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Módulo 2 - Fortalecimento das redes de apoio comunitárias em SMAPS

Olá! É muito bom ter você em nosso curso Saúde Mental, Atenção Psicossocial e Interculturalidade nas Migrações.

Neste segundo módulo, focaremos no trabalho com comunidades e falaremos do fortalecimento das redes de apoio comunitárias em
SMAPS e, assim, discutiremos questões relacionadas à família, religiões e espiritualidade nos processos migratórios, debateremos temas
específicos para populações indígenas migrantes e discutiremos gênero e interseccionalidades nas intervenções.

Unidade 1 - Tópico: Família, migração e bilinguismo

Unidade 2 - Espiritualidade, Religiões e Saúde Mental e Atenção Psicossocial da População Migrante

Unidade 3 - Saúde Mental e Atenção Psicossocial nas migrações de populações indígenas

Unidade 4 - Gênero, Migrações e Interseccionalidades


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Unidade 1 - Tópico: Família, migração e bilinguismo

Olá! É muito bom ter você em nosso curso Saúde Mental, Atenção Psicossocial e Interculturalidade nas Migrações.

Essa é a primeira unidade do Módulo 2 e, se você ainda não conferiu as aulas anteriores, sugerimos que comece por elas.

Na aula de hoje, vamos discutir os impactos na migração no contexto familiar e trazer considerações sobre as influências do bilinguismo na
saúde mental, inclusive sobre como a aquisição de um novo idioma impacta as relações familiares.

Ao final dessa aula, nós teremos:

1. Discutido os impactos da migração no contexto familiar;

2. Discutido a importância das redes sociais pessoais para o bem-estar das famílias no
processo de migração;

3. Discutido bilinguismo, saúde mental e relações familiares.

O conteúdo dessa aula foi adaptado de publicações anteriores da IOM, principalmente:

Guia em Saúde Mental e Atenção Psicossocial para a População Migrante e Refugiada no Brasil

Guia SMAPS OIM Brasil

Cap. 6: Família e Migração.


Autoria: Gabriela Mantaut Leifert

Cap. 8: Identidade, ciclo vital, Bilinguismo e Multilinguismo.


Autoria: Sylvia Dantas e Elizabete Flory.
Boa Aula!

Introdução

Vamos começar retomando um conceito que mencionamos em nossa primeira aula: identidade.

Como vimos, identidade tem a ver com a pergunta “quem sou eu?” e, em geral, respondemos essa pergunta não de modo estritamente
individualizado, mas considerando o mundo ao nosso redor e nossas relações com ele.

Quando aprendemos o que é “aculturação”, na aula anterior, vimos como o encontro intercultural gera uma negociação da cultura e da
identidade, incluindo as crenças, valores, religiões, raça, etnia, língua (Hall, 2003).

Desse modo, a relação entre cultura, identidade e a importância do trabalho em SMAPS com base nas comunidades se mostra mais claro.

Comunidades
O modelo de trabalho da OIM com SMAPS é baseado nas comunidades.

Ao trabalharmos com SMAPS, consideramos que cada pessoa é parte de um sistema socioecológico que inclui famílias, pares, e sistemas maiores
como a comunidade. Assim, as comunidades são centro dos programas SMAPS. A figura abaixo exemplifica esse sistema:

Figura 1. Sistema soicioecológico de Bronfenfrenner.


Fonte: OIM, 2022b, p. 37

Para a OIM, “comunidade” tem um sentido amplo e se refere a grupos que possuem alguns elementos comuns como localização geográfica,

língua, crenças, valores, identidade étnica cultural, ente outros.

São sistemas humanos que se caracterizam por interrelações e interações entre seus membros em um dado contexto, como, por exemplo:
família nucleares, congregações, associações, equipes esportivas, grupos de pessoas com algum interesse comum, além de incluir também
instituições como escolas, centros de saúde e outras organizações.

É importante salientar que acreditamos que as comunidades são as beneficiárias finais das atividades de SMAPS, ao invés de pensarmos em um

nível apenas individual.

Em emergências ou situações de deslocamento, a reconstrução ou construção do tecido social é componente chave nos programas em SMAPS.

É sempre importante considerar que os estágios de desenvolvimento de uma pessoa influenciam as vivências emocionais e cognitivas da
migração, que é um processo que também adiciona desafios a cada etapa do desenvolvimento. Por exemplo, uma pessoa adolescente migrante,
pode vivenciar a separação de seu grupo de amizades como um evento muito difícil e uma criança pode ter outro tipo de experiência, afinal, o
mais importante para ela é estar junto a seus familiares.

Para crianças que se separaram das principais pessoas cuidadoras no processo da migração, tal separação pode ser bastante prejudicial, inclusive
pela falta de clareza em relação ao tempo que ficarão separadas.

Assim, é muito importante que quem trabalha com a população migrante leve em conta a fase de desenvolvimento que se encontra cada pessoa,
ao prestar apoio a essa população.
Consequentemente, o trabalho com crianças será diferente do trabalho com adolescentes, jovens ou com pessoas idosas.

Muitas vezes, ao trabalhar com pessoas migrantes, a temática das relações familiares aparecerá. Às vezes, como tema principal e, em muitas
outras, margeando outras questões relacionadas ao processo migratório.

Pode ser que se migre com a família, pode ser que parte da família fique no país de origem ou mesmo que a família migre para locais diferentes,
pode ser que haja uma formação de família no processo de migração ou que a configuração familiar mude neste processo. De todas as formas, as
migrações vão impactar a família de alguma maneira.

Família(s) - no plural!

Como vimos nas aulas anteriores, a família é extremamente importante para transmitir a cultura e seus códigos ao longo das gerações.

Ainda, a família pode se estabelecer a partir de laços consanguíneos, padrões de residência, transmissão da cultura e seus códigos e suas funções
incluem a de organizar, educar, socializar, normatizar.

Dentre as tarefas da família, está a de promover o desenvolvimento pessoal de cada integrante desse grupo, ativamente incorporando membros
da família no ambiente social e com foco em manter a identidade e a coesão familiar (Gimeno, 2003).

Também vimos que a cultura molda nossas visões de mundo e, portanto, também a noção de família pode mudar em diferentes culturas. Tanto
no sentido do que é família, quem são as pessoas que a integram, se a comunidade e as relações ancestrais configuram o conceito de família ou
se há uma visão mais centrada na família nuclear e ampliada, e quanto aos papeis desempenhados por familiares.

Os estudos acerca da família são muito comuns em diferentes campos do saber. Na psicologia, por exemplo, diversas abordagens têm como base
as relações familiares no desenvolvimento de suas teorias sobre o psiquismo.

Uma das abordagens da psicoterapia mais importantes é a terapia familiar sistêmica, que entende as famílias como uma unidade de tratamento
(Sampaio, 1984) e as define como um sistema, ou seja, elementos ligados por um conjunto de relações internas e com o exterior, e que mantém
um equilíbrio interno.

