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Escola, currículo e tecnologia: conexões possíveis

School, curriculum and technology: possible connections

Aletheia Machado de Oliveira


Mestranda em Educação, PUC-MG
aletheiaoliveira@yahoo.com.br

RESUMO
A crescente intervenção das tecnologias nos diversos setores sociais provocou transformações graduais
na sociedade e no modo de viver do cidadão. No universo educacional, a introdução da tecnologia
levou a educação a re (pensar) suas ações e projetos pedagógicos, incluindo as questões curriculares.
A proposta do artigo, elaborado através de um levantamento bibliográfico, tem por objetivo realizar
uma discussão teórico-conceitual sobre que perspectiva o currículo vem sendo incorporado nas escolas
atuais e de como deverá estar articulado ao processo educativo em face da apropriação das tecnologias
da informação e comunicação no ambiente escolar.

Para esse entendimento, buscaram-se, na literatura, os conceitos e a história do currículo que sinalizam
para a compreensão de como esse currículo sofreu influências em diferentes áreas, as vertentes do campo
curricular que mais se destacam no contexto educacional atual e sua correlação com as tecnologias.
Espera-se elucidar essa questão abrindo possíveis caminhos para a ressignificação e a modificação do
pensamento curricular vigente mais próximo da realidade educacional contemporânea.

Palavras-chave: Escola. Currículo. Tecnologia. Educação.

ABSTRACT
The increased intervention of technology in different social sectors caused gradual changes in society
and the way of life of the citizen. In the educational world, the introduction of technology has led to the
education (re) thinking your actions and educational projects, including curricular issues. The proposed of
the article , prepared by a literature review aims to make a theoretical and conceptual discussion of what
perspective is being incorporated into the curriculum in schools today and how should be articulated to the
educational process in the face to the appropriation of information and communication technologies the
school environment. For this understanding , we sought in the concepts literature and history curriculum
that signal to the understanding of how this curriculum was influenced in different areas , the slopes of
curricular field that stand out in the current educational context and its correlation with the technologies.
Expected to elucidate this issue by opening possible ways to reframe and modification of existing nearest
educational reality of contemporary curriculum thought.

Keywords: School. Curriculum. Technology. Education.

INTRODUÇÃO
É fato que o desenvolvimento tecnológico provocou, no mundo contemporâneo, transformações em vários
segmentos da sociedade. No campo educacional, a introdução das tecnologias da informação e comunicação
levou a educação a (re) pensar suas ações e projetos pedagógicos, incluindo as questões curriculares.

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Dalben e Castro (2010) afirmam que os impactos provocados por essas tecnologias refletem na
educação, possibilitando a propagação do conhecimento por meio de diálogos constantes para
a sua inserção nas escolas. Isso denota, portanto, que a relação escola/currículo/tecnologia não
pode ser pensada de forma dissociada. A escola deve propiciar diferentes discursividades entre os
profissionais da educação a fim de que um novo currículo esteja conectado não só aos aspectos
sociais, culturais, políticos, escolares, como também ao tecnológico.

A partir do exposto acima, o presente artigo tem como propósito realizar uma discussão teórico-
conceitual sobre que perspectiva o currículo vem sendo incorporado nas escolas atuais e como deverá
estar articulado ao processo educativo em face da apropriação das tecnologias da informação e
comunicação no ambiente escolar.

Nesse sentido, o artigo está organizado como segue. Num primeiro momento, a discussão tem como foco
o conceito de currículo e sua história, bem como de que perspectiva o currículo está sendo trabalhado
em nossas escolas e como a tecnologia poderá ser utilizada nessas instituições de forma articulada
ao seu projeto pedagógico e ajustada no desenvolvimento do seu currículo. Num segundo momento,
passamos à análise da correlação escola/tecnologia/currículo com vistas em efetuar um novo olhar,
uma conexão possível, para além de um currículo instrumental e acadêmico.

