Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Sobre a obra:
Sobre nós:
eLivros .love
Converted by convertEPub
A ARMADILHA DO
CONTEÚDO
-BHARAT ANAND-
A ARMADILHA DO
CONTEÚDO
Publique seu livro com a Alta Books. Para mais informações envie
um e-mail para autoria@altabooks.com.br
Obra disponível para venda corporativa e/ou personalizada. Para
mais informações, fale com projetos@altabooks.com.br
Erratas e arquivos de apoio: No site da editora relatamos, com a
devida correção, qualquer erro encontrado em nossos livros, bem como
disponibilizamos arquivos de apoio se aplicáveis à obra em questão.
Acesse o site www.altabooks.com.br e procure pelo título do livro
desejado para ter acesso às erratas, aos arquivos de apoio e/ou a outros
conteúdos aplicáveis à obra.
Posfácio
Bibliografia Selecionada
Notas
INTRODUÇÃO
1. GERENCIANDO INCÊNDIOS
GUERREIROS ESCANDINAVOS
Os invernos noruegueses começam cedo. O 12 de
novembro de 2001 foi outro dia gélido em Oslo, com
temperaturas abaixo de zero. Dentro da modesta sede de
tijolos vermelhos da editora escandinava Schibsted havia
também um outro tipo de ar gelado. Os diretores da
Schibsted estavam em reunião para determinar o futuro
do CEO Kjell Aamot.
Durante os dois anos anteriores, os dois jornais da
companhia, Aftenposten e VG, viram suas receitas
declinarem na medida em que os concorrentes da web
sugavam-lhes leitores e anunciantes. As próprias
operações online da Schibsted, que começaram mais de
seis anos antes, estavam crescendo, mas tinham pouco o
que mostrar — os investimentos eram muito maiores do
que os retornos. E o recente estouro da bolha da internet
levou as ações da Schibsted a despencar e então
definhar. Aamot mais tarde resumiu a situação com a
costumeira honestidade:
Estava dando tudo errado. Víamos grandes iniciativas geradoras de
prejuízo em todo lugar — sete anos de perdas. Quando a bolha
estourou, tivemos um prejuízo de aproximadamente $200 milhões
de coroas norueguesas, que foi imenso para nós. A
responsabilidade foi toda minha. O grupo de diretores sentiu que
devíamos fechar algumas atividades, e a maioria dos membros
acreditavam que eu deveria sair.
No final, foi apenas o apoio do principal acionista da
Schibsted, Tinius Nagell-Erichsen, que permitiu a Aamot
continuar. Mas a crise balançou os gerentes seniores da
companhia, resultando em uma pressão maior para
clarificar sua estratégia para a internet.
A Schibsted não estava sozinha como uma firma de
mídia impressa lutando para lidar com a ameaça da
internet. Centenas de jornais ao redor do mundo estavam
sendo engolfados por um incêndio digital. Naquele ano, o
The New York Times anunciou cortes de até 9% em sua
força de trabalho. Entre 2001 e 2006 ele perdeu mais de
metade de seu valor de mercado, e em 2012 a perda era
de mais de 75%. O The Washington Post eliminou 23% de
sua equipe de notícias, e cortes similares ocorreram no
The Boston Globe. Artigos com títulos como “Quem
Matou os Jornais?” (The Economist, 2006) e “Em Luto
pelo Declínio da Velha Mídia” (The New York Times, 2008)
pipocavam em todo lugar.
Mas à medida que esses eventos se desenrolavam,
algo estranho estava acontecendo lá em Oslo. Iniciando
em 2003, a Schibsted começou a ganhar dinheiro com
suas operações online. De início, um pouco — e então
mais e mais. Em 2006 as operações online da editora
eram responsáveis por 35% dos lucros operacionais. Em
uma incrível mudança de ventos, a Schibsted virou o
jogo, primeiro de forma hesitante, e depois de maneira
inconfundível. The Economist notou que enquanto o ano
de 2005 havia sido “miserável” para a maioria das
empresas de jornais no mundo ocidental, a performance
da Schibsted fora “uma rara exceção”, tornando-a um
dos únicos jornais a ter transformado o online em uma
empresa rentável. Em 2011, a Schibsted declarou lucros
operacionais em seu negócio online de aproximadamente
$220 milhões — quase 60% dos lucros do grupo inteiro.
Gigantes Chineses Virtuais
A mais de nove mil quilômetros de Oslo fica Shenzen,
umas das cidades chinesas de crescimento mais rápido.
Três décadas atrás, ela era uma vila de agricultores e
pescadores com alguns milhares de moradores. Hoje é
uma metrópole de 11 milhões de habitantes. A maior
parte de seu crescimento decorreu da criação de uma
Zona Econômica Especial em 1979. Shenzen agora é um
polo manufatureiro, o centro financeiro do sul da China e
o lar de companhias com marcas reconhecidas
mundialmente, como Huawei e ZTE. Apesar desse
crescimento planejado, a companhia mais famosa ali
surgiu dos empreendedores locais Pony Ma e Zhang
Zidong.
Em 1998, esses dois jovens cientistas da computação
formados na Universidade de Shenzen fundaram uma
companhia para tirar proveito do boom de internet da
China. A Tencent começou suas operações sem grandes
eventos, dedicando-se a trabalhos para operadores de
telecomunicações locais e portais de serviços. Como
muitas outras startups locais, sua abordagem principal
para o desenvolvimento de produtos era copiar do
ocidente.
Ela fez isso muito bem: seu primeiro produto, o
serviço de mensagens instantâneas OICQ, era uma
réplica quase perfeita do ICQ da AOL. Além de uma
plataforma de comunicações fácil de navegar, o OICQ
oferecia serviços add-ons [extensões de softwares] úteis,
como sala de bate-papo e um serviço móvel. Em três
anos, o serviço, renomeado como QQ, era o fornecedor
líder em mensagens instantâneas (IM) na China, com
mais de 50 milhões de usuários. A entrada de
fornecedores imitadores não conseguiu diminuir esse
sucesso.