Um conceito bem importante nesse sentido de que a unidade de análise é a família, cujas relações entre familiares cria um equilíbrio é o conceito
de homeostasia, ou seja, o “processo de regulação pelo qual um organismo mantém constante seu equilíbrio” (Houaiss & Villa, 2009).

Isso significa que um comportamento sintomático na família deve ser entendido de forma relacional, onde há mútuas influências entre as ações

de cada membro da família, que se entrelaçam e criam um equilíbrio.

Isso quer dizer que, o que acontece na família - suas interações e os problemas desse núcleo - são entendidas como respostas adaptativas. Desse
modo, o foco não é em uma patologia, mas está no entendimento das interações das relações familiares.

A partir de várias técnicas, quem trabalha com a terapia sistêmica vai observar os padrões das relações que conectam as narrativas e, em
conjunto com a família, produz novos significados.
Para Pensar: Você lembra da história da família da Sara? A terapia familiar sistêmica iria
analisar não apenas as queixas de Sara, mas buscaria entender a família como uma unidade
de análise.

Relembre aqui parte da história de Sara:

E ST UDO DE C A SO

Sara tem 25 anos e é de origem afegã. Chegou no Brasil há um ano e meio com a família, seu pai, Ahmad, e sua mãe, Samira, fugindo do
Talibã. Sara tem um irmão, Ali, de 32 anos, que mora no Brasil há cerca de 5 anos, e uma irmã, Yasmeen, de 30 anos, casada, que está no
Irã com o marido e a filha de 3 anos.

Faz alguns meses que Sara e sua família têm dificuldade de falar com a irmã no Irã. Ela tem ficado bastante preocupada com as notícias
sobre a situação das mulheres em seu país, Afeganistão, e, atualmente, também no país que acolhe sua irmã, o Irã.

No Brasil, Sara tem se sentido muito sozinha. No início, estava aliviada de estar no Brasil e de reencontrar seu irmão depois de tantos anos.
Porém, ela percebe que, em muitos dias, sua mãe chora no quarto e seu pai parece sempre muito cabisbaixo e, às vezes, estressado por se
sentir dependente do filho. No Afeganistão, Ahmad trabalhava em um banco e Samira trabalhava como professora de inglês. Por alguns
anos, Sara frequentou uma das “escolas secretas” em Cabul para ter acesso à educação.

Há cerca de 20 dias, Sara tem se sentido mal, muito irritável, sem conseguir dormir a noite e passa muitas horas do dia vendo notícias
sobre Afeganistão e Irã, e chora bastante. Às vezes, sente que não tem energia e quer ficar deitada todo o tempo. Sente-se extremamente
cansada.

Mas, o que a tem preocupado mais é que, há alguns dias, sente desconforto vaginal, com coceiras e corrimento com cheio forte e cor
verde/amarela. Ela ainda não falou com sua mãe sobre o que está acontecendo, porque não quer assustá-la. Também não gostaria de ir ao
médico. Ela não sabe onde teria que ir, se seria atendida e quanto custariam para sua família os serviços médicos. [...]

Para pensar: Como as configurações familiares mantém o equilíbrio dessa família? Aqui não
falamos apenas da Sara, mas de todas as pessoas que configuram essa família.

Esse entendimento de que a família é uma unidade que se mantém em equilíbrio nas diversas relações que se influenciam mutuamente é muito

importante no trabalho de qualquer profissional que atue em SMAPS. Essas noções tiram o foco da “patologia”, da individualização das questões
de saúde mental (“A fulana é assim. Não se pode conversar com ela. Ela com certeza é bipolar!”), e do entendimento que alguns comportamentos
humanos são relacionados a “doenças mentais”. Ou seja, tira o foco da noção de doença de uma pessoa em específico, aquela “problemática”, e
coloca um foco na rede familiar - que pode atuar como rede de apoio às vezes e, em outras vezes, não. Desse modo, falamos de
“despatologização”, que é um tópico muito importante ao estudar saúde mental nas migrações.

Como o nosso foco de estudo da saúde mental inclui os contextos de migração nessa análise, não podemos deixar de lado o aspecto intercultural
- já trabalhados nas aulas anteriores.
Ou seja, vamos observar também os contextos das interações familiares nesses processos. Como vimos na aula passada, o processo de
aculturação gera mudanças tanto em quem migra quanto na sociedade receptora.

Família e migração

O processo de migração, como outros processos importantes na vida dos seres humanos, vai produzir um impacto no “equilíbrio” da família, já
que, muito frequentemente, produz efeitos nas mudanças das interações familiares.

Mesmo que as pessoas migrem para melhorar de vida, o processo de migração é muito impactante do ponto de vista emocional, como vimos nas

aulas anteriores, e produz muitas transformações, que são ainda mais impactantes nos casos de migração forçada.

O Mapeamento das organizações que prestam serviços em SMAPS no Brasil, feito pela OIM, revela que um dos maiores impactos na saúde mental
das pessoas migrantes atendidas, do ponto de vista das organizações da sociedade civil, trata-se da separação das famílias no processo de
migração.

Foi revelado que saudade de casa e da família, ausência da rede apoio familiar no país de acolhimento, preocupação e sentimento de
responsabilidade em ajudar familiares que ficaram e ansiedade em relação ao processo de reunião familiar, que podem demorar muito tempo,
são queixas frequentes.

A família pode passar por alguns estágios no processo de migrar: a preparação para a migração, o ato de migrar, o período de moratória e período

de descompensação ou crise (Sluzki, 1997).

Preparação

É o planejamento da migração, que acontece a partir da busca de informações, obtenção de vistos, rota, planejamento financeiro. O planejamento familiar pode ser
muito breve, como situações de migração forçada em que as pessoas não conseguem planejar todos os detalhes, ou pode demorar meses ou anos. Os impactos
dessa etapa na família incluem euforia e tensão, com motivações positivas ou negativas.

Importante observar os papeis de gênero, impactando homens e mulheres de maneiras diferente, por exemplo, com as mulheres geralmente num papel de elo
afetivo com as mudanças e com o que é deixado no local de origem. Muitas vezes, com o foco na importância da migração para a melhoria na qualidade de vida,
uma família pode não permitir os sentimentos de tristeza, ou vivenciar o luto.

Ato de Migrar

O jeito como cada família migra muda consideravelmente e precisa ser levado em consideração. Fatores como o modo como se migrou, se a migração foi ou não
forçada, se aconteceu ou não de forma regular, impactam bastante no bem-estar e no acesso a direitos.

Algumas famílias migram em caráter mais definitivo, enquanto outras decidem estabelecer casa em outro local por um tempo, mas mantém a decisão de retornar
ao local de residência habitual anterior; existem pessoas que migram em família e outras que migram sozinhas, inclusive na expectativa de se reunir com a família
no país de destino quando tiver meios para tal.
Período de Moratória

Podemos relacionar com a fase de lua de mel, que vimos na aula anterior quando estudamos aculturação psicológica. Há um encantamento com o novo contexto,
que parece interessante, agradável e temporário.

Em situações de migração não forçada, as diferenças culturais percebidas e o estresse pelo processo de deslocamento não são o foco, já que a família está
concentrada na adaptação e na sobrevivência no novo local.

