Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
br/rts
Isabel Cafezeiro Este artigo objetiva analisar a importância da extensão universitária e da abordagem
isabel@ic.uff.br
Instituto de Computação sociotécnica na configuração do campo de Sistemas de Informação. A metodologia adotada
Universidade Federal consistiu em alinhavar a história de formação da Ciência da Computação e seu sub-campo
Fluminense
Sistemas de Informação com os estudos de currículos sob a luz de Teorias Críticas. Além
Leonardo Cruz da Costa
leo@ic.uff.br
disso, é apresentado um estudo de caso abordando a disciplina Computação e Sociedade.
Instituto de Computação Como principal resultado este artigo justifica a importância da atividade de extensão na
Universidade Federal
Fluminense
efetivação da abordagem sociotécnica. Por fim, com base na conjuntura do campo de
Sistemas de Informação, são elaboradas algumas reflexões acerca da exigência do Plano
Nacional de Educação de que, até 2024, todo curso de graduação incorpore ao seu currículo
10% da carga horária em extensão.
Página | 92
INTRODUÇÃO
METODOLOGIA
Michel Serres (1999) propôs o estudo das técnicas sempre aliado à sua
historicidade. Transpondo a proposta de Serres ao estudo de currículos, não
adotaremos a concepção tecnicista que reduz o currículo a uma organização de
conteúdos. Faremos um levantamento histórico e interpretação das conjunturas
de formação do currículo de Sistemas de Informação para compreender as
possibilidades para efetivação de uma prática de extensão em sintonia com a
abordagem sociotécnica pretendida pelo campo. Também seguiremos Tomaz
Tadeu da Silva (1999) que se afasta de uma análise puramente centrada em
conteúdos relevantes e considera o currículo como a formação de uma identidade
que estabelece (e se estabelece em) demarcações de território e relações de
poder. Esta perspectiva crítica também se alinha com a visão política do currículo
de Michael Apple, que recusa a neutralidade do currículo e dos conteúdos
curriculares e situa o currículo como parte de uma “tradição seletiva” que legitima
a visão de um grupo hegemônico acerca do que deve constar e como devem
configurar-se os currículos (APPEL, 2002). Vamos adotar esta mesma perspectiva
para analisar o percurso de (re)construção da disciplina Computação e Sociedade.
A partir dessa análise histórica, relatamos os esforços que vêm sendo efetivados
através desta disciplina para que os currículos de Sistemas de Informação possam
acomodar a exigência do PNE.
Este estudo parte da vivência acadêmica no curso de Bacharelado em
Sistemas de Informação da Universidade Federal Fluminense, como uma
cartografia, no sentido Deleuziano, ao considerar experimentações ancoradas no
real (DELEUZE, 1995, p.30).
DESENVOLVIMENTO
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Página | 105
Como resultado da política educacional alavancada nos governos anteriores
vivemos hoje uma configuração da universidade pública em que a “maioria dos
alunos de graduação das universidades federais brasileiras vem de família com
renda per capita de até um salário mínimo e meio, é parda ou preta, cursou o
Ensino Médico em escola pública, e tem pais que não fizeram faculdade” (ANDIFES,
2019), segundo dados publicados em maio de 2019 pela Associação Nacional dos
Dirigentes das Instituições Nacionais de Ensino Superior (ANDIFES). Este panorama
difere enormemente de dez anos atrás, quando o sistema de cotas estava ainda
em processo de implementação, e o acesso à universidade pública era
praticamente reservado aos estudantes das esferas mais favorecidas da sociedade.
Para quem atua hoje em sala de aula a diferença do alunado é visível, sendo ainda
mais aparente nos cursos noturnos. É claro que este novo panorama exige do
professor uma nova atitude em sala de aula, e uma das características desse novo
perfil estudantil é a demanda por um maior engajamento com as questões sociais,
ampliando as possibilidades de trabalho em extensão. Em termos de pesquisa, o
que se percebe é que áreas como a computação que tradicionalmente privilegiou
a pesquisa dirigida pelas metas dos grandes desafios universais, passaram, na
última década, a dirigir parte de seu esforço de pesquisa a questões de
desenvolvimento local, o que traz como consequência, a produção de tecnologias
locais. Portanto, as mudanças decorrentes da democratização do acesso à
universidade pública são positivas. No que se refere ao cumprimento da meta 12
do PNE, temos a expectativa de que os cursos que ficaram atentos à diversificação
do alunado e procuraram se adaptar visando atender às novas demandas
encontrarão em suas próprias dinâmicas acadêmicas as maneiras de cumprir com
a exigência dos 10% em extensão. Dessa forma, cabe a estes divulgar e
compartilhar suas soluções, de modo a contribuir com a disseminação da prática
da extensão e inibir as soluções burocráticas, desalinhadas com o propósito desta
atividade. É nesse contexto que este artigo se justifica.
Uma especial atenção deve ser dada ao cumprimento desta legislação porque,
apesar dos avanços obtidos pela democratização do acesso, vivemos hoje uma
situação paradoxal, em que o PNE, concebido no contexto de ampliação e
fortalecimento da educação pública superior, entra em confronto com as ações de
desmonte da universidade pública do atual governo. No sentido de reafirmar o
papel da universidade pública enquanto instituição gratuita, democrática, laica, de
qualidade e socialmente referenciada, e, tendo em vista o cenário atual de
precarização de tudo aquilo que é público, a comunidade acadêmica deve estar
atenta às formas de efetivação do PNE para garantir sua aproximação à sociedade
brasileira, de modo a assegurar que um percurso de democratização do acesso e
permanência não seja interrompido.
