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Daniel Paiva

Manual de
Métodos
Qualitativos
em Geografia
Manual de
Métodos
Qualitativos
em Geografia
Daniel Paiva
4 Manual de Métodos Qualitativos em Geografia

Ficha técnica
Autor
Daniel Paiva

Título
Manual de Métodos Qualitativos
em Geografia

Edição
Centro de Estudos Geográficos

Fotografia de capa
Daniel Paiva

Projeto gráfico
Susana Gama

Financiamento
A investigação de Daniel Paiva tem
sido financiada pela Fundação para
a Ciência e a Tecnologia através dos
projetos nº EXPL/ GES-URB/0273/2021,
CEECIND/03528/2018. Esta edição
do Centro de Estudos Geográficos é
financiada pela Fundação para a Ciência
e a Tecnologia através dos projetos
nº UIDP/00295/2020, UIDB/00295/2020,
LA/P/0092/2020.

ISBN
978-972-636-306-4

DOI
10.33787/CEG20240002

Ano de edição
2024

Apoio
Índice

Introdução 7

1. Antes do Campo 11
Qual é a minha perspetiva? 13
O processo de investigação 21
Princípios da investigação qualitativa 28
O que é o campo? 32
Recrutamento de participantes 34
Ética 37

2. Recolha de Dados 41
A caminhada 43
Interpretação de paisagem 47
A entrevista 50
A entrevista andante 56
Entrevistas com elicitação de materiais 58
Entrevistas de história de vida 60
Grupos focais 63
Método Delphi 67
Diário 70
Etnografia 74
Métodos móveis 79
Seguir a coisa 82
Sombreado 85
Etnografia digital 88
Autoetnografia 91
Investigação-ação 94
Levantamento fotográfico 97
Fotografia de repetição 100
Fotografia participativa 102
Vídeografia 105
Vídeo participativo 108
Time-lapse 111
Fonografia 114
O arquivo 117
Biografia 122
Mapas Mentais 125
Sistemas de Informação Geográfica Participativa 128
Story maps 131
Cartofonia 134
Criatividade 137

3. Análise de Dados 141


Organização, tratamento e análise de dados 143
Interpretação de dados 146

Bibliografia 151
6 Manual de Métodos Qualitativos em Geografia
Recolha de Dados 7

Introdução

E
ste livro pretende introduzir os métodos & Gonçalves, 2021). Embora estes volumes possam
qualitativos a geógrafos em formação. Foi ser úteis para expandir os horizontes dos estudan-
pensado como o primeiro passo para quem tes de geografia, faltava um manual que lhes pudes-
está a começar a planear um projeto de investiga- se transmitir o essencial do uso de metodologias
ção no qual a informação qualitativa se revela sig- qualitativas para atingir os objetivos da disciplina.
nificante. A investigação qualitativa implica a defi- Por este motivo, este manual é escrito a pensar
nição de metodologias rigorosas, o que significa um especificamente na formação em geografia, e para
cuidado especial com a forma como estabelecemos isso circunscreve-se aos métodos qualitativos mais
o nosso campo de investigação, com os métodos utilizados por geógrafos e geógrafas, e recorre
através dos quais recolhemos informação, e com as principalmente a formulações e aplicações desses
técnicas que usamos para tratar e interpretar essa métodos que tenham sido realizadas por geógrafos
informação. Pelas características dos dados qualita- e geógrafas. Não com o objetivo de forçar uma dis-
tivos – a sua diversidade, liberdade, e subjetividade ciplinaridade cega e negar a vasta contribuição de
–, a investigação qualitativa levanta problemas es- outras disciplinas no desenvolvimento dos métodos
pecíficos que os investigadores devem ter em conta. aplicados na geografia, nem as diversas e imperati-
Com isto em mente, este livro aborda os vários ca- vas colaborações interdisciplinares entre geógrafos
minhos que a investigação qualitativa pode tomar. e outros cientistas, mas com a noção de que os ob-
O qualitativo está no cerne da pesquisa geográfica. jetos de estudo da geografia – os espaços, os lu-
Para o estudo da relação entre os seres humanos gares, as paisagens, os territórios – requerem uma
e o espaço geográfico – um objetivo-chave da dis- atenção especial e uma afinação particular em ter-
ciplina – é fundamental compreender uma grande mos metodológicos que não podem ser descurados.
diversidade de processos que são qualitativos e Outro interesse deste livro é introduzir uma série
subjetivos na sua natureza. Refiro-me a processos de inovações que surgiram neste milénio. A inves-
que envolvem discursos, narrativas, representações, tigação qualitativa tem experienciado uma evolu-
símbolos, ideologias, éticas, conflitos, regras, prá- ção tremenda, e é hoje composta por uma série de
ticas, performances, materialidades, experiências, métodos e técnicas de ponta que respondem tanto
emoções, afetos, sensações, estéticas, entre outros aos desafios epistemológicos que a informação qua-
elementos. Sem a compreensão destes elementos, a litativa nos coloca, como aos desafios planetários
geografia perde grande parte da sua capacidade de que a humanidade enfrenta. Estas inovações podem
explicar os processos espaciais. ser de modo geral enquadradas em cinco viragens
Com isto em mente, um interesse deste livro é temáticas que ocorreram nas últimas duas décadas
abordar os métodos qualitativos a partir da pers- no âmbito da geografia e das ciências sociais no ge-
petiva da geografia. Estão hoje disponíveis vários ral: a mobilidade, o digital, o atmosférico, o partici-
manuais de métodos e metodologias qualitativas pativo e o criativo.
em língua portuguesa, mas todos eles redigidos Em primeiro lugar, tem-se tornado patente que o
para um público geral de ciências sociais, ou para mundo é cada vez mais móvel. O crescente movi-
públicos mais específicos como o da educação, do mento de pessoas, bens e informação a escalas cada
desporto, ou da saúde pública (Mesquita, Colaço, vez mais globalizadas teve efeitos profundos na or-
& Rosado, 2012; Mesquita & Graça, 2013; Dias & ganização dos territórios e das sociedades, e cedo
Gama, 2019; Azeredo, 2019; Gonçalves, Marques, os geógrafos se aperceberam que a sua investigação
8 Manual de Métodos Qualitativos em Geografia

tinha de ser capaz de se adaptar a esta realidade em para os geógrafos. Os sistemas de informação ge-
mudança. Tal implicava por um lado estudar o im- ográfica qualitativa em particular permitiram uma
pacto desta mobilidade no território e na sociedade, maior espacialização de dados qualitativos que nem
mas também reconhecer que, seja qual for o tópi- sempre são fáceis de analisar espacialmente. Por
co de investigação que nos concerne, os sujeitos e último, as ferramentas digitais também facilita-
os objetos que estudamos são móveis. Na verdade, ram a aplicação de certos métodos qualitativos que
sempre o tinham sido, mas os métodos geográficos anteriormente consumiam muito tempo e muitos
nem sempre foram capazes de dar conta de todos recursos, como o método dos diários solicitados, o
os movimentos de que é feita a nossa vida. Com método Delphi, ou o trabalho de arquivo. A facili-
isto em mente, os geógrafos têm-se esforçado para tado em comunicar com pessoas através da internet
adaptar as suas metodologias à mobilidade dos es- e de aplicações móveis, bem como o rápido acesso a
paços que estudam. Assim, nas últimas décadas, te- informação digitalizada, permitem reduzir o tempo
mos visto adaptações de métodos tradicionais. Por de investigação quando usamos estes métodos, o
exemplo, desenvolveu-se o conceito de entrevista que era um problema que os geógrafos qualitativos
andante e de métodos móveis, sendo que estes últi- – especialmente os menos experienciados – enfren-
mos podem ser também entendidos como etnogra- tavam recorrentemente. Hoje, é rara a investigação
fias em movimento. Algumas propostas inovadoras que não recorra a alguma combinação de métodos
tornaram-se tão populares que são hoje considera- realizados in situ e métodos conduzidos online.
das métodos convencionais, como o método de ‘se- Em terceiro lugar, tem-se tornado óbvio que este
guir a coisa’. Houve também um interesse renova- mundo cada vez mais móvel e conectado reconfigu-
do e uma reconfiguração de métodos que estavam rou profundamente as relações espaciais e sociais.
em desuso, nomeadamente o método da caminhada. As pessoas relacionam-se de forma diferente – para
Por outro lado, os geógrafos têm também recorri- o melhor e para o pior –, com efeitos visíveis na
do a novas tecnologias que lhes permite captar mo- economia, na política, e na sociedade. Preocupados
vimento nas suas diversas formas. Assim, surgem com estas mudanças nas subjetividades sociais, os
metodologias baseadas em videografia, fotografia geógrafos têm-se interessado pelos processos afe-
de repetição, ou em técnicas time-lapse. tivos neste mundo contemporâneo. Neste âmbito,
Por outro lado, o novo mundo das tecnologias di- tornaram-se populares os conceitos de afeto e de
gitais trouxe outros tipos de mobilidade, e novas atmosfera. Como é que as pessoas são afetadas por
formas de criação de comunidades. A internet estas mudanças espaciais no seu dia a dia? Como é
permitiu-nos estar conectados a lugares longín- que a atmosfera destes espaços em mudança molda
quos, alterando profundamente a maneira como certas práticas, comportamentos e representações?
habitamos os lugares, como nos movemos através Para dar resposta a estas questões, os geógrafos
deles, e como os conhecemos. Os geógrafos esti- têm-se preocupado em adaptar as suas metodolo-
veram sempre na linha da frente na produção de gias de modo a conseguir perceber não só o que as
conhecimento acerca do impacto das tecnologias pessoas pensam sobre este mundo em movimento,
digitais no território, mas também compreenderam mas também como o sentem e o como respondem
que estas tecnologias providenciavam novos dados a isso. A estas adaptações, tem-se dado o nome de
empíricos para a disciplina e novos campos onde métodos atmosféricos, por se preocuparem em cap-
realizar investigação. Assim, começou-se a falar de tar o modo como a atmosfera dos lugares afeta as
métodos digitais. Novamente, adaptaram-se méto- pessoas. Neste âmbito, deu-se primeiramente im-
dos tradicionais. Por exemplo, houve debates signi- portância às autoetnografias, pelo facto de coloca-
ficantes sobre como conduzir etnografias em espa- rem o próprio investigador a experienciar os luga-
ços digitais. Por outro lado, emergiram novidades res. No entanto, houve também a preocupação de
tecnológicas que tem sido bastante importantes encontrar novas formas de envolver as pessoas na
Recolha de Dados 9

investigação e permitir-lhes exprimir a sua expe- as artes não como apenas mais um tema relevante
riência espacial. Então, métodos como a entrevista para a investigação geográfica, mas como uma série
com elicitação de materiais ou o diário foram utili- de técnicas e métodos úteis para atingir os objeti-
zados para conseguir isso mesmo. vos da investigação qualitativa. As artes ofereciam
De facto, envolver as pessoas na investigação cien- a capacidade de captar práticas em movimento, de
tífica tem sido uma preocupação crescente entre os abordar questões afetivas complexas, e de incluir
geógrafos qualitativos. Esta preocupação tem pri- participantes na investigação, especialmente aque-
meiramente um propósito científico – o de obter les provenientes de comunidades marginais menos
informação mais rigorosa, exata, fiável e credível confortáveis com os meios de comunicação formais.
–, mas interliga-se também com uma preocupação Por este motivo, os geógrafos têm integrado as
social e política. De facto, a geografia sempre teve artes nas suas metodologias, combinando-as com
um forte compromisso com o planeta e as comuni- métodos mais tradicionais, especialmente a etno-
dades. Enquanto ciência, a geografia procura con- grafia. Esta tendência resultou igualmente numa
tribuir para a conservação da natureza, a proteção utilização mais intensa de certas metodologias com
dos ecossistemas, e para a saúde e bem-estar das recurso a tecnologias, como a videografia, a foto-
populações humanas em todo o globo. Para atin- grafia e a fonografia. Frequentemente, os sistemas
gir estes objetivos, o envolvimento da população de informação geográfica qualitativa têm sido im-
é crucial, e então a participação política é um ins- portantes para a interpretação destes dados e para
trumento indispensável que os geógrafos não têm e comunicação dos resultados da investigação, por
negligenciado. Com isto em mente, a investigação- exemplo através de story maps ou de mapas sonoros.
-ação é cada vez mais uma metodologia aplicada Este manual divide-se em três partes. A primei-
por geógrafos qualitativos que desejam que a sua ra parte é dedicada à preparação do trabalho de
investigação não só produza conhecimento teórico campo. Começamos por refletir sobre as diversas
relevante, mas que esse conhecimento teórico possa perspetivas epistemológicas que podemos adotar.
ser aplicado para melhorar a vida das pessoas e a Depois, vamos rever o processo de investigação
saúde do planeta. Mas este esforço vai para além científica, focando especialmente a construção da
da investigação-ação. Têm sido desenvolvidas ver- questão de partida e a formulação dos objetivos de
sões participativas de praticamente todos os méto- um estudo. De seguida, discutem-se os princípios
dos nos quais era a visão pessoal do investigador que guiam a investigação qualitativa, nomeada-
que sobressaia, como o levantamento fotográfico, mente a posicionalidade, a reflexividade, a crítica,
a videografia, ou a fonografia. Hoje, é comum criar o rigor, o detalhe e a profundidade. Seguem-se as
grupos de ciência cidadã que assistem os geógrafos questões mais práticas de definição do campo de
a recolher, tratar e interpretar dados qualitativos, investigação, amostragem e recrutamento de par-
tornando a ciência mais inclusiva e aumentando o ticipantes. Esta primeira secção é concluída com
seu potencial de impacto. Alguns geógrafos tam- uma revisão das principais questões éticas que um
bém têm recuperado métodos mais tradicionais, estudo geográfico qualitativo pode levantar.
como os mapas mentais ou a entrevista de histó- A segunda parte é dedicada à recolha de informa-
ria de vida, para desenvolver este tipo de ciência ção empírica. Esta é a parte mais extensa do livro.
cidadã. A geografia qualitativa recorre a múltiplos méto-
A última destas viragens foi a criativa. No cerne dos que nos permitem aceder a informação diferen-
desta viragem, está esta constante necessidade de te – alguns foram desenvolvidos no seio da geogra-
adaptar aos métodos qualitativos a uma realidade fia e outros foram adaptados de outras disciplinas.
em mudança, o que tornou os geógrafos mais aber- Conhecer os diferentes métodos é importante para
tos à exploração e à experimentação. Ao mesmo sabermos qual será o mais útil para aceder à infor-
tempo, os geógrafos humanos começaram a ver mação que pretendemos. Para além disso, a inves-
10 Manual de Métodos Qualitativos em Geografia

tigação qualitativa poucas vezes recorre apenas a -ação, da fotografia e da videografia participativa.
um método, e importa saber que combinações de Depois, discutimos os métodos geo-históricos,
métodos nos podem ajudar a ultrapassar as limi- nomeadamente o trabalho de arquivo e a biogra-
tações que cada método tem. Nesta secção, vamos fia. Guardamos ainda espaço para métodos carto-
começar com os métodos mais tradicionais da ge- gráficos, como os mapas mentais, os story maps, os
ografia, nomeadamente a caminhada e a interpre- sistemas de informação geográfica participativa e
tação de paisagem. Depois, vamos abordar as en- os mapas sonoros. Terminamos com a mais recente
trevistas, começando pela entrevista convencional inovação metodológica na geografia qualitativa: os
e avançando pelas inovações que foram surgindo métodos criativos.
nas últimas décadas, como a entrevista com elici- A terceira e última secção do livro é dedicada à
tação de materiais, a entrevista-diário ou a entre- análise e interpretação de dados qualitativos. Te-
vista andante. Vamos também de falar de métodos remos uma secção dedicada à metodologia de aná-
de entrevista a grupos, como o grupo focal ou o lise de dados qualitativos, que engloba um processo
Método Delphi. De seguida, passamos para a et- ordenado de organização, tratamento e análise de
nografia. Novamente, começamos com a etnografia dados. De seguida, iremos rever as principais abor-
convencional e percorremos as principais inovações dagens à interpretação de dados qualitativos em
das últimas décadas como o método de seguir a coi- geografia, nomeadamente a análise de discurso e
sa, as etnografias em movimento, o sombreado, ou análise de narrativa, a hermenêutica, a fenomeno-
a autoetnografia. Seguimos com os métodos mais logia e os métodos visuais.
participativos, como o processo da investigação-
11

Antes do
Campo
12
Antes do Campo 13

Qual é a minha perspetiva?

Objetivos de Aprendizagem

• Conhecer as diferentes perspetivas • Saber identificar a perspetiva geográfica


geográficas que ancoram a investigação na mais adequada para cada estudo.
disciplina.

A
ntes de sequer pensarmos em partir para é a realidade, e como as podemos conhecer melhor.
o campo, temos de decidir que metodo- Quando pensamos em perspetivas geográficas, é
logia vamos usar para produzir conhe- preciso também não esquecer o papel da ideologia
cimento. A escolha da nossa metodologia depende na ciência. Uma ideologia é um conjunto organi-
primeiramente de como consideramos uma série de zado de ideias políticas. Geralmente, uma ideolo-
questões epistemológicas e ontológicas. De que es- gia contempla principalmente ideias sobre como
tamos a falar aqui? se deve organizar a sociedade e como se deve for-
A epistemologia é o ramo da filosofia que estuda a mar um governo, mas também ideias sobre como
produção de conhecimento. A epistemologia ques- devem ser geridos os territórios e os recursos do
tiona como conseguimos adquirir conhecimento, planeta. A relação entre as perspetivas geográficas
fazer sentido e compreender o mundo. No âmago e as ideologias políticas é variada. Algumas pers-
destas preocupações, estão várias discussões sobre petivas geográficas são explicitamente ideológicas.
qual é a melhor maneira de o fazer. Pergunta-se Isto significa que estas perspetivas não só têm uma
o quão fiável é o conhecimento que adquirimos e ideia precisa do que é a realidade e como se pode
como podemos ter a certeza que estamos certos. conhecê-la, mas também de como esse conhecimen-
Para chegarmos a uma resposta a estas pergun- to obtido deve ser utilizado para melhorar a reali-
tas, temos também de pensar em ontologia. De dade. Outras perspetivas geográficas tentam man-
um modo simples, ontologia é o ramo da filosofia ter-se ideologicamente neutras. No entanto, isso
que estuda o ser. Isto significa que a ontologia se não quer dizer que o seu conhecimento não possa
preocupa em compreender o que é ser um sujeito vir a ser usado politicamente por pessoas com de-
no mundo, o que implica pensar sobre o que é a terminadas ideologias.
existência e o que é a realidade. Não há concordân- Nesta secção, vamos abordar sucintamente as di-
cia acerca de qual é a melhor maneira de adquirir ferentes perspetivas geográficas que são relevan-
conhecimento, nem sobre o que é a realidade. Nós tes hoje em dia. Vamos discutir as suas principais
vamos achar uma maneira de obter conhecimento ideias, conceitos e, em especial, que métodos cada
melhor ou pior que a outra conforme a nossa ideia perspetiva privilegia.
sobre o que é a existência e a realidade.
A nossa posição em relação ao melhor modo de ob- Geografias Fenomenológicas
ter conhecimento na geografia chama-se perspetiva A fenomenologia tem interessado aos geógrafos
geográfica. Surgiram várias perspetivas geográficas desde a primeira metade do século XX, quando
ao longo da história da disciplina, e hoje coexistem Carl Sauer (1925/1997) e Eric Dardel (1951/2011)
um número considerável delas. Cada uma delas en- propuseram a fenomenologia como uma nova abor-
globa uma ideia sobre o que é a existência e o que dagem para o estudo da paisagem, uma abordagem
14 Manual de Métodos Qualitativos em Geografia

ancorada na perspetiva do ser humano que observa apenas o sujeito, e começou-se a tentar observar o
e percorre a paisagem. Mas é na segunda metade sujeito numa relação com o mundo. O estudo desta
do século XX que a fenomenologia se torna numa relação, embora exija ainda compreender o sujeito,
das perspetivas mais populares na geografia, quan- implica agora métodos que permitam olhar para a
do a geografia humanista mobiliza esta abordagem ação social. Assim, a entrevista tem sido substituída
para estudar a experiência humana do espaço e do ou complementada por abordagens etnográficas e
lugar. Os geógrafos humanistas tinham influências autoetnográficas, ou transformada em entrevistas
ecléticas e interdisciplinares, oriundas da antro- dinâmicas como a entrevista com elicitação de ma-
pologia, literatura, história, filosofia, entre outras, teriais.
mas a fenomenologia estava no centro da sua abor- As geografias pós-fenomenológicas foram forte-
dagem. Edward Relph (1970) terá sido o principal mente impulsionadas pelo impacto das teorias não-
defensor da fenomenologia na geografia, mas ela -representacionais na geografia (Paiva, 2017). As
foi igualmente importante para geógrafos como teorias não-representacionais captaram a atenção
Anne Buttimer, David Lowenthal, David Seamon, de geógrafos que queriam olhar para a geografia do
Graham Rowles e Yi-Fu Tuan. A importância da que acontece, e direcionaram a pesquisa geográfica
fenomenologia foi-se reduzindo no final do século, para a ação social, mudando o foco das representa-
mas o início do novo milénio trouxe um renovado ções do espaço para a performance do espaço. Nes-
interesse na emergência da pós-fenomenologia. te âmbito, surgiram importantes experimentações
A fenomenologia, de um modo simples, preocupa-se com videografia, fotografia time-lapse e métodos
com o modo como os sujeitos experienciam o mun- sonoros (Paiva, 2018). Embora o entusiasmo pelas
do em seu redor. Na fenomenologia clássica que ins- teorias não-representacionais se tenha esbatido, elas
pirava a geografia humanista, o modo para abordar transformaram a pesquisa fenomenológica, tornan-
esta questão era focar exclusivamente aquilo que do-a mais interativa, mais prática e mais crítica. De
um sujeito perceciona e como perceciona, ignorando facto, uma discussão que é hoje premente é a aplica-
a realidade em si. Para um geógrafo fenomenologis- ção das geografias fenomenológicas a temas críticos
ta, o que importava é a perspetiva da pessoa sobre como a desigualdade social, as questões identitárias
o mundo, e não o mundo em si. A fenomenologia ou a ação climática (Simonsen & Koefoed, 2020).
assenta na ideia de que o mundo é compreendido
de formas diferentes pelas pessoas, e portanto a me- Para saber mais, consulta:
lhor maneira de estudar e compreender o mundo é
mapear todas as perceções do mesmo. Para alcançar • Ash, J., & Simpson, P. (2016). Geography and post-
-phenomenology. Progress in Human Geography, 40 (1),
isto, a geografia socorria-se principalmente do mé- 48–66.
todo da entrevista. A ideia é que, se queremos saber Estes autores fazem um resumo acessível da influência
como uma pessoa experiencia, compreende e o que da fenomenologia e da pós-fenomenologia na geografia,
e as suas principais diferenças.
pensa sobre um determinado espaço ou lugar, o me-
lhor é perguntar-lhe. Assim, a abordagem fenome- • Paiva, D. (2017). Teorias não-representacionais na Geo-
nológica tornou-se também uma abordagem focada grafia I: conceitos para uma geografia do que acontece.
Finisterra – Revista Portuguesa de Geografia, LII (106),
na linguagem – nos discursos e narrativas que des- 163-172.
crevem os lugares e nas representações presentes
nesses discursos e narrativas (Tuan, 1991). Mais re- • Paiva, D. (2018). Teorias não-representacionais na Ge-
ografia II: métodos para uma geografia do que acontece.
centemente, a pós-fenomenologia veio vincar a ideia Finisterra – Revista Portuguesa de Geografia, LIII (107),
de que a experiência dos sujeitos se altera conforme 159-168.
os lugares em que estes se encontram e os tipos de Nestes artigos, identifico os principais conceitos que as
teorias não-representacionais ofereceram à geografia e as
relações que estabelecem com esses lugares (Ash inovações que estes conceitos potenciaram nos métodos
& Simpson, 2016). Aí, deixou-se de se considerar geográficos.
Antes do Campo 15

Geografias Críticas sociais, levando ao surgimento do campo da ecolo-


A geografia sempre teve perspetivas críticas, en- gia política, que questiona a interacção da política
tendidas aqui como perspetivas que entendem que e da ecologia na produção do espaço. A ecologia
o propósito da disciplina não é apenas analisar ou política tem sido fortemente impulsionada por geó-
compreender o mundo, mas transformá-lo para grafos (Peet, Robbins, & Watts, 2010).
melhor. A perspetiva crítica na geografia, no en- De facto, a geografia crítica teve sempre vários
tanto, tende a ser dominada por uma visão política pontos de contacto com outros perspetivas geográ-
de esquerda. ficas. Por exemplo, a ciência espacial e a geografia
De facto, na geografia moderna, a primeira perspe- fenomenológica transformaram-se no seguimento
tiva considerada crítica são as geografias anarquis- das críticas à sua pretensa universalidade. A geo-
tas de Élisée Reclus e de Piotr Kropotkin no século grafia crítica foi também fonte de inspiração para
XIX (Ferretti, 2019). Na primeira metade do sécu- as geografias feministas, pós-colonialistas e mais-
lo XX, encontramos poucos exemplos, entre eles o -que-humanas. Durante a década de 1980, emergiu
trabalho de Josué de Castro sobre a geografia da a perspetiva do realismo crítico, que essencialmente
fome no Brasil. É na segunda metade do século XX propunha uma conciliação entre os modelos abstra-
que uma perspetiva crítica de índole estruturalista tos do positivismo e as abordagens críticas assentes
e Marxista se torna popular na geografia, em parti- em métodos empíricos como a etnografia, a entre-
cular nas academias estadunidense e francesa, sen- vista ou a pesquisa histórica, argumentando que os
do daí difundidas para outros países, como o Brasil, modelos abstratos permaneciam importantes para
a Espanha ou o Reino Unido. Sob a influência da explicar casos reais (Sayer, 1999). Esta perspetiva
filosofia pós-estruturalista, principalmente através tornou-se popular na geografia portuguesa duran-
do pensamento Foucaldiano e Deleuziano, a geo- te a última década do século XX, embora nem sem-
grafia crítica diversifica-se mas nunca desaparece pre explicitamente afirmada (Malheiros, 1995).
(Harvey, 2006).
Dito de um modo simples, a geografia crítica con-
temporânea preocupa-se com a distribuição espa- Para saber mais, consulta:
cial desigual dos recursos, procurando principal-
mente desvendar o que gera essas desigualdades • Blomley, N. (2007). Critical geography: anger and hope.
Progress in Human Geography, 31 (1), 53-65.
(Blomley, 2007). Para além de mapear as desigual- Esta é uma reflexão interessante sobre o rumo da
dades e desmascarar as suas fontes, a geografia geografia crítica, as suas principais preocupações e
crítica tem também um propósito reivindicativo e contribuições.

propositivo, frequentemente propondo alternati- • Peet, R., Robbins, P., & Watts, M. (2010). Global Political
vas políticas para a organização do território e da Ecology. Abingdon: Routledge.
sociedade. Neste âmbito, tem sido particularmente Esta obra apresenta a ecologia política como uma abor-
dagem epistemológica para enfrentar os desafios globais
importante o conceito de direito à cidade, um ter- deste século.
mo proposto pelo filósofo Henri Lefebvre e desen-
volvido por geógrafos como David Harvey (2003) • Sayer, A. (1999). Realism and Social Science.
Londres: SAGE.
para conceptualizar o direito humano ao espaço, ao O geógrafo descreve e analisa a abordagem realista crítica
lugar e ao território, um direito que engloba não só e como ela tem sido aplicada em diferentes ciências
um direito de acesso e presença, mas também um sociais.

direito de participação política nas decisões sobre


a transformação dos locais. Ao longo do tempo, a
preocupação ambientalista (uma preocupação em
comum com a geografia mais-que-humana) tem ga-
nho relevância nas perspetivas críticas das ciências
16 Manual de Métodos Qualitativos em Geografia

por aplicar métodos como a etnografia e a en-


Geografias Feministas trevista em contextos íntimos, com o objetivo de
O feminismo surge na geografia no seguimento do perceber como a ideia de género e sexualidade é
interesse no estudo das desigualdades sociais que construída a partir de lugares específicos ou como
a geografia crítica impulsionou na segunda meta- condiciona as práticas desses lugares (McDowell,
de do século passado. O feminismo é, nas ciências 1992a). Ideias hoje largamente divulgadas na ge-
sociais, uma perspetiva crítica que se preocupa com ografia qualitativa devem o seu desenvolvimento à
as diferenças de género e sexualidade, e em parti- geografia feminista. É o caso da ideia de colabo-
cular com o modo como as mulheres e as minorias ração, que nasce do interesse das geógrafas femi-
sexuais têm sido oprimidas pelo patriarcado e pelo nistas em desenvolver metodologias participativas
heterossexismo. O feminismo na geografia preocu- que ajudassem a perceber a construções de espa-
pou-se inicialmente com as diferenças nas experi- ços de género (Sharp, 2005). É também o caso dos
ências especiais das mulheres e dos homens. Con- métodos que usam o corpo como instrumento de
siderando que a experiência espacial das mulheres observação, que foram desenvolvidos por geógrafas
tinha sido excluída dos estudos geográficos até interessadas em desvendar a relação entre a femini-
então, as geógrafas feministas procuraram gerar lidade ou masculinidade do corpo e as experiências
dados sobre as geografias das mulheres e mostra- espaciais (Longhurst, Ho, & Johnston, 2008).
ram que estas divergiam fortemente das geografias
dos homens (Monk & Hanson, 1982). Assim, con-
Para saber mais, consulta:
testava-se a ideia de que a geografia se podia guiar
pela média da população e abria-se caminho para • Monk, J., & Hanson, S. (1982). On not excluding half of
the human in human geography. The Professional Geo-
análises mais detalhadas das geografias de grupos
grapher, 34 (1), 11-23.
sociais específicos (André, 1990). Este artigo clássico foi um marco seminal para a perspeti-
As geografias feministas foram-se estabelecendo va feminista na geografia e permanece importante para se
compreender as preocupações da geografia feminista.
como uma perspetiva persistente e frequentemente
inovadora em termos metodológicos. Inicialmente • Sharp, J. (2005). Geography and gender: Feminist
os métodos quantitativos foram importantes para methodologies in collaboration and in the field. Progress
in Human Geography, 29 (3), 304-309.
estabelecer o tema do género como uma variável
A autora reflete sobre o contributo da teoria feminista
geográfica relevante (Massey, 1984). Mas rapida- para a geografia e aborda as principais mudanças que
mente as geógrafas feministas inclinaram-se para esta operou a nível das metodologias geográficas.

metodologias qualitativas, intensivas e de escala lo-


cal, com o objetivo de explorar em maior profundi-
dade e detalhe os mundos das mulheres e minorias Geografias Pós-coloniais
sexuais (Nast, 1994). As geografias pós-coloniais têm a sua génese du-
As geografias feministas abriram caminho à emer- rante os anos 80 do século passado, mas estabele-
gência das geografias queer, que se têm preocupa- ceram-se principalmente neste século. Dentro da
do com o estudo da relação entre as sexualidades geografia, esta perspetiva emerge no seguimento
não-normativas e a geografia humana. As geogra- do interesse no tema das divisões raciais (princi-
fias queer têm sobretudo tentado procurar formas palmente em termos de segregação espacial) pelos
de pensar em como incluir diversidade no pensa- geógrafos estadunidenses no âmbito das geogra-
mento e na metodologia geográfica, face àquilo que fias críticas. Mas esta perspetiva advém também
identificam como um apagamento histórico das mi- – e talvez principalmente – pelo desenvolvimento
norias (sexuais, mas também outras) na geografia de uma perspetiva pós-colonialista comum às ci-
(Binnie, 1997). ências sociais e às humanidades (Radcliffe, 2005).
As geografias feministas tornaram-se conhecidas Esta perspetiva tinha um propósito académico, mas
Antes do Campo 17

também social. Ela entendia o pós-colonialismo de micos encontram nelas paralelos óbvios, nomeada-
duas maneiras. Primeiro, propunha o estudo das mente as relações entre dominante e dominado. Na
sociedades contemporâneas enquanto sociedades geografia crítica, as divisões de classes apontam
que sucedem ao período colonialista, e que portan- para uma divisão entre classes privilegiadas – nas
to foram estruturadas pelo colonialismo, sendo as quais se concentra o poder económico e político e
suas marcas visíveis no modo como as sociedades que detém o grosso da propriedade – e as classes
se organizam (Sharp, 2009). Por outro lado, o pós- desfavorecidas – desprovidas de propriedade, re-
-colonialismo propõe-se também a imaginar um cursos e, muitas vezes, direitos. Na geografia femi-
mundo livre de colonialismo, ou seja, questionar nista, identificam-se as divisões entre as geografias
como se pode afastar a opressão, o racismo, o ex- vividas pelo género masculino e pelo género femi-
trativismo e a violência das sociedades (Blunt & nino e analisa-se como a construção cultural dos
McEwan, 2002). Nesta demanda, a palavra-chave papéis de género constrói uma relação de poder
tem sido a descolonização, entendida não só como de género denominada como patriarcado. Nas ge-
a independência e autodeterminação dos territórios ografias pós-coloniais, a divisão emerge entre colo-
colonizados, mas também como o desmantelamen- nizador e colonizado, uma divisão que é encontrada
to das instituições e mentalidades marcadas pelo não só entre nações, mas também se exprime em
racismo e pelo extrativismo (de Leeuw & Hunt, escalas locais, como ao nível da segregação étnica
2018). urbana. Este encontro de perspetivas em relação às
estruturas de poder levou a um entendimento en-
Para saber mais, consulta:
tre académicos críticos, feministas e pós-coloniais.
Mas os diálogos que emergiram deste encontro
• Blunt, A., & McEwan, C. (2002). Postcolonial Geogra- também levaram estes académicos a perceber que
phies. Londres: continuum.
a sua perspetiva nem sempre era suficiente (Ro-
Esta obra reúne um conjunto de textos de diferentes
autores que refletem sobre a investigação geográfica em dó-de-Zárate & Baylina, 2018). Por exemplo, na
contextos pós-coloniais. geografia, estas divisões eram frequentemente en-
tendidas espacialmente pela dinâmica centro-peri-
• Sharp, J. (2009). Geographies of Postcolonialism. Spa-
ces of Power and Representation. Londres: SAGE. feria, na qual a classe dominante era posicionada no
A autora aborda os principais conceitos das geografias centro e as desfavorecidas na periferia. No entanto,
pós-coloniais e reflete sobre o que significa pensar ‘de-
esta explicação não é suficiente para explicar todas
pois do colonialismo’.
as relações espaciais: as dinâmicas de género, por
exemplo, dificilmente se explicam deste modo. Co-
meçou-se então a perceber que, ao se intersectar as
questões de classe, de género e étnicas, a realidade
complexifica-se (Sousa, 2017). Por um lado, a com-
binação de desvantagens agrava particularmente as
geografias vividas de certos grupos, como o caso
das mulheres negras. Por outro lado, a pertença a
um grupo dominante deixa de ser entendida como
Geografias Intersecionais uma posição absoluta de privilégio, porque um in-
As geografias interseccionais emergem no segui- divíduo pode ser penalizado por outros tipos de
mento das geografias críticas, feministas e pós-co- desigualdade. Assim, para além da classe, género
loniais. De um modo simples, elas são um encontro e etnia, começa-se a questionar a relação de todas
entre as preocupações científicas, políticas e sociais formas de diferenciação do humano na produção de
dessas perspetivas (Hopkins, 2019). Este encontro geografias da diferença, incluindo também a idade,
dá-se por dois motivos. Primeiro, porque os acadé- sexualidade, capacidade física, entre outros.
18 Manual de Métodos Qualitativos em Geografia

Assim, metodologicamente, as geografias interse- – nessa direção.


cionais implicam uma visão abrangente acerca do Mas as geografias mais-que-humanas são mais
modo como diferentes aspetos da condição social do que uma resposta a um contexto sócio-ecoló-
de uma pessoa ou de um grupo afetam as suas ge- gico. Elas são também a adopção da geografia de
ografias. Esta visão abrangente frequentemente correntes epistemológicas importantes no campo
tem sido alcançada através de metodologias etno- das ciências sociais. Uma destas é o novo materia-
gráficas, especialmente participativas e com um lismo, que recupera e renova a tradição filosófica
forte peso da autoreflexão, mas também com um do materialismo do prisma social. De um modo
importante enquadramento histórico. Os estudos simples, o materialismo assumia que toda a rea-
frequentemente incidem sobre sujeitos sociais mui- lidade é composta por matéria física, incluindo o
to específicos. pensamento humano. O novo materialismo reassu-
me esta ideia, mas foca-se no modo como toda a
matéria é ‘vibrante’, ou seja, em como a realidade
Para saber mais, consulta:
é dinâmica e só pode ser explicada pelas diferentes
• Hopkins, P. (2019). Social geography I: Intersectionality. interacções entre corpos materiais. Neste sentido,
Progress in Human Geography, 43 (5), 937–947.
esbate-se a diferença entre o espaço geográfico e
O autor discute a receção do conceito de interseccio-
nalidade na geografia, como este conceito tem alterado as representações do espaço; tudo interage e existe
os projetos de investigação na geografia humana e que na mesma realidade (Whatmore, 2006). Por outro
questões permanecem em aberto.
lado, a teoria ator-rede e o pós-humanismo, oriun-
dos da sociologia e da filosofia, têm destabilizado
a ideia de agência. Tal como as geografias pós-fe-
Geografias Mais-que-Humanas nomenológicas deixam de olhar só para o sujeito e
As geografias mais-que-humanas são uma novida- procuram agora a relação do sujeito com o mun-
de deste milénio e, em larga medida, um produto da do, também estas correntes deixam de considerar
própria época em que vivemos. Ao longo do século que a ação social é apenas o resultado de agentes
XX, a geografia foi-se subdividindo em geografia humanos. A teoria ator-rede argumenta que nem
física – focada nos fenómenos e processos naturais tudo o que acontece é provocado pelos humanos, e
do planeta como o clima, os recursos hídricos ou que aquilo que os humanos fazem depende dos re-
a geomorfologia, invariavelmente a partir de uma cursos materiais à sua disposição, sem esquecer as
perspetiva positivista –, e a geografia humana – relações culturais, políticas e sociais que medeiam
focada na distribuição das populações e atividades toda a sua ação. O pós-humanismo, por outro lado,
humanas no espaço terrestre e nos seus processos considera que estes recursos que os humanos utili-
de transformação, a partir de várias perspetivas zam, especialmente as tecnologias, são uma exten-
científicas. No final do século passado, estas geo- são (ou espacialização) da sua humanidade. Assim,
grafias estavam tão divididas que os próprios ge- é entendido que a agência que explica a ação social
ógrafos físicos e humanos mal se entendem entre é uma agência distribuída entre humanos e os seus
si. Paradoxalmente, olhando para o planeta, vemos objetos, espaços e ideias (Panelli, 2010).
que a influência humana nos processos físicos é Neste âmbito, as geografias mais-que-humanas
inescapável, e que as alterações climáticas, a po- passam a procurar novos objetos de estudo e no-
luição e a destruição da natureza têm um impacto vas formas de estudar objetos de estudo convencio-
profundo no modo como a civilização humana vive. nais. As geografias digitais e as geografias animais,
Parece, então, que a geografia física e a geografia por exemplo, tornam-se dominadas pela perspeti-
humana precisam uma da outra mais do que nunca. va mais-que-humana. Em termos metodológicos,
As geografias mais-que-humanas são um pequeno procuram-se métodos mais móveis, que consigam
passo – dado quase sempre pela geografia humana acompanhar sujeitos e objetos pelo mundo para
Antes do Campo 19

desvendar a sua geografia e a sua agência espa- sagens e lugares, passando a explicar as dinâmicas
cial complexa, como, por exemplo, as metodolo- espaciais que aí ocorrem (Schaefer, 1953). A quan-
gias de seguir-a-coisa ou as entrevistas andantes tificação era vista como essencial para atingir este
(Dowling, Lloyd, & Suchet-Pearson, 2017). objetivo e, portanto, dados numéricos de fontes es-
tatísticas ou recolhidos através de inquéritos tor-
naram-se essenciais. Na segunda metade do século
Para saber mais, consulta:
XX, o desenvolvimento e eventual integração das
• Whatmore, S. (2006). Materialist returns: Practising tecnologias de satélites e de computadores permi-
cultural geography in and for a more-than-human world.
tiu a criação de sistemas de informação geográfi-
cultural geographies, 13 (4), 600–609.
A autora explora o significado de fazer investigação sobre ca (SIG), isto é, sistemas de software e hardware
temas ‘mais-que-humanos’, num dos artigos mais impor- que permitem a recolha, gravação, difusão, pro-
tantes para a difusão desta perspetiva geográfica.
cessamento, análise e representação de dados ge-
ográficos de vários tipos. O uso desta ferramenta
tornou-se tão importante na ciência espacial que,
Ciências Espaciais no final do século XX, começa-se a falar da ciência
Uso aqui o termo ciências espaciais para dar con- da informação geográfica – termo hoje amplamente
ta da diversidade de abordagens científicas quan- usado (Goodchild, 1992). A ciência da informação
titativas na geografia. Na geografia portuguesa, geográfica foca-se no estudo da geografia através
tem sido comum o termo geografia quantitativa, do desenvolvimento e aplicação de sistemas geor-
enquanto na geografia brasileira é mais comum referenciados.
o termo geografia teorética. Ciência espacial é a No entanto, a ciência espacial teve diferentes abor-
expressão mais usada no mundo anglófono, mas dagens. Ao longo da sua história, a perspetiva po-
creio que o uso singular do termo esconde uma sitivista tem sido dominante. De um modo simples,
história longa e mais diversa do que geralmente se isto significa que a ciência espacial tem tentado
considera. Embora esta perspetiva pareça fora do desenvolver teorias geográficas, formulando hi-
escopo deste livro, esta linha quantitativa da geo- póteses de explicação sobre fenómenos espaciais,
grafia é importante para os métodos qualitativos, e pondo à prova essas hipóteses, analisando dados
por diferentes motivos. Por um lado, as críticas aos empíricos. No entanto, tem persistido uma abor-
métodos qualitativos – que são importantes para a dagem empirista, que não se preocupa tanto com
sua melhoria e fortalecimento – têm vindo frequen- teoria e foca-se exclusivamente nos dados e nas
temente das ciências espaciais. Por outro lado, as ilações que se podem retirar da sua análise. Esta
geografias qualitativas e quantitativas não vivem perspetiva é muito criticada por ser vulnerável aos
de costas voltadas. Pelo contrário, a integração de enviesamentos que as bases de dados podem con-
métodos qualitativos e quantitativos permite uma ter, mas tende a persistir e reaparecer cada vez que
exploração mais profunda e detalhada de vários existe uma evolução na capacidade de recolha de
fenómenos geográficos. Os dados quantitativos fre- dados dos SIG.
quentemente precisam de informação qualitativa Por outro lado, tem havido algumas tentativas de
para explicar certas dinâmicas, e os dados qualita- desquantificar a ciência espacial e torná-la menos
tivos por vezes levantam questões que só podem sistémica e mais próxima da perspetiva das pes-
ser exploradas em maior profundidade com recurso soas que habitam o espaço. Uma delas foi a pers-
a métodos quantitativos. petiva behaviorista. O behaviorismo na geografia
A chamada ciência espacial desenvolveu-se na pri- focava-se em entender o modo como as pessoas
meira metade do século XX, numa tentativa de percecionam o espaço e como isso influencia o seu
tornar a geografia mais explicativa, ou seja, para comportamento espacial. A análise era ainda prin-
que a geografia não se limitasse a descrever pai- cipalmente quantitativa, mas incluía métodos da
20 Manual de Métodos Qualitativos em Geografia

psicologia social que eram combinados com a aná-


lise espacial convencional (Gold, 1980). Por outro Para saber mais, consulta:
lado, a geografia temporal (Time Geography), por
• Gold, J. (1980). An Introduction to Behavioural Geogra-
vezes referida como crono-geografia, foi proposta phy. Oxford: Oxford University Press.
por Torsten Hägerstrand (1970). Este geógrafo Este manual para estudantes resume as principais preo-
cupações da geografia behaviorista e apresenta os seus
estava preocupado com o facto de a ciência espacial
conceitos, teorias e métodos mais relevantes.
não considerar a vivência quotidiana dos humanos
na análise espacial e, para dar visibilidade a essa re- • Goodchild, M. (1992). Geographical information science.
International Journal of Geographical Information Sys-
alidade, propôs uma geografia temporal que desse
tems, 6 (1), 31-45.
destaque a dois tipos de dados: as séries temporais Este artigo avançou pela primeira vez o termo ciência da
e as trajetórias quotidianas das pessoas. informação geográfica e foi o ponto de partida para o
entendimento atual da geografia como ciência espacial.
Estas perspetivas acabaram por se diluir no com-
plexo universo da ciência espacial, que se têm adap-
tado ao longo do tempo às críticas que foi sofrendo
pelas geografias críticas e realistas.

Neste momento, deves sentir-te capaz de:

• Conseguir distinguir as diferenças entre as • Escolher os métodos de recolha, tratamento


várias perspetivas geográficas. e análise de dados que se adequam à tua
perspetiva geográfica.
• Dizer qual é a perspetiva geográfica que
achas mais apropriada para o teu tema de
investigação.
Antes do Campo 21

O Processo de Investigação

Objetivos de Aprendizagem

• Conhecer as etapas sequenciais da • Saber o propósito de uma revisão de


investigação científica. literatura e de um estado da arte.

• Compreender como se forma uma questão • Saber formular um objetivo de investigação.


de partida.

T
oda a investigação geográfica, seja qual recolha, tratamento e interpretação de informação.
for a natureza dos dados, segue um pro- Uma boa metodologia preocupa-se com o modo
cedimento comum. Este procedimento como a questão de investigação é colocada, como
comum visa a construção rigorosa do conhecimen- ela responde a questões em aberto no campo da
to e é arquitetado para que o conhecimento que é geografia, e como as respostas poderão avançar o
gerado pela investigação seja original e contribua conhecimento na disciplina.
para o avanço da disciplina. Por outras palavras, a A metodologia de um projeto de investigação tem
investigação geográfica busca conhecimento sobre várias fases. Estas fases dividem temporalmente ta-
o qual possamos ter a certeza, que não seja apenas refas essenciais para a construção de conhecimento
uma visão parcial ou enviesada da realidade, mas rigoroso e original. Embora nenhuma investigação
uma explicação detalhada dos processos geográfi- proceda sem ajustes e desvios, é imprescindível que
cos. Para tal, a explicação dos processos geográfi- as tarefas que constituem esta metodologia sejam
cos deve ser produzida a partir de uma metodolo- realizadas passo a passo. Existem alguns casos em
gia rigorosa, que demonstre claramente como os que a investigação pode beneficiar de metodologias
dados foram recolhidos, tratados e interpretados, alternativas. Por exemplo, como veremos, os méto-
e como se chegou a determinada conclusão. Mas, dos de investigação participativa abrem a definição
para alcançar essa explicação detalhada, a investi- da questão de partida e dos objetivos de investiga-
gação geográfica não pode apenas descrever casos ção à comunidade que participa no estudo. Esta e
específicos, ela deve procurar gerar conhecimento outras alternativas, no entanto, não significam que
teórico sobre processos geográficos que possa ser possamos descartar os passos essenciais ao rigor
aplicado a qualquer caso. Do mesmo modo, a meto- científico. Nesta secção, vamos abordar estes pas-
dologia aplicada deve poder ser replicada noutros sos um a um, começando pela criação da questão
contextos para se poder testar a teoria. No entan- de partida.
to, a geografia não procura apenas conhecimento
rigoroso. A investigação geográfica – como qual- Questão de partida
quer ciência – pretende sempre descobrir algo que O primeiro passo de qualquer projeto de investi-
não se conhecia antes. Assim, todos os estudos gação é a formulação de uma questão de partida.
geográficos procuram uma novidade, que pode ser Definir esta questão é particularmente impor-
uma nova teoria, um novo método de investigação, tante por dois motivos. Primeiro, porque estabe-
ou um novo caso de estudo que testa uma teoria lecer uma questão de partida é o primeiro passo
já existente. Por este motivo, uma metodologia ge- para definirmos o que nos interessa. Elaborar
ográfica não se limita à aplicação de métodos de uma pergunta leva-nos a decidir um tema, esco-
22 Manual de Métodos Qualitativos em Geografia

lher termos e estabelecer alguma relação entre os Revisão de literatura científica


conceitos. Este é, acima de tudo, o momento para Assim que decidiste o que te importa, a primeira
dizermos – até mesmo a nós próprios – o que é coisa que queres fazer é explorar os trabalhos que
importante para nós. Segundo, definir uma ques- já foram realizados nessa temática. Isto é impor-
tão é importante porque ela vai direcionar os nos- tante por uma variedade de razões. Primeiro, por-
sos passos seguintes. A questão de investigação que precisas de saber o que já se sabe sobre esse
contém os termos que devemos pesquisar na li- tema e o que ainda não foi explorado. Se já existe
teratura. Seja qual for o tema de investigação que uma resposta à tua pergunta, provavelmente tens
escolhemos, existe hoje uma quantidade quase de pensar noutra pergunta, uma que se foque no
imensurável de informação sobre isso. Ninguém que ainda não foi explorado nessa área. A não ser,
consegue ler tudo o que existe. Assim, é a questão claro, que aches que a resposta à tua pergunta é
de partida que estabelecemos que nos irá ajudar a insatisfatória e que consegues aprofundar esse
circunscrever o que precisamos de ler e a informa- tema. Isto é muito importante porque o propósito
ção que precisamos de recolher. da ciência é gerar conhecimento novo, e não ape-
A questão de partida é geralmente provisória, nas aprendermos coisas que não sabíamos. Para
porque os passos seguintes da investigação vão termos a certeza que aquilo que vamos descobrir
dar-nos mais informação que nos ajudará a refiná- é novo para todos, temos de conhecer bem o tra-
-la. Por este motivo, embora seja importante levar balho já realizado até hoje. Em segundo lugar,
a definição da questão de partida a sério, não se explorar a literatura ajuda-te a conhecer o tema
deve perder muito tempo neste passo. Nenhuma que pretendes estudar em maior profundidade. É
questão de partida é perfeita. As nossas ideias irão importante conheceres a linguagem da tua área:
sempre mudar e tudo se pode ajustar. O importan- que termos científicos são usados, que conceitos
te é termos uma ideia do que queremos explorar, e descrevem essa temática, e que teorias a expli-
começar a explorar esse tema o mais rapidamente cam. Teres este conhecimento irá ser útil duran-
possível, porque só assim amadurecemos as ideias. te todo o processo de investigação. Vais ser mais
No entanto, antes de seguires em frente, verifica capaz de estruturar as tuas ideias, de organizar a
se a tua questão cumpre os requisitos da tabela 1: tua investigação, de analisar e escrever de forma

Tabela 1. Características de uma questão de partida.

Se tens duas questões que achas importante responder, o melhor será


É apenas uma.
escolheres uma.

A questão deve estar gramaticalmente bem construída e a linguagem


É clara.
deve ser simples.

A questão de investigação não deve ser demasiado longa. De


É sucinta.
preferência, deve conter apenas uma oração.

A questão deve servir para te cingires a um tema. Especifica o que


Delimita uma temática.
queres e não uses termos vagos ou demasiado abrangentes.

Apresenta os principais Uma boa questão de investigação contém duas ou três palavras-chave
conceitos a explorar. que irão ser os principais termos de pesquisa de literatura.
Antes do Campo 23

a que o teu trabalho seja visto como um contri- pouco científicas como motores de busca genéri-
buto útil para a tua área científica. Por último, ao cos (como o Google), wikis (como a Wikipedia) e
explorares a literatura científica, irás descobrir notícias de jornais. Irás perder tempo e consultar
que abordagens metodológicas têm sido usadas fontes pouco úteis. Dá preferência a motores de
para estudar esse tema. Isso irá dar-te uma ideia busca científicos e catálogos online de bibliotecas,
melhor dos métodos mais adequados, do tipo de onde irás encontrar informação útil e de confian-
dados que podes usar, e do género de análises que ça. A tabela 2 dá-te alguns exemplos úteis.
consegues fazer. Assim, no fim da revisão da lite- Depois de terminares a pesquisa de literatura e a sua
ratura, serás capaz de definir a tua metodologia leitura, é esperado que sejas capaz de redigir um es-
de recolha, tratamento e análise de dados de uma tado da arte. Em termos simples, um estado da arte
forma bastante precisa. Com esta informação, irás é um texto onde sintetizas o que aprendeste com as
ser capaz de refinar a tua questão de informação. tuas leituras e onde identificas o contributo que o
Podes reformulá-la de modo a que ofereça novo teu estudo irá dar a esse conjunto de conhecimento.
conhecimento à ciência, com uma escrita informa- O estado da arte indica o que se sabe sobre um tema
da e relevante, e de modo a que aponte para uma (incluindo os principais conceitos, teorias, perspe-
metodologia empírica rigorosa. tivas, hipóteses e métodos usados para atingir esse
Durante a revisão da literatura científica, é fun- conhecimento) e, mais importante ainda, o que não
damental que consigas encontrar de forma rápida se sabe. Escrever o estado da arte, assim, não é ape-
os textos que são mais relevantes para ti. Para o nas resumir as tuas leituras. É também relacionar o
conseguires, é preciso que estejas a procurar no conhecimento de diferentes autores, discutir esse co-
sítio certo. Evita fontes demasiado abrangentes e nhecimento criticamente, e definir o teu contributo.

Tabela 2. Fontes de obras científicas.