Ao longo do texto, são apresentadas as principais contribuições de alguns autores como Hamilton
(1992); Goodson (1995); Zotti (2004); Lopes e Macedo (2011); Lévy (1999) e Santomé (2003), que vêm
pesquisando e discutindo acerca dessa temática.

O conceito de currículo e sua história: diferentes perspectivas


O que seria currículo?

Na quarta edição do dicionário Aurélio, o termo currículo tem, dentre outros, o significado de
correr, atalho, parte de um curso literário, as matérias constantes de um curso (FERREIRA, 2009)
e no dicionário Houaiss, currículo significa programação de um curso ou de uma matéria a ser
ensinada. (HOUAISS, 2010).

Do ponto de vista etimológico, diversos autores como Hamilton (1992); Goodson (1995); Zotti
(2004) e Lopes e Macedo (2011) apontam que currículo é uma palavra de origem latina scurrere,
que significa correr, e refere-se a curso, pista de corrida, percurso a ser realizado, perpassando a
ideia de um currículo prescritivo, uma “[...] organização das matérias/disciplinas a serem trabalhadas
pela escola e demais orientações, tais como de conteúdo, didáticas e avaliativas.” (ZOTTI, 2004, p. 4)
sendo, a partir dessa origem, inserido no contexto pedagógico.

Esses mesmos autores afirmam, também, que o ponto de partida estaria nos registros da Universidade de
Glasgow, em 1633, no Oxford English Dictionary, referindo-se ao curso inteiro seguido pelos estudantes
e com padrões de organização, sequenciação e controle social.

Nesta medida, ‘curriculum’ parece ter confirmado a ideia [...] de que os diferentes elementos
de um curso educacional deveriam ser tratados como uma peça única. Qualquer curso
digno no nome deveria corporificar tanto disciplina (um sentido de coerência estrutural)
quanto ordo (um sentido de sequência interna). (HAMILTON, 1992, p. 43).

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No que tange à origem do currículo, Goodson (1995, p. 9) aponta um novo olhar sobre alguns aspectos
que devem ser compreendidos sobre essa história, a saber: não deve ser interpretado “[...] como resultado
de um processo evolutivo [...]”, mas uma construção lenta de fabricação social, com conflitos, rupturas
e disjunturas; o currículo é um artefato social e histórico, sujeito a mudanças, em constante fluxo; não
deve descrever como se organiza o conhecimento escolar, mas explicar como veio a se tornar o que é;
não deve centrar-se numa verdade ou validade epistemológica do conhecimento, mas deve centrar-se
numa epistemologia social e preocupada com aspectos sociais e políticos, entre outros.

Em sua obra, Goodson (1995) compreende o currículo como um processo social onde fatores intelectuais,
sociais e culturais estão em constante interação, integração, união. O currículo não deve se deter apenas
a questões sobre o que ensinar nas instituições escolares, sobre leis, instruções, normas, guias escolares,
mas que esteja preocupado em investigar processos informais e interacionais.

No ambiente educacional, como observa Zotti (2004, p. 3), as teorias do currículo podem ser divididas
em dois eixos: as concepções tradicionais e as concepções críticas. Ambas tiveram sua origem nos
Estados Unidos e evidenciam posicionamentos filosóficos, ou seja, a maneira de “[...] cada educador ver
e pensar o mundo, o homem, a sociedade, a educação, a escola, consciente ou inconscientemente, de
forma intencional ou não intencional.”.

Na concepção tradicional, inicialmente, o currículo apresentava uma relação direta entre matérias/
disciplinas, uma sequência lógica, um plano de estudo. Posteriormente, evoluiu para uma visão de
currículo baseada na experiência vivenciada, nas diferenças individuais e nos interesses dos alunos e
que foi chamada de teoria progressista. No Brasil, essa teoria ganhou fôlego em 1920, com o movimento
da Escola Nova e acabou por influenciar o pensamento educacional e curricular. Entre 1960 e 1970,
aparece o enfoque tecnicista por influência da obra The Curriculum, de Frankin Bobbitt, que defendia um
currículo associado à racionalidade técnica e instrumental. (ZOTTI, 2004).

