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SABER MAIS Eça de Queirós, Os Maias - Caraterização de personagens

AFONSO DA MAIA:
— Afonso era um pouco baixo (...) (p.14, Cap. I) até (...) e pensava com prazer em ficar ali para sempre naquela paz e
naquela ordem. (p.17, Cap. I)
— No escritório de Afonso da Maia (...) (p.113, Cap. V) até (...) depois de ter devorado um prato de croquetes. (p.22, Cap.
V)
— Há uma coisa extraordinária, avô! (p.664, Cap. XVII) até (...) o esmagava ao fim da velhice com a desgraça do neto.
(p.646, Cap. XVII)
— (...) e apareceu Afonso da Maia, pálido (p.663, Cap. XVII) até (...) De novo os seus passos mais pesados, mais lentos se
sumiram no corredor. (p. 663, Cap. XVII)
— Defronte do Ramalhete, os candeeiros ainda ardiam. (p.667, Cap. XVII) até (...) naquela tosca mesa de pedra onde
deixara pender a cabeça pesada. (p. 669, Cap. XVII)
Afonso é uma personagem que funciona como esteio da família Maia e é para ele que todos se voltam nos
momentos de crise.
Com efeito, este símbolo de Portugal liberal da década de 20 (séc. XIX) que atirou foguetes de lágrimas à constituição
(p. 13, Cap. I), é o ponto de equilíbrio dos Maias. É a ele que Pedro entrega Carlos após a fuga de Maria Monforte, é ele
que Carlos interroga na esperança de que Afonso desminta as revelações de Guimarães (p. 664, Cap. XVII).
Afonso é ainda a encarnação do bom senso, da experiência, dos valores da nação e da raça, é alguém que defende o
património português face à descaracterização e à invasão das modas estrangeiras.
No entanto, Afonso é humano e, embora tenha conseguido sobreviver à tragédia do filho, não supera a do neto,
morrendo também com ele o futuro da família.
PEDRO DA MAIA:
— Odiando tudo o que era inglês (...) (p. 17, Cap. I) até (...) Que podia ele fazer... (p.18, Cap. I)
— O Pedrinho no entanto estava quase um homem. (p.20, Cap. I) até (...) alguma coisa de imortal e superior à Terra.
(p.22, Cap. I)
— Pedro e Maria, no entanto, numa felicidade de novela (...) (p.32, Cap. II) até todos os amigos de Pedro, naturalmente,
a amavam. (p.36, Cap. II)
— Uma sombria tarde de dezembro (...) (p.44, Cap. II) até (...) Amanhã conversaremos mais. (p.50, Cap. II)
— A madrugada clareava (...) até (...) e com todos os criados para a Quinta de Stª Olávia. (p.52, Cap. II)
Pedro, enquanto personagem, obedece ao “cânone naturalista: características psicológicas, meio social e educação”.
Assim, com uma educação católica e tradicional, bem ao modo português, herdando o caráter depressivo e
melancólico de M.ª Eduarda Runa, sua mãe, e vivendo no meio do “sopro romântico da regeneração” (p.36, Cap. II),
Pedro nada mais podia fazer que se deixar arrastar por uma paixão obsessiva e fatal. Aliás, M.ª Monforte é o protótipo da
mulher fatal romântica, que arrasta o homem para o abismo da perdição.
Sublinhe-se ainda o facto de a caracterização direta de Pedro e a omnisciência do narrador, em relação a esta
personagem, se enquadrarem perfeitamente na estética naturalista.
CARLOS DA MAIA:
A caracterização desta personagem, pela sua centralidade e quase omnipresença, encontra-se disseminada ao
longo de todo o texto de forma indireta, contrariando assim, os cânones naturalistas.