Mensagens instantâneas são um negócio que é muito
difícil de monetizar. Muitos tentaram — e falharam. E a
Tencent lançou o serviço ao mesmo tempo que outras
centenas de startups chinesas. Mas enquanto a maioria
desses negócios lutava, as ofertas da Tencent cresceram
de mensagens instantâneas, com seu icônico pinguim
mascote, para uma suíte impressionantemente ampla:
um site de mídia social, um portal de notícias, uma
plataforma móvel, jogos single e multiplayer e um
serviço de microblogging. Seu produto mais recente,
WeChat, é um aplicativo que combina chat de voz
(similar ao Skype), compartilhamento de fotos (similar ao
Instagram), serviços de rede social (similar ao Facebook),
capacidades de comércio eletrônico (similar à Amazon) e
mensagens para grupos e serviços de walkie-talkie em
uma única oferta — de graça. Em 2015, os produtos e
serviços da Tencent eram usados por mais de um bilhão
de chineses, que os acessavam através de celulares,
computadores pessoais e cybercafés.
Como muitos sites de comércio eletrônico, a Tencent
permitiu aos consumidores a possibilidade de comprar
roupas, animais de estimação, armas e comida, mas com
uma ressalva importante: todos os produtos da Tencent
era bens virtuais, existindo apenas no mundo online e
comprados predominantemente com a moeda virtual da
firma — “Q coins”. Mesmo com esse pano de fundo de
faz de conta, a força financeira da Tencent não era nada
imaginária. Em 2015, as receitas ficaram próximas de
US$16 bilhões — similares às do Facebook e mais de três
vezes as receitas do LinkedIn e do Twitter combinadas.
Em abril de 2015, a capitalização de mercado da
empresa passava de US$200 bilhões, tornando-a a
quarta empresa de internet mais valiosa do mundo, atrás
da Google, do Facebook e da Alibaba.
Como uma companhia de jornais escandinava
encontra fluxos lucrativos de renda online quando todos
os outros estão se debatendo? Como a Tencent superou
os brutais desafios de começar como um produto de
mensagens instantâneas gratuito e então traduzir sua
vantagem ali em numerosas categorias de produtos ao
longo dos 15 anos seguintes? Como ela consegue que
seus usuários paguem por produtos que existem apenas
em um mundo imaginário? E que lições generalizáveis
podem ser tiradas desses exemplos?
À primeira vista, as histórias da Schibsted e da
Tencent não poderiam ser mais diferentes. Uma empresa
reside em uma economia ocidental desenvolvida, e a
outra, em um mercado oriental emergente. Uma
exemplifica a mídia tradicional, a outra era uma startup
digital. Uma é dirigida por executivos com mais de 30
anos de experiência em mídia, a outra, por jovens de 30
anos que nunca conheceram nada que não fosse a
internet. As histórias, entretanto, estão
inextrincavelmente ligadas.
O vínculo não é a qualidade superior dos produtos ou
a habilidade de inovar e trazer novas ofertas para o
mercado primeiro, mas a habilidade de reconhecer e
gerenciar as conexões entre os usuários. Esse princípio —
conexões de usuários — é um conceito crítico para
organizações de mídia, tecnologia e internet. Poucas
entre elas, porém, compreendem isso direito.
Para esmiuçar o conceito, começaremos retornando
aos jornais.
2
O REAL PROBLEMA DOS
JORNAIS
INFLAMANDO OS EDITORES
Poucos eventos chacoalharam tanto o mercado editorial
quanto o lançamento do Kindle da Amazon em 2007.
Quando Jeff Bezos, o CEO da Amazon, introduziu o
produto em 19 de novembro, convidou representantes da
indústria de livros para testemunharem a ocasião.
Madeline McIntosh, uma executiva sênior da Random
House — a maior editora de negócios do mundo (agora
Penguin Random House) — estava entre eles. Ela
descreveu a reação:
Bezos estava no palco falando sobre todas as características desse
novo dispositivo. Nossa experiência geral até então era a de que os
e-books não vinham sendo um grande negócio. Estávamos sendo
educados comparecendo ao evento da Amazon, mas não
estávamos realmente esperando muito. E impressionou como o
Kindle era em relação às características e números de títulos
disponíveis, e por ser um dispositivo caro. Parecia um produto
bastante especializado. Mas a parte que eu não consigo esquecer
foi quando ele anunciou o preço — US$9,99 para best-sellers do
The New York Times. A plateia ficou espantada ao ouvir. Não
sabíamos realmente o que pensar.
1 N.T.: Um trocadilho com o nome do golfista Tiger Woods, cujo nome Tiger,
em inglês, significa “Tigre”.
2 NT: Um dos doze trabalhos de Hércules.
18
IMG
Redução de Riscos
A diversificação no estilo IMG recebe frequentemente um
tranquilizador apelido na área de negócios:
“gerenciamento de riscos”. Diversificar suas fontes de
receita pode reduzir o risco de depender inteiramente da
sorte de um único negócio central, assim diz o raciocínio.
É um argumento tentador, e isso tem sido feito há muito
tempo por gerentes de negócios. Mas diversificação
motivada por redução de risco quase nunca funciona.
A lógica essencial é defeituosa. Um investidor
querendo diversificar seu risco pode fazer isso
diretamente através do mercado de ações, em vez de
confiar que cada companhia em seu portfólio faça o
mesmo. Diversificar através dos mercados financeiros é
mais fácil e mais eficiente do que fazer isso através de
fusões e aquisições.
Durante grande parte do século XX, a diversificação
foi um elemento de rotina da vida corporativa, e muitas
das empresas com os melhores desempenhos eram
grandes e diversificadas. Lá pelo fim da década de 1970,
a tentação começou a diminuir. Muitos dos benefícios de
realizar transações internamente em grandes
companhias poderiam ser obtidos através de mercados
melhorados de capital e trabalho. Em 1994, os
acadêmicos financeiros Larry Lang e René Stulz
compararam os valores de mercado de companhias
diversificadas e não diversificadas. Eles concluíram que,
para cada ano durante a década anterior, as companhias
diversificadas valeram menos do que suas contrapartes
mais focadas — um fenômeno nomeado de “desconto da
diversificação”. Os pesquisadores foram inequívocos:
“Nossa evidência ampara a visão de que a diversificação
não é um caminho bem–sucedido para um maior
desempenho.” As descobertas foram replicadas em
estudos seguintes que usaram diferentes métodos e
diferentes medidas e examinaram diferentes mercados.