Rivalizando com essas concepções, no final das décadas de 1960 e 1970, desenvolvem-se, nos Estados
Unidos e na Inglaterra, estudos sobre currículo dentro da concepção crítica. Nos Estados Unidos, tem-se a
sociologia do currículo, de orientação neomarxista e, na Inglaterra, tem-se a Nova Sociologia da Educação
(NSE), fundamentada na fenomenologia e no neomarxismo. Ambas procuraram mostrar como o currículo
refletia o caráter reprodutor, instrumental e de controle social que vinha se desenvolvendo. Nessa nova
concepção, tinham como pretensão desenvolver um currículo de emancipação, libertação e conscientização.
No Brasil, Zotti (2004, p. 8) aponta que essa teoria “[...] possibilitou uma melhor compreensão das conexões
entre o currículo e as relações de poder na sociedade durante a década de 1980.”.

A partir da década de 1990, os estudos sobre o currículo têm sido influenciados pelo pensamento pós-
moderno. Nesse novo momento, a ênfase está na relação entre currículo e construção de identidades
e subjetividades, nos estudos sobre a cultura escolar e as diferenças culturais. O currículo é “[...]
entendido como artefato cultural, à medida que traduz valores, pensamentos e perspectivas de uma
determinada época ou sociedade.”. (ZOTTI, 2004, p. 9).

Torna-se necessário, ainda, mencionar que, em relação à definição do termo “currículo formal”, Lopes e
Macedo (2011) dizem que não é possível defini-lo, uma vez que os estudos curriculares têm apresentado
definições variadas e vêm assumindo sentidos diversos ao longo dos tempos; porém, destacando-se a

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ideia de organização de experiências/situações de aprendizagem realizada por docentes e instituições
escolares, a fim de alcançar o processo educativo.

Tomando como referência o pensamento curricular no Brasil, essas mesmas autoras observam que
as primeiras preocupações com o currículo datam da década de 1920, por influência das teorizações
americanas, e permanecem até a década de 1980. Com o início da redemocratização do Brasil, em
1980, e o enfraquecimento da Guerra Fria, essas influências americanas foram abaladas, e as vertentes
marxistas começaram a ganhar importância no pensamento curricular brasileiro.

Nos anos 1990, os estudos curriculares assumiram um enfoque sociológico em contraposição ao


pensamento psicológico vigente, com trabalhos que buscavam compreender o currículo como “espaço
de relação de poder”. Na primeira metade da década de 1990, os estudos sobre currículo só poderiam
ser compreendidos se contextualizados nos aspectos político, econômico e social. Outro aspecto de
destaque nesse momento foram as discussões realizadas pelo Grupo de Trabalho de Currículo sobre
currículo e conhecimento. No final da primeira metade de 1990, esses estudos começaram a incorporar
enfoques pós-modernos e pós-estruturais com o hibridismo sendo a marca do campo curricular na
segunda metade dessa década. Tal mistura, multiplicidade de tendências, ocasionou dificuldades em
definir o currículo conforme destacado anteriormente. (LOPES; MACEDO, 2005, p. 14).

Dessa forma, essas autoras consideram o currículo como um campo intelectual:

[...] um espaço onde diferentes atores sociais, detentores de determinados capitais social e
cultural na área, legitimam determinadas concepções sobre a teoria de currículo e disputam
entre si o poder de definir quem tem a autoridade na área. Trata-se de um campo capaz
de influenciar propostas curriculares oficiais, práticas pedagógicas nas escolas, a partir dos
diferentes processos de recontextualização de seus discursos, mas que não se constituem
dessas mesmas propostas e práticas. (LOPES; MACEDO, 2005, p. 17-18).