— Carlos ao lado, muito sério (p.54, Cap. III) até Mas há de ser muito mais homem. (p.54, Cap. III)
— O bom Vilaça, no entanto, dando estalinhos aos dedos (...) (p.62, Cap. III) até (...) e via-se passar, fugir, o brilho dos
seus olhos muito negros e muito abertos. (p.66, Cap. III)
— Carlos ia formar-se em medicina. (p.87, Cap. IV) até (...) A Literatura e a Arte, sob todas as formas, absorveram-no
deliciosamente. (p.90, Cap. IV)
— Era decerto um formoso e magnífico moço (...) belo cavaleiro da Renascença. (p.96, Cap. IV)
— O laboratório de Carlos (...) (p.128, Cap. VI) até (...) pesasse na política, regulasse a sociedade, fosse a força pensante
de Lisboa. (p.129, Cap. V)
— Carlos continuava calado. (p.417, Cap. XII) até ao final do capítulo (p.419)
— É curioso! Só vivi dois anos nesta casa (...) (p.714, Cap. XVIII) até ao final do capítulo (p.716)
A personagem Carlos, devido à sua centralidade tem direito a um tratamento privilegiado por parte do narrador, tal
como já se afirmou.
Assim, o leitor vai acompanhando o seu percurso, desde o seu período de formação em Stª Olávia, submetido a uma
rígida educação britânica (moderna e laica) até ao desencantado passeio final, onde a sua única razão existencial parece
ser a de se ter esquecido de encomendar para o jantar “um grande prato de paio com ervilhas" (p. 716, Cap. XVIII). Pelo
caminho encontramo-lo em Coimbra, levando uma vida de boémia estudantil e literária, em Lisboa passando belos
momentos de ócio no seu consultório, aí fazendo planos para mudar a mentalidade da sociedade lisboeta que frequenta
e que o idolatra, vivendo de forma exacerbada e intensa a sua paixão por M.ª Eduarda, interessando-se por tudo e por
nada ao mesmo tempo.
Carlos é o diletante culto por excelência, que acaba por se deixar submergir peja modorra da sociedade lisboeta em
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que vive, deixando cair, um a um, todos os seus projetos de vida, inclusive a sua paixão, embora esta última por razões
que Carlos não consegue controlar.
Como se justifica então, dentro dos cânones naturalistas, este falhanço de Carlos?
A educação que recebeu não deveria ter criado um indivíduo forte, capaz de ultrapassar as adversidades da vida?
A resposta a esta questão não é única, uma vez que, e tendo em conta os pressupostos naturalistas, não
podemos esquecer que a carga hereditária dos pais também deve ser tida em conta; por outro lado, o meio decadente
em que Carlos se move também o influenciou. No entanto, após a revelação do incesto e a morte do avô, Carlos consegue
sobreviver pelo menos fisicamente. Porquê? Sem dúvida devido à sua educação britânica. Basta compararmos a sua
atitude com a de Pedro, para concluirmos como os dois personagens estão distantes.
Para fechar, dever-se-á ainda referir que o percurso existencial de Carlos pode ser o símbolo da evolução da
sociedade portuguesa após a Regeneração, quando Portugal parecia estar a entrar numa época diferente, marcada por
uma certa prosperidade (tal como Carlos foi a esperança de renascimento dos Maias), o país acaba por cair no
indiferentismo, num retrocesso marcado por uma indefinição quanto ao futuro (tal como Carlos e Ega no passeio final).
Daí que se possa afirmar, parafraseando José de Almeida Moura, que Os Maias mais não são que "um ensaio alegórico
sobre a decadência da nação”.
Tal como o Carlos das Viagens, que simboliza a adulteração dos ideais liberais, também Carlos da Maia é o
paradigma da decadência do Portugal do fim do séc. XIX.