O mito do poder da diversificação ruiu.
A pesquisa inspirada por Lang e Stulz mostrou que a
diversificação geralmente não funcionava. E quanto às
expansões em arenas de negócios próximas — será que
elas não trariam benefícios sinergéticos? Diversificação
“relacionada”, como normalmente é chamado esse tipo
de diversificação, tem sido documentada como menos
danosa para as empresas. No entanto, o caso da IMG, e
de outras como ela, mostrou que a lógica da
diversificação relacionada não estava isenta de seus
próprios problemas.
Considere a expansão da IMG para os eventos de
golfe. Na verdade, um fator essencial do sucesso de um
negócio de eventos é simplesmente se as estrelas top —
recurso frágil sobre os quais a empresa pode ter pouco
poder de negociação — aparecem ou não. Vamos
recapitular nossa discussão anterior: de 1998 a 2008,
Tiger Woods jogou em aproximadamente metade dos
eventos da PGA de cada ano. A diferença na venda de
ingressos foi de aproximadamente 2:1 — ou 100%. Visto
dessa maneira, o negócio de eventos da IMG reduziu
pouco o risco inerente de sua dependência das estrelas
— ele o aumentou: o sucesso da IMG ali depende, em
grande parte, de suas estrelas clientes — o recurso frágil
sobre o qual ela tem pouco poder de negociação, para
começar — jogarem!
Lang e Stulz mostraram que diversificar longe demais
do negócio central quase nunca funciona. Mas
diversifique muito perto e você poderá não escapar dos
caprichos do negócio central.
A Lógica do “Balcão Único”
Uma segunda razão para a expansão dos negócios é que
isso permite às companhias expandir suas ofertas para
consumidores e fornecedores, aumentando sua
alavancagem. Representar corporações e não só talentos
individuais é poder obter melhores termos de patrocínio
para suas estrelas clientes. Organizar eventos significa
poder controlar a participação dos jogadores. Transmitir
esportes pela televisão proporciona condições de
influenciar a cobertura dos jogadores e afetar os acordos
deles com as TVs. Ter centros de treinamento permite
determinar quem participa deles. Oferecer oportunidades
de projetar campos de golfe para seus clientes é algo
que poderá ajudá-lo a reter as estrelas. Em outras
palavras, controlar os negócios adjacentes possibilita
exercer mais poder sobre suas estrelas.
Essa é a lógica do serviço completo arquetípica que
as companhias usam para justificar a expansão dos
negócios. Durante a década de 1990, quase todos os
serviços financeiros que adquiriram companhias
invocaram essa lógica à medida que ela perseguia uma
estratégia de “supermercado financeiro” — combinando
bancos varejistas, bancos de investimento, bancos
corporativos, gerenciamento de recursos e corretagem,
tudo sob um único teto. Praticamente toda megafusão de
mídia também fez isso. A aquisição da CBS pela Viacom
em 1999 foi típica: ao combinar as redes de TV a cabo
que alcançavam espectadores mais jovens com uma
rede aberta que alcançava os mais velhos, a empresa
poderia oferecer um “balcão único” para anunciantes em
busca de alcançar espectadores de todas as idades.
Analistas ficaram em êxtase com relação ao acordo. Um
notou que “você pode literalmente selecionar as
demandas de um anunciante e anunciá-lo para todos os
perfis demográficos, desde a Nickelodeon, com os
consumidores mais jovens, à CBS, com alguns dos
consumidores mais velhos, e com a Country Music
Network, a Nashville Network, a MTV e a VH1 bem ali no
meio”.
Infelizmente, o balcão único quase sempre resulta em
desapontamento.
A razão não está na dificuldade de criar uma suíte de
ofertas de serviço completo; o difícil é criar algo que um
consumidor não possa acessar, por si mesmo, de forma
igualmente fácil. Pense em uma loja vendendo tanto
pizza quanto leite. Ao fazer isso, ela oferece aos
consumidores a conveniência de comprar ambos os
produtos em um mesmo lugar. Porém, coloque uma
pizzaria e um mercado um ao lado do outro, e o
consumidor terá a mesma conveniência. Nesse caso,
uma loja de serviço completo não tem quase nenhuma
vantagem sobre duas lojas independentes e focadas.
Juntar negócios diferentes sob o mesmo teto não cria
valor adicional para os consumidores quando eles podem
juntar essas combinações de produtos e serviços por
conta própria. Em outras palavras, balcões únicos dão a
ilusão de criar conexões — mas não criam.
Um dos exemplos mais acaloradamente debatidos da
lógica do balcão único ocorreu há uma década. Tinha a
ver com se havia valor em combinar lojas físicas com
ofertas online — a estratégia chamada bricks-and-clicks
[tijolos e cliques]. Quando muitas companhias como a
Amazon e a Netflix empregavam uma estratégia apenas
online contra veteranos físicos como Barnes & Noble e
Blockbuster, muitos diziam que elas estavam perdidas.
Ao mesmo tempo em que defendiam que companhias
com uma abordagem “tijolos e cliques”, ou seja lojas
físicas e virtuais, podiam sempre oferecer mais do que
qualquer uma delas sozinha. Dois recursos devem ser
melhores do que um, assim dizia a lógica simples.
Atualmente, é claro, esse argumento se provou
redondamente equivocado. A razão não é que tijolos e
cliques não funcionem, mas é que os consumidores
conseguem juntá-los por si mesmos.
Analistas de internet e especialistas em comércio
estão começando a mudar de tom. Um destacou o
contexto da batalha sobre serviços de vídeos para
consumidores: “Eu sinceramente acredito que a maioria
dos consumidores gostaria de uma solução tijolos e
cliques. A realidade é que eles já a têm. São apenas duas
companhias diferentes: Netflix e Redbox.” Enquanto a
Netflix se tornou o site padrão para compras online de
DVDs, a Redbox elegeu perseguir uma estratégia apenas
física, localizando uma malha incrivelmente grande de
máquinas de aluguel de vídeo dentro de lojas e
mercados. E o autor do artigo notou:
Quando a Barnes & Noble começou sua loja online em 1997, ela…
parecia um gigante capaz de jogar de lado com um tapinha uma
companhia apenas online como a Amazon. Mas esse gigante teve
que competir com o site de comércio eletrônico mais altamente
evoluído e fácil de usar do mundo.