A partir desse pequeno recorte sobre a conceituação e a história do currículo, percebe-se que esse foi sofrendo
modificações no decorrer do tempo e espaço e atendeu a cada realidade social distinta, caracterizando-se,
conforme palavras de Zotti (2004, p. 9), como “um currículo multifacetado”. Devemos, então, pensar como
esse currículo vem sendo incorporado nas escolas atuais e como deverá estar articulado às tecnologias.

CURRÍCULO E ESCOLA
Percebemos que a relação atual entre currículo e escola é algo profundamente desarticulada.

Como docente da educação básica, observo, a cada ano, intensas discussões sobre mudanças na carga
horária, nas disciplinas, reformulações dos conteúdos. Entendo que tais discussões são pertinentes e
válidas; porém, ainda percebo um currículo desvinculado e sem significados.

Diante desse panorama, Lopes e Macedo (2011, p. 93) propõem que o currículo deva ser pensado de
outra perspectiva: “[...] não mais como seleção de conteúdo [...]”, mas “[...] como produção cultural, com
significados”. Corroborando com elas, Pacheco (1996, p. 19) discorre que o currículo é uma construção
permanente, uma prática pedagógica que resulta da influência de vários setores (políticos, econômicos,
administrativos, culturais, sociais, escolares) “[...] com um significado marcadamente cultural e social e
um instrumento obrigatório para a análise e melhoria das decisões educativas.”.
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Não seria, então, arriscado afirmar que o olhar sobre o currículo observado nas escolas atuais estaria
relacionado ao primeiro entendimento, ou seja, um conjunto de disciplinas organizadas e padronizadas
a serem cumpridas num tempo determinado, refletindo-se nas formas de elaboração, seleção,
transmissão e avaliação do que é considerado um saber imposto pela escola.

Lopes e Macedo (2011) apontam quatro importantes vertentes do campo curricular que estão presentes
no contexto educacional, englobando vários autores e com possíveis mesclas entre elas, a saber:
perspectiva acadêmica, perspectiva instrumental, perspectiva progressista e perspectiva crítica. Para
este artigo, focalizaremos na perspectiva acadêmica e instrumental, por entender que a existência
dessas duas vertentes apresenta-se de forma enfática no contexto educacional atual.

Na perspectiva acadêmica, defende-se a existência de regras e métodos para a concretização


dos saberes. O conhecimento é definido como: “[...] um conjunto de concepções, ideias, teorias,
fatos e conceitos submetidos às regras e aos métodos consensuais de comunidades intelectuais
específicas, [...] busca explicar o mundo e definir as melhores formas de atuar nesse mundo.”.
(LOPES; MACEDO, 2011, p. 71).

A escola, por meio de um currículo que está preocupado com a transmissão de conhecimentos às
gerações novas, estaria focada em garantir a compreensão das normas, maneiras de agir e permitir o
desenvolvimento da mente do estudante. Nas palavras de Lopes e Macedo (2011), enfatiza-se a lógica
dos conhecimentos disciplinares acadêmicos a serem ensinados nas escolas.

Na perspectiva instrumental, percebe-se uma estreita relação com a anterior, sendo que a diferença
encontra-se no fato de o conhecimento ter como principal referência a razão instrumental, aspecto
definido por Lopes e Macedo (2011, p. 73) como aquela “[...] que busca sua legitimação pelo
atendimento eficiente a determinados fins, sem problematizar os processos que levam a esses
fins.”. A escola, por meio de um currículo baseado na padronização, na eficiência, na formação
de habilidades necessárias à produtividade social e econômica e na manutenção desse sistema
vigente, estaria focada em formar cidadãos “[...] capazes de gerar um benefício mais amplo para a
sociedade.”. (LOPES; MACEDO, 2011, p. 74).

É esse currículo baseado na perspectiva acadêmica e instrumental que se faz presente nas escolas
atuais. Um currículo marcado pela padronização, eficiência, fragmentação, atomização, previsibilidade,
linearidade para o cumprimento dos programas de ensino. Um currículo que está preocupado apenas
em avaliar o que os alunos aprenderam e, como consequência, refletir certo controle social e de poder.

