos não fossem tão machistas afinal em varios chats de jogos se
vc defender coisas como violência ou intolerância eles te banem ou te dão uma
punição e isso nao ocorre em relação as mulheres e digo mais os proprios
personagens alimentam a cultura do estupro e da pedofilia com personagens
femininaa com vozes de criança e corpo de adulto.

Já a Participante 12 menciona que,

desde o sistema, deve mudar em tudo. Criar leis que proíbam a sexualização de
mulheres em jogos (pois isso é apenas para atrair o público masculino, é nojento e
insentiva a objetificação das mulheres). Personagens femininas com roupas e
armaduras não biquínis, e então mudar o sistema dos jogos onlines, dando punição
para comportamentos machistas, penalidade e expulsão durante campeonatos.
Insentivo para mulheres que jogam e mais patrocínios.

Enfim a Participante 10 pondera que,

a conscientização de que mulheres podem e devem participar do mundo de e-sports,


e também, jogarem os jogos que quiserem por diversão deve vir de anúncios
publicitários inclusivos, de grandes marcas de jogos e até mesmo de times do mundo
dos games que mostrem que as mulheres tem a mesma capacidade de alcançar
grandes conquistas, incluindo-as pra representar e jogar nesses times. Não deixando
de lado, também, campanhas que fomentem o respeito dentro da comunidade, não
apenas com as mulheres, mas com todas as minorias que participam do mundo
game.

Como podemos observar, as respostas adquiridas nas pesquisas juntamente com os


gráficos e percentuais, comprovam a hipótese de que na comunidade formada por mulheres
jogadoras, residentes da cidade de Barreiras (BA) sofrem com o sexismo e machismo
recorrente dentro das plataformas virtuais. O mesmo machismo que mulheres enfrentam em
seu dia a dia, foi transportado para o cenário gamer, porém ainda mais acentuado, pois como
afirma a Participante 27 - “Por ser um ambiente que não é "cara a cara" acho muito difícil
homens se atentarem ao machismo”. A internet possibilita que os jogadores se escondam por
meio de uma tela, agindo com mais agressividade e violência verbal com as jogadoras, sem
medo de serem descobertos ou repreendidos.
Com relação a como as personagens femininas são representadas nos gamers, as
respostas das participantes condizem com as hipóteses e discussões apresentadas ao longo da
68

pesquisa, onde as mulheres veem sendo representadas de forma estereotipada, equivocadas e


ainda são hipersexualizadas pela indústria de jogos.

7 CONCLUSÃO

O trabalho se propôs a discutir por meio da literatura e da pesquisa qualitativa, os


fatores socioculturais e mercadológicos da cultura gamer que levam a ocorrer o sexismo e a
hipersexualização das personagens femininas. Por meio das estudiosas do campo feminista
Louro (1997), Bevaouir (1970), foi construída a definição de gênero, sendo possível discutir
como a desigualdade de gênero e o sexismo está presente em alguns âmbitos da sociedade,
inclusive na virtualidade dos jogos eletrônicos.
Ao longo de boa parte da história da humanidade, mulheres e homens desempenhavam
papéis sociais muito diferentes, a imagem da mulher sempre esteve relacionada a cuidados do
lar, funções de esposa e mãe. Enquanto o homem estava mais voltado para o mercado de
trabalho. Além disso, outros fatores culturais, morais e biológicos daquela época, impediam
que as mulheres pudessem conquistar os seus direitos e lutar pela igualdade na sociedade.
Essa imagem equivocada perdurou por muito tempo, corroborando para o crescimento
do preconceito e machismo perante a mulher em diversos âmbitos sociais. Essa desigualdade
começou a ser combatida por meio do movimento feminista no século XX, quando as
mulheres lutaram pelos seus direitos e aos poucos, com muitas dificuldades de aceitação da
sociedade, foram inseridas em ambientes predominantemente masculinos. Desigualdade no
qual, é presente também no mundo dos jogos eletrônicos.
Os jogos eletrônicos estão presentes na sociedade como forma de produto cultural
semelhante aos filmes, músicas e literatura. De forma que o consumo cultural faz parte de
diversos fatores para a configuração de identidades e inclusão dos indivíduos na sociedade.
Ao observamos a trajetória desde o início do surgimento dos jogos eletrônicos e da sua
popularização, podemos perceber que esse tipo de entretenimento foi, e ainda é desenvolvido
para o público masculino, apesar do aumento do interesse das mulheres para adentrarem nesse
meio. Esse estereótipo também reflete em como as mulheres são representadas nos games de
forma hipersexualizadas, para atrair o público masculino ainda mais para esse universo,
colocando a mulher em um lugar de minoria em relação ao homem.
69