E a lista continua.
Bachmann estava dizendo: fazemos trade-offs.
Sabemos o que eles são. E os respeitamos. Poucas outras
organizações já disseram isso de forma tão simples ou
obtiveram tanta vantagem com essa ideia. A vantagem
da Edward Jones não é que a empresa tenha de alguma
forma descoberto uma maneira de superar os trade-offs
embutidos em suas decisões, mas que ela
deliberadamente os fez.
22
DOS ÁTOMOS AOS BITS
O Surgimento do Flipkart
Flipkart é a principal empresa de comércio eletrônico da
Índia. Não é que o conhecimento requerido para começá-
lo não tenha a ver com a Amazon — a empresa foi
iniciada por dois ex-funcionários da Amazon. Um deles,
Binny Bansal, recentemente me descreveu as razões de
seu sucesso na Índia. É uma história do contexto local
dando forma à estratégia de entrega.
O início não foi muito diferente. Como a Amazon, a
Flipkart começou vendendo livros online, e os
consumidores pagavam com cartão de crédito. Quando a
companhia se moveu para os eletrônicos, as coisas
deram uma virada. Os consumidores estavam inseguros:
se os produtos seriam entregues em boas condições, se
coincidiriam com o que foi pedido ou mesmo se seriam
entregues. “As vendas de livros estavam crescendo em
40% por mês, mas estávamos presos em 100 pedidos
por dia para os eletrônicos”, disse Bansal. “Então,
percebemos que havia um problema de confiança com os
varejistas online. Assim, dissemos aos consumidores:
’Vocês não têm que pagar adiantado — paguem na
entrega’.” Isso foi acompanhado com uma garantia de
retorno de trinta dias. “Foi incrível — fomos de US$10
milhões em vendas para US$100 milhões em um ano.”
Pagamento na entrega se espalhou na indústria. Mas
havia um problema: os consumidores tinham que estar
presentes para receber a entrega. Uma vez que poucos
queriam fazer isso no trabalho, a Flipkart construiu
centros de coleta, para tornar a retirada mais
conveniente para os consumidores ao voltarem para
casa. Os centros de coleta eram relevantes porque, se os
pacotes fossem deixados na porta da residência do
consumidor, não havia como saber se estariam ali
quando o consumidor retornasse para casa. Nos Estados
Unidos esse não é um problema típico, então não é de
surpreender que a Amazon não tivesse sentido a
necessidade de construir centros de coleta em seus
primeiros 19 anos de negócios lá.
Havia outras diferenças entre os mercados, tais como
a escolha sobre quais categorias de produto entrar. Nos
Estados Unidos, mídia era um local natural para a
Amazon entrar, mas o mercado de varejo para CDs e
DVDs tinha menor magnitude na Índia. Em contraste,
telefones celulares foram uma categoria natural para a
Flipkart porque, na Índia, lojas familiares pequenas e
ineficientes eram a alternativa às vendas online — no
mercado norte-americano, os telefones eram vendidos
pelas companhias de telefonia, um sistema difícil de
penetrar. Além disso, as operadoras nos Estados Unidos
subsidiavam agressivamente o custo do aparelho para
vender planos de voz e dados, deixando as margens dos
aparelhos em si extremamente baixas para os varejistas.
Moda foi outra categoria de crescimento para o Flipkart.
Ao contrário dos Estados Unidos, “a maioria das vendas
de moda na Índia se dá através de pequenos lojistas
vendendo mercadoria sem marca”, notou Bansal,
tornando a categoria madura para o crescimento online.
“E o mercado indiano é mais funcional do que
aspiracional.”
E, depois, havia as infraestruturas em si. Os celulares
viram uma explosão na Índia em um curto período de
tempo, tornando imperativo construir um comércio
eletrônico ao redor deles. E a cadeia de suprimentos
ineficiente ali significava que se a Flipkart construísse
sua própria estrutura de entregas, milhares de lojistas
físicos poderiam se beneficiar ao usá-la — ao contrário
dos Estados Unidos, onde a maioria dos varejistas tem
suas próprias infraestruturas.
Quase toda a decisão que a Flipkart fez à medida que
crescia foi ajustada para as condições locais — e em
2015 a Flipkart comandava quase 45% do mercado de
comércio eletrônico do país. O jogo estava longe de ter
acabado, é claro. A Amazon estava presente e ganhando
tração — mas para fazer isso ela estava tendo que se
adaptar às necessidades do mercado local. Mesmo com a
guerra do comércio eletrônico se intensificando, Bansal
foi direto em sua análise: “Há pouca vantagem em ser
global no comércio eletrônico.”
PERGUNTAS IMPORTANTES
Às vezes as conversas ficavam confusas e caóticas, como
geralmente ocorre quando se discute o desenvolvimento
de produtos ou estratégia. Mas havia duas perguntas que
ligavam todos os pontos discutidos. Tratavam-se das
duas perguntas mais importantes para os estrategistas:
onde jogar e como ganhar?
Mesmo não sendo complicadas, é difícil responder a
essas perguntas. No nosso caso, talvez fosse mais fácil
aderir à retórica construída em torno da educação online.
“Democratize a educação.” “Torne o mundo mais plano.”
“Adote novas tecnologias.” Esses slogans tinham um
mérito inegável e até chegavam a nos motivar. Eles
apontavam, porém, para o futuro provável da educação
online, em vez de informar a tomada de decisões
individuais. As perguntas principais da estratégia ainda
eram importantes. Quem é o aluno? Onde podemos nos
diferenciar? Como criar uma experiência “primeiro em
digital”?
Com o advento das estratégias e metas estabelecidas
pelas universidades e plataformas online, alguns axiomas
começaram a aparecer. “Promover o maior impacto” e
“atingir o alcance máximo” são alguns exemplos. O
método indicado para concretizar essas metas é quase
sempre o mesmo: oferecer excelentes cursos com
professores famosos para atrair mais alunos.
Essas abordagens não são absurdas, mas não ajudam
a compreender quem são os alunos e no que realmente
estão interessados. É como oferecer um produto visando
encontrar o cliente, em vez do contrário. Trata-se da
clássica mentalidade centrada no produto, em vez da
centrada no usuário.