CURRÍCULO E TECNOLOGIA
A presença cada vez maior das tecnologias1 na educação é uma realidade. As escolas têm o grande
desafio de integrá-las no cotidiano escolar e ajustá-las no desenvolvimento do seu currículo. Como
observa Macedo (1997), as discussões sobre como articular as tecnologias ao currículo já estão presentes
na história das ideias educacionais com destaque para a década de 1970, cuja presença da informática
na vida social das pessoas tornou-se mais intensa.

1 Neste artigo o termo tecnologia diz respeito, especificamente, ao uso dos computadores na educação.

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A escola, então, vê-se desafiada a se modernizar e, com isso, observa-se a “[...] migração da racionalidade
científico-tecnológica [...]” para esse espaço. Os currículos visam “[...] introduzir a informática, buscando
familiarizar os estudantes com essa nova tecnologia e prepará-los para ingressar em um mercado de
trabalho cada vez mais competitivo.”. (MACEDO, 1997, p. 41).

Dentro dessa perspectiva, a incorporação da tecnologia no currículo visa apenas à valorização da


racionalidade técnica. Altera-se o conceito de conhecimento, no qual o computador é visto como
repositório de dados que podem ser acessados a qualquer momento, com eficácia e eficiência. Há uma
eliminação da mediação provocada por essa racionalidade. Consideram-se os dados como o próprio
conhecimento, e o currículo é visto como produto, homogeneamente aplicado a diferentes grupos e
tecnocrático. (MACEDO, 1997).

Essa mesma autora busca chamar a atenção para o entendimento da tecnologia não como artefato
técnico, mas como construção social, dialética, sendo esse o pré-requisito para a entrada da tecnologia no
currículo escolar. A escola deve articular as ferramentas tecnológicas ao seu projeto político pedagógico
com coerência. A incorporação de uma postura mais amigável e crítica torna-se necessária ao professor
para que ele possa decidir quando e como utilizá-la, enquanto apoio pedagógico.

Precisamos criar formas de introduzir o computador em nossos currículos escolares, mas


segundo a lógica da escola. Precisamos construir alternativas ao conhecimento objetivo,
proposto como mito inquestionável pela máquina. Precisamos construir um currículo, que
integre o computador, mas que seja um espaço de negociação de sentidos de geração de
ideias, de aceitação da subjetividade, de valorização da experiência. (MACEDO, 1997, p. 44).

Nessa citação, é possível perceber claramente que currículo e tecnologia são dois aspectos a serem
articulados, integrados ao processo ensino-aprendizagem dos alunos. A incorporação das tecnologias,
com destaque para o computador no ambiente escolar, requer um projeto pedagógico bem definido,
com estratégias que fomentem a aprendizagem e o conhecimento dos alunos, numa relação dialética.

É nessa direção que as escolas devem procurar articular o currículo com as tecnologias, refletindo uma
nova concepção de aplicação do seu uso visando à amplificação de suas potencialidades e à construção
do conhecimento significativo.

ESCOLA, CURRÍCULO E TECNOLOGIA: CONEXÕES POSSÍVEIS


O certo é que, se a difusão da tecnologia provocou transformações nas diversas esferas da atividade
humana, um dos campos mais afetados por todo esse desenvolvimento tecnológico foi a educação.
Adquire-se novo dinamismo com a penetrabilidade da tecnologia no processo educativo e grandes
reestruturações nos conteúdos, currículos, espaços escolares e na capacitação dos docentes, visando
superar um ensino dependente da máquina com a simples função de transmitir conteúdos para um
ensino mais interativo, cooperativo, instigador e reflexivo.