Período de descompensação ou crise



Podemos relacionar com a fase de frustração, que vimos na aula anterior sobre aculturação psicológica. Ou seja, há frustrações, conflitos e um foco nas diferenças
culturas e nas dificuldades no novo local e o caráter “temporário” da mudança se dissipa.

É preciso termos a sensibilidade em perceber que as famílias que estão passando por essa fase tão estressante no processo de migrar só tem a elas mesmas para
“resolver” tais questões, já que há uma ausência de redes de apoio fora do âmbito familiar.

Pode ser que as famílias vão buscar ajuda nesse período ou mesmo que a própria comunidade relate que a família está passando por problemas (como pode
acontecer em abrigos, ocupações e casas compartilhadas por diferentes famílias migrantes). Nesse período, podem ocorrer alguns comportamentos abusivos,
como abuso de álcool, violência, sintomas depressivos e dificuldades de adaptação, inclusive na escola.

É importante observarmos que, como falamos, as noções de família podem ser diferentes em culturas diferentes. Do mesmo modo, as
legislações acerca da família também poderão ser muito diferentes no país de acolhimento, em relação ao país de origem. Como pode ser o caso
das famílias formadas por casais homoafetivos (ex.: uma família formada por casal homoafetivo que migra para um local onde as leis

reconhecendo seus direitos são mais restritivas) e também das diferenças de gênero, que podem impactar desde a cultura de forma geral a
modos muito específicos, como no âmbito das legislações.

Além disso e, em especial nas migrações forçadas, o próprio local físico da nova casa vai criar impacto nessa família. Muitas famílias migrantes
acabam compartilhando casas, quartos e abrigos de instituições. Esse fator, que muitas vezes é derivado da ausência de uma maior inserção

econômica e consequente impossibilidade de pagar aluguel em outros espaços que podem dar mais privacidade à família, pode ser fontes de
conflitos na família que migrou e nos grupos familiares maiores que dividem o espaço da “nova casa”.

Como dissemos, importante termos em mente a pluralidade das famílias, já que mesmo famílias de mesma nacionalidade podem ter valores,
crenças, idiomas e culturas regionais diferentes entre si.

Homogeneizar as famílias a partir da nacionalidade pode ser um grande risco para a reprodução de
estereótipos e apagamentos de identidades e grupos mais marginalizados.

Impactos das migrações nas famílias

A migração não impacta apenas a família que de fato se deslocou, mas ela causa impactos também em quem fica e nas gerações seguintes.
Migrantes de segunda ou terceira geração costumam vivenciar o desafio de equilibrar suas necessidades de individuação e de corresponder às
expectativas da família.

Por exemplo, casos como os de crianças que nasceram na comunidade de acolhimento ou que migraram bem pequenas, que adotam

características da cultura de acolhimento que são conflitantes com a cultura de origem dos pais.

Conflitos podem aparecer em variadas circunstâncias. Por exemplo, quando uma pessoa da geração mais nova decide ter um relacionamento
amoroso, ou até mesmo se casar, com uma pessoa de outro grupo cultural ou quando essa pessoa jovem tem expectativas diferentes às
obrigações familiares comuns na cultura de origem dos pais.

“Eles não saíram do país onde cresceram, mas cruzam fronteiras culturais a partir do momento em que saem de suas residências.”

- OIM, 2022, p. 41

Como vimos na aula anterior, a aculturação é como um processo de negociação relacionada aos próprios valores, à identidade da pessoa que
migra e à identidade dos grupos aos quais ela pertence. Tal processo é vivenciado também pelas outras gerações, que vivem em mundos de

diferentes referências culturais em seu cotidiano.

Vale lembrar que cada membro da família vai passar pelo seu próprio processo de migração e de aculturação, a depender de idade, gênero e da
integração da pessoa na família sociedade como um todo, o que pode gerar conflitos intrafamiliares.

Ainda, não podemos nos esquecer que o modo como a família migra exerce também forte impacto nas famílias, além de fatores como
regularização migratória, questões geográficas, composição familiar e integração na comunidade de acolhida, discutidos no Capítulo 6 do Guia

em SMAPS da OIM:

Tipo de Migração

As diferenças de uma migração voluntária e involuntária produzem impactos nas famílias (Falicov, 2011). As famílias que foram forçadas a migrar para fugir de
alguma situação que as colocava em perigo, podem vivenciar, mais do que as famílias que passam por um processo de migração voluntária, situações traumáticas
e experenciar afetos ambivalentes muito dolorosos acerca da saudade, do retorno e das razões da partida.

Regularização Migratória

A ausência de regularização migratória põe a família em situações que podem ser muito arriscadas para a integridade física e o bem-estar como, por exemplo, a
escolha por rotas perigosas, o risco de exploração laboral e sexual, entre outras violações. Tais violências podem acarretar uma separação da família, como quando
o status migratório dentre a família muda de pessoa a pessoa, podendo acarretar até numa deportação de uma das pessoas e, portanto, a separação familiar.
Proximidade do país para onde se migra

A proximidade com a terra natal, impactando na possibilidade de visitar o local de origem, de ter uma vida baseada nos dois países. Pode ser particularmente mais
difícil lidar com as mudanças no novo local, quando a possibilidade de visitar o país de origem é limitada.

Composição Familiar na migração



Aqui as perguntas referem-se a como a família vai migrar. Por exemplo, todas as pessoas da família migraram ao mesmo tempo? Uma pessoa migra na frente e,
depois, as outras se reunirão com ela? A composição da família que migra é semelhante ou diferente da composição familiar no local de origem? Tudo isso terá
impactos importantes nas conexões e desconexões familiares, afetando o processo de migração como um todo (Falicov, 2011).

Migração e mudanças na família


O processo de migração pode trazer mudanças também nos papéis e responsabilidades desempenhadas por cada integrante da família, que
podem causar conflitos intergeracionais, como vimos.

Muitas vezes, nos países de acolhida, as pessoas mais jovens desempenham tarefas que exigem mais responsabilidades do que em seus países de

origem, inclusive do ponto de vista de sustento financeiro das famílias, já que podem ter mais acessos à educação e trabalho que seus pais.

Pode haver maior dependência das pessoas mais velhas e maior responsabilidade nas crianças que, por aprenderem mais rapidamente a língua e
a cultura local, podem desempenhar tarefas não recomendadas para a faixa etária, como no papel de tradutoras e intérpretes.

Nesse caso, pode ocorrer um conflito intergeracional quando as pessoas mais jovens da família desempenham um papel de traduzir e/ou

interpretar as comunicações das pessoas mais velhas que não dominam a língua no novo local. Isso gera uma inversão dos papéis sociais
esperados que pode gerar uma carga sobretudo para crianças, já que podem ter contato com conteúdo não adequados às suas fases de
desenvolvimento, e que pode levar as pessoas cuidadoras a sentirem que perderam o papel de orientação das crianças pelas quais são
responsáveis.