Começar com uma pergunta simples (“Quem é o
aluno?”) nos afastou do viés fixado no conteúdo e no
corpo docente e fez toda a diferença. Conhecer
profundamente nossos alunos de MBA facilitou a
identificação dos materiais que, ao serem
disponibilizados no CORe, serviriam para prepará-los
para nosso programa de MBA. Foi possível saber
exatamente os pontos em que os estudantes
experimentavam dificuldades e quais conceitos
precisariam ser abordados. Conhecê-los também nos
ajudou a formular uma escala de qualidade.
Não conhecer seu aluno traz outra consequência
relacionada às métricas frequentemente mencionadas:
alcance e acesso. Obter 100 mil inscrições em um curso
online passou a ser considerado como um indicativo de
sucesso. Mas as taxas de conclusão eram baixas e, na
maioria das vezes, se resumiam a um dígito.
Naturalmente, esses números só aumentavam o
ceticismo diante dessa tendência da educação online. Se
o The New York Times descreveu 2012 como o “Ano do
MOOC”, 2013 foi classificado pela NPR como o ano em
que “A Revolução Online Perdeu o Rumo”.
Manter o foco no aluno individual significava priorizar
(implacavelmente) uma única métrica: participação, não
alcance. Precisávamos primeiro decifrar a dinâmica da
participação para, em seguida, conquistar o alcance.
PRIORIZAÇÃO VERSUS EXPERIMENTAÇÃO
No início de março de 2013, o CORe já estava quase
pronto. Ao mesmo tempo, começaram a aparecer
diversas oportunidades, que poderiam naturalmente ser
administradas como questões de “educação digital” e
HBX. Deveríamos criar um portal para conectar
empreendedores iniciantes a consultores e investidores?
Deveríamos criar plataformas digitais para otimizar as
pesquisas que realizávamos na HBS? Deveríamos
aumentar o número de cursos na plataforma ou começar
com poucos? Deveríamos oferecer ferramentas
explicativas para gerentes? Deveríamos utilizar a
tecnologia digital para incrementar os programas
oferecidos no campus?
Comumente, as pessoas tendem a achar que
estrategistas e empreendedores operam em mundos
diferentes. O mundo da estratégia, dizem, é o universo
das organizações de grande porte e já consolidadas, que
concorrem utilizando métodos consagrados contra rivais
bem conhecidos e que encaram a obtenção de
vantagens competitivas como uma prioridade. O mundo
dos empreendedores recebe a caracterização de confuso,
inovador e desconhecido. Nesse universo, é essencial
aproveitar todas as oportunidades que aparecem pelo
caminho, já que nunca se sabe qual delas pode resolver
a situação do empreendedor.
Essa distinção é ilusória. Organizações consolidadas
precisam inovar, e as que estão iniciando precisam
priorizar. Durante as etapas iniciais do HBX, enquanto
tentávamos inovar, priorizar também passou a ser uma
necessidade.
Nos meses seguintes, tivemos que nos habituar a
dizer não. Como experiência, decidimos oferecer outro
produto: pequenos cursos online para executivos
seniores. (Clay Christensen concordou em criar o
primeiro, que, ironicamente, seria sobre Estratégia
Disruptiva, sua área de especialidade.) Não poderíamos
executar mais projetos por falta de recursos (tempo e
dinheiro), mas precisávamos de mil flores
desabrochando. Nossa única esperança era a de que a
plataforma fosse um avanço no campo da educação
online. Parecia uma estranha sobreposição entre os
mundos da estratégia e do empreendedorismo, descrita
com exatidão em uma orientação informal do nosso
diretor: “Devemos ser mais criativos e empreendedores.
Mas nada pode dar errado.”
Já na fase de definição de nossas conversas sobre a
estratégia de portfólio, outro evento esclarecedor viria a
ocorrer. Ironicamente, fui pego de surpresa quando não
deveria, pois vinha escrevendo sobre o assunto havia um
bom tempo.
UM EVENTO ESCLARECEDOR: CONEXÕES DE
USUÁRIOS E APRENDIZAGEM SOCIAL
Iniciamos os trabalhos em maio de 2013. Começamos a
desenvolver a plataforma, contratar produtores de vídeo,
pesquisar preços e estruturar o conteúdo de cada curso.
Para essa última tarefa, além de contratarmos
assistentes de pesquisas e indicarmos alguns
doutorandos da HBS, designamos três alunos do 2° ano
do MBA com excelente desempenho para contribuírem
com as atividades. Se era preciso criar um produto digital
que envolvesse e atraísse os novos alunos do MBA, quem
estava em melhor posição para informar o processo de
criação do conteúdo do que nossos próprios discentes?
O grupo se reunia regularmente para fazer sessões de
brainstorming. Depois de três meses percebi que
estávamos ignorando um ponto levantado
constantemente pelos alunos do MBA. Por muito tempo
discutimos os princípios responsáveis pelo sucesso dos
debates sobre os casos em sala de aula. Mas os alunos
também descreviam modos de aprendizagem que
ocorriam fora desse espaço e que talvez pudessem ser
recriados na internet. Falavam sobre grupos de estudo
preliminares, discussões por e-mail, conversas nos
corredores, debates nos intervalos e argumentos de
dormitório. Segundo eles, aparentemente acidentais,
essas interações entre colegas integravam a pedagogia
do método do caso tanto quanto qualquer outro
elemento.
A aprendizagem social sempre fora um de nossos
princípios fundamentais. Sabíamos que a abordagem do
caso dependia essencialmente de os estudantes
discutirem e aprenderem em grupo, mas havíamos
ignorado a abrangência das implicações desse princípio.
Em vez disso, priorizamos a arquitetura dos cursos, o
design da plataforma e a qualidade do ensino. Em outras
palavras, havíamos optado por fornecer um excelente
conteúdo.
Era evidente que tínhamos caído na Armadilha do
Conteúdo.
Foi um momento eureka. Escrevi uma nota naquele
mês: “Dedicamos 97% do tempo à criação do conteúdo e
aprendizagem ativa e apenas 3% à aprendizagem social.
Precisamos reverter totalmente esse quadro para 97% de
social e 3% de conteúdo.” Por coincidência, Moon
também estava chegando sozinho à mesma conclusão.