Analisando os dados adquiridos da pesquisa qualitativa, foi possível confirmar a tese


teórica de que as personagens femininas não representam as jogadoras residentes na cidade de
Barreiras (BA), elas visualizam essas personagens como apelativas e hipersexualizadas, por
serem representadas com roupas curtas e corpos com curvas sensuais que fogem do contexto
do jogo e não condizem com a realidade, além de serem vistas como frágeis em relação aos
personagens masculinos que são representados como “mais fortes” e possuidores de mais
protagonismo dentro de um jogo.
Outro fato que podemos salientar, foi a existência do machismo exacerbado dentro dos
games. Através da pesquisa, constatou- se que a maioria das participantes já foram alvo de
machismo e sexismo, sofrendo com assedio verbal e até ameaças de estupro dentro das
partidas pelo simples fato de serem mulheres. Além disso, os homens duvidam da capacidade
das mulheres com os jogos eletrônicos, tecendo uma série de falas preconceituosas contra
elas. Assim, as jogadoras se sentem cada vez mais intimidadas e excluídas das comunidades
gamers.
É de suma importância que este assunto seja mais discutido e amplamente difundido
não só dentro da comunidade gamer mas em toda sociedade, a partir desse debate poderia
existir um lugar confortável e acolhedor, em que mulheres se sintam seguras para denunciar
quando sofrerem violações dentro desse ambiente virtual, sendo necessário que as punições
por comentários sexistas sejam aplicadas de forma mais efetiva dentro dos games. Além da
conscientização de que as jogadoras podem e devem participar desse meio, não somente por
diversão, mas profissionalmente igual muitos homens o fazem.
É importante também, que as empresas se preocupem em representar as mulheres de
forma condizente com a realidade de seus corpos, não as estereotipando e nem
hipersexualizando-as, de forma que os jogos não diferenciem os personagens pelo seu gênero,
mas sim, que suas habilidades sejam equiparadas a sua aparência. Ademais, a inserção de
mais mulheres no processo de desenvolvimento dos gamers ajudaria a criar jogos eletrônicos
menos sexistas e estereotipados.
70

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ROMANUS, Juliana Saldanha; Gênero em Jogo: Um olhar sobre personagens e as


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SALÁFIA, Juliana; os estereótipos em jogos de luta: da indumentária à hipersexualização de


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SARKEESIAN, Anita; Ms. Male Character - Tropes vs Women in Video Games. 2013.
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APÊNDICE A

QUESTIONÁRIO

1. Qual a sua idade? (saber a faixa etária das jogadoras):


75

( ) até 19 anos ( ) de 20 a 29 anos ( ) de 30 a 39 anos ( ) de 40 a 49 anos ( ) mais de 50

2. Qual o tipo de jogo você joga?


( ) FPS ( ) MOBA ( ) RPG ( ) MMO ( ) Battle Royale ( ) PvP

3. Você considera o ambiente de games machista?


( ) sim ( ) não ( ) não sei

4. Você já foi acusada de não ser boa jogadora por ser mulher?
( ) sim ( ) não

5. Você já teve alguma experiência de ter sido agredida durante um jogo por ser mulher?
( ) sim ( )não ( ) não me recordo

6. Você acha que o mercado de games produz jogos voltados para o público masculino e
outros jogos voltados para o público feminino?
( ) Sim ( ) Não

7. Você acha que existem jogos com personagens femininos hiperssexualizados?


( ) sim ( ) não ( ) não sei

8. Você acha que existem jogos com personagens femininos estereotipados? (Destacadas pela
utilização de elementos que remetem à figura feminina. Ex.: laços, saltos, cores rosas etc.)
( ) sim ( ) não ( ) não sei

9. Descreva sua experiência mais absurda em um caso de machismo em games, se


houver.

10. De que maneira o machismo e os estereótipos formados na comunidade gamer pode


diminuir?

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