Tais alterações podem impactar a identidade e o bem-estar de integrantes da família. Ainda, podem gerar pressão, estresse e raiva nas pessoas
mais jovens e frustração, baixa autoestima e sentimentos de não pertença à comunidade nas pessoas mais velhas.

Mas, por outro lado, podem estimular a juventude a responder de modo proativo na aprendizagem de novas competências, a serem mais flexíveis
e adaptáveis às mudanças, o que favorece o amadurecimento e desenvolvimento.

Outro aspecto muito observável que pode ser conflituoso e que mencionamos anteriormente refere-se às mudanças nos papéis de gênero a
partir da experiência migratória.

Pode ser que, em algumas famílias, a maior responsabilidade financeira da família recorra sobre os homens nos países de origem e, no país de
acolhimento, as circunstâncias levem as mulheres a desempenharem esse papel, o que pode gerar conflitos em familiares com valores mais
tradicionais. Essa situação pode auxiliar as mulheres a se sentirem mais fortalecidas, com maior autonomia e com direitos ampliados.

Por outro lado, violência doméstica pode ser um dos fatores que fazem mulheres migrarem. Ainda, mulheres migrantes cujo status migratório
dependa de seus parceiros têm risco aumentado de sofrerem violência doméstica e não costumam reportar tais violências devido a medo de
serem deportadas (Robillard et. al, 2018).
Famílias transnacionais também trazem uma complexidade e deixam claro que a migração não impacta apenas as pessoas que saíram de seus
lares habituais, mas inclui as pessoas que ficam e também as gerações futuras que podem nascer no local de acolhimento. Tais gerações podem
manter contato e desenvolver laços com suas terras ancestrais, principalmente com o auxílio das tecnologias, que permite a conexão de pessoas

à distância.

Família e rede de apoio

Como temos visto, falar de migração é falar de novas oportunidades e encontros, mas, também, migrar é um processo que envolve muitas

perdas.

Perdas na Migração
Ao migrar, a experiência de perda pode ser ambígua, já que o que se perde não desaparece, apenas fica para trás (Falicov, 2011).

Outras vezes, a ambiguidade não está tão presente, como pode ser o caso das migrações forçadas, em que é muito possível que o ato de migrar
seja acompanhado por perdas significativas e dolorosas, como casas, familiares, amizades, devido a conflitos, desastres, violências, entre
outros.

A “perda ambígua” é um conceito muito interessante ao se pensar na saúde mental de pessoas migrantes. Segundo a psicanalista Pauline Boss
(1999), “perda ambígua” refere-se a quando a perda é confusa, incompleta ou parcial.

O Capítulo 6 do Guia da OIM em SMAPS apresenta dois cenários que acontecem simultaneamente em que “perda ambígua” (Boss, 1999) aparece
nas famílias que migram:

Por exemplo: separação física de famílias devido à


Presença psicológica, mas ausência física
migração.
Há presença física, mas com isolamento emocional de
Presença física, mas ausência psicológica
uma pessoa da família.

Um exemplo são situações em que os pais migram e deixam as crianças sob os cuidados de outra pessoa, em geral, mulheres. Pode ser que,
graças à tecnologia, as figuras materna e paterna sigam exercendo um papel relevante no crescimento da criança e, apesar da ausência física,
estejam presentes psicologicamente. Por outro lado, isso pode impactar as possibilidades de cuidado efetivo da pessoa que ficou para trás na
função de principal cuidadora (ex.: avó), podendo até configurar numa situação de presença física com ausência psicológica.

Na história de Sara, que revimos um pouco antes, podemos perceber essas perdas. A família toda se separou, de algum modo. O irmão veio na

frente ao Brasil, a irmã foi para o Irã. Nessas situações, pode ter acontecido uma presença psicológica forte, já que se relata que a família manteve
contato entre si, inclusive partilhando preocupações, saudades e lembranças, mas há uma ausência física. No Brasil, Sara nota que seu pai anda
cabisbaixo e ela mesma se vê cansada e sem vontade de sair da cama. Nessas situações, pode ser que haja uma presença física, mas com ausência
psicológica devido às preocupações, saudades e estresse de aculturação.

É importante notar, mais uma vez, que a migração não só traz aspectos relacionados a perdas. Um foco apenas nas perdas leva a uma
simplificação da experiência, que pode levar as pessoas migrantes, especialmente aquelas que passaram por migração forçada, a perceberem
apenas suas impotências e não visualizarem suas fortalezas, identificando-se como “vítimas”.

Nas intervenções, é importante identificar as diferentes respostas à adversidade, não se limitando àquelas negativas, e compreender que essas
respostas podem não ser resultado direto ou indireto da exposição à adversidade, mas existiam antes do deslocamento.

Identificar também as facetas positivas que se mantém apesar da adversidade ajuda a ter um olhar mais complexo do estado real das pessoas,
famílias e comunidades com quem trabalhamos. No anexo 2 incluímos um modelo muito utilizado pela OIM, que pode ser encontrado com mais
detalhamento no “Manual sobre Salud Mental y Apoyo Psicosocial de Base Comunitária en Emergencias y Desplazamiento”, Capítulo 1 (em
espanhol).

Integração na comunidade de acolhida


A forma como cada família migrante será recebida pela comunidade de acolhimento terá impactos significativos. Não só a ausência de recepção
adequada, mas também uma recepção ambivalente, o preconceito e a discriminação, impactam na falta de oportunidades econômicas e sociais
adequadas e, consequentemente, alteram a possibilidade de vivenciar de um modo saudável as perdas relacionadas à migração. Sem que haja
conexões e redes de apoio, a família poderá passar por um isolamento que poderá contribuir negativamente ao seu bem-estar (Falicov, 2011).

Portanto, o desenvolvimento de uma rede de apoio é fundamental na saúde mental e bem-estar.

O trabalho de construção e reconstrução de redes, o fortalecimento do suporte familiar, e o trabalho para apoiar mães, pais, filhas e filhos, e toda
a rede familiar no processo de integração é parte central do trabalho em SMAPS.

(Re)construção de redes
Na família, uma das perdas mais importantes é a rede social pessoal e familiar, criando uma certa “ausência de raízes” no novo local. Tais redes
precisam ser reconstruídas na comunidade de acolhimento.

O que pode ser considerada uma rede social pessoal?

Para a psicologia familiar sistêmica, a rede social tem a ver com todas as relações consideradas importantes para uma pessoa, criando seu nicho

particular de vínculos e contribuindo para a identidade e bem-estar das pessoas (Sluzki, 1997).

Se, nas suas tarefas de trabalho, você busca entender mais as redes sociais de uma família que você está acompanhando, algumas técnicas
da terapia familiar sistêmica podem contribuir. Por exemplo, muitas vezes, uma pessoa que trabalha como terapeuta de famílias cria,
juntamente à família atendida, um mapa da rede social pessoal, a partir do desenho de quatro quadrantes que correspondem à família,
amizades, relações profissionais/escolares e relações comunitárias. Muitas vezes, o desenho vai ajudar a essa família na visualização das
redes existentes e localizar os espaços onde poderá ampliar sua rede de apoio, o que pode contribuir muito para o seu bem-estar.