Tipo de fonte Exemplo URL

Motor de busca de livros online Google Books https://books.google.com/

Biblioteca Nacional Digital: http://catalogo.bnportugal.pt/ipac20/


Repositórios de livros digitais
obras digitalizadas ipac.jsp?profile=bn&menu=tab20

PORBASE: Catálogo Coletivo


http://porbase.bnportugal.pt/
das Bibliotecas Portuguesas
Catálogo das Bibliotecas
Catálogos de bibliotecas http://catalogolx.cm-lisboa.pt/
Municipais de Lisboa
Catálogo das Bibliotecas da
http://sibul.reitoria.ul.pt/
Universidade de Lisboa

http://www.b-on.pt/
B-on. Biblioteca do
Conhecimento Online https://scholar.google.pt/
Motores de busca de artigos Google Académico https://www.webofscience.com/wos/
científicos woscc/basic-search
Web of Science
https://www.scopus.com/search/form.
Scopus
uri?display=advanced

Repositório Científico de
Repositórios científicos https://www.rcaap.pt/
Acesso Aberto de Portugal
24 Manual de Métodos Qualitativos em Geografia

Estudo exploratório Definição do Objetivo


Enquanto revemos a literatura científica, pode ser Depois de explorares a literatura científica e os da-
pertinente realizar um estudo empírico explorató- dos empíricos disponíveis, é altura de formulares
rio. Um estudo exploratório não pretende chegar o objetivo da tua investigação. O objetivo é fulcral
a conclusões fundamentadas. Ele é desenhado so- para a investigação porque ele define toda a meto-
mente para a preparação de um estudo futuro. O dologia. O objetivo circunscreve o tema da inves-
estudo exploratório pode ser útil para vários pro- tigação, apresenta os principais conceitos, indica
pósitos. Um estudo exploratório é útil para conhe- a metodologia, e estabelece o propósito final da
cer o terreno caso tenhamos pouco conhecimento investigação, sempre respondendo a um problema
sobre a área geográfica onde pretendemos desen- real ou um vazio na literatura científica.
volver a nossa investigação. Alguns métodos como Para escrever um objetivo, portanto, é preciso já
a deteção remota, a caminhada ou mesmo a etno- termos o projeto de investigação num estado avan-
grafia são particularmente úteis para um conheci- çado. Em princípio, já terás dois textos escritos:
mento inicial da área em estudo. (i) estado da arte, que resume as conclusões que
O estudo exploratório também é útil para avaliar- retiraste da tua revisão de literatura, e (ii) meto-
mos a qualidade da recolha dos dados, sejam eles dologia, que estabelece o processo de recolha, tra-
primários ou secundários. Dados primários são tamento e análise de dados que irás adotar. O obje-
aqueles que são recolhidos pelo investigador para tivo é escrito na sequência destes textos.
a sua própria pesquisa. Neste caso, se estivermos O objetivo da investigação pode ser único, pode ser
indecisos acerca do método de recolha de dados uma combinação de dois ou três objetivos comple-
primários mais apropriado, podemos aplicar dife- mentares, ou pode ser um objetivo principal que se
rentes métodos para percebermos que dados con- subdivide em objetivos menores. Cabe ao investiga-
seguimos obter através de cada um. Se já tiver- dor decidir o que é mais apropriado para os recursos
mos um método definido, podemos aplicá-lo num e o tempo que tem para desenvolver a investigação.
número menor de casos para verificar se podemos O objetivo deve conter os seguintes elementos:
melhorar o procedimento. Por exemplo, no caso de • Começar com um verbo que indica que tipo de
entrevistas, é útil fazermos uma entrevista explora- objetivo se pretende alcançar.
tória para perceber que tipo de respostas as pessoas • Descrever o que se irá fazer na prática.
dão às nossas questões. Por outro lado, um estudo • Indicar o método que se utiliza para se alcançar
exploratório é fundamental quando a nossa questão o objetivo.
de partida aponta para dados secundários, isto é, • Apresentar o propósito final do objetivo (por exp.
dados que estavam disponíveis previamente. Neste contributos teóricos ou aplicações práticas).
caso, temos de saber que dados já estão disponí- • Conter os conceitos-chave da pesquisa.
veis para sabermos se são suficientes para desen-
volvermos o estudo que pretendemos realizar. Por Abaixo apresento um exemplo de uma lista de ob-
exemplo, se pretendemos usar dados estatísticos jetivos. Neste caso, é uma adaptação dos objetivos
públicos, então interessa-nos explorar as bases de do meu próprio projeto de dissertação de mestrado
dados para saber se encontramos todas as variáveis (Paiva, 2013).
pretendidas. Se a nossa pesquisa tem um intuito 1. Descrever o uso do espaço e do tempo dos ido-
geohistórico, é crucial consultarmos as diferentes sos do local de estudo, através do levantamento
fontes disponíveis para avaliar a quantidade e qua- das atividades diárias e semanais de um grupo
lidade da informação. Só com a confirmação de que selecionado, de modo a identificar as práticas do
iremos conseguir recolher material suficiente é que quotidiano.
devemos seguir em frente com o estudo. 2. Compreender como as atividades são valorizadas
pelos idosos do local do estudo, através de entre-
Antes do Campo 25

vistas em profundidade, de modo a contrastar o que se vai usar para o alcançar. Neste caso, salien-
uso do tempo e do espaço efetivo e o pretendido. tam-se dois métodos de recolha de dados (levanta-
3. Identificar os fatores que na cidade contribuem mento e entrevistas) e um tópico de análise (análise
para a redução da qualidade de vida dos idosos, dos constrangimentos). A última parte do objetivo
através da análise dos principais constrangimen- indica o propósito final de cada objetivo. O verbo
tos identificados, de modo a formular medidas também diferencia o tipo do propósito final. Neste
para tornar a cidade mais amigável para este caso, ‘identificar’ (1) é um propósito descritivo, ‘con-
grupo de população. trastar’ (2) é relacional, e ‘formular’ (3) é aplicado.
Assim, o primeiro objetivo é puramente descritivo,
Repara que cada objetivo aponta para um tipo di- enquanto o segundo é interpretativo e tenta relacio-
ferente de análise: ‘Descrever’ (1) e ‘Identificar’ (3) nar variáveis, e o terceiro procura descrever fatores
são descritivos, enquanto (2) ‘Compreender? é inter- para ser possível formular uma proposta de medidas
pretativo. A primeira parte da frase indica sempre o que possam ser aplicadas nas cidades.
que se vai fazer de uma maneira muito prática. De A tabela 3 oferece-te alguns exemplos de verbos
seguida, cada objetivo salienta também o método que podes usar para definir os teus objetivos.

Tabela 3. Tipos de objetivos e verbos.

Tipo de objetivo Verbos

Experimental – Procura desenvolver novos conceitos e


Explorar Experimentar Testar
abordagens metodológicas

Conceptual – Procura providenciar avanços científicos Argumentar Conceptualizar


Rever
em termos meramente conceptuais ou teóricos Categorizar Discutir

Compilar Extrair Localizar

Descritivo – Procura expor dados que apresentem uma Definir Identificar Narrar
determinada realidade, sem providenciar uma explicação Descrever Ilustrar Relatar
Expor Inventariar Reunir

Compreender
Interpretativo – Procura entender e explicar uma Examinar Investigar
Entender
realidade qualitativamente Interpretar Perceber
Explicar

Analítico - Procura entender e explicar uma realidade Analisar Enumerar


Medir
quantitativamente Demonstrar Mensurar

Relacional – Pretende estabelecer uma relação entre Comparar Relacionar


duas ou mais variáveis. Pode ser descritivo, interpretativo Diferenciar
Contrastar Replicar
ou analítico.

Avaliação – Não pretende apenas explicar um processo. Avaliar Categorizar Medir


Irá também determinar o grau de sucesso ou qualidade
Classificar Mensurar Ordenar
desse processo.

Aplicar
Gerar Operacionalizar
Adaptar
Aplicado – Não se cinge a produzir conhecimento. Aplica Desenhar Planear
o conhecimento à criação de uma ferramenta para uso no Construir
Desenvolver Produzir
mundo real. Criar
Experimentar Traçar
Formular
26 Manual de Métodos Qualitativos em Geografia

Recolha, tratamento e interpretação avançar o conhecimento numa área geográfica. A


de dados introdução também apresenta o estudo, indicando
Quando já temos o nosso estado da arte, metodo- os métodos utilizados e descrevendo a organização
logia e objetivos definidos, é altura de avançarmos dos conteúdos do texto.
para o campo. Este livro é dedicado a este momen- A introdução é seguida de um estado da arte que
to, na sua vertente qualitativa. Um estudo empíri- essencialmente sumariza o que aprendemos com a
co, seja qual for a metodologia selecionada, implica revisão de literatura que realizámos e faz uma lei-
sempre três momentos: (i) preparação do trabalho tura crítica do conhecimento atual sobre o tema em
de campo, (ii) recolha de dados e (iii) tratamento e estudo. Isto é, o estado da arte deve salientar que
interpretação de dados. Os capítulos seguintes se- falhas o nosso estudo irá colmatar e que novas teo-
guirão esta lógica. Primeiro, vamos abordar o que rias ou hipóteses formula.
se deve pensar antes de irmos para o campo. An- De seguida, a metodologia faz a ponte para o es-
tes de o fazermos, é fundamental delimitar o nosso tudo que realizámos. A metodologia clarifica como
campo de investigação, refletir sobre que tipo de chegámos aos dados que apresentamos.
amostra e recrutamento de participantes o nosso A seguir à metodologia apresentam-se os resulta-
estudo requer, e identificar questões éticas que po- dos da investigação. Por vezes, cria-se uma secção
dem surgir, bem como estratégias para as mitigar. de resultados que descreve a informação recolhida
Em segundo lugar, vamos conhecer os principais e uma secção de discussão que mostra como esses
métodos de recolha de dados. A investigação quali- resultados contribuem para o corpo de conheci-
tativa recorre a fontes e tipos de informação muito mento geográfico existente. Mas é cada vez mais
diversas, e vários métodos têm sido desenvolvidos comum estas duas secções serem só uma, e a rele-
e aplicados por geógrafos. É importante conhecê- vância teórica dos resultados de investigação qua-
-los bem para aplicar sempre o método mais indi- litativa ser discutida à medida que eles são apre-
cado para alcançar a informação que pretendemos. sentados.
Por último, vamos olhar para as principais abor- A conclusão, de forma talvez contraintuitiva, não
dagens de interpretação de dados qualitativos. No deve ser um resumo das principais conclusões do
entanto, antes disso, uma palavra sobre a escrita. estudo. Isso já foi abordado nos resultados e na sua
discussão. A conclusão deve então mostrar como
Escrita estes novos resultados abrem novas discussões no
O último passo de uma investigação é invariavel- seio da geografia: que novos casos precisamos de
mente a escrita. Embora os académicos tenham ao abordar, que novos conceitos podemos formular,
seu dispor várias formas de comunicação alternati- que novas linhas de investigação se abrem. Para
va, como conferências ou documentários, a escrita conseguirmos fazer isto, é essencial um domínio
continua a ser o principal meio de comunicação, e aprofundado da literatura científica.
portanto a ciência dissemina-se através de livros, Na tabela 4, podes consultar a dimensão relativa de
teses, dissertações, artigos em revistas, relatórios, cada uma destas secções.
entre outros. Seja qual for o meio escrito através
do qual vamos reportar o nosso estudo, o texto
científico segue sempre uma estrutura ideal, que de
modo geral corresponde às diversas fases do traba-
lho científico.
Um texto científico começa sempre com uma in-
trodução na qual se apresenta o objetivo do estudo.
A introdução alinha as principais preocupações do
estudo, salientando como ele vai contribuir para
Antes do Campo 27

Tabela 4. Dimensão relativa das secções de um estudo geográfico.

Secção Conteúdo Dimensão relativa

Apresenta o tema do estudo, o objetivo, o principal


Introdução argumento, indica que métodos foram utilizados e descreve 10-15%
os conteúdos do estudo.

Substancia o argumento do estudo ao sumarizar o


Estado da Arte conhecimento atual sobre o tema, indicar as falhas da 30-35%
literatura e apresentar uma teoria nova.

Descreve como se alcança o objetivo do estudo. Indica


a área de estudo, os métodos utilizados para a recolha,
Metodologia 8-10%
tratamento e análise de dados. Em caso de métodos
múltiplos, descreve a sua relação.

Descreve os resultados do estudo, usando meios visuais


Resultados sempre que eles forem úteis para reduzir substancialmente 15-20%
o tamanho do texto.

Relaciona os resultados do estudo empírico com o estado


Discussão da arte. Explica como os dados apresentam uma novidade 15-20%
científica.

Mostra o que há de novo neste estudo. Discute como o


Conclusão estudo contribui para o campo científico. Aponta caminhos 8-10%
futuros de investigação.

Informação de suporte que não é necessária para a


compreensão do estudo. Por exemplo, bases de dados,
Anexos n/a
guiões de entrevista, cartografia, etc. Nem sempre é
necessário existirem anexos.

Neste momento, deves sentir-te capaz de:

• Definir o objetivo da tua investigação a • Planear temporalmente a tua investigação


partir de uma questão de partida e do geográfica.
estado da arte de um tema de investigação.
28 Manual de Métodos Qualitativos em Geografia

Princípios da Investigação Qualitativa

Objetivos de Aprendizagem

• Compreender os conceitos de • Perceber o que significa ser rigoroso


posicionalidade e reflexividade, e a sua na investigação qualitativa.
relação.
• Saber distinguir entre profundidade
• Conhecer as diferentes interpretações e detalhe na informação qualitativa.
do termo ‘crítico’.

A
investigação qualitativa lida essencial- um compromisso sério com a posicionalidade, a re-
mente com informação subjetiva, o que flexividade, a crítica, o rigor, e o empenho na busca
levanta algumas dificuldades particulares. da profundidade e do detalhe. Nesta secção, vamos
Lidar com informação subjetiva não faz com que a esclarecer o que isto significa.
investigação qualitativa seja ela própria subjetiva.
Pelo contrário, a investigação qualitativa segue uma Posicionalidade
série de princípios que têm o propósito de desenvol- A ideia de posicionalidade – que se expandiu na
ver uma objetividade forte. Harding (1991) distin- geografia principalmente por via da geografia
gue a objetividade forte, que é mais comum nas ci- feminista e pós-colonialista – ancora-se na ideia
ências qualitativas, da objetividade fraca, mais típica que a nossa experiência pessoal e a posição social
das ciências quantitativas. Enquanto na objetividade influencia a nossa visão do mundo (Fisher, 2015).
fraca, a objetividade do investigador se dirige uni- Trata-se de reconhecer a subjetividade das pesso-
camente ao objeto de estudo, na objetividade forte o as, de reconhecer que a nossa experiência vem de
investigador dedica-se a analisar não só o seu objeto uma perspetiva em particular, e é sempre parcial,
de estudo mas também a sua relação com esse ob- incompleta e situada. Trata-se também de reco-
jeto (ver figura 1). Para isso, é importante assumir nhecer que isto não só é verdade para as pessoas

Figura 1. Objetividade fraca (esquerda) versus objetividade forte (direita).


Antes do Campo 29

que participam nos nossos estudos, seja enquan- acerca de conceitos, métodos e interpretações.
to entrevistados, informantes ou com outro tipo Por um lado, é importante refletir sobre a ade-
de participação, mas também para os próprios quação de aplicar conceitos científicos abrangen-
investigadores. Assim, reconhecer a posiciona- tes a uma determinada realidade concreta. Os
lidade da investigação implica entender que não conceitos científicos são necessariamente abs-
há conhecimento puramente neutro, universal tratos, e podem nem sempre ser adequados ou
ou verdadeiro. Todo o conhecimento é produzi- podem ser incompletos para explicar a realidade
do num certo contexto cultural, social e político que estamos a estudar. Um conceito mal aplicado
por um grupo de pessoas com visões diferentes. pode guiar-nos para uma interpretação errada.
Não se deve achar que isto significa que qualquer Por outro lado, é crucial refletir sobre o uso que
conhecimento é igualmente parcial e que tudo é fazemos dos métodos de investigação. Temos
relativo. Pelo contrário, analisar a posicionalidade de questionar que efeitos os métodos que esco-
do conhecimento que é produzido por nós e pelos lhemos têm na produção de dados, que tipo de
participantes nas nossas pesquisas é justamente informação nos oferecem, e que tipo de informa-
importante para chegarmos a um conhecimento ção nos escondem. Existe uma série de métodos
mais rigoroso e válido. Compreender os fatores considerados convencionais nas ciências naturais
que influenciam a produção do conhecimento não e sociais, e isso é útil porque nos dá uma base de
o enfraquece, apenas o expande. Pensar na nossa trabalho testada e eficiente. No entanto, o mes-
posicionalidade, então, significa analisar objetiva- mo método não funciona com a mesma eficiência
mente a nossa subjetividade e a dos outros. Impli- em todos os lugares, porque há contextos mui-
ca questionar porque formulamos certas questões to diversos. Por último, é preciso refletir sobre
de investigação, porque escolhemos certos tipos a nossa própria interpretação, e questionar os
de abordagens metodológicas, e porque interpre- fundamentos e argumentos que utilizamos para
tamos os dados de uma determinada forma. As- sustentar as afirmações que fazemos. Frequen-
sim, reconhecer a significância da posicionalidade temente, é preciso questionar a nossa própria
implica cultivar uma atitude reflexiva e crítica du- perspetiva pessoal sobre o tema, porque a nossa
rante todo o processo de investigação. posicionalidade condiciona sempre as nossas in-
terpretações (England, 1994). Estes questiona-
mentos devem acompanhar-nos durante todo o
Para saber mais, consulta:
processo de investigação. Nunca devemos achar
• Fisher, K. T. (2015). Positionality, subjectivity, and race que a metodologia está definida e não pode ha-
in transnational and transcultural geographical research.
ver desvios. Uma investigação séria exige uma
Gender, Place & Culture, 22 (4), 456–473.
A autora discute a importância da posicionalidade para atitude reflexiva durante todo o processo. Para
enquadrar as diferentes subjetividades envolvidas na conseguir isso, muitos investigadores usam um
investigação geográfica sobre questões raciais.
bloco de notas para apontar pensamentos sol-
tos que surgem durante a investigação, para que
Reflexividade mais tarde possam traçar e repensar a sua linha
Ter uma atitude reflexiva significa praticar a de pensamento sobre o processo de investigação.
interpretação da nossa própria perspetiva e da-
quilo que a molda. A reflexividade pode ser en-
tendida como uma capacidade de auto-análise. Para saber mais, consulta:
Implica analisarmos a própria forma como estu- • England, K. (1994). Getting Personal: Reflexivity,
damos um determinado tópico ou interpretamos Positionality, and Feminist Research. The Professional
Geographer, 46 (1), 80-89.
um conjunto de dados, em vez de nos limitarmos
A autora discute a relação da reflexividade com a posicio-
a estudar temas e a analisar dados. Assim, numa nalidade e a sua importância em investigação qualitativa
análise reflexiva existe uma reflexão profunda em que temas pessoais são frequentemente abordados.
30 Manual de Métodos Qualitativos em Geografia

Crítica Rigor
Criticar não é apenas falar mal de uma coisa. Ser Para que uma investigação qualitativa possa ser
crítico não implica necessariamente procurar o que considerada séria, ela deve ser entendida como ri-
está errado em tudo. Na academia, existem duas gorosa. Rigor, na geografia qualitativa, tem sido
interpretações da palavra crítica. A primeira, de entendido como a plena satisfação com os critérios
índole Kantiana, refere-se ao estudo sistemático utilizados para medir a validade, fiabilidade, ob-
e disciplinado da construção das ideias, no qual é jetividade e integridade de um estudo (Baxter &
fundamental questionar todas as premissas que Ellis, 1997). Validade refere-se à capacidade de se
compõem uma ideia complexa. Isto quer dizer que, verificar ou confirmar os resultados. Dizer que uma
neste sentido, ser crítico significa colocar tudo em conclusão é válida significa que há a capacidade de
questão, um pouco como ser reflexivo. A segunda suportar essa conclusão com dados significantes e
interpretação, de índole Marxista, é que ser críti- com a descrição de um processo de análise que per-
co significa não só preocuparmo-nos em produzir mitiu chegar-se a essa conclusão. Fiabilidade refe-
conhecimento – que é o objetivo da universidade re-se à qualidade percebida dos dados utilizados, o
–, mas também compreender como esse conheci- que geralmente está relacionado com a qualidade
mento tem um efeito no mundo. Assim, existe um das fontes. A fiabilidade de um estudo é avaliada
número significante de geógrafos que se conside- através da qualidade das fontes utilizadas e da ca-
ram críticos porque estão interessados em produzir pacidade de triangulação entre diferentes tipos de
conhecimento que possa transformar o mundo num fontes. A objetividade, como vimos, depende em
lugar melhor (Blomley, 2006). Ser crítico deste larga medida da capacidade de reflexão e de crítica
ponto de vista leva-nos a conceber a nossa investi- que o estudo apresenta. Por último, a integridade
gação de modo a que ela possa contribuir de forma refere-se ao respeito pelos princípios de respon-
ativa para uma sociedade e um planeta melhores sabilidade ética académica. O estabelecimento dos
e, portanto, influencia a nossa escolha de temas e critérios para analisar estas dimensões depende em
de métodos. Estas duas interpretações da palavra larga medida do método de investigação utilizado.
‘crítica’ não são opostas, mas sim complementares. Métodos mais convencionais como a entrevista ou
Embora muitos académicos julguem que a ciência o grupo focal têm processos estabelecidos e a ado-
deve deixar a sociedade decidir sobre o que fazer ção rigorosa destes processos pode ser condição
com o seu conhecimento, é também amplamente suficiente para se considerar um estudo rigoroso.
aceite na academia que a ciência deve contribuir Outros métodos de índole mais criativa podem im-
para resolver os problemas do mundo contempo- plicar a definição de critérios de avaliação próprios.
râneo. No entanto, quando temos uma ideia exata No entanto, é consensual que um estudo será con-
acerca da aplicação do conhecimento que produzi- siderado rigoroso pela sua capacidade de reportar
mos, é importante ter em conta que isto faz parte a metodologia utilizada em pormenor, de um modo
da nossa posicionalidade e deve ser reconhecido. que seja transparente o modo como o conhecimen-
to foi construído. Isto implica ser claro em relação
a diversas dimensões dos métodos aplicados, como
Para saber mais, consulta:
o racional da metodologia, os locais e duração do
• Blomley, N. (2006). Uncritical critical geography? estudo, a amostragem do estudo, o recrutamento e
Progress in Human Geography, 30 (1), 87-94. inclusão de participantes, as tecnologias utilizadas,
O autor reflete sobre o que significa ser crítico, e que prá-
ticas devem constituir uma atitude crítica na investigação
os guiões e materiais utilizados ou produzidos, o
geográfica, num momento em que todos os geógrafos procedimento de recolha de dados, o tratamento de
almejam ser críticos. dados, a análise da informação, as técnicas de veri-
ficação e triangulação de métodos, ou o racional de
verificação.
Antes do Campo 31

sobre a realidade que os métodos quantitativos pro-


Para saber mais, consulta: duzem (Baxter & Eyles, 1997). Isto é, os métodos
• Baxter, J., & Eyles, J. (1997). Evaluating Qualitative
qualitativos abordam um tópico ou caso específico
Research in Social Geography: Establishing ‘Rigour’ in de uma realidade mais abrangente e oferecem uma
Interview Analysis. Transactions of the Institute of British maior quantidade de informação que permite expli-
Geographers, 22 (4), 505–525.
Neste artigo, os autores apresentam uma definição precisa
car ao pormenor porque determinado fenómeno se
do que significa ser rigoroso no método da entrevista. Ape- processa daquela forma. Em contraste, o conceito
sar deste texto se focar num método específico, a identifica- de detalhe baseia-se na noção de que não existe uma
ção exata das práticas que constituem um estudo rigoroso
podem ser aplicadas a qualquer metodologia qualitativa.
única verdade singular, e que os métodos qualitati-
vos nos mostram como a realidade e os fenómenos
Profundidade e Detalhe geográficos não só variam de caso para caso, mas
O que oferecem os métodos qualitativos? Qual é a também são entendidos diferentemente pelas pessoas
sua grande vantagem? A resposta mais comum a es- (McDowell, 1992b; Latham, 2003; Morrison, 2012).
tas questões é a profundidade e o detalhe. Ao contrá-
rio dos métodos quantitativos, que nos apresentam
informação mais extensiva sobre a realidade geo- Para saber mais, consulta:
gráfica, os dados quantitativos oferecem informação
• Latham, A. (2003). Research, performance, and doing
mais intensiva. No entanto, profundidade e detalhe human geography: Some reflections on the diary-pho-
são duas maneiras diferentes, mas não mutuamente tograph, diary-interview method. Environment and
Planning A, 35 (11), 1993–2017.
exclusivas, de entender esta intensidade. O conceito
Neste artigo sobre o método do diário, o autor diferencia
de profundidade advém da ideia de que os métodos o valor de compreender a investigação qualitativa como
qualitativos ‘aprofundam’ o conhecimento extensivo uma busca pela profundidade ou uma busca pelo detalhe.

Figura 2. Profundidade vs Detalhe. Enquanto a profundidade nos leva a expandir o conhecimento


sobre uma porção da realidade, o detalhe oferece-nos diferentes visões sobre o que é a realidade.

Profundidade Detalhe

VS

Neste momento, deves sentir-te capaz de:

• Cultivar uma atitude reflexiva que • Ser crítico e rigoroso em relação à informação
problematize a tua posicionalidade e as dos que recolhes e às tuas próprias ideias.
participantes da tua investigação.
• Distinguir profundidade e detalhe em dados
geográficos.
32 Manual de Métodos Qualitativos em Geografia

O que é o campo?

Objetivos de Aprendizagem

• Compreender os diferentes significados do


conceito de ‘campo’.

O
trabalho de campo está no coração da nos dirigimos apenas para extrair informação que
geografia. É uma atividade essencial e precisamos para responder às nossas questões,
intrínseca à disciplina. Os geógrafos or- informação essa que resgatamos de algum modo
gulham-se, por vezes efusivamente, de produzirem para ser analisada mais tarde. Nesta formulação
conhecimento sobre o planeta que habitamos através do conceito, o campo é frequentemente um espaço
de trabalho de campo em lugares reais. De facto, é específico e bem delineado, com fronteiras claras.
no trabalho de campo que se evidencia e materializa Muitas vezes, corresponde a um espaço natural
o ímpeto da relevância da geografia como uma dis- – como uma cordilheira, uma bacia hidrográfica,
ciplina científica preocupada com os problemas pla- ou uma ilha –, ou político – como um país, uma
netários, como a sustentabilidade, a ecologia, a saúde região, ou uma freguesia. Esta visão tradicional
ou a justiça. De certo modo, é no trabalho de campo, do campo permanece até hoje, e é ainda comum
no contato direto, presente, corporal com a popu- encontrá-la em vários estudos.
lação, as paisagens e os lugares, que um geógrafo No entanto, os geógrafos têm também mobilizado
sente na pele a importância do que faz. Mesmo que outros entendimentos do conceito de campo. Um
este trabalho de campo hoje se faça, frequentemente, deles tem sido a ideia de campo social, oriundo
num gabinete em frente a um monitor. da sociologia e mais comum na geografia huma-
O significado do conceito de campo, no entan- na. Nesta formulação, o campo é um conjunto de
to, tem-se transformado ao longo da história da elementos que participam num determinado fenó-
disciplina, e hoje existem diferentes entendimen- meno, prática, ou rede social. Estes elementos po-
tos deste conceito (DeLyser & Karolczyk, 2010). dem ser bastante diversos e referir-se a diferentes
Tradicionalmente, o campo era entendido como espaços, instituições, grupos sociais, profissões e
um espaço e tempo específico no decorrer da in- tecnologias. Um exemplo clássico é o campo polí-
vestigação. Como vimos na secção ‘O Processo de tico (Bordieu, 2011). Fazem parte dele as institui-
Investigação’, a investigação reparte-se em tare- ções públicas, os partidos políticos, as associações,
fas sequenciais. Primeiro, ocorre a definição da os media, etc. Desta perspetiva, o campo não se
questão de investigação, a revisão de literatura refere a um local específico, mas a uma rede de
e a definição dos objetivos. Estas tarefas geral- lugares, alguns elementos mais ou menos móveis,
mente decorrem no seio da academia, num gabi- e também um conjunto de discursos e ideias que
nete, biblioteca, ou no nosso canto de estudo em interligam estes lugares, instituições e pessoas
casa. Depois disto, existe a etapa de recolha de (Hilgers & Mangez, 2015). O trabalho de campo
dados, na qual saímos para o campo. Terminada neste caso, então, não nos dirige para um espa-
essa etapa, regressamos à academia e tratamos, ço perfeitamente delimitado, mas leva-nos a en-
interpretamos e escrevemos sobre os dados que contrar estes agentes dispersos por espaços mais
recolhemos no campo. Neste prisma, o campo é abrangentes e descobrir a sua complexa relação
um espaço exterior à academia, um local onde com o território.
Antes do Campo 33

Por outro lado, alguns geógrafos têm optado por mação à espera de ser descoberta, os dados
um entendimento mais abrangente do conceito de neste campo são agora compreendidos como
campo (Katz, 1994). Nomeadamente, tem sido sa- materiais co-produzidos e afetivos” (McCor-
lientado que a produção de conhecimento sobre os mack, 2013, p. 11)
lugares não ocorre apenas no campo e que, mesmo
no campo, essa produção é sempre relacional. Ou Estas são questões importante para pensarmos,
seja, em primeiro lugar, nota-se que o ponto de antes de partirmos para o campo para recolher
vista do geógrafo é também resultado das suas informação: Qual é o nosso campo? Que tipo de
interações dentro da academia. Isto inclui as lei- forma espacial e temporal tem? Que elementos o
turas que realizamos, mas também as nossas con- constituem? E que relação tem o campo com o co-
versas com colegas, com estudantes, com orien- nhecimento que produzimos na academia?
tadores, em reuniões, ou em aulas. Todas estas Estas questões, no entanto, não têm de ter uma
interações moldam a forma como questionamos, resposta definitiva logo no início. Durante o de-
os dados que procuramos, e como interpretamos correr da investigação, é provável que o nosso
essa informação (Crang & Cook, 2007). Por ou- entendimento sobre a realidade que observamos
tro lado, mesmo no campo, a informação que re- mude. Também por este motivo, é importante cul-
colhemos é um produto das nossas experiências tivar uma atitude reflexiva e crítica.
espaciais e sociais. Os lugares que visitamos, as
pessoas com quem falamos, e a informação que
reunimos alteram a nossa perspetiva e a nossa lei-
tura dos dados (Söderström, 2011). Por este mo-
tivo, em vez de uma divisão forte entre academia
Para saber mais, consulta:
e campo, podemos pensar em dois espaços perme-
áveis que contribuem em conjunto e em diálogo • DeLyser, D., & Karolczyk, P. (2010). Fieldwork and the
para a produção do nosso conhecimento. Esta Geographical Review: Retrospect and Possible Pros-
pects. Geographical Review, 100 (4), 465-475.
questão tem sido levantada particularmente em
Neste artigo, os autores refletem sobre a conceptuali-
investigação de índole participativa, onde existe zação do campo em diferentes estudos publicados na
um maior entrosamento e interação entre acade- revista Geographical Review e oferecem sugestões para
expandir a ideia do que é o campo.
mia e comunidade local, e em que a fronteira entre
investigador e investigado se esbate. Assim, neste • Katz, C. (1994). Playing the Field: Questions of Fieldwork
prisma, o campo passa a ser: in Geography. The Professional Geographer, 46 (1), 67-72.
A autora reflete sobre as questões práticas, estratégicas,
políticas e éticas que emergem no trabalho de campo, e

“um espaço distribuído e diferenciado de rela- como estas influenciam aquilo que entendemos como o
ções praticadas entre corpos, textos, tecnolo- nosso campo.

gias e materiais. Em vez de pepitas de infor-

Neste momento, deves sentir-te capaz de:

• Saber circunscrever o teu campo de


investigação em termos espaciais e
conceptuais.
34 Manual de Métodos Qualitativos em Geografia

Recrutamento de Participantes

Objetivos de Aprendizagem

• Perceber o que significa representatividade • Conhecer os diferentes métodos de


teórica. recrutamento de participantes.

• Compreender o racional de formação de


amostras de participantes em estudos
qualitativos.

O
trabalho de campo em geografia implica preciso haver um equilíbrio rigoroso entre o obje-
sempre contacto com pessoas, em parti- tivo da nossa investigação e a amostra que defini-
cular na geografia humana. Este contac- mos. O objetivo deve ser exequível, apontando para
to é mais ou menos formal consoante os métodos um conjunto de dados empíricos específico que nos
de recolha de dados que aplicamos. Métodos como oferece informação suficiente para ser atingido. A
a entrevista ou o diário estabelecem uma relação amostra deve ser suficiente para nos oferecer esse
particularmente rígida e pré-definida entre o in- conjunto de dados (Curtis et al., 2000).
vestigador e os participantes, enquanto em mé- A primeira questão em relação da amostra é o ta-
todos como a etnografia desenvolvem-se relações manho. Como a amostra qualitativa é estabelecida
mais informais, próximas do tipo de contacto que por critérios de representatividade teórica, a re-
temos com as outras pessoas no nosso dia a dia. presentatividade estatística – que se pode definir
Seja qual for o método que aplicamos, é importante como a capacidade de uma amostra representar um
definirmos a nossa abordagem ao recrutamento de universo maior de população – geralmente não é
participantes antes de irmos para o campo. Em al- considerada. Primeiro, porque a representativida-
guns métodos, é importante definir previamente o de estatística dificilmente é conseguida. Os méto-
tamanho e a estrutura da amostra de participantes. dos qualitativos geram uma quantidade imensa de
Em qualquer método qualitativo, no entanto, é fun- dados de difícil tratamento, e não é exequível, por
damental abordar os métodos de recrutamento e as exemplo, conduzir centenas de entrevistas, o que
questões éticas associadas. seria necessário para atingir a representatividade
A definição de uma amostra é pertinente em mé- da amostra. Segundo, porque a representatividade
todos que questionam pessoas diretamente. É, por estatística é útil para responder a outro tipo de per-
exemplo, o caso da entrevista, do grupo focal, do guntas, de índole quantitativa. A investigação qua-
método Delphi, do diário ou dos métodos partici- litativa faz perguntas específicas sobre narrativas,
pativos. As amostras em investigações qualitativas representações, experiências, estratégias, decisões,
são estabelecidas por critérios de representatividade conflitos, negociações, ideologias ou contingências
teórica. Por representatividade teórica, refiro-me à geográficas, sociais ou históricas que os métodos
capacidade de uma amostra de oferecer dados con- quantitativos não conseguem considerar (Scho-
cretos sobre as relações entre diferentes variáveis enberger, 1991). Esta investigação não pergunta
qualitativas, tornando possível descrever um caso qual é a dimensão destes fenómenos num determi-
empírico para explicar um fenómeno ou um pro- nado espaço geográfico – essa é a tarefa da geogra-
cesso abstrato. Isto significa que a escolha de com fia quantitativa. Ao invés ela procura explicar estes
quem temos de falar depende largamente do tipo fenómenos ou processos porque eles são essenciais
de questões a que queremos dar resposta. Assim, é para percebermos como o mundo funciona.
Antes do Campo 35

Nada disto significa que a questão da dimensão da Depois de definires a tua amostra, e antes de avan-
amostra é negligenciável em métodos qualitativos. çares para o campo, verifica se a tua amostra cum-
A dimensão está diretamente com a quantidade e pre todos os tópicos desta checklist baseado em Cur-
variedade de informação (Baxter & Eiles, 1997). tis et al. (2000).
Para avaliar a adequação da dimensão de uma amos-
tra qualitativa, os geógrafos têm usado principal- 1. A amostra é relevante para o enquadramen-
mente duas técnicas. A primeira é usar o ponto de to teórico e as questões de investigação que a
saturação. Considera-se que uma amostra atingiu o pesquisa procura responder?
tamanho ótimo quando se verifica que as respostas 2. A amostra é suficiente para gerar informação
que obtemos dos participantes repetem o seu conte- rica sobre o fenómeno que estou a estudar?
údo. Se existe muito conteúdo repetido, é aceitável 3. A amostra permite-me fazer generalizações
considerar-se que já se reuniu todo o espectro de teóricas a partir dos resultados?
informação que se pode obter. Como é óbvio, nesta 4. A amostra permite produzir descrições e ex-
técnica só se define a dimensão da amostra no de- plicações credíveis?
correr do estudo. Este método é amplamente usado, 5. A formulação da amostra seguiu os princípios
mas não é infalível e pode ser questionado quando éticos necessários?
é a única justificação para o racional da amostra 6. A formulação da amostra é exequível?
(Hitchings & Latham, 2020). Por outro lado, pode-
-se segmentar a amostra previamente. Segmenta- Quando já decidimos o tipo de amostra que é apro-
ção significa a divisão da amostra em dois ou mais priado para o nosso estudo, é altura de pensar em
grupos de acordo com variáveis pré-determinadas, como recrutamos os participantes que irão compor
como o género, a idade, ou a profissão. Esta abor- essa amostra. Aqui surge a questão mais abrangen-
dagem permite-nos perceber como variações nas te do acesso ao campo, uma que é comum a estudos
características do entrevistado e no contexto ge- que não se baseiam em amostras.
ográfico que habitam têm um efeito diferenciador Esse é o caso de métodos que pretendem observar
nas suas respostas (Skop, 2006). Apesar disto, um uma realidade diretamente. É o caso das caminha-
estudo qualitativo com uma amostra reduzida, mes- das, da interpretação de paisagens, da etnografia,
mo com apenas um entrevistado, é possível, desde da cartografia ou do levantamento fotográfico. No
que os dados dessa entrevista sejam suficientes para entanto, o facto de não se basearem em amostras
satisfazer os requerimentos do racional teórico. não significa que não existam interações com pes-
Mesmo que a amostra não seja segmentada, é impor- soas no decorrer desta investigação, e essas intera-
tante ter em conta as características dos participan- ções devem ser reconhecidas e problematizadas. As
tes na composição da amostra. Podemos querer que questões de inserção no campo e de recrutamento
os participantes tenham características em comum de participantes, assim, são comuns a quase todos
para estudar as geografias de um grupo particular, os métodos qualitativos.
ou que tenham características diversas, para perce- Durante algum tempo, a geografia qualitativa dava
ber como essas características dão lugar a diferentes importância à distinção entre insiders e outsiders na
geografias, mesmo que não seja com um intuito de questão do acesso ao campo (Lees, 1995). De acordo
representação estatística. Esta escolha é importan- com esta dicotomia, se fossemos insiders, pertencí-
te, porque estas características deverão ser tidas em amos à comunidade que estudamos e isso ajudava-
conta na análise da informação, e a escrita do estudo -nos a obter mais informação, embora também nos
deve reportar esta relação. Para além disto, ter em colocasse numa perspetiva subjetiva devido ao nosso
conta as características dos participantes deve levar- envolvimento pessoal. Se fossemos outsiders, o nos-
-nos a refletir sobre quem teve a oportunidade de fa- so acesso ao campo era mais difícil, embora ainda
lar, e quem não teve (Baxter & Eyles, 1997). possível, mas colocava-nos numa posição externa,
36 Manual de Métodos Qualitativos em Geografia

mais neutra. Esta dicotomia foi bastante discutida e No caso de entrevistas, por exemplo, isto significa
criticada no final do século passado, e está hoje razo- que iremos recrutar um primeiro entrevistado, e que
avelmente ultrapassada. Primeiro, as limitações de o esse entrevistado nos irá sugerir outros participan-
investigador ser outsider são hoje menos relevantes tes. Esses participantes, se aceitarem realizar a en-
porque um manancial de métodos participativos foi trevistas, irão também sugerir outros participantes,
desenvolvido para tornar a investigação mais inclu- até a amostra atingir o número necessário. Por ou-
siva e dar mais poder aos participantes. Segundo, a tro lado, o recrutamento por conveniência significa
limitação de ser insider é hoje relativizada pela con- que recrutamos as primeiras pessoas que aceitarem
sideração da posicionalidade em toda a investigação participar no estudo, desde que correspondam às
qualitativa. Assim, já não é apenas quando o investi- características pretendidas pela amostra. Estes mé-
gador e os participantes são insiders que a posiciona- todos são os mais frequentemente usados, mas a sua
lidade é questionada e refletida. utilidade é mais prática do que teórica. De facto, ne-
Não obstante, a questão do acesso ao campo perma- nhuma destas abordagens substitui a necessidade de
nece importante. Em alguns casos, é difícil chegar pensar criticamente acerca do nosso processo de re-
às pessoas que precisamos de questionar, noutros, crutamento de participantes (Miles & Crush, 1993).
basta sair à rua para encontramos essas pessoas.
Por vezes, já conhecemos previamente o campo, e
podemos utilizar contactos prévios – pessoais ou Para saber mais, consulta:
profissionais – para começar a nossa investigação. • Curtis, S., Gesler, W., Smith, G., & Washburn, S. (2000).
Noutros casos, podemos precisar de encontrar pon- Approaches to sampling and case selection in qualitati-
ve research: examples in the geography of health. Social
tos de acesso. Instituições como organizações não
Science & Medicine, 50 (7–8), 1001-1014.
governamentais, associações, câmaras municipais, Os autores fazem um estado da arte das estratégias
instituições privadas de solidariedade social ou em- usadas por investigadores qualitativos no campo das
geografias da saúde para estabelecer representatividade
presas frequentemente ajudam investigadores a pre-
analítica com a sua amostra. Continua a ser um dos artigos
parar trabalho de campo nos territórios onde atuam. mais densos sobre amostragem em geografia qualitativa.
Haverá sempre limitações para a nossa inserção: há
• Miles, M., & Crush, J. (1993). Personal Narratives as
espaços e comunidades onde a presença do investi-
Interactive Texts: Collecting and Interpreting Migrant Li-
gador é demasiado incómoda. Esta questão deve ser fe-Histories. The Professional Geographer, 45(1), 84–94.
pensada previamente. Este artigo é importante para quem tiver interesse em
perceber como amostras com tamanho muito reduzido
Quando a questão do acesso ao campo está resolvi-
podem ser utilizadas estrategicamente em alguns estudos.
da, definimos o método de recrutamento de parti-
cipantes. Na geografia qualitativa, os métodos mais • Skop, E. (2006). The methodological potential of focus
groups in population geography. Population, Space and
utilizados são o recrutamento por bola de neve e o
Place, 12 (2), 113–124.
recrutamento por conveniência. O método de bola Neste artigo sobre o potencial dos grupos focais para
de neve consiste no recrutamento de participantes a geografia da população, o autor aborda as questões
relativas à amostragem para grupos focais e discute o
através da recomendação por outros participantes.
valor da segmentação.

Neste momento, deves sentir-te capaz de:

• Definir as características dos participantes • Decidir como vais proceder ao


do teu estudo e a dimensão da tua amostra. recrutamento de participantes para
o teu estudo.
Antes do Campo 37

Ética

Objetivos de Aprendizagem

• Conhecer os principais desafios éticos que


afetam a investigação geográfica.

A
ética é fundamental na investigação ge- sentar novos resultados. A exceção é o caso de uma
ográfica e em anos recentes tem-se dado tradução de uma publicação para outra língua.
cada vez mais atenção a este tema (Proc- A fabricação e a manipulação envolvem a produção
tor & Smith, 1999; Bos, 2020; Wilson & Darling, de resultados falsos. A fabricação implica a criação
2020). A geografia lida com questões essenciais de dados inexistentes, enquanto a manipulação re-
para a vida no planeta e, por esse motivo, o conhe- fere-se à adulteração dos dados ou da sua interpre-
cimento que produz pode ter consequências muito tação para se obter um resultado pretendido. Am-
positivas ou muito negativas para o planeta e quem bos são casos de falsificação. Tal como o plágio, a
o habita. A produção do conhecimento, portanto, manipulação nem sempre é um ato intencional. Ela
deve seguir um compromisso forte com a ética. pode advir de um tratamento pouco sistemático da
Num primeiro plano, é importante que o investiga- informação, ou de uma série de enviesamentos que
dor siga um código de conduta que evite resultados nem sempre notamos que temos (ver Tabela 5). Por
falsos. Existem várias más práticas que podem afe- último, a nossa interpretação dos dados também
tar o rigor e a validade de um estudo geográfico, pode ser guiada por um raciocínio motivado, isto
nomeadamente o plágio, a fabricação ou manipula- é, as nossas intenções e emoções acerca dos resul-
ção, e a escrita fantasma. tados que pretendemos pode afetar a nossa capaci-
O plágio consiste no uso de textos ou dados criados dade para permanecer neutros. A solução para isto
por outra pessoa sem lhe dar o devido crédito. O plá- não é necessariamente buscar uma neutralidade
gio pode ser feito através de qualquer transcrição, objetiva e pura, mas sim assumir a nossa posiciona-
tradução ou paráfrase no qual não se indica o tex- lidade e fazer a sua crítica necessária.
to original de onde provém a ideia ou os dados em Por outro lado, mesmo quando seguimos um códi-
questão. Para evitar o plágio, é importante ter um go de conduta que evita más práticas na produção
cuidado acrescido no tratamento de informação ao de conhecimento geográfico, é igualmente impor-
longo de todo o processo de investigação, e seguir tante certificarmo-nos que esta produção de conhe-
rigorosamente as normas de citação do meio em que cimento não é feita à custa de danos colaterais. Os
publicamos os nossos estudos. O plágio nem sempre danos possíveis na investigação qualitativa estão
é intencional – por vezes nasce de uma gestão dis- geralmente ligados à possibilidade de haver efeitos
plicente da informação –, mas é sempre penalizado. negativos para as pessoas e as comunidades que es-
Em ciência, o auto-plágio também é relevante. O au- tudamos. Para evitar possíveis efeitos negativos, a
to-plágio refere-se à reprodução de textos ou dados investigação deve cultivar uma série de boas práti-
previamente publicados em novas publicações. Em- cas que descrevemos abaixo.
bora seja possível a reutilização de materiais já pro-
duzidos no passado, deve ser sempre feita referência Obter consentimento informado. As pessoas que
à publicação anterior, e a nova publicação deve apre- participam num estudo geográfico devem conhecer
38 Manual de Métodos Qualitativos em Geografia

o propósito da investigação que o geógrafo desen- morada ou dados de contato. Em métodos quali-
volve. Esse conhecimento é fundamental para as tativos, no qual a amostra é geralmente reduzida
pessoas poderem consentir a partilhar informação e a informação pode ser particularmente pessoal,
com o geógrafo. Os participantes devem ter a op- pode ser necessário proceder a mais alterações para
ção de não participar se assim o desejam, ou de não garantir a confidencialidade dos dados. Em trans-
responder a todos os pedidos do investigador. crições de falas, por exemplo, é possível que seja
necessário omitir indicações de lugares ou algumas
Garantir confidencialidade. A participação num descrições. Alguns geógrafos, para garantir a con-
estudo geográfico pode requerer a recolha de dados fidencialidade de participantes facilmente reconhe-
pessoais como o nome, género, idade, morada pes- cíveis ou particularmente vulneráveis, escolhe criar
soal ou dados de contato, mas raramente requer a descrições fictícias a partir de dados reais. Esta
sua publicitação em bruto. Se estes dados pessoais questão requer alguma sensibilidade à natureza
tiverem de ser recolhidos para assistir a interpre- dos dados e das comunidades que estudamos; não
tação dos dados ou para tratamento cartográfico, existe uma medida única para todos os casos.
eles devem ser anonimizados. A anonimização ge-
ralmente faz-se através da atribuição de um código Evitar ser invasivo. Os métodos de investigação
a cada participante na base de dados, que substitui qualitativa frequentemente envolvem a recolha de
dados que o possam identificar, como o nome, a informação que é considerada privada, pessoal ou

Tabela 5. Enviesamentos que podem afetar a investigação qualitativa em geografia.

A tendência para procurar, interpretar, destacar e recordar informação


Viés de confirmação
que confirma as nossas pré-conceções.

A tendência para não rever a nossa posição inicial quando confrontados


Efeito de ancoragem
com informação que a contradiz.

A tendência para dar mais importância à informação memorizada de


Viés da disponibilidade que nos lembramos com mais facilidade, que tende a ser aquela que foi
memorizada mais recentemente.

A tendência para desenvolvermos uma preferência pelas pessoas e


Efeito de mera exposição
espaços que nos são mais familiares, e vice-versa.

A tendência para atribuir maior validade à opinião de uma pessoa numa


Viés da autoridade
posição de autoridade.

A diferença de interpretação de uma situação entre pessoas envolvidas


ativamente numa prática social e observadores. Os observadores
Assimetria ator-observador
tendem a atribuir erroneamente a causa de um determinado
comportamento.

A tendência para acreditar numa ideia porque um grande número de


Efeito de adesão
pessoas acredita nessa ideia.

A crença de que entendemos o mundo como realmente é, que todos os


Realismo naïve factos são objetivos e auto-evidentes, e que as pessoas racionais irão
concordar connosco.
Antes do Campo 39

íntima pelos participantes, mesmo quando se refe- que podem afetar as pessoas e comunidades que
re a práticas desenvolvidas publicamente. Por este estudamos e garantir que a recolha, tratamento e
motivo, métodos de observação como videografia análise de informação não reproduz esses estereó-
ou a fotografia podem levantar sérias questões éti- tipos. Deve igualmente questionar os participantes
cas caso essa recolha seja feita de forma furtiva ou do estudo em relação à forma como pretendem ser
sem o consentimento dos filmados. Em vários ca- tratados, por exemplo em termos de género, etnia,
sos, é impossível que a gravação de imagens não pertença de classe, sexualidade ou idade. A escrita
seja furtiva se por exemplo usarmos um drone, ou dos resultados deve utilizar os termos preferenciais
pode ser impossível obter consentimento de todos dos participantes e devemos evitar assumir deter-
os filmados se filmarmos espaços afluentes muito minadas pertenças sociais, bem como termos que
movimentados. Em todos os casos em que se deci- podem ser entendidos como prejudiciais.
de usar métodos observacionais como método de
recolha de informação, é preciso avaliar os danos Gerir expectativas. Os participantes dos nossos
possíveis decorrentes da intrusividade do método, estudos têm os seus próprios objetivos de vida, e
mesmo em situações públicas que não requerem os seus desejos em relação ao espaço geográfico
consentimento informado. que habitam. Frequentemente, os participantes es-
peram que o estudo para o qual contribuem possa
Participantes vulneráveis e tópicos sensíveis. levar a uma vantagem pessoal ou coletiva. A ideia
Existem pessoas que podem estar mais expostas a de que o conhecimento é poderoso e pode ser usa-
ou menos protegidas de consequências negativas do para reivindicações políticas é generalizada, e
da sua participação em investigação geográfica. muitas pessoas verão um estudo realizado numa
Esta vulnerabilidade pode ter várias origens; pode universidade como uma grande oportunidade para
estar relacionada com a sua idade, género, etnicida- serem ouvidos ou verem os seus problemas resolvi-
de, capacidade económica, capacidades cognitivas, dos. Apesar disto, sabemos que enquanto académi-
condição médica ou situação legal. A investigação cos, a nossa capacidade para colocar temas na agen-
não pode contribuir para intensificar estas vulne- da política, embora exista, é limitada. O caminho
rabilidades, nem pode obter vantagens desta vul- da produção de conhecimento académico sobre um
nerabilidade para benefício da investigação. Assim, problema que afeta a qualidade de vida da popula-
é importante aferir se as pessoas que participam na ção à ação política concreta por vezes demora anos.
investigação têm a capacidade para participar de Por este motivo, é importante gerir as expectativas
livre vontade e se a sua participação não resultará dos participantes, sendo claros e rigorosos no es-
em desvantagens pessoais. De modo igual, a inves- clarecimento do propósito do estudo e das possibi-
tigação qualitativa por vezes necessita de abordar lidades de publicação do mesmo.
tópicos socialmente sensíveis que podem afetar a
população vulnerável, mas não só. Em qualquer in- Salvaguardar dados. O arquivamento da informa-
vestigação, deve-se verificar se existe a necessidade ção empírica que recolhemos através dos nossos
de abordar tópicos sensíveis e, caso seja, criar uma métodos de investigação não é um pormenor de
estratégia para evitar desvantagens pessoais para menor importância. Um arquivamento rigoroso é
os participantes. essencial para um bom tratamento, análise e inter-
pretação de dados, mas também para salvaguardar
Evitar estereótipos. A investigação geográfica a confidencialidade do estudo. Por este motivo, a
pode incorrer no reforço de estereótipos nocivos gestão da base de dados de um projeto de investi-
para determinadas pessoas e comunidades. É im- gação deve ser pensada desde o início, ainda antes
portante evitar que isto aconteça. Para isso, deve- do processo de recolha de dados. Preferencialmen-
-se identificar os possíveis estereótipos negativos te, a informação deve ser guardada num compu-
40 Manual de Métodos Qualitativos em Geografia

tador seguro, que possa ser apenas acedido pelo nem todos pretendem utilizar o conhecimento ge-
investigador. Se for necessário usar um serviço de rado pelos geógrafos para melhorar a vida no pla-
partilha em nuvem para diferentes investigadores neta. O conhecimento geográfico pode e é distor-
acederem aos dados, este deve ser um serviço ofe- cido e instrumentalizado, e usado para promover
recido pela universidade que esteja restringido à o uso insustentável de recursos, conflitos étnicos
rede da instituição e não um serviço oferecido por ou injustiças sócio-territoriais. O uso indevido do
uma empresa privada que poderá dar acesso a ter- conhecimento produzido por geógrafos é responsa-
ceiros aos dados. Por outro lado, quando se obtém bilidade de quem faz esse uso e não dos geógrafos.
o consentimento informado dos participantes, é im- No entanto, é possível diminuir as oportunidades
portante indicar durante quando tempo os dados de utilização indevida de informação geográfica.
que fornecem serão armazenados e, após esse prazo Para que tal aconteça, é importante que os dados
terminar, proceder-se à eliminação dos dados. publicados sejam sempre devidamente contextuali-
zados, analisados e interpretados. Informação geo-
Gerir resultados inesperados. Por vezes, ao con- gráfica descrita de forma displicente, sem o devido
tactarmos com os participantes na nossa investi- enquadramento analítico, é mais facilmente mani-
gação, podemos recolher informação que não era pulável do que informação detalhada e explicada.
expectável nem útil recolher para o nosso estudo.
Em alguns casos, esta é informação que os parti- Existem outras questões éticas que advém da apli-
cipantes desconheciam, mas que lhes é relevante. cação específica de alguns métodos usados por ge-
Por exemplo, podemos perceber que um participan- ógrafos. Por exemplo, Winchester (1996) discute
te não sabe que está a ser enganado por outro, que as questões éticas que a aplicação de entrevistas le-
está a cometer um crime, ou que está a ser vítima vanta. Hall (2014) faz uma discussão semelhante em
de um crime. Devemos informar o participante? Em relação ao uso da etnografia. Richardson-Ngweny
investigação qualitativa, é difícil prever que tipo de (2012) e Shaw (2016) refletiram sobre a ética do uso
resultados inesperados vamos encontrar e, por esse de metodologias de vídeografia participativa. Moore
motivo, não é possível dar uma resposta definitiva a (2010) questionou a ética da investigação geo-histó-
esta questão. Nas ciências médicas, é comum no for- rica em profundidade. Por último, Holton e Harmer
mulário de consentimento permitir aos participan- (2019) levantaram questões sobre o uso de smar-
tes optar por receber ou por não receber informa- tphones pessoais em investigação digital.
ção sobre resultados inesperados relacionados com
eles. Em geografia, nem sempre é possível, portanto
cada estudo deve ser cuidadosamente refletido. Para saber mais, consulta:

Antecipar a má utilização da pesquisa. Os re- • Wilson, H., & Darling, J. (2020). Research Ethics for
Human Geography. Londres: SAGE.
sultados de projetos de investigação são sempre Esta obra recente discute em profundidade as questões
publicitados de alguma forma. A geografia deve ser éticas mais relevantes para a geografia humana. É o
aberta e acessível a toda a humanidade. No entanto, primeiro livro pedagógico exclusivamente dedicado a
esta temática.