No mês seguinte, passamos a priorizar ações que
podiam incrementar os recursos de aprendizagem social
da plataforma. O corpo docente se reuniu diversas vezes
com a equipe de tecnologia. Dezenas de ideias foram
propostas, e nenhuma delas foi rejeitada de antemão. A
página inicial da plataforma apresentaria um mapa
global indicando a localização dos estudantes. As
identidades dos usuários seriam abertas: optamos por
descartar o anonimato e os pseudônimos e
implementamos fotos nos perfis. Os alunos teriam que
fornecer muitas informações pessoais. As pesquisas
interativas seriam atualizadas em tempo real de acordo
com as respostas dos participantes. Essa inovação,
aparentemente pequena, poderia criar um momento de
aprendizado: a experiência de surpresa ao responder a
uma pergunta e verificar que a maioria respondeu de
forma diversa. No lugar de respostas em formato textual,
os estudantes precisariam carregar imagens que
indicassem sua compreensão dos conceitos. Essas
imagens poderiam ser visualizadas por outros usuários
através de buscas. Haveria debates virtuais espontâneos
e imediatos. Seria possível criar instantaneamente
grupos de estudo para que os alunos discutissem entre si
um conceito apresentado em determinado ponto do
curso. Poderíamos até fazer um cold call pela internet.
Os cold calls correspondem à mais célebre técnica de
ensino em sala de aula do método do caso. A qualquer
momento da exposição, o instrutor pode fazer uma
pergunta a um aluno selecionado ao acaso. A pergunta
pode ser simples ou difícil, conceitual ou analítica. O
instrutor pode passar rapidamente a outro ponto ou
inquirir o estudante durante minutos a fio. Os cold calls
são um componente essencial da abordagem socrática.
Temidos pelos estudantes, ficam impressos na memória
por muitos anos.
O cold call é eficaz porque incentiva os alunos a se
preparar, prestar atenção durante a aula e aprender
entre si e com os erros uns dos outros. Afinal, raramente
a primeira reação de um estudante está complemente
correta. Como prática social, também pode ser
assustador: 90 alunos te encarando, em um silêncio que
parece infinito, enquanto você se prepara para falar. Em
última análise, o enorme poder dos cold calls vem da
pressão social. Como já ouvi de muitos alunos no
decorrer dos anos: “Sentimos um medo maior de passar
vergonha na frente dos colegas do que diante do
professor.” Agora, enquanto pensávamos sobre a
aprendizagem social online, procurávamos um meio de
transmitir esse poder ao HBX.
Assim, criamos o cold call do HBX, cujo design era
simples. Uma janela pop-up apareceria aleatoriamente
durante a participação do aluno no curso online. Em um
minuto (um cronômetro marcaria o tempo), uma
determinada pergunta teria que ser respondida em 30
palavras ou menos. Todos os participantes do curso
poderiam visualizar a resposta e a foto do perfil do aluno
em questão. Esse seria um dos diversos recursos na
plataforma HBX que combinariam aprendizado social e
ativo.
Os recursos sociais que desenvolvemos deveriam
servir para que os alunos cooperassem entre si, e não
apenas visualizassem o que os outros estavam fazendo.
Como viabilizar isso? Painéis de discussão eram comuns
na educação online, mas pouco eficazes. Menos de 10%
dos alunos participavam desses fóruns, em geral porque
os achavam entediantes. Na maioria das vezes, os
painéis apareciam nas páginas dos cursos na forma de
“barras laterais”. Os alunos podiam postar perguntas à
vontade sobre qualquer tópico, mas isso dificultava as
pesquisas. Quase não havia incentivos para responder às
perguntas dos colegas: grande parte dos cursos online
mais populares contava com assistentes pedagógicos
para invadir os fóruns com as respostas certas. Além
disso, ninguém utilizava o nome verdadeiro nesses
painéis.
Para enfrentar esses desafios, adotamos inicialmente
um design simples: os materiais dos cursos foram
distribuídos em modestas páginas de aulas que
contavam com painéis de discussão individuais. Apenas
perguntas pertinentes ao conteúdo da página em
questão poderiam ser postadas no fórum específico. Era
um pequeno recurso, mas incentivava a interação entre
os colegas e facilitava as pesquisas.
Em seguida, acrescentamos incentivos expressos.
Observamos que o termo “gamificação” vinha se
popularizando na internet e elaboramos a ideia de
recompensar os participantes por determinados
comportamentos. Às vezes, os incentivos eram
eficientes. Em outras, pareciam artifícios baratos. Mas a
educação online tinha uma vantagem sobre as empresas
de games e mídia: nela, os participantes recebiam notas.
Então decidimos vincular as notas à participação. Se
você responder às perguntas dos outros alunos, sua nota
será maior. Era assim que avaliávamos os alunos no
campus há anos.
Na década passada ocorreu a explosão das redes
sociais e dos estudos sobre elas. Uma das questões mais
levantadas indagava sobre o porquê de algumas redes
sociais terem êxito no incentivo de determinados
comportamentos e outras não. Por exemplo, como o
LinkedIn conseguia incentivar os usuários a postar
informações profissionais enquanto o Facebook
estimulava a postagem de informações pessoais? Por que
os usuários do Friendster estavam mais interessados em
relações amorosas do que em amizades, conforme a
intenção dos fundadores da plataforma?
Uma das principais conclusões desses estudos
indicava que o sucesso estava em atrair os usuários
“certos”, oferecendo os incentivos “certos” em troca de
sua participação e as ferramentas “certas” para que
adotassem determinados comportamentos. Não se
tratava apenas da qualidade da plataforma ou dos
recursos sociais. Ensinávamos esses princípios para
outras pessoas e agora deveríamos empregá-los. Para
cada recurso social que bolávamos, estimulávamos nossa
equipe a perguntar: como podemos saber se estamos
instigando os comportamentos certos, atraindo os
usuários certos e oferecendo os incentivos certos?
Nossas regras devem ser compreensíveis, mas não
simplórias e facilmente manipuláveis.
As conversas sobre aprendizado social provocaram
uma mudança no enfoque do design da nossa
plataforma, que, em vez de apenas interativa, deveria
também ser social. Os princípios do design do HBX
começavam a ser definidos. Em maio de 2014,
esboçamos um esquema em quatro camadas que
deveria orientar nossa abordagem pedagógica (veja a
Figura 27). As camadas correspondiam às quatro formas
de aprendizagem: passiva, ativa, adaptativa e social. A
pergunta principal que nos direcionava era: como
aumentar a participação em cada forma?