É importante salientar que famílias migrantes em trânsito podem não estar no processo de integração no Brasil, mas, ainda assim, podem
encarar dificuldades nos papeis familiares, na fragmentação ou ausência de redes de apoio familiares ou comunitárias em seu trânsito. Todos

esses fatores podem afetar negativamente a saúde mental e o bem-estar dessas famílias.

De modo similar, é preciso ter um olhar cuidadoso para as famílias migrantes que estão retornando ao seu local de origem, ajudando-as na
criação, reativação, ou fortalecimento das redes de apoio, bem como nas mudanças e impactos da migração de retorno nos papeis familiares.

Ter relações positivas com outras pessoas impacta o bem-estar humano. As redes sociais têm uma série de funções (Sluzki, 1997), por exemplo:
convívio social, troca de informações, facilitação de resoluções de problemas e mediação de conflitos, e oferecimento de ajudas (materiais e
emocionais).

Muitos dos problemas enfrentados por famílias migrantes podem derivar da ausência de redes sociais. Quem trabalha com migrantes repara o
quão essenciais são tais redes e os impactos significativos que a falta delas pode causar, especialmente em famílias monoparentais que migram
com crianças pequenas. É a partir das redes de apoio que as pessoas e famílias migrantes obterão informações sobre rotas migratórias, vida local,
acesso a serviços quando chegam ao local de destino, referência para a inserção laboral etc.

É por isso que a base do IASC (2007), como vimos em aulas anteriores, e o modelo da OIM em SMAPS foca-se num trabalho de base comunitária.
Não podemos minimizá-las e devemos encorajar as pessoas e famílias migrantes a valorizarem tais redes, criarem redes de apoio significativas,
tanto com outras pessoas migrantes, quanto com a comunidade de acolhimento.
De forma a não causar dano, com uma curiosidade genuína e em um ambiente de acolhimento, é importante escutar as famílias migrantes e
encorajá-las a falar de seu passado no país de origem, evidenciando os recursos que essa família tem e possibilitando um novo sentido ao
momento atual.

Muitas vezes, por estarem muito envolvidas nos desafios cotidianos, as famílias não conversam sobre o processo de migração e falar sobre isso
em um ambiente seguro pode ser muito valioso, inclusive porque permitirá que as pessoas que compõe a família escutem-se mutuamente e
criem uma nova narrativa sobre seus próprios processos.

Criar redes de apoio no local de acolhimento e manter as redes importantes no país de origem são muito importantes para a superação dos

desafios da migração e para o bem-estar das famílias.

Aquisição de uma nova língua

Vamos conhecer uma outra personagem e a história de sua família:

E ST UDO DE C A SO

A história de Laura Ramírez:

Laura Ramírez é uma mulher venezuelana, tem 29 anos e migrou para o Brasil há 6 anos com seu filho Miguel (10 anos) e grávida de
Angelica, que agora tem 5 anos. Ela diz que migrar grávida e com Miguel que, na época, tinha 4 anos, foi um dos processos mais difíceis
que já passou.

Ela cruzou a fronteira entre Santa Elena de Uarén, na Venezuela, e Pacaraima, no Brasil, a pé, acompanhada de uma vizinha da família,
Yennifer. Yennifer foi um apoio muito importante no primeiro ano que Laura e sua família estiveram no Brasil, em Boa Vista, mas, um
tempo depois, Yennifer mudou-se para Porto Alegre a partir do programa de reunião familiar. Laura ficou em Boa Vista, e teve que criar
outras redes de apoio, principalmente na igreja que começou a frequentar.

Laura trabalha atualmente como artesã e também vende bolos e arepas venezuelanas por encomenda. Desde que chegou, e com o apoio
de diversas organizações, Laura conseguiu fazer o pré-natal e matricular Miguel na escola.

Apesar de estar bem feliz no Brasil, Laura passa por desafios que nunca imaginou enfrentar e tem uma preocupação em relação à
adaptação de seus filhos no novo país. Desde o início do ano, Laura é constantemente chamada pela escola de seu filho, que relata que
Miguel tem problemas de aprendizagem. Mensalmente, as professoras de Miguel comentam que “ele não quer aprender português”. Mês
passado, Laura foi novamente chamada pela escola e uma professora disse a ela que “se não quiser ver seu filho reprovado, não deve falar
em espanhol com ele em casa e só usar o português. Só assim ele vai aprender.”

Durante a reunião, Laura concordou, com muita vergonha. Porém, a verdade é que ela acha que seu filho fala e lê em português muito
melhor que ela, inclusive ele sempre a ajuda na comunicação em português. Ela chegou a tentar falar só em português com o filho, mas,
logo depois, já estava falando em espanhol com ele, escutando as músicas que sempre escutou e que a lembram de seu país. Ainda, falam
com frequência com a mãe de Laura, que ficou na Venezuela, sempre em espanhol e a maioria das amizades próximas de Laura e,
consequentemente, de Miguel, são pessoas venezuelanas.

Laura não sabe como resolver a situação e se sente muito culpada. Ainda, pensa que Angelica terá o mesmo problema quando chegar na
idade de Miguel.

A professora recomendou que Laura levasse Miguel a uma psicóloga, porque acha que ele tem algum déficit de aprendizagem e que
deveria receber um diagnóstico e ser medicado.

Laura não acredita que seu filho tenha algum déficit de aprendizagem, mas não sabe bem onde buscar ajuda e se sente muito mal com
isso. Sente-se uma péssima mãe e, por vezes, questiona a escolha de ter ido ao Brasil, acreditando que, por isso, Miguel não vai se
desenvolver como o esperado para uma criança.
E, se antes ela não dedicava tanto tempo revisando as atividades escolares de Miguel, agora ela passa bastante tempo com ele nos
exercícios de português, mesmo que muitas das vezes isso a deixe bastante estressada. Esse tem sido um momento de passar mais tempo
dedicando atenção mais exclusiva ao filho.

Ao longo de nossas aulas, vemos o quanto as questões linguísticas impactam o acesso a direitos. Sabemos que muitas pessoas migrantes falam
mais de uma língua. Apesar disso, muito frequentemente não falam a língua do país de acolhimento e encontram barreiras linguísticas e
culturais para compreender nuances das mensagens que recebem, inclusive sobre o acesso a serviços de saúde. Esse é um ponto
importantíssimo ao pensar em programas em SMAPS.

Ainda, no âmbito familiar, o domínio ou não da língua de acolhimento pode impactar as relações familiares.

Pode ser que, em alguns casos, pessoas migrantes não desenvolvam a fluência da língua local, como quando estão em trânsito pelo país. Em
outras situações, já integradas à comunidade local, na migração de retorno, nas famílias binacionais ou várias outras configurações, o tema do
bilinguismo seja também interessante de ser considerado ao trabalhar em SMAPS.

Essa seção visa pensarmos um pouco mais sobre aquisição de uma língua, identidade e sua relação com saúde mental e bem-estar nas famílias.