Página | 106
Technical or Social? University Extension
and Training in Information Systems
ABSTRACT
This article aims to analyse the importance of the extension activity and the sociotechnical
approach in the configuration of the Information Systems field. The adopted methodology
consisted of combining the history of Computer Science and its subfield Information
Systems with studies of curricula in the light of Critical Theories. In addition, a case study is
presented addressing the discipline Computing and Society. As a main result this article
justifies the importance of the extension activity in the realization of the sociotechnical
approach. Finally, some reflections are elaborated on the requirement of the National
Education Plan that, until 2024, every undergraduate course incorporates 10% of the
extension in its curriculum.
Página | 107
NOTAS
1
A participação em pesquisa da comunidade acadêmica de Ciência da
Computação no Brasil pode ser verificada nos relatórios de área da CAPES em
Ciência da Computação. Já em extensão, é difícil encontrar um quantificador que
sintetize essa participação. A RENEX (Rede Nacional de Extensão) que promove o
Congresso Brasileiro de Extensão adota uma classificação por área temática, o que
dificulta verificar a área de conhecimento dos extensionistas envolvidos. A
plataforma SIGPROJ que registra os projetos de extensão a nível nacional retornou
apenas 10 projetos ativos cadastrados em 2020 com a palavra chave
“computação”. A publicação da Sociedade Brasileira de Computação sobre as
graduações da área até 2006 não faz nenhuma referência à extensão. Portanto, a
constatação da baixa participação em extensão da comunidade acadêmica de
Ciência da Computação se baseia na experiência dos autores deste texto que
atuam desde a década de 1990 em extensão, em Ciência da Computação. No caso
particular da UFF, o trabalho de Thayanne VIEGAS e outros autores (2017) “Um
percurso na construção da prática extensionista em computação e seus
desdobramentos interdisciplinares” faz o levantamento do crescimento da
atividade no Instituto de Computação.
2
A Sociedade Brasileira de Computação (SBC) é uma entidade criada em 1978,
que congrega majoritariamente acadêmicos do campo da Ciência da Computação.
Tem o objetivo de contribuir para o desenvolvimento do ensino e da pesquisa em
computação, mas também atua na proposição de políticas com relação à profissão,
como por exemplo, na regulamentação da profissão, em que rejeita a instituição
de conselhos reguladores. A entidade sempre assumiu o protagonismo na
definição das organizações curriculares em computação. O Ministério da Educação
(MEC) participa das decisões, e também produz documentos regulatórios como as
Diretrizes Curriculares Nacionais (BRASIL, 2016). Houve, entretanto, uma presença
marcante de acadêmicos da SBC nas sucessivas gestões das comissões
especialistas elencadas pelo MEC, causando a imposição do ponto de vista dos
acadêmicos com relação à dinâmica do ensino e da profissão no mercado trabalho.
No ano 2000, a Câmara de Educação Superior do MEC emitiu um parecer (BRASIL,
2000) indicando preocupação com relação a adoção dos critérios acadêmicos que
vinculam ensino e pesquisa. A SBC se manifestou em desagrado (JONATHAN,
2019).
REFERÊNCIAS
ANDIFES. Maioria dos alunos das universidades federais tem renda baixa.
Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior.
17 de Maio de 2019. Disponível em: <http://www.andifes.org.br/maioria-dos-
alunos-das-universidades-federais-tem-renda-baixa-e-parda-ou-preta-e-vem-de-
escola-publica/ >. Acesso em: 17 mai. 2019.
BARATA, Rita de Cássia Barradas. Dez coisas que você deveria saber sobre o
Qualis. Revista Brasileira de Pós-Graduação, Brasília, v. 13, n. 30, p. 13 - 40,
jan./abr. 2016.
BECK, Kent; et al. Twelve Principles of Agile Software, 2001. Disponível em:
<https://agilemanifesto.org/principles.html > Acesso em: 18 mar. 2019.
BRAGA, Tiago de Jesus, COSTA, Leonardo Cruz da, CAFEZEIRO, Isabel. Educação,
Sociedade e Formação em Sistemas de Informação. iSys: Revista Brasileira de
Sistemas de Informação, 10(4), 05-23.
Página | 109
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm >. Acesso
em: 04 mai. 2019.
Página | 110
DELEUZE, Gilles.; GUATTARI, Felix. Mil Platos 1. Capitalismo e Esquisofrenia.
Editora 34. 1995.
LAW, John. Notes on the Theory of the Actor Network: Ordering, Strategy and
Heterogeneity. 1992.
MARQUES, Ivan da Costa. Eles são contra a ciência básica! Um absurdo múltiplo?!
Por quê? Jornal da Ciência - JC Notícias SBPC - 19 de maio de 2020.
Página | 111
RIBEIRO, Darcy. O povo Brasileiro. A formação e o sentido do Brasil. Companhia
das Letras, 1995.
Recebido: 29/01/2020
Aprovado: 10/11/2020
DOI: 10.3895/rts.v17n46.11570
Como citar: CAFEZEIRO, I.; DA COSTA, L. C Extensão universitária e formação sociotécnica: estratégias
para a graduação em Sistemas de Informação. Rev. Tecnol. Soc., Curitiba, v. 17, n. 46, p. 92-112, jan./mar.,
2021. Disponível em: https://periodicos.utfpr.edu.br/rts/article/view/11570. Acesso em: XXX.
Correspondência:
_________________________________________
Direito autoral: Este artigo está licenciado sob os termos da Licença Creative Commons-Atribuição 4.0
Internacional.
Página | 112