A escola, como instituição social, tem um papel fundamental para a formação e desenvolvimento desses
alunos, uma vez que ela deixa de ser apenas um espaço que mantém, conserva e, em parte, modifica os
padrões de comportamento aceitos como desejáveis para a sociedade, para se transformar em geradora
e propiciadora de ambientes de aprendizagem, ou seja, uma: “[...] escola aprendente, mediadora da
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construção do conhecimento dos seus beneficiários e orientadora do desenvolvimento cognitivo,
emocional, estruturadora do pensamento, das capacidades e competências de aprender a aprender.”.
(ANDRADE, 2003 p. 59).

Nessa perspectiva, como escola/currículo/tecnologia podem estar interligados com a presença de


ferramentas tecnológicas no processo educativo? De acordo com Andrade (2003) e Masetto (2000),
reformas no trabalho educativo são essenciais para uma melhor compreensão na forma de ensinar e
aprender e na apropriação da tecnologia nesses ambientes, uma vez que as escolas contam com essas
tecnologias; porém, observa-se a não articulação a seus projetos pedagógicos. A inserção da tecnologia na
escola apresenta-se como um meio, um instrumento para colaborar no desenvolvimento desse processo.

A primeira reforma deverá atingir o conteúdo, necessitando ser contextualizado, problematizador,


que favoreça ao mesmo tempo o desenvolvimento da consciência crítica e aprendizagem significativa.
Como o processo de aprendizagem abrange esse desenvolvimento, a tecnologia a ser usada deve ser
escolhida de acordo com o que se pretende que os alunos aprendam. A segunda reforma deverá superar
um currículo marcado pela linearidade, com disciplinas e carga horária, organizado previamente e
com seleção de conteúdos para um currículo dinâmico, como processo e produto das relações sociais,
construído na coletividade, privilegiando competências e novos modelos do espaço do conhecimento.

No lugar de uma representação em escalas lineares e paralelas, em pirâmides estruturadas


em ‘níveis’, organizadas pela noção de pré-requisitos e convergindo para saberes
‘superiores’, a partir de agora devemos preferir a imagem de espaços de conhecimentos
emergentes, abertos, contínuos, em fluxo, não lineares, se reorganizando de acordo com
os objetivos ou os contextos, nos quais cada um ocupa uma posição singular e coletiva.
(LÉVY, 1999, p. 160).

A terceira e última reforma, segundo esses autores, deverá privilegiar uma formação profissional capaz
de levar os docentes a articular o domínio dos recursos tecnológicos com a ação pedagógica, integrar
diferentes ferramentas computacionais e conteúdos disciplinares, possibilitando colocar em prática
as inovações oferecidas pela tecnologia. O professor deverá ser um orientador, um coordenador em
busca do saber coletivo. Sua principal função será “[...] incentivar a aprendizagem e o pensamento, [...]
o incitamento à troca de saberes, a mediação relacional e simbólica, a pilotagem personalizada dos
percursos de aprendizagem etc.”. (LÉVY, 1999, p. 173).

O repensar do processo ensino-aprendizagem com a ferramenta computador, conforme Lévy (1999)


observa, não é o enfoque “ensinar”, mas as modificações, amplificação e exteriorização que são
provocadas nas funções cognitivas dos alunos: memória, imaginação, percepção, raciocínios, essenciais
para a sincronização da tríade escola/currículo/tecnologia.

Nesse novo contexto, Santomé (2003), em seu texto A educação em tempos de neoliberalismo, faz uma
severa crítica aos grupos neoliberais que pretendem adequar o currículo e as escolas às necessidades dos
mercados econômicos, onde o principal objetivo das empresas é manipular dados, desviar o olhar crítico
dos estudantes e professores e omitir informações para se evitar a formação da massa crítica. Com grande
preocupação, Santomé (2003, p. 199) aponta que as grandes multinacionais veem a escola como um espaço
aos desejos consumistas dos alunos, em que são “deixadas de lado as metas críticas, a reflexão e a liberdade
de expressão, que caracterizam a educação como projeto para formar uma sociedade mais democrática,