Lançamento do Site
O HBX começou a operar em 21 de março de 2014. Todos
os aspectos do site (tom, estilo e conteúdo) foram
projetados para transmitir três mensagens. Primeiro,
havia nossa expectativa em relação ao ensino online. Era
nosso primeiro grande passo na tecnologia digital e
esperávamos que a aprendizagem online fosse tão
poderosa e envolvente quanto a experiência em sala de
aula. Segundo, para viabilizar isso, deveríamos
desenvolver intensivamente nossos pontos fortes, como
a pedagogia do método do caso. A página inicial do site
não apresentava um aluno online, mas, paradoxalmente,
uma sala de aula tradicional da HBS. Era um sinal de que
estávamos abordando a aprendizagem pela internet com
uma diferente perspectiva pedagógica. Terceiro, nossa
abordagem não seria aberta a todos. Procurávamos
alunos sérios, ativos e comprometidos com a mútua
cooperação entre os colegas e não turistas, observadores
passivos e pessoas interessadas em aprender por conta
própria.
Também havia a questão do preço. Decidimos cobrar
US$1.500 pelo primeiro programa CORe, com duração
aproximada de dez semanas. Contudo, oferecemos uma
opção de financiamento para os alunos que precisavam.
Nossa intenção era clara: o acesso não seria
condicionado à capacidade financeira, mas à motivação
e comprometimento do participante.
O preço cobrado pelo CORe foi tema de debates
internos. Porém, como é de praxe em decisões como
essas, também seria discutido por pessoas externas à
HBS. Circulavam comentários de que a instituição não
estava sendo muito ambiciosa em sua incursão no ensino
online, pois optara pela seletividade, em detrimento da
expansão. Mas também havia rumores que diziam
exatamente o contrário: ao cobrar menos de 10% do
valor do MBA, a HBS estava deixando a marca acessível
demais e corria o risco de desvalorizar o curso.
Se éramos alvo dos dois tipos de boatos, alguém
poderia sugerir que provavelmente estávamos no
caminho certo. Acreditávamos, no entanto, que as duas
opiniões estavam incorretas. Tínhamos ambições e
expectativas em relação ao alcance e expansão dos
cursos. Mas havia um grau de incerteza também.
Abriríamos a plataforma para mais alunos apenas depois
de saber que o programa inicial dera certo. Quanto a
desvalorizar a marca, quando se calculavam os preços
por hora, os valores eram quase idênticos.
Cobrar pelos programas online deveria gerar renda e
aumentar o potencial de sustentabilidade do
empreendimento, um ponto em que a maioria das
plataformas online enfrentava dificuldades. Mas havia
outro motivo que justificava o preço. É comum que os
cursos gratuitos não recebam nenhuma inscrição ou que
os alunos não tenham motivação, capacidade e
compromisso com as aulas. Achávamos que esse modelo
era propício para uma experiência de aprendizagem
individual. Porém, nossa abordagem baseava-se
essencialmente na aprendizagem entre pares, e para
favorecer a aprendizagem social é preciso atrair os
alunos certos. Alunos sem motivação muitas vezes
prejudicam a experiência dos que chegam motivados.
Não queríamos que 90% dos discentes abandonassem o
programa (a taxa de desistência típica dos MOOCs). Os
participantes que não conseguissem concluir o curso
poderiam impactar negativamente os que continuassem.
O preço seria um sinal de motivação: quem ousasse
pagar US$1.500 por um programa online de que nunca
ouvira falar devia realmente assumir um compromisso
com o curso.
Em outras palavras, ao optarmos entre tornar os
cursos gratuitos ou pagos, não consideramos apenas a
questão da receita. Pensamos na coerência com os
princípios pedagógicos sobre os quais estávamos
desenvolvendo o HBX.
No início de abril, apresentamos o HBX ao corpo
docente da instituição. Vínhamos trabalhando, até aquele
momento, em relativa obscuridade: mantínhamos o
projeto do HBX separado dos ritmos cotidianos de outros
programas e operações do campus, com exceção dos
professores (que continuavam a lecionar em sala de
aula) e funcionários importantes (como o nosso diretor
executivo e outros funcionários “emprestados” do nosso
programa de MBA, além dos contratados especificamente
para o projeto). A sede da equipe do HBX ficava a menos
de 400 metros do campus principal. A distância era curta
o suficiente para favorecer a interação com a instituição
e longe o suficiente para permitir que a equipe se
diferenciasse. O diretor e o chefe administrativo da HBS
participaram de todos os debates. Então, dois meses
depois do lançamento do programa, compartilhamos a
versão integral do HBX com os demais professores. A
reação foi muito animadora. O sentimento predominante
confirmava que havíamos escolhido o modo correto para
começar a atuar online. Agora era esperar para ver se
tudo daria certo.
Alguém Se Inscreverá?
No dia 11 de abril, abrimos as inscrições no programa
CORe através do site, utilizando o que eu,
espirituosamente, chamei de “marketing silencioso”. A
HBS não costuma divulgar seu programa de MBA.
Quando, a cada outono, abrimos as inscrições para o
MBA em nosso site, recebemos centenas de solicitações
nos primeiros dias. Mas o que ocorreria com o HBX e o
CORe? Quem estaria disposto a pagar US$1.500 por um
programa online que nunca fora apresentado?
No dia seguinte, recebemos a primeira inscrição. Uma
euforia apreensiva contagiou a equipe do HBX, até que
constatamos a inelegibilidade do candidato: ele estudava
em uma universidade da Califórnia.
Adotamos uma restrição: receberíamos apenas alunos
que residissem em Massachusetts. Por quê? Os
empreendimentos de internet não buscam sempre
eliminar as fronteiras geográficas? A medida expressava
cautela. Precisávamos de experiência em uma escala
menor antes de estender a abrangência dos cursos. Seria
mais fácil acompanhar estudantes locais, que poderiam
tecer comentários e participar de pesquisas. Além disso,
trabalhar com o mesmo fuso horário também favorecia a
atuação de nossa equipe de tecnologia e suporte.
