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A PSICOLOGIA NO ESTADO PENAL:

POSSIBILIDADES E ESTRATÉGIAS PARA


SUBVERTER A JUDICIALIZAÇÃO
Fernanda Bocco

As tecnologias psi têm um papel histórico a desempenhar nesse processo de engendra-


mento de novos modos de agir, sentir, pensar, desejar, existir, já que dispõem de instru-
mental sutil e legitimado de ação no tecido social. E frente aos mecanismos sociais de
modelização do comportamento, de reprodução de condutas uniformes e adaptadas ao
funcionamento da ordem capitalista, de naturalização da subjetividade moderna que é
possível testar a força e o compromisso dessas tecnologias. Como formas de interven-
ção, devem incidir sobre essas formas de subjetivação que, coladas à noção de identi-
dade individual e forjadas como dispositivo político de intimização, se disseminam por
todo o campo social naturalizando valores individuais e privados.

Cláudia Abbês et aí. (1996)

Estamos vivenciando, no contemporâneo, descomunal expansão dos ideais e prin-


cípios judiciais para as mais diversas esferas da vida. Esse processo, podemos chamá-lo
judicialização, estende-se tanto sobre as relações cotidianas — entre pais e filhos, vizinhos,
homens e mulheres, professores e alunos — como a muitos âmbitos profissionais, a impri-
mir ao tecido social diretriz eminentemente punitiva às mais variadas práticas. Tal fenôme-
no, como nos mostra Foucault (1996), começou a emergir, séculos XVIIl e XIX, quando o
controle penal, para poder operar, precisou de poderes paralelos à justiça, tais como a
polícia, para vigiar, e as instituições psicológicas, psiquiátricas, médicas, criminológicas e
pedagógicas, para corrigir. Mais tarde, ao final do século XX, quando o poder punitivo se
disseminou de forma mais capilarizada, e o confinamento ultrapassou os limites dos muros
de prisões, fábricas e escolas — emergiu o que Deleuze (1992) chamou sociedade de con-
trole —, houve incorporação, por parte dos sujeitos, da disciplina, antes situada em agentes
ou dispositivos externos e se redimensionaram e amplificaram os pilares já existentes na
sociedade disciplinar.
Essa interiorização do poder e da autoridade sancionadora, paulatinamente, mes-
clou-se com o modelo de suspeição e de ortopedia social. Tal modelo de suspeição e de
ortopedia social extraordinariamente se fortaleceu dentro da proposta do neoliberalismo
cujo império, às últimas décadas, mantém em todo o globo. Esse fortalecimento e manu-
tenção se dão por que existe para o Estado uma função muito clara e definida em tempos
cujo mercado dita as prioridades desde e além da economia, e principalmente, as sociopoli-
ticas, como nos aponta Wacquant (2001a, 2001b). O Estado cujas funções sociais são
privatizadas passa a assumir papel estritamente policial, para assegurar a ordem que garan-
ta economia “estável” a cujos consumidores mantêm-se seguros e confiantes. Se, durante
a década 1960 a 1970, o Estado de bem-estar social (weltare state) foi o modelo de funcio-
namento estatal em países do capitalismo central, o neoliberalismo, durante os anos 1980,
A psicologia no Estado Penal: possibilidades e estratégias para subverter a judicialização 117

se impõe, e o Estado se assujeita cada vez mais ao mercado e, para tanto, diminui prerroga-
tivas às áreas econômicas e sociais e, precisamente por isso, cujas intervenções aumentou
e reforçou no âmbito da “segurança”, agora reduzida à dimensão criminal'”,
Nessa direção, surge e rapidamente difunde-se a doutrina tolerância zero como es-
tratégia eficaz para a “guerra ao crime”. A doutrina tolerância zero prega o combate às
pequenas infrações — tais como jogar lixo à rua e insultar, por exemplo - como forma de
impedir comportamentos criminosos mais graves, a oficializar, assim, o perfil punitivo do
Estado e buscar isentá-lo de sua participação na gênese de cujo fenômeno pretende elimi-
nar. Vemos que o brutal crescimento do Estado penal apresenta como contrapartida lógica
e necessária à retração do Estado social:
[...] a penalidade neoliberal [...] se propõe a desenvolver “mais estado” nas áreas polici-
al, de tribunais criminais e de prisões para solucionar o aumento generalizado da insegu-
rança objetiva e subjetiva que é, ela mesma, causada por um “menos estado” no fronte
econômico e social (NACQUANT, 2004, p. 171, tradução livre).

No caso do Brasil, temos uma situação especialmente cruenta, pois a instauração


do Estado Penal neoliberal contou com os resquícios de vinte anos de ditadura militar, a
qual, por sua vez, apoiou-se na exaltação de Ódios e de racismo contra os pobres e negros,
fomentada durante mais de trezentos anos de escravidão. Dessa forma, ao longo de nossa
trajetória histórica, legitimou-se, de forma cada vez mais dura, um modo de relacionamento
com “os perigosos” no capitalismo, leia-se com a pobreza, intensamente marcado pela
repressão e pelo controle, a lidar com questões sociais de forma penal e policial. Podemos
afirmar, portanto, que viemos construindo campo amplamente propício para a difusão do
modelo Judiciário como o modelo, por definição, para pautar as relações e intervenções
sobre a realidade e sobre os sujeitos no contemporâneo, especialmente sobre os pertencen-
tes às camadas pobres.
Tal modelo, que opera em termos de julgamento, culpabilização e punição, não só
está presente em todos os meios como totalmente naturalizado à sociedade, e se apresenta
como forma a-histórica e como única opção possível, para enfrentar as tensões impostas
pelo projeto neoliberal. Um grande contingente de profissionais tem se identificado com o
argumento judicial, de forma especial pedagogos, psiquiatras e psicólogos, os quais, ao
assumirem tal modelo como sistema incontestável de verdade, paulatina e precisamente
tornam real o caráter normativo e hegemônico. À psicologia — ou, ao menos, grande número
de psicólogos — aliou-se energicamente aos moldes forenses e impregna suas práticas mais
cotidianas com os princípios penais mais intransigentes, com pouco ou nenhum questio-
namento acerca desse emparelhamento. Preocupados com a velha questão da hierarquia
dos saberes e com o reconhecimento da profissão enquanto ciência, procuramos ocupar
lugares de poder socialmente reconhecidos, é, pois, a parceria com o direito uma associa-
ção que se torna cada vez mais estreita, à medida que cresce o campo — e a autoridade —
da chamada psicologia jurídica”, Em tempos de suspeição generalizada, a elaboração de
laudos, avaliações e relatórios psicológicos tornou-se uma das atividades mais requisitadas

107 Pouco se fala da segurança trabalhista, por exemplo, cuja instabilidade é a principal causa do sentimento
generalizado de insegurança, Wacquant (2004) analisa os vários tipos de insegurança e suas tontes,
108 A presidente da Associação Brasileira de Psicologia Jurídica, Fátima França, a define como “uma emer-
gente área de especialidade da ciôncia psicológica [0 (FRANÇA, 2004, p. 73), de modo a evidenciar a
importância dada ao cientificismo como atestado de qualidade e relevância da profissão.
118
Fernanda Bocco

à psicologia e também um dos dispositivos mais empregados para estudo, registro e vigi-
lância de comportamentos e de sujeitos.
É fácil entender que essa seja a direção a que temos tomado, e não, outra, na vi-
gência do Estado Penal: é fundamental, ao modelo neoliberal, que um grande contingente
de pessoas assuma função policialesca, para controlar as camadas pobres da população.
Fundamental por duas razões. Uma, como rede ilimitada de exercício de poder e de submis-
são dos grupos estigmatizados e considerados perigosos; outra, por que esse esquema
permite à classe média criar e manter postos de trabalho, em momento no qual a ameaça
de desemprego atinge a todos. Assim como a redução do Estado Social e a consequente
expansão do Estado Penal estão integralmente relacionadas aos ditames do mercado, “[...]
a judicialização dos diversos âmbitos no contemporâneo não pode ser separada do proces-
so de rentabilização dos pobres [...]”. É por que os profissionais liberais encontraram lucra-
tivo mercado de trabalho por via repressora-punitiva que é possível a difusão massiva
dos
ideais jurídicos.
Apesar da total questionabilidade desse aproveitamento mercantil das vidas alheias,
pouco se discute sobre suas repercussões, tanto para os sujeitos controlados como
para
nossa profissão, enquanto interventora sobre a realidade, e para todos nós, enquanto
habi-
tantes dessa sociedade. Mas tal problematização precisa ser feita, pois pensamos'"*
que a
psicologia é, inevitavelmente, política, isto é, ela não apenas trabalha com
subjetividades,
mas, produz subjetividades com as práticas. Partindo dos conceitos de Deleuze
e Guattari
(1976, 1995, 1996, 1997), pensamos que a subjetividade não se refere à instância
intrapsí-
quica, nem sequer intrafamiliar, mas a uma produção histórica, composta por
múltiplas
linhas — ecológicas, tecnológicas, econômicas, linguísticas, culturais, filosóficas,
artísticas,
científicas, afetivas — que se atravessam e criam configurações nunca terminadas,
sempre
em movimento de desconstrução e reconstrução. Sendo assim, todos temos participação
na produção e manutenção (ou ruptura) de um modo de funcionamento, e
a psicologia pode
e deve questionar suas escolhas e decidir sobre a realidade a construir
para si e para todos,
uma vez que não está isenta nem é neutra àquilo que fabrica a partir de suas
ações.
Essa postura ético-política se faz necessária em todos os âmbitos nos
quais a psi-
cologia trabalha — saúde mental, escolas, hospitais, empresas, consult
ório, postos de saúde
— mas se torna ainda mais imprescindível em cujos espaços onde há
contato direto com os
sujeitos mais duramente atingidos pelo Estado Penal, isto é, com crianças
e jovens pobres
e suas famílias, predominantemente pertencentes à raça negra. Mais impres
cindível por
que se trata de grupos intensamente excluídos" e submetidos a proces
so de criminaliza-
ção em massa", o que os torna os principais alvos de incidência do proces
so de judiciali-
zação a que estamos vivenciando. É a infância e a juventude pobres
e respectivas famílias a
pagare m, com os próprios corpos e vidas"?, pela ordem vigente. Uma ordem
que se man-

"9 Regina Benevides de Barros e Eduardo Passos (2002), Cecília Maria Bouças
Coimbra (1995, 1996), entre
outros.
Nº Viviane Forrester (1997, p. 57-58) refere-se aos jovens pobres da seguint
e forma: “/...] margina
is pela sua
condição, geograficamente definidos antes mesmo de nascer, reprovados de imediat
o, eles são os 'excluí-
dos” por excelência [...]”,
Mm Sobre esse assunto, ver Coimbra e Nascimento (2003), Wacquant (2001a,
2001b), Reguera (2001, 2005),
Bocco (2006).
"2 Os últimos dados do IBGE (2004) mostram que há incidência crescente de todas as formas
de violência
sobre a juventude, composta pela população entre 15 a 24 pela classificação das Nações Unidas
(UNITED
JA Í

A psicologia no Estado Penal: possibilidades e ostratógias para subverter a judici


alização 119

tém em funcionamento pela imposição do medo = medo de


não participar no esquema
penal, ou seja, de questionar as autoridades instituídas; medo
de fazer algo diferente do
estabelecido, medo de procurar alianças fora dos organismos
estratégias de criação de realidades, junto aos coletivos oficiais, medo de compor
diretamente atingidos pelos ditos
“efeitos colate rais”
do design neoliberal.
Temos, no processo de judicialização, a prova concreta e cotidi
ana de que existe, e
é plenamente operante, um Estado Penal, e que ele imprime sua
marca no tecido social
como um todo e procura situar 0 conjunto das relações sociais sob o domínio das máqui
nas
policiais e militares (GUATTARI, 1990) e transformar a todos em guardiães e delato
res em
nome do poder instituído, À psicologia, junto a outras profissões, é convocada de
forma
permanente a inserir-se no continuum jurídico"?, mas será que o que temos a oferecer,
especialmente neste momento histórico, é repetição incessante da normatização
judicial?
Por que deveríamos seguir o paradigma da avaliação, da acusação, do medo, da descon
fi-
ança e ocupar o lugar de psicotiras!? Não caberia à psicologia outra proposta, a de um —
acolhimento, para gerar espaços coletivos de análise?
À partir da experiência com jovens autores de infração, dentro de projetos de tra-
balho educativo"*, pudemos constatar que o exercício de uma fpsicologia judicializada, ou
seja, uma psicologia, baseada em julgamento, em castigo e em controle como via de rela-
ção, impede os jovens de construir nova trajetória de vida como ainda reforça a situação
bélica que costuma existir no início da convivência e precisa ser desconstruída, para dar
lugar à relação de confiança com o jovem. Se, por exemplo, nosso maior interesse é saber a
infração de cada um, os “antecedentes” (escolares, familiares, policiais), se cumpre à risca
conjunto de normas, ou se o acompanha de perto para ver se ocorre algum deslize, alguma
mentira, e se nossa reação, diante da primeira situação tensa, é realizar inquérito, procurar

NATIONS, 2002). De acordo com Waiselfisz (2005), a taxa de mortalidade referente a essa população cres-
ceu de 128 para 137 em 100 mil habitantes, entre 1980 e 2002, enquanto a taxa global de mortalidade da
população brasileira caiu de 633 para 561 em 100 mil habitantes, ao mesmo período. Dentro das causas de
morte, há indicadores de mortalidade por homicídio muito superiores aos internacionais, nessa faixa etária:
houve aumento de 34,5 em 100 mil habitantes, em 1993, para 54,7 em 100 mil, em 2002 (39,9% das mor-
tes), enquanto para o restante da população permaneceu estável (3,3% das mortes) (WAISELFISZ, 2005). O
coeficiente de homicídios chega a ser, por exemplo, superior ao de países em situação de fortes conflitos
abertos (POCHMANN, 2002), o que nos alerta para uma espécie de extermínio, direcionado à juventude,
principalmente masculina, negra e de baixa renda.
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A entrevista, dada pelo deputado federal (PMDB-DF) e coronel reformado da Polícia Militar, Alberto Fraga é
ilustrativa desse fato. Ao ser questionado sobre as alterações que defende para o ECA (Estatuto da Criança
e do Adolescente), respondeu: “O ponto da inimputabilidade. Ela está muito acentuada e motiva o acoles-
cente a praticar delitos. Sou contra a questão do limite de idade. Se uma pessoa cometer um crime e for
constatado que tinha conhecimento, não tem porque não ser julgada. ZH: Mesmo crianças? AF: Mesmo
menores de 12 anos. ZH: Mas elas poderiam vir a cumprir pena? AF: Sim, poderiam.
ZH: Que protissionas
formariam essa junta? AF; Psicólogos, pedagogos, psiquiatras, assistentes sociais, promotores da in-
fância.” (Zero Hora, 16 de março de 2003, grifo nosso),
114
No maio de 68, 06 “psi” e 08 trabalhadores sociais em geral eram chamados de tiras,
pois ocupavam
posição de reforço dos sistemas de produção da subjetividade dominante (GUATTARI; ROLNIK, 1986).
15
De acordo com o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) (BRASIL, 1990), artigo 88,
8 1º, o trabalho
educativo se refere a atividade na qual privilegia-se o aspecto de aprendizagem e o desenvolvime
nto pes-
soal e social sobre o aspecto produtivo, mesmo quando haja remuneração pelo trabalho efetuado. Os proje-
tos referidos são o Programa Integrado do Prolissionalização Gráfica e Marcenaria, da CORAG (RS), de
2001 a 2003, e o Abrindo Caminhos, na Procuradoria da República no Rio Grande do Sul, de 2003 até o
momento.
Fernanda Boccco
120

* culpados, atribuir fracassos € infringir castigos, LJ não podemos dizer que estejamos
exercendo psicologia, mas sim cumprindo uma função meramente judicial e policial L.. 7".
exis-
Essa forma de intervenção procura réus, ao invés de encontrar sujeitos. Como se não cama-
"[...] para esquadrinhar a população, para manter
tissem suficientes agentes oficiais
das inteiras sob controle e insistir na punição como ação de primeira escolha, como para
que ainda nos somemos a eles?"! (BOCCO, 2006, p. 95).
“Julgar é a profissão de muita gente e não é uma boa profissão [...]”, alertam-nos
Deleuze e Pamet (1998). Portanto, é necessário nos questionarmos sobre que psicologia,
que sujeitos e que sociedade queremos fabricar, que função iremos ocupar dentro do Esta-
do Penal. Temos sido coniventes demais à homogeneização de todas as profissões, sob o
signo do judicial, quando podemos e precisamos inventar outras maneiras de fazer psicolo-
gia, por meio de clínica política, clínica que se assuma enquanto produtora — e não reprodu-
tora — de modos de existência. Se há alguma atribuição da psicologia e das demais profis-
sões, no contemporâneo, diria que é o de ser utópica", de permitir-se instaurar outras
lógicas, ser criativa, pois apenas via novos caminhos poderemos dar lugar a novas realida-
des.
No contato direto com os jovens e crianças marginalizados, isso se traduz em rela-
ção de acolhida, de escuta, de encontro, de abertura, para 0 que surge no diálogo, sem
formato pré-estabelecido que previamente rotula o sujeito como “perigoso”, “potencialmen-
te violento”, “antissocial”, da “carreira do crime”, entre outras tantas nomenclaturas ouvi-
das. Se a lógica policial se preocupa com as causas para calcular os castigos, nós temos
de nos preocupar com os efeitos a que buscamos, para então compor a intervenção. Não
nos interessa pensar, por exemplo, quais motivos ou razões no passado levaram o jovem a
determinada atitude, e empreender interminável inquérito, para reagir de acordo com ele.
Precisamos nos perguntar quais efeitos podemos produzir com nossa ação diante do encon-
tro com o jovem, que lógica queremos instaurar com nosso trabalho e, a partir disso, fazer
escolha política e implicada"”. Isso não significa, necessariamente, que não possamos
ocupar lugares no judiciário, se acreditamos que esse seja nosso local de luta. Mas não
podemos deixar o judicial habitar em nossa prática, pois isso implicar renunciar a toda e
qualquer possibilidade de aliança com os sujeitos, diretamente castigados pelas políticas
repressoras e, consequentemente, a toda e qualquer possibilidade de transformação social
efetivamente coletiva e consistente"?
Nenhum de nós está imune ao modelo — do neoliberalismo e da judicialização — im-
posto, pois ele atravessa a todos, mesmo de diferentes formas. Por isso, não podemos com
nossas práticas ser ingênuos. Temos um compromisso histórico-social, indissociável de

“8 Guattari (1993) também se refere à necessidade de refundar — e não de reconstruir — utopias, com micro-
políticas de intensificação das subjetividades.
“7
Implicação não se refere ao grau de participação ou engajamento em algum movimento ou prática, e sim à
análise dos lugares que ocupamos no mundo, que uso fazemos desses lugares, como nos posicionamos
nos jogos de poder, que alianças fazemos e em nome de quem. “Estar implicado (realizar ou aceitar à aná-
lise de minhas implicações) é, ao fim de tudo, admitir que eu sou objetivado por aquilo que pretendo obyeti-
var: fenômenos, acontecimentos, grupos, ideias, etc. Com o saber científico anulo o saber das mulheres,
das crianças, dos loucos [...] o saber social, cada vez mais reprimido como culpado e interior [...]". (LOU-
RAU, 1977, p. 88)
“8 Deleuze e Parnet (1998) falam sobre o plano de consistência como aquele necessário para tornar algo
concreto e com mínima duração ou permanência.
A psicologia no Estado Pen
al: possibilidades 6 estrat
ógias para subverter a jud
m- ma mama "icialização
O 121
A

nosso saber, e nos convoca a intervir


em prol da solidariedade, e não, à serv
econômico a favorecer a UNS poucos iço de sist
e é pago com a vida de muitos, O que
cer, como psicologia, é aposta na vida, um temos a fere.
encontro para a produção coletiva de análises
estratégias, para o enfrentamento dos ten é
sionamentos, colocados na atualidade, via
nas ações cotidianas, micropolíticas, Deque.
microrrevoluções, como nos indicam Guattari e Rolnik
(1986).
a Tais micropolíticas independem do Estado,
dos organismos oficiais, das agências
fiscalizadoras. De fato, não apenas independem como
é impossível partirem dessas fontes
uma vez que a expansão do Estado policial não é sinal
de fracasso das políticas de segu-
rança, ela “/...] é precisamente a política de seguranç
a escolhida pelo Estado [...]”, e deixa
bem claro a prerrogativa de aplicar a fórmula judicial
aos fenômenos econômico-sociais.
Enquanto não assumirmos que a transformação da real
idade é possível, é cotidiana e diz
respeito a todos, não sairemos do império do medo no qual
estamos imersos. Medo trans-
formado em terror pelos governantes para que, assustados, apoiemos o Estado Pena
l e
respectiva judicialização da vida. Como afirma o Subcomandant Marc
e os, “[...] as eleições
passam, os governos passam. À resistência permanece como o que
é, uma alternativa mais
pela humanidade e contra o neoliberalismo. Nada mais, mas nada men
os [...]” (MARCOS,
2006, s/p, grifo nosso).

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