Na história de Laura, podemos perceber o quanto ela se preocupa com o desempenho escolar de seu filho Miguel, especialmente em relação à
alfabetização na língua portuguesa.

Apesar do fato de o tema de aquisição bilíngue ser bastante estudado, ainda existem muitos mitos relacionados a esse processo.

O que é uma pessoa bilíngue?


Uma pessoa bilíngue tem proficiência, de diversos níveis, em mais de um idioma e os utiliza em sua vida diária.

O capítulo 8 do guia da OIM em SMAPS menciona diferentes critérios para classificar o tipo de bilinguismo:

Idade de aquisição

Precoce: aquisição da segunda língua na infância.

Tardio: aquisição da segunda língua na idade adulta.

Proficiência alcançada

Bilinguismo dominante: proficiência de uma das línguas é muito maior que as demais.

Bilinguismo balanceado: proficiência similar nas línguas.


Valorização e Manutenção da Língua materna

Bilinguismo aditivo: a segunda língua é adquirida e a primeira língua é valorizada e mantida.

Bilinguismo subtrativo: a segunda língua é adquirida e perde-se a proficiência na primeira língua.

As duas línguas podem ser adquiridas de forma simultânea ou consecutiva.

Ao pensar na família de Laura, podemos entender que Miguel tem um bilinguismo precoce. Pela história, podemos inferir que há um bilinguismo
aditivo, já que ele aprendeu o português e segue utilizando o espanhol diariamente. Porém, ainda não podemos afirmar sobre a proficiência do

menino. Segundo a professora, a proficiência de Miguel é maior em espanhol do que em português. Contudo, a mãe de Miguel tem dúvidas sobre
isso e podemos inferir que ela considera que seu filho possui uma proficiência balanceada entre esses dois idiomas.

Além disso, a aquisição simultânea da língua depende do espaço que essa língua tem na vida da criança, tanto em termos de quem fala a língua
com a criança e sobre quais assuntos se fala nesse idioma. Miguel, por exemplo, fala espanhol em casa, com sua família e amizades importantes,
por outro lado a língua portuguesa é falada na escola. Tudo isso impactará tanto no domínio de Miguel nesses idiomas quanto na relação que ele
tem com essas línguas.

Já no caso da aquisição consecutiva, a idade em que se aprendeu o novo idioma vai trazer impactos. Se entende que, embora quanto mais jovem
seja a criança, maior será a possibilidade de que se adquira uma nova língua com padrões de língua materna, especialmente pronúncia e sintaxe,

uma pessoa adolescente ou adulta também pode adquirir uma proficiência excelente em um novo idioma e a frequência e contextos em que a
língua é falada, bem como questões afetivas e valorativas vão influenciar esse processo.

Alguns mitos relacionados ao bilinguismo apresentados no Guia da OIM em SMAPS (Capítulo 8):

“Crianças bilíngues não sabem diferenciar as línguas que sabe.”

“O bilinguismo cria uma confusão entre línguas”

“Se uma pessoa for exposta a duas línguas, não terá um bom aprendizado delas.”
“O bilinguismo traz prejuízos cognitivos e identitários.”

Segundo o linguista Juergen Meisel (2007), a aquisição simultânea é similar de uma primeira língua, o desenvolvimento e capacidade gramatical
são idênticos se comparamos bilíngues e monolíngues e, desde o início, as línguas são diferenciadas.

Assim, falar muitas línguas é sim viável para o ser humano, e essa capacidade vai depender das características de cada indivíduo, em seu contexto
e momento de vida.

Muitas vezes, uma pessoa bilíngue, inclusive crianças, usa em uma mesma enunciação duas línguas, o chamado “code-switching”. Pode ser que
uma criança, como Miguel, utilize uma construção que mescle os dois idiomas que sabe na mesma frase e a professora compreenda que ele não
sabe diferenciar ambos os idiomas.

Isso pode não ser verdade. Como salienta o guia em SMPAS da OIM, as pesquisas mostram que as crianças conseguem identificar a língua da
pessoa interlocutora, conseguem respeitar e se orientar pela gramática de uma das línguas e a troca de idioma na sentença, o code-switching, é
uma habilidade criativa no uso da língua, que enriquece a comunicação.

Mesmo que essa questão da criatividade seja apresentada em pesquisas, ainda há muitos mitos relacionados ao bilinguismo, que podem afetar
muito a forma como os indivíduos serão olhados, especialmente as crianças em seus processos de avaliação nas escolas. Como na história do
Miguel, em que parece que a professora tem pouco conhecimento sobre bilinguismo.

Importante notar que muitos dos mitos apresentados foram já sustentados por pesquisas científicas que apontavam o bilinguismo como
causador de efeitos negativos. Porém, essas tinham sérias falhas éticas e metodológicas, por exemplo, em estudos feitos em inglês comparando
desempenho de crianças que tinham inglês como língua materna com migrantes recém-chegadas e que, muitas vezes, se encontravam em

situação de vulnerabilidade socioeconômica.

Pesquisas com crianças bilíngues que não possuem esses vieses metodológicos mostram que o bilinguismo pode trazer, sim, benefícios
cognitivos e uma visão de si muito positiva.

Tais vantagens não acontecem quando há subtração da primeira língua em detrimento da segunda, por exemplo, em situações em que há uma
desvalorização da língua e culturas de origem, podendo levar também ao desenvolvimento de uma visão de si mais negativa, com perda de
identidade cultural e impactos negativos nos ambientes educacionais e de trabalho.

A partir do que temos visto, o bilinguismo traz impactos na saúde mental das pessoas.

Bilinguismo e Saúde Mental


O Guia da OIM em SMAPS, no Capítulo 8, traz um estudo (Berry et al., 1996) sobre aculturação e adaptação de pessoas jovens em situação de
migração que mostrou um padrão claro que a inserção em mais de uma cultura, valorizando ambas, promove bem-estar pessoal e boa saúde
mental além de boa competência social individual para manejar a vida cotidiana em contexto intercultural.

Por outro lado, o não envolvimento com nenhuma das culturas ou ter confusão sobre a própria situação enfraquece tanto as questões de bem-

estar quanto de adaptação no contexto social intercultural. Outro ponto trazido pelo estudo em questão refere-se à influência negativa da
discriminação na adaptação do grupo estudado (Berry et al., 1996).
Outro estudo (Hamers & Blanc, 2003) apontado nesse mesmo capítulo mostra que se não houver valorização de uma herança cultural dupla, o
risco é de que as crianças se identificarão com apenas uma das culturas ou com nenhuma delas.

Por outro lado, a valorização de ambas as culturas poderá apoiar na integração dos elementos culturais na identidade das crianças, apoiando a
lidar com conflitos, contradições e tensões sem que seja necessário negar uma das culturas.

A partir do que vimos, podemos compreender os conflitos e relação à história de Laura e seu filho Miguel. Parece que há uma série de
informações que poderiam ser mais bem pensadas para entender o desempenho de Miguel na escola. Por exemplo, o impacto do processo de
migração na relação familiar, incluindo o papel do menino em ser “intérprete” em algumas comunicações de sua mãe, as relações familiares em
casa, a relação dele com o idioma português, como tem sido a integração de Miguel na escola, com colegas e professoras, inclusive quais os mitos
em relação ao bilinguismo que a professora de Miguel reproduz.