O primeiro candidato elegível se inscreveu no terceiro
dia, e outras inscrições começaram a chegar lentamente.
Comunicamos as informações sobre o curso aos nossos
alunos de graduação e aos ex-alunos, que poderiam
avisar seus filhos ou netos. Distribuímos materiais
impressos em outras universidades locais. Quando
estávamos prestes a iniciar o programa, havíamos
matriculado pouco mais de 600 estudantes.
Lançamento do Programa
Em 11 de junho, ao meio-dia, cheios de animação e
nervosismo, lançamos o CORe para o primeiro grupo de
alunos, que depois batizamos, afetuosamente, de turma
“pioneira”. Em poucos minutos, os participantes
começaram a carregar as fotos dos perfis e suas
informações pessoais. Durante nove horas, cerca de 300
participantes realizaram esse procedimento. Além disso,
superamos a marca impressionante de 13 mil
visualizações de perfis apenas no primeiro dia, uma
média superior a 40 visualizações por participante.
Ficamos surpresos ao ver que os alunos online queriam
simplesmente “sacar” uns aos outros. Foi a primeira
confirmação de nossa crença em conexões sociais e na
comunidade.
A equipe do HBX passou o dia grudada nos monitores,
acompanhando as atividades dos participantes. Alguns
alunos faziam o login, passavam alguns minutos se
registrando e saíam da plataforma. Outros embarcavam
logo no conteúdo dos cursos. O aluno típico dedicava
cerca de 30 minutos à primeira incursão na plataforma.
Naquela noite observamos algo extraordinário. Uma
participante, Layla Siraj, concluíra os primeiros módulos
dos três cursos às 21h. Essa etapa do programa devia
durar uma semana e meia e exigia aproximadamente 15
horas de dedicação. A aluna havia feito tudo no primeiro
dia e em apenas nove horas.
Siraj era uma caloura promissora na Harvard College,
onde cursava graduação em biologia organísmica e
evolutiva. Sua velocidade extraordinária causou o
seguinte questionamento: o ritmo do programa está
correto? O curso é muito fácil? Ou é Siraj que tem uma
inteligência fora do comum? Em pouco tempo, recebi um
e-mail inesperado de Siraj: “Estou muito animada com o
início do CORe no HBX”, escreveu. “Adoro tudo no
programa. É difícil desgrudar dos módulos. Muito
obrigada por criarem uma experiência tão fantástica.”
Talvez o HBX acabasse dando certo.
O primeiro dia suscitou diversas emoções na equipe
do HBX. Sentimos satisfação por termos criado o primeiro
programa online da HBS. Sentimos alívio e cansaço
porque conseguimos cumprir a tarefa em um prazo muito
curto, depois de passar vários meses sem dormir,
dedicando pouco tempo às nossas famílias. E também
sentimos uma grande dose de orgulho.
Nas semanas seguintes, recebemos mensagens dos
outros estudantes. Um dos usuários comentou no
Facebook: “É a experiência de aprendizagem mais
colaborativa de que já participei na vida.”
Acompanhamos o desenvolvimento das conversas entre
os alunos. Nossas equipes de conteúdo monitoravam as
perguntas que começavam a ser postadas nos painéis e
deviam intervir apenas se as respostas estivessem
erradas ou não surgissem.
Nas primeiras três semanas o número de vezes que
nossas equipes de conteúdo precisaram intervir nos
fóruns de cooperação mútua foi exatamente zero. Quase
todas as perguntas feitas eram respondidas de forma
correta e precisa por outro aluno. A aprendizagem social
funcionava melhor do que prevíramos. E também
despertava uma leve apreensão: quando disponibilizados
os incentivos, plataforma, conteúdo e curadoria
adequados, os alunos poderiam muito bem dispensar
nossa presença.
Estávamos observando o poder das conexões dos
usuários, em tempo real.
Aprendizados e Surpresas
Em setembro, analisamos os resultados após o
encerramento do primeiro programa. A taxa de conclusão
registrada na primeira turma chegou a 86%. As
avaliações dos alunos se aproximavam das que
recebíamos no campus: mais de 90% dos participantes
deram uma nota 4 de 5 para o programa. Ficamos
impressionados com o feedback dos alunos: “Uma das
melhores experiências de aprendizagem que já tive na
vida”; “Foi o melhor substitutivo para a experiência em
sala de aula de que já participei.” Um dos estudantes
escreveu: “Gostei da proximidade.” Nunca estivemos na
presença desse aluno.
Inicialmente, concluímos que a aprendizagem online
poderia ser muito envolvente para alguns dos alunos
mais exigentes das melhores instituições, apesar da
automatização da experiência e da ausência de interação
em tempo real com os professores. Criáramos as
condições para a expansão do HBX.
Os alunos acharam o programa rigoroso e difícil, e as
turmas posteriores tiveram a mesma opinião. Os
resultados extraordinários da turma pioneira não foram
surpreendentes, pois alunos das melhores universidades
de Massachusetts, como Harvard, MIT, Amherst,
Williams, Wellesley, Northeastern e Tufts, integravam o
grupo. Seis meses depois, abrimos o CORe para
inscrições de participantes do mundo inteiro e aceitamos
mais de 900 estudantes. A diversidade da segunda turma
era incrível. Algumas semanas depois do início do
programa, um aluno fez o seguinte comentário no
LinkedIn:
Lembram quando eu disse que estava animado para conhecer
estudantes de graduação norte-americanos? Evidentemente,
existem alguns na nossa turma. Mas também há todo tipo de
gente, que foi parar no HBX depois de viver histórias que a gente
só vê em filmes com o Tom Hanks. Na turma, temos um capitão da
marinha, um técnico em desarmamento de bombas, um
oncologista português, um engenheiro alemão, um psicólogo
canadense, um gerente de marca argentino, um estudante de
mestrado sul-africano e um administrador financeiro de um centro
de reabilitação do Texas. Há dois estudantes que trabalham em
Wall Street. Um diretor de escola australiano. Quatro advogados
brasileiros. Vários estudantes de programas de MBA, dois
economistas e muitas outras pessoas. Sem dúvida, a diversidade
do grupo é seu ativo mais valioso, e as diferentes perspectivas
propostas pelos alunos nas discussões são o fator que torna o HBX
verdadeiramente único.