Neste momento, deves sentir-te capaz de:

• Identificar os principais problemas éticos • Delinear uma estratégia para assegurar o


que podem afetar a tua investigação. cumprimento de padrões éticos elevados na
tua investigação.
Recolha de Dados 41

Recolha
de Dados
42 Manual de Métodos Qualitativos em Geografia
Recolha de Dados 43

A caminhada

Objetivos de Aprendizagem

• Compreender como andar pode ser • Conhecer as aplicações do método e os


um método de recolha de informação diferentes tipos de caminhadas que têm
geográfica. sido desenvolvidos para questões de
investigação mais específicas.
• Aprender as limitações do método
da caminhada.

A
ndar faz parte do trabalho de campo uma metodologia até recentemente. No entanto,
de um geógrafo praticamente desde o à medida que têm surgido estudos que dão maior
início da geografia enquanto disciplina relevo ao andar não só como metodologia, mas
académica. Por exemplo, em Portugal, Orlando também como objeto de estudo, no âmbito de uma
Ribeiro, o fundador do Centro de Estudos Geo- maior preocupação com modos de mobilidade com
gráficos da Universidade de Lisboa, considerava- reduzido impacto ambiental, a caminhada tem
-se um ‘geógrafo andarilho’. Apesar disto, apenas sido vista como um método independente (Ma-
neste século têm surgido reflexões aprofundadas cPherson, 2016). Outros têm também argumenta-
sobre caminhar enquanto método geográfico. Es- do que a caminhada deve ser explicitamente refe-
tas reflexões têm vindo geralmente de geógrafos rida como método sempre que é utilizada, porque
anglófonos e francófonos, mas sempre em diálo- quando um método que pode oferecer informação
go com outras disciplinas como a antropologia, a relevante não é reportado, isso afeta o rigor dos
sociologia ou a arquitetura, nas quais o caminhar resultados da pesquisa (Pierce & Lawhon, 2015).
como método se tem tornado popular recente- Caminhar enquanto método para conhecer luga-
mente (Pink et al., 2010). De facto, o método da res é importante porque nos oferece um conhe-
caminhada tem a particularidade de ter sempre cimento da cidade a partir da perspetiva de um
sido utilizado pela maior parte dos geógrafos para corpo humano. Assim, ao contrário de outros
conhecerem os lugares que estudam, mas não ter métodos geográficos que olham para o espaço a
sido comum inseri-lo formalmente como parte de partir de diferentes escalas e ângulos, o caminhar
44 Manual de Métodos Qualitativos em Geografia

coloca-nos na posição das pessoas que experien- los não esperados, ou por qualquer outro motivo.
ciam o espaço diretamente. Segundo Pierce & Raras vezes se define um limite temporal para a
Lawhon (2015), a caminhada ajuda os investiga- caminhada, mas ela pode ser programada para um
dores a desenvolver o que eles chamam de lite- momento específico do dia, como numa manhã ou
racia local, isto é, o conhecimento encarnado das à noite. Como andar é algo que a maior parte de
escalas e ritmos de um contexto urbano, que pode nós faz no seu dia a dia, é um método acessível
ser utilizado para descrever o espaço ou para en- para a maior parte dos investigadores, que mes-
quadrar dados recolhidos através de outros mé- mo sendo inexperientes podem extrair o máximo
todos. Para além disto, a caminhada permite ao desta prática.
investigador estabelecer uma relação mais íntima O tratamento de dados provenientes de uma cami-
com o local, por senti-lo através do seu corpo sem nhada tem os seus desafios e não há um processo
mediações, como é o caso quando a investigação é único. A caminhada enquanto método imersivo di-
baseada, por exemplo, em diários, entrevistas, ou ficulta o seu registo. Escrever sobre caminhar ou
sistemas de informação geográfica. Deste modo, efetuar um levantamento do que foi observado na
a caminhada pode ser usada de modo etnográfico, caminhada não é exatamente a mesma coisa que
repetindo-se caminhadas várias vezes, até que se caminhar porque não capta a dimensão física, sen-
conhece o lugar de uma perspetiva mais próxima sorial, corporal, emocional e reflexiva desse ato
possível de um habitante (Gwiazdzinski, 2019). situado. Alguns geógrafos encontraram uma so-
A vantagem de caminhar é justamente o facto de lução para este problema na combinação das cami-
nos oferecer toda a informação social e ambien- nhadas com entrevistas, fotografia, fonografia ou
tal sobre um lugar que uma pessoa normalmente métodos criativos (Yi’En, 2014). No entanto, cada
recebe. O objetivo do método de caminhar não aplicação do método da caminhada requer uma
é simplesmente perceber como se pode ir de um abordagem específica a este problema, que deve
ponto para outro, mas entender este movimento ser detalhada na metodologia do estudo. Pierce e
como uma forma de interação com um ambiente Lawhon (2015) sugerem que numa análise compa-
físico e social (Pink et al., 2010). Deste modo, seja rativa de experiências de caminhadas poderá ser
qual for o tópico de estudo geográfico sobre um mais útil formular questões de investigação a par-
lugar, a caminhada pode dar-nos alguma informa- tir de caminhadas em vez de procurar respostas
ção sobre isso. no terreno desta maneira. Deste modo, a questão
De um modo simples, a caminhada deve ser uma de investigação estará já diretamente ligada a in-
atividade intencional e reflexiva na qual o in- formação obtida no terreno, podendo esta ser ex-
vestigador percorre um percurso – que pode plorada de um modo mais focado e rigoroso.
ser pré-definido ou não – para conhecer melhor Há limitações importantes no método da cami-
o contexto físico e social de uma área (Pierce & nhada, nomeadamente a questão da validade dos
Lawhon, 2015). A caminhada engloba andar a pé dados quando o método é baseado na experiência
por esse percurso, mas também parar para obser- de uma só pessoa (Pierce & Lawhon, 2015). Ao
var detalhes, exploração de estímulos sensoriais, contrário da autoetnografia, em que é a própria
recolha de dados escritos, fotográficos ou sono- experiência que está em análise, no método da
ros, e interações casuais com pessoas ou animais. caminhada frequentemente obtém-se dados sobre
A caminhada tem um propósito imersivo. Logo, um lugar através de uma experiência pessoal sem
este é um método que raramente é rígido. Mesmo que essa experiência esteja em questão. Por este
quando há um percurso pré-definido, a caminha- motivo, é preciso cautela no tratamento destes
da pode sofrer os seus desvios, porque algo nos dados para evitar generalizações a partir de pers-
chama a atenção, para perceber melhor a conti- petivas particularmente pessoais (Kowalewski &
nuidade de certas áreas, porque existem obstácu- Bartłomiejski, 2020).
Recolha de Dados 45

A caminhada é tradicionalmente usada como mé- pode ser realizado individualmente, mas têm-se
todo exploratório, para o geógrafo conhecer um tornado mais comum percorrer estes transectos
local que desconhece ou conhece pouco, identifi- com grupos de participantes. Isto permite perce-
car e delimitar locais importantes para a investi- ber como pessoas de várias origens interpretam
gação, ou formular questões de investigação. Mas as transições espaciais do percurso. A caminha-
as caminhadas têm sido também extensivamente da de transecto tem sido usada em estudos mui-
usadas como método independente ou em combi- to diversos, por vezes parte de metodologias de
nação com outros métodos em diversos estudos métodos mistos. Por exemplo, após efetuarem um
geográficos. Por exemplo, Middleton (2010) estu- levantamento do uso do solo de uma região no
dou a própria prática de andar em cidades como Quénia a partir de deteção remota, Kweyu et al.
forma de mobilidade sustentável, procurando (2020) conduziram caminhadas com informantes-
compreender as experiências daqueles que nave- -chave para estudar a influência da política e dos
gam a cidade no seu dia a dia. A autora identificou conflitos sócio-políticos nas mudanças do uso do
diferentes estilos e convenções de andar na cida- solo dessa região. A informação das observações
de, e a sua ligação às experiências sensoriais e à e entrevistas realizadas nestes transectos foram
materialidade e tecnologias da cidade. Por outro georreferenciadas, o que permitiu uma explicação
lado, Wylie (2005) usou a caminhada para estudar mais precisa sobre a relação entre política, confli-
a experiência da paisagem da costa inglesa. Atra- tos, e uso do solo.
vés da caminhada, Wylie explorou a relação entre A caminhada iconográfica é também realizada em
o sujeito e a paisagem, nomeadamente as emoções conjunto com um grupo de participantes. Este
e as sensações físicas que emergem a partir dos método divide-se em dois passos. Primeiro, o in-
encontros com pessoas e os elementos naturais. vestigador organiza uma caminhada por um tra-
Também Murphy (2009) caminhou 1500 quilóme- jeto pré-definido ou espontâneo com o grupo de
tros na costa da Escócia e da Irlanda para estu- participantes, durante a qual os participantes são
dar a identidade e a sustentabilidade das culturas instruídos a recolher imagens da paisagem atra-
gaélicas que habitam a costa destes países. Neste vés de fotografia ou desenhos. No segundo passo,
caso, a distância percorrida permitiu estabelecer o investigador, em conjunto com os participantes,
uma ligação entre as várias comunidades distribu- reproduz e descreve o percurso feito com as ima-
ídas ao longo da costa que salientou o que há de gens recolhidas pelos participantes, identificando
comum nessas comunidades. as imagens e os elementos iconográficos mais sig-
Outros geógrafos desenvolveram métodos de nificativos do percurso. Deste modo, este método
caminhadas mais específicos para abordar deter- é útil para explorar as perceções da paisagem e os
minados temas, como a caminhada de transecto, significativos a ela atribuídos por diferentes gru-
a caminhada iconográfica, ou as caminhadas so- pos sociais (Le Guern & Themines, 2011).
noras. O método da caminhada sonora foi desenvolvido
A caminhada de transecto é uma caminhada es- por artistas sonoros na segunda metade do século
pecificamente desenhada para atravessar diferen- XX para promover a consciência aural das pesso-
tes áreas geográficas em termos morfológicos, as, isto é, fazê-las estar mais atentas ao ambiente
seja isto em contexto urbano, rural, ou qualquer sonoro que as rodeia. Neste século, os geógra-
outro. O método do transecto foi originalmente fos têm-se apercebido do potencial deste método
inventado por biólogos para estudar a variação não só para promover a consciência sonora, mas
de espécies numa determinada área, e mais tarde para promover uma consciência mais abrangen-
adaptado por geógrafos para estudar a variação te de todo o ambiente que nos rodeia, não só na
geográfica de diferentes fenómenos. A ideia-base é sua componente natural e ecológica, mas também
percorrer um caminho mais ou menos linear. Isto na sua relação com o bem-estar do nosso corpo.
46 Manual de Métodos Qualitativos em Geografia

Ao mesmo tempo, a caminhada sonora permite


estudar a relação cognitiva, sensorial, e emocio- Para saber mais, consulta:
nal que as pessoas estabelecem com o ambiente • Kowalewski, M., & Bartłomiejski, R. (2020). Is it research
que as rodeia, obtendo informações importantes or just walking? Framing walking research methods as
sobre tópicos como o bem-estar, a memória espa- “non-scientific”. Geoforum, 114, 59-65.
Este artigo responde às críticas comummente lançadas
cial, ou a criação de representações espaciais. Na à caminhada como método de investigação e reflete
prática, a caminhada sonora consiste em realizar sobre como caminhar pode ser tornado num método
um percurso com uma atenção especial aos sons válido e rigoroso.

que se ouvem, podendo-se incluir também outros • Pierce, J., & Lawhon, M. (2015). Walking as method:
estímulos sensoriais. A caminhada pode ser acom- Toward methodological forthrightness and compara-
panhada de uma conversa, de gravações sonoras, bility in urban geographical research. The Professional
Geographer, 67 (4), 655-662.
ou de práticas criativas que permitam a partilha Este artigo sobre o valor da caminhada para a geografia
e a reflexão sobre a experiência da caminhada urbana discute em profundidade o valor deste método e
(Butler, 2006; Malanski, 2018). apresenta estratégias concretas para garantir o rigor e a
comparabilidade na sua aplicação.

Neste momento, deves sentir-te capaz de:

• Decidir se a caminhada é um método • Planear uma caminhada para recolha de


adequado para a tua investigação dados geográficos, escolhendo a técnica de
geográfica. registo de dados mais apropriada.
Recolha de Dados 47

Interpretação de paisagem

Objetivos de Aprendizagem

• Conhecer a história da interpretação da • Distinguir as duas abordagens à


paisagem como método geográfico. interpretação de paisagens: a paisagem-
como-texto e a iconografia da paisagem.

A
paisagem foi durante muito tempo en- poração das culturas humanas na paisagem. Os
tendida pelos geógrafos como a forma precursores da interpretação de paisagens esta-
visível da superfície do planeta, levando vam principalmente interessados na inserção de
a disciplina a preocupar-se essencialmente com vários símbolos e signos na paisagem. Estátuas,
os fenómenos que alteraram essa forma, como os inscrições e gravuras são alguns dos elementos
deslizamentos de terra ou o movimento das pla- mais destacados por estudos de interpretação de
cas tectónicas. No entanto, à medida que duran- paisagens. No entanto, a importância destes sím-
te o século XX se tornava mais e mais evidente bolos e signos não está na sua materialidade, mas
que a morfologia da superfície da terra era pro- no modo como elas contém significância cultural
duto da ação humana, os geógrafos começaram a e representam discursos e narrativas mais latas
olhar para a paisagem como um produto cultural, acerca da cultura inscrita nessa paisagem.
além de produto natural. Enquanto isto acontecia, Ainda que a interpretação de paisagens não pos-
emergia também na década de 1970 um movimen- sa ser definida como um método específico com
to humanista na geografia que pretendia explorar um processo de recolha e tratamento de dados, a
o espaço a partir da experiência e da mundividên- importância que adquiriu como lente de interpre-
cia dos humanos. Para os geógrafos humanistas, tação geográfica é de ordem suficiente para ser
interessava tanto perceber como as pessoas ex- considerada independentemente. A perspetiva da
perienciavam os lugares e que significados lhes interpretação de paisagem assenta na ideia de que
atribuíam como entender a própria organização a paisagem pode ser interpretada de uma maneira
do espaço. É no seguimento destas mudanças de semelhante à leitura e interpretação de textos es-
perspetiva que durante os anos 80 surge uma critos ou orais ou ao visionamento e interpretação
nova maneira de olhar para a paisagem, que ficou de imagens, por exemplo, na pintura (Cosgrove &
conhecida como a perspetiva da interpretação de Jackson, 1987). A interpretação de paisagens na
paisagens. Para os geógrafos que exploravam a verdade subdivide-se em duas abordagens: uma
interpretação de paisagens, a ação humana sobre textual (paisagem-como-texto) e uma visual (a
a paisagem não resultou apenas na transformação iconografia da paisagem). No entanto, ambas as
física do solo terrestre em áreas produtivas e de abordagens estão ancoradas em técnicas de inter-
habitação humana; resultou também na incor- pretação da semiótica, uma disciplina das huma-
48 Manual de Métodos Qualitativos em Geografia

nidades que pode ser definida como o estudo da tre os textos mais importantes de uma sociedade,
construção dos significados. Mais concretamente, seja poemas épicos, descrições históricas, ou leis
a semiótica estuda como significados são atribu- fundamentais, e os diferentes tipos de paisagem e
ídos a determinados textos, imagens ou objetos, os seus textos (Barnes & Duncan, 1992). O estu-
transformando-os em signos, e como esses signos do intertextual dessas relações desvenda o modo
transmitem os seus significados, não esquecendo como, por exemplo, discursos sobre a estrutura da
como esse processo se desenrola no contexto de sociedade ou a forma ideal de governo pode estar
culturas específicas. Existem diferentes aborda- descrita em edifícios de poder como a Assembleia
gens semióticas, sendo as mais populares as de- da República em Lisboa, ou como narrativas sobre
senvolvidas por Roland Barthes, Umberto Eco e a história de uma nação pode estar presente em
Charles Peirce (para uma explicação da importân- monumentos comemorativos como, por exemplo,
cia da semiologia para a geografia, ver Lagopou- o Padrão dos Descobrimentos em Lisboa.
los, 1993). A perspetiva iconográfica, por outro lado, de-
A perspetiva da paisagem-como-texto analisa a bruça-se sobre a paisagem como um modo de
paisagem como se fosse um documento escrito, ver ou de representar visualmente (Cosgrove e
olhando especialmente para o modo como a paisa- Jackson, 1987). A perspetiva iconográfica pro-
gem incorpora discursos e narrativas. Para Dun- blematiza igualmente a questão da representação.
can (1990), a paisagem deve ser entendida como Nesta abordagem, a paisagem como imagem não
um dispositivo comunicativo que codifica e trans- é uma janela transparente para ver a realidade,
mite informação. Desse modo, a paisagem tem im- mas antes um sistema de representação feito para
pacto no modo como uma cultura ou sociedade se parecer natural que incorpora símbolos que con-
organiza por transmitir ideias sobre a organiza- tém significados ou modos de ver o mundo. Esta
ção sócio-espacial. Neste âmbito, a interpretação perspetiva tem-se dividido em estudos sobre pai-
de paisagem recorre ao estudo da intertextuali- sagens históricas e paisagens contemporâneas,
dade para compreender como os discursos e as sendo que a principal diferença está na estabilida-
narrativas são inseridos ou se relacionam com a de do significado dos símbolos. Enquanto as pai-
paisagem (Duncan & Duncan, 1988). O estudo da sagens pré-modernas e modernas têm uma maior
intertextualidade refere-se ao modo como diferen- continuidade temporal do significado dos símbo-
tes textos se relacionam e como o significado de los, um maior enraizamento local desses símbolos
um texto geralmente só pode ser compreendido e um processo de transformação da paisagem mais
com o conhecimento prévio de outros textos. Por lento, as paisagens contemporâneas caracterizam-
exemplo, este livro sobre métodos qualitativos só -se pela multiplicidade, globalidade, e efemeridade
pode ser usado no máximo do seu potencial por dos seus símbolos, bem como pela coexistência de
quem já leu sobre os conceitos e áreas básicas da grupos que lutam pela transformação dessas re-
geografia. Se não fosse o caso, não se iria perce- presentações sociais espacializadas (Cosgrove &
ber o que eu escrevo quando me refiro a regiões, Daniels, 1988). Cosgrove (1984) destacou a rela-
lugares, ou geografia urbana. Por outro lado, os ção entre as representações (da pintura e fotogra-
métodos sobre os quais escrevo são descritos em fia) da paisagem e a transformação da própria pai-
maior pormenor nos textos que referencio. Então, sagem como a criação e manipulações de imagens
o texto deste livro relaciona-se com e é de certo poderosas com significados que, ao mesmo tempo,
modo expandido pelo texto desses livros e revis- mostram e impõem um certo tipo de organização
tas. Esta relação entre textos chama-se intertex- sócio-espacial.
tualidade e pode ser encontrada em todo o tipo de É evidente pelas datas das referências deste capí-
textos: na literatura, no jornalismo, nas leis, etc. tulo que a interpretação de paisagens teve o seu
Pode igualmente ser encontrada uma relação en- pico de popularidade nas duas últimas décadas
Recolha de Dados 49

do século XX. De facto, a transição da Geogra-


fia humana para abordagens mais performativas Para saber mais, consulta:
levou a um maior interesse em metodologias com • Cosgrove, D., & Daniels, S. (1988). The Iconography of
maior ação, como as etnografias em movimento, Landscape: Essays on the Symbolic Representation,
a investigação-ação, e o uso de tecnologias como Design, and Use of Past Environments. Cambridge:
Cambridge University Press.
o vídeo. No entanto, a interpretação de paisagens Esta obra seminal sobre a iconografia da paisagem
continua a ser aplicada por geógrafos, hoje em dia estabeleceu esta abordagem na geografia e influenciou
numa análise que não se restringe aos significados os vários estudos que até hoje têm utilizado a paisagem
como meio de interpretação da sociedade, cultura e
contidos na paisagem, mas ao modo como esses política.
significados influenciam a relação com e o uso da
paisagem pelas pessoas (Schlottmann, Graefe, & • Duncan, J. (1990). The City as Text. The Politics of
Landscape Interpretation in Kandyan Kingdom.
Korf, 2010). Por exemplo, Name e Freire-Medei- Cambridge: Cambridge University Press.
ros (2017) estudaram a introdução de teleféricos Esta obra contribuiu para a popularidade da interpre-
em paisagens de favelas na América Latina, mos- tação de paisagens ao apresentar a ideia da paisagem
como um texto legível.
trando como a introdução dessa tecnologia de
mobilidade não só transformou a paisagem das
favelas, mas também permitiu a criação de no-
vas imagens de pobreza que circulam para além
da favela. Costa (2008), por outro lado, salienta a
importância contínua dos símbolos na transmis-
são de memória histórica em contextos urbanos e
como esse processo participa na definição do que
é património cultural.

Neste momento, deves sentir-te capaz de:

• Proceder à observação da paisagem com o • Decidir que elementos da paisagem são


objetivo de a interpretar. fundamentais para compreender o seu
significado.
50 Manual de Métodos Qualitativos em Geografia

A entrevista

Objetivos de Aprendizagem

• Aprender as etapas sequenciais da • Compreender como a entrevista é utilizada


aplicação da entrevista como método em vários campos da geografia.
de recolha de dados.

• Perceber os fatores que podem afetar


a qualidade de uma entrevista.

A
entrevista faz parte do reportório básico No entanto, devido à popularidade deste méto-
dos geógrafos pelo menos desde fins do do, existe uma miríade de variações na aplicação
século XIX quando o trabalho de campo da entrevista, muitas das quais esbatem estas
é assumido como fundamental pela escola regio- fronteiras entre tipos de entrevista. A verdade é
nal francesa liderada por Paul Vidal de la Blache, que todas as entrevistas são de algum modo es-
embora neste momento o contacto verbal com truturadas pela maneira como o entrevistado as
população local fosse realizado de modo informal, decide abordar e, ao mesmo tempo, por muito
frequentemente apenas com guias informantes que o entrevistador tente estruturar a conversa,
que acompanhavam os geógrafos no trabalho de o entrevistado tem sempre alguma margem para
campo. À medida que, na primeira metade do sé- expressar o que pretende expressar (Hitchings
culo XX, a entrevista se tornou um método basi- & Latham, 2020). Por este motivo, vou-me aqui
lar nos primeiros manuais de pesquisa nas ciên- referir a entrevistas mais e menos estruturadas. A
cias sociais, os geógrafos começaram a assumir a condução de uma entrevista tem várias fases: re-
entrevista de um modo mais formal nas suas in- crutamento de participantes, preparação do guião,
vestigações. As primeiras reflexões consideráveis escolha do local da entrevista, realização da entre-
sobre a entrevista como método geográfico apa- vista, transcrição e análise de dados, e revisita ao
recem durante os anos 80 e 90 do século passado, entrevistado (Figura 3).
na sequência de uma maior atenção à linguagem
promovida pelos geógrafos humanistas (ver Tuan, O guião é algo particularmente importante na
1991). entrevista, embora não seja o único aspeto a ter
Tradicionalmente, os manuais de pesquisa quali- em conta na aplicação deste método. Um guião
tativa estabelecem uma divisão entre entrevistas oferece várias vantagens, mas o seu verdadeiro
estruturadas e semi-estruturadas. As primeiras valor está essencialmente em permitir uma análi-
são entrevistas mais rígidas, em que existe um se dos dados mais produtiva. O guião geralmente
conjunto específico de perguntas de resposta mais consiste numa lista de questões que tendem a ser
fechada. As segundas são entrevistas mais livres, colocadas sequencialmente aos entrevistados. É,
em que existe um guião com perguntas mais no entanto, útil que o guião comece com uma cur-
abertas e nas quais o entrevistado pode divagar. ta explicação do propósito do estudo e do tipo de
Recolha de Dados 51

Figura 3. As etapas da realização de uma entrevista.

Recrutamento de
participantes

Escolha Realização da Transcrição e Revisita ao


do local entrevista análise de dados entrevistado

Preparação
do guião

questões que serão colocadas. Isto permite que to- ção. As questões que compõem um guião menos
dos os participantes estejam igualmente informa- estruturado não têm que ser perguntas diretas.
dos sobre para que serve a entrevista. Na prática, Podem ser convites à reflexão sobre um tema, pe-
é na definição do guião que se decide se a entre- didos de descrições de lugares, ou pedidos para se
vista será mais ou menos estruturada, visto que o contar histórias ou eventos passados. No entanto,
guião irá condicionar o modo como a entrevista neste caso a conversa pode fugir aos temas mais
decorre, a informação que é recolhida e, portanto, relevantes, porque os entrevistados têm interesse
a análise dessa informação. Um guião mais estru- diferentes, e a comparabilidade dos dados pode ser
turado permite organizar uma conversa, manten- comprometida. Seja a entrevista mais ou menos
do o discurso do entrevistado nos tópicos de dis- estruturada, ela acontece sempre em tempo real
cussão que interessam ao investigador e garantido e o seu desenrolar é imprevisível. No decorrer de
que todos os tópicos de interesse são abordados. qualquer entrevista, será necessário tomar deci-
Por outro lado, uma entrevista mais estruturada sões imediatas em instantes, por exemplo, para
permite a comparabilidade dos dados das entre- aprofundar tópicos levantados pelo entrevistado
vistas. Num guião mais estruturado, as perguntas ou para manter a conversa nos tópicos de interes-
tendem a ser diretas e de resposta fechada, procu- se. Estas decisões irão sempre alterar o curso da
rando uma informação concreta e específica. Em entrevista, pelo que é conveniente haver alguma
contraste, um guião menos estruturado dá maior preparação prévia para a sua condução, ainda que
liberdade ao entrevistado para oferecer o seu tes- tendo em conta que qualquer conversa é sempre
temunho da forma que lhe é mais confortável, o incalculável. Numa entrevista, o mais importante
que tende a resultar em maior quantidade de in- é dar espaço ao entrevistado para falar, para ex-
formação e maior riqueza e detalhe dessa informa- primir tudo o que sente necessário. Frequente-
52 Manual de Métodos Qualitativos em Geografia

mente, em especial com população mais vulnerá- para uma investigação, hoje existe uma espécie de
vel, será uma das poucas vezes – ou a única – que retorno à ideia de que a entrevista se baseia numa
alguém lhes está a pedir a opinião sobre assuntos conversa. Para esta mudança tem contribuído a
que são de extrema importância para as suas vi- noção crescente de que o tipo de relações sociais
das. É importante, não só do ponto de vista da em que a entrevista assenta tem um efeito profun-
qualidade dos dados, mas por respeito pelos seres do no tipo de conhecimento que daí emerge. Em
humanos que encontramos, que lhes seja dado o particular, tem sido salientado que a entrevista
tempo e o espaço para falar, que a sua voz não seja estabelece uma relação de poder. O entrevistador
interrompida. é um académico, ou seja, alguém com educação
Seja o guião mais ou menos estruturado, é impor- superior que se coloca numa posição de produtor
tante ter a certeza que as perguntas não são am- de conhecimento, que tem no geral clara vanta-
bíguas, isto é, que não exista confusão sobre o que gem sobre o entrevistado, frequentemente alguém
se está a falar. É necessário evitar termos técnicos com menores qualificações e sem acesso aos meios
ou jargão académico que pode ser mal compreen- de comunicação da academia. Neste panorama,
dido pelos entrevistados. Conceitos geográficos o entrevistado pode apenas ter as suas palavras
como lugar, por exemplo, tem definições verna- avaliadas e interpretadas pelo académico, que é
culares próprias que são diferentes da maneira quem em última análise irá produzir e publicar o
como nós, geógrafos, as utilizamos. Por vezes, é conhecimento. É uma relação desigual, que pode
útil que exista uma explicação do significado de ser agravada quando outros tipos de desigual-
termos importantes para a entrevista que podem dades sociais se reproduzem na entrevista, como
ser entendidos de forma diferente pelos entrevis- diferenças de género, etnia, nacionalidade, idade,
tados. É igualmente importante que a formulação ou capacidade física ou intelectual. Por este moti-
das perguntas não guie os entrevistados para uma vo, o estatuto de observador neutro e objetivo do
resposta específica. Formulações como “não pensa entrevistador tem sido posto em causa, e é hoje
que…”, “preocupa-se com…”, “julga que é negati- considerado de riguer dar atenção ao tipo de rela-
vo que…”, “está descontente com…” são de evitar ções de poder que a entrevista pode estabelecer,
porque direcionam a resposta dos entrevistados. e procurar meios de empoderar os entrevistados
Este tipo de formulações deve ser substituído por face ao entrevistador. Esta é uma matéria contro-
modos mais abertos de solicitar resposta como “o versa, havendo quem defenda que o conhecimento
que pensa de…”, “qual é o seu sentimento acer- da entrevista não deve vir de um académico que
ca de…”, “como avalia…”. Por último, deve haver analisa um sujeito, mas diretamente do sujeito, e
cuidado para que as questões não sejam antagó- quem defenda que o conhecimento deve antes ser
nicas, isto é, não produzam tensão entre o entre- produto de um diálogo no qual tanto o entrevis-
vistado e o entrevistador. Isto não implica que tador como o entrevistado se fazem ouvir (Baxter
o entrevistado não possa ser confrontado com & Eyles, 1997).
opiniões diferentes das suas, mas o entrevistador Enquanto geógrafos, não podemos esquecer que
deve evitar assumir uma posição diretamente con- o lugar importa, mesmo quando se trata de uma
trária ao entrevistado, por várias razões. Não se conversa. Uma entrevista proveitosa só acontece
trata de uma questão de etiqueta; a questão é que quando o entrevistado está à vontade para falar
assumir uma posição antagónica pode levar o en- livremente e o lugar onde a entrevista acontece
trevistado a assumir uma posição defensiva, o que é de extrema importância para tal (Veeck, 2020).
é uma maneira de guiar as suas respostas. Neste sentido, é sempre melhor deixar o entrevis-
Se as primeiras definições de entrevista a afasta- tado escolher o local e a hora em que prefere falar
vam da ideia de conversa e a posicionavam como em vez de convocar pessoas a uma hora específica
um método científico e objetivo de recolher dados num local específico. Tendencialmente, um entre-
Recolha de Dados 53

vistado irá preferir ser entrevistado na sua comu- considerada como fundamental para uma análise
nidade em vez de o ser, por exemplo, num campus mais cuidadosa do discurso dos entrevistados. No
universitário que desconhece. Esta questão do lu- entanto, a importância do escutar nas entrevistas
gar vai para além da localização espácio-temporal; tem sido sublinhada por alguns geógrafos que
ela implica também seguir o ritmo e práticas que têm notado que existe informação afetiva e emo-
os entrevistados preferem. Criar empatia com o cional codificada nas inflexões vocais dos entre-
entrevistado implica estar sintonizado com o seu vistados que se perde ao se transcrever a fala para
ritmo. Um empresário poderá preferir uma entre- escrita, e que pode ser importante para perceber a
vista à hora de almoço. Outros num café ou em importância do conteúdo dessa fala. A transcrição
sua casa ao fim do dia. Estas preferências podem é um trabalho intenso que consome várias horas e,
ser inconvenientes para o investigador, mas adap- por isso, deve ser tida em conta na calendarização
tar-se a elas poderá não só trazer o benefício de das tarefas. Para referência, cada hora de entrevis-
uma entrevista com melhor informação, mas tam- ta tende a demorar quatro horas a transcrever por
bém ter acesso a um momento do dia a dia do en- alguém com experiência na transcrição de áudio.
trevistado. Caso a entrevista ocorra em lugares ou Neste caso, a transcrição de um conjunto de vinte
comunidades que o investigador não conhece bem, entrevistas com uma hora cada demorará cerca de
é aconselhável procurar um intermediário que nos oitenta horas: duas semanas de trabalho. E irá de-
possa apresentar algumas pessoas e indicar-nos os morar mais no caso de uma pessoa iniciante.
melhores lugares para se conversar. A interpretação dos dados não tem de ser res-
Como em qualquer outro método, é conveniente ponsabilidade exclusiva do investigador. De facto,
realizar algumas entrevistas experimentais antes uma análise unilateral das palavras dos entrevis-
de se considerar o guião e outros detalhes finais. tados pode facilmente potenciar uma interpreta-
Se tudo correr bem nas entrevistas experimentais, ção errónea ou parcial. Para impedir isto, é útil
não há razão para não as incluir no conjunto final realizar-se revisitas aos entrevistados depois da
de entrevistas. No entanto, podem surgir impre- análise dos dados. Embora esta prática não seja
vistos que obrigam a uma reformulação do méto- generalizada, ela aumenta consideravelmente a
do. Por exemplo, se todos os entrevistados estão fiabilidade da interpretação e é mais um passo
a fugir a algumas questões e desenvolver outros para permitir que o conhecimento gerado seja co-
tópicos, é possível que as questões estejam mal -criado. As revisitas aos entrevistados podem ser
formuladas, ou que o tópico de importância para realizadas para verificar as conclusões que o in-
investigador naquele lugar não esteja a ser devi- vestigador retira dos dados, permitindo assim que
damente considerado. os entrevistados confirmem que as suas palavras
Depois de realizadas as entrevistas, é necessário não estão deturpadas, ou para expandir a entre-
pensar em como se irá preparar os dados para vista, por exemplo, colocando questões que não
análise. As entrevistas são frequentemente grava- estavam no guião mas que foram levantadas num
das em formato áudio. Nos raros casos em que tal número significativo de entrevistas. Deste modo,
não é possível, o entrevistador pode tomar notas a revisita é um momento fundamental para o in-
durante a entrevista – o que é bastante difícil – vestigador perceber o que há de mais e de menos
ou escrever sobre a entrevista assim que possível importante nas suas conclusões para quem vive a
após a realização da mesma, o que implica sempre realidade dos lugares estudados (Baxter & Eyles,
perder dados devido à dependência da memória. 1997).
Assim, é preciso considerar a viabilidade das en- Embora a entrevista tenha um processo geral co-
trevistas quando existem muitos casos em que os mum, alguns geógrafos têm desenvolvido entre-
entrevistados não autorizam a gravação áudio. A vistas específicas para o seu campo de pesquisa.
transcrição da entrevista para texto é amplamente Na geografia económica, a entrevista corporativa
54 Manual de Métodos Qualitativos em Geografia

tem sido explorada como alternativa aos questio- pessoas sem problemas de saúde por vezes tomam
nários quantitativos que têm a limitação de ofere- por garantidas.
cer muitos dados que podem ser correlacionados, Na própria pedagogia geográfica, a entrevista
mas poucas pistas sobre causalidade. A entrevista pode ser um método importante de aprendiza-
corporativa procura então compreender o com- gem. Pandit e Alderman (2004) desenvolveram
portamento de uma empresa à luz da sua histó- a entrevista ao estudante internacional como um
ria e contexto financeiro e económico, e das suas método para os alunos adquirirem conhecimento
estratégias em relação ao mercado, tecnologias, sobre compreensão intercultural. Este método
localização, e relações de trabalho. Assim, a en- consiste em um estudante de um determinado país
trevista corporativa difere da entrevista tradicio- entrevistar um estudante estrangeiro a residir no
nal no sentido em que o sujeito de estudo é uma mesmo país. O processo desta entrevista contém
empresa e não uma pessoa, ainda que efetivamen- quatro passos. Primeiro, o estudante é convidado
te seja uma pessoa da empresa a ser entrevista- a encontrar um estudante internacional e obter a
da. Neste sentido, é particularmente importante sua permissão para ser entrevistado. Depois dis-
perceber quem é a pessoa mais indicada para ser to, o estudante pesquisa sobre o país e cultura de
entrevistada em representação da empresa. É de origem do entrevistado para se preparar para a
notar que, tal como nas entrevistas tradicionais, entrevista. O terceiro passo é realizar a própria
as empresas entrevistadas também tendem a ser entrevista, para finalmente analisar a entrevistar
anonimizadas. Para Schoenberger (1991), o mé- e escrever um relatório sobre as conclusões al-
rito da entrevista corporativa está em apresentar cançadas. Para os autores, este processo contribui
os racionais dos agentes económicos e situá-los para desenvolver um entendimento intercultural
nos processos complexos e nas redes de relações porque cria um diálogo entre estudantes de di-
internas e externas em que eles operam. Deste ferentes origens e promove a auto-reflexividade.
modo, os dados da entrevista corporativa ofere- O propósito final deste método não é exatamente
cem informação relevante para perceber a com- que o estudante de origem aprenda sobre a cul-
plexidade geográfica, histórica, e institucional dos tura do estudante internacional, mas que ganhe
processos económicos, especialmente em períodos consciência acerca dos processos de relações in-
de grandes mudanças económicas e sociais em que terculturais e como a sua própria cultura molda o
as prioridades dos agentes são reformuladas. seu olhar e enquadra o modo como estes proces-
Na geografia da saúde, a entrevista mais ou me- sos se desenrolam.
nos estruturada tem sido criticada como um A entrevista tem sido cada vez mais usada em
método demasiado rígido para ser aplicada com combinação com outros métodos qualitativos, por
pacientes com vulnerabilidades causadas por pro- vezes até ao mesmo tempo, ou seja, entrevistan-
blemas de saúde, em particular quando se trata de do pessoas enquanto se faz outra coisa que pode
questões de saúde mental. Parr (1998) argumen- também ser entendida como método, por exemplo,
ta que a entrevista neste contexto deve ter um numa etnografia (Hitchings, 2012). Mais frequen-
formato mais flexível que não procure classificar temente, a entrevista mais ou menos estruturada
os entrevistados ou as suas respostas, e que te- é usada em combinação com meios mais partici-
nha abertura para os entrevistados negociarem as pativos de recolha de informação como diários ou
suas condições. Isto engloba considerar as subje- investigação-ação, com métodos tecnológicos de
tividades dos pacientes como válidas, ainda que recolha de informação como fotografia, ou com
contextualizando-as nas relações sócio-espaciais métodos de pesquisa documental no caso de in-
em que emergem, o que por sua vez implica estar vestigação geo-histórica (Dowling, Lloyd, & Su-
aberto a entendimentos diferentes, divergentes, chet-Pearson, 2016). Estas combinações têm sido
e pouco familiares de experiências espaciais que desenvolvidas para combater a principal limitação
Recolha de Dados 55

da entrevista como método geográfico, que é a


sua dependência da memória de entrevistados e Para saber mais, consulta:
das suas perspetivas localizadas. No entanto, em • Dowling, R., Lloyd, K., & Suchet-Pearson, S. (2016).
combinação com outros métodos, a entrevista é Qualitative methods I. Progress in Human Geography,
um método de excelência para aceder a informa- 40 (5), 679–686.
Este relatório de progresso faz o estado da arte das
ção sobre os lugares e as suas histórias, e sobre principais inovações que têm sido desenvolvidas em
como as pessoas os veem, experienciam e dão sig- entrevistas no âmbito da geografia.
nificado.
• Hitchings, R., & Latham, A. (2020). Qualitative methods I:
On current conventions in interview research. Progress
in Human Geography, 44 (2), 389-398.
Este relatório de progresso recente reflete sobre as
convenções do método da entrevista na geografia.

Neste momento, deves sentir-te capaz de:

• Planear a realização de entrevistas com • Ter atenção às relações de poder que


uma amostra de participantes. a tua entrevista pode instaurar.

• Escrever um guião de entrevista e


conduzi-la num local onde o entrevistado
se sinta confortável.
56 Manual de Métodos Qualitativos em Geografia

A entrevista andante

Objetivos de Aprendizagem

• Compreender o valor de entrevistar pessoas • Saber adaptar a entrevista tradicional aos


em mobilidade e em ambientes familiares. contextos de mobilidade contemporâneos.

A
entrevista andante foi desenvolvida a aproximar de uma realidade cada vez mais veloz
pensar em ultrapassar algumas das li- e ambulante e, por outro lado, em dar atenção ao
mitações das entrevistas estruturadas e modo como o espaço é experienciado na prática,
semi-estruturadas. Primeiro, a entrevista andante dando relevo à sua performatividade e afetividade.
elimina a dependência da memória do entrevista- De facto, a entrevista andante foi inicialmente de-
do que se verifica em entrevistas tradicionais, uma senvolvida em estudos sobre o lugar por geógrafos
dependência o que é problemática porque pode ser que pretendiam expandir o conhecimento sobre
incompleta ou seletiva. Em segundo lugar, enquan- a ligação pessoal e coletiva aos lugares para além
to a entrevista tradicional amplifica as represen- das representações e emoções que as pessoas de-
tações (no sentido de ideias feitas) dos lugares em senvolvem sobre os lugares. Isto é, importava não
detrimento das experiências situadas, a entrevista só compreender que representações e emoções as
andante permite-nos falar sobre um lugar à medida pessoas associavam aos lugares, mas como é que
que o experienciamos, dirigindo o foco da conversa essas representações e emoções eram criadas em
para o uso prático e a experiência imediata dos lu- experiências específicas, e que práticas compunham
gares. Em terceiro lugar, a entrevista andante per- essas experiências espaciais. Não obstante, a liga-
mite reformular as dinâmicas de poder que podem ção entre discurso e local que a entrevista andante
afetar a entrevista tradicional. Isto porque entrevis- proporciona torna este método útil para qualquer
tar pessoas em locais que são estranhos para elas estudo espacial (Jones et al., 2008). A entrevista an-
– como uma sala que desconhecem – pode ser inti- dante tem também sido aplicada em estudos sobre
midante e isso pode ter um efeito repressor nas suas diversidade. Por exemplo, Warren (2017) realizou
respostas. A entrevista andante, quando é realizada entrevistas andantes com mulheres muçulmanas
num percurso escolhido ou conhecido pelo entre- em Birmingham no Reino Unido para desvendar
vistado, permite-lhe assumir uma posição emanci- como as diferenças sociais em termos de religião,
padora de segurança e controlo, dando-lhe maior etnia e género influenciam o modo como os indiví-
liberdade para se exprimir (Jones et al., 2008). duos se movem pela cidade. Neste caso, a entrevista
A entrevista andante emergiu neste século na se- andante providencia informação espacial específica
quência do interesse geral da geografia em, por um que salienta as diferenças nas práticas de mobili-
lado, tornar os seus métodos mais móveis para os dade e as suas trajetórias, ao mesmo tempo que a
Recolha de Dados 57

informação da entrevista identifica as causas que


explicam essas diferenças. Para saber mais, consulta:
A entrevista andante consiste na prática de conver- • Evans, J., & Jones, P. (2011). The walking interview:
sar enquanto se anda (Anderson, 2004). De modo Methodology, mobility and place. Applied Geography,
simples, a entrevista andante é uma entrevista re- 31 (2), 849–858.
Este artigo apresenta a metodologia da entrevista
alizada enquanto se percorre um percurso espacial andante em detalhe, incluindo a aplicação de um estudo
– não necessariamente a pé –, o qual é o próprio de caso que usa sistemas de informação geográfica para
objeto da entrevista. Ou seja, na entrevista andan- o tratamento da informação.

te, o trajeto é tão importante como o guião, sendo


possível que este substitua o guião inteiramente falas e combiná-las com outros dados recolhidos
em alguns casos (Evans & Jones, 2011). Existem no trajeto (Evans & Jones, 2011). Deste modo, é
várias abordagens à definição do trajeto, desde es- possível uma análise mais contextualizada em ter-
tudos em que geógrafos apenas passeiam livremen- mos espaciais e um maior entrosamento dos dados
te e conversam com participantes a entrevistas em qualitativos com informação acerca de variáveis
trajetos relativamente rígidos pré-definidos pelo ambientais.
investigador. Antes da realização da entrevista, Apesar de ultrapassar algumas limitações da entre-
é importante decidir se será o investigador ou o vista tradicional, a entrevista andante tem as suas
participante a escolher o trajeto. Se o investigador próprias barreiras. Nomeadamente, ela é limitada
procura opiniões ou informações sobre locais, edifí- pela capacidade dos entrevistados em andar. Com
cios ou marcos específicos, um trajeto pré-definido isto em mente, Parent (2016) adaptou este méto-
pelo investigador é preferível. Caso seja mais im- do para pessoas com dificuldades de locomoção e
portante a perceção subjetiva do participante acer- discute algumas estratégias para ultrapassar essas
ca de um determinado local, será aconselhável ser limitações. A entrevista andante é igualmente limi-
o participante a escolher o trajeto. Ambas as abor- tada pela possibilidade de enquadrar determinadas
dagens têm os seus revezes: se na primeira o entre- questões em certos espaços. Por exemplo, a entre-
vistado pode ficar desconfortável por estar fora do vista andante pode não ser útil em tópicos de inves-
seu ambiente, na segunda opção é mais difícil con- tigação ligados a eventos temporários, acontecimen-
trolar a informação espacial recolhida e garantir a tos passados, ou realizadas em lugares perigosos ou
sua comparabilidade. inacessíveis. Em acréscimo, a entrevista andante é
Existem também diferentes abordagens à utili- frequentemente mais longa e fisicamente exigente
zação dos dados obtidos na entrevista andante. É que uma entrevista tradicional, o que pode difi-
mais frequente o estudo restringir-se ao mesmo cultar o recrutamento de participantes. É preciso
tipo de análise discursiva ou hermenêutica da fala também ter em conta como as condições ambientais
do entrevistado que é realizada numa entrevista como a poluição, o calor, ou o ruído podem afetar a
tradicional, mas alguns estudos usaram sistemas condição física do participante e, consequentemente,
de informação geográfica para espacializarem essas a qualidade da entrevista (Evans & Jones, 2011).

Neste momento, deves sentir-te capaz de:

• Adaptar a tua entrevista a um contexto • Escolher a melhor maneira de definir


de mobilidade. o trajeto da entrevista.
58 Manual de Métodos Qualitativos em Geografia

Entrevistas com elicitação de materiais

Objetivos de Aprendizagem

• Compreender o valor de usar materiais de • Conhecer alguns dos tipos de materiais que
investigação em entrevistas para permitir têm sido elicitados por geógrafos
conversas mais aprofundadas sobre temas em entrevistas.
geográficos.

O
s geógrafos têm-se dedicado a explorar riais podem ser o único gatilho para a conversa, ou
novas maneiras de empoderar os partici- o investigador pode também definir um pequeno
pantes nas suas entrevistas, conferindo- guião que dirija a conversa para um tópico especí-
-lhes mais poder para se exprimirem e intervirem fico. O processo de tratamento e análise dos dados
nas questões que a investigação coloca, nos dados de entrevistas com elicitação é semelhante ao da
que recolhe, e na maneira como a análise é reali- entrevista tradicional. No entanto, no caso de ter
zada. A entrevista com elicitação de materiais tem sido o participante a recolher materiais do seu dia
sido um método frequentemente usado para alcan- a dia, é possível que isto gere problemas acrescidos
çar estes objetivos. De um modo simples, a entre- de anonimato ou de resultados de investigação in-
vista com elicitação de materiais é uma entrevista cidentais, o que deve ser acautelado no processo de
que, em vez de ser conduzida exclusivamente por análise de dados.
um investigador que coloca questões nas quais Para além da colaboração na construção do conhe-
pensou anteriormente, consiste num diálogo sobre cimento geográfico que este método permite, a en-
determinados materiais que representam espaços, trevista com elicitação tem também sido valorizada
lugares ou paisagens. O processo da entrevista pelos geógrafos para induzir reflexão nos partici-
é simples. O investigador apresenta materiais de pantes. Para Bigando (2013), a elicitação leva os
investigação – como fotografias, vídeo, gravações participantes a usar a sua sensibilidade para refletir
sonoras, mapas ou desenhos – e pede ao entrevis- sobre a paisagem do seu dia a dia, um aspeto das
tado que os descreva e comente. Estes materiais suas vidas que frequentemente não é notado, sen-
podem ter sido recolhidos previamente pelo inves- do uma espécie de plano de fundo da sua existên-
tigador, ou este pode ter pedido antes ao partici- cia quotidiana. A elicitação reconfigura a relação
pante que recolhesse materiais para a entrevista. com o espaço porque destaca certos elementos da
Neste segundo caso, o participante tem uma liber- paisagem, quer através da imagem, do som, ou até
dade maior para exprimir a sua visão do mundo, de representações figurativas. À medida que a ou o
mas pode ser mais difícil dirigir a entrevista para participante tentar tornar o material inteligível, ela
os tópicos de interesse do investigador. Não obs- ou ele tem uma nova possibilidade de reconhecer,
tante, isto também pode ser um modo generativo recordar, ou repensar a experiência espacial (Bigan-
de co-criar questões de investigação com os parti- do, 2013). Para além disto, a elicitação de materiais
cipantes. Os materiais elicitados podem ser todos pode ser útil para quebrar o gelo quando se entre-
apresentados de uma vez e o participante escolhe vista participantes com o qual não existe contato
quais comentar, ou podem ser apresentados em prévio. A identificação de imagens conhecidas pode
sequência, como um guião de entrevista. Os mate- ser um modo de aceder aos significados que os par-
Recolha de Dados 59

ticipantes atribuem a espaços sem ter que colocar


perguntas intrusivas (Bignante, 2010). Para saber mais, consulta:
Devido à necessidade de recolha prévia de mate- • Bignante, E. (2010). The use of photo-elicitation in field
riais a serem elicitados, a entrevista com elicitação research. Exploring Maasai representations and use of
é invariavelmente realizada na sequência de outros natural resources. EchoGéo, 11. https://doi.org/10.4000/
echogeo.11622
métodos geográficos. Deixo aqui três exemplos de A autora apresenta a história da elicitação de materiais
aplicação prática da entrevista com elicitação em como método de investigação e discute o seu valor,
que isto acontece. apresentando uma aplicação prática do método com
uma comunidade indígena.
Estevens (2015) realizou entrevistas com recurso a
elicitação de fotografias num estudo sobre o papel mo-elétrica). Depois deste estudo, os autores rea-
dos artistas e dos eventos artísticos nos conflitos lizaram entrevistas com os participantes no qual
urbanos no bairro do Raval em Barcelona e no bair- o vídeo do percurso foi elicitado para discutir em
ro da Mouraria em Lisboa. Estevens recolheu fo- detalhe a relação entre o espaço urbano, a prática
tografias em caminhadas realizadas nos bairros no física, e o bem-estar psicológico e emocional do par-
âmbito de uma metodologia de observação direta e ticipante. Com esta informação, Jones et al. (2016)
participante, e posteriormente usou-as em entrevis- criaram um relatório com recomendações para de-
tas a agentes-chave desses bairros. Estevens optou senhar espaços urbanos preparados para promover
pela associação de um guião de entrevista semi-es- o uso da bicicleta por idosos de forma segura.
truturada à entrevista de elicitação de fotografias, Duffy e Waitt (2013) estudaram as práticas de cui-
permitindo ligar a conversa sobre as fotografias aos dar de casas e a sua sustentabilidade com recurso
tópicos centrais da sua pesquisa, mas deixando ao a entrevistas com elicitação de som. Após pedirem
entrevistado a liberdade para levar o discurso por a um número de participantes na investigação para
outros caminhos. Deste modo, a elicitação de foto- realizarem diários sonoros nas suas habitações, Du-
grafias permitiu ligar a informação discursiva sobre ffy e Waitt entrevistaram os participantes usando
as transformações dos bairros e os seus conflitos, e a reprodução dos sons gravados para guiar a con-
o papel das artes nesses conflitos, a espaços e mate- versa. Deste modo, os participantes puderam apre-
riais concretos desses bairros. sentar as suas práticas íntimas realizadas no seu lar
Jones et al. (2016) realizaram entrevistas com elici- sem se exporem em demasia, e os investigadores
tação de vídeo num estudo sobre uso de bicicletas tiveram a oportunidade de colocar questões sobre
no espaço urbano por parte de idosos. As entrevis- práticas específicas e como elas são enquadradas pe-
tas foram realizadas após um estudo móvel no qual las ideias sobre sustentabilidade dos participantes.
os participantes do estudo percorriam a cidade em Enquanto numa entrevista tradicional o diálogo so-
bicicleta, sendo esse percurso registado em vídeo, bre a sustentabilidade das práticas dos participan-
com GPS, e com um sensor da resposta galvânica tes corria o risco de se manter num plano abstrato,
da pele (isto é, um bio-sensor que mede a excita- a entrevista com elicitação permitiu relacionar as
ção emocional através dos níveis de atividade der- ideias abstratas com práticas concretas.