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informada, livre e solidária” e, obviamente, os projetos curriculares também acabam sendo construídos
para a não promoção desse pensamento crítico. Os conteúdos educativos são apresentados de maneira
abstrata. A preocupação está em memorizar dados, fórmulas. Os materiais curriculares contribuem para o
estímulo ao consumo, com informações descontextualizadas. Reproduz-se um modelo assistencialista, ou
seja, nas palavras desse autor “uma solidariedade mercantilizada”. O mundo é visto de forma monolítica,
sem possibilidade de mudanças. Os livros didáticos procuram transmitir a ideia de que tudo é bom, alegre,
sem problemas e com um conteúdo que não enfatiza as vozes ausentes. (SANTOMÉ, 2003, p. 205).

Vozes ausentes, na acepção de Santomé (2003, p. 208), são compreendidas como aquelas que não
privilegiam informações referentes ao mundo feminino, a questões sobre homofobia, inclusão de
pessoas com deficiência, etnias minoritárias, religião, culturas, classes trabalhadoras, entre outros.

Analisando todas essas questões, como seria esse currículo da escola do século XXI marcado pela
conectividade? Como rever esse quadro? Como trabalhar com questões que proporcionem aos alunos a
formação da criticidade diante de tantos artefatos tecnológicos? Que postura a escola e os professores
devem ter diante desses novos desafios?

As três faces dessa tríade, escola, currículo e tecnologia, fazem-nos perceber que sua correlação
efetiva poderá contribuir significativamente para a mudança pedagógica no que se refere a aspectos
de interação, criação de redes de significado, aprendizagem colaborativa, coautoria e flexibilidade
dos currículos com o uso de diferentes linguagens. Nesse sentido, considero oportuna a observação
de Santomé (2003, p. 209) quando diz que é necessário um currículo otimista. A escola é a principal
instituição para a formação desses alunos. Nela é possível transformá-los em “[...] cidadãos críticos,
aprendendo a desenvolver as suas capacidades de reflexão e de avaliação, permitindo-lhes analisar toda
a informação que chega a suas mãos e buscar outras que podem ser úteis.”.

Para isso, Santomé (2003, p. 210) aponta uma série de ações primordiais que podem contribuir para esse
novo currículo e essa nova escola do século XXI:

a) as instituições escolares devem fornecer informações para entender as vozes ausentes, desenvolver
solidariedade e compromisso com elas;
b) priorizar e despertar o espírito reflexivo e crítico dos alunos;
c) material curricular deve gerar interesse e entusiasmo;
d) acesso à cultura para que os alunos possam entender as suas dimensões e assumir compromissos
sociais e políticos mais coletivos;
e) os conteúdos trabalhados nos currículos escolares devem levar os alunos a compreender e enfrentar
os problemas e injustiças da vida diária;
f) currículo democrático que englobe aspectos sociais, culturais, científicos, tecnológicos e políticos;
g) criação de espaços onde os alunos sintam-se estimulados a questionar todas as informações que
entrem em contato;
h) incentivo a pesquisa;
i) avaliação que promova a reflexão e não como desempenho escolar.

Enfim, é imprescindível que as escolas estejam abertas e receptivas a essas questões, a fim de que esse
espaço se torne um campo de inovação, conhecimento científico, de pesquisa, de criticidade. Para isso, o

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currículo deve ser construído dentro desses espaços, em parceria com todos os profissionais da escola. O
importante é a promoção de situações que gerem a reflexão do processo educativo e que a sincronização
entre escola, currículo e tecnologia propicie novos caminhos para a ressignificação e a modificação do
pensamento curricular vigente.

PROCEDIMENTO METODOLÓGICO
Com vistas em colocar um pouco mais de luz na discussão sobre mudanças no pensamento curricular
vigente, visando à articulação da tecnologia ao espaço escolar e ao currículo, foi desenvolvida uma
pesquisa exploratória, elaborada através de uma revisão da literatura.