Outro ponto que merece destaque é como pode ser prejudicial sugerir à Laura que não fale em seu próprio idioma com o filho em casa.

Assim, desfazer os mitos em relação ao bilinguismo e compreender de uma forma acolhedora e sensível como a migração pode impactar as

relações familiares, reduzir estereótipos, preconceitos e evitar práticas discriminatórias, que podem ser prejudiciais para o desenvolvimento de
pessoas migrantes, sobretudo crianças.

DI R E T O A O PO N T O

O processo de migração impacta, de modos positivos e negativos, as interações familiares durante todos os estágios da migração,
inclusive nas gerações seguintes. É importante que profissionais que trabalham com famílias migrantes compreendam essas
mudanças, levando em consideração como se deu o processo de migração da família, a fase de desenvolvimento de cada pessoa, as
memórias, vivências e narrativas individuais e familiares.

O processo de migração é, também, um processo de perdas e uma das mais significativas é a perda de redes sociais, que é muito
importante para a integração no novo território. Nas migrações voluntárias, essa perda pode ser ambígua, com as coisas, pessoas e
relações que foram “deixadas para trás” na migração, ainda presentes. Ao mesmo tempo, é importante notar que no processo de
migração, pessoas e famílias migrantes desenvolvem novas estratégias de enfrentamento à adversidade e aplicam estratégias que já
possuíam. No trabalho em SMAPS se deve dar espaço também para o reconhecimento das respostas positivas.

Dentre outros fatores de mudança na família que passa por um processo de migração, estão os conflitos geracionais que podem
influenciar e serem influenciados pela aquisição de um novo idioma. Conflitos geracionais podem afetar as famílias no que tange o
papel de cada indivíduo. Por exemplo, crianças que tomam o papel de intérpretes de suas famílias e têm acesso a conteúdo
inapropriado para a idade, e familiares de mais idade que podem sentir que não têm mais o papel de orientação e referência para as
gerações mais novas.

Há muitos mitos em relação ao bilinguismo, mas é importante notar que crianças bilíngues conseguem, desde muito cedo,
diferenciar as línguas que aprendeu, o bilinguismo não cria confusão entre línguas e o ser humano tem capacidade de aprender mais
de um idioma a nível excelente. O aprendizado de uma nova língua é um dos ganhos da migração! Se ambas as culturas e línguas
aprendidas são valorizadas, isso será um fator de maior bem-estar. Por outro lado, se uma das culturas é valorizada em detrimento
da outra, e em situações de discriminação com uma ou ambas as culturas, esses fatores influenciarão de modo negativo as noções de
identidade, autoconceito, bem-estar e saúde mental das pessoas migrantes.

O que fazer:

Ter uma atitude de curiosidade genuína e criar um ambiente acolhedor de escuta das famílias migrantes, encorajando-as a
falar de seus passados no país de origem, evidenciando os recursos que a família possui e dando espaço também para que os
conflitos apareçam. É importante também que quem trabalha com pessoas migrantes tenha atenção sobre o estágio de
desenvolvimento de cada pessoa e as mudanças na família.

Mapear os recursos e redes que a família tem e encorajá-la a criar novas redes aqui no Brasil, sempre de modo respeitoso em
relação à sua cultura de origem.

Desfazer, sempre que necessário, os mitos relacionados à aquisição de um novo idioma e ao bilinguismo e, nesse processo,
valorizar ambas as culturas e compreender os processos relacionados à aquisição de um novo idioma e seus impactos na
família.

O que evitar:

Considerar que todas as famílias são iguais. Lembre-se: família é algo muito mais amplo do
que uma visão tradicional de “pai, mãe e filhos”. As famílias são diversas, tanto entre
diferentes culturas quanto dentro da mesma cultura. É importante atentar-se à diversidade
sexual e de gênero, de religiões e crenças e relações étnico-raciais.

Valorizar mais uma cultura em detrimento de outra, reforçando estereótipos, preconceito e discriminação, inclusive
relacionados à aquisição de uma nova língua.

Apenas focar nas perdas e adversidades relacionadas à migração, esquecendo-se das estratégias positivas de enfrentamento
que podem ter os indivíduos, famílias e comunidades.

Referências

Publicações da OIM:

OIM (2021a). Assistência em Saúde Mental e Atenção Psicossocial à População Migrante e Refugiada no Brasil - A Rede de Apoio da Sociedade Civil. Brasília: OIM

OIM (2021b). Manual sobre salud mental y apoyo psicosocial con base comunitaria en emergencias y desplazamiento. Genebra: OIM.

OIM (2022). Guia em Saúde Mental e Atenção Psicossocial para População Migrante e refugiada no Brasil. S. Dantas, C. L. de Santana, & M. Zaia (orgs). Brasília:
OIM.

IOM. (s.d.). What Makes Migrants Vulnerable to Gender-Based Violence? Fonte: IOM. Regional Office for Central America and the Caribbean:
https://rosanjose.iom.int/en/blogs/what-makes-migrants-vulnerable-gender-based-violence

Outras Fontes:

Berry, J., Poortinga, Y., Segal, M., & Dasen, P. (1996). Cross-cultural Psychology: Research and Applications. Cambridge University Press.

Boss, P. (1999). Ambiguous loss: Learning to live with unresolved grief. Harvard University Press.

Falicov, C. J. (2011). Immigrant family processes: a multidimensional framework. Em F. Walsh, Normal family process: Growing diversity and complexity (pp.
297-323). Guildford.

Gimeno, A. (2003). A família: O desafio da diversidade. Instituto Piaget.


Hall, S. (2003). A identidade cultural na pós-modernidade. DP&A.

Hamers, J. F., & Blanc, M. H. (2003). Bilinguality and bilingualism. Cambridge University Press.

Houaiss, A., & Villa, M. d. (2009). Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, elaborado pelo Instituto Antônio Houaiss de Lexicografia e Banco de Dados da Língua
Portuguesa S/C Ltda. 1ª Ed. Rio de Janeiro: Objetiva.

Inter-Agency Standing Committee (IASC, Comitê Permanente Interagências). (2007). Diretrizes do IASC sobre saúde mental e apoio psicossocial em emergências
humanitárias. Tradução de Márcio Gagliato. Genebra: IASC.
Meisel, J. M. (2007). The weaker language in early child bilingualism: acquiring a first language as a second language? Applied Psycholinguistics, 28, pp. 495-
514.

Robillard, C., McLaughlin, J., Cole, D. C., Vasilevska, B., & Gendron, R. (2018). Caught in the Same Webs’—Service Providers’ Insights on Gender-Based and
Structural Violence Among Female Temporary Foreign Workers in Canada. Journal of International Migration and Integration, 19(3), pp. 583-606.

Sampaio, D. (1984). Terapia familiar sistémica: um novo conceito, uma nova prática. Acta Médica Portuguesa, 5, pp. 57-70.