Neste momento, deves sentir-te capaz de:

• Definir que materiais de investigação • Compreender como materiais de


podem ser elicitados na tua entrevista para investigação podem ser recolhidos para
salientar a dimensão geográfica durante a elicitação em entrevistas e como podem ser
conversa. integrados na entrevista.
60 Manual de Métodos Qualitativos em Geografia

Entrevistas de história de vida

Objetivos de Aprendizagem

• Compreender como histórias de vida • Identificar as dificuldades e as limitações


podem gerar informação geográfica valiosa. que a entrevista de história de vida acarreta.

• Conhecer as etapas que constituem


a realização de uma entrevista de história
de vida.

E
m termos simples, a entrevista de história mente ligado ao seu potencial de enquadrar histórias
de vida é uma entrevista aberta em que o pessoais em redes de relações sócio-espaciais interli-
entrevistado é convidado a narrar cronolo- gadas e enquadradas em estruturas sociais, políticas
gicamente os eventos da sua vida. Este método foi e espaciais. A história de vida oferece profundidade
desenvolvido por psicólogos interessados em apro- ao permitir explorar intensamente um caso concre-
fundar as histórias pessoais como um meio de inves- to, mas também detalhe ao permitir comparar como
tigar o desenvolvimento de personalidades, e por an- diferentes vidas se intersectam com um lugar, ou
tropólogos como um meio de conhecer as histórias com um período de transformação geográfica. Este
pessoais e coletivas de membros de comunidades método tem sido particularmente fulcral para obter
em estudo. Ao longo do tempo, o método foi tam- informação sobre grupos sociais mais vulneráveis,
bém utilizado por historiadores para reconstruir ou marginalizados ou remotos (Dutta, 2016). Apesar de
complementar narrativas históricas sobre lugares ou a entrevista de história de vida ser um método aber-
temas com pouca informação documental, e por so- to e flexível centrado nas palavras do entrevistado,
ciólogos que viram neste método um meio de com- ela implica ainda assim vários cuidados processuais
preender como mudanças estruturais na sociedade para garantir que a informação recolhida é útil para
afetam a vivência quotidiana de pessoas e comuni- os propósitos concretos de uma investigação. Assim,
dades. Durante os anos 80 e 90 do século passado, há alguns passos que importa acertar, nomeadamen-
também os geógrafos começaram a olhar para este te em relação à preparação e à condução da entrevis-
método com interesse (Miles & Crush, 1993). Este ta, e à análise dos dados (ver Figura 4).
interesse estava inicialmente ligado com o facto de A entrevista de história de vida não implica a cria-
a entrevista de história de vida estar tão centrada ção de um guião estruturado de questões, mas a
na experiência individual de uma pessoa, e por esse preparação da entrevista é ainda assim um passo
motivo, dar tanto destaque às palavras dessa pessoa. fundamental. Por ser uma entrevista particular-
Na entrevista de história de vida, não é o geógrafo mente pessoal, o entrevistador deve ter alguma con-
que estrutura a conversa e os seus temas através das fiança previamente estabelecida com o entrevistado
suas perguntas, é o entrevistado que tem a liberdade e algum conhecimento sobre a sua comunidade ou
de se expressar e narrar a sua própria história. É cultura. Por este motivo, é comum a entrevista de
do seu lado que está o poder, o protagonismo é seu. história de vida acontecer depois de um período de
Desde então, a entrevista de história de vida tem sido investigação etnográfica durante o qual se identifi-
aplicada com diferentes propósitos, mas frequente- ca pessoas-chave a entrevistar e se estabelece uma
Recolha de Dados 61

Figura 4. Os passos de uma entrevista de história de vida.

Começar com uma


pergunta simples Diálogo interativo
como “onde nasceu?” no qual a história
Confiança
ou “qual é a sua pessoal e particular
pré-estabelecida
primeira memória?” de uma pessoa
com o entrevistado
Explicação da é enquadrada
Guia da conversa que e relacionada
entrevista se pretende Em alternativa, com informação
Conhecimento pode-se pedir ao
ter com o geográfica e
sobre a sua entrevistado que
entrevistado histórica mais
comunidade descreva a sua
ou cultura abrangente
brevemente em
“capítulos”, para
depois se aprofundar
cada capítulo
individualmente

relação com elas (Miles & Crush, 1993). Devido à & Crush, 1993). É mais útil não esperar pelo mo-
duração da entrevista e à quantidade de dados reco- mento de análise de dados para fazer esta relação: se
lhida, é difícil realizar um grande número de entre- for possível explorar os temas mais relevantes para
vistas de história de vida, o que torna a seleção de a investigação, colocando questões adicionais sobre
participantes especialmente importante. Em acrés- tópicos específicos levantados pelos entrevistados
cimo, a preparação da entrevista deve ter em conta sem os interromper, mais profunda e concreta será
como ela pode ser conduzida de forma a que a histó- a informação recolhida. É aconselhável ter pergun-
ria particular de uma pessoa contenha informações tas preparadas para desenvolver certos tópicos, mas
relevantes para as questões de investigação. Num também ter cuidado para que estas não cortem a
estudo geográfico, importa ter em conta a relação do narrativa do entrevistado. A condução de uma entre-
entrevistado com os lugares, modos de mobilidade, vista desta envergadura implica paciência, empatia e
tipos de habitação, ou períodos históricos relevantes atenção para compreender o ritmo do entrevistado
para o estudo. e saber quando o abrandar para explicar algo mais
A condução da entrevista em si deve dar o prota- a fundo, ou quando saltar para a frente no tempo.
gonismo à narrativa do entrevistado (Yoshida, Nenhuma pessoa teve uma vida sem momentos difí-
2016). É adequado começar com uma explicação da ceis, portanto é normal que alguns períodos da vida
conversa que se pretende ter com o entrevistado, ou tópicos sejam demasiado emocionais, pessoais e
quanto tempo é expectável que demore, e o objeti- difíceis para serem discutidos. É preciso ter tato para
vo do estudo do qual a entrevista faz parte. Depois perceber quando se deve dar tempo aos participan-
disto, uma pergunta simples como “onde nasceu?” tes ou quando é melhor mudar de tópico. Por outro
ou “qual é a sua primeira memória?” dá início à con- lado, a entrevista de história de vida pode ser longa
versa. Em alternativa, pode-se pedir ao entrevistado demais para um participante com menos tempo ou
que descreva a sua vida brevemente em ‘capítulos’, força. Neste caso, deve-lhe ser dada a opção de fazer
para depois se aprofundar cada capítulo individual- pausas, ou interromper e continuar noutro dia. Isto é
mente. Na condução da entrevista em si importa ter normal, por vezes há entrevistas de histórias de vida
em conta que, ainda que o método implique que a que demoram dias a concluir. Uma entrevista de his-
narrativa do entrevistado seja dominante, o entre- tória de vida com sucesso permite ao entrevistado
vistador não deve passar a ter um papel passivo. A não só narrar descritivamente a sua história, mas
história de vida deve ser entendida como um diálogo também exprimir a sua relação emocional com ela
interativo no qual a história pessoal e particular de e refletir conscientemente sobre ela (Dutta, 2016).
uma pessoa é enquadrada e relacionada com infor- A entrevista de história de vida não precisa de es-
mação geográfica e histórica mais abrangente (Miles tar restrita ao passado do participante: podem ser
62 Manual de Métodos Qualitativos em Geografia

incluídas perguntas sobre os planos para o futuro. riavelmente ter de implicar uma redução do número
Também não tem de se focar na vida inteira do par- de participantes pelos limites de tempo que qualquer
ticipante. Pode estar centrada numa parte específica, investigação tem. Por outro lado, a entrevista de his-
como a vida adulta, ou o período em que morou num tória de vida ancora-se inteiramente no discurso
determinado lugar. dos entrevistados. Apesar deste método ter o aspeto
A análise de uma entrevista de história de vida tem positivo de dar voz aos participantes, esta voz pode
particularidades próprias porque dela resulta uma estar enviesada pela memória, ideais, preconceitos,
grande quantidade de informação pessoal. Na sua etc., dos participantes. Deste modo, a informação re-
análise, quando não se trata de um estudo biográ- colhida não deve ser tratada como uma fonte neutra
fico, importa primeiramente contextualizar essa in- de dados sobre acontecimentos ou lugares reais. Pelo
formação. Ou seja, é preciso perceber como ela se contrário, ela é uma representação da realidade, uma
enquadra nos principais períodos históricos, como se estória pessoal no qual realidade e ideais se mistu-
intersecta com os grandes momentos de mudança ram (Miles & Crush, 1993).
sócio-política, e como ela deambula espacialmente. Têm sido publicados vários estudos em vários sub-
A análise de uma entrevista de história de vida é campos da geografia humana que incorporam a en-
mais útil quando é estabelecida esta relação entre o trevista de história de vida como método central.
nível micro da vida de uma pessoa e o nível macro Por exemplo, Robson (2000) explorou as histórias
da sociedade e do território. No entanto, dado o ma- de vida de mulheres da comunidade rural Hausa
nancial de informação individualizada, é comum ser na Nigéria para mostrar como as relações e hierar-
difícil estabelecer relações causais diretas entre duas quias de género nesta sociedade estão associadas a
variáveis. As histórias pessoais de vida são sempre identidades e práticas espacialmente segregadas.
um encontro complexo de diferentes espaços, es- Por outro lado, Jackson (2010) realizou entrevistas
truturas sociais, memórias e significados coletivos, de história de vida com empresários da indústria da
políticas e – acima de tudo – as respostas individuais alimentação para perceber as suas estratégias para
que as pessoas dão a todas essas circunstâncias que lidar com a ansiedade dos consumidores relativa-
moldam as suas vidas. De facto, as histórias pessoais mente à segurança alimentar.
salientam esta complexidade, e a individualidade e
autonomia das pessoas (Yoshida, 2016). Para saber mais, consulta:
Se a entrevista de história de vida tem um grande
• Miles, M., & Crush, J. (1993). Personal Narratives as
potencial, também tem óbvias limitações. A primeira
Interactive Texts: Collecting and Interpreting Migrant
delas é o facto de consumir uma grande quantida- Life-Histories. The Professional Geographer, 45 (1),
de de tempo em todas as suas fases: na identificação 84–94.
Este artigo discute o valor das narrativas pessoais para
de entrevistados, na entrevista, na transcrição e na
a geografia, usando exemplo do campo da geografia
interpretação de dados. A assinalável quantidade de das migrações para ilustrar possíveis aplicações deste
informação que cada entrevista oferece acaba inva- método.

Neste momento, deves sentir-te capaz de:

• Decidir quando a entrevista de história de • Preparar cuidadosamente a realização de


vida pode ser estratégica para compreender uma entrevista de história de vida.
a dimensão geográfica de um período ou
evento histórico.
Recolha de Dados 63

Grupos focais

Objetivos de Aprendizagem

• Aprender as etapas sequenciais da • Saber quando o grupo focal pode ser


aplicação de um grupo focal como método estratégico para compreender uma
de recolha de dados. comunidade.

• Identificar as dificuldades e as limitações


que o grupo focal acarreta.

A
metodologia dos grupos focais baseia-se determinar a diversidade e as nuances das perce-
na realização de uma ou mais entrevis- ções sobre os lugares (Breen, 2006). Uma caracte-
tas a um ou vários coletivos de pessoas. rística importante dos grupos focais que também
Esta metodologia foi inicialmente desenvolvida no tem sido salientada por geógrafos é a sua capaci-
âmbito de investigação em marketing. O seu pro- dade de criar ou dar voz a comunidades. Enquanto
pósito era obter rapidamente uma visão da opinião na entrevista, os participantes estão isolados pe-
pública sobre um produto a partir de um grupo rante o investigador, no grupo focal a sua co-pre-
considerado representativo da população geral, sença pode conferir-lhes maior confiança e poder e
evitando-se assim despender tempo na realização isso pode ser positivo (Skop, 2006).
e tratamento de várias entrevistas. Hoje, a ideia de Tal como a entrevista, a preparação de um gru-
que um pequeno grupo com um ou duas dezenas po focal consiste em várias fases: recrutamento de
de pessoas possa representar uma população de participantes, preparação do guião, escolha do lo-
milhões soa caricata, especialmente porque existe cal da entrevista, realização da entrevista, e trans-
hoje uma maior consciência da diversidade social crição e análise de dados (Figura 5). Frequente-
e cultural e da necessidade de inclusão dos dife- mente, existe mais que uma fase de entrevistas. O
rentes grupos sociais e das suas intersecções. No faseamento das entrevistas pode ter o intuito de
entanto, os grupos focais tornaram-se, entretanto, subdividir o grupo focal em temas mais específi-
um método bastante popular nas ciências sociais cos, ou de confirmar as conclusões das entrevistas
não pela sua capacidade de representar, mas pela anteriores após o tratamento da informação, per-
possibilidade que oferece aos investigadores de ob- mitindo assim validar e aprofundar as conclusões.
servar dinâmicas de interação entre os participan- A preparação do guião de um grupo focal não con-
tes. Ao contrário da entrevista, em que o discurso siste apenas numa sequência de questões como é
do entrevistado geralmente não tem contraditó- comum na entrevista. Primeiramente, o guião deve
rio, o grupo focal cria um ambiente de diálogo em incluir uma pequena explicação inicial do estudo
que a fala de um participante pode ser confirma- e dos tópicos que serão abordados. Pode também
da, contestada, complementada ou clarificada por prever um momento inicial para os participantes
outros participantes. Assim, para os geógrafos, o se apresentarem uns aos outros, de modo a criar-se
grupo focal é particularmente importante para se à vontade no grupo. O guião deve ordenar as ques-
64 Manual de Métodos Qualitativos em Geografia

Figura 5. Os passos da realização de um grupo focal.

Recrutamento de
participantes
Escolha Realização Transcrição Segundo
do local da entrevista e análise de grupo focal?
coletiva dados

Preparação do guião
(questionário) e do guia
(organização) da entrevista

tões a colocar aos participantes, mas também a di- cada questão demore mais tempo a ser abordada,
reção das questões (resposta individual obrigatória logo ter várias sessões permite informação mais
ou livre para quem quiser ter a palavra). Para além densa. Por outro lado, pode ser difícil garantir que
disso, deve prever os momentos de diálogo coleti- os participantes tenham disponibilidade durante
vo em que é permitido aos participantes darem a mais do que um dia. O guião pode também conter
sua opinião sobre o que outros participantes dis- um conjunto de regras de convívio a ser partilha-
seram. Em alguns casos, pode-se permitir isto em das com o grupo, ou medidas a tomar no caso de se
todas as questões, mas noutros será melhor prever verificar tensão entre os participantes.
momentos mais específicos para o diálogo, evitan- A questão da escolha do local onde acontece o
do questões demasiado controversas. Por vezes, grupo focal é tão importante como na entrevista
alguns temas requerem algum ‘aquecimento’ pré- individual. Embora não se possa deixar os par-
vio antes de serem abordados. Nesse sentido, será ticipantes escolherem o local e a hora em que
melhor começar por algumas questões mais in- preferem falar porque teriam sempre escolhas
trodutórias para estabelecer o tema e definir uma divergentes, também não se pode simplesmente
linguagem comum entre os participantes antes de convocar pessoas a um dia e hora arbitrária num
se entrar no debate (Breen, 2006). Por último, o local arbitrário. É conveniente que o local escolhi-
guião deve prever os momentos de pausa. O grupo do para o grupo focal seja reconhecido por todos
focal é um método cansativo tanto para os inves- os participantes como um local conhecido, confor-
tigadores como para os participantes porque exi- tável e seguro. Geralmente, recorre-se a espaços
ge atenção e energia, e porque pode gerar stress e comunitários como juntas de freguesia, auditórios
animosidade. Por esse motivo, é importante gerir municipais, ginásios, ou associações locais, para
as emoções do grupo fazendo pausas pelo menos a encontrar um espaço com a dimensão adequado
cada 45 minutos. É comum que durante estas pau- e as condições necessárias. Frequentemente, é no
sas se ofereça comida e bebida aos participantes. mesmo local onde se procedeu ao recrutamento de
Uma música ambiente também ajuda a relaxar. participantes (Goss & Leinbach, 1996).
Se a lista de questões de um grupo focal for dema- Tendo em conta que o grande ganho da realização
siado longa, será sensato tentar dividi-lo em várias de um grupo focal está no potencial das interações
sessões ao longo de dias. Uma sessão de grupo fo- espontâneas do grupo, é possível que a conversa
cal raramente tem mais de três horas. Esta deci- entre por caminhos inesperados durante a condu-
são é perniciosa. Por um lado, o diálogo leva a que ção de um grupo focal. Isto é normal e até pro-
Recolha de Dados 65

dutivo para a investigação, mas é preciso alguma 2006). Tal como no método da entrevista, a trans-
sensibilidade para saber quando se deve ou não crição da entrevista para texto é considerada fun-
deve limitar o fluir livre das ideias. É importante damental para uma análise detalhada do discurso
notar que o papel do investigador que conduz o dos entrevistados.
grupo focal é o de moderador e não de entrevis- O grupo focal tem diversas limitações. Primeiro, é
tador. É responsabilidade do moderador manter o muito exigente em termos de tempo para os parti-
grupo focado, gerir as emoções, garantir que todos cipantes, especialmente quando são agendadas vá-
participam igualmente. Dependendo das dinâmi- rias sessões. Embora o grupo focal dê mais tempo
cas próprias de cada grupo, isto pode implicar uma ao investigador, porque lhe permite evitar várias
postura mais ou menos diretiva. A identidade do deslocações para várias entrevistas, isso acontece
moderador não é neutra. Sem dúvida, é também o às custas do tempo dos participantes porque, para
mediador entre o projeto de investigação e a insti- estes, uma entrevista individual seria mais rápida
tuição onde decorrer e o grupo de participantes e e calma do que um grupo focal (Winlow, Simm,
a comunidade a que pertencem. Quando se verifica Marvell, & Schaaf, 2013). Em segundo lugar, em-
alguma distância entre estes mundos, e ela dificul- bora o diálogo de grupo nos permita perceber as
ta o rapport, pode considerar-se que o moderador relações e visões diferentes dos participantes como
seja um membro da comunidade ou um mediador nenhum outro método, ele também pode gerar ru-
profissional (Skop, 2006). Outra questão que é ído e silenciamento caso a relação entre os partici-
preciso ter em conta durante a moderação é se os pantes seja demasiado antagónica. Para evitar este
membros do grupo já se conhecem previamente, problema, por vezes realizam-se entrevistas de
que relação estabelecem entre sessões, como se seguimento na qual se pede ao participante para
aliam, e como isso pode influenciar a dinâmica do avaliar a qualidade da discussão do grupo focal e
grupo (Holbrook & Jackson, 1996). Quando um lhe damos a oportunidade de acrescentar algo que
grupo focal é bem moderado e dirigido, a sinergia tenha ficado por dizer (Holbrook & Jackson, 1996).
do grupo permite que os participantes cheguem O grupo focal é um método que tem sido bastante
coletivamente a conclusões mais concretas. usado por geógrafos desde os anos 80 do século
De modo a proceder-se ao tratamento e interpre- passado. Apesar de este ser um método relativa-
tação da informação, é importante gravar-se a mente estandardizado, têm-se desenvolvido várias
discussão do grupo focal, seja apenas em formato abordagens criativas que procuram tornar o mé-
áudio ou em formato audiovisual. O formato audio- todo mais envolvente para os participantes, con-
visual é sempre preferível por facilitar a identifica- seguindo assim obter um diálogo mais detalhado,
ção de quem fala, especialmente nos momentos em mais profundo, e mais honesto (Hopkins, 2007).
que várias vozes se sobrepõem. Para além disso, o Por exemplo, Brownlow (2005) estudou as dife-
vídeo também capta as expressões faciais e corpo- renças de género na construção mental do medo e
rais que nos podem dar pistas adicionais para per- da perceção do risco em espaços públicos urbanos,
ceber como os participantes reagem a certas ideias. combinando a realização de entrevistas coletivas
No caso de a gravação ser em formato áudio, é útil com dois grupos de afro-americanos (um inteira-
que um dos investigadores tire apontamentos ao mente masculino e outro inteiramente feminino)
longo da sessão para facilitar a audição da grava- com inquéritos visuais no qual pedia aos partici-
ção (Winlow, Simm, Marvell, & Schaaf, 2013). De pantes para avaliar a perigosidade de diferentes
facto, é comum que o grupo focal seja dirigido por paisagens urbanas. Com esta informação, Brown-
dois ou mais investigadores. Pelo menos um deve low conseguiu obter uma visão detalhada – quali-
ser responsável por colocar as questões e dirigir tativa e quantitativa – sobre a variação da perceção
a discussão, ficando os aspetos técnicos e logísti- do risco e das emoções entre os géneros do seg-
cos sob a alçada dos outros investigadores (Breen, mento étnico mais vulnerável à violência naque-
66 Manual de Métodos Qualitativos em Geografia

le contexto. Spilková e Perlín (2013) avaliaram o


potencial dos mercados de agricultores em países Para saber mais, consulta:
pós-socialistas através da combinação de entrevis- • Breen, R. L. (2006). A Practical Guide to Focus-Group
tas individuais e grupos focais com organizadores Research. Journal of Geography in Higher Education, 30
de mercados de agricultores na República Checa. (3), 463–475.
Este é um guia prático muito didático para iniciantes
Spilková e Perlín usaram os grupos focais para de- sobre a aplicação do método do grupo focal pra inician-
bater as principais conclusões das entrevistas indi- tes, que apresenta um exemplo no campo da pedagogia
viduais, conseguindo assim obter consenso sobre geográfica.

as quatro particularidades da economia dos países • Hopkins, P. (2007). Thinking critically and creatively
pós-socialistas que contribuem positiva ou negati- about focus groups. Area, 39 (4), 528-535.
vamente para o sucesso dos mercados de agricul- O autor reflete sobre a aplicação do método de grupos
focais, salientando a necessidade de se ser crítico em
tores, nomeadamente as tradições de autossubsis- relação às limitações do método e a necessidade de se
tência, as preocupações sobre segurança alimentar ser criativo para inventar modos de ultrapassar essas
dos consumidores, a capacidade organizativa de limitações.

longo-prazo dos agricultores e os problemas de • Skop, E. (2006). The methodological potential of focus
cooperação com os governos nacionais. Por outro groups in population geography. Population, Space and
lado, Shubin (2010) combinou entrevistas, grupos Place, 12 (2), 113–124.
A autora descreve o método do grupo focal em por-
focais e etnografia para estudar as dimensões cul- menor, problematizando a constituição de amostras, a
turais do processo de exclusão económica da po- realização do grupo focal e a interpretação dos dados.
pulação rural na Irlanda e na Rússia. Através da
combinação desta informação, Shubin conseguiu
obter uma visão detalha de como a falta de capital
cultural da população rural exclui os indivíduos
economicamente porque limita as suas aspirações
pessoais, degrada as relações sociais que desenvol-
vem e elimina possíveis fontes de rendimento.

Neste momento, deves sentir-te capaz de:

• Planear a realização de um grupo focal, • Preparar a condução da discussão coletiva


do recrutamento de participantes ao durante um grupo focal.
tratamento de dados.
Recolha de Dados 67

Método Delphi

Objetivos de Aprendizagem

• Aprender as etapas sequenciais da • Compreender as vantagens e desvantagens


aplicação do Método Delphi como método do Método Delphi.
de recolha de dados.
• Conhecer as possíveis aplicações do
Método Delphi em geografia.

O
método Delphi reúne um grupo de es- ção ao recrutamento de participantes em outros mé-
pecialistas que respondem a uma série todos qualitativos, pois estes não só devem ter um
de questionários para se obter a melhor conhecimento profundo sobre os tópicos relevantes
resposta possível a um problema. Na base deste mé- para a questão de investigação, como devem repre-
todo, está a ideia de que a melhor forma de obter sentar a diversidade epistemológica de uma comuni-
informação sobre um tópico que requer conhecimen- dade de conhecimento. Isto é, o painel Delphi deve
to técnico, científico ou profissional é questionar os conter especialistas de todas as disciplinas científicas
especialistas sobre esse tópico, em vez de se procu- ou áreas profissionais relevantes para a resolução do
rar a perceção do público em geral. Obter acesso aos problema. Smith (1978) sugere a combinação de três
especialistas pode ser difícil devido à combinação de abordagens para se escolher os membros de um pai-
vários fatores: o número de especialistas pode ser re- nel Delphi: (i) a abordagem de reputação, que con-
duzido, a sua distribuição geográfica pode ser vasta, siste em identificar especialistas perguntando a um
e estes podem ter pouca disponibilidade. O método grupo de pessoas de uma comunidade quem são os
Delphi foi pensado para se ultrapassar este proble- especialistas dessa comunidade; (ii) a abordagem po-
ma, ao ter sido concebido como um método assín- sicional, que consiste em selecionar pessoas que ocu-
crono, escrito e faseado. pam posição relevantes em estruturas políticas, eco-
Na prática, o método Delphi consiste numa sequên- nómicas ou sociais; e (iii) a abordagem do ativismo,
cia faseada de questionários escritos que são envia- na qual se seleciona os especialistas que têm maior
dos a um painel de especialistas. O primeiro passo presença nos media, por exemplo, através do seu
no método Delphi é a formulação de uma questão trabalho em organizações não-governamentais. O
de investigação, que é o que levará à definição dos terceiro passo do método Delphi consiste na formu-
especialistas que podem fazer parte do painel Del- lação e realização da primeira fase de questionários.
phi. O segundo passo é a formulação deste painel de Neste momento, as questões devem procurar deter-
especialistas, o que implica identificar e selecionar os minar as posições iniciais dos membros do painel so-
possíveis membros do painel e proceder ao envio de bre o tópico em questão, de modo que seja possível
convites formais. Os membros de painel permane- identificar concordâncias e discordâncias. É provável
cem anónimos entre si. Selecionar os membros de que seja necessário conduzir algumas entrevistas de
um painel Delphi tem a sua particularidade em rela- seguimento para clarificar as respostas. Há que ter
68 Manual de Métodos Qualitativos em Geografia

Figura 6. As diferentes etapas do Método Delphi.

Questão de Formulação Realização da Análise e síntese Realização da


investigação do painel de primeira fase de da primeira fase segunda ronda
especialistas questionários de questionários de questionários

em conta que a maior parte das pessoas nunca par- car o método Delphi praticamente não tem custo
ticipou num painel Delphi, portanto a sua partici- financeiro. No entanto, têm também sido salienta-
pação é também um processo de aprendizagem. Por das algumas desvantagens do método. Uma das
outro lado, a extensão e a qualidade das respostas de mais relevantes é a legitimidade dos painéis Delphi
cada participante varia consoante a sua motivação para apresentarem soluções para problemas cole-
e a sua capacidade de expressão escrita (Kaufmann, tivos quando o painel não é representativo da opi-
2016). O quinto passo consiste numa segunda ronda nião geral da população. Neste sentido, é preciso ter
de questionários. Nesta, os resultados da primeira cuidado para que a condução de um estudo Delphi
ronda são apresentados no início do questionário, e não surja como um meio para evitar um processo
as questões devem orientar os membros para ava- democrático que exige outro tipo de métodos par-
liar estas resultados. Nesta fase, é particularmente ticipativos. Em acréscimo, o facto de o método ser
importante perceber como os membros do painel re- especialmente útil para encontrar consensos de gru-
agem a opiniões ou perspetivas diferentes das suas e po também pode levar a que algumas perspetivas
como alteram – ou não – as suas ideias quando con- minoritárias sejam apagadas. Dado que o método
frontados com o pensamento de outros. De facto, o Delphi se baseia na escrita, ocorre também o peri-
objetivo final do método Delphi é encontrar consen- go de se excluir especialistas que não tenham acesso
so acerca de uma solução para um problema através à escrita, a meios de comunicação, ou à linguagem
da análise dos resultados. Caso não se alcance este do estudo. Por último, o método Delphi tende a ser
consenso nesta segunda ronda, podem ocorrer mais sujeito a atrasos. Não só alguns membros do painel
rondas de questionários (Mullins, 2006). No entan- demoram mais tempo a responder que outros, como
to, é preciso haver um planeamento cuidadoso do a análise dos resultados de cada fase e a redação do
número de rondas para que os membros do painel questionário da fase seguinte pode consumir bastan-
não abandonem o estudo a meio. Geralmente, não se te tempo. Quando isso acontece, a probabilidade de
realizam mais de três. alguns membros desistirem de participar no estudo
O método Delphi tem várias vantagens (Mehnen, aumenta.
Mose, & Strijker, 2013). Primeiro, permite obter O método Delphi começou por ser aplicado na geo-
uma perspetiva analítica abrangente que balança o grafia como método quantitativo, e ainda o é (Smith,
pensamento individual, a partilha de informação e 1978). No entanto, surgiram também várias aplica-
a formulação coletiva de soluções. Por ser realizado ções qualitativas do método ao longo das últimas
por escrito, individual e anonimamente, o método décadas. Se o Delphi é quantitativo ou qualitativo
Delphi também liberta os participantes da pressão depende apenas do tipo de questionário que se apre-
social e permite chegar a consensos mesmo com senta, ou seja, se este contém questões de resposta
grupos hostis entre si. Para além disto, com o uso fechada ou aberta, podendo também conter os dois.
do email e plataformas de questionário online, apli- Esta escolha determinará o tipo de análise de dados
Recolha de Dados 69

necessário, mas o procedimento do método Delphi logia para produzir debates críticos sobre políticas.
em si permanece inalterado quer seja quantitativo Ao contrário do Delphi convencional que procura
ou qualitativo (Mullins, 2006). consensos, o Policy Delphi procura exatamente en-
O método Delphi tem sido usado por geógrafos para contrar as posições mais opostas ou extremadas en-
vários fins. Miller (1993), por exemplo, mostrou tre os participantes (Needham & Loë, 1990). Aqui, a
como o método Delphi pode ser usado no planea- ideia é conseguir encontrar todas as perspetivas pos-
mento regional para incorporar dados qualitativos síveis sobre um problema, para que os decisores po-
em análises quantitativas, para usar dados escassos líticos possam operar com conhecimento profundo
eficientemente, ou para transformar dados em co- da opinião pública. As questões, neste caso, devem
nhecimento aplicável para planeadores. Mehnen, procurar que os membros do painel expandam a sua
Mose e Strijker (2013) mostraram que o método discordância, em vez de procurar avaliar a posição
Delphi pode ser igualmente útil para a governan- oposta. Isto genericamente é conseguido não apenas
ça de áreas naturais protegidas ao ajudar os vários pela formulação das questões, mas também por dar
agentes envolvidos a clarificar os conceitos base maior liberdade de resposta aos membros do painel.
que devem reger a governança dessas áreas. Exis- O Policy Delphi tende a oferecer uma boa visão ge-
tem outros exemplos mais específicos. Anderson e ral de todas as posições políticas possíveis sobre um
Schneider (1993) aplicaram o método Delphi para tópico, mas informação pouco profunda sobre cada
identificar as inovações que emergiram da investiga- posição. Por este motivo, tem sido sugerido que ao
ção em gestão de espaços recreativos e para avaliar método Delphi se sigam outros métodos participati-
o grau de sucesso de cada inovação em atingir os vos mais envolventes, como grupos focais ou investi-
seus objetivos específicos. Num outro estudo, Ro- gação-ação (De Loe, 1995)
che, Sureau e Caron (2003) usaram o método Delphi
para identificar as barreiras institucionais e organi-
zacionais à implementação de uma infraestrutura Para saber mais, consulta:
de dados espaciais em França. Mais recentemente, • Mehnen, N., Mose, I., & Strijker, D. (2013). The Delphi
Palacios García e Vinuesa Angulo (2010) recorre- Method as a Useful Tool to Study Governance and Pro-
tected Areas? Landscape Research, 38 (5), 607–624.
ram ao método Delphi para estudar as políticas de
Os autores analisam criticamente a utilidade do método
habitação em Espanha e o fenómeno das casas desa- Delphi a partir de um estudo de caso em geografia
bitadas, colmatando a escassez de informação sobre política.

habitação e políticas de habitação neste país através


• Smith, K. (1978). Delphi Methods and Rural Develop-
deste método. ment. Southeastern Geographer, 18 (1), 54-67.
Existe uma adaptação popular do método Delphi Este artigo seminal apresenta a metodologia Delphi em
pormenor. Apesar de o autor usar este método para
intitulada Policy Delphi (que poderia ser traduzido
investigação quantitativa, o processo para recolher infor-
como ‘Delphi Políticas’), que procura usar a metodo- mação qualitativa é idêntico.

Neste momento, deves sentir-te capaz de:

• Decidir se é possível aplicar o Método • Planear e organizar a implementação


Delphi no teu tema de investigação das diversas fases do Método Delphi.
e com os participantes do teu estudo.
70 Manual de Métodos Qualitativos em Geografia

Diário

Objetivos de Aprendizagem

• Compreender a importância do diário como • Conhecer a metodologia de aplicação


método de recolha de dados participativo. do diário e a sua combinação com outros
métodos.

N
este século, o método do diário tem re- memória (Duffy & Waitt, 2011).
cebido atenção considerável pela comu- Na aplicação deste método, a vida quotidiana é em
nidade geográfica. O diário é um método si entendida como o contexto ideal para entender
de excelência para abordar a vida quotidiana da como processos geográficos mais abrangentes
perspetiva de quem a pratica e a experiencia. As- (como a globalização, as alterações climáticas, a
sim, reconhece-se que a vida quotidiana não é um gentrificação, a mobilidade ou as migrações) têm
processo universal que pode ser visto e interpreta- impacto na escala local, seja por negar ou conferir
do por um investigador externo e independente a acesso a recursos, potenciar ou restringir práticas
esse processo, mas que é algo profundamente pes- sócio-espaciais, ou por influenciar experiências do
soal e diversificado. Neste sentido, o diário oferece espaço.
precisamente uma ferramenta de investigação em O método do diário tem uma premissa simples
que a formulação das questões de investigação e (Reid, Hunter, & Sutton, 2011). O investigador re-
a reflexão sobre o significado das respostas não úne um grupo de participantes com o tamanho e
é uma tarefa apenas acessível ao investigador. A as características adequadas para o seu estudo e
escrita do diário permite aos participantes esco- solicita-lhes que escrevam um diário das ativida-
lher aquilo que pretendem dizer ou salientar na des que vão realizando no seu dia a dia. Este diário
sua vivência quotidiana sem estarem restringidos pode ser geral, incidindo sobre todas as atividades
por questões diretas do investigador. Ao mesmo realizadas de um modo exaustivo ou deixando o
tempo, o ato de escrever a sua experiência e os participante escolher o que julga mais importante,
seus pensamentos é também um momento de re- ou específico, pedindo-se ao participante que escre-
flexão que frequentemente as pessoas não têm a va apenas sobre determinado tipo de experiências,
oportunidade de realizar no seu dia a dia, e essa espaços ou práticas. A duração do diário pode ser
reflexão é de enorme valor para a investigação ajustada à necessidade do estudo, podendo por ve-
geográfica porque nos permite um conhecimento zes ser muito curto, por exemplo, tendo a duração
mais co-produzido e situado (Latham, 2003). Em de um dia. No uso deste método na geografia, é
acréscimo, visto que esta reflexão está temporal- comum pedir-se aos participantes que indiquem ou
mente próxima das atividades realizadas, este mé- descrevam os lugares onde e sobre os quais escre-
todo pode ser útil para evitar o enviesamento da vem, ou as suas trajetórias, caso estejam em mo-
Recolha de Dados 71

vimento. Geralmente, é pedido aos participantes sentem. Por este motivo, é aconselhável pré-acor-
que não se limitem a descrever as suas atividades, dar com os participantes os momentos do dia em
mas também a escrever sobre o que pensam e sen- que eles devem escrever. Com esta negociação, o
tem sobre elas. Devido a questões de privacidade, é participante pode ficar mais confortável por ver o
aconselhável indicar ao participante para anonimi- seu dia a dia menos invadido, o que tem ganhos
zar as pessoas sobre quem escreve no diário. Deste para a qualidade do diário porque um participante
modo, impede-se que o investigador venha a obter menos incomodado vai estar mais motivado para
informação sobre sujeitos específicos que não fa- se envolver ativamente no método. E, com isto, o
zem parte do grupo de participantes (Bartlett & investigador também ganha uma melhor perceção
Milligan, 2015). das condições de escrita, o que pode ser útil para a
Embora a informação apresentada no diário possa comparação entre diários. No entanto, é importan-
ser quantificada, por exemplo, contando as horas te não haver um grande distanciamento temporal
dedicadas a cada atividade, ou o número de ocor- entre a escrita do diário e as atividades que descre-
rências de um determinado tópico, é mais comum ve. Isto porque caso exista, o diário não evita o en-
analisar esta informação qualitativamente. Fre- viesamento de memória que afeta métodos como a
quentemente, o investigador tem uma conversa entrevista ou o grupo focal. Por outro lado, é pre-
sobre o diário com o participante antes ou durante ciso ter em conta que nem todos os participantes
a análise da informação para perceber como o ato podem ter a mesma capacidade de participar neste
de escrever o levou a refletir sobre a sua experi- método, mesmo que estejam disponíveis, por não
ência espacial (Paiva, 2016). É também possível serem capazes de se comprometer com uma tarefa
complementar o diário com entrevistas, grupos tão intensiva, ou por terem algum tipo de dificul-
focais, ou caminhadas. Isto permite contextualizar dade em aceder à escrita (Datta, 2020).
a escrita do diário e expandir a informação nele Como a maioria dos métodos qualitativos, o diário
contida, bem como apontar caminhos para uma pode ser ajustado de diferentes formas consoante
análise guiada pela interpretação dos participantes a necessidade de dados da investigação em curso.
e não só do investigador. A informação do diário Deste modo, existem alguns métodos de diários
é então sujeita a uma análise hermenêutica ou de específicos criados por geógrafos, como os diá-
discurso, comparando-se entre os diferentes casos. rios reflexivos, diários colaborativos, os diários de
Uma das vantagens dos dados do diário é que, caso Whatsapp, os diários áudio e os diários fotográfi-
a recolha de dados tenha sido prolongada, é pos- cos ou sonoros.
sível analisar as mudanças temporais, o que é útil Reid, Hunter e Sutton (2011) refletiram sobre o
para estudos que tentam explicar como mudanças uso da reflexão nos diários. Num estudo sobre
estruturais têm impacto no contexto local. comportamentos pró-ambientais em habitações fa-
A principal limitação do método do diário é o miliares, os autores solicitaram diários reflexivos,
quanto ele exige aos participantes em investi- os quais têm uma componente mista. Neste caso,
gações em termos de tempo e energia. Devido a os autores solicitaram dados quantitativos sobre
isto, porque vezes é dada alguma compensação o consumo energético e alimentar, e uma reflexão
aos participantes por despenderem tempo para es- qualitativa sobre esse uso. Os geógrafos chegaram
crever o diário, o que pode envolver dinheiro ou à conclusão de que a reflexão foi importante para
não. Nestes casos, a compensação é geralmente obter dados qualitativos que explicam as práticas
providenciada pela instituição onde a investiga- de consumo energético e alimentar, nomeadamen-
ção é conduzida. O diário pode igualmente ser um te os valores ambientais associados a esse consumo
método intrusivo se for pedido aos participantes e como estes mudam ao longo do tempo. Mas ve-
que interrompam as suas atividades diárias para rificaram também que a própria reflexão levou os
escrever o que estão a fazer ou o que pensam ou participantes do estudo a alterarem o seu compor-
72 Manual de Métodos Qualitativos em Geografia

tamento face à maior consciencialização ambiental Por outro lado, a imediatidade da partilha de uma
que o estudo gerou. Assim, é importante ter em aplicação como o Whatsapp ajudou a criar empatia
conta o potencial transformador deste método e entre as participantes do grupo e motivação para
o que este potencial oferece para perceber melhor partilhar experiências do dia a dia.
os mecanismos qualitativos que sustém a mudança O método dos diários áudio que Worth (2009)
comportamental sócio-espacial. aplicou num estudo com participantes com defi-
Por outro lado, Heller et al. (2011) desenvolveram ciências visuais é igualmente inclusivo. Os diários
o método dos diários colaborativos. Ao contrário áudio replicam exatamente o processo do diário,
dos diários tradicionais, os diários colaborativos com a diferença de que é pedido ao participante
são partilhados entre todos os participantes à me- que faça uma gravação áudio da sua entrada no
dida que as entradas do diário vão sendo escritas. diário em vez de o escrever. Este método pode
Deste modo, os participantes não refletem apenas implicar ter de fornecer um gravador áudio aos
sobre as suas experiências espaciais, mas também participantes. Para além da possibilidade de incluir
podem rever-se nas experiências de outros parti- participantes que por algum motivo não têm aces-
cipantes. Assim, os pontos em comum e as dife- so à escrita, a gravação da voz permite aos partici-
renças podem ser imediatamente identificados e pantes exprimir o seu fluxo de consciência, sendo
explorados em maior detalhe. Obviamente, este a informação recolhida menos filtrada pelo pensa-
método também poderá constranger os participan- mento. Embora esta não se torne automaticamente
tes que se poderão sentir menos confortáveis para mais honesta, pode fazer com que o participante
partilhar aspetos pessoais. se sinta mais confortável em partilhar informação.
De um modo semelhante, Datta (2020) usou di- Este método permite incluir algumas pessoas, mas
ários de Whatsapp num estudo sobre o uso do o facto de se pedir para usar uma tecnologia de
tempo por mulheres nas periferias de Delhi, e gravação com a qual o participante pode não estar
sobre o papel da utilização de tecnologias para a familiarizado pode criar outros tipos de exclusão.
gestão do tempo. Neste caso, foi criado um gru- Outros geógrafos têm solicitado a criação de di-
po de Whatsapp com todas as participantes onde ários com materiais que não se baseiam no texto.
era solicitado que estas submetessem as entradas Por exemplo, o método do diário fotográfico foi
do seu diário regularmente. Tal como um diário aplicado por Latham (2003) e o método do diário
colaborativo, estas entradas podiam ser lidas por sonoro foi desenvolvido por Duffy e Waitt (2011)
todas as mulheres e abrir tópicos de discussão que para estudar os aspetos subjetivos da experiência
oferecem mais detalhe em relação aos quotidianos espacial visual e sonoro, respetivamente. Estes mé-
das participantes e os seus pensamentos. Deste todos contêm duas fases realizadas com um grupo
modo, Datta (2020) conseguiu obter mais infor- de participantes. Primeiro, é pedido aos participan-
mação sobre a geografia da violência quotidiana tes para tirarem fotografias ou gravarem sons que
que estas mulheres sofrem, porque esse era um acham significantes durante um determinado perí-
dado emergente constante, e que poderia ter sido odo de tempo. A escolha dessas fotografias e sons
ignorado se tivessem sido aplicados outros méto- pode ficar inteiramente a cargo dos participantes,
dos. Por outro lado, o uso do Whatsapp neste caso ou podem ser dadas instruções específicas sobre os
compensa a reduzida utilização de computadores e materiais a recolher (por exemplo, fotografias de
cibercafés por parte das participantes, oferecendo- ruas ou fotografias de natureza). O investigador
-lhes uma via direta e familiar para expressar o seu deve fornecer equipamento adequado aos parti-
quotidiano. O Whatsapp permite partilhar escrita, cipantes para esta fase, caso estes não tenham os
fotografias, vídeos e gravações áudio, oferecendo seus próprios meios, por exemplo, através de uma
grande liberdade às participantes para se expres- aplicação de telemóvel. Na segunda fase, o investi-
sar do modo em que se sentem mais confortáveis. gador e o participante analisam o material juntos
Recolha de Dados 73

e conversam sobre o que foi gravado e porquê. Se-


gundo Duffy e Waitt (2011), esta conversa permite Para saber mais, consulta:
tanto captar a performatividade da experiência si- • Bartlett, R., & Milligan, C. (2015). What is Diary Method?
tuada e corpórea como refletir e expressar o modo Londres: Bloomsbury.
como o participante interpreta essa experiência. Este livro apresenta a reflexão mais completa sobre o
método do diário nas ciências sociais. As diversas varia-
Deste modo, os diários fotográficos e sonoros são ções, combinações e aplicações práticas do método do
um método útil para produzir conhecimento sobre diário são apresentadas e debatidas.
como a experiência do espaço e dos eventos dá
lugar a emoções, pensamentos, memórias e repre-
sentações, especialmente através da relação entre
corpo, sentidos e lugares.

Neste momento, deves sentir-te capaz de:

• Planear a solicitação de diários e a • Comunicar aos participantes da tua


estratégia de tratamento e interpretação investigação como devem criar diários
dos dados resultantes. para investigação científica sobre temas
geográficos e por que isso é importante.
74 Manual de Métodos Qualitativos em Geografia

Etnografia

Objetivos de Aprendizagem

• Conhecer a história e a importância • Conhecer as principais críticas a que


da etnografia para a geografia. a etnografia tem sido sujeita.

• Descobrir as possibilidades de aplicação


de etnografias em investigação geográfica.

A
etnografia pode ser caracterizada como proximidade, embora com várias intermitências.
um método intensivo de recolha e in- Fazer geografia, a certo ponto, era bastante seme-
terpretação de dados qualitativos. Na lhante a fazer etnografia. Na geografia clássica de
prática, a etnografia envolve a participação de um matriz vidaliana do século XIX e inícios do século
investigador numa cultura, grupo social ou prática XX, um geógrafo – tal como um etnógrafo – era
humana, frequentemente durante longos perío- um académico que viajava a um lugar para o ob-
dos de tempo (de meses ou mesmo anos). Por esse servar, conhecer, e interpretar de modo a ser pos-
motivo, a etnografia é muitas vezes referida como sível descrevê-lo e explicar a sua formação. A dife-
observação participante. A participação pode ocor- rença é que os geógrafos focavam-se em descrever
rer em todo o tipo de práticas. Pode incluir desem- o espaço (a paisagem, a estrutura espacial, a dis-
penhar um ofício, participar numa festividade ou tribuição da população, e aí por diante), enquanto
num ritual, desenvolver relações sociais, ou outras o etnógrafo se dedicava ao estudo dos grupos hu-
práticas. Em alguns casos, a inserção em determi- manos e da sua cultura. Mas ambas as abordagens
nadas comunidades pode incluir efetuar trabalho implicavam trabalho de campo, permanência por
remunerado não-académico ou práticas à margem largos períodos, e contacto aprofundado com as
da lei. Nestes casos, é imperioso que, antes de se populações humanas. E existiam algumas colabo-
partir para o trabalho de campo, se informe o co- rações. Em Portugal, é célebre a relação profissio-
mité de ética da instituição onde se desenvolve a nal do geógrafo Orlando Ribeiro com o antropó-
investigação e exista uma avaliação rigorosa sobre logo, linguista e etnógrafo Leite de Vasconcelos.
as práticas em que o investigador se pode envolver Quando a geografia se quantificou em meados do
e os seus limites. século XX, esta relação etnográfica com o campo
A etnografia foi criada e tem sido desenvolvida esbateu-se, mas nunca foi abandonada. Durante
por excelência no campo da antropologia, no qual os anos 70 do século passado, a geografia crítica
é considerada o método principal. No entanto, o recuperou a abordagem etnográfica para o estudo
desenvolvimento da etnografia conta com algu- de comunidades desfavorecidas (para um excelen-
mas contribuições importantes por parte de soci- te exemplo, ver Bunge, 1971), embora a perspe-
ólogos e geógrafos (Crang & Cook, 2007). A et- tiva da geografia humanista tenha rapidamente
nografia e a geografia têm uma longa história de instituído a entrevista como o principal método
Recolha de Dados 75

qualitativo da disciplina. quais podem passar ao lado da perceção dos indi-


Mas na viragem do milénio, os geógrafos qualita- víduos. A etnografia, por nos envolver em situa-
tivos começam a notar que se precisam de preocu- ções sociais, em fazer coisas, oferece-nos também a
par não só com a distribuição das atividades huma- oportunidade de aprender através das nossas prá-
nas no espaço e as suas representações, narrativas ticas e da sua corporealidade. Assim, através de et-
e discursos, mas também com a imensa e crescente nografias, de autoetnografias e de etnografias sen-
mobilidade dessas atividades. Isto implicava o es- soriais, os geógrafos têm abordado o papel afetivo
tudo das próprias mobilidades, das práticas e das e mediador do corpo humano na interação e na
performances que as pessoas efetuam no seu dia a relação entre pessoas e espaços (Vannini, 2015a).
dia. Por isso, os dados empíricos que os geógrafos A definição do campo de investigação é particu-
precisavam já não viria apenas da linguagem das larmente importante na realização de uma etno-
pessoas, mas também diretamente das suas ativi- grafia. Mais propriamente, o modo como se acede
dades. A etnografia era vista como o método que a a esse campo deve receber especial consideração,
geografia precisava para efetuar esta transição do porque a qualidade dos dados que se irão recolher
estudo das representações, narrativas e discursos depende das relações que o etnógrafo será capaz
para o estudo das mobilidades, práticas e perfor- de desenvolver no campo. Por vezes, o etnógrafo
mances (Herbert, 2000). Isto porque a etnografia – enquanto pessoa – pode estar suficientemente
oferecia um método engajado que colocava o in- próximo das comunidades e lugares em estudo, e
vestigador no centro da ação social. Com a etno- isso tornará a inserção mais fácil. Noutros casos,
grafia, os geógrafos poderiam deixar de ser atores será preciso pensar que tipo de mediações podem
exteriores limitados ao que as pessoas lhes dizem ajudar o investigador a se inserir no campo. Fre-
sobre o que fazem e começar a estudar a atividade quentemente, associações, instituições públicas ou
dos grupos humanos ‘por dentro’. uma pessoa em particular podem ajudar os inves-
Hoje, a etnografia é um método amplamente uti- tigadores a estabelecer uma conexão que lhes per-
lizado na geografia. Para isso, contribuíram tam- mita começar o trabalho etnográfico. Esta questão
bém a emergência de duas perspetivas teóricas em merece estar em reflexão constante; não apenas
particular. A primeira é a perspetiva mais-que-hu- antes do início do trabalho de campo, porque o
mana, a qual se interessa em particular pelo modo tipo de acesso que se consegue ao campo e o modo
como o ser humano se relaciona com outros se- como as relações com as comunidades e os lugares
res vivos, com tecnologias e com a materialidade em estudo se desenvolvem definem a informação à
do espaço. Para os geógrafos interessados nestas qual se acede. De modo a tratar-se essa informação
relações, a etnografia providenciou um método com uma perspetiva crítica, tudo o que influencia a
privilegiado para estudar o seu desenvolvimento sua produção deve ser analisado.
na prática, isto é, observando efetivamente o que Os dados que se recolhem numa etnografia são de
acontece e a importância dos vários atores. Em natureza diversa. Dada a variedade de situações
particular, a etnografia oferece uma janela para sociais e contextos geográficos em que o inves-
observar o papel dos elementos não-humanos na tigador se pode encontrar, um dado etnográfico
ação social, um papel que pode ser obscurecido se pode ser praticamente qualquer coisa. No entan-
a recolha de dados se limitar ao que as pessoas nos to, é frequente proceder-se ao registo das práticas
dizem (Dowling, Lloyd, & Suchet-Pearson, 2017). realizadas num caderno de campo onde se detalha
A segunda perspetiva é a perspetiva não-represen- tudo o que se fez no campo, com quem se fez, e o
tacional, que se preocupa com as relações afetivas, que se aprendeu. Escrever um caderno de campo é
cognitivas e emocionais entre corpos e espaços. uma oportunidade para registar a nossa perspetiva
Aqui, a etnografia foi vista como um meio de al- sobre os eventos, mas também o que captámos da
cançar os elementos afetivos destas relações, os perspetiva dos outros – através das suas palavras
76 Manual de Métodos Qualitativos em Geografia

ou atos. Mas a escrita do caderno de campo é tam- as pessoas nos dizem coisas que nos permitem des-
bém um momento importante para se realizar uma vendar os significados que atribuem aos lugares.
primeira reflexão sobre o que se experienciou e Por último, a etnografia não descura o que a ma-
problematizar essa experiência, levantando sempre terialidade nos pode informar. Isto é, os espaços
novas questões a ter em conta no dia a seguir da físicos, os objetos e as tecnologias que as pessoas
investigação. A frequência com que se deve escre- usam são também um indicador da cultura dos lu-
ver uma nova entrada no caderno de campo varia gares e dos grupos sociais. Primeiro, porque todos
conforme o tipo de trabalho de campo. Em alguns esses materiais moldam as práticas dos indivíduos.
casos é possível fazer várias pausas para escrever. O espaço pode funcionar como barreira física ou
Noutros, só temos tempo para escrever no fim do capacitar as pessoas a movimentarem-se ou terem
dia. Em qualquer caso, é aconselhável escrever-se recursos. As tecnologias permitem às pessoas fa-
o mais imediatamente possível após o trabalho de zer coisas que de outro modo não conseguem. Se-
campo, para que a memória e o sentimento da ex- gundo, os grupos sociais imbuem a paisagem e os
periência estejam mais vívidos quando escrevemos, objetos com os significados da sua cultura e com
ainda que o cansaço possa tentar demover-nos. as suas ideias políticas. Por este motivo, a materia-
Tendo em conta a exigência física e os constran- lidade é tão interpretável como as palavras daque-
gimentos do ato da escrita, alguns geógrafos têm les que entrevistamos.
recorrido ao levantamento fotográfico, videográfi- Para que a recolha de dados tenha sucesso na etno-
co e fonográfico para registar o trabalho de campo grafia, é fundamental que o investigador consiga
das suas etnografias. estabelecer rapport com pelo menos alguns mem-
Por outro lado, as relações humanas que desenvol- bros do grupo social que se está a estudar. Rapport
vemos durante uma etnografia são um dos pontos é uma palavra que existe na língua francesa e in-
de acesso ao conhecimento mais importantes que glesa que pode ser traduzida como relacionamen-
poderemos ter. Na etnografia, é importante pres- to, comunicação, conexão ou relatório. Estabelecer
tar atenção a todas as palavras que nos dizem e rapport, portanto, é ganhar a confiança das pessoas,
compreender o que elas revelam sobre a cultura encontrar uma linguagem comum, desenvolver
do lugar que estamos a estudar. Isto implica ou- uma ligação. A existência de rapport permite-nos
vir atentamente todas as conversas que temos que as pessoas sejam honestas connosco, que te-
com pessoas, por mais informais ou banais que nos nham confiança necessária para saber que o que
soem. Mas implica também colocar questões. Em nos contam está protegido, que o que faremos com
alguns casos, será possível conduzir entrevistas essa informação não as irá prejudicar. Por isso, es-
com pessoas que consideramos elementos-chave tabelecer rapport implica seguir um comportamen-
da cultura, do lugar ou do grupo social que estu- to ético irrepreensível: as relações estabelecem-se
damos, como parte do processo de investigação ancoradas em princípios e expectativas que não
etnográfica. Noutras, será apenas possível colocar devem ser defraudadas. Com frequência, haverá
questões soltas a pessoas com quem estamos mo- informação que não podemos usar no estudo de-
mentaneamente. É preciso alguma sensibilidade vido a questões de confidencialidade. No entanto,
para saber que pergunta se pode colocar, quando, e o que o rapport nos oferece compensa isso, porque
a quem. Por vezes, uma pergunta intrusiva ou im- nos permite obter informação que, em outros mé-
pertinente afasta as pessoas e deixa-nos ainda mais todos como entrevistas, dificilmente as pessoas se
longe de perceber o que pensam. Frequentemente, sentiriam à vontade para partilhar. Quando estabe-
é nas conversas quotidianas que temos durante o lecemos rapport com uma pessoa durante o nosso
trabalho de campo, em situações que estamos tão trabalho de campo e ela sabe o que estamos a in-
embrenhados no que se passa que nem nos lem- vestigador e mostra-se disponível para nos ajudar,
bramos que estamos a investigar, que sem planear chamamos a essa pessoa um informante.
Recolha de Dados 77

Como foi dito, a etnografia é amplamente usada na porque se baseia demasiado na subjetividade dos
geografia e a sua importância tem sido salientada atores e na interpretação do investigador. Para
em vários campos da disciplina. Por exemplo, Lees além disso, a etnografia dificilmente é neutra em
(2003) argumentou que a etnografia permite que termos de valores e a posicionalidade do etnógra-
os geógrafos saiam das suas torres de marfim e de- fo vem sempre ao de cima na análise, sendo assim
senvolvam os seus estudos junto das comunidades a análise pouco confiável. Se esta crítica é justa,
de pessoas reais que vivem nas cidades, diminuin- deve também ser considerado que todos os méto-
do a importância da interpretação académica para dos – qualitativos ou quantitativos – se ancoram
dar lugar à agência e empoderamento dos habitan- na interpretação que o investigador faz dos da-
tes das cidades. Em acréscimo, Lees argumenta dos. Para além disso, em todas as metodologias, é
que a etnografia providencia detalhe sobre a com- possível que a posicionalidade do investigador in-
plexidade da sociedade urbana, das suas práticas fluencie as questões que coloca, logo influenciando
e das construções sociais, permitindo-nos ir além também o tipo de dados que procura. Assim, esta
da mera afirmação da importância destes elemen- não é uma boa razão para abandonar a etnografia.
tos, em direção a uma descrição rica e explicativa Antes, deve levar-nos a salientar a importância da
do seu conteúdo. Megoran (2006) fez uma defesa reflexividade e da posicionalidade na investigação
semelhante da importância deste método para a etnográfica, e que reconhecer e analisar essa po-
geografia política, argumentando que a etnografia sicionalidade fortalece mais o rigor da produção
pode expandir o conhecimento sobre geopolítica do conhecimento científico do que buscar uma im-
e fronteiras ao mostrar as experiências e entendi- possível perspetiva exata e neutra sobre o mun-
mentos quotidianos que as pessoas têm sobre estes do geográfico. Uma segunda crítica à etnografia
temas. Para o geógrafo, os métodos tradicionais da é que esta é demasiado limitada para permitir
geografia política tendem a ancorar-se nos discur- generalizações. De facto, a etnografia leva-nos
sos oficiais, e a vivência quotidiana – que é con- frequentemente a casos específicos ou reduzidos
sequência desses discursos – tende a ser apagada cuja representatividade estatística é limitada. Se é
dos estudos científicos. Deste modo, a etnografia verdade que uma etnografia não pode reivindicar
pode contribuir para uma melhor informação para representatividade estatística do mesmo modo que
processos políticos e geopolíticos ao identificar as um inquérito de grandes dimensões pode, isto não
discrepâncias entre as experiências e as ideologias implica que seja impossível que a etnografia con-
políticas das elites e dos cidadãos desfavorecidos. tribua para teorias abrangentes sobre a geografia
Na geografia social e cultural, Morton (2005) ar- humana (ou mais-que-humana). Existem vários
gumentou que a etnografia oferece uma perspetiva modos de conseguir isso, como: (i) combinar a et-
performativa que nos dá acesso a outros tipos de nografia com outros métodos que sejam estatisti-
conhecimento, nomeadamente conhecimentos ver- camente representativos; (ii) conduzir etnografia
naculares e corporais, os quais só se pode compre- multi-situada para uma análise comparativa mais
ender fazendo, ou sentindo na pele o que é. Este abrangente, ou (iii) usar a etnografia para expan-
tipo de conhecimentos faz parte do nosso dia a dia, dir teorias gerais existentes, oferendo representa-
embora passem frequentemente despercebidos, tividade analítica e um maior detalhe. A terceira
mas são uma parte significante da nossa cultura crítica comum à etnografia está ligada às relações
e, portanto, do modo como interagimos com o am- de poder que a própria etnografia estabelece. His-
biente que nos rodeia. toricamente, a etnografia fez parte da exploração
Apesar destes argumentos, têm também emergido (em todos os sentidos da palavra) de comunidades
algumas críticas à aplicação da etnografia na geo- pouco conhecidas pelo mundo Ocidental, sendo
grafia (Herbert, 2000). Primeiro, existe a crítica que nesse âmbito o etnógrafo tinha o papel ser o
de que a etnografia não é científica, nem objetiva, intérprete dessa comunidade, retirando-lhes a ca-
78 Manual de Métodos Qualitativos em Geografia

pacidade de auto-definirem a sua cultura. Ainda


Para saber mais, consulta:
hoje, na estrutura sócio-política que existe, o etnó-
grafo é um especialista, um académico que publi- • Crang, M., & Cook, I. (2007). Doing Ethnographies.
ca as suas descobertas sobre as ‘pessoas comuns’. Londres: Sage.
Este livro apresenta uma extensa reflexão sobre os
Muitos etnógrafos têm-se insurgindo contra esta
contributos e as limitações da etnografia. Os autores
hierarquia desigual na produção do conhecimento refletem sobre a questões centrais ligadas à posiciona-
e, com essa preocupação, têm desenvolvidos alter- lidade, à inserção no campo e ao tratamento dos dados,
recorrendo a exemplos práticos.
nativas etnográficas, algumas das quais serão ex-
ploradas nas próximas secções, nomeadamente as • Herbert, S. (2000). For Ethnography. Progress in Human
participativas. Geography, 24 (4), 550-568.
Este artigo seminal foi uma das primeiras reflexões
em profundidade sobre o valor da etnografia para a
geografia.

• Vannini, P. (2015a). Non-representational ethnography:


new ways of animating lifeworlds. cultural geographies,
22 (2), 317-327.
O autor reflete sobre a utilidade da etnografia para os
estudos geográficos realizados sobre a perspetiva analí-
tica das teorias não-representacionais.

Neste momento, deves sentir-te capaz de:

• Identificar os benefícios que a etnografia • Identificar as fontes de informação mais


pode trazer à tua investigação geográfica. relevantes na tua investigação etnográfica
e cultivar uma atitude reflexiva perante os
• Delinear o teu campo de investigação dados que recolhes.
etnográfica e estabelecer rapport com os
membros da sua comunidade.
Recolha de Dados 79

Métodos Móveis

Objetivos de Aprendizagem

• Entender a necessidade de aplicação • Conhecer as diferentes modalidades dos


de métodos móveis na geografia métodos móveis.
contemporânea.

À
medida que a mobilidade se tornava demasiado ténues para se definir alguma delas em
uma parte cada vez mais importante termos restritos.
da vida das pessoas no final do século O objeto de estudo dos métodos móveis é frequen-
passado, devido a fenómenos geográficos como a temente a mobilidade, com especial incidência so-
expansão urbana e o aumento do tráfego aéreo, bre a mobilidade urbana e o uso de transportes
os geógrafos começaram a adaptar os seus méto- públicos e privados. Mas os métodos móveis fo-
dos para dar conta dos fluxos que compõem estes ram essencialmente desenvolvidos para abordar
movimentos. Este desenvolvimento metodológico os aspetos menos tangíveis dessa mobilidade, isto
encadeava-se com uma viragem mais abrangente é, os aspetos experienciais e performativos que
nas ciências sociais que explorava, por exemplo, não são abarcados, por exemplo, por dados esta-
o potencial das etnografias móveis. Como dis- tísticos ou entrevistas (Harada & Waitt, 2013). E
cutimos na introdução, esta viragem móvel teve as investigações geográficas que aplicam métodos
impacto em vários métodos de investigação tra- móveis têm demonstrado que estes aspetos expe-
dicionais que foram ajustados à mobilidade das rienciais e performativos são essenciais para ex-
práticas dos indivíduos. Darei conta dessas altera- plicar, por exemplo, a escolha do modo de trans-
ções – que frequentemente são também designa- porte, as rotas escolhidas pelos utilizadores, ou o
das como métodos móveis – nos capítulos respe- peso das diferenças sociais no uso de transportes
tivos. Neste, vou focar-me no desenvolvimento de (Merriman, 2014). Deste modo, os métodos mó-
métodos para o estudo de práticas de mobilidade veis tornam-se importantes para a geografia da
específicas. Estes têm frequentemente sido enqua- mobilidade e dos transportes, mas também as in-
drados como etnografias móveis ou etnografias terconectam com a geografia cultural, política e
em movimento, mas na verdade são mais do que social.
etnografias realizadas em contextos de mobili- Uma parte significativa dos métodos móveis tem
dade. É de notar que frequentemente os nomes sido simplesmente usar os meios de transporte
dados aos vários métodos móveis são utilizados existentes e registar essa experiência. Por exem-
de modo intercambiável e que, por esse motivo, plo, Spinney (2006) estudou o uso da bicicleta
as diferenças entre métodos como a caminhada, como meio de transporte em Londres, usando ele
o ir-com, ou a entrevista móvel acabam por ser próprio este meio de transporte e registando as
80 Manual de Métodos Qualitativos em Geografia

suas viagens de bicicleta em vídeo, e combinan- na cidade do Cabo na África do Sul. Em combina-
do estes dados com uma investigação etnográfica ção com vários outros métodos, Benwell realizou
mais profunda das práticas de ciclismo no Reino passeios com crianças para explorar a sua experi-
Unido e em França. Com este estudo, ele mostrou ência espacial e para os envolver numa pesquisa
como a experiência de um lugar através de um participativa mais abrangente. Em última análise,
corpo humano a andar de bicicleta – e dos movi- esta pesquisa permitiu identificar uma série de fa-
mentos e ritmos desta prática – alteram os signi- tores que afetam a mobilidade de crianças em es-
ficados atribuídos pelos ciclistas aos lugares. Por paços pós-apartheid. Por outro lado, Lobo (2014)
outro lado, Edensor (2003) estudou a experiência explorou as experiências racializadas de apanhar
do uso do carro numa autoestrada suburbana no um autocarro em Darwin na Austrália. Ao andar
Reino Unido através de um relato autoetnográfi- de autocarro com membros da população indígena
co do seu próprio trajeto pendular. Neste relato, e migrantes, Lobo desvendou os eventos de des-
Edensor explora a atividade física de conduzir o conforto, tensão e agressão que esta população
carro e as sensações e pensamentos que ela des- experiencia em alguns encontros com estranhos
perta como conforto, emoção, ou irritabilidade, em autocarros: um espaço público confinado em
interligando esta experiência à criação de signi- que os corpos humanos estão mais próximos do
ficados sobre a mobilidade quotidiana. Ao mesmo que o habitual noutras situações sociais. Um outro
tempo, a importância do papel afetivo da paisagem exemplo é o trabalho de Nóvoa (2018), que acom-
na condução é desvendada neste relato. panhou músicos, condutores de transportes pe-
Frequentemente, os geógrafos têm acompanhado sados de mercadorias, e membros do Parlamento
pessoas no seu dia a dia para compreender estas Europeu em viagens de trabalho na europa, num
práticas de outros pontos de vista. Este método estudo sobre a mobilidade e a identidade europeia.
é conhecido como o ‘go-along’ ou ‘ride-along’, Nóvoa comparou as práticas e experiências de
que em ambos os casos podemos traduzir como mobilidade destes três grupos sociais e identificou
‘ir-com’. O ir-com consiste em percorrer um per- uma série de contrastes nestas mobilidades, não
curso com um ou mais participantes na investi- só em termos materiais, mas especialmente na sua
gação. Este percurso pode ser feito a pé, ou em relação com a ideia de identidade europeia. Em li-
qualquer tipo de transporte, incluindo em trajetos nhas gerais, as conclusões destes estudos têm um
intermodais. É comum que este percurso seja um potencial importante para informar as instituições
trajeto habitual do participante, mas não é impe- que planeiam a sustentabilidade da transportação,
rioso. Durante este percurso, o geógrafo tem a porque explicam os fatores subjetivos, pessoais,
oportunidade de questionar o participante sobre emocionais, identitários, culturais e políticos que
detalhes específicos do trajeto e da sua importân- afetam as práticas de transporte individual e cole-
cia para o participante. Para DeLyser e Sui (2013), tivo e dão pistas para promover modos e práticas
o ir-com é útil para revelar as nuances das prá- de mobilidade mais seguras e amigas do ambiente
ticas espaciais no momento e lugar em que elas (Hein, Evans, & Jones, 2008).
acontecem e facilita a discussão sobre essas prá- Uma questão premente nos métodos móveis – tal
ticas. Merriman (2014), por outro lado, destaca a como nas caminhadas – é o modo de registo de
possibilidade de deslocação da posicionalidade e dados. Vários métodos móveis como o ciclismo ou
reflexividade que um método como o ir-com ofe- a condução automóvel geram dificuldades particu-
rece. Noutras palavras, ir-com permite-nos não só lares ao registo de dados devido ao envolvimento
mover-nos com outras pessoas, mas também ob- corporal e atenção que exigem ao investigador e
servar, pensar e interpretar através da sua pers- a todos os participantes na investigação (Spinney,
petiva. Por exemplo, Benwell (2009) explorou a 2011). As soluções que os geógrafos têm encon-
mobilidade de crianças em espaços pós-apartheid trado para fazer face a esta dificuldade têm sido
Recolha de Dados 81

tecnológicas, fazendo uso constante de vídeo, ti-


me-lapse, fonografia, e sistemas de informação ge- Para saber mais, consulta:
ográfica para captar trajetos e as suas práticas e • Hein, J., Evans, J, & Jones, P. (2008). Mobile Methodo-
paisagens (Hein, Evans, & Jones, 2008). De facto, logies: Theory, Technology and Practice. Geography
os métodos móveis geralmente englobam combi- Compass, 2 (5), 1266–1285.
Os autores fazem um estado da arte do uso de metodo-
nações com outros métodos (Paiva, Cachinho, & logias móveis na geografia e apontam futuras possibili-
12 Anonymous Participants, 2018). Neste sentido, dades de aplicação dos métodos móveis.
a prática da mobilidade pode também ajudar-nos
• Merriman, P. (2014). Rethinking Mobile Methods. Mobili-
a conhecer e recrutar novos participantes para a ties, 9 (2), 167-187.
nossa investigação. Este artigo reflete sobre a diversidade e utilidade dos
métodos móveis, e explora as possibilidades de combi-
nação dos métodos móveis com métodos geográficos
tradicionais.

Neste momento, deves sentir-te capaz de:

• Decidir se o tema de investigação • Comunicar aos participantes da tua


geográfica ao qual te dedicas requer uma investigação a importância da observação
abordagem móvel. em mobilidade.

• Planear a observação em mobilidade e o


modo de registo de dados.
82 Manual de Métodos Qualitativos em Geografia

Seguir a Coisa

Objetivos de Aprendizagem

• Entender a necessidade de seguir • Conhecer os processos mais comuns


objetos para a compreensão da geografia de seguir objetos no espaço.
contemporânea.

S
eguir a coisa é uma metodologia de ín- contrário, é mostrar que os objetos são menos im-
dole etnográfica na qual o propósito da portantes do que os contextos geográficos que eles
investigação é seguir um objeto no espa- põem em contacto.
ço. Neste século em que a mobilidade dos bens se Na prática, seguir a coisa é um encontro entre a et-
tornou comum e global, comprimindo o tempo e o nografia multi-situada e a etnografia em movimen-
espaço planetário, este é um método fundamental to. Envolve conduzir um estudo etnográfico nas
para se descrever essa mobilidade e compreender várias localizações que são interpostos significati-
o seu impacto nas várias geografias que os objetos vos na mobilidade de um objeto, mas pode também
atravessam. incluir realizar esse estudo etnográfico durante os
O método de seguir a coisa tem a sua origem no momentos em que o objeto está em movimento em
interesse dos geógrafos críticos em desvendar as diversos tipos de transporte. Seguir a coisa implica
estruturas do mercado de consumo e as ligações perceber a sua vida social. Isto é, implica perceber
entre os consumidores ocidentais e aqueles que que relações as pessoas estabelecem com o objeto,
produzem bens em países distantes, que são sempre quais são os atores-chave envolvidos na sua produ-
invisíveis para as sociedades de consumo (Cook et ção, mobilidade e consumo, e que papel esse objeto
al., 2004). Com isso, os geógrafos críticos espera- tem na economia, na política e na sociedade de cada
vam obter uma visão mais concreta sobre a globa- ponto significante da trajetória. No entanto, seguir
lização e os seus efeitos geográficos, mas também coisas pode ser orientado para diferentes caracte-
mostrar a exploração e a crueldade que povoam os rísticas da coisa. A abordagem tradicional é seguir
modos e os fluxos de produção entre as socieda- o objeto enquanto mercadoria. Isto significa enten-
des capitalistas e os países menos desenvolvidos. O der o objeto como algo económico, que tem valor
objetivo era, portanto, tão epistemológico quanto e é usado em trocas. Significa também situá-lo nas
ético. Não era sobre mostrar como as coisas se mo- redes político-económicas que o definem enquanto
vem – o que é conhecimento comum – mas mostrar mercadoria (Akbari, 2020). Por outro lado, seguir a
como as vidas de pessoas distantes estão interli- coisa é também frequentemente seguir as mudan-
gadas. Assim, de um modo um pouco paradoxal, o ças dos significados que lhe são atribuídos. Isto é,
que está em questão em seguir a coisa é justamente os objetos em diferentes contextos geográficos têm
o oposto de nos obcecarmos com os objetos. Pelo diferentes valores e significados. Se numa sociedade
Recolha de Dados 83

Figura 7. As modalidades do método de seguir a coisa.

Seguir a coisa Seguir a coisa Seguir a coisa


do início ao fim do fim ao início da produção
do consumo do consumo à destruição

um objeto pode ser lixo, noutra pode ser um recur- estudo de Cook et al. (2004) sobre papaia. Cook
so que pode ser reutilizado. Se para uma cultura um realizou um estudo etnográfico sobre a cadeia de
objeto pode ter um significado de classe ou religio- produção e consumo da papaia no contexto britâ-
so, noutra pode ser apenas um material banal. Ao nico, realizando trabalho de campo numa quinta na
seguirmos uma coisa, estas mudanças de significa- Jamaica, num negócio de importação de papaia no
do tornam-se patentes e refletem a relação mútua Reino Unido, e num supermercado e num aparta-
entre as materialidades e as culturas (Evans, 2018). mento em Londres. No seu artigo, Cook descreve
Tipicamente, esta metodologia é feita do fim ao as práticas de produção, importação, venda e con-
início de um ciclo de consumo (Figura 7). Isto é, sumo de papaia nestes quatro lugares e os grupos
começa-se por identificar um objeto de consumo e sociais e profissionais envolvidos – o agricultor, o
retraça-se a sua trajetória até ao local da sua pro- importador, o comerciante e o consumidor. Entre
dução. No entanto, alguns estudos seguem o per- estas descrições, as rotas internacionais e a econo-
curso inverso, e outros têm notado que é também mia política da papaia são também explicadas.
preciso percorrer o ciclo de vida dos objetos desde Seguir coisas tem-se mostrado útil para todos os
o seu uso numa prática de consumo até à sua des- subcampos da geografia humana e existem várias
truição final, identificando os processos de abando- aplicações da metodologia, com as devidas adapta-
no, recolha, reciclagem, desmontagem e destruição ções. Por exemplo, Peck e Theodore (2012) adap-
que ocorrem (Gregson, Crang, Ahamed, Akhter, & taram a metodologia para a geografia política, in-
Ferdous, 2010). titulando o seu estudo de ‘seguir a política’. Tendo
A recolha de dados numa metodologia de seguir a consciência que a globalização implica também
coisa deve ser feita no sentido de realizar a biogra- uma maior mobilidade de conceitos e instrumentos
fia da coisa, da sua criação ao seu desaparecimento políticos entre fronteiras, estes geógrafos sentiram
(Evans, 2018). Efetuar um registo de campo e re- a necessidade de perceber como determinadas po-
colha videográfica ou fotográfica são geralmente as líticas se difundem e são aplicada em diversos con-
técnicas mais utilizadas para ser possível escrever textos nacionais. Os autores estudaram duas polí-
essa biografia. ticas com origem em países da América do Sul que
O primeiro estudo geográfico que claramente se se difundiram nesse e noutros continentes: o Orça-
baseou numa metodologia de seguir a coisa foi o mento Participativo e as Transferências Condicio-
84 Manual de Métodos Qualitativos em Geografia

nadas de Renda. O primeiro é bem conhecido em


Para saber mais, consulta:
Portugal e no Brasil. Um exemplo do segundo, que
não existe em Portugal, é o Programa Bolsa Famí- • Cook, I., et al. (2004). Follow the thing: papaya. Antipo-
lia do Brasil. O estudo deles consistiu em identifi- de, 36 (4), 642-664.
Este artigo seminal foi a primeira aplicação amplamente
car a difusão destas políticas (as rotas e temporali-
reconhecida do método de seguir a coisa. Embora o
dades), os diferentes modelos que elas assumiram artigo não descreva a metodologia em pormenor, a des-
em cada país, e contextualizar essas mutações no crição do estudo de caso multisituado permite perceber
como a metodologia funciona.
enquadramento político respetivo.
Na geografia ambiental, Evans (2018) decidiu se- • Cook, I., & Harrison, M. (2007). Follow the Thing. “West
guir um objeto sem recorrer à etnografia multi-si- Indian Hot Pepper Sauce”. Space and Culture, 10 (1),
40–63.
tuada. Evans, que estava interessado em perceber o
Este artigo reflete sobre a aplicação do método de
desperdício energético e alimentar em habitações seguir a coisa, apresentando um caso prático de um
urbanas, decidiu seguir objetos dentro de uma ha- produto alimentar consumido em Londres.

bitação. Por um lado, seguiu a comida e o seu pro-


cesso de transformação em lixo e, por outro, seguiu na mobilidade destas coisas intangíveis (Chris-
a roupa e o seu processo de limpeza e manuten- tophers, 2011). Por outro lado, há coisas tangíveis
ção que implica gastos de água e eletricidade. Este que no mundo complexo da globalização se tornam
estudo permitiu-lhe contextualizar as práticas de impossíveis de aceder, quer porque os lugares por
consumo e o desperdício material nas culturas de onde passam são inacessíveis, porque as suas tra-
consumo e sustentabilidade, elucidando o papel da jetórias são imprevisíveis, ou porque são sujeitas a
ética e identidade pessoal no uso sustentável dos interrupções imprevisíveis. Estas inacessibilidades,
recursos. em vez de serem consideradas meros obstáculos
Seguir coisas tem as suas limitações. Por um lado, à investigação científica, podem também apresen-
há coisas intangíveis que não é possível seguir, tar-se como oportunidades para a investigação, se
como é o caso de dinheiro ou dados informáticos. orientarmos os nossos estudos não para a descrição
Nestes casos, a metodologia pode ser ainda assim da trajetória da coisa, mas para a explicação dos
ser conduzida se for possível identificar e conseguir fatores políticos, económicos e geográficos que tor-
acesso a uma série de interpostos de importância nam essas trajetórias inacessíveis (Hulme, 2017).

Neste momento, deves sentir-te capaz de:

• Identificar objetos que podem ser seguidos • Pesquisar as rotas desses objetos e delinear
para se compreender determinados fluxos um plano para efetuar observação em
geográficos. movimento ou multi-situada.
Recolha de Dados 85

Sombreado

Objetivos de Aprendizagem

• Compreender a necessidade de conduzir • Conhecer as diferentes modalidades do


algumas investigações etnográficas ‘na sombreado e as suas aplicações práticas.
sombra’.

O
sombreado é um método de investiga- facto, uma aplicação prática do sombreado irá
ção na qual o investigador observa a sempre ter alguma semelhança a um método espe-
ação social de forma dissimulada, ou cífico. A diferença principal está de facto na dissi-
seja, sem o conhecimento da maioria ou de todos mulação. Ao contrário destes outros métodos em
os sujeitos presentes no local de estudo, e com mí- que é comum colocar questões e conversar com os
nima ou nenhuma participação por parte do in- participantes durante o decorrer do trabalho de
vestigador nessa ação social. O objetivo é estar o campo, o sombreado envolve sempre a menor in-
mais próximo possível da ação social ‘como ela é’, tervenção possível (Alaimo & Picone, 2015). Para
isto é, sem a intervenção, interrupção ou presença que isto seja garantido, algumas variáveis devem
visível do investigador. Deste modo, o sombrea- ser tidas em conta.
do pretende evitar que a presença do investigador Uma questão é importante é se o objeto ou sujei-
altere os eventos que acontecem num determina- tos do estudo são móveis. Embora o sombreado
do local. Assim, o investigador tenta permanecer seja genericamente considerado um método mó-
completamente ‘na sombra’, porque em alguns vel, ele pode também ser utilizado para estudar
contextos o simples facto de as pessoas saberem práticas situadas em lugares específicos. Ambas as
que estão a ser observadas altera o seu comporta- escolhas irão sempre apresentar desafios quanto
mento, especialmente quando as suas práticas po- à dissimulação da presença do investigador e à
dem de algum modo ser julgadas negativamente ética da investigação. Por um lado, o sombreado
ou quando se trata de um espaço, ainda que públi- enquanto método móvel implica seguir sujeitos, o
co, onde existe expectativa de privacidade, como que poderá ser problemático em contextos mais
é o caso, a título de exemplo, de restaurantes ou isolados em que os sujeitos se podem aperceber
transportes públicos. que estão a ser seguidos. Por outro, o sombreado
O sombreado é um método com uma definição como método localizado só é possível em locais
ampla porque pode ser usado em vários contextos públicos, a não ser que o investigador consiga ne-
e com níveis diferentes de dissimulação. Por este gociar a sua entrada em locais de acesso restri-
motivo, ele confunde-se facilmente com outros to. Por exemplo, em alguns locais de trabalho é
métodos, como as caminhadas acompanhadas, os possível que o investigador consiga inserir-se no
métodos móveis, ou até mesmo a etnografia. De campo ao candidatar-se a um emprego aí e ser se-
86 Manual de Métodos Qualitativos em Geografia

lecionado. Face a estes desafios, o acompanhamen- quantidade de horas de observação e informação


to dos sujeitos do estudo nem sempre é realizado depende inteiramente do objeto e amplitude do
sem o seu conhecimento. Na tomada desta deci- estudo. O sombreado requer igualmente paciência
são, pesam principalmente as regras dos lugares e atenção aos detalhes. Implica seguir as práticas
em que o estudo decorre. Um estudo, por exem- de sujeitos, mas também relacioná-las com o con-
plo, das sociabilidades de um espaço de usufruto texto espacial, social e cultural. Neste âmbito, im-
público como uma esplanada pode ser conduzido porta decidir como a informação será registada. A
sem o conhecimento dos clientes que ocupam essa necessidade de dissimulação dificulta esta tarefa,
esplanada. Em contraste, para se realizar um es- visto que tirar um caderno do bolso e começar a
tudo sobre as práticas de gestão do espaço dos escrevinhar ou pegar no telemóvel e filmar pesso-
empregados da esplanada, seria preciso obter con- as indiscriminadamente não será entendido como
sentimento para se acompanhar de perto os traba- normal em quase sítio nenhum. O mais frequente
lhadores. Frequentemente, para ultrapassar estes é criar-se um diário para se registar a observação
desafios, o investigador dá-se a conhecer apenas à depois da saída do campo, mas em alguns casos é
pessoa que lhe pode dar acesso aos locais onde o possível usar-se tecnologias de gravação para re-
estudo deverá decorrer, e permanece ‘na sombra’ gistar as práticas e eventos observados, como uma
para todos os outros. câmara de filmar (Richardson-Ngwenya, 2014).
Por este motivo, o sombreado esbate a divisão Embora o sombreado apenas tenha sido conceptu-
tradicional entre observação participante e ob- alizado como método particular recentemente – e
servação não-participante. Como Alaimo e Picone na sua maioria por antropólogos – o seu uso na
(2015) referem, no sombreado é menos importan- geografia tem algum tempo, embora até há poucos
te definir ou refletir sobre se o ponto de vista da anos apenas considerado como uma modalidade
investigação é interno ou externo à ação social do da etnografia. No entanto, alguns geógrafos têm
que explorar o diálogo entre estas duas perspe- explicitamente aplicado o sombreado como méto-
tivas. Também neste sentido, o sombreado não é do de investigação nos últimos anos. Por exem-
deve ser entendido restritamente como um méto- plo, Sarmento (2017) estudou os ritmos andantes
do de investigação, mas como uma abordagem à dos turistas na Medina de Tunis, na Tunísia, com
ação social na qual o conhecimento advém de uma recurso a sombreados nos quais ele seguiu gru-
dupla posição perante a realidade: a perspetiva de pos de turistas que percorriam as ruas da Medina
alguém que está no cerne da ação social, mas ob- e observou as suas rotas, paragens, interações e
serva como um estrangeiro. Esta perspetiva é ao comportamentos, sempre que possível fotografan-
mesmo tempo uma vantagem e um limite. Por este do ou desenhando estes grupos. Sarmento seguia
motivo, o sombreado é frequentemente combina- os grupos e abortava o sombreado sempre que
do com outros métodos que providenciam tanto eles entravam em restaurantes ou cafés durante
novas perspetivas de observação não-participante, mais de 20 minutos. Os dados registados no som-
como o vídeo ou a fotografia, como abordagens breado foram completados com entrevistas e um
que salientam o ponto de vista dos participantes, levantamento de comentários na plataforma digi-
como as entrevistas. tal TripAdvisor. Com esta informação, Sarmento
O sombreado é um método de índole etnográfica. identificou os diferentes ritmos de andar que os
Com isto, quero dizer que é necessário um perí- turistas performam e a relação entre as mudanças
odo de tempo considerável para que o investiga- entre diferentes ritmos e as situações sociais e as
dor tenha um conjunto significativo de descrições formas urbanas que os turistas encontram. Por
de observações e dados para explicar as práticas outro lado, Newhouse (2017) estudou as práticas
e eventos observados. No entanto, como os ter- financeiras de migrantes e empresários em Juba,
mos considerável e significativo se traduzem em no Sudão do Sul, combinando etnografia e som-
Recolha de Dados 87

breamento com entrevistas e grupos focais. Este


estudo em profundidade permitiu que Newhouse Para saber mais, consulta:
conseguisse desvendar a relação complexa que de- • Alaimo, A., & Picone, M. (2015). Shadowing e GIS qua-
fine as decisões nas práticas de uso de coberturas litativo: due strumenti per narrare la città. Scienze del
financeiras no Sudão do Sul, que está relacionada Territorio, 3, 176-185.
Os autores mostram a utilidade do método do sombre-
com comparações entre economias locais, diferen- ado, apresentando uma aplicação prático com o uso de
ças de acesso a conhecimento fiável, e os riscos sistemas de informação geográfica qualitativa.
associados à instabilidade política e às tensões bé-
licas que afetam a região. Por último, Paiva e Ca-
chinho (2019) realizaram observação sombreada
numa praça no concelho de Vila Franca de Xira
para estudar a apropriação do espaço público por
jovens. Esta observação dissimulada permitiu não
só mapear os territórios que os jovens instaura-
vam, mas também a identificação das práticas so-
noras que os jovens mobilizam para marcar esses
territórios.

Neste momento, deves sentir-te capaz de:

• Saber quando é eticamente válido e • Planear o registo de dados resultantes


cientificamente útil recorrer à observação de observação sombreada.
etnográfica dissimulada.
88 Manual de Métodos Qualitativos em Geografia

Etnografia Digital

Objetivos de Aprendizagem

• Compreender a importância de realizar • Conhecer os diferentes tipos de etnografias


etnografia em contextos digitais. digitais.

• Saber como adaptar um estudo etnográfico


a um contexto digital.

Q
uando mais de metade da população A etnografia digital tem várias vantagens. A mais
mundial tem acesso à internet, o estudo importante é que nos permite chegar a bases de
da geografia humana não pode ignorar dados com uma quantidade imensa de informação.
toda a informação geográfica gerada no mundo Para além disso, essa informação é frequentemente
virtual. Esta informação é tanto qualitativa como focada, porque as comunidades online organizam-
quantitativa, pois inclui uma quantidade vastíssi- -se em torno de praticamente todos os temas que se
ma de texto, imagem e som. Para além disso, dada podem abordar. Acresce a isto o facto de a informa-
a facilidade com que os utilizadores podem inserir ção frequentemente provir de um âmbito geográfico
e partilhar dados em linha, esta informação qua- alargado, o que é particularmente útil no caso de
litativa é particularmente expressiva para quem estudos com comunidades minoritárias em que é
está interessado em perceber mais sobre como as difícil chegar a vários membros (Mateos & Durand,
pessoas entendem, representam e vivem o espaço 2012). Por outro lado, o custo é também uma vanta-
(Carter, 2015). gem importante, porque recolher informação online
Por estes motivos, é cada vez mais comum que a pode em alguns casos substituir viagens para fazer
investigação etnográfica inclua uma componente trabalho de campo e conduzir entrevistas, que im-
digital, ou se foque mesmo unicamente em espa- plicam financiamento e tempo. Especialmente nos
ços digitais. Têm surgido várias designações para casos em que a pesquisa envolve trabalho de campo
nomear esta prática, entre elas etnografia digital, em vários países, a etnografia digital pode ser um
netnografia ou etnografia virtual. Cada termo tem aliado importante (Carter, 2015).
sido definido de uma maneira própria com algumas A etnografia digital não implica uma mudança radi-
nuances, mas de uma maneira simples, a etnografia cal em relação ao modo como convencionalmente se
digital consiste num estudo etnográfico em que o pratica a etnografia. Uma etnografia digital é igual-
campo está na internet. Isto pode tanto significar mente um processo de investigação longo e rigoro-
que é o próprio espaço virtual e as atividades huma- so no qual uma série de etapas devem ser cumpridas
nas que aí decorrem que perfazem o caso de estudo, (Duggan, 2017). Não obstante, as características do
como significar que o espaço virtual é o meio de re- mundo virtual obrigam a algumas reorientações
colha de informação sobre um caso de estudo que que serão comuns à maioria das etnografias con-
corresponde a um espaço físico. duzidas em espaços virtuais. Em primeiro lugar, na
Recolha de Dados 89

etnografia digital o investigador não vai fisicamen- digital mostra que o fórum online tanto encurta
te ao campo, logo ele está de certo modo ausente, espaços entre pessoas como promove a curadoria
no sentido em que não se relaciona com o espaço e da mobilidade de bens. Em segundo lugar, alguns
os outros seres da mesma maneira que o faria num estudos focam-se no modo como a internet e as
ambiente físico (Carter, 2015). Isto tem implicações tecnologias digitais têm alterado as práticas sócio-
no modo como o investigador se relaciona com os -espaciais. Neste âmbito, Burns (2018) realizou uma
outros, que estará sujeito às convenções sociais do investigação sobre a política institucional e comuni-
espaço virtual em questão. Em alguns deles, a co- tária de recolha de dados em contexto de desastres
municação é apenas escrita, muitas vezes é anóni- humanitários. O geógrafo conduziu uma etnografia
ma, e por vezes existe uma ausência total de comu- em Washington e Nova Iorque, nos Estados Unidos
nicação. Por outro lado, a etnografia digital implica da América, após o furacão Sandy, com organiza-
analisar e interpretar não só no que se vê à super- ções não-governamentais que produziam volunta-
fície no espaço virtual, mas no nível mais profundo riamente bases de dados georreferenciadas. Burns
de como as infraestruturas digitais e os ambientes mostra que os dados produzidos por estas entidades
virtuais estruturam o que é visível. É importante procuram responder às necessidades dos serviços
ter em conta que alguém escreveu ou escolheu re- de emergência formais, enquanto as associações
presentar o que vemos online, e portanto é preciso das comunidades locais sentem que estes dados não
ter em conta que os dados de qualquer estudo on- incluem as necessidades de todos. Por outro lado,
line provém não só de um sujeito, mas também de Paiva e Sánchez (2021) realizaram um estudo so-
um sistema específico providenciado por uma enti- bre o impacto do turismo na vida quotidiana dos
dade política, empresarial, ou comunitária (Woods, habitantes do centro da cidade de Lisboa, e com-
2021). Relacionado com isto, é importante ter em binaram informação recolhida sobre as queixas dos
conta que as culturas online não se desenvolveram moradores através de etnografia digital em grupos
autonomamente a partir do vácuo do digital. Elas de Facebook com informação recolhida através de
são transposições de culturas do mundo físico que entrevistas, organização de debates e observações
têm um desenvolvimento particular no espaço vir- etnográficas. Finalmente, uma linha de investigação
tual, podendo expandir, complementar, contestar, explora as práticas digitais de comunidades geo-
multiplicar, diversificar ou divergir dessas culturas gráficas sem que a etnografia em si se faça através
do mundo físico. Assim, é importante ter em conta de tecnologias digitais. Um exemplo deste tipo de
a relação e interação entre as culturas virtuais e das investigação é o estudo de Bos (2018) sobre a geo-
não-virtuais (Maalsen & McLean, 2016). política popular do videojogo militar Call of Duty.
A investigação que utiliza etnografias digitais Num estudo etnográfico que pretende iluminar a
como método foi dividida em três tipos por Dug- interacção entre a esfera doméstica e a pública na
gan (2017). Primeiro, alguns estudos usam a tec- formação do pensamento popular geopolítico, Bos
nologia digital como meio exclusivo de recolha de realizou 33 entrevistas e recolheu e analisou vídeos
dados. Jansson (2019), por exemplo, mostrou que os de utilizadores a jogarem o videojogo para explorar
fóruns online funcionam como espaços de curadoria o modo como a performatividade de jogar o video-
num estudo sobre fóruns de equipamentos de som. jogo permite interacções práticas com conceitos de
Através de uma etnografia digital nestes fóruns, o geopolítica e molda as representações geopolíticas
geógrafo mostra que estes são espaços de encon- dos jogadores.
tro, diálogo e troca de experiências que contém evi- Entre os limites da etnografia digital, está o facto
dentes estruturas de poder e que os fóruns operam de que os ambientes virtuais foram criados para
como um espaço de legitimação de experiências e propósitos que não são os da investigação, que po-
tecnologias de som interligado com um mundo de dem ser empresariais, sociais ou políticos (Mateos
encomendas online. Neste sentido, a etnografia & Durand, 2012). Assim, os ambientes virtuais são
90 Manual de Métodos Qualitativos em Geografia

enquadrados pelas estruturas, organização e algo-


Para saber mais, consulta:
ritmos que os regem, e isso pode influenciar o que
as pessoas partilham, bem como dificultar a identi- • Duggan, M. (2017). Questioning “digital ethnography”
ficação da origem, do escopo e do âmbito geográ- in an era of ubiquitous computing. Geography Com-
pass, 11 (5), e12313.
fico da informação. Isto é, por vezes é difícil saber
O autor reflete sobre os desenvolvimentos da etnografia
quem é responsável pela inserção de uma informa- digital, identificando os seus vários tipos e salientando o
ção, ou quantas pessoas participaram nessa inserção valor da etnografia para compreender o mundo digital.

ou quantas a consultaram. Embora o propósito da


investigação qualitativa não seja encontrar dados
representativos de uma população maior, é impor-
tante compreender a dimensão e características da
comunidade geográfica em questão, o que alguns
ambientes virtuais dificultam. Tem também sido
notado que a etnografia digital pode ser problemá-
tica se for um método que reforça o binário real-
-virtual ou online-offline que as geografias digitais
têm contestado fortemente. Ou seja, não é possível
separar as atividades que as pessoas realizam no
mundo real e no mundo virtual porque estas estão
interligadas. Por esse motivo, se a etnografia digital
não tiver em conta o enraizamento do mundo vir-
tual numa geografia real, os relatórios que produz
serão incompletos e enviesados (Duggan, 2017).

Neste momento, deves sentir-te capaz de:

• Adaptar o teu estudo etnográfico a um


contexto digital.
Recolha de Dados 91

Autoetnografia

Objetivos de Aprendizagem

• Entender o valor da autoetnografia para o • Conhecer os passos que a autoetnografia


estudo de temas sócio-geográficos. implica, e as suas limitações.

A
autoetnografia consiste no estudo de falar sobre eles. Por último, vários tópicos neste
uma experiência vivida pelo investi- campo, nomeadamente àqueles ligados à violên-
gador. Na autoetnografia, o sujeito da cia, são eventos invulgares, pontuais, esporádicos,
investigação é o próprio investigador; é a sua vi- temporários, efémeros. Por estes motivos, a autoet-
vência que será objeto de análise e interpretação. nografia surge como um método privilegiado para
No entanto, o propósito deste método é contextu- estudar o que o corpo sente, e para conseguirmos
alizar essa experiência vivida num ambiente social situar e relacionar essas experiências corporais
ou geográfico. Em alguns casos, a autoetnografia com um contexto social ou geográfico mais amplo.
consiste também em dar poder a participantes ou Alguns autores sugerem que o que está em causa
comunidades para se exprimirem e representarem na autoetnografia é usar o nosso corpo ele próprio
a eles próprios em estudos académicos (Butz & como instrumento de investigação (Longhurst,
Besio, 2004). Ho, & Johnston, 2008). O corpo permite-nos ob-
O valor da autoetnografia reside na possibilidade ter várias informações sobre um lugar que de outro
que nos oferece de abordarmos informação que não modo não acedemos, como as suas sensações (cores,
teríamos acesso de outro modo. É particularmente cheiros, sons) ou as emoções e afetos que desperta
importante para o estudo de experiências pessoais, (medo, tranquilidade, aventura). A autoetnografia
sensíveis ou raras, sobre os quais é difícil encontrar pode iluminar a importância geográfica destes fe-
pessoas disponíveis para serem informantes ou re- nómenos.
alizarem uma entrevista. Frequentemente, a auto- Na prática, a autoetnografia consiste num proces-
etnografia na geografia aborda temáticas ligadas à so de experienciar, narrar e refletir uma determi-
relação entre o corpo humano e o espaço, no âmbi- nada vivência. Aquilo que normalmente chama-
to das geografias do corpo, geografias interseccio- ríamos de recolha de dados é na autoetnografia
nais, ou geografias de género e das sexualidades. uma simples vivência. Esta pode ser previamente
Existem várias barreiras ao estudo desta relação. planeada como um estudo de caso, definindo-se a
Primeiro, nenhum método nos revela nada sobre o priori o espaço, o tempo e o contexto social des-
que sentem os corpos dos outros, apenas nos revela sa vivência. Em alternativa, é possível realizar-se
o que os outros dizem sobre o que sentem. Segun- uma autoetnografia recorrendo-se às memórias de
do, vários tópicos são íntimos e por isso é difícil experiências passadas. Embora esta abordagem
encontrar pessoas que se sintam à vontade para apresente limitações devido às falhas da memória,
92 Manual de Métodos Qualitativos em Geografia

no estudo de situações raras é por vezes a única tífica, esbatendo a barreira entre investigador
opção. Por outro lado, recorrer-se a experiências e investigado (Butz & Besio, 2009). No entanto,
passadas também nos permite ter em conta como as suas limitações são patentes. Um perigo par-
essas experiências afetam o futuro, através de ticular é que, em vários contextos geográficos, é
aprendizagens, lembranças ou traumas. possível que estejamos a apagar as experiências,
O modo como estes dados empíricos são recolhi- representações e expressões de outras pessoas ou
dos é frequentemente através da escrita de narra- comunidades ao se amplificar uma expressão pes-
tivas. Isto consiste em ter um caderno onde va- soal em particular (Besio & Butz, 2004). De fac-
mos descrevendo a experiência, tentando apontar to, é importante procurar evitar que um estudo
tudo o que nos lembramos, o que fizemos, o que autoetnográfico se torne egocêntrico ou etnocên-
nos fizeram, o que foi dito, onde estávamos, o que trico, ou que promova algum tipo de exclusão ou
pensámos, o que sentimos, e o que tudo isso sig- silenciamento. Isto é, a autoetnografia deve perce-
nifica para nós ou para os outros. Em alternativa ber os limites das generalizações que pode fazer,
á escrita, pode-se criar um diário áudio e ouvi-lo. e estar atenta a outras visões que podem existir
A interpretação destes dados empíricos consiste sobre essa experiência. Implica assim não ser pu-
num processo de auto-reflexão que deve ser de- ramente auto-centrada, mas implicar um esforço
vidamente enquadrado num contexto social ou de empatia, relacionamento, diálogo e reflexão.
geográfico. Isto é, pese embora a importância da Relacionado com este perigo é a questão da iden-
experiência subjetiva e da auto-narração, o obje- tidade e da representação que a autoetnografia
tivo de uma autoetnografia é explicar como essa implica. A autoetnografia, por implicar a narra-
experiência vivida demonstra a importância de ção de um ‘eu’, também transmite uma identidade
fatores sociais ou geográficos. Isto é, a autoetno- pessoal que pode ser compreendida como coletiva.
grafia mostra como é que a paisagem, as regras, Assim, a forma como a autoetnografia é escrita,
as relações sociais, as representações, os discursos, onde é publicada, e por quem é lida também são
ou as práticas de um lugar constrangem ou poten- fatores a considerar no desenvolvimento deste
ciam práticas individuais, e como é que estas são método. Frequentemente, o público académico
experienciadas. Deste modo, a autoetnografia é para quem escrevemos e a comunidade geográfica
um método particularmente importante para ex- sobre a qual escrevemos entendem a nossa auto-
plicar a relação entre indivíduo e grupo social, ou etnografia de modos bastantes distintos (Butz &
entre indivíduo e ambiente. Besio, 2009).
Não obstante estes passos comuns, a autoetnogra- Existem vários exemplos da aplicação de autoet-
fia não tem um processo consolidado, nem pode nografia na geografia humana, desde a geografia
ter. É frequentemente dito que a autoetnografia cultural à económica. Por exemplo, Boğaç (2020)
não é uma metodologia pré-estabelecida, mas uma recorreu à autoetnografia para estudar a sua pró-
abordagem que necessita de uma sensibilidade pria experiência de visitar Varosha, um bairro
específica para cada caso (Butz & Besio, 2004). abandonado em Famagusta, Chipre, cujo acesso é
De facto, embora seja mais comum que a autoet- proibido desde a partição da ilha em 1974. Du-
nografia seja planeada com passos específicos e rante a infância e adolescência, Boğaç visitara este
distintos, este é por vezes um método acidental, local, estabelecendo uma ligação emocional ao
porque o investigador se encontra a si próprio a mesmo, embora ele estivesse abandonado. Déca-
experienciar um evento que não esperava viver das depois, Boğaç reflete sobre a sua ligação a este
mas que tem relevância geográfica (Shaw, 2013). local para desenvolver o conceito de ligação ao
Dado que a fonte dos dados empíricos é o pró- lugar, aplicando-o a lugares proibidos. Algumas
prio investigador, este método permite um forte aplicações desde método têm sido colaborativas.
entrosamento entre os dados e a literatura cien- Por exemplo, Asante e Abubakari (2020) realiza-
Recolha de Dados 93

ram uma autoetnografia colaborativa durante os


seus doutoramentos, com o propósito de estuda- Para saber mais, consulta:
rem as experiências de estudantes africanos que • Butz, D., & Besio, K. (2009). Autoethnography. Geogra-
realizam doutoramentos na Europa. Através des- phy Compass, 3 (5), 1660-1674.
ta colaboração, Asante e Abubakari identificam os Os autores definem as principais características e tipos
da autoetnografia, mostrando como a autoetnografia
elementos que moldam as experiências de estu- dissolve as fronteiras entre investigador e investigado,
dantes doutorais africanos em universidades eu- e discutem a relevância do método para a geografia.
ropeias, nomeadamente os sistemas de apoio e su-
pervisão, a formação científica, as expectativas das
universidades em relação à performance dos estu-
dantes, e as capacidades de escrita dos estudantes.
A partir destas conclusões, os geógrafos elaboram
uma série de recomendações com vista a melho-
rar o apoio a estudantes doutorais. Por outro lado,
Subrahmanyan, Stinerock e Banbury (2015) con-
duziram uma autoetnografia para estudar como
se desenvolve um conceito pessoal de consumo
ético e como este conceito é alterado e negociado
quando se migra de um país para o outro. Neste
estudo, os três autores descrevem as suas mobili-
dades pessoais, da Índia para os Estados Unidos
da América (EUA), dos EUA para Portugal, e da
Austrália para os EUA. Ao fazerem-no, refletem
sobre como as suas ideias e práticas sobre con-
sumo ético se alteraram e como isso se relaciona
com o contexto económico e cultural em que se
inserem, bem como a posição social que ocupam
nesse contexto.

Neste momento, deves sentir-te capaz de:

• Realizar uma autoetnografia, recolhendo • Ter atenção às limitações do método e


e refletindo criticamente sobre dados cultivar a reflexividade e os métodos mistos.
experienciais.
94 Manual de Métodos Qualitativos em Geografia

Investigação-ação

Objetivos de Aprendizagem

• Compreender a mais-valia de incluir • Conhecer os princípios pelos quais


a população e as comunidades na se rege a investigação-ação.
investigação geográfica.
• Conhecer os principais passos que
a investigação-ação engloba.

A
investigação-ação, também conhecida O segundo modelo procura ultrapassar ou pelo
como investigação participativa, é um menos minimizar os problemas éticos desta rela-
termo que designa metodologias que ção hierárquica da investigação. Os proponentes
procuram não só produzir conhecimento acerca da investigação-ação defendem que a investigação
de realidades específicas, mas também transformar deve envolver as comunidades locais nos estudos
essas realidades para melhor. A investigação-ação científicos, permitindo que estas interajam na cria-
faz parte do leque de abordagens metodológicas da ção de questões de investigação e que participem
academia desde o fim da Segunda Guerra Mundial na recolha e análise de dados, e que a investigação
e, no início deste século, uma viragem participativa deve gerar benefícios para essas comunidades. Es-
na geografia tornou-a um dos métodos mais popu- tes benefícios podem ser de diferentes ordens, mas
lares da disciplina. A ideia base da investigação-a- o mais importante é que vão ao encontro do que a
ção é que a investigação científica deve servir para comunidade precisa. Neste sentido, ouvir a comu-
melhorar a vida das pessoas e que a investigação nidade é tudo.
deve ser pensada de raiz para tal. Subjacente a esta O processo da investigação-ação tem de ser adequa-
ideia está um interesse em abandonar um modelo do a cada lugar e comunidade que se estuda e, por-
de investigação focado na posição do investigador e tanto, implica diferentes métodos e temporalidades
implementar um modelo focado na posição das pes- de investigação, mas existem alguns princípios co-
soas dos lugares em estudo (Kindon, Pain, & Kesby, muns que importa destacar: a democracia, a plurali-
2007). No primeiro modelo, o investigador decide dade, e a ação transformativa.
a investigação, vai ao campo recolher dados, e re- O princípio da democracia é comum a toda a inves-
gressa à academia para mostrar os seus resultados tigação-ação. Procura-se essencialmente garantir
e disseminar o seu conhecimento. Frequentemente, a participação alargada de uma comunidade nas
as comunidades que foram estudadas não recebem decisões que podem transformar o seu mundo na-
nenhum benefício direto desse estudo, apesar de te- tural e social. Na prática, isto implica tentar mini-
rem contribuído para ele, por exemplo, oferecendo mizar todas as barreiras à participação que podem
o seu tempo para serem entrevistados. Ao mesmo existir (Pain & Francis, 2003). Esta pode ser uma
tempo, a publicação do estudo pode contribuir bas- questão difícil; existem vários motivos que levam
tante para o avanço da carreira do investigador. as pessoas a não querer participar numa investiga-
Recolha de Dados 95

Figura 8. Os passos da investigação-ação.

Reflexão conjunta sobre as ações


Os investigadores e a Criação de roteiro de conduzidas para identificar o que
comunidade identificam investigação-ação que visa se aprendeu com elas, que novos
situações problemáticas que reunir e mobilizar as capacidades problemas são identificados ou que
precisam de ser mudadas conjuntas para gerar mudança novas acões podem ser realizadas

ção: desconfiança em relação a instituições como as lidade dos conhecimentos não é o mesmo que ad-
universidades, medo de represálias locais, falta de mitir que qualquer ideia pode ser verdadeira, que
conhecimentos sobre processo de participação, di- qualquer posição pode ser moral, ou que qualquer
ficuldades de comunicação, vulnerabilidades sociais ação é justa. Antes, implica reconhecer que nos to-
como discriminação histórica, ou desmotivação e dos devem ter uma palavra a dizer sobre o que é
descrença no impacto da investigação. Uma parte verdadeiro, moral e justo.
significativa da investigação-ação é devotada a en- O propósito central da investigação-ação é trans-
contrar modos de ultrapassar estas barreiras, e isso formar um lugar para melhor. Esta transformação
pode significar a aplicação e um encadeamento de não tem de ser de grande alcance. Pequenas mu-
vários métodos específicos. danças podem ser de grande importância para algu-
Por outro lado, a investigação-ação implica o reco- mas pessoas. Na investigação-ação, o sucesso de um
nhecimento de uma pluralidade de conhecimentos. projeto de investigação mede-se igualmente pelo
Isto quer dizer que não é apenas o conhecimento conhecimento novo que é produzido e pela trans-
científico produzido por académicos que conta como formação sócio-espacial que é alcançada (Fuller &
saber, mas todas as formas de conhecer e utilizar o Kitchin, 2004). Recentemente, a investigação-ação
espaço que as diferentes pessoas que encontramos tem sido valorizada na sequência de uma maior
na nossa vida possuem. Assim, a investigação-ação preocupação das universidades e entidades finan-
assenta no diálogo como instrumento fundamental ciadores da ciência com o impacto social da inves-
para a produção e circulação de conhecimento (Ca- tigação. Deste ponto de vista, a investigação-ação
retta & Riaño, 2016). Ao contrário de outros méto- é vista como um meio de tornar a ciência mais útil,
dos de investigação, o diálogo na investigação-ação mais socialmente visível e mais contributiva para as
não tem uma direção única entre o investigador e agendas políticas e governativas. No entanto, este
o participante. A investigação-ação procura explo- entusiasmo deve ser visto com cautela, dado que o
rar todas as formas possíveis de diálogo, seja entre próprio entendimento de impacto social neste con-
académicos e participantes, seja entre os diferentes texto se refere a uma avaliação hierárquica da par-
membros das comunidades em estudos, seja entre ticipação que contraria a lógica horizontal da inves-
esses membros e instituições públicas e privadas tigação-ação. Por este motivo, definir critérios para
que operam nesses lugares. Assume-se geralmente a avaliação do impacto social é hoje uma questão
que este diálogo deve ser horizontal, isto é, que ne- importante no delinear de um projeto de investiga-
nhuma voz tem primazia sobre as outras, que todos ção-ação (Darby, 2017).
devem ser ouvidos, que nenhum conhecimento é Na sua plenitude, a investigação-ação decorre sem-
inválido ou sem importância. Assumir a horizonta- pre num processo cíclico que pode ser descrito de
96 Manual de Métodos Qualitativos em Geografia

modo simples em três passos (Kindon, Pain, & Ke- minadas vozes numa comunidade e afastando a voz
sby, 2007; Figura 8). Primeiro, os investigadores e de pessoas potencialmente excluídas. Para combater
a comunidade identificam situações problemáticas esta limitação, é preciso ter atenção às estruturas de
que precisam de ser mudadas. Segundo, é criado um poder que existem dentro das próprias comunida-
roteiro de investigação-ação que visa reunir e mobi- des em estudo (Wynne-Jones, North, & Routledge,
lizar as capacidades conjuntas para criar mudança. 2015). Por outro lado, a investigação-ação pode ser
Terceiro, é realizada uma reflexão conjunta sobre as instrumentalizada pelos poderes públicos como um
ações conduzidas para identificar o que se aprendeu processo de participação para legitimar consensos
com elas, que novos problemas são identificados ou alargados sem o devido processo democrático. Um
que novas ações podem ser realizadas. Para garantir investigador que tenha realizado pesquisa partici-
a validade das conclusões nesta reflexão conjunta, é pativa é frequentemente chamado por poderes pú-
particularmente importante avaliar a posicionalida- blicos e os media para falar sobre as comunidades
de, a reflexividade e a cooperação dos diferentes par- que estudou, e desempenhar esse papel de represen-
ticipantes e do investigador (Caretta & Riaño, 2016). tar comunidades pode contribuir para apagar a voz
Para atingir os seus objetivos, a investigação-ação dessa comunidade da esfera pública (Pain & Francis,
incorpora vários outros métodos de investigação. 2003). A investigação-ação pode ser também pro-
Para ouvir os participantes, frequentemente são re- blemática para investigadores em início de carreira
alizadas entrevistas mais ou menos estruturadas ou que enfrentam problemas de precariedade laboral e
grupos focais. Em alguns casos, métodos criativos pressões para serem hiper-produtivos na academia.
e tecnologias como fotografia e vídeo são usados O seu envolvimento intensivo em ativismo social ou
para incluir participantes mais vulneráveis ou mar- ambiental frequentemente retira-lhes tempo para
ginalizados, ou para criar ambientes mais calmos produzir os indicadores de ciência mais aceites na
ou divertidos que incentivam a participação. Na academia, como artigos científicos, e isto prejudica-
realização de ações transformativas, tem sido fre- -os quando concorrem a contratos de investigação
quente os investigadores disponibilizarem as suas (Raynor, 2019).
técnicas geográficas às comunidades locais. Neste
ponto, destaca-se principalmente o uso de sistemas
de informação geográfica. Por último, obviamente,
Para saber mais, consulta:
o longo processo participativo que a investigação-
-ação quase sempre implica torna esta abordagem • Kindon, S., Pain, R., & Kesby, M. (2007). Participatory
próxima de uma etnografia. Action Research Approaches and Methods: Connecting
People, Participation and Place. Abingdon: Routledge.
Ainda que a investigação-ação tenha propósitos no- Este livro aborda extensivamente as modalidades de
bres, também sofre de algumas limitações. O proble- investigação-ação que têm sido desenvolvidas e os
ma mais frequentemente exposto pelos seus promo- seus princípios-chave. O livro contém vários estudos de
caso que mostram as diversas aplicações práticas da
tores é o perigo de a investigação-ação produzir as investigação-ação.
suas próprias marginalidades, promovendo deter-

Neste momento, deves sentir-te capaz de:

• Auscultar uma população ou comunidade • Adaptar a tua metodologia geográfica


para aferir as suas necessidades. para ir de encontro às necessidades que
identificaste com a população.
Recolha de Dados 97

Levantamento Fotográfico

Objetivos de Aprendizagem

• Reconhecer a prática de fotografar como • Conhecer as diversas funções que a


um ato epistemológico. fotografia desempenha na investigação
geográfica.

A
fotografia é usada na investigação geo- momento é que a fotografia não é uma represen-
gráfica praticamente desde que a geo- tação pura da realidade, mas uma técnica que pro-
grafia se tornou uma ciência moderna. duz uma representação da realidade que reflete o
No século XIX, o geógrafo e explorador prus- olhar (parcial, subjetivo…) do fotógrafo (Bergami
siano Alexander von Humboldt já destacava a & Bettanini, 1975; Tuan, 1979).
fotografia como um meio auxiliar de registo da Existem hoje várias abordagens para a fotografia
realidade e, na transição do século XIX para o enquanto método de investigação e várias apli-
século XX, vários geógrafos europeus e norte-a- cações. Neste capítulo, vamos focar-nos no uso
mericanos como Friedrich Ratzel, Paul Vidal de da fotografia como método de recolha de dados,
la Blache, Jean Brunhes, e William Morris Davis abordando o método do levantamento fotográfico.
estabeleceram a fotografia como meio de repre- Um levantamento fotográfico consiste numa reco-
sentação e interpretação da paisagem (Rossetto, lha de imagens fotográficas em um ou mais locais
2004). Durante o século XX, algumas revistas com o propósito de produzir uma representação
académicas de geografia, como o Boletim Paulista visual da sua paisagem, ou das práticas e eventos
de Geografia, dedicaram secções a artigos foto- que aí acontecem, que nos permita interpretar
gráficos, e a fotografia popularizou-se como um fenómenos geográficos nessas paisagens ou prá-
elemento ilustrativo comum nas várias monogra- ticas. O levantamento fotográfico levanta várias
fias regionais que iam sendo publicadas. Para além questões relacionadas com a representação de um
disso, a fotografia aérea tornou-se um instrumen- lugar que se está a criar nesse processo (Bignan-
to importante de recolha de informação espacial te, 2011). Em termos puramente práticos, é ne-
para a cartografia. No último quartel do século cessário refletir-se sobre a escolha dos lugares a
XX, o papel da fotografia nas metodologias geo- fotografar e sobre o enquadramento fotográfico
gráficas começou a ser analisado criticamente, e é dessa escolha, isto é, o que vai aparecer na ima-
a partir daqui que se deixa de pensar a fotografia gem quando apontamos a objetiva e clicamos num
apenas como um instrumento de registo da rea- botão? Em termos mais abstratos, isto deve cons-
lidade ou um elemento ilustrativo e se começa a tituir uma enumeração de critérios que justificam
ver a própria prática fotográfica como um méto- a escolha desses locais. Ainda num plano abstrato,
do de investigação. O principal argumento neste deve-se interrogar de que maneira as fotografias
98 Manual de Métodos Qualitativos em Geografia

criadas neste processo podem tipificar ou simbo- dagens variam (Steinke, Junior, & Costa, 2014). O
lizar certos espaços, e quais são as consequências mais comum é o geógrafo selecionar algumas fo-
disso tanto para o estudo que se conduz como tografias mais significativas para a análise que se
para a representação do próprio lugar (Sidaway, está a realizar para ilustrarem algo que é descrito
2002). Por outro lado, o levantamento fotográfico e explicado nessa análise. No entanto, no segui-
pode não ser praticável em alguns lugares. Pri- mento de reflexões sobre a imagem como veículo
meiro, porque podem não haver condições téc- de informação, vários geógrafos têm-se preocupa-
nicas ideias para a gravação de imagens, como a do com o uso de fotografias como resultado de in-
existência de chuva ou escassez de luz. Segundo, vestigação e desenvolvido novas abordagens, por
porque pode ser difícil obter permissões para fo- exemplo, através de edições criativas. No capítulo
tografar alguns espaços ou para reproduzir e di- sobre a criatividade, abordarei estes métodos cria-
fundir as fotografias resultantes da investigação tivos em maior profundidade. Não obstante, aqui é
(Rose, 2008). importante salientar alguns pontos acerca do uso
Num levantamento fotográfico, a fotografia pode de fotografias como produto da investigação. Pri-
vista como uma ferramenta de recolha de dados meiro, tem sido salientado que o valor principal
disponíveis na paisagem. No entanto, é impor- das fotografias como resultado de investigação é a
tante salientar que esta recolha de dados não se capacidade deste meio de nos transmitir diversos
restringe aos objetos ou formas físicas visíveis na olhares situados sobre a paisagem e os lugares, em
paisagem, mas também às ideias ou conceitos que vez de uma única representação objetiva da rea-
podem estar representados na paisagem, através lidade (Arnold, 2019). Por outro lado, dado que
de alguma mensagem, vestígio, ou práticas, como a fotografia é um meio de representação popular
a ideia de exclusão social ou comunidade. Nesta que quase todas as pessoas são capazes de enten-
abordagem, a fotografia serve como evidência de der e interpretar, ela é um meio poderoso de con-
uma realidade para o geógrafo a interpretar, por tacto com o público. No entanto, é preciso ter em
exemplo, hermenêuticamente ou através de uma conta que o modo como as pessoas interpretam as
análise de conteúdo (Hall, 2009). fotografias é também culturalmente definido, por-
Por outro lado, o levantamento fotográfico pode tanto é importante refletir sobre a apresentação
ser entendido como um método processual que da fotografia e como essa apresentação condiciona
resulta não só numa imagem, mas também em in- as possíveis leituras da imagem. Isto relaciona-se
formação acerca das pessoas ou contextos que são também com o facto de que as fotografias podem
fotografados. Esta abordagem ancora-se na ideia sempre circular para além do meio em que são pu-
de que a fotografia é uma prática social e as ima- blicadas, especialmente no espaço digital. Portan-
gens são sempre socialmente construídas. Assim, to, é importante antever as consequências disto
o estudo incide não só sobre as imagens produzi- (Rose, 2008).
das, mas sobre todo o processo de fotografar um Apesar de a fotografia remeter imediatamente
lugar e interpretar essas fotografias, que pode ser para a temática da paisagem e da representação
entendido como uma oportunidade para observar espacial, este método tem sido utilizado em di-
e refletir sobre as múltiplas relações sociais e polí- versos estudos no âmbito da geografia social,
ticas entre a paisagem, as práticas localizadas e as cultural e política (Hunt, 2014; Arnold, 2019).
representações visuais (Hunt, 2014). Verifica-se alguma incidência maior em casos de
Embora o levantamento fotográfico possa ser ape- estudo em áreas urbanas, provavelmente porque a
nas um método de recolha e análise de dados, é fotografia nos permite questionar a natureza múl-
frequente os geógrafos usarem as fotografias tira- tipla e contestada do espaço urbano, bem como
das no campo como objeto de apresentação de re- deixar uma memória de espaços em permanente
sultados dos seus estudos. Neste âmbito, as abor- transformação como são as cidades (Steinke, Ju-
Recolha de Dados 99

nior, & Costa, 2014). A fotografia tem também


sido utilizada para o estudo temporal de lugares, Para saber mais, consulta:
por exemplo, usando-se a fotografia para captar • Bignante, E. (2011). Geografia e Ricerca Visuale. Stru-
os movimentos no espaço público urbano em dife- menti e Metodi. Bari: Laterza.
rentes horas do dia e da semana (Paiva, Cachinho, Este livro reflete sobre o uso de vários meios visuais
na investigação geográfica, com um foco particular na
Barata-Salgueiro, & Amílcar, 2017). fotografia.
O levantamento fotográfico é regularmente com-
binado com outros métodos como entrevistas, • Steinke, V., Junior, D., & Costa, E. (2014). Geografia &
Fotografia. Apontamentos Teóricos e Metodológicos.
etnografias, etnoarqueologia ou passeios. Nestes Brasília: LAGIM, UnB.
casos, ocorre frequentemente a combinação dos Esta obra editada reúne vários textos sobre a relação
dados visuais da fotografia e outros tipos de da- da geografia com a fotografia. Alguns textos abordam a
história do interesse dos geógrafos na fotografia e outros
dos (por exemplo, escritos, numéricos ou aurais), centram-se nas questões metodológicas do uso da
o que levanta questões acerca da hierarquia de im- fotografia na investigação.
portância que damos aos diferentes tipos de dados
e de como podem ser combinados (Hall, 2009).

Neste momento, deves sentir-te capaz de:

• Decidir se o levantamento fotográfico • Definir que tipo de dados irás recolher


é apropriado e útil para o teu estudo. através da fotografia e com que propósito
serão recolhidos.
100 Manual de Métodos Qualitativos em Geografia

Fotografia de Repetição

Objetivos de Aprendizagem

• Compreender em que consiste a prática da • Conhecer as possíveis aplicações deste


fotografia de repetição. método na geografia.

A
fotografia de repetição consiste na re- para identificar mudanças em paisagens naturais
plicação de fotografias históricas com o (ver Cerney, 2010), este método tem também sido
objetivo de identificar e analisar as mu- utilizado qualitativamente na geografia cultural,
danças da paisagem. Esta replicação implica que histórica e urbana. Para Rossetto (2019), as regras
a fotografia de repetição duplique as condições estritas da fotografia de repetição, que de certo
em que a fotografia original foi tirada. Ou seja, é modo obrigam o geógrafo a abandonar a sua liber-
necessário que a fotografia seja tirada a partir do dade criativa no ato de fotografar, permitem dar
mesmo ponto de tomada de vista e que as condi- maior atenção a determinados detalhes aos quais
ções de iluminação sejam semelhantes. Quando a não se daria atenção em fotografia livre. Assim, a
fotografia de repetição é realizada em espaço aber- fotografia de repetição dá uma maior autonomia ao
to, isto implica que ela seja tirada no mesmo perí- espaço e aos objetos para determinarem o processo
odo do dia ou do ano, e com as mesmas condições de interpretação e as conclusões que daí advém. Isto
atmosféricas, para que a replicação seja compará- porque é a partir das mudanças da paisagem, e dos
vel. Embora seja difícil que o equipamento utili- corpos e objetos que a ocupam, que as interrogações
zado seja o mesmo, especialmente quando se trata do investigador vão emergir. Isto não implica que
de fotografia com alguma antiguidade, é útil que a este processo focado na paisagem e nos objetos re-
máquina fotográfica tenha capacidades semelhan- mova a subjetividade do investigador, mas antes que
tes, por exemplo, em termos de lente e obturador. esta subjetividade é co-constituída com a paisagem
O mesmo se aplica ao uso de equipamentos com- (Rossetto, 2019).
plementares, como tripés. No entanto, é frequen- Em Portugal, temos um exemplo esplêndido da ge-
temente impossível aferir qual foi o equipamento neratividade da fotografia de repetição no trabalho
utilizado. É também amiúde impossível encontrar o do fotógrafo Duarte Belo, cuja obra se foca na pai-
local da fotografia original, portanto é preciso per- sagem e nas formas de ocupação do território. Belo
ceber se este método de investigação é exequível (2012) dedicou-se a repetir fotografias do geógrafo
antes de optarmos por ele. Orlando Ribeiro que durante a sua longa carreira
Embora exista uma tradição mais estabelecida do fotografou várias paisagens em todo o território
uso de fotografia de repetição para obter dados português. O resultado deste trabalho é um livro
quantitativos na geografia física, nomeadamente que reúne as fotografias originais de Ribeiro e a fo-
Recolha de Dados 101

tografia de repetição de Belo, conjuntamente com que este método lhe permitiu compreender como
algumas anotações do fotógrafo e citações do geó- Wallace conseguia captar a diversidade das identi-
grafo que contextualizam esses pares de fotografia. dades dos lugares de um Arizona em transforma-
Podemos encontrar o inverso na obra de William ção. Deste modo, para além de compreender como a
Wyckoff (2020). Este geógrafo investigou a obra própria paisagem se altera ao longo do tempo, este
que o fotógrafo Norman Wallace produziu sobre a método permite-nos perscrutar como a própria ma-
paisagem do Arizona, nos Estados Unidos da Amé- neira de entender a paisagem é mutável.
rica, entre as décadas de 1920 e 1950, uma obra que Os exemplos de Belo e Wyckoff mostram também
reflete as profundas transformações que ocorreram que a fotografia de repetição não tem de ser usada
nesse estado norte-americano durante esse período, como um método único, mas pode ser combinada
nomeadamente com o desenvolvimento da indús- para se aprofundar a interpretação das mudanças
tria mineira, das infraestruturas rodoviárias, e da da paisagem. Por um lado, pode ser complementada
expansão das pequenas e grandes cidades, sempre com estudos historiográficos em arquivo que con-
com o plano de fundo natural do deserto do Arizo- textualizem a paisagem da fotografia original ou
na. Parte desta investigação foi dedicada a refoto- os processos de mudança espacial que expliquem
grafar as paisagens de Wallace, o que para Wyckoff as transformações da paisagem. Por outro lado, a
(2020), tal como para Belo, implicou uma viagem de fotografia de repetição pode ser um meio para con-
trabalho de campo dedicada a encontrar os lugares tactar com a população local, por exemplo, ao se
que Wallace fotografara. questionar onde é o local da fotografia original. Isto
É importante salientar esta dimensão de explora- pode permitir identificar pessoas que conhecem a
ção do campo que a fotografia de repetição oferece, paisagem original e nos podem providenciar mais
dado que Belo e Wyckoff não só observaram a pai- informação sobre as mudanças da paisagem e como
sagem de Portugal e do Arizona através do olhar foram experienciadas, ou como são lembradas pela
de Ribeiro e Wallace, respetivamente, mas também população local, possibilitando assim estudos sobre
percorreram essa paisagem atrás dos seus passos. a memória dos lugares.
Tanto Belo como Wyckoff notaram que o uso da
fotografia de repetição trouxe-os mais perto da vi-
Para saber mais, consulta:
são do mundo de Ribeiro e Wallace, uma visão que
é diferente do seu olhar contemporâneo. Acima de • Rossetto, T. (2019). Repeat photography, post-phe-
tudo, Belo sublinha que conseguiu perceber como a nomenology and “being-with” through the image
(at the First World War cemeteries of Asiago, Italy).
mobilidade mais lenta de Ribeiro, que no seu tempo Transactions of the Institute of British Geographers, 44
não tinha acesso a autoestradas para se deslocar ra- (1), 125– 140.
pidamente a locais remotos, lhe dotava de um outro A autora reflete sobre a importância da fotografia de
repetição para a compreensão da experiência histórica
entendimento da paisagem, mais focado na sua tem- dos lugares a partir de um estudo de caso na Itália.
poralidade lenta. Por outro lado, Wyckoff sublinha

Neste momento, deves sentir-te capaz de:

• Decidir se a fotografia de repetição será útil • Planear cuidadosamente a repetição


para identificares mudanças espaciais ou de uma fotografia histórica.
sociais no teu local de estudo.
102 Manual de Métodos Qualitativos em Geografia

Fotografia Participativa

Objetivos de Aprendizagem

• Reconhecer o valor da recolha fotográfica • Conhecer o processo de aplicação


por parte de uma população ou comunidade do método da fotografia participativa.
para a investigação geográfica.

P
ara além dos diários, alguns geógrafos fia participante.
têm procurado outros modos de permitir A fotografia participante tornou-se um método
aos participantes em investigações expri- popular devido a uma crescente consciência de que
mirem a sua perspetiva sobre os lugares. Uma das a produção de imagens de grupos ou povos mar-
abordagens mais comuns tem sido dar aos parti- ginalizados, por parte de cientistas sociais como
cipantes o poder de recolher materiais de investi- antropólogos ou geógrafos que são exteriores a es-
gação, como fotografia ou vídeo, e co-analisar os ses grupos e povos, perpetuava a sua exclusão por
dados qualitativos desses materiais com o geógra- manter o poder sobre a sua imagem nas mãos de um
fo. Esta abordagem tem sido aplicada na geografia especialista externo (Margulies, 2019).
desde o início deste século, mas tem uma história A fotografia participante geralmente inclui três
mais longa e rica na antropologia. Por este motivo, passos (Figura 9). O primeiro momento consiste
a maior parte destes métodos participativos foram na recolha de imagens por parte dos participantes.
criados por antropólogos, mas adaptados por ge- Neste momento, o investigador oferece instruções
ógrafos para se aplicarem a questões relacionadas iniciais aos participantes acerca de como recolher
com espaço, lugar e paisagem. Nesta secção, vou imagens (Johnsen, May & Cloke, 2008). Dependen-
abordar os métodos participativos que mobilizam a do da investigação, os participantes podem receber
fotografia e, depois disto, discutirei os métodos que instruções mais específicas acerca do tipo de ima-
mobilizam o vídeo. gens que devem recolher, podendo mesmo existir
Têm sido desenvolvidas várias metodologias que um guião com instruções para uma série de fotogra-
usam a fotografia como método participativo, mas fias, ou podem propositadamente receber instruções
os seus princípios gerais e estrutura tendem a ser mais vagas para terem uma maior liberdade e res-
semelhantes, se não idênticos. Não obstante, estas ponsabilidade na escolha do que fotografam. Estas
metodologias têm sido batizadas com nomes dis- instruções podem ser antecedidas de uma entrevista
tintos, incluindo fotografia participante, photovoice, ou grupo focal em que a temática do estudo é discu-
autofotografia, fotografia autodirecionada, ou na- tida com os participantes. O material recolhido pode
tive image-making. Aqui, irei abordar os seus prin- consistir apenas numa fotografia ou numa série de
cípios de um modo abrangente e, para simplificar, fotografias, e pode-se também pedir ao participante
irei referir-me a estas metodologias como fotogra- que legende as fotografias com uma descrição ou
Recolha de Dados 103

um pensamento acerca delas. Uma questão relevan- May & Cloke, 2008). Co-analisar a fotografia pode
te a ter em conta é se os participantes têm acesso a seguir o formato da entrevista com elicitação de
uma câmara fotográfica e se a qualidade da mesma é materiais, ou pode ser dada mais autonomia ao par-
suficiente para os efeitos do estudo. Para evitar uma ticipante para discutir o material. A co-análise da
potencial exclusão, é aconselhável que o investiga- fotografia também pode ser feita individualmente
dor possa disponibilizar uma câmara a participan- ou, caso haja permissão dos participantes, podem
tes que não possuam uma, e que seja possível dar ser debatidas em grupo numa sessão de grupo fo-
formação a participantes não familiarizados com a cal. De qualquer modo, há algumas informações que
tecnologia. importam aferir, como: (i) onde cada fotografia foi
O segundo momento engloba a análise das foto- tirada; (ii) porque foi escolhido esse local e como foi
grafias recolhidas pelos participantes. Se duran- enquadrada a fotografia; (iii) o que o participante
te os anos 90 do século passado era comum que o sente e pensa acerca desse local.
investigador analisasse estas fotografias por meio O terceiro momento refere-se à publicação das foto-
de uma análise de conteúdo ou uma interpretação grafias. Este momento é particularmente importan-
hermenêutica, é hoje consensual que estas fotogra- te para investigação que tem um propósito de trans-
fias devem ser co-analisadas pelo investigador e o formação sócio-espacial, sendo por vezes descartada
participante (McIntyre, 2003). Isto porque remover noutros tipos de estudos. Tal como a recolha e a
o participante da análise à fotografia implica per- interpretação de dados, também esta fase deve ser
der os significados e narrativas pessoais que são desenvolvida em proximidade com os participantes,
associados à fotografia e os espaços que representa. não só porque as fotografias são da sua autoria, mas
Implica igualmente descartar as práticas de prepa- porque a publicação deve ter em vista um contri-
ração da fotografia, como a procura de uma pers- buto palpável para a melhoria das suas condições
petiva particular ou a limpeza e arranjo de alguns de vida. Frequentemente, a publicação é feita atra-
espaços para fotografias mais belas ou significativas, vés de uma exposição pública, embora também seja
que podem revelar aspetos importantes da relação possível serem publicadas em livro ou online. O
das pessoas com os espaços que habitam (Johnsen, público-alvo destas exposições são geralmente os

Figura 9. Os passos da metodologia de fotografia participativa.

Recolha de imagens por Análise das fotografias Publicação das fotografias


parte dos participantes recolhidas pelos participantes
104 Manual de Métodos Qualitativos em Geografia

decisores políticos ou as comunidades locais, e o ob-


jetivo da exposição tende a ser dar voz a indivíduos Para saber mais, consulta:
ou grupos com fraca representação política (Schu- • MacLean, K., & Woodward, E. (2013). Photovoice Evalua-
mann, Binder & Greer, 2019). Deste modo, a parti- ted. Geographical Research, 51, 94-105.
cipação no estudo pode ser também uma plataforma Este artigo descreve as aplicações da fotografia partici-
pativa na geografia e avalia o seu grau de sucesso e as
de empoderamento dos participantes. principais limitações.
A fotografia participante tem sido utilizada princi-
palmente em investigações com grupos marginais. • McIntyre, A. (2003). Through the Eyes of Women: Pho-
tovoice and participatory research as tools for reimagi-
Por exemplo, Maclean e Woodward (2013) e Good- ning place. Gender, Place & Culture, 10 (1), 47-66.
man, Snyder e Wilson (2018) usaram fotografia A autora aborda o potencial da fotografia participativa
participante em investigações com população in- para permitir que comunidades menos representadas na
geografia exprimam as suas experiências e perspetivas.
dígena na Austrália e no Canadá, respetivamente.
Neste caso, a fotografia participante é um método
útil porque permite que participantes marginaliza-
dos ou vulneráveis possam ter um meio para des-
crever a sua realidade e as suas posições não só ao
investigador, mas também, por exemplo, junto de
instituições governativas. Visto que muitas popu-
lações marginalizadas são excluídas de processos
formais de participação, ou não estão familiarizadas
com os processos de participação baseados na es-
crita, a fotografia torna-se um meio mais acessível
para descrever a sua experiência.
A fotografia participante é geralmente desenvolvida
em combinação com entrevistas, grupos focais e di-
ários. Estes métodos adicionais, em primeiro lugar,
permitem-nos estabelecer uma relação de confiança
e conhecimento mútuo com os participantes. Mais
importante ainda, estes métodos oferecem-nos mais
informação sobre o contexto em que as pessoas ob-
servam o espaço, permitindo-nos explicar as opções
pessoais que tomaram (Leddy-Owen, 2014).

Neste momento, deves sentir-te capaz de:

• Decidir se a fotografia poderá ser • Planear um processo de fotografia


uma ferramenta que promove a inclusão na participativa em proximidade com
tua investigação-ação. uma comunidade geográfica.
Recolha de Dados 105

Vídeografia

Objetivos de Aprendizagem

• Compreender o interesse emergente • Identificar as principais modalidades de


dos geógrafos no vídeo como fonte de uso do vídeo em geografia, as principais
informação geográfica. técnicas videográficas utilizadas, e as suas
limitações.

C
ada vez mais se tem a noção de que o O vídeo pode ser usado de diferentes modos. Pode
mundo é constituído por movimentos, e ser usado como registo de campo para gravar todo
não por um espaço petrificado e estável. o tipo de fenómenos (Garrett, 2011). Usado desta
Esta noção deriva em parte do momento históri- maneira, o vídeo liberta o investigador da tarefa de
co em que nos encontramos: uma globalização na manter um registo escrito de tudo o que acontece e
qual várias tecnologias de transporte e comunica- pode permitir-lhe ter um papel mais ativo ou mais
ção permitem que seres vivos, objetos e informação exploratório nos fenómenos que estuda. Neste caso,
atravessem o espaço terrestre cada vez mais veloz- o vídeo permite ter múltiplas perspetivas sobre o
mente e em maiores distâncias. Mas deriva tam- campo. Permite captar pequenas nuances, como
bém da perceção que a geografia e outras ciências gestos ou expressões, que podem ter significado
da terra desenvolveram sobre o planeta como um cultural, social ou espacial, e que passam desperce-
processo climatérico e geológico em permanente bidas ao olhar nu ou podem ser esquecidas. No caso
mudança, como o sublinha a evidente crise climá- de interações entre sujeitos, o vídeo oferece a possi-
tica e de destruição de ecossistemas. Este espaço bilidade de captar a comunicação não-verbal, como
de movimentos cria a necessidade de desenvolver movimentos dos olhos ou linguagem corporal, que
métodos que possam ser aplicados a fenómenos em pode ser tão ou mais importante do que aquilo que
que os fluxos, os eventos, e o devir são particular- os sujeitos dizem. De facto, o valor do vídeo como
mente importantes. Para muitos geógrafos, o vídeo método de recolha de dados é criar uma memória
tem sido um recurso fundamental para dar respos- dos movimentos num determinado espaço-tempo,
ta a este desafio. preservando a visão e a audição de contextos que
O uso do vídeo como ferramenta de investigação tem mudam. Neste sentido, o vídeo é especialmente im-
várias aplicações. Nesta secção, vou-me focar no uso portante para o estudo de eventos temporários, vis-
do vídeo como método de recolha de dados. As pos- to que a possibilidade de estudo empírico destes fe-
sibilidades que o vídeo oferece para as metodologias nómenos é muito circunscrita no tempo. Neste caso,
participativas serão discutidas no capítulo seguinte. A incluem-se eventos como manifestações políticas,
realização de filmes documentários ou fictícios como emergências sociais, desastres ambientais, festivida-
método de investigação reflexivo ou experimental des sazonais ou festivais artísticos.
será abordada no capítulo sobre a criatividade. Mas o vídeo pode ser mais do que um registo do
106 Manual de Métodos Qualitativos em Geografia

que se passa num determinado espaço ou evento: em alguns locais, o uso do vídeo pode ser proibido
pode ser utilizado como um método reflexivo (Pa- por questões de privacidade ou conforto público, e
terson & Glass, 2020). Neste caso, quando o vídeo que muitos indivíduos podem alterar o seu com-
capta a ação do próprio investigador, ela pode ser portamento por vergonha, timidez, desconfiança,
revista para se refletir sobre a própria ação num medo de represálias ou simplesmente por conside-
determinado ambiente, nomeadamente em termos rarem o ato de filmagem ofensivo num determina-
da posicionalidade do investigador. Isto é, o vídeo do contexto. Usar vídeo como método de recolha
apresenta-nos uma nova perspetiva na qual o papel de dados sem a intenção de o reproduzir publica-
do nosso corpo numa determinada ação constran- mente pode minimizar os problemas éticos que a
ge ou potencia determinadas experiências, relações gravação de sujeitos levanta, e reduzir a perceção
sociais, e reflexões. Ao visionarmos a nossa posi- da gravação como intrusiva em algumas situações.
ção no mundo, podemos compreender como so- No entanto, este é sempre um processo de negocia-
mos levados a prestar atenção a alguns detalhes, ção no qual o investigador não pode impor a sua
relações, ou contactos, e a ignorar ou menosprezar vontade aos visados pela investigação. Por outro
outros. Assim, podemos contextualizar a agência lado, pode ser perigoso ancorarmo-nos unicamente
humana numa rede de relações com pessoas, obje- naquilo que foi registado pela câmara para estudar
tos ou acontecimentos (Paiva & Cachinho, 2018). fenómenos geográficos (Simpson, 2011). Em espa-
Em acréscimo, a própria perceção de que se está ços de movimento, a câmara não consegue captar
a ser gravado pode levar o investigador ou outros tudo: existem ações e eventos para além do enqua-
sujeitos a ter uma maior consciência dos seus atos e dramento da câmara que se relacionam com aqui-
desse modo questioná-los e problematizá-los. Deste lo que se passa no vídeo, existem ângulos mortos
modo, o vídeo pode ser uma ferramenta útil para devido ao posicionamento de objetos e pessoas que
estudar como as relações sócio-espaciais se desen- ocultam o que se passa atrás delas, e existem pen-
volvem em determinados lugares. samentos e razões que explicam comportamentos
Algumas técnicas de edição de vídeo podem tam- que o vídeo não regista.
bém permitir-nos obter outros modos de ver e ana- De facto, o vídeo é raramente utilizado como um
lisar lugares. Por exemplo, Garrett (2011) destaca método de recolha e análise de dados único (Spin-
a compressão temporal de vídeos, na qual o vídeo é ney, 2011). Frequentemente, a captação de imagens
reproduzido mais rapidamente, como uma técnica em movimento faz parte de um estudo etnográfico
útil para identificar ritmos e fluxos em determi- em que o investigador participa numa situação so-
nados espaços. O oposto desta técnica – a câmara cial. Nestes casos, o vídeo pode captar um plano
lenta – pode também ser útil para se prestar mais geral, o que significa que a câmara é posicionada
atenção a detalhes que passam despercebidos a olho num local que capte o conjunto total da ação, ou
nu. Outras técnicas criativas de registo, edição e in- um plano médio, em que a câmara é posicionada
terpretação de vídeo permite-nos também mudar num local onde possa focar uma atividade em par-
a nossa perspetiva e foco da subjetividade humana ticular. Em ambos os casos, estes planos podem
para o papel de elementos não-humanos na ação incluir o investigador ou não. Em alternativa, o
sócio-espacial, contribuindo assim para uma me- investigador pode carregar uma câmara portátil
lhor compreensão do papel das materialidades do e gravar imagens em movimento a partir da sua
espaço e da vida vegetal e animal na geografia dos própria perspetiva. O vídeo pode também ser usado
lugares (Lapworth, 2019). como ferramenta para trabalho de campo, incluin-
É preciso ter em conta as limitações e constrangi- do caminhadas de transecto. Neste caso, o vídeo é
mentos que o vídeo impõe. O principal constran- particularmente útil como ferramenta de análise
gimento advém de ser uma tecnologia percebida comparativa, podendo-se contrapor casos de estudo
como intrusiva (Garrett, 2011). Isto significa que, múltiplos em diversos locais, ou passeios no mes-
Recolha de Dados 107

mo trajeto com indivíduos diferentes. Por último, interessados em recolher informação sobre práti-
entrevistas são frequentemente um complemento cas extremamente móveis, e em particular como o
importante à recolha de imagens porque a explica- corpo humano se relaciona com a materialidade do
ção dos sujeitos pode ser necessária para elucidar espaço e os lugares.
as práticas registadas em vídeo. Drone é o nome dado a um veículo aéreo não tripu-
Evidentemente, o vídeo tornou-se também uma lado. Estes aparelhos tornaram-se mais acessíveis
ferramenta de investigação mais popular neste sé- na última década e têm frequentemente uma câma-
culo devido à proliferação de câmaras digitais leves ra digital instalada. Drones oferecem a possibili-
e baratas. Para além das câmaras digitais tradicio- dade de captar imagens aéreas a um custo baixo e
nais, os geógrafos têm também explorado o uso de com qualidade considerável. Várias empresas como
câmaras de ação e câmaras em drones. a Parrot ou a DJI oferecem uma vasta gama de dro-
Câmaras de ação são pequenas câmaras digitais nes. Até agora, estes veículos têm sido utilizados
que podem ser montadas em vestuário ou veículos principalmente por geógrafos que trabalham com
como bicicletas ou carros. Estas câmaras têm algu- sistemas de informação geográfica para recolher
ma resistência à trepidação, o que permite estabili- dados para georreferenciar, mas alguns geógrafos
zar a imagem mesmo em situações de grande mo- também pensaram nas possibilidades de utilização
vimento, como correr ou conduzir. Várias empresas dos vídeos de drones em investigações qualitativas.
como a GoPro ou a Sony oferecem uma vasta gama Por exemplo, Birtchnell e Gibson (2015) sugerem
de câmaras de ação. As câmaras de ação têm sido que vídeos de drones podem ser usados para estu-
utilizadas principalmente por geógrafos que es- dar a apropriação de certos espaços por multidões,
tudam mobilidades quotidianas como deslocações em casos como festivais de música em que o uso
pendulares ou práticas desportivas, geralmente as- de vídeo no terreno é muito limitado pela densi-
sociadas ao uso de veículos móveis leves como bici- dade de pessoas. Podem também ser usados para
cletas, skates ou caiaques. Vannini e Stewart (2017) recolher imagens em lugares perigosos como, por
argumentam que o valor das câmaras de ação en- exemplo, locais habitados por animais selvagens
quanto método de recolha de informação está rela- (Birtchnell & Gibson, 2015).
cionado com a perspetiva própria, a que chamam
de ‘GoPro gaze’. Para os autores, a câmara de ação
captura a noção de presença e confere a sensação de Para saber mais, consulta:
‘estar mesmo lá’ mais do que qualquer outra câma-
• Garrett, B. L. (2011). Videographic geographies: Using di-
ra, alimentando a perceção da experiência senso- gital video for geographic research. Progress in Human
rial e a sua dimensão performativa, e transmitindo Geography, 35 (4), 521–541.
a “velocidade, duração, direção, técnica, e ritmo de O autor faz uma revisão sobre a relação da geografia
com vídeo e filme, e argumenta a favor do uso do vídeo
movimentos atléticos através do tempo-espaço” digital como metodologia de índole etnográfica.
(Vannini & Stewart, 2017, p. 151). Assim, as câma-
ras de ação são úteis especialmente para geógrafos

Neste momento, deves sentir-te capaz de:

• Escolher a modalidade de recolha e técnicas • Combinar a videografia com outros métodos


de gravação de vídeo mais adequadas para de recolha ou interpretação
a tua investigação geográfica. de dados.
108 Manual de Métodos Qualitativos em Geografia

Vídeo Participativo

Objetivos de Aprendizagem

• Compreender o potencial do vídeo para • Entender as limitações do vídeo


permitir aos participantes de investigação participativo e como ultrapassá-las.
recolher informação geográfica e exprimir
a sua experiência espacial.

E
ntre a explosão de abordagens participa- ou menos estruturadas ou grupos focais. O méto-
tivas, o uso do vídeo tem sido particular- do em termos de recolha de dados geralmente di-
mente popular entre os geógrafos. O vídeo vide-se em duas fases: (i) gravação de vídeo pelos
tem sido não só visto como uma ferramenta que participantes e (ii) discussão dos vídeos com os
integra e empodera os participantes de estudos participantes.
geográficos, como também um meio particular- Após a fase de recrutamento, que tende a ocorrer
mente útil para comunicar com grupos excluídos, numa exploração prévia do local onde decorre o
marginalizados ou vulneráveis (Kindon, 2003). estudo, é pedido aos participantes que recolham
De facto, muitos dos estudos que recorrem ao ví- vídeos ligados ao tópico da investigação. Os vídeos
deo participativo foram conduzidos com crianças, podem ser criados com câmaras que os participan-
mulheres, ou em países subdesenvolvidos. O facto tes possuem ou, no caso de não terem, os investiga-
de a tecnologia de vídeo estar bastante difundida, dores providenciam câmaras aos participantes. Em
especialmente com os smartphones, faz com que alguns casos, as câmaras são oferecidas aos partici-
filmar seja fácil para a maioria dos participantes. pantes, de modo a que as práticas que estes desen-
E mesmo quando os participantes não têm conhe- volvem durante a investigação possam continuar e
cimento prévio, o vídeo é suficientemente intuitivo ser úteis para a sua vida quotidiana (Mitchell, de
para conseguirem manusear uma câmara e filmar. Lange, & Moletsane, 2014).
Para além disso, o vídeo oferece aos participantes Após a recolha de vídeos por parte dos participan-
a possibilidade de captarem o seu mundo vivido e tes, estes são partilhados com os investigadores.
comunicá-lo para além de barreiras comunicacio- Por vezes, conduzem-se entrevistas ou conversas
nais. Isto é útil não só em investigação desenvolvi- informais com os participantes para refletir em
da com pessoas com outra língua que não a nossa, conjunto sobre o filme, ou organizam-se workshops
mas também com pessoas cuja linguagem social é ou grupos focais nos quais os participantes par-
distinta da nossa, como as crianças. tilham os seus vídeos entre si e se discute o seu
O vídeo participativo é geralmente um método conteúdo. Esta última abordagem tem a utilidade
aplicado durante ou no seguimento de uma investi- de acrescentar as reações mútuas dos participan-
gação etnográfica ou de investigação-ação. Muitas tes, os seus diálogos, discordâncias e consensos à
vezes, é também combinado com entrevistas mais informação recolhida. O vídeo é uma âncora impor-
Recolha de Dados 109

tante para estas discussões porque aumenta a auto- técnicas de comunicação que habitualmente usam
-confiança dos participantes e a partilha dos filmes (Kindon, 2016). Para que o vídeo participativo te-
pode fortalecer a empatia e a compreensão entre nha sucesso e não seja uma imposição, é preciso ter
os diversos participantes. Ter uma janela para o em conta as motivações daqueles que são convida-
mundo dos outros é um meio muito mais direto dos a participar no estudo e os eventuais benefícios
e poderoso, que nos força a colocarmo-nos no lu- que eles podem retirar dele (Blazek & Hraňová,
gar deles, do que ter apenas uma descrição verbal. 2012). Outra questão importante é a duração da in-
Este tipo de dinâmica empática pode potenciar um vestigação. O vídeo participativo é com frequência
debate menos antagónico, mais profundo e produ- conduzido individualmente e em estudos de curta
tivo, o que tem consequência positivas em termos duração, o que gera duas limitações. Primeiro, a re-
do volume e qualidade de informação que se gera colha individual dos dados limita a compreensão do
para a investigação (Tremblay & Harris, 2018). Por escopo social da informação recolhida. Isto é, não
vezes, toda a metodologia do vídeo participativo sabemos se as perspetivas que obtemos são indi-
é realizada num só workshop (Mistry & Berardi, viduais ou se podem ser entendidas como a pers-
2012). Estes workshops têm muitas vezes não só o petiva de uma comunidade. Em segundo lugar, o
propósito de recolher informação mais densa, mas propósito emancipatório e transformador do vídeo
também organizar ação coletiva e transformadora participativo perde-se quando a investigação não
nas comunidades dos lugares em estudo. é capaz de mover uma comunidade ou um grupo
Embora o vídeo participativo tenha oferecido aos de pessoas durante um período de tempo suficiente
geógrafos a possibilidade de desenvolverem rela- para causar impacto social. Por este motivo, Walsh
ções e co-produzirem conhecimento com um con- (2014) sugere que o vídeo participativo deve ser de-
junto mais diverso de grupos sociais, as limitações senvolvido num contexto mais alargado de inves-
do método têm também sido assinaladas em anos tigação-ação para alcançar o verdadeiro potencial
mais recentes. Por um lado, tem sido notado que do método.
alguns estudos que recorrem ao vídeo participativo A aplicação do vídeo participativo está expandi-
têm um tom comemorativo e descritivo, não apre- da por toda a geografia. Na geografia ambiental,
sentando uma análise crítica da posicionalidade da o vídeo participativo tem sido importante para
produção do conhecimento, assumindo automatica- permitir que grupos vulneráveis ou com pouco
mente que o método foi horizontal (Milne, 2016). acesso à cidadania plena consigam participar em
Isto é problemático porque tem sido notado que a processos de decisão política, comunicação pública
aplicação do vídeo participativo é frequentemente e ação ambiental direta. Através do vídeo partici-
guiada por convenções ocidentais acerca de como pativo em projetos de investigação-ação, tem sido
deve ser filmado um vídeo, por exemplo em termos possível permitir que estes grupos produzam os
de duração, conteúdo e fala. Isto pode constranger seus próprios vídeos para comunicar o seu conheci-
a visão dos participantes, que podem ter modos di- mento ambiental, e as suas preocupações e posições
ferentes de perceber o tempo, o espaço e as rela- políticas sobre os processos de mudança climáti-
ções sociais. Por outro lado, apesar de ser positivo ca e destruição de natureza, tornando o processo
que um dos propósitos do uso do vídeo participa- democrático mais aberto ao mesmo tempo que se
tivo tenha sido a emancipação dos participantes, a produz conhecimento sobre os segmentos mais
forma como essa emancipação ocorre tende a ser vulneráveis às alterações ambientais (Haynes &
pré-definida pelos investigadores, deixando pouco Tanner, 2013). A geografia económica tem enqua-
espaço para a auto-determinação dos participantes. drado o vídeo participativo como uma ferramenta
Para isto contribui a própria utilização da tecnolo- para desenvolver o associativismo e capacidade de
gia do vídeo, muitas vezes uma tecnologia estranha grupo em processos de desenvolvimento económi-
que é forçada aos participantes, sobrepondo-se às co, com vista a uma maior visibilidade de determi-
110 Manual de Métodos Qualitativos em Geografia

nados grupos económicos e uma maior capacidade


de captar financiamento, por exemplo, em proces- Para saber mais, consulta:
sos de inovação (Richardson-Ngwenya, Restrepo, • Kindon, S. (2003). Participatory video in geographic
Fernández, & Kaufmann, 2019). A ideia de usar o research: a feminist practice of looking? Area, 35 (2),
vídeo participativo como ferramenta de transfor- 142–153.
• Kindon, S. (2016). Participatory video as a feminist prac-
mação social tem também sido entusiasticamen- tice of looking: “take two!” Area, 48 (4), 496–503.
te acolhida por geógrafos sociais que veem neste Nestes dois artigos, a autora defende a utilidade do
método uma possibilidade de criar debate público vídeo participativo na geografia. Enquanto o primeiro
artigo argumenta que este método poderá providenciar
sobre temas sensíveis como a violência de género, investigação mais inclusiva e detalhada, o segundo artigo
racismo, abusos laborais ou questões de habitação. avalia o uso da metodologia na geografia.
Neste âmbito, o vídeo participativo é especialmente
• Milne, E.-J. (2016). Critiquing participatory video: expe-
valorizado por poder tornar visíveis ou públicas as riences from around the world. Area, 48 (4), 401–404.
experiências dos participantes – nos seus próprios Este artigo faz uma crítica do uso do vídeo participativo
termos – que tendem a tornar-se invisíveis porque a partir de uma revisão global da sua aplicação como
método.
são experiências pessoais ou se passam em espaços
privados (Brickell & Garrett, 2015).

Neste momento, deves sentir-te capaz de:

• Decidir se o vídeo poderá ser uma • Planear um processo de vídeo participativo


ferramenta que promove a inclusão em proximidade com
na tua investigação-ação. uma comunidade geográfica.
Recolha de Dados 111

Time-lapse

Objetivos de Aprendizagem

• Compreender o potencial do time-lapse • Perceber como aplicar a técnica


para detetar e captar fluxos espaciais do time-lapse.
e a sua relação com a materialidade.

T
ime-lapse não é exatamente fotografia, nem a rotação do sol e a deslocação das sombras que cau-
vídeo. Situa-se algures entre as duas tec- sa, as oscilações ténues de plantas, ou a subida das
nologias. Time-lapse é uma tecnologia que águas de uma maré. De facto, o time-lapse como mé-
regista uma sequência de fotografias com um deter- todo na geografia é maioritariamente utilizado por
minado intervalo de tempo entre elas, daí o nome investigadores de geografia física como alternativa à
‘lapso de tempo’. Este intervalo de tempo pode ser fotografia de repetição para estudar fenómenos que
relativamente curto, por exemplo de cinco segun- ocorrem prolongadamente no tempo. Neste caso, o
dos, ou mais prolongados, indo até intervalos de três time-lapse é utilizado, por exemplo, para estudar o
dias. O resultado de uma gravação time-lapse pode avanço e recuo dos glaciares e da neve ao longo do
ser visualizado como um vídeo, ou as fotografias in- ano em ambientes permafrost, a progressão da de-
dividuais podem ser colocadas lado a lado para uma florestação de ambientes ameaçados, ou movimentos
análise mais minuciosa. geomorfológicos que podem levar a deslizamentos
A tecnologia time-lapse distingue-se da fotografia perigosos (ver Cerney, 2010). No entanto, a utili-
e do vídeo por nos oferecer um meio que nos per- zação do time-lapse por geógrafos físicos destina-se
mite detetar pequenas alterações no ambiente que principalmente a providenciar informação quantifi-
geralmente passam despercebidas a olho nu. Estas cável, nomeadamente para medir áreas e estabelecer
pequenas alterações ou movimentos não são cap- padrões e ciclos de repetição.
tadas numa fotografia, mas também podem ser tão Pelo contrário, esta tecnologia tem sido utilizada
lentas que não se identificam quando visualizamos de uma forma qualitativa na geografia humana. Em
um vídeo. Estou a falar de movimentos subtis como particular, tem sido considerada como um método
112 Manual de Métodos Qualitativos em Geografia

útil para estudar os ritmos e a temporalidade de prá- urbano como mobiliário urbano, estátuas ou escadas.
ticas humanas em ambientes urbanos. Isto porque Através do time-lapse, Prieto de la Fuente mapeou
o time-lapse nos pode oferecer muita informação so- qualitativamente a relação entre várias práticas
bre os movimentos de humanos, animais, e objetos quotidianas como conversar, comer, ou fumar e as
a uma escala local micro. Num vídeo ou sequência materialidades, com o propósito de perceber como
de fotografias time-lapse com um intervalo de tempo o espaço urbano pode ser desenhado para acolher
mais curto, os movimentos e as trajetórias dos cor- práticas específicas.
pos tornam-se bastante nítidos e identificáveis. Em É muito simples utilizar a tecnologia time-lapse. É
sequências com intervalos maiores, podemos identi- preciso montar a câmara num local estável e segu-
ficar mais imediatamente alterações significativas ou ro, onde não seja perturbada pelo vento, animais, ou
subtis, por exemplo, na densidade de pessoas na rua, pessoas curiosas. Na seleção do local, importa ter
ou nas práticas diferentes que decorrem em vários em conta se a câmara tem uma boa perspetiva sobre
momentos. De facto, os intervalos de tempo ajustá- aquilo que se pretende observar. Para a programar
veis do time-lapse podem ser usados estrategicamen- o time-lapse, basta escolher o intervalo de tempo que
te para analisar várias escalas temporais. Para além se deseja entre cada fotografia e depois iniciar a gra-
disto, a fotografia permite-nos explorar os diversos vação. Por vezes, é possível também definir a dura-
momentos com minúcia e observar como os vários ção da gravação time-lapse.
elementos no espaço – pessoas, objetos, animais, mo- Muitas câmaras digitais têm incorporado um modo
biliário urbano, lojas, etc. – interagem ou desconec- de time-lapse. Existem várias empresas que produ-
tam-se em determinadas práticas. zem câmaras especializadas de time-lapse, como a
Deste modo, como nos diz o geógrafo Paul Simpson Brinno ou a Afidus. O preço destas câmaras oscila
(2012), o time-lapse permite-nos desenvolver uma entre 100 e os 600 euros, variando conforme a defi-
outra maneira de olhar que nos altera a perspetiva nição da imagem e o número de acessórios que ne-
do ponto de vista temporal. Para Simpson (2012), o cessitamos. Uma alternativa mais acessível é utilizar
time-lapse deve levar-nos a olhar para além dos pa- um time-shutter numa câmara digital que possuas.
drões, densidades, e outras medidas quantificáveis Várias empresas como a Neeweer, PROtastic, PHO-
que conseguimos aferir a partir das imagens, porque TOOLEX, RGBS, Ruili, ou Shoot vendem estes
nos permite também dar sentido às interações que acessórios que se ligam a uma câmara digital através
desencadeiam os eventos e as suas múltiplas dura- de um cabo USB e permitem configurar o interva-
ções. Simpson argumenta que o time-lapse pode “aju- lo temporal de fotografia para criar uma sequência
dar na reflexão sobre o complexo e multifacetado time-lapse. Os preços oscilam entre os 15 e os 30
devir temporal das práticas quotidianas e sobre os euros. Caso se opte por esta alternativa, é preciso
modos como vários ritmos se misturam entre si e ter em conta se o acessório a adquirir é compatível
assim afetam a maneira como essas práticas aconte- com a câmara que se possui. Uma alternativa ainda
cem” (2012, p. 425). mais acessível é usar uma aplicação de time-lapse no
Um exemplo da aplicação do time-lapse como mé- smartphone. Existem várias aplicações gratuitas que
todo é o estudo de Lyon (2016) sobre os ritmos do permitem configurar intervalos de tempo para uma
mercado de peixe de Billingsgate em Londres, Reino sequência. Provavelmente, a aplicação nativa de câ-
Unido. Lyon criou um vídeo time-lapse com o intuito mara do teu smartphone já tem esta funcionalidade.
de ser um método imersivo para captar a atmosfera O mais problemático nesta opção poderá ser encon-
do mercado e para identificar e analisar os ritmos, trar uma forma de estabilizar o smartphone para
padrões, fluxos, interações, temporalidades e inter- gravar a sequência sempre na mesma perspectiva.
conexões do mercado. Por outro lado, Prieto de la Se esse problema surgir, existem tripés para smar-
Fuente (2018) usou o time-lapse para estudar as in- tphones que estabilizam a imagem.
terações entre pessoas e as materialidades do espaço Embora o time-lapse possa ser usado como um mé-
Recolha de Dados 113

todo independente, o seu uso pode ser aprofundado


pela combinação com outros métodos como obser- Para saber mais, consulta:
vação participante ou não-participante, ou diários. • Simpson, P. (2012). Apprehending everyday rhythms:
Estes métodos podem compensar as limitações do Rhythmanalysis, time-lapse photography, and the spa-
time-lapse, nomeadamente o problema de reduzir os ce-times of street performance. cultural geographies,
19 (4), 423–445.
eventos e práticas sociais a uma sequência de ima- O autor apresenta o método time-lapse no âmbito
gens que não contém os sons, as falas, os cheiros, do estudo dos ritmos urbanos. As possibilidades do
nem todos os movimentos e expressões que as pes- método são descritas em pormenor e um caso prático
é apresentado.
soas fazem. Focarmo-nos apenas no time-lapse pode
ter o efeito contraditório de levar-nos a distanciar-
mo-nos da ação social que nos interessa investigar.

Neste momento, deves sentir-te capaz de:

• Decidir se o teu objeto de estudo pode ser • Montar uma estrutura de observação
captado através da técnica do time-lapse. time-lapse.
114 Manual de Métodos Qualitativos em Geografia

Fonografia

Objetivos de Aprendizagem

• Perceber o interesse dos geógrafos • Conhecer o processo de gravação de


no som para obter informação geográfica e paisagens sonoras e a sua relevância
sobre a experiência dos lugares. geográfica.

O
primeiro passo para aplicar o som como controlado, e gravações de campo, que são condu-
metodologia é simplesmente escutar. zidas num ambiente ecológico, aberto, ou social.
Esta é uma prática útil no decorrer de Uma particularidade da gravação de campo é mes-
qualquer investigação, mesmo que ela não incida mo a dificuldade em se destacar fontes individuais
sobre fenómenos sonoros. Por exemplo, alguns de som. Ao contrário da captação de imagens, em
geógrafos têm notado que é importante escutar as que é geralmente possível apontar a câmara para
vozes das gravações de entrevistas porque existe apenas o que se pretende mostrar, o meio sonoro
informação afetiva e emocional que se perde ao se mistura sempre todas as fontes de som numa dada
transcrever a fala para escrita, e que pode ser im- localização. Por este motivo, a fonografia é ideal
portante para perceber a importância do conteúdo para mostrar a co-presença de corpos em paisa-
dessa fala (Kanngieser, 2012). Nas últimas décadas, gens, por exemplo, em estudos sobre ambientes
os geógrafos têm dado mais importância aos sons multiculturais ou de interação inter-espécies, mas
dos lugares como meios para se perceber as suas pode criar limitações em estudos sobre elementos
ecologias e relações sociais. Neste âmbito, a fono- paisagísticos ou sociais mais específicos.
grafia tornou-se um método comum. A gravação de campo é um processo que envolve
O termo fonografia advém da primeira tecnologia mais do que ligar um gravador e captar sons. Na
de gravação de som – o fonógrafo, inventado por verdade, o seu potencial como método geográfi-
Thomas Edison em 1877 – que entretanto se ge- co está em primeiro lugar na forte ligação entre o
neralizou para se referir a todas as tecnologias de investigador e o ambiente físico que este processo
gravação de som entretanto desenvolvidas. A fono- induz (Gallagher, Kanngieser, & Prior, 2017). Tal
grafia começou a ser usada por geógrafos apenas como no método da fotografia, a fonografia implica
nos anos recentes, na sequência de um interesse um processo de exploração da paisagem e decisão
crescente no elemento sonoro das paisagens e dos sobre o ponto de escuta ideal para a gravação. No
lugares (Gallagher, 2015). entanto, ao contrário da imagem visual, os sons de
A fonografia tem sido usada principalmente para um lugar podem oscilar de forma extrema de um
se realizar gravações sonoras de campo, um termo momento para o outro, à medida que os elementos
que é usado nos estudos de som para se distinguir da paisagem se movem ou as suas condições se al-
entre gravações de estúdio, ou seja, num ambiente teram. O movimento de pessoas, animais e tecnolo-
Recolha de Dados 115

gias como carros, ou a aparição de chuva e trovoada programas amigos do utilizador que permitem a
podem alterar de modo significativo o som captado, edição de som e criação de representações visuais,
levando o ouvinte a julgar que se trata de lugares como o Audacity ou o Reaper.
absolutamente diferentes. Por este motivo, a grava- As diferentes tecnologias de gravação de som per-
ção de campo obriga a um conhecimento profundo mitem hoje diferentes abordagens às gravações
dos ritmos (diários, horários, etc.) e fluxos de um lu- de campo. O equipamento essencial para realizar
gar. A esta etapa de exploração, segue-se uma etapa uma gravação de campo inclui um microfone, um
de gravação e de playback. Estes passos são impor- abafador de vento, um gravador de som, e um par
tantes porque os equipamentos de gravação captam de auscultadores. A maior parte dos gravadores de
o som de uma maneira diferente dos ouvidos hu- som tem já um microfone incorporado e são vendi-
manos, portanto nem sempre a gravação irá corres- dos juntamente com abafadores de vento. Existem
ponder àquilo que se ouviu diretamente. Assim, o várias marcas que produzem estes equipamentos,
playback ajuda-nos a perceber se a gravação captou como a Zoom, a Tascam, a Roland ou a Sony. Os
os sons que se pretende, ou se é preciso explorar preços destes pacotes variam entre os 100 euros
novos pontos de escuta ou modos de gravação. Ao e os 600 euros. A gravação pode ser dirigida ao
mesmo tempo, este momento é também uma explo- ambiente sonoro geral ou a fontes de som específi-
ração inicial do lugar através dos seus sons, porque cas. No caso do ambiente sonoro geral, é preferível
permite ao investigador abstrair-se da sua posição usar-se um microfone stereo ou ambisonics, pois
situada no lugar para interpretar o ambiente sono- estes são mais indicados para se captar a sensação
ro de uma paisagem, o seu conteúdo, significados, e de presença no local e de movimento dos sons. No
as relações que desvenda. Todos estes aspetos po- caso de fontes de som específicas, é preferível usar
dem ser ignorados na experiência situada e revela- um microfone mono ou shotgun, pois estes diri-
dos pela escuta mediada pela gravação. À etapa de gem a captação de som para pontos mais específi-
gravação e playback, pode seguir-se uma etapa de cos. A maior parte dos gravadores de som tem um
escuta ativa e de edição de som. A escuta ativa das modo stereo e mono incorporado, mas microfones
gravações oferece-nos uma maneira alternativa de ambisonics ou shotgun têm de ser adquiridos in-
sentir as relações espaciais dos lugares. Isto porque dividualmente.
a gravação sonora tem uma espacialidade diferente Para Gallagher e Prior (2014), a gravação de som
da visual, nomeadamente porque desvenda elemen- pode ser analisada de diferentes perspetivas. Pri-
tos presentes no local que podem não ser visíveis, e meiro, ela pode ser analisada como dados empíri-
os elementos mais audíveis não são necessariamen- cos acerca de um lugar. Por exemplo, ela pode ser
te os mais próximos e vice-versa. Por outro lado, sujeita a uma análise de conteúdo para categorizar
a edição de som pode ser útil para tornar a escuta os sons audíveis, ou ser usada como documento
mais fácil, por exemplo, salientando os sons com aural para descrever um evento ou a atmosfera
menor volume que passam despercebidos ou dimi- de um lugar num estudo de índole etnográfica.
nuindo o ruído ou o volume dos picos de som que Por outro lado, pode ser analisada como uma re-
podem gerar distorções. É também possível criar presentação de um lugar. Neste caso, a gravação é
uma representação visual da gravação sonora para entendida como um artefacto que contém marcos
uma análise mais detalhada, criando uma forma de sonoros que podem ser compreendidos como iden-
onda, que consiste numa representação gráfica da titários, simbólicos, ou meramente representativos
amplitude de onda do som, ou um espectrograma, de uma cultura, evento, ou prática social. A análise
elemento gráfico que mostra a densidade espectral da gravação é então um estudo hermenêutico que
de energia da gravação. Estas representações per- procura desvendar os significados sociais e cultu-
mitem uma leitura visual intuitiva do conteúdo da rais do ambiente audível. Por último, ela pode ser
gravação legível mesmo para leigos. Existem vários analisada como um elemento performativo. Neste
116 Manual de Métodos Qualitativos em Geografia

caso, ela exprime as relações entre corpos, objetos vulneráveis (MacFarlane, 2020). Para colmatar
e espaços que deram origem à gravação, sendo por- estas falhas, a fonografia pode ser combinada com
tanto fundamental não só analisar a gravação, mas muitos outros métodos em investigações multis-
refletir sobre todo o processo de recolha de sons. A sensoriais que combinem a gravação de estímulos
gravação é neste caso entendida como o captar de sonoros com visuais, hápticos ou olfativos. Embora
uma experiência, dando-se especial atenção a como ainda com pouca frequência, alguns geógrafos têm
a sua audição pode ser uma revivência dessa expe- usado a fonografia como parte de métodos partici-
riência, e que sensações, memórias, e emoções essa pativos, pedindo aos participantes em investigações
revivência elicia. para gravar e georreferenciar sons, por exemplo,
A fonografia tem sido aplicada em vários estudos através de aplicações de telemóvel que o permitam
geográficos sobre o papel do som como meio e (Stevenson & Holloway, 2017).
mediador de relações sócio-espaciais. Por exem-
plo, Frias (2018) usou a gravação de caminhadas
sonoras no centro do Rio de Janeiro para estudar Para saber mais, consulta:
como vendedores ambulantes e artistas de rua
usam o som para captar a atenção de consumidores, • Gallagher, M. (2015). Field recording and the sounding
of spaces. Environment and Planning D: Society and
desvendando assim o papel do som como fator na Space, 33 (3), 560–576.
geografia política dos espaços públicos. Para além Este artigo explora a gravação de paisagens sonoras
do uso da fonografia como método de investigação, como método geográfico, mostrando as diferentes
aplicações práticas da técnica.
alguns geógrafos têm-se preocupado com o conhe-
cimento geográfico presente nas gravações de cam- • Stevenson, A., & Holloway, J. (2017). Getting partici-
po realizadas e publicadas por profissionais do som pants’ voices heard: Using mobile, participant led,
sound-based methods to explore place-making.
(Revill, 2014). Area, 49 (1), 85-93.
A fonografia tem a limitação de restringir os dados Os autores discutem a inclusão de métodos sonoros em
àquilo que pode ser captado através do som. Por metodologias participativas, argumentando que estes
métodos são relevantes não só para investigações sobre
este motivo, uma investigação focada apenas no es- ambientes sonoros, mas também para outros campos
cutar pode deixar ausências que escondem os mais da geografia humana.

Neste momento, deves sentir-te capaz de:

• Identificar a importância do som ambiente • Proceder à gravação e interpretação


para recolher informação de paisagens sonoras.
no teu estudo geográfico.
Recolha de Dados 117

O Arquivo

Objetivos de Aprendizagem

• Compreender a importância dos arquivos • Conhecer o que é um arquivo


históricos para se explicar os fenómenos e uma fonte histórica.
geográficos.
• Aprender a diversidade de fontes
e arquivos históricos.

A
geografia tem uma longa história de Não quer isto dizer que o trabalho de arquivo é um
preocupação com o passado. Os objetos exclusivo de especialistas em geografia humana.
de estudo da própria geografia assim o Existem muitos dados acerca de processos físicos
exigem. Para compreender qualquer tipo de fenó- que ficaram registados em arquivos históricos, e
meno geográfico, é preciso olhar para o passado os dados de crónicas, de literatura ou de jornais
para compreender como esse fenómeno se formou tem providenciado informação importantes a ge-
e como funciona esse processo. Isso é notório tan- ógrafos físicos.
to na geografia física como na geografia huma- Apesar disto, a verdade é que as reflexões metodo-
na. Dados sobre o passado permitem-nos tanto lógicas sobre o trabalho de arquivo em geografia
identificar os padrões climatéricos da atmosfera são bastante recentes, apesar de o arquivo ser um
e os processos geomorfológicos que deram ori- recurso empírico recorrente na geografia (Mills,
gem à paisagem do planeta, como compreender 2013). Isto pode estar relacionado com as próprias
a dispersão espacial da população olhando para o características da metodologia histórica. Ao con-
crescimento populacional ao longo do tempo. É trário de métodos como a entrevista, o diário ou o
importante salientar que olhar para o passado não grupo focal, a pesquisa histórica – um pouco como
é útil apenas para compreender o próprio passa- a etnografia – não tem exatamente um proces-
do ou mesmo o presente. Muitas vezes, é olhando so metodológico estabelecido. Isto tem a ver com
para padrões ao longo do tempo que conseguimos o facto de que nem sempre sabemos o que vamos
identificar tendências que nos permitem projetar o encontrar no arquivo. Por este motivo, a recolha
futuro, ou que conseguimos prepararmo-nos para e análise de informação são tarefas simultâneas e
eventos futuros olhando para as consequências dos contínuas na pesquisa geo-histórica. Embora em
eventos passados. alguns casos exista informação abundante e seja
Se na geografia física é por vezes possível olhar possível planear uma fase de recolha de dados e
para o passado através de levantamentos de cam- uma fase de tratamento e interpretação desses da-
po, como por exemplo através da datação de carbo- dos, o mais frequente é ser necessário consultar
no de amostras, na geografia humana existe uma mais que um arquivo e diversas fontes. É muito
maior dependência dos arquivos que os nossos an- comum encontrarmos informação que precisa de
tepassados nos deixaram para a obtenção de dados. ser validada, comparando-a com outras fontes.
118 Manual de Métodos Qualitativos em Geografia

Muitas vezes, há informação insuficiente para res- a história de um evento ou espaço geográfico. As
ponder à nossa questão de investigação e, noutras, fontes históricas servem para estabelecer factos
encontramos informação inesperada que nos obriga históricos. Estes podem ser de várias naturezas;
a reformular essa questão. Por estes motivos, em podem ser eventos, espaços, práticas, textos, dis-
vez de estabelecermos aqui uma metodologia para cursos, valores, ou mesmo questões pessoais como
a recolha de informação como nos outros capítulos, decisões, estados de espírito ou motivações (Mo-
iremos aqui elencar uma série de tipos de arquivos ore, 2010). Esta é uma tarefa difícil e com várias
e de fontes históricas de que neles podemos encon- limitações. Por vezes, há informação incompleta,
trar e salientar a sua significância para a geografia. contraditória, vaga ou errada. Noutras, existe
O arquivo pode ser definido como um repositório tanta informação que é difícil encontrar o que é
no qual materiais de interesse histórico ou rele- fundamental, ou até selecionar o que é mais rele-
vância social são armazenados, ordenados e apre- vante analisar (Cameron, 2001). Tem sido bastan-
sentados (Moore, 2010). O termo pode-se aplicar te salientado que é importante ter em conta que a
a qualquer tipo de coleção de documentos consi- própria desigualdade de informação acerca de um
derados históricos. Um arquivo pode incluir dife- determinado fenómeno geográfico é um indicador
rentes tipos de documentos: livros, jornais, arte, das geografias do poder desse fenómeno. Informa-
fotografia, filme, áudio, legislação, entre outros. ção em falta pode indicar a exclusão de certos lu-
Alguns arquivos têm vários tipos de documentos, gares, populações ou culturas (Ogborn, 2003).
outros arquivam apenas um tipo de documento. Existem variados tipos de arquivos (Tabela 6). Os
Existem arquivos dedicados a períodos históricos arquivos mais comuns contêm documentação es-
únicos, alguns mesmo que são arquivos contem- crita. Incluem-se neste âmbito as arquivos docu-
porâneos, ou seja, colecionam documentos sobre a mentais, hemerotecas e bibliotecas. A informação
época que estamos a viver. Os arquivos podem ser escrita é obviamente fundamental, mas ela deve
subdivididos em arquivos públicos, como museus, também ser tratada de forma diferenciada con-
bibliotecas, cinematecas, ou arquivos fotográficos, forme seja a sua natureza. Documentos públicos
e arquivos pertencentes a colecionadores privados. como legislação, regulamentos e documentação
Entre estes últimos, alguns são organizados pro- administrativa oferecem-nos uma janela sobre as
fissionalmente, e outros são arquivos informais. formas de organização social e política e sobre as
Todos temos pequenos arquivos em casa: as foto- ideias de uma determinada época. Alguns destes
grafias, livros, revistas e blu-rays nas nossas estan- documentos, como os planos de urbanização, po-
tes podem ser considerados um arquivo pessoal. dem mostrar-nos a visão de uma época acerca da
Qualquer um destes arquivos pode ter importância produção do espaço. Por outro lado, documentos
para a investigação geográfica. Por exemplo, a ge- da cultura popular como artigos de jornais e re-
ógrafa DeLyser (2015) realizou um estudo sobre a vistas podem desvendar-nos a opinião pública so-
cultura kitsch através da construção de um arqui- bre um determinado tema do passado, e são úteis
vo pessoal de souvenirs relacionados com a novela para identificarmos eventos históricos relevantes
Ramona de Helen Hunt Jackson. Através da cons- para a geografia, como desastres ambientais ou
trução deste arquivo, DeLyser desvendou a impor- manifestações políticas. Por último, existem tex-
tância que as souvenirs kitsch tiveram na constru- tos, como a literatura de ficção, que não podem
ção de geografias íntimas de memória social nas ser tomados à letra por não tratarem de eventos
experiências turísticas do século XIX. reais. No entanto, estes textos podem também ser
Aos documentos arquivados que consultamos na bastante úteis para perceber como certos lugares e
pesquisa geo-histórica chamamos fontes históricas. populações foram representados no passado, o que
Uma fonte histórica nem sempre tem valor por si; nos é útil para compreender como as identidades
é na combinação de várias fontes que se desvenda contemporâneas se formaram.
Recolha de Dados 119

Tabela 6. Os tipos de arquivo e documentos de interesse para a geografia.

Tipo de arquivo Documentos Exemplos Temas da geografia

Pintura Museu da Paisagem


Museu Geografias culturais
Artefactos Museu do Oriente

Biblioteca Nacional de
Geografia histórica
Literatura Portugal
Biblioteca Representações espaciais na
Legislação Biblioteca da Sociedade de
literatura
Geografia de Lisboa

Mapoteca do Centro de Representações cartográficas


Mapoteca Cartografia Estudos Geográficos da
Universidade de Lisboa Geopolítica

Cinemateca Filme Cinemateca Portuguesa Representações da paisagem

Transformações espaciais
Arquivo Arquivo Fotográfico
Fotografia Projetos de urbanismo e
Fotográfico Municipal de Lisboa
regeneração

Música Fonoteca Municipal de


Fonoteca Paisagens sonoras
Rádio Lisboa

Hemeroteca Municipal de Geografia política


Hemeroteca Jornais
Lisboa Geografia histórica

Geografia da população
Arquivo Dados Instituto Nacional de
Geografia económica
Estatístico estatísticos Estatística
Geografia dos transportes

Legislação
Arquivo Centro de Informação Geografia política e das
Documental Documentos Europeia Jacques Delors instituições públicas
oficiais

Geografia da população
Documentos Geografia política
históricos
como crónicas, Arquivo Histórico Geopolítica
Arquivo Histórico
documentação Ultramarino Urbanização
administrativa, Geografia rural
etc.
Geografia económica

Regulamentos Planeamento
Plano Diretor Urbanização
Arquivo
Municipal Arquivo Municipal de Lisboa
Municipal Transformações espaciais
Planos de
Urbanização Infraestruturas

Arquivo.pt; Internet Archive – Geografias digitais


Arquivo Digital Websites
Wayback Machine Geografia dos serviços
120 Manual de Métodos Qualitativos em Geografia

Hoje em dia, vários arquivos tentam conservar Por outro lado, os arquivos digitais são cada vez
outro tipo de documentação para além da escrita, mais importantes. Não só os arquivos escritos e vi-
tais como os arquivos fotográficos, audiovisuais ou suais são cada vez mais digitalizados, mas também
fonográficos. Estes arquivos guardam essencial- a internet em si pode ser vista como um enorme
mente a grande quantidade de fotografias, filmes arquivo. Existem também arquivos digitais para
e gravações sonoras realizadas durante os sécu- páginas já não disponíveis na internet. No caso de
los XX e XXI. Embora também nestes arquivos Portugal, é possível pesquisar páginas web que já
possamos encontrar falas significativas na forma não estão disponíveis através do seu URL na fer-
de filmes, entrevistas, discursos, palestras e vários ramenta arquivo.pt. Para pesquisar em páginas
tipos de programas de televisão e rádio, mere- internacionais, existe o arquivo Internet Archive
ce destaque particular a informação que se pode – Wayback Machine (https://archive.org/web/),
extrair das imagens e sons que se conservaram. embora este arquivo seja principalmente composto
Em particular, os estudos sobre representações por páginas anglófonas. Um exemplo interessante
e produção de paisagens (em vários âmbitos: ur- do uso de arquivos online é o estudo de Oliveira
banístico, social, cultural, etc.) devem bastante à e Cristo (2020) sobre as representações geográ-
informação presente em filmes, fotografias e até ficas do genocídio arménio no jornal New York
mesmo pinturas históricas. Recentemente, tem Times. Embora este seja um estudo tradicional de
também sido salientado o poder performativo des- geografia histórica, é particularmente interessante
te tipo de documentos; eles não só nos transmitem que Oliveira e Cristo (2020) tenham conseguido
conhecimento sobre o passado, mas também nos captar uma perspetiva situada desse acontecimen-
permitem experienciar as suas geografias através to histórico apenas através do arquivo online do
do seu conteúdo sensorial e imersivo (Dwyer & próprio New York Times que disponibiliza as pu-
Davies, 2010). blicações históricas desse periódico.
Para a geografia, os arquivos cartográficos são Para além disto, existem também cada vez mais
particularmente importantes. As mapotecas, e os trabalhos que entendem todas as coleções de ma-
mapas disponíveis noutros tipo de arquivos docu- teriais que se podem encontrar num espaço en-
mentais, oferecem à geografia a possibilidade de quanto arquivo. De facto, todos os materiais que
perceber como o espaço foi representado, apro- um espaço contém têm algo para contar acerca das
priado, ordenado, organizado, e usado ao longo do práticas que aí se fazem, sobre a vida e as memó-
tempo, o que nos permite explicar não só a dis- rias dos que habitam esse espaço, e sobre a identi-
persão geográfica do mundo atual mas também os dade do lugar que complementam (Sjöholm, 2014).
processos geopolíticos, económicos e culturais que A pesquisa em arquivo é frequentemente – quando
geraram e que impõem essa dispersão. Por exem- possível – complementada com história oral. De
plo, Oliveira (2016) estudou a representação da facto, tem sido notado recentemente que também
Ásia no século XVI recorrendo à interpretação de a pesquisa em arquivo se pode tornar em pesquisa
sínteses geográficas portuguesas e europeias e um participativa ao envolver pessoas comuns na pes-
conjunto de mapas da Ásia criados por portugue- quisa do passado da sua própria comunidade, seja
ses. Através deste estudo, Oliveira (2016) mostra enquanto informadores, seja enquanto parceiros de
que a construção da imagem cartográfica da Ásia pesquisa em arquivos (DeLyser, 2014).
era feita a partir de uma ideia europeia de domí- Por vezes, os próprios geógrafos sentem a neces-
nio do mundo, e que essa ideia política figurava na sidade de criar o seu próprio arquivo no decurso
cartografia produzida, sendo assim esses mapas da sua investigação, particularmente quando se de-
não apenas um conjunto de descrições do espaço param com uma quantidade significativa de docu-
asiático, mas um instrumento de comunicação do mentos em perigo ou muito esparsos. Por exemplo,
domínio europeu. Withers (2002) chamou a atenção da necessidade
Recolha de Dados 121

de os departamentos de geografia criarem os seus


próprios arquivos da disciplina para ser mais fácil Para saber mais, consulta:
investigar-se a história das ideias e das técnicas da • Mills, S. (2013). Cultural-Historical Geographies of the
disciplina. DeSilvey (2007), por outro lado, num Archive: Fragments, Objects and Ghosts. Geography
estudo de investigação-ação sobre a cultura mate- Compass, 7 (10), 701–713.
A autora faz o estado da arte da utilização de investiga-
rial de uma ruína de uma quinta nos Estados Uni- ção de arquivo por geógrafos, destacando a diversidade
dos da América, no qual ela pretendia inventariar e de abordagens e as características centrais deste
recuperar os materiais do património dessa ruína, trabalho.

construiu um arquivo improvisado para preservar • Moore, F. (2010). Tales from the archive: methodological
esses materiais e estudar a sua história. Noutros and ethical issues in historical geography research.
capítulos deste livro, falamos de práticas, como a Area, 42 (3), 262-270.
Este artigo debate as principais dificuldades metodo-
fotografia ou a fonografia, que também implicam a lógicas e questões éticas que o trabalho de arquivo
construção de arquivos de investigação.. suscita na geografia.

Neste momento, deves sentir-te capaz de:

• Identificar os arquivos e fontes históricas • Proceder ao levantamento e interpretação


relevantes para o teu estudo geográfico. de fontes de arquivo.

• Compreender se o teu levantamento


de campo pode ou deve dar origem
a um arquivo.
122 Manual de Métodos Qualitativos em Geografia

Biografia

Objetivos de Aprendizagem

• Entender como uma biografia • Compreender em que consiste


pode providenciar uma perspetiva uma biografia.
interessante para compreender
as mudanças geográficas.

E
screver biografias pode parecer um mé- grafia, ao nos abrir uma janela sobre o quotidiano
todo absolutamente estranho à geografia, de pessoas reais, permite-nos entender como de-
mas a verdade é que nos últimos trinta terminados espaços-tempos, ou certos momentos
anos vários geógrafos tem recorrido a metodo- de mudança histórica, condicionaram ou poten-
logias biográficas. Se inicialmente as biografias ciaram certas práticas. Aqui, a ideia não é tanto
eram somente realizadas por aqueles interessados focarmo-nos unicamente na vida de uma pessoa
na história da geografia, que viam na descrição da como nas biografias de celebridade que vemos nas
vida e obra de geógrafos célebres um meio para livrarias, mas sim enquadrar casos concretos em
compreender a evolução teórica e metodológica da processos de mudança maiores, ou comparar as
disciplina, rapidamente a biografia como metodo- trajetórias de diferentes casos num lugar ou perío-
logia se expandiu, primeiro ao campo da geografia do histórico. Nada obstante, a biografia pode tam-
histórica, e depois a outros campos onde a biogra- bém focar-se em pessoas que tiveram um impacto
fia nem sempre se refere à vida de um ser humano. significativo em processos geográficos políticos,
Biografia, de um modo simples, é uma descrição económicos ou mesmo científicos, sendo que nes-
da vida de uma pessoa, que tende a ser ordenada tes casos o seu valor reside na capacidade de nos
temporalmente a partir do seu nascimento e até à desvendar as ideologias, crenças e imaginários que
sua morte. As biografias costumam descrever as alavancaram as decisões que mudaram um deter-
diferentes fases dessa vida, os seus principais even- minado espaço. A biografia pode também ser um
tos e feitos, sempre tentando apresentar a experi- método útil quando o nosso trabalho de arquivo
ência subjetiva da pessoa biografada. O mesmo é desvenda uma abundante quantidade de informa-
dizer que a biografia não se limita a enumerar o ção sobre um tema. Escolher pessoas-chave e tra-
que aconteceu na vida dessa pessoa, ela busca ex- çar o seu percurso de vida é uma estratégia para
plicar todas as ações, reacções e decisões que fo- decidir que materiais explorar e quais deixar de
ram tomadas ao longo do curso da vida. Tal como parte, de contar uma história e explicar uma geo-
no caso da entrevista de história de vida, o valor grafia complexa de um modo focado e coeso (Ho-
da biografia está na sua capacidade de enquadrar dder, 2017).
o percurso de uma vida individual nas redes de re- Os dados que compõem uma biografia podem ter
lações sócio-espaciais de diferentes tempos. A bio- diversas origens. Caso a pessoa que pretendemos
Recolha de Dados 123

biografar esteja viva, pode-se realizar uma entre- método geográfico. Por exemplo, Lorimer (2003)
vista de história de vida e utilizar esses dados para traçou a biografia de uma estudante de geogra-
compor a sua biografia. Se a pessoa não estiver fia escocesa chamada Margaret Jack para estudar
viva ou nos seja inacessível, é necessário conduzir como o conhecimento geográfico é produzido e
recolha de dados em arquivos para reunir informa- transmitido aos estudantes de geografia durante
ção sobre o seu percurso de vida. Dependendo do pesquisas de campo. O geógrafo concluiu que este
percurso de vida da pessoa, poderemos encontrar método foi útil para contar as mudanças epistemo-
dados em diferentes arquivos. Sobre figuras públi- lógicas no trabalho de campo geográfico a partir
cas, os jornais de grande circulação podem con- de experiências íntimas, e que a biografia deve ser
ter informação importante, portanto pesquisa em vista como uma janela para compreender como
hemerotecas e na internet justifica-se. No caso de ideias conceptuais abstratas são adaptadas em
profissionais, é frequentemente nos arquivos mais contextos locais. Por outro lado, Johnston (2019)
ligados à sua profissão – que podem ser acervos discutiu a autobiografia como um método impor-
documentais, bibliotecas, arquivos públicos, etc. – tante para explorar a história da geografia, argu-
onde iremos encontrar informação mais útil. Fre- mentando que a autobiografia nos traz informação
quentemente, para se perceber a perspetiva da pes- importante que não está escrita nos acervos docu-
soa que estudamos, é importante não só encontrar mentais da disciplina e que dificilmente se recolhe
documentos sobre a pessoa, mas também docu- em entrevistas (porque o entrevistador nem sem-
mentos escritos ou produzidos por ela. Em vários pre sabe quais são as questões certas).
casos, a única documentação é privada e pessoal Outros geógrafos expandiram o método da bio-
– na forma de cartas, diários ou memorandos. É grafia, aplicando-o a espaços em vez de pessoas.
preciso obter permissões para aceder e utilizar A adaptação mais conhecida é a biografia de paisa-
os dados destes documentos, e podem-se levantar gens, um método que os geógrafos partilham com
problemas éticos que impedem a sua utilização. arqueólogos e historiadores (Renes, Kolen, & Her-
Para a geografia, há documentos específicos que mans, 2015). O método da biografia de paisagens
têm sido importantes, como narrativas de viagem, resulta do entendimento que as paisagens, sendo
cadernos de campo, ou autobiografias profissionais parte do mundo dos humanos, são transformadas
(Daniels & Nash, 2004). pela sua utilização e recheadas de elementos que
Quando temos os dados recolhidos, a escrita da contém um significado, uma história e uma função.
biografia em si tende a ser relativamente auto- Assim, perceber essa transformação ao longo do
mática. Primeiro, é importante ordenar temporal- tempo – a biografia da paisagem – torna possível
mente a informação que temos, podendo-se criar compreender a relação ser humano-ambiente de
um cronograma. Com isto feito, é possível iden- uma forma profunda. Deste modo, a biografia de
tificar os acontecimentos mais significativos. O paisagens ostenta uma dupla perspetiva. Por um
percurso da vida pode então ser dividido em fases. lado, ela estuda a história das transformações ma-
Para a geografia, esta divisão é comummente espa- teriais do espaço. Por outro, foca-se também nas
cial, dividindo-se por exemplo o percurso da vida comunidades que se apropriaram desse espaço, e
pelos vários lugares em que a pessoa viveu ou tra- como tornaram a paisagem um repositório de me-
balhou. Através dessa divisão, é possível explorar mória social. Por este motivo, a biografia de pai-
os documentos que temos para perceber a expe- sagem implica igualmente pesquisa em arquivo,
riência que a pessoa teve em cada fase. É também entrevistas a habitantes locais, mas também inter-
nesta exploração que conseguimos enquadrar essa pretação de paisagem.
experiência na geografia (económica, política, cul- Na geografia urbana, a biografia de casas tem sido
tural, etc.) que é conhecida do período em causa. desenvolvida particularmente em estudos sobre a
Existem vários exemplos do uso da biografia como relação entre a vida quotidiana, transformações
124 Manual de Métodos Qualitativos em Geografia

urbanas, e mudanças económicas, sociais e políti-


cas mais latas. Por exemplo, Ascensão (2015) re- Para saber mais, consulta:
alizou biografias de casa em bairros de barracas • Hodder, J. (2017). On absence and abundance: bio-
na Área Metropolitana de Lisboa, pedindo aos graphy as method in archival research. Area, 49 (4),
residentes dessas habitações precárias para fazer 452–459.
Este artigo debate as dificuldades metodológicas
visitas às casas, durante as quais os residentes re- associadas ao método da biografia em investigação
latavam os processos materiais de construção das geográfica, relativamente à abundância e uso das fontes
casas, abordando também as suas experiências disponíveis.

pessoais de habitação. Comparando essas visitas • Renes, J., Kolen, J., & Hermans, R. (2015). Landscape
com trabalho de arquivo focado nos documentos Biographies: Geographical, Historical and Archaeologi-
de planeamento, Ascensão traçou a micro-história cal Perspectives on the Production and Transmission of
Landscapes. Amsterdão: Amsterdam University Press.
destes espaços urbanos informais, destacando a Este livro é uma abordagem sistemática ao uso da
interconexão entre materialidades e experiências biografia de paisagens como método de investigação na
pessoais, bem como a sua relação complexa com a geografia, história e arqueologia. Providencia informação
sobre os princípios-chave, técnicas e dificuldades que o
governação urbana. método implica.

Neste momento, deves sentir-te capaz de:

• Decidir se é geograficamente relevante • Identificar os métodos mais apropriados


realizar uma biografia de uma pessoa ou para se recolher dados com vista à escrita
de um espaço. de uma biografia.

• Contextualizar uma biografia espacialmente.


Recolha de Dados 125

Mapas Mentais

Objetivos de Aprendizagem

• Conhecer a história do método dos mapas • Perceber o funcionamento e as aplicações


mentais e a sua contribuição do método dos mapas mentais.
para a geografia.

U
m mapa mental é uma representação grá- para isso. Por este motivo, este método pode ser de
fica do mapeamento cognitivo de uma certo modo considerado o ponto de partida para as
determinada pessoa ou de um coletivo. abordagens participativas no planeamento. As tec-
Por mapeamento cognitivo, entende-se o processo nologias digitais de informação geográfica volun-
psicológico através do qual um indivíduo adquire, tária que temos hoje oferecem justamente aquilo
armaneza, recorda e descodifica informação sobre que se procurava nos mapas mentais há cinquenta
as localizações que visita e os seus atributos. Ou anos atrás: conhecer como as pessoas usam, enten-
seja, dito de um modo simples, um mapa mental dem e avaliam o espaço geográfico (Pánek, 2016).
é um desenho feito apenas com base naquilo que Não obstante, os mapas mentais continuam a ser
as pessoas se lembram sobre os espaços que co- usados com frequência na geografia – e em outras
nhecem. O conceito de mapeamento cognitivo foi disciplinas como a ciência informática, a pedago-
inicialmente desenvolvido por um psicólogo cha- gia, a história, a antropologia ou a ciência política
mado E.C. Tolman que se interessava no estudo – porque nenhum outro método nos leva tão ime-
da aprendizagem de informação espacial. A partir diatamente ao mapeamento cognitivo das pessoas
deste conceito, na segunda metade do século XX, (Kitchin, 1994). É importante compreender este
arquitectos urbanistas como Kevin Lynch, e geó- mapeamento cognitivo por várias razões. Primei-
grafos como Peter Gould ou Thomas Saarinen, de- ro, porque se trata de uma construção mental que
senvolveram o método do mapa mental para estu- usamos para conhecer e compreender o espaço.
dar as perceções de diferentes grupos sociais sobre Noutras palavras, o mapeamento cognitivo é uma
o espaço geográfico e urbano. O interesse no mapa estrutura que nunca está terminada onde podemos
mental vinha de uma consciência de que a geogra- organizar toda a informação espacial que obtemos
fia e o planeamento estavam demasiado assentes ao longo da nossa vida (Gould & White, 2002). Se-
em métodos quantitativos baseados em informação gundo, porque é também uma espécie de base de
estatística oficial, e que a perspetiva das pessoas dados onde incluímos as nossas experiências es-
comuns não era tida em conta. Os arquitetos e ge- paciais. Ou seja, não é apenas a informação sobre
ógrafos começaram a explorar maneiras de aceder o ambiente que colocamos no nosso mapa cogniti-
à perspetiva espacial dos indivíduos e o mapa men- vo, mas todas as nossas experiências de vida, to-
tal tornou-se um método particularmente popular dos os momentos que passamos estão localizados
126 Manual de Métodos Qualitativos em Geografia

nesse mesmo mapa, tornando-o assim também um porque os participantes podem considerar que
repositório emocional pessoal (Tuan, 1975). Em alguns elementos geográficos não são mapeáveis.
terceiro lugar, o mapa cognitivo é uma ferramenta Assim, existem limitações relativamente ao quan-
para os nossos comportamentos espaciais. Como to se pode tomar o desenho como único elemento
qualquer tipo de conhecimento, ele é utilizado para de análise da perceção do mundo dos participantes
atingir os nossos objetivos. O mapa cognitivo aju- do estudo (Götz & Holmén, 2018). Por este moti-
da-nos a orientar-nos, selecionar rotas, evitar lu- vo, é frequente que à realização do mapa mental
gares, procurar recursos e encontros, etc. (Kitchin, se suceda uma entrevista individual ou coletiva na
1994). Por último, o mapeamento cognitivo im- qual se procura esclarecer o processo de decisão
porta porque é uma representação do mundo que que levou os participantes a escolher representar o
contém as nossas ideias sobre o que é ou deve ser que representaram. Esta entrevista de seguimento
o mundo. O nosso mapa cognitivo nunca é exato. é igualmente útil para compreender o significado
Contém sempre distorções e omissões, para além dos elementos representados. Por outro lado, a
de ser imbuído de diferentes significados e das qualidade do mapa mental varia conforme a capa-
narrativas em que acreditamos (Saarinen, Parten, cidade gráfica dos indivíduos e a entrevista de se-
& Billberg, 1996). guimento pode ajudar a esclarecer se as diferenças
O método do mapa mental tem uma premissa entre o detalhe nos mapas proveem de diferenças
simples. Ele consiste em pedir a um ou mais par- em conhecimento espacial ou mestria em desenho
ticipantes num estudo que descrevam o seu ma- (Pocock, 1976). A análise da informação de mapas
peamento cognitivo de forma indireta ou direta. mentais tem sido principalmente qualitativa, mas
A forma indireta consiste em entrevistar o par- também existem abordagens que procuram quan-
ticipante, pedindo-lhe para descrever verbalmen- tificar as características dos desenhos (Saarinen,
te uma determinada geografia, procedendo-se a Parten, & Billberg, 1996).
posteriori ao mapeamento da informação oral. A Para além do seu uso no planeamento, os mapas
forma direta – e também a mais popular – consiste mentais têm sido úteis para mostrar diferenças
num exercício de mapeamento em que os partici- de perceções, representações e usos espaciais en-
pantes desenham o seu mapa mental de um lugar tre grupos sociais. Eles têm ajudado a demonstrar
ou espaço geográfico. Este desenho é geralmente que homens e mulheres têm experiências espaciais
livre, mas pode também ser realizado sobre um diferentes, que pessoas de diferentes origens têm
mapa-base (Pocock, 1976). Há que ter em conta ideias distintas acerca do espaço geográfico nacio-
que a formulação das instruções para o mapa men- nal e mundial, e que certos grupos como idosos,
tal irá influenciar o que os participantes desenham, crianças, ou pessoas com dificuldades de locomo-
porque estes tentam corresponder às expectativas ção têm geografias quotidianas particularmente
do investigador. Por vezes, instruções sucintas dão diferentes da maioria da população (Kozel, 2018).
maior liberdade aos participantes para incluir tudo Como exemplo de um estudo que usa mapas men-
o que julgam importante, mas em alguns casos é tais com uma abordagem indireta, Esteves (1997)
possível que instruções mais detalhadas levem a avaliou a geografia da insegurança em Lisboa re-
resultados mais comparáveis. Em qualquer caso, é alizando um inquérito por questionário a 420 ha-
útil que o investigador esteja disponível enquanto bitantes e utilizadores do município no qual pedia
o participante desenha, de modo a poder tirar dú- aos inquiridos para identificarem locais que con-
vidas que surjam no momento do desenho. sideravam mais e menos perigosos para perma-
Há que ter em conta que, apesar de o mapa men- necer. Com esta informação, a geógrafa elaborou
tal nos permitir aceder ao mapeamento cogniti- cartografia do município onde se podem visuali-
vo de uma pessoa, o mapa que é desenhado não zar as áreas consideradas mais e menos perigosas
é exatamente o que está na mente da pessoa, até pelos inquiridos. Como exemplo de estudos com
Recolha de Dados 127

abordagens diretas, Lima e Kozel (2009) usaram o


método dos mapas mentais para estudar o sentido Para saber mais, consulta:
de lugar dos habitantes do bairro de Santa Feli- • Kitchin, R. (1994). Cognitive maps: What are they and
cidade em Curitiba, Brasil. As geógrafas pediram why study them? Journal of Environmental Psychology,
a um grupo de habitantes para mapearem Santa 14 (1), 1–19.
Este artigo apresenta uma caracterização extensiva do
Felicidade de modo a mostrarem que lugar é esse mapeamento cognitivo e dos mapas mentais, e discute
e como circulam por ele e, através da análise dos as variadas aplicações científicas deste método.
símbolos dos mapas, as autoras identificam interli-
• Kozel, S. (2018). Mapas Mentais: Dialogismo e
gação entre o espaço físico do bairro e os seus sig- Representações. Curitiba: Appris.
nificados sociais e culturais. Por outro lado, Silva Este livro discute os fundamentos teóricos e metodoló-
e Fonseca (2018) aplicaram o método dos mapas gicos que ancoram o método dos mapas mentais,
e reúne vários casos de aplicação prática.
mentais com um grupo de imigrantes brasileiros
residentes em Los Angeles, Estados Unidos da
América, com o propósito de compreender as re-
presentações e vivências espaciais destes imigran-
tes. Após uma etapa de entrevistas individuais, foi
pedido aos participantes que desenhassem a cida-
de de Los Angeles para responder à questão: ‘Los
Angeles, como é esse lugar?’. Com estes dados,
as geógrafas estabeleceram uma relação entre as
trajetórias de vida dos imigrantes, as suas expe-
riências vividas naquela cidade e a atribuição de
significados distintos ao mesmo lugar.

Neste momento, deves sentir-te capaz de:

• Utilizar a criação de mapas mentais para • Usar um mapa mental para compreender o
obter informação geográfica individualizada. mapeamento cognitivo de uma pessoa.
128 Manual de Métodos Qualitativos em Geografia

Sistemas de Informação Geográfica


Participativa

Objetivos de Aprendizagem

• Compreender a relevância social e política • Conhecer as principais fases de


dos sistemas de informação geográfica implementação de um projeto de sistemas
participativa. de informação geográfica participativa.

• Perceber em que consiste um sistema


ou plataforma de informação geográfica
participativa.

O
s sistemas de informação geográfica a população perde a capacidade de colocar deter-
participativa (SIGP) surgiram na se- minados temas na agenda política e consequente-
quência de uma série de críticas ao uso mente de reivindicar os seus direitos. A disciplina
dos SIG publicadas na década de 1990 (O’Sullivan, de sistemas de informação geográfica crítica (SIG
2006). Vários geógrafos notaram que os SIG eram crítica) nasceu a partir destes debates. Os SIGP fo-
quase exclusivamente desenvolvidos para e usados ram o instrumento metodológico que permitiu a
pelos poderes públicos como um instrumento de expansão deste movimento académico que procura
conhecimento e planeamento do território. Pese democratizar a recolha de dados geoespaciais de
embora a sua utilidade, este uso dos SIG restringia forma a produzir melhor conhecimento geográ-
o conhecimento do território à informação oficial fico e contribuir para melhores políticas públicas
gerada pelos estados, produzida através de institu- (Dunn, 2007).
tos de estatística, por exemplo. Esta informação li- Os SIGP englobam uma série de plataformas in-
mitava-se a dados quantitativos, definidos por aca- tegradas de informação geográfica que permi-
démicos especialistas e pelos decisores políticos. tem que utilizadores sem formação académica e
O conhecimento que a população possuía sobre o investigadores recolham, tratem, analisem e re-
território não era considerado nestes sistemas, o presentem informação geográfica em conjunto.
que não só significava que a informação se tornava As plataformas de SIGP têm estruturas variadas
mais reduzida, mas também que a capacidade de que dependem do seu propósito. Geralmente, a
participação política da população era diminuída. plataforma baseia-se num modelo de ciência cida-
A recolha de informação espacial é fundamental dã (citizen science) no qual os cidadãos agem como
para suportar decisões políticas e sem a capacida- sensores (citizens as sensors). Isto é, o interface do
de de decidir que informação deve ser recolhida, SIGP permite que qualquer utilizador recolha um
Recolha de Dados 129

determinado tipo de informação espacial, que fi- ográfica (IVG) que podem ser usadas em projetos
cará georeferenciado numa base de dados à qual de SIGP, e existem empresas como a Maptionnaire
os investigadores têm acesso, e cujos dados po- que desenvolvem plataformas de SIGP para acadé-
dem tratar e analisar. Noutros modelos, preten- micos e planeadores.
de-se dar maior responsabilidade aos cidadãos no A segunda fase é a recolha de dados. Não é expec-
tratamento, análise e debate sobre a informação tável que a mera existência da plataforma de SIGP
geográfica recolhida. Nestes casos, a plataforma seja suficiente para levar à participação do público.
pode permitir que os utilizadores acedam à base de Logo, a recolha de dados deve corresponder à im-
dados georreferenciada e utilizem os dados como plantação de um projeto de investigação-ação no
entenderem. Em alguns casos, a aplicação de um qual se pretende que a participação seja a maior
SIGP faz-se no âmbito de um projeto de investi- possível. Para tal, é preciso implementar técnicas
gação-ação que inclui vários momentos de debate de avaliação das barreiras à participação e desen-
público no qual o SIGP e os seus dados são apre- volver ações para combater essas barreiras. King
sentados e discutidos por comunidades. Os SIGP (2002) indica que esta avaliação deve aferir quem
não são um instrumento puramente qualitativo. tem acesso à informação e às ferramentas, que co-
Vários SIGP, especialmente na sua vertente de nhecimento é representado e como este é enqua-
ciência cidadã, procuram apenas recolher dados drado teoricamente, quem toma decisões sobre os
quantitativos. Outros procuram um mix de dados e dados, qual é o diálogo entre os diversos agentes
alguns recolhem apenas dados qualitativos. Estes envolvidos, e que informação está a ser gerada du-
últimos enquadram-se geralmente em processos rante o processo.
mais abrangentes de decisão política (Brown et al., A terceira fase é a fase de tratamento, análise e
2017). interpretação dos dados. Esta fase pode ser de-
Um projeto de investigação que usa SIGP tem ge- senvolvida pelos geógrafos ou pelos planeadores,
ralmente três fases. A primeira fase é a construção aplicando-se os métodos adequados de análise e
da própria plataforma de recolha de informação interpretação de dados, ou pode ser também aber-
geográfica. A plataforma deve ser construída com ta à comunidade, organizando-se grupos focais
a sua finalidade em mente (Elwood, 2006). Isto im- para envolver a população na análise de dados. É
plica não só a definição do tipo de dados que se importante ter em conta que os dados recolhidos
irá recolher, mas o envolvimento dos agentes do em processos participativos frequentemente têm
projeto que, para além dos investigadores, pode enviesamentos decorrentes dos desequilíbrios na
incluir a comunidade local, decisores políticos, as- participação (Radil & Jiao, 2016). As populações
sociações locais, instituições mediadoras, etc. As- com maiores níveis de educação e com mais recur-
sim, o primeiro passo deve envolver uma série de sos financeiros tendem a participar mais do que
entrevistas ou grupos focais com os agentes com o populações desfavorecidas. Existem também fre-
propósito de aferir a melhor maneira de estruturar quentemente desequilíbrios entre o nível de par-
o SIGP. Esta primeira consulta permite criar uma ticipação de homens e mulheres, de autóctones e
plataforma mais inclusiva, levando assim a uma imigrantes, entre outros. Compreender o enviesa-
maior participação e a um conjunto de dados mais mento dos dados é importante nesta terceira fase
relevante. A criação de uma plataforma de SIGP e podem ser aplicados métodos adicionais, como
pode requerer a participação de um especialista entrevistas ou grupos focais, para validar a infor-
em SIG que a possa criar usando serviços como mação e identificar possíveis enviesamentos nos
o OpenStreetMap, GIS Cloud ou o ESRI ArcGIS dados.
Survey123. Caso a equipa de investigação não OS SIGP têm sido utilizados principalmente em
tenha estes conhecimentos, existem numerosas três áreas temáticas da geografia (Mukherjee,
aplicações gratuitas de informação voluntária ge- 2015). Primeiro, as geografias de recursos natu-
130 Manual de Métodos Qualitativos em Geografia

rais (hídricos, geológicos, etc.) e de conservação


de natureza têm recorrido aos SIGP para recolher Para saber mais, consulta:
informação sobre o impacto de atividades huma- • Mukherjee, F. (2015). Public Participatory GIS.
nas em espaços naturais, e para avaliar a biodiver- Geography Compass, 9 (7), 384– 394.
sidade e geodiversidade. Por outro lado, os SIGP O autor discute o impacto dos sistemas de informa-
ção geográfica participativa e analisa a sua eficácia e
têm sido mobilizados por geógrafos urbanos para sustentabilidade.
criar processos de planeamento urbano participa-
tivos, especialmente no âmbito da revitalização de
bairros. Em terceiro lugar, os SIGP têm sido um
instrumento privilegiado para dar voz a comuni-
dades indígenas, em particular na América do Sul,
em África e na Ásia. Nestes casos, os SIGP per-
mitem que comunidades marginalizadas no campo
político criem conhecimento que sustente a sua
representação política.

Neste momento, deves sentir-te capaz de:

• Decidir se um sistema de informação • Planear um projeto de sistemas de


geográfica irá facilitar a recolha de dados informação geográfica participativa.
na tua investigação-ação.
Recolha de Dados 131

Story Maps

Objetivos de Aprendizagem

• Compreender o potencial do story map • Perceber em que consiste um story map


para organizar e comunicar informação e os seus diferentes tipos.
geográfica.

O
s story maps ou mapas de histórias são indica todas as cenas da obra, a sua localização e as
aplicações de web mapping desenhadas personagens que participam nessa cena. Esta abor-
especificamente para contar histórias dagem tornou-se particularmente popular na edu-
através de mapas. Por aplicações de web mapping, cação, quando a criação de mapas de história co-
estou-me a referir a uma série de ferramentas car- meçou a ser usada com estudantes para fomentar
tográficas disponíveis na internet que podem ser a compreensão de textos literários complexos. É
acedidas através de um browser (como o Google possível que tenhas feito um mapa de histórias nas
Chrome ou o Microsoft Edge). Entre estas apli- lições de português ou literatura quando estavas
cações, encontram-se o ESRI ArcGIS Online, o na escola e já nem te lembres. A criação de mapas
QGIS, o Mapbox, ou o Leaflet. Estas ferramentas de histórias tornou-se depois uma ferramenta im-
permitem produzir cartografia através de uma tela portante para a informática e para a gestão de ne-
de mapa interativa 2D ou 3D que permite várias gócios quando se deu o boom da internet nos anos
funções como a inclusão de simbologia espacial 90 do século passado. À medida que as relações en-
ou análise espacial quantitativa. Geralmente, as tre consumidores e empresários se desenvolviam
aplicações de web mapping permitem a um autor cada vez mais através de sites, os mapas de história
criar um mapa, gravá-lo, e publicá-lo de forma começaram a ser desenvolvidos como guiões para
a que utilizadores o possam consultar e navegar estruturar a experiência do consumidor em sites
nele. Os story maps são um tipo específico de apli- comerciais. Neste caso, o mapa de história orga-
cação de web mapping que, pela sua estrutura nar- nizava sequencialmente as diferentes páginas que
rativa, é particularmente útil para a apresentação o consumidor vê num determinado site, desde a
de dados geográficos qualitativos. Existem dife- pesquisa do produto até à sua compra. Já neste sé-
rentes aplicações que permitem a criação de story culo, os cartógrafos começaram a ver este mode-
maps, incluindo a ESRI Story Maps, a Knight Lab lo do web site estilo ‘história’ como uma estrutura
StoryMapJS, e a CartoDB Odyssey. promissora para comunicar com o público. O estilo
O termo story map ou mapa de histórias tem a sua do mapa de história é um interface que todos os
origem nos estudos literários. O mapa de histórias utilizadores da internet reconhecem, e portanto
era uma forma de compreender a estrutura de uma permite uma maior legibilidade dos mapas àque-
obra literária ao criar um esquema sequencial que les que não estão familiarizados com cartografia.
132 Manual de Métodos Qualitativos em Geografia

Ao mesmo tempo, o interesse dos geógrafos pelas tífico, a qualidade estética, e o impacto social da
narrativas espaciais, isto é, as histórias sobre como cartografia criada. Contra-intuitivamente, o pon-
o espaço é e deve ser ordenado, levaram a um in- to de partida deve ser a definição do público-alvo
teresse crescente de explorar a intersecção entre para o story map. O story map pode ser uma pode-
narrativa e cartografia. Assim surgiram os story rosa ferramenta de comunicação mas, para tal, é
maps geográficos (Caquard, 2011). preciso concebê-lo de maneira a que seja o mais
Um story map é, no fundo, um website que com- inteligível possível pelos seus leitores (Kerski,
bina mapas (geralmente interativos) com texto, 2020a). É importante definir o público de forma
fotografia, gráficos, vídeo ou som (Caquard & Car- precisa, evitando categorias vagas como “o público
twright, 2014). O story map é sequencial, ou seja, geral” ou “estudantes”. Caso seja membros do pú-
os conteúdos aparecem ao utilizador segundo uma blico geral, qual é a sua origem geográfica, qual é
ordem pré-definida à medida que este navega a pá- a sua idade, qual é o seu nível de educação? Caso
gina, permitindo contar histórias. Existem vários sejam estudantes, de que ciclo de estudos e de que
modelos (chamados templates) de story maps, mas cursos? Ter um público-alvo bem assente é o pon-
estes podem ser genericamente divididos em dois to de partida para a concepção do story map. A es-
tipos: (i) mapas interativos com uma sequência de trutura, o conteúdo e a simbologia do story map
texto ou outros media, como fotografia, vídeo, ou devem ser pensadas para se adequarem à lingua-
som, e (ii) sequência de textos com vários mapas gem e aos gostos do público-alvo. Como os story
interativos (e outros media) incorporados. O pri- maps são construídos a partir de modelos, é espe-
meiro tipo inclui vários estilos, como por exemplo: cialmente importante pensar isto no início porque
story map tours, que consistem em mapas interati- não se pode alterar o modelo a meio do processo
vos com vários pontos com informação que podem de construção do story map.
estar organizados numa sequência pré-definida ou Assim, o segundo passo para a criação do story
podem ser explorados livremente pelo utilizador; map é a definição da estrutura da história. O po-
shortlist story maps, que consistem em mapas acom- der do story map está na sua capacidade envolver
panhados por uma galeria de imagem que corres- os leitores em histórias dinâmicas, cativantes e
pondem a pontos no mapa; e swipe story maps ou imersivas. Importa então definir bem a mensagem
spyglass story maps, que consistem em mapas inte- que se quer transmitir. O story map deve girar à
rativos com duas camadas (chamadas layers) so- volta de um argumento central, e cada elemento
brepostas que podem ser comparadas. O segundo da sua estrutura deve ser entendido como uma pe-
inclui dois tipos: story map journals, que consiste quena peça que ajuda a construir esse argumento
numa página com vários separadores, cada um dos sem repetir informação. Deve haver diversidade
quais tem um mapa acompanhado com um texto de informação e media nessa estrutura de modo
que descreve ou situa os conteúdos do mapa; e cas- a manter o leitor cativado, e deve haver interativi-
cade story maps, que consiste numa página web que dade nos mapas para que o leitor se possa envol-
pode incorporar vários tipos de textos, imagens, ver na exploração dos dados espaciais. Mas esses
vídeos, sons e, obviamente, mapas interativos, in- momentos devem contribuir para um processo de
cluindo mesmo versões simples de swipe story maps aprendizagem que advém da sequência geral da in-
e de story map tours. Os cascade story maps têm-se formação, que deve ser coerente. O story map pode
tornado o estilo mais popular de story map, pela servir para contar qualquer tipo de história. Pode
sua versatilidade e pela dinâmica visual que con- envolver a descrição de um local, de um processo
fere à história. natural, de um evento social, de uma rede global,
À prática de criação de story maps, dá-se o nome de de um período histórico, de um assunto político,
story-mapping. Este é um processo que requer um entre outros. A sua aplicação é apenas limitada
equilíbrio entre várias preocupações: o rigor cien- pela nossa criatividade.
Recolha de Dados 133

Estando a história definida, o terceiro passo para é preferido por leitores mais jovens, potenciando
a criação do story map é a pesquisa, recolha e se- uma aprendizagem mais profunda sobre questões
lecção de conteúdo para o story map. Sendo o story geográficas, embora existam limitações na sua
map uma ferramenta de comunicação, é comum capacidade para transmitir informação complexa
que o autor já tenha todos os conteúdos necessá- (Berendsen, Hamerlinck, & Webster, 2018). Os
rios para a criação do story map, seja cartografia, story maps têm também sido usados como uma
fotografia, vídeo ou outro tipo de media. Neste ferramenta para comunicar com pessoas fora do
caso, é apenas importante selecionar o que deve meio científico. Neste caso, o story map providencia
entrar no story map e o que fica de fora. Noutros um entendimento prático de realidades complexas
casos, é possível fazer uma recolha de dados mais através de um meio que não implica conhecimen-
dirigida. É preciso ter em conta que para ser mais tos técnicos para ser utilizado (Antoniou et al.,
inteligível, o story map deve ser o mais simples pos- 2018). Kerski (2015) argumentou que os story maps
sível. Isto obrigará o autor a ser bastante austero são importantes para além da geografia porque de-
na seleção dos conteúdos que utiliza. Para além sempenham um papel crucial no desenvolvimento
disso, é importante que haja coerência gráfica e da geo-literacia, uma competência fundamental no
textual no story map, o que significa por vezes que século XXI.
algum conteúdo com valor científico ou pedagó-
gico pode ter de ficar de fora por razões estéticas.
A comunicação implica estes compromissos. Em
acréscimo, é preciso cuidado para que o conteúdo
inserido não seja demasiado exigente em termos Para saber mais, consulta:
de processamento, visto que nem todos têm com-
• Caquard, S., & Cartwright, W. (2014). Narrative cartogra-
putadores com grande capacidade. Também neste
phy: From mapping stories to the narrative of maps and
caso, o tipo de público importa: um público profis- mapping. The Cartographic Journal, 51 (2), 101–106.
sional pode ter equipamento mais avançado. Caso Este artigo apresenta as bases da cartografia narrativa
que informa os story maps.
queiras saber mais sobre as técnicas envolvidas na
criação de story maps, experimenta ver o capítulo • Kerski, J. J. (2015). Geo-awareness, geo-enablement,
que Kerski (2020b) escreveu. geotechnologies, citizen science, and storytelling:
Geography on the world stage. Geography Compass, 9
Os story maps têm sido valorizados particular-
(1), 14–26.
mente na pedagogia geográfica. Pela sua capaci- O autor discute o potencial das estórias para transmitir
dade de misturar vários tipos de media, tem sido informação geográfica e para incluir pessoas no proces-
so de recolha e tratamento de dados geográficos.
salientado que os story maps permitem manter o
interesse do leitor por períodos prolongados e que

Neste momento, deves sentir-te capaz de:

• Decidir se a informação geográfica do teu • Escolher o tipo mais apropriado de


projeto de investigação pode ser organizada story map e planear a sua construção
através de um story map. cuidadosamente.
134 Manual de Métodos Qualitativos em Geografia

Cartofonia

Objetivos de Aprendizagem

• Compreender a utilidade e as dificuldades • Distinguir os diferentes tipos de cartofonia:


de mapear sons. os mapas de som, os mapas sonificados,
e o mapa sonoro interativo.

A
cartofonia é um termo que descreve do as tecnologias informáticas começaram a per-
todas as práticas de mapeamento que mitir a inclusão de ficheiros de som em sistemas
incluem o levantamento, georeferencia- de informação geográfica (Krygier, 1999). Desde
ção, digitalização ou análise do ambiente sonoro então, o número de mapas sonoros explodiu e hoje
(Thulin, 2018). Mapear sons é uma tarefa particu- não existe praticamente nenhuma cidade que não
larmente complicada devido à natureza efémera e tenha um mapa sonoro disponível. Curiosamen-
móvel do próprio som. Raramente se pode atribuir te, a maior parte destes mapas sonoros tem sido
um som específico a um local porque os sons mu- desenvolvido não por geógrafos, mas por artistas
dam à medida que os elementos que os produzem sonoros e investigadores em ecologia acústica. No
se deslocam ou param de produzir sons, o que é entanto, nas últimas duas décadas têm sido publi-
um problema para a georeferenciação. É também cados alguns estudos que posicionaram o mapa
frequentemente difícil delimitar a área em que um sonoro como um método efetivamente geográ-
som pode ser ouvido, pois o seu alcance muda con- fico. Alguns destes estudos abordam os aspetos
soante as oscilações do volume da fonte sonora e mais técnicos da cartofonia (Caquard et al., 2008;
do ruído envolvente. Por outro lado, tipificar sons Brauen, 2006). Nesta secção, vou deixar os de-
é uma tarefa extremamente complicada. Deve-se talhes técnicos de parte para me focar nos tipos
tipificar consoante o tipo de fonte sonora? Mas a existentes de mapas sonoros qualitativos e na sua
mesma fonte pode produzir diferentes sons. Con- utilidade.
soante o tipo de som? Em termos de volume? Rit- O primeiro tipo que podemos identificar são os
mo? Timbre? Nota musical? E quando fontes dife- mapas de som. Estes são mapas visuais que descre-
rentes são capazes de produzir o mesmo som? Em vem o ambiente sonoro. Os modelos mais comuns
cima disto, o que fazer em locais em que múltiplas são o mapa de ruído quantitativo, que geralmen-
fontes de som se sobrepõem? te consiste na representação espacial da média da
Por este motivo, os primeiros mapas de som limi- pressão sonora num determinado período, e os
taram-se a reduzir o ambiente sonoro de um local mapas de perfil de som, que consistem numa re-
aos seus elementos quantificáveis ou mais desta- presentação cartográfica das fontes de som mais
cados. No entanto, o mapeamento de som era uma emblemáticas de um lugar. Estes últimos foram
prática pouco comum até à década de 1990 quan- primeiramente desenvolvidos por investigadores
Recolha de Dados 135

da área da ecologia acústica nos anos 70 do sé- modo georreferenciada ou mapeada. A abordagem
culo passado, principalmente em áreas urbanas. mais comum é usar-se uma escala de intensidade
O processo de produção de um mapa de perfil de de som para descrever uma escala de valores quan-
som consiste em dois passos. Primeiro, é realiza- tificados, por exemplo, usando uma escala de volu-
da uma exploração intensiva do ambiente sonoro me baixo para volume alto, ou de sons graves para
de uma área, geralmente recorrendo-se a cami- agudos. Inicialmente desenvolvidos para pessoas
nhadas, e um levantamento dos principais mar- invisuais, estes mapas tornaram-se também im-
cos sonoros. A escolha destes marcos sonoros é portantes por permitirem a todos uma interpreta-
particularmente subjetiva, logo devem ser usados ção alternativa mais sensível, mais intuitiva e mais
critérios apropriados para o objetivo terminal do exploratória da informação cartográfica (Krygier,
estudo. Em segundo lugar, estes marcos sonoros 1994). Deste modo, o mapa sonificado não é ape-
são georreferenciados de modo a se produzir o nas um produto final de investigação, mas também
mapa de perfil de som. Mais recentemente, estes pode ser usado como uma ferramenta para desen-
mapas têm sido usados por artistas e geógrafos volver estudos sobre a interpretação de mapas por
para criar guias dos principais marcos sonoros de leigos ou estudos sobre educação de tecnologias de
cidade com o propósito de promover a cultura lo- informação geográfica (Brauen, 2006).
cal ou a consciência ambiental (Thulin, 2018). Não O terceiro tipo é o mapa sonoro interativo. Estes
é absolutamente necessário que o mapeamento de são mapas digitais, frequentemente disponibili-
som assente em coordenadas geográficas. De fac- zados na internet, nos quais ficheiros de som são
to, outros mapas sonoros procuram representar disponibilizados numa base geográfica como o
o som graficamente de modos mais criativos. Por OpenStreetMap ou o Google Maps. O processo de
exemplo, Duffy, Waitt e Harada (2016) desenvol- criação de um mapa sonoro interativo é igual ao
veram o método do mapeamento sónico visceral, processo de criação de um mapa de perfil de som
que consiste na criação de mapas de descrições referido atrás, mas este caso o levantamento dos
escritas a partir de gravações sonoras. O proces- sons implica gravações sonoras de campo. Existem
so deste método envolve três passos. Primeiro, é algumas plataformas digitais que permitem criar
realizada uma gravação sonora de campo num de- este tipo de mapas com relativa facilidade, como a
terminado caso de estudo. Segundo, o investigador Radio Aporee. Embora muitos destes mapas sejam
escuta essa gravação e transcreve a descrição dos principalmente um arquivo documental de sons, a
sons para uma grelha descritiva que pode ter vá- mais-valia de um mapa sonoro interativo é o fac-
rios tópicos separados em colunas, por exemplo, to de permitir estabelecer uma relação mais pro-
quem produziu o som, de que tipo de som se trata, funda entre o mapa e a experiência ambiental. A
que tecnologias estão envolvidas, que emoções es- introdução do som permite incorporar uma série
tão associadas a esse som, etc. Em terceiro lugar, o de informação ambiental qualitativa que de ou-
investigador analisa essa grelha, estabelecendo re- tro modo seria impossível representar num mapa,
lações entre os diversos tópicos nas colunas. Esta contribuindo para uma sensação de presença e
análise pode ser conduzida com outros participan- maior conexão entre o utilizador e o espaço mape-
tes na investigação. Este método permite estabe- ado (Thulin, 2018). Por este motivo, ao contrário
lecer relações causais entre os diversos tópicos, do mapa de perfil de som, este tipo de mapa não só
especialmente na relação entre o ambiente sonoro, para representa sons, mas também permitem a na-
as práticas sócio-espaciais, e os afetos, emoções e vegação. Embora esta navegação não possa cons-
pensamentos dos participantes. tituir uma substituição da experiência física de
O segundo tipo são mapas sonificados. Estes são estar num lugar, ela permite ao utilizador escolher
mapas em que o som é utilizado para descrever in- percursos, percorrer os espaços, experimentar as
formação, geralmente quantitativa, que é de algum diferenças dos lugares, e envolver-se intimamente
136 Manual de Métodos Qualitativos em Geografia

no ambiente sonoro desses lugares. Com isto em


mente, alguns geógrafos têm desenvolvido mapas Para saber mais, consulta:
sonoros interativos especificamente para funcio- • Thulin, S. (2018). Sound maps matter: Expanding car-
nar como guias de lugares (Laakso & Sarjakoski, tophony. Social & Cultural Geography, 19 (2), 192–210.
2010). Outros têm produzido mapas sonoros inte- Este artigo apresenta uma tipologia dos diferentes tipos
de cartofonia, e explora as experimentações recentes
rativos para contar histórias e narrativas através com mapas sonoros interativos em maior profundidade.
da introdução de composições sonoras cinemáticas
no mapa (Caquard et al., 2008). Em ambos os ca-
sos, estes mapas funcionam como interfaces sóni-
cos entre pessoas e lugares.

Neste momento, deves sentir-te capaz de:

• Pensar como os sons que encontraste na • Identificar o tipo de cartofonia mais


tua investigação geográfica podem ser adequado para mapeares o ambiente
mapeados. sonoro no teu estudo.
Recolha de Dados 137

Criatividade

Objetivos de Aprendizagem

• Perceber o que significa usar a criatividade • Compreender as formas de combinação


como método de investigação geográfica. entre métodos convencionais e métodos
criativos.
• Reconhecer o potencial contributo de
diferentes artes para o conhecimento
geográfico.

N
a demanda por uma geografia mais par- que transitam de pesquisas que têm as artes como
ticipativa e transformadora, um grande objeto de estudo para pesquisas que usam as artes
número de geógrafos tem explorado a como método de investigação sobre vários temas
criatividade como método de investigação na últi- sociais e culturais. Mas rapidamente a criativida-
ma década. Este interesse não é novo. As artes e a de tem sido aplicada como método de investigação
geografia têm tido pontos de contacto praticamen- em vários subcampos como a geografia ambiental,
te desde sempre (Hawkins, 2019). Historicamen- urbana ou política.
te, a cartografia em si tem sido considerada uma Nestes campos, se as artes foram no início vistas
arte. No século XIX, antes de a fotografia ser uma como uma ferramenta estratégica para a comuni-
tecnologia largamente disponível, era também co- cação científica, por permitirem transmitir infor-
mum usar-se o desenho para representar a paisa- mação de um modo mais compreensível e divertido
gem, e o trabalho de campo por vezes era mesmo do que a leitura de artigos científicos, rapidamen-
realizado com artistas ilustradores profissionais. te se percebeu que as artes também possibilitam
Já no século XX, conhecemos vários geógrafos o desenvolvimento de diferentes tipos de estudos
que tinham um interesse em diferentes artes como geográficos (Hawkins, 2015).
uma extensão da sua produção de conhecimento O valor que a criatividade traz à investigação tem
geográfico. Em Portugal, temos o caso do interes- sido ligado essencialmente à sua capacidade de
se de Orlando Ribeiro na fotografia ou o interes- integração de participantes, de geração de dados
se de Francisco Tenreiro na poesia. No Brasil, a novos, de transformação social, e de comunicação
poesia foi também explorada por geógrafos como com o público geral (von Benzon et al., 2021). Pri-
Josué de Castro e Mauro Mota, e Aroldo de Aze- meiramente, tem sido salientado que práticas de
vedo publicou fotogeografias que consistiam em criação artística ou artesanal podem permitir que
artigos científicos que descreviam cidades a par- alguns participantes, que se sintam desconfor-
tir de um conjunto de fotografias. Mas é na última táveis com ou excluídos de métodos tradicionais
década que esta criatividade tem sido entendida como entrevistas ou grupos focais, se exprimam
como uma ferramenta promissora para a inves- de um modo mais livre e aberto. Por outro lado, a
tigação. Numa primeira fase, isto ocorre no seio criação artística pode permitir uma partilha mais
da geografia cultural pela ação de investigadores fácil de tópicos sensíveis entre os próprios parti-
138 Manual de Métodos Qualitativos em Geografia

cipantes. Os métodos criativos também permitem o que significa que existe um trabalho constante
obter informação que não se consegue obter de de enquadrar a investigação num contexto local e
outro modo, porque o próprio processo de criação adaptar todos os passos da investigação às caracte-
levanta questões de pesquisa diferentes daquelas rísticas desse contexto, incluindo a própria criação
que surgem em investigações tradicionais. Com artística (Edensor & Bowdler, 2015).
frequência, as experiências pessoais e os conteú- A experimentação com a criatividade já se esten-
dos afetivos destacam-se no processo, revelando a deu a praticamente todas as artes e medias. Em
dimensão da vivência humana de vários processos vez de explorar aqui as metodologias específicas
geográficos como transformações urbanas ou alte- de cada experimentação, que são extremamente
rações climáticas que nem sempre são vistas desse variadas entre si, irei dar alguns exemplos de apli-
prisma. Esta dimensão humana é relevante porque cações de diferentes artes e medias, salientando as
nos permite perceber o que potencia ou constran- suas vantagens metódicas.
ge a ação social. Por este motivo, a criatividade é O desenho tem uma longa história na geografia e
também uma ferramenta importante para produzir o seu uso enquanto método de investigação tem
mudança social no próprio processo de pesquisa. O reemergido nos últimos anos. A utilidade do dese-
potencial de comunicação, de novidade, de imersão nho está no facto de ele nos obrigar a uma atenção
e até de divertimento que os métodos criativos ofe- redobrada ao espaço e a uma visão persistente que
recem gera espaços mais moldáveis e, por esse mo- olha para todos os detalhes. Esta persistência le-
tivo, mais propícios à diferença. Este potencial de va-nos não só a descobrir pormenores que antes
comunicação dos métodos criativos pode ser utli- passavam despercebidos, mas também a compre-
zado para além do processo de recolha de dados ender os ritmos das paisagens, e as relações sociais
em si. De facto, a produção artística ou artesanal que aí se desenvolvem. Mas este não é um empre-
durante o processo de investigação resulta tam- endimento puramente estético ou percetual. Pelo
bém em diversos tipos de artefactos – livros, pin- contrário, a importância do desenho está na refle-
turas, peças teatrais, filmes, esculturas, etc. – que xividade que o processo de desenhar pode induzir.
providenciam também um meio alternativo para Desenhar pode ser um momento importante para
comunicar os resultados da investigação. refletir sobre a nossa própria perspetiva sobre o
O uso da criatividade na investigação tem as suas mundo, e para pensar criticamente sobre as redes
limitações. A primeira delas é que os geógrafos sociais, políticas e económicas que enquadram as
nem sempre conseguem eles próprios ser profícu- relações que desenvolvemos fazem (Parikh, 2020).
os nas artes que usam, e isso pode limitar a quali- Em pesquisa comunitária, o desenho pode também
dade da investigação se ela estiver de depende da ser um método interessante para desenvolver co-
qualidade técnica das obras criadas. Esta questão nhecimento intersubjetivo com diferentes popula-
tem levado vários geógrafos a trabalhar em co- ções (Bertoncin et al., 2021).
laboração com artistas durante o processo de in- O filme tem-se tornado num meio popular para a
vestigação. Por outro lado, tem sido salientado geografia. No centro deste interesse está a enor-
que a investigação não se torna automaticamente me popularidade do género, que até recentemente
inclusiva ou transformadora só porque é criativa tinha sido explorada apenas por grandes canais
(de Leeuw & Hawkins, 2017). Muitos participan- como a National Geographic ou a BBC, e que nos
tes podem também encontrar nas artes vários permite levar o conhecimento geográficos a novos
obstáculos à participação e à sua expressão, e nem públicos. Para além disso, o filme permite coligir
sempre a arte tem a capacidade de transformar es- diferentes fontes de informação numa única narra-
paços porque nem sempre é compreendida e bem- tiva, através da combinação de voz, som e imagem
-recebida. Por este motivo, muitos destes projetos em movimento. Esta combinação não é um mero
de investigação seguem uma lógica site-specific, acrescento; a imagem amplifica o que é dito pelas
Recolha de Dados 139

vozes da narração, e a narração e o som ajudam dem estar excluídos das formas mais formais de
a desvendar o que permanece invisível na ima- comunicação na esfera pública. Deste modo, for-
gem. Assim, o filme é um meio privilegiado para mas literárias como a poesia têm sido desenvolvi-
mostrar realidades complexas e pontos de vista das particularmente no campo da geografia social,
diferentes, o que o torna um meio importante de onde são entendidas como métodos importantes
comunicação da pesquisa. Quando não há esse ob- para recolha de dados em contextos sociais sen-
jetivo, a criação de um filme pode ser um processo síveis (ligados a racismo, violência, sexismo, etc.)
dispendioso para se aplicar como ferramenta de e para a co-reflexão com participantes (Eshun &
pesquisa. No entanto, o processo de criação fílmico Madge, 2016). Têm igualmente sido exploradas na
é bastante útil para recolher experiências e parti- geografia sensorial, em estudos de paisagem, e em
lhá-las com os participantes da investigação (Bau- geografias mais-que-humanas. Aqui, o seu interes-
ch, 2010). A maior parte dos filmes produzidos se está na sua capacidade para captar a subjetivida-
por geógrafos têm um estilo documental realista, de da experiência espacial humana e a confluência
mas têm existido também experimentações com a de estímulos cognitivos, afetivos e emocionais na
ficção, nomeadamente em processos participató- perceção do mundo (Paiva, 2020).
rios nos quais os investigadores usam o filme para Por último, as artes sonoras não têm sido descu-
co-criar dramas que retratam situações típicas da radas. Curiosamente, não é propriamente a música
vida quotidiana dos participantes da investigação que tem sido a principal ferramenta dos geógrafos,
(Brickell, 2014). mas sim a sound art e a rádio (ou podcasting). A sou-
De modo semelhante, o teatro e as artes perfor- nd art tem sido mobilizada para criar experiências
mativas têm sido uma fonte de importante de in- através da combinação de arte, tecnologias e geo-
vestigação sobre a relação entre problemas sociais grafia. A aplicação mais comum tem sido a criação
e o espaço geográfico. O teatro em particular tem de audiowalks, isto é, de caminhadas guiadas por
sido um método para permitir que os participantes gravações áudio que não só guiam o público atra-
em investigação exprimam e reflitam sobre as suas vés de um espaço, mas também o informa sobre
experiências. Por exemplo, Raynor (2017) utilizou esse espaço. Estes audiowalks têm o propósito de
workshops de teatro para desenvolver estudos com providenciar experiências de lugares mais sofisti-
mulheres inglesas desempregadas, e descobriu que cadas e detalhadas, incorporando o conhecimento
o teatro permitia que as participantes refletissem científico e cultural no quotidiano (Butler, 2007).
sobre as suas experiências e se conectassem mais Por outro lado, a produção de programas de índo-
facilmente com outras mulheres na mesma situa- le radiofónica tem sido explorada como um meio
ção social. Por outro lado, Carmo (2014) estudou alternativo de comunicação científica, no qual a
o Grupo de Teatro do Oprimido de Lisboa na Re- informação não é apenas baseada na língua falada
gião Metropolitana de Lisboa e conclui que a prá- ou escrita, mas também em gravações de campo.
tica do teatro permitiu aos participantes desenvol- Com estes materiais, os geógrafos têm procura-
verem práticas de cidadania. do transmitir uma maior sensação de presença no
A literatura e a poesia têm também recebido algu- campo, o que é particularmente importante para as
ma atenção. Tem-se argumentado que o potencial abordagens performativas no âmbito da geografia
da literatura na pesquisa geográfica está no seu urbana, rural, ambiental ou social (Paiva & Brito-
poder afetivo, que é útil para expressar aspetos -Henriques, 2019).
particularmente emocionais da experiência espa- Este elenco de experimentações ainda assim ofus-
cial e para promover empatia entre comunidades ca a diversidade de abordagens que as geografias
de espaços diferentes. Além disso, a plasticidade criativas têm potenciado, que incluem a produção
destes meios de expressão tem sido entendida de artesanato, moda, fotografia, novelas gráficas,
como um meio para dar voz a indivíduos que po- videojogos, e atividades de gestão e curadoria cul-
140 Manual de Métodos Qualitativos em Geografia

Tabela 7. Revistas geográficas que aceitam publicações criativas.

Revista Título da secção Tipo de publicações

Geograficidade Experimentações Prosa, Fotografia, Poesia

Geography Compass Video Articles (descontinuado) Video

GEO: Geography and Data and Digital Humanities Imagens, Mapas, Catálogos de
Environment Papers Museus

Artigos com Vídeo, Fotografia ou


Gender, Place and Culture Multi-media submissions
Áudio

ACME Creative|Alternative Fotografia, Poesia

Cultural Geographies in
Cultural Geographies Vários tipos de arte e media
Practice

GeoHumanities Practices and Curations Vários tipos de arte e media

Emotion, Space and Society Creative / Intervention Vários tipos de arte e media

tural. Existem algumas obras que tentam de forma com escrita académica. Na tabela 7, podes consul-
mais abrangente captar toda esta diversidade (e.g. tar alguns destas opções e o tipo de trabalhos que
von Benzon et al., 2021). têm publicado.
Uma dificuldade que os geógrafos que têm desen-
volvido metodologias criativos têm enfrentado é a
dificuldade em ver as suas produções de índole ar- Para saber mais, consulta:
tística publicadas, expostas e valorizadas na acade- • von Benzon, N., Holton, M., Wilkinson, C., & Wilkinson,
mia, que tende a ser mais recetiva a modos tradi- S. (2021). Creative Methods for Human Geographers.
cionais de comunicação científica, nomeadamente Londres: SAGE.
Este é o primeiro livro que se dedica exclusivamente aos
a escrita. Para combater esta dificuldade, algumas métodos criativos na geografia. O livro explora as ques-
revistas de geografia têm criados seções ou mo- tões éticas da aplicação de métodos criativos, identifica
dalidades de publicação especialmente dedicadas a um vasto leque de práticas criativas usadas em pesquisa
geográfica, e aborda o tratamento e análise de dados.
formas híbridas que combinam trabalhos criativos

Neste momento, deves sentir-te capaz de:

• Experimentar utilizar as artes com que te • Decidir se as artes podem ser um meio
sentes mais confortável para produzires para te conectares aos participantes da tua
conhecimento geográfico. investigação.
Recolha de Dados 141

Análise
de Dados
142 Manual de Métodos Qualitativos em Geografia
Análise de Dados 143

Organização, Tratamento e Análise


de Dados

Objetivos de Aprendizagem

• Compreender o fluxo de trabalho que se


deve seguir quando organizamos e tratamos
os dados empíricos que recolhemos.

A
pesar das diferenças dos diversos méto- e criativa. Há geógrafos que usam software espe-
dos qualitativos, o processo de organi- cífico para a análise de dados qualitativos, como o
zação, tratamento e análise de dados é NVivo, ATLAS.ti ou o MaxQDA. Outros preferem
genericamente semelhante em todos eles. Por este usar documentação em papel e organizar os seus
motivo, vamos aqui resumir de forma geral este dados em arquivos físicos. Nenhuma destas prefe-
processo e, nas secções seguintes, iremos descrever rências oferece mais garantias do que outras. As-
as diferentes abordagens de interpretação de dados. sim, o processo de organização, tratamento e análi-
Os métodos qualitativos tendem a ser pouco padro- se de dados que irei apresentar aqui deve ser visto
nizados e isto é especialmente verdadeiro no que como um guia e não como uma receita imutável.
diz respeito à análise de dados. Alguns geógrafos Este processo pode ser dividido em sete passos: ar-
preferem seguir etapas metodológicas de análise de quivamento e transcrição, codificação, interligação,
dados bem definidas. Outros preferem simplificar categorização ou classificação, anotação, reflexivi-
alguns passos e ter uma atitude mais interpretativa dade e, por último, escrita (Figura 10).

Figura 10. Os passos do processo de análise de dados qualitativos.

Arquivamento Categorização Reflexão


Codificação Interligação Anotação Escrita
Transcrição Classificação Reflexividade
144 Manual de Métodos Qualitativos em Geografia

A primeira coisa que temos que fazer é organizar exemplo, local ou data. Embora esta tarefa ocupe
os nossos dados. Então, antes de começarmos a algum tempo, também nos permite evitar perdas
nossa análise, temos de reunir todos os materiais de tempo no futuro por estarmos afundados no
de investigação que recolhemos. É importante meio de materiais desorganizados.
criar uma pasta – física ou digital – onde arqui- Quando já temos os nossos materiais organizados
vamos, por exemplo, os ficheiros áudio das entre- e num só formato inteligível, o passo seguinte é a
vistas, as fotografias e vídeos que gravámos, ou os codificação dos dados. Isto implica uma primeira
documentos históricos que digitalizámos. Ter toda leitura profunda da informação, onde procuramos
a informação no mesmo local permite-nos aceder obter uma visão geral dos dados que obtivemos.
facilmente aos dados, organizá-los melhor, e ga- Durante esta leitura, é útil fazer anotações no tex-
rantir que não nos esquecemos de nada. É impor- to, salientando as principais ideias que encontra-
tante guardar mais do que uma cópia desta pas- mos em cada transcrição, fotografia ou gravação.
ta para nos certificarmos que não perdemos esta Para assinalar estas ideias, criamos códigos, que
informação essencial. No entanto, é importante podem ser palavras ou expressões simples. No fim
garantir a proteção dos dados durante todo este desta primeira leitura, teremos os nossos diver-
processo. sos ficheiros marcados com vários códigos. Estes
Seja qual for o método que utilizámos para reco- códigos têm se ser simplificados e harmonizados
lher os dados, é importante que eles estejam dispo- depois de terminarmos esta primeira leitura. Por
níveis no mesmo formato para a análise. Na maior exemplo, poderão haver ideias semelhantes às
parte dos estudos, este formato é o texto escrito. quais demos códigos diferentes, que agora podem
Ao processo de transformar informação em texto passar a ter o mesmo código. Ou usámos o mesmo
escrito chama-se transcrição. Assim, se realizá- código para muitas ideias que na verdade são di-
mos entrevistas ou grupos focais, importa trans- ferentes, e portanto temos de criar novos códigos
crever todas as gravações áudio para texto. Se diferentes para estas ideias. Quando terminámos
realizámos uma etnografia, é importante reunir e esta tarefa, estamos em condições de passar ao
possivelmente transcrever todos os cadernos com próximo passo: a interligação.
apontamentos para um só ficheiro. Se recolhemos A interligação consiste em duas ações: divisão e
diários de participantes, é útil organizá-los numa união. Primeiro, vamos dividir a informação que
só pasta e transcrevê-los se, por exemplo, alguns temos, extraindo de cada ficheiro a informação
estiverem escritos em papel e outros em texto di- correspondente a cada código. Em segundo lugar,
gital ou áudio. A transcrição permite-nos ter toda vamos unir a informação correspondente a cada
a informação disponível num só meio, facilitando código num só ficheiro. Assim, em vez de termos
os passos seguintes de análise de dados. A infor- um ficheiro com, por exemplo, o texto de cada en-
mação torna-se mais legível e mais comparável. trevista ou de cada diário, temos agora um ficheiro
Em alguns casos, a transcrição não é possível ou para cada código. Isto permite-nos outro tipo de
útil. É o caso de métodos criativos, videográficos, leitura da informação. Agora, conseguimos compa-
fotográficos ou fonográficos. Nestes, se tentásse- rar diferentes perspetivas, ter mais detalhe e pro-
mos transcrever para texto a informação visual, fundidade sobre cada tópico, e perceber sobre que
sonora ou prática que temos, iriamos perder de- tópicos temos informação de melhor qualidade.
talhe. Nestes casos, o arquivamento torna-se mais Com a informação interligada, é possível avançar
importante. Em primeiro lugar, é preciso inven- para o passo da categorização e classificação. Aqui,
tariar o material que temos, criando uma base de o que precisamos de fazer é encontrar as ligações
dados com um sistema de arquivo que nos permita entre os diferentes códigos que criámos. Podemos
organizar e pesquisar os nossos materiais. Isto im- criar categorias maiores que englobam diferentes
plica codificar os ficheiros com variáveis como, por códigos sobre tópicos semelhantes, mas o mais
Análise de Dados 145

importante é conseguir estabelecer relações en- ografia, fazendo a ponta entre o nosso estado da
tre os diferentes códigos. Este é o momento em arte e os nossos dados empíricos. Deste modo, a
que regressamos à nossa questão de investigação nossa escrita poderá ser espessa, e não fina. O que
e aos nossos conceitos. Precisamos de interrogar significa isto? Escrita fina é uma descrição simples
os dados, procurando respostas à nossa questão de da realidade, aquilo que geralmente encontramos
investigação. Em primeiro lugar, isto implica fazer em peças jornalísticas, em literatura popular, etc.
corresponder os nossos códigos aos conceitos fun- Escrita espessa é uma descrição explicativa da re-
damentais da nossa pesquisa, e estabelecer a sua alidade, feito de um modo crítico, que desvenda as
relação em conformidade. Se usámos estratégias condições que possibilitam a criação do conheci-
específicas de recolha de dados, como a segmen- mento, e teórico, usando a realidade descrita para
tação da amostra, então devemos agora dividir os demonstrar o funcionamento de processos abstra-
dados desse modo para perceber as diferenças que tos que podem ser encontrados em várias realida-
emergem. des (Kitchin & Tate, 2013).
Deste processo, surgirão as nossas primeiras
anotações, onde formulamos as nossas primeiras
interpretações, descobertas e conclusões. Estas
anotações podem ser primeiramente escritas como
marginália nos ficheiros de dados, e eventualmen-
te teremos informação suficiente para começar a
escrever um texto. Quando começamos a escrita,
esse é um momento fundamental para a reflexi- Para saber mais, consulta:
vidade da investigação. Primeiro, importa refletir
• Kitchin, R., & Tate, N. (2013). Conducting Research in
sobre a informação que conseguimos e como ela
Human Geography: Theory, Methodology and Practice.
foi produzida por um determinado contexto de Abingdon: Routledge.
produção de conhecimento empírico. Depois, de- Este manual de pesquisa em geografia humana contém
capítulos extensos sobre organização, tratamento, análi-
vemos questionar como esta informação empírica
se e interpretação de dados qualitativos e quantitativos.
contribui para o avanço do conhecimento na ge-

Neste momento, deves sentir-te capaz de:

• Organizar os teus dados de forma a que • Começar a escrever sobre as tuas


a sua consulta seja rápida e fácil. conclusões com base nas principais
categorias de resultados que encontraste.
• Identificar a informação mais relevante
através de códigos que podem ser
interligados.
146 Manual de Métodos Qualitativos em Geografia

Interpretação de Dados

Objetivos de Aprendizagem

• Conhecer as diferentes abordagens à


interpretação de dados que os geógrafos
seguem.

A
interpretação de dados qualitativos faz- da paisagem era um método popular na geografia
-se ao longo de todo o processo de orga- (Lagopoulos, 1993). Neste período, a semiótica era
nização, tratamento e análise de dados. um meio de interpretar a construção de significa-
O modo como conduzimos esta interpretação, no dos nas diversas paisagens construídas pelos hu-
entanto, depende da nossa perspetiva geográfica, manos. Esta semiótica implicava um processo de
dos nossos objetivos de investigação, e do tipo de interpretação muito focado em teoria, no qual os
dados empíricos que recolhemos. Nesta secção, va- geógrafos essencialmente procuravam desvendar
mos descrever sucintamente as principais aborda- como os grandes processos de mudança social –
gens à interpretação de dados qualitativos. como a segregação ou a divisão de classes – eram
inscritos e cristalizados na paisagem (geralmente
Semiótica e abordagens visuais urbana), fazendo com que o espaço fosse um fator
A semiótica pode ser definida como o estudo dos de imposição desses próprios processos de mu-
processos de significação. A semiótica preocupa- dança social (Duncan, 1987). Eventualmente, a
-se com a criação de signos – isto é, a transfor- semiótica evoluiu para um conjunto relativamente
mação de ideias em ícones, símbolos ou imagens abrangente de técnicas de interpretação, no qual
– e com a interpretação de signos – ou seja, a a interpretação dos significados do espaço é feita
extração e compreensão dos significados desses em combinação com técnicas mais empíricas, como
ícones, símbolos ou imagens. Na base da semió- a análise de conteúdo ou de discurso, abrindo um
tica, está a noção de que as ideias das sociedades novo campo de metodologias geográficas visuais
estão presentes no espaço visual e material que (Rose, 2016). Esta evolução advém da expansão
criam e que, interpretando a visualidade do espa- do interesse dos geógrafos em questões visuais.
ço, podemos compreender as ideias que guiam as Já não é apenas através da paisagem urbana que
sociedades. A semiótica tem sido importante para os significados são transmitidos, mas a partir de
geógrafos preocupados com a produção do espaço uma pletora de tecnologias digitais cujo estudo
e com o modo como o espaço constrange as prá- implica técnicas específicas. Por este motivo, tor-
ticas sociais e molda as ideias dos cidadãos. Este nou-se também importante não só compreender os
interesse emergiu durante os anos 80 do século significados que os espaços contêm, mas também o
passado, num momento em que a interpretação próprio processo de criação de espaços e produtos,
Análise de Dados 147

o que levou a que as abordagens visuais sejam cada cadernos de campo, transcrições de entrevistas e
vez mais contextualizadas por estudos de arqui- grupos focais, entre outros. De facto, encontramos
vo ou etnográficos (Schlottmann, Greafe, & Korf, exemplos do uso da hermenêutica em vários ra-
2010). mos da geografia, incluindo geografia económica
(Barnes, 2008), social (Rothfuss, 2009), e histórica
(Mayhew, 2007).
Para saber mais, consulta:
A hermenêutica implica uma forte proximidade da
• Rose, G. (2016). Visual Methodologies. An Introduction interpretação empírica com os objetivos teóricos.
to Researching with Visual Materials. Londres: SAGE. Frequentemente, a explicação implica o uso de
Este manual de pesquisa sobre metodologias visuais
aborda várias técnicas de análise e interpretação de
conceitos teóricos para contextualizar os signi-
dados qualitativos visuais. ficados encontrados no texto ou a sua ligação às
circunstâncias sócio-espaciais. Deste modo, a in-
Hermenêutica terpretação de um texto tem não só o objetivo de
A hermenêutica é o ramo da filosofia que estuda desvendar o significado desse próprio texto, mas
a interpretação de textos, e o termo geralmente contribuir para explicar um fenómeno geográfico
aplica-se a estudos que usam a interpretação de mais abrangente (Barnes, 2008).
textos como método principal. Uma abordagem
hermenêutica procura desvendar o significado de
Para saber mais, consulta:
um texto, as intenções do seu autor, e as conse-
quências do seu conteúdo. A diferença em relação • Pile, S. (1990). Depth hermeneutics and critical human
geography. Environment and Planning D: Society and
à semiótica é que esta se preocupa com imagens,
Space, 8 (2), 211–232.
enquanto a hermenêutica se preocupa com lingua- Este é até hoje o artigo mais claro e extenso sobre o uso
gem. A hermenêutica sempre esteve presente na da hermenêutica como técnica de análise e interpreta-
ção de dados qualitativos em geografia.
geografia, pois esta sempre usou documentação
escrita para alcançar os seus objetivos, mas a sua
utilização foi apenas explicitada e conceptualiza- Fenomenologia
da nos anos 80 do século passado na sequência da As geografias fenomenológicas são uma perspetiva
geografia humanista (Adams, 2017). Pile (1990) geográfica importante, mas a fenomenologia apon-
apresentou a mais completa descrição do uso da ta também para um modo específico de análise de
hermenêutica na geografia, propondo uma abor- dados empíricos. A fenomenologia preocupa-se
dagem em três passos. Primeiro, a hermenêutica com o modo como as pessoas experienciam e pra-
parte de uma análise social, preocupada com as cir- ticam o espaço, e portanto a interpretação neste
cunstâncias sócio-espaciais e históricas nas quais caso é dirigida ao que acontece, à ação social. Não
os textos em análise foram criados. Em segundo é fácil explicar uma experiência espacial, porque
lugar, um estudo hermenêutico analisa o discurso ela pertence a cada pessoa. Não podemos sentir o
dos textos em si, evidenciando os significados que que o outro sente, portanto, o método de recolha
contêm e o modo como formam uma ideia coerente de dados é fundamental para se poder realizar um
acerca de um espaço ou lugar. Por último, a her- estudo fenomenológico (Vannini, 2015a). Assim, a
menêutica implica uma fase de interpretação, em maior parte destes estudos mobilizam três tipos de
que se faz a ligação entre a coerência dos signifi- métodos, frequentemente em conjunto: (i) métodos
cados dos textos e o seu contexto sócio-espacial que permitem a observação direta e o registo de
e histórico. A hermenêutica é importante para a práticas sociais, como a videografia, a fotografia
interpretação de qualquer tipo de dados em forma ou a fonografia; (ii) métodos que colocam o inves-
textual, e não se restringe ao estudo da literatura. tigador no centro da ação social, como a etnogra-
Ela pode ser aplicada à interpretação de diários, fia, a autoetnografia ou os métodos móveis; e (iii)
148 Manual de Métodos Qualitativos em Geografia

métodos que permitem a participantes expressar cialmente no facto de uma se focar em discursos e
a sua experiência geográfica, como os diários ou outras em narrativas. Por discursos, referimo-nos
a entrevista com elicitação de materiais (Vannini, aqui a conjuntos complexos de argumentos que
2015b). Estes métodos são preferidos porque nos explicam ou justificam uma parte da realidade. As-
dão-nos acesso a práticas e experiências específi- sim, o estudo dos discursos mostra-nos como di-
cas, e permitem-nos descrevê-las. Estas descrições ferentes comunidades entendem a realidade e sus-
têm como objetivo explicar uma prática a partir tentam as suas ideias acerca de como o espaço deve
‘de dentro’, isto é, a partir da perspetiva das pes- ser organizado (Schoenberger, 1998). Na geogra-
soas que estiveram envolvidas na prática que es- fia, o estudo dos discursos tem sido feito a partir
tudamos (Spinney, 2015). Esta é a particularidade de uma perspetiva Foucaldiana, que dá primazia
da abordagem fenomenológica: ela não procura ao estudo das relações de poder que os discursos
uma descrição única de um fenómeno geográfico, contêm e impõem. A análise de discurso tem sido
mas sim descobrir como um fenómeno geográfico particularmente usada na geografia europeia. Par-
é entendido de forma diferente por pessoas dis- te desta análise de discurso tem sido quantitativa,
tintas. Isto é fundamental para explicar as deci- nomeadamente através do uso de métodos lexico-
sões e ações de diferentes pessoas, grupos sociais métricos, que usam indicadores quantitativos como
e instituições. Anderson e Ash (2015) destacam contagem de palavras para identificar os padrões
também o potencial da descrição fenomenológica de uso da linguagem. Por outro lado, a análise de
para identificar os momentos-chave da experiência discurso tem-se sub-dividido em micro-aborda-
espacial que explicam mudanças em determinadas gens qualitativas (incluindo análise de enunciação,
práticas ou eventos. A descrição fenomenológica é análise de argumentação, análise de conversação,
sempre guiada por conceitos. Isto significa que a entre várias outras) que permitem o estudo mais
descrição não deve ser redigida apenas para des- minucioso das várias técnicas linguísticas usadas
crever a prática ou o evento que observámos, mas nos discursos (Mattissek & Glasze, 2016). Embora
para descrever um processo abstrato que pode ser o uso destas técnicas de métodos linguísticos seja
encontrado em práticas ou eventos semelhantes. útil à geografia, a análise de discurso geográfica
Estes processos abstratos são conceitos. Os con- implica sempre o estudo do discurso em si enqua-
ceitos ajudam-nos a fazer sentido do que observá- drado no contexto interpretativo. Isto é, o estudo
mos, mas as nossas observações também podem do discurso deve ser enquadrado com o estudo do
levar-nos a repensar os conceitos pré-existentes contexto geográfico onde o discurso é criado, di-
(McCormack, 2013). fundido e recebido. Interessa particularmente aos
geógrafos perceber como os discursos moldam e
mudam os lugares (Lees, 2004).
Para saber mais, consulta: Por outro lado, narrativas consistem em estórias
• Vannini, P. (2015a). Non-Representational Methodolo- que podem ter o objetivo de explicar acontecimen-
gies: Re-Envisioning Research. Londres: Routledge. tos históricos, a produção de espaços, a formação
Este livro, embora seja de índole interdisciplinar e por
de comunidades, entre outros. As narrativas são
esse motivo abarca vários métodos de investigação,
oferece uma extensão visão global sobre a análise e importantes porque conferem um sentido aos
interpretação de dados à luz da fenomenologia. acontecimentos, uma ideia de história ao espaço
construído, e contribuem para um sentido de iden-
tidade coletiva (Ryan, Foote, & Azaryahu, 2016).
Análise de Discurso e Análise de Narrativa Existem narrativas em várias escalas temporais:
Abordo aqui a análise de discurso e a análise de desde a história de uma nação até ao modo como
narrativa na mesma subsecção pela sua semelhan- um amigo nos conta como foi o seu dia. Todas elas
ça em termos analíticos. A diferença reside essen- importam. Tal como no caso do discurso, a análi-
Recolha de Dados 149

se de narrativas implica o uso de técnicas de in- entrevistas, mas também de diferentes tipos de ar-
terpretação literária para compreender os textos quivos (Wiles, Rosenberg, & Kearns, 2005).
com que nos deparamos. Neste caso, é principal-
mente o uso figurativo da linguagem (metáforas,
alegorias, personificações, simbolismos, hipérboles, Para saber mais, consulta:
anáforas, metonímias, sinédoques, entre outras) a • Ryan, M.-L., Foote, K., & Azaryahu, M. (2016). Narrating
que se recorre (Savin-Baden & Niekerk, 2007). Space / Spatializing Narrative: Where Narrative Theory
Compreender este uso figurativo permite-nos ana- and Geography Meet. Columbus: The Ohio State Uni-
versity Press.
lisar as narrativas das estórias para além do seu Embora não seja uma obra de índole metodológica, este
conteúdo literal; permite-nos perceber que tipo de livro contextualiza a interação entre a teoria narrativa
representações geográficas elas contém, que tipo e a pesquisa geográfica. Por esse motivo, é útil para se
compreender como se pode usar a análise narrativa para
de mensagem nos enviam. Para Price (2010), ana- interpretar informação geográfica.
lisar narrativas é útil quando queremos: (i) realizar
uma abordagem sistemática a uma série de eventos • Schoenberger, E. (1998). Discourse and practice in
human geography. Progress in Human Geography, 22
temporais ou a várias perspetivas do mesmo even- (1), 1–14.
to; (ii) identificar um conjunto de atores-chave (e Este artigo seminal explica a importância do discurso
secundários) num determinado processo geográ- para a investigação geográfica e é um excelente ponto
de partida para pensar como analisar informação quali-
fico; e (iii) compreender a relação entre eventos e tativa a partir do ponto de vista do discurso.
atores, e como essas redes levaram a consequên-
cias concretas.
Tanto a análise de discurso como a análise de nar-
rativa são usadas para o estudo de vários tipos de
dados textuais, especialmente obtidos através de

Neste momento, deves sentir-te capaz de:

• Escolher a abordagem interpretativa mais • Começar a pensar nas principais conclusões


adequada ao teu tema de investigação que se pode retirar da informação que
e natureza dos dados empíricos. recolheste.
150 Manual de Métodos Qualitativos em Geografia
Bibliografia
152 Manual de Métodos Qualitativos em Geografia
Bibliografia 153

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Using focus group research to support teaching
Este manual providencia uma introdução ao uso de métodos qualitativos em investigação
geográfica, tendo sido pensado para oferecer aos estudantes uma primeira janela para
a significativa diversidade destes métodos. A partir da perspetiva da aplicação dos
métodos qualitativos na ciência geográfica, o manual aborda o processo de investigação
científica, a preparação do trabalho de campo, e os principais métodos de recolha e
interpretação de dados qualitativos.

Daniel Paiva
Daniel Paiva é Investigador no Centro de Estudos Geográficos da Universidade de
Lisboa, onde co-coordena o Grupo de Investigação ZOE – Dinâmicas e Políticas
Urbanas e Regionais. Em 2019, recebeu o título de Doutoramento Europeu em
Geografia pelo Instituto de Geografia e Ordenamento do Território da Universidade
de Lisboa, onde atualmente leciona várias unidades curriculares nos três ciclos de
ensino superior, incluindo o seminário em Metodologias em Geografia do Mestrado em
Geografia Humana: Globalização, Sociedade e Território. A nível de investigação, Daniel
Paiva liderou os projetos Innovative and creative practices for fostering environmental
awareness, knowledge, and conservation action through direct experiences of
synanthropic life in the city, e UrBio – Making Urban Planning and Design Smarter with
Participatory Mobile Biosensing, ambos financiados pela Fundação para a Ciência e a
Tecnologia.

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