M. EDUARDA:
— Um esplêndido preto, já grisalho (...) (p.156, Cap. VI) até (...) a voz de Craft murmurou: - Très chic. (p.157, Cap. VI)
— Mas Carlos não escutava, nem sorria já (p.202, Cap. VII) até (...) aparecia o tom do seu cabelo castanho, quase loiro à
luz; a cadelinha trotava ao lado, com as orelhas direitas. (p.203, Cap. VII)
— Nascera em Viena (...) (p.506, Cap. XV) até (...) o meu corpo permaneceu sempre frio, frio como um mármore. (p.515,
Cap. XV)
M.ª Eduarda é sempre apresentada ao leitor como uma “deusa transviada", como um ser superior que se
destaca no meio das mulheres lisboetas. Ela é alta, loira, envolta numa capa de mistério, que aumenta o seu poder de
sedução e a sua sensualidade. Era pois normal e inevitável, tal como diz Ega, que ela e Carlos, também ele diferente do
lisboeta comum, se sentissem atraídos um pelo outro, se conhecessem e se amassem.
M.ª Eduarda incarna a heroína romântica, perseguida pela vida e pelo destino, mas que acaba por encontrar,
ainda que momentaneamente, a razão da sua vida, na paixão e no amor. Ela é também vítima do seu passado, das
circunstâncias em que cresceu e viveu (bem ao jeito naturalista), mas o facto de ser a própria personagem a narrar o seu
percurso omitindo, logicamente, aquilo que não sabe, e referindo o seu passado após o leitor já ter conhecimento do seu
presente, afasta M.ª Eduarda de alguns dos preceitos estruturais do Naturalismo.
(...) é que as premissas que explicam o comportamento da personagem surgem aqui depois de ele se ter
consumado; ao passo que, no romance naturalista ortodoxo, apareciam logicamente antes (e como prenúncio) da
concretização desse comportamento. (...)
A personagem que se autocaracteriza fá-lo, forçosamente, de modo altamente subjetivo, quando não mesmo
parcial; e este facto não pode deixar de colidir frontalmente com as determinações do Naturalismo.
Carlos Reis, in introdução à leitura d’ Os Maias
JOÃO DA EGA:
— Um amigo de Carlos (um certo João da Ega) (p.89, Cap. IV)
— João da Ega, com efeito, era considerado não só em Celorico, mas também na Academia (...) (p. 92, Cap. IV) até A sua
fama de fidalgote rico tornava-o apetecido nas famílias. (p.93, Cap. IV)
— Foi uma dessas manhãs (p.104, Cap. IV) até (...) e de monóculo no olho examinou o gabinete. (p.105, Cap. IV)
— 0 livro do Ega! (p.111, cap. IV) até ao fim do capítulo (p.112)
— Tens razão! (p.518, Cap. XV) até (...) é assim que pensaria o grande Sancho Pança. (p.518, Cap. XV)
— Mas, a esta ideia de incesto (...). (p. 624, Cap. XVI) até ao final do capítulo (p.625)
— Ega correu para ele (...) (p.663, Cap. XVII) até — Diabos levem as mulheres, e a vida, e tudo!... (p.665, Cap. XVII)
— É curioso! Só vivi dois anos nesta casa (...) (p. 714, Cap. XVIII) até ao final do capítulo (p.716)
Ega (ou Eça?) funciona como o Sancho Pança de Carlos, ou seja, é aquele amigo que o traz de volta à realidade,
que o faz pôr os pés no mundo. É também o amigo que nos momentos mais difíceis e mais dolorosos o ampara e ajuda,
não só em termos espirituais, mas também na resolução dos problemas práticos (ex.: partida de M.ª Eduarda de Lisboa).
Para além destes aspetos, são também evidentes as afinidades culturais e mentais entre as duas personagens.
Ega é também o símbolo da pura irreverência, do sarcasmo, da ironia, da crítica pela crítica, do prazer de chocar
e de questionar.
No passeio final, tal como Carlos, Ega extravasa o seu desencanto, a sua desilusão, a sua frustração, não só em
relação ao Portugal que o envolve, mas também em relação ao falhanço dos seus projetos.

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