Uma pesquisa exploratória tem como principal finalidade “[...] desenvolver, esclarecer e modificar conceitos
e idéias [...].” (GIL, 2011, p. 27) e, habitualmente, envolve levantamento bibliográfico e documental.

As atividades de pesquisa foram desenvolvidas a partir de fontes secundárias, por meio de levantamento
bibliográfico, ou seja, utilizaram-se como recurso fontes nacionais relatadas em periódicos científicos e
livros acerca da temática proposta.

Para a execução desta revisão da literatura, alguns autores como Hamilton (1992); Goodson (1995);
Zotti (2004); Lopes & Macedo (2011); Lévy (1999) e Santomé (2003) foram usados como referência.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Englobando todas as discussões discorridas ao longo do texto, percebe-se que algumas considerações
devem ser contempladas. A primeira consideração refere-se às questões curriculares que estão presentes
nas discussões da escola. E, com a introdução da tecnologia nesse ambiente, exige-se novo olhar e uma
nova postura dos profissionais da educação para uma coerente conexão ao currículo. Aspectos como
planejamento, trabalho em equipe, envolvimento e diálogo contínuo, permanente e ativo entre docentes,
discentes e comunidade devem ser vistos como fundamentais para o êxito do processo educativo.

Pensar em novas práticas, agregando significado de recursos tecnológicos como ferramentas que
permitam aos alunos transitar em campos de interesse; articular tais recursos na prática pedagógica da
escola a fim de propiciar o desenvolvimento do educando; integrar os conteúdos e possibilitar contato
constante do aluno com as tecnologias são algumas das questões a serem refletidas e discutidas
constantemente no ambiente escolar.

A segunda consideração atenta para o fato de que, ao buscar as origens do currículo e sua conceituação,
percebe-se que ainda prevalece a perspectiva acadêmica e instrumental em nossas escolas, isto é, um
currículo pautado em matérias a serem ensinadas e com tempo determinado. Fazendo uma analogia
com uma pista de corrida, têm-se a partida como a introdução de uma matéria/disciplina, no transcorrer
do percurso não há possibilidades de desvios e, sim, constante linearidade para que, ao chegar ao fim
do processo, o objetivo seja cumprido. E, nesse trajeto, o pensamento curricular permanece o mesmo,
desarticulado, sem coerência e fora da realidade escolar.

A terceira consideração refere-se ao desafio de ajustar os aspectos tecnológicos ao currículo. Sabemos


que a presença das tecnologias é uma realidade no espaço escolar. A grande discussão da sua

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inserção nesse contexto é vê-la não como artefato técnico, mas como uma ferramenta que fomente a
aprendizagem significativa dos alunos. A tecnologia é um instrumento colaborativo no desenvolvimento
desse processo. E o educador ganha destaque ao tornar-se um agente que mediará os saberes dispostos
no currículo.

Escola, currículo e tecnologia são temáticas apresentadas como fundamentais para uma melhor
compreensão de como esse novo currículo e essa nova escola deverão se ajustar para a nova realidade
educacional contemporânea.

O que procuramos fazer neste artigo foi, dessa forma, esboçar a possibilidade de abordar um novo
currículo a partir de uma prática que tenha o foco de interesse no aluno; apresente um caráter dinâmico,
possibilitando ao educando o contato com diversos ambientes de aprendizagens significativas, que
permitam a ele elaborar saberes e construir seu conhecimento a partir de experiências que possam ser
aplicadas em seu cotidiano com o apoio da tecnologia.

REFERÊNCIAS
ANDRADE, Pedro Ferreira de. Aprender por projetos, formar educadores. In: VALENTE, José Armando.
Formação de educadores para o uso da informática na escola. Campinas, São Paulo: UNICAMP/NIED,
2003. Cap. 4, p. 57-83.

COSTA, José Wilson da; PAIM, Isis. Informação e conhecimento no processo educativo. In: COSTA, José
Wilson da; OLIVEIRA, Maria Auxiliadora Monteiro. (Orgs.). Novas linguagens e novas tecnologias:
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