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Pesquisa Qualitativa em Geografia

Article · May 2013

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Nécio Turra Neto


São Paulo State University
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PESQUISA QUALITATIVA EM GEOGRAFIA1

Nécio Turra Neto


Professor do Departamento de Geografia
Programa de Pós-Graduação em Geografia
FCT/UNESP – Presidente Prudente
necioturra@fct.unesp.br

1 – INTRODUÇÃO
O debate metodológico tem feito parte de nossa trajetória acadêmica,
desde o projeto do mestrado, quando definimos a observação participante como
metodologia de pesquisa com o movimento punk de Londrina. Esta metodologia
continuou sendo progressivamente empregada, seja na pesquisa do doutorado, seja
nos trabalhos de orientação de iniciação científica, que passamos a orientar. A ela,
outras metodologias de pesquisa qualitativa foram também acionadas. Contudo, no
âmbito da geografia brasileira, dificilmente encontrávamos referenciais que
pudessem nos orientar nessas pesquisas, de modo que foram a antropologia, a
história oral e a sociologia as principais fontes de consulta para o tratamento
metodológico dos nossos trabalhos.
Problematizar a carência do debate metodológico, sobretudo, no campo da
pesquisa qualitativa na geografia é o foco deste trabalho.

2 – DEFINIÇÃO DE METODOLOGIA:
No campo da Filosofia da Ciência, metodologia é o exame do
processo mesmo de produção de conhecimento científico. Avalia e reflete sobre a
relação entre teoria e empiria e entre sujeito e objeto no processo. Reflete sobre
os procedimentos operacionais da pesquisa, suas potencialidades e limites.

3 – PESQUISA QUALITATIVA – PESQUISA QUANTITATIVA


Não se trata de uma questão valorativa, o que está sendo
diferenciado com estes termos é a natureza da informação, que é resultado da
pesquisa e matéria prima para elaboração do conhecimento. No caso da pesquisa

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Este trabalho conta com o apoio financeiro da FUNDUNESP.

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quantitativa, o material é, basicamente, de natureza numérica e permite tratamento
estatístico, como cálculo de porcentagem, de amostra, elaboração de matrizes, bem
como representação gráfica. No caso da pesquisa qualitativa, o material é,
basicamente, de natureza discursiva – um relato, uma história de vida, uma
descrição de um fenômeno, cujo tratamento exige técnicas outras e as formas de
representação são, sobretudo, extratos dos próprios discursos, tomados como
representativos daquilo que o investigador quer expressar. Nenhuma é melhor ou
pior do que a outra e ambas apresentam seus desafios, seus limites e suas
potencialidades. Há pesquisas, inclusive, que combinam ambas as metodologias,
mas isso requer alguns cuidados, seja para não deixar de cumprir os requisitos de
qualidade de cada uma delas, seja para não terminar a pesquisa com a sensação de
que se está apto para escrever um tratado de metodologia de pesquisa, mas não
para escrever sua tese ou dissertação.

4 – A OPÇÃO METODOLÓGICA
O que define a opção metodológica é, na verdade, a problemática da
pesquisa. Ela nos aponta as fontes que deverão ser acionadas e indica quais
metodologias devemos empregar para ter acesso às fontes. Nesse sentido,
costumo dizer que não existe metodologia perfeita, mas sim aquela que é mais
adequada aos objetivos da pesquisa. Antes de fazermos as opções metodológicas,
devemos avaliar os prós e contras de cada uma.

5 – METODOLOGIA QUALITATIVA COMO COMPLEMENTO /


METODOLOGIA QUALITATIVA COMO CENTRO DA PESQUISA.
No primeiro caso, temos a possibilidade de combinação entre diferentes
metodologias, como estudos sobre planejamento urbano, por exemplo, que
querem mapear equipamentos de lazer na cidade, aplicam questionários com a
população, recorrem a matérias de jornais, analisam planos diretores e fazem
mapeamentos da distribuição desses espaços na cidade e, como complemento,
entrevistam o secretário municipal de esporte e turismo e o prefeito municipal, para
terem a posição da atual administração municipal diante da questão. A metodologia
qualitativa da entrevista, neste caso, complementa outras que são mais centrais.
No segundo caso, o eixo central da pesquisa são as informações de
natureza qualitativa. No caso da Geografia, tratam-se de pesquisas que tem seu

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foco no sujeito, mais do que nos espaços. São pesquisas que se perguntam pelas
práticas espaciais, pelas formas de apropriação do espaço, pela territorialização e
geograficidade de pessoas e grupos sociais. Isso não significa que pesquisas que
focam nos sujeitos não possam optar por metodologias de cunho quantitativo, mas
sim que pesquisas que optam por metodologias de cunho qualitativo, como seu eixo
estruturador, são pesquisas que, necessariamente, tem foco nos sujeitos sociais.
Tal é o caso, por exemplo, das minhas pesquisas, que se perguntam sobre a
territorialidade de culturas juvenis na cidade. O território é um conceito que se
popularizou na geografia brasileira ao longo das duas últimas décadas – processo
que tem desdobramentos ainda hoje em dia –, justamente num período em que
proliferaram, na geografia, estudos focados em sujeitos sociais. Costumo dizer que,
quando perguntamos sobre território, nosso ponto de partida não é o espaço
concreto, mas sim os sujeitos sociais, pois território, enquanto relação de poder
projetada no espaço, não aparece inscrito claramente na paisagem, mas é resultado
da ação e negociação dos sujeitos. Por isso que, é pelo estudo da sua espacialidade
que chegamos aos territórios que eles constituem.
Claro que podemos falar de sujeitos de territorialização os mais diversos,
como por exemplo, a territorialização da agroindústria da cana e da soja, no
Brasil. Neste caso, os sujeitos requerem um tipo de tratamento que não é
necessariamente qualitativo, ainda que procedimentos qualitativos possam ser
empregados.
Mas, no meu caso, por exemplo, como poderia empregar outra metodologia,
para ter acesso à territorialização dos jovens que aderem a culturas juvenis, que não
fosse, primeiro, pela observação participante, acompanhando seu cotidiano na
cidade, sobretudo, aos finais de semana e, depois, pela entrevista em profundidade?
É esse tipo de pesquisa que tenho em mente, quando digo pesquisa
qualitativa em geografia. Pesquisas cuja principal fonte de informação são os
depoimentos orais, as práticas espaciais cotidianas, as histórias de vida e
visões de mundo das pessoas e que definem como forma de acesso à estas
fontes, metodologias como observação participante, entrevista em
profundidade, grupo focal.

6 – O QUE É PESQUISA QUALITATIVA?

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Tenho por hábito não usar o termo “coleta de dados”, para me referir
ao processo de pesquisa. Prefiro falar em “produção de informação”. Isso porque,
as referências que tenho apontam para o fato de que só podemos coletar dados
secundários (como os do IBGE, aqueles dos sítios do Ministério do Trabalho, do
Ministério do Desenvolvimento Agrário, ou do das Cidades), ou seja, informações
que já foram produzidas e se encontram disponíveis para consulta. Neste caso, só
neste caso, coletamos dados e o nome – DADOS – justifica-se.
No caso de dados primários, nas nossas pesquisas, sejam elas qualitativas,
sejam elas quantitativas, estamos envolvidos não em coleta, mas na sua produção.
Na pesquisa qualitativa, nesta produção da informação, está em jogo processos de
interação humana, com todos os seus humores, temores, enfim, com toda
intromissão da subjetividade de sujeitos em interação. Ou seja, um tipo de relação
dialógica entre investigador/investigados, que não é sem importância para os
resultados que a pesquisa pode produzir.
Como a definem Bogdan e Biklen (1994), pesquisa qualitativa é um termo
genérico, que se refere às pesquisas que acionam estratégias (como observação
participante, entrevista em profundidade, história oral e grupo de diálogo) que
produzem dados chamados qualitativos, o que significa que são informações
ricas em pormenores descritivos, relativamente a pessoas, lugares,
acontecimentos, registros orais de depoimentos, histórias de vida etc. e que
oferecem complexo tratamento – de difícil sistematização. Informações que não
são próprias para um tratamento estatístico, por exemplo, em que vale mais a
imaginação, a habilidade e destreza interpretativa do pesquisador.

7 – ALGUMAS CARACTERÍSTICAS DA PESQUISA QUALITATIVA


- geralmente são estudos reduzidos a pequenas amostras,
nos quais a preocupação é o estudo em profundidade de
casos específicos e não estudos que procuram abarcar uma
ampla variedade ou uma ampla escala de fenômenos;
- a principal fonte de informação é o próprio contexto que
está sendo investigado, sendo a experiência que o
investigador tem dele (o diálogo que consegue estabelecer
com os sujeitos de pesquisa), o principal instrumento de
produção de informação;

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- ela é descritiva, no sentido de que a descrição é uma
estratégia de não deixar escapar nenhum detalhe, pois algo
que pode parecer insignificante num determinado momento
torna-se relevante, quando soma-se a outras informações,
produzidas em outros momentos;
- a análise é tendencialmente indutiva. O esforço intelectual é
para fazer uma “descrição densa” (GEERTZ, 1978): que
procura atingir teorizações a partir da interpretação do
infinitamente pequeno. Por isso, a teorização não se afasta
muito do caso. Trata-se do esforço de interpretar uma
especificidade complexa;
o As teorias oferecem um vocabulário por meio do qual as
interpretações podem ser expressas... um repertório de
conceitos que se entrelaçam na descrição densa. Trata-se de
um confronto, na verdade, entre a teoria acumulada e a
realidade que coloca novos desafios para ser compreendida.
E é esse confronto que faz da descrição densa muito mais
que uma descrição gratuita e que permite com que o trabalho
possa passar pela avaliação crítica dos pares.

8 – CONCEPÇÃO DE CIÊNCIA A QUE A PERSPECTIVA QUALITATIVA


REMETE.
- Ciência Dialógica – em dois sentidos: 1. Reconhecimento do sujeito
investigador como portador de subjetividade e de um corpo, que entram
diálogo com os sujeitos do campo; 2. Reconhecimento de suas limitações
abre espaço para o diálogo com o leitor. Um reconhecimento de que os
discursos que a pesquisa constrói sobre a realidade são os discursos
possíveis e seus limites são dados pelas formas de conduzir a pesquisa. Se
os “caminhos investigativos” forem conscientemente construídos e claramente
explicitados no texto, o leitor e a leitora poderão fazer seu próprio julgamento
e concordar ou não com o que foi escrito.

- Ciência Modesta – ao aceitar as limitações da pesquisa, abre mão da


autoridade científica, que poderia investir o texto de certo poder de verdade.

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9 – REFLEXÃO METODOLÓGICA NA GEOGRAFIA
Até o momento, não consegui identificar uma tradição de reflexão
metodológica na geografia brasileira, de modo que nossas pesquisas, ou precisem
recorrer as metodologias desenvolvidas em outros campos disciplinares, como
Sociologia, História, Educação e Antropologia, por exemplo, ou fazer-se de maneira
pouco reflexiva, ou autoreflexiva. No segundo caso, algumas confusões são mais
comuns do que gostaríamos que fossem, como aquela que ocorre entre questionário
e entrevistas.
E esta é uma questão preocupante, pois, como tenho argumentado, nossas
conclusões de pesquisa são tão somente aquelas que ganharam condições de
emergência no percurso da pesquisa. São mais contingentes e parciais do que
pensava certa concepção de ciência, que buscava a objetividade científica.
Portanto, a forma como a pesquisa de campo foi realizada indica e influencia os
dados disponíveis e a forma da escrita. Então, o que se tem como resultado de uma
pesquisa é fruto de um processo contingente e contextualizado de investigação, no
qual são determinantes as opções do/a pesquisador/a. Os resultados seriam outros,
se outras fossem as opções e os caminhos metodológicos percorridos.
Um texto do antropólogo James Clifford, recentemente, chamou-me muito a
atenção, pois problematizava o que era o campo e o que era o trabalho de campo
para os antropólogos. Questionava o fato de que a delimitação do campo ao
contexto da aldeia produzia uma forma de olhar a cultura, que ao mesmo tempo a
circunscrevia num lugar. Tratava-se de uma estratégia espacial de situar o sujeito de
pesquisa num contexto em que ele pudesse ser observado in natura, que apagava
as zonas de fronteira, as conexões, contatos e a atuação de forças exteriores.
Uma certa concepção de cultura, como algo homogêneo internamente e
como vinculada ao lugar onde ela acontece, foi um dos desdobramentos dessa
estratégia de pesquisa. A crítica a esta metodologia a esta forma de se colocar no
campo, de delimitar o campo e de situar os sujeitos de pesquisa conduziu a um
repensar do próprio conceito de cultura. O autor propõe que a cultura seja entendida
como uma trajetória histórica, cujas “viagens” remetem a conexões em diversas
escalas. Conexões que a constituem internamente. E que o encontro que se realiza
no trabalho campo é o encontro com um momento dessa trajetória. Daí que

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circunscrever a cultura à aldeia e seu estudo ao campo delimitado é perder de vista
estas conexões espaciais e sua temporalidade.
Fiquei pensando em como seria possível transpor estas reflexões para a
geografia.
Mais ou menos na mesma época em que a antropologia chegava a estas
conclusões, a geografia crítica já falava da impossibilidade de entendermos os
lugares como espaços isolados, sem conexões externas. E se lermos os clássicos
da geografia neles mesmos, vamos ver que esta não é uma ideia muito nova.
De qualquer forma, creio que ainda não foram colocadas, pelo menos não
com a frequencia que poderia levar a alguma visibilidade, questões sobre: o que é o
campo para os geógrafos, como o delimitamos, o que deixamos de lado? Percebam
que a ideia de campo e de trabalho de campo na geografia é bastante vaga... será
que não situamos e engessamos nossos sujeitos no campo, pois afinal, só os
encontramos lá e esquecemos que eles podem ser tão móveis como nós? Uma
mobilidade que os constitui como sujeitos muito mais complexos, do que nosso olhar
geográfico os consegue abarcar?
Em que consiste estar no campo? Que instrumentos teóricos e
metodológicos medeiam nossa relação em campo? Como equacionamos as teorias
com a realidade empírica? E que concepção de sujeito, de realidade e de sua
dinâmica que orientam a condução dos nossos trabalhos de campo e as interações
que ali realizamos?
Pela história que conheço, de me contarem, de ler sobre, mas pouco de ter
vivenciado, dado o horizonte temporal de efetivo exercício desta ciência, tenho que,
entre nós, houve uma tendência de considerar a geografia, em certo momento, como
um ponto de vista, ou seja, o que a diferenciava das outras ciências era uma
questão de método. A geografia era a ciência que via todos os fenômenos em
interação, cuja combinação formava a especificidade das regiões e lugares. Mas
falta-me conhecimento em história do pensamento geográfico para saber, até que
ponto esta tendência traduziu-se numa preocupação metodológica.
A geografia quantitativa surgiu com forte preocupação metodológica, com
uma proposta de estabelecer objetivamente as combinações entre as variáveis,
através de uma matriz matemática – como forma de produzir regionalizações. Mas
aí, o foco dificilmente recai sobre o sujeito. A preocupação é em construir uma
ciência do espaço.

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A geografia crítica parece ter deslocado a preocupação para o objeto e para
o método. Mas, a tradução disso em metodologias de pesquisa não foi uma
preocupação desenvolvida. Nesse sentido, as pesquisas na geografia parecem
marcadas, historicamente, por certo espontaneismo. E, mesmo a mais recente
centralidade dos sujeitos sociais, não parece ter conduzido a um acúmulo de
reflexão metodológica na nossa disciplina. O que não significa que não se saiba
fazer pesquisa em geografia, mas tão somente que não se reflete criticamente sobre
o processo de pesquisar, não se avalia criticamente como o novo conhecimento está
sendo produzido na nossa ciência.
Não parece haver espaço privilegiado nos nossos trabalhos para expormos
ao leitor/a os caminhos pelos quais produzimos as informações primárias, que
embasam nossas conclusões. E quando isso existe, é mais resultado de esforços
isolados, que não chegam a formar um arcabouço metodológico da disciplina.
Do meu ponto de vista, isto é um problema bastante grave, pois não oferece
aos iniciantes referências desta natureza, pelas quais eles pudessem orientar-se em
suas pesquisas, alargando o debate metodológico a partir de suas próprias
experiências. Ao mesmo tempo, corremos o risco de reforçar uma concepção de
que:
- os dados estavam no campo, bastou o pesquisador ir lá coletá-los;
- os dados coletados são expressão verdadeira da realidade;
- as conclusões da pesquisa mostram, portanto, a realidade tal como ela é.
Esta falta de reflexividade nas pesquisas compromete o debate crítico com a
teoria, pois não se assume e se reconhece os riscos – e a inevitabilidade - da
parcialidade, da subjetividade, que envolveriam uma preocupação com a validade da
pesquisa qualitativa. Reforça-se uma prática científica que vai a campo confirmar
teorias.
Se a geografia crítica deu um passo importante ao reconhecer que não há
ciência e teoria neutras, é preciso avançar e reconhecer que as metodologias de
pesquisa também não o são. Como já foi dito, na interação, que é também
negociação, empatia, antipatia, em campo, as opções metodológicas que
empregamos fazem emergir certas informações, mas escondem outras, portanto,
estamos longe de uma visão total daquela micrototalidade em que ancoramos
nossos sujeitos de pesquisa.

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É possível irmos mais longe e problematizarmos também, como fazem os
estudos de gênero e os estudos pós-coloniais, a situacionalidade do sujeito
pesquisador em campo, de modo que aquilo que o pesquisador é e a leitura que
fazem dele seus sujeitos de pesquisa conduzem a certas aberturas ou resistências,
levam ao estabelecimento de certas relações pelas quais algumas informações
nunca chegarão a aparecer.
Temo que se não realizarmos esforços coletivos de problematizarmos e
refletirmos sobre os modos como construímos nossos campos de pesquisa, como
interagimos com os sujeitos em campo; se não refletirmos continuamente sobre
nossas opções metodológicas, explicitando esta reflexão no texto; se não
assumirmos os limites do nosso próprio fazer e colocarmo-nos numa posição mais
modesta, corremos o risco de, tal como os positivistas, confundir a realidade com
aquilo que escrevemos sobre ela e, pior, de não sermos levados a sério pelo
conjunto das outras ciências sociais.
O que estou propondo é que pensemos o conhecimento geográfico, na
perspectiva da pesquisa qualitativa, como um conhecimento mais dialógico, aquele
que sabendo que tem em mãos uma interpretação parcial da realidade, eivada de
um contato e interação subjetivos e situacionais, possa aceitar fazer parte do jogo de
deciframento da realidade.
Lembro aqui de um texto de Lucrécia Ferrara que diz que:
À ciência tradicional que buscava a explicação, a ciência contemporânea
contrapõe interpretações e representações falíveis, em que a incerteza é assumida
como forma de encarar o desafio de uma realidade que nos aparece como cada vez
mais complexa. Os que aceitam participar desse jogo, engajam-se no diálogo, no
qual a realidade empírica é assumida como paradigma e como critério último de
validação do conhecimento. Um jogo em que as facilidades dedutivas são rejeitadas,
em que se assume a dúvida e a experimentação, mas que não se recusa à
elaboração teórica e ao esforço de produzir alguma generalização, como garantia
mesma da possibilidade de interlocução acadêmica.
Também lembro de um texto do M. L. de Souza, em que analisa a
genealogia de certa limitação epistemológica na Geografia, que ele chama de “visão
de sobrevôo” – uma dificuldade em considerar as relações sociais além de certo
limite, privilegiando as estruturas ao invés dos agentes, a economia ao invés da
imaginação. Defende uma pesquisa em profundidade que, sem perder a dimensão

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abrangente, possa adentrar no mundo da vida. Para isso, o autor vislumbra como
possibilidade o recurso à observação participante.
E é com estas duas lembranças que encerro minha fala e me coloca a
disposição para dialogarmos, no tempo que nos resta e para continuarmos
dialogando ao longo da disciplina, para aqueles que vão cursa-la.

REFERÊNCIAS:

BOGDAN, R. O.; BIKLEN, S. K. Investigação qualitativa em educação: uma


introdução à teoria e aos métodos. [Porto]: Editora Porto, 1994.

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diferença. Campinas: Papirus, 2000. p. 50 – 79.

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TRINDADE, V.; FAZENDA, I.; LINHARES, C. (org.). Os lugares do sujeito na
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FRANCO, M. L. P. B. Questões metodológicas e o papel do sujeito-pesquisador. In:


TRINDADE, V.; FAZENDA, I.; LINHARES, C. (org.). Os lugares do sujeito na
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GEERTZ, C. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: Zahar, 1978.

GÓMEZ, G. O. La investigación en comunicación desde La perspectiva


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SOUZA, M. L. de. Da “diferenciação de áreas” à “diferenciação socioespacial”: a


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