Sluzki, C. (1997). Migration and Family Conflict. Family process, 18(4), pp. 379-390.

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Unidade 2 - Espiritualidade, Religiões e Saúde Mental e Atenção Psicossocial da


População Migrante

Olá! É muito bom ter você em nosso curso Saúde Mental, Atenção Psicossocial e Interculturalidade nas Migrações.

Essa é a segunda unidade do Módulo 2 e, se você ainda não conferiu as aulas anteriores, sugerimos que comece por elas.

Na aula de hoje, vamos falar sobre aspectos das religiões e crenças religiosas a serem considerados no trabalho com as populações migrantes.

Ao final dessa aula, nós teremos:

1. Diferenciado religião e religiosidade e discutido possíveis relações em SMAPS;

2. Apresentado considerações sobre migrações, religião e religiosidade;

3. Debatido sobre liberdade religiosa no Brasil, xenofobia e racismo relacionados à religião.

O conteúdo dessa aula foi adaptado de publicações anteriores da IOM, principalmente:

Guia em Saúde Mental e Atenção Psicossocial para a População Migrante e Refugiada no Brasil

Guia SMAPS OIM Brasil

Cap. 5: Religião, Religiosidade e Atenção Psicossocial na Migração.


Autoria: Márcia Zaia

Boa Aula!
Introdução

A partir do que temos estudado durante esse curso sobre Saúde Mental e Atenção Psicossocial no contexto das migrações, entendemos que as
ações em SMAPS precisam levar em conta fatores culturais.

Isso implica que profissionais que prestam serviços às pessoas migrantes devem ter um olhar cuidadoso aos sistemas de crença, religiões e
religiosidade das populações com as quais trabalha, evitando um olhar etnocêntrico. Ou seja, deve-se adotar uma postura intercultural, conforme
vimos em aulas anteriores.

Afinal, ações efetivas em SMAPS precisam ser coerentes com os sistemas culturais, das tradições e crenças.

Ainda, como vimos na aula anterior, ao migrar, uma série de redes sociais pessoais e familiares precisam ser refeitas ou mesmo criadas no novo
local.

Muitas vezes, as redes com a comunidade religiosa - que partilha mesmas crenças, valores e visões de mundo - são muito importantes, tanto
nos locais de origem e de acolhimento, em especial para pessoas migrantes que tenham os aspectos religiosos como parte importante das suas
identidades.

Definições
A primeira coisa que precisamos ter clareza refere-se ao fato que religião, religiosidade e espiritualidade não são a mesma coisa.

R E L I GI Ã O R E L I GI O SI DA DE E SPI R I T UA L I DA DE

Refere-se a um sistema que organiza as crenças, valores, mitos e rituais. Tem uma dimensão institucional, que oferece uma visão de
mundo à sociedade. Muitas vezes, se mantém ao longo da história e se organiza socialmente em uma hierarquia a qual algumas pessoas
aderem.

Para o antropólogo Geertz (1989), as religiões ordenam a vida cotidiana, regulando comportamentos e oferecendo modelos explicativos
e regras de convivência.

Importante notar que as religiões são muito diversas, com diferentes credos, rituais, práticas e cosmovisões.

R E L I GI Ã O R E L I GI O SI DA DE E SPI R I T UA L I DA DE

Aqui temos uma dimensão pessoal, que é subjetiva e única para cada pessoa em seu modo de vivenciar o fenômeno religioso (Valle, 1998).

A religiosidade é uma das múltiplas maneiras da espiritualidade se expressa.

Quando falamos de religiosidade, falamos de uma disposição em aceitar explicações religiosas no cotidiano, partindo da ideia de que o
que é divino participa e intervém na vida terrena, em comparação com explicações não religiosas dos fenômenos.
R E L I GI Ã O R E L I GI O SI DA DE E SPI R I T UA L I DA DE

O termo espiritualidade traz a “flexibilização das normas que as religiões impõem, relações com diversos credos, aproximações com
práticas orientais e indígenas, sem necessariamente absorver seu cânon ou sua tradição, permitindo um contato mais direto com a
transcendência (se houver)” (IOM, 2022, p. 74).

A espiritualidade tem mais a ver com um modelo de referência voltado à busca de sentido, não necessariamente relacionado à
transcendência e, portanto, pode-se vivenciar uma espiritualidade não religiosa (Amatuzzi, 2005).

Identidade, Espiritualidade, Religião e Religiosidade

Muitas vezes, ao falar de saúde de mental e migração, voltamos ao tema da identidade, como temos visto ao longo das aulas.

Com o tema religioso, pensar na identidade como pauta importante é quase imediato. Afinal, como falamos antes, as explicações religiosas
também moldam as percepções dos sujeitos a respeito do mundo, de quem se é, do sentido da vida etc.

Na maioria das vezes, as vivências de religiosidade são influenciadas pelo contexto familiar e se modifica a partir das socializações secundárias,
como escola, inclusive através de uma educação religiosa, comunidades, mídias em geral etc.

Assim, a religiosidade é relacional, desde os aprendizados como criança até a uma modificação da relação com a religiosidade de uma maneira
refletida e madura com o passar dos anos. Portanto, é fundamental pensar nas comunidades ao entender a religiosidade, o que é bem especial
para as populações migrantes, que precisam refazer suas redes de apoio no local de destino.

A partir dos nossos estudos no curso, podemos entender que as religiões são muito importantes para a dimensão identitária, já que auxiliam as
pessoas a responderem à pergunta “quem sou eu?” (Geertz, 1989).

Em aulas anteriores, vimos que a identidade tem a ver com o que nos identificamos, com os afetos experienciados a partir dessas identificações.

Assim, junto com outros fatores sociais e culturais, as crenças e as religiões, fazem parte daquilo que chamamos de identidade.

Como vimos na Aula 1, a partir dos mitos, crenças, símbolos etc., as culturas se manifestam. Desse modo, mitos, símbolos e rituais ligados às

religiões são uma das expressões da cultura, dão sentido ao mundo e despertam a imaginação das pessoas sobre a existência, o que é divino, qual
o propósito da vida e qual é o destino dos seres humanos.

A cultura e aspectos psicossociais influenciam as vivências de religiosidade (Grom, 1994), assim como a religiosidade se configura pelas
relações da pessoa que crê, ainda que a vivência da fé seja muito pessoal.

É importante lembrar que diferentes culturas poderão ter diferentes visões sobre o divino, como “um Deus Criador” ou múltiplas divindades
ligadas à natureza, sobre o modo como se cria harmonia com o que é divino (orações, jejum, rituais, preceitos, regras, abstenções de
comportamentos, homenagens etc.).
Todos esses aspectos da religião na cultura vão moldar os comportamentos, as formas de lidar com conflitos, as formações das relações sociais,
as percepções de satisfação etc. Essas percepções vão influenciar os ambientes que as pessoas convivem desde crianças, inclusive em quem não
professa uma religião, e são muito importantes no trabalho intercultural.

É válido considerar também que a compreensão da religião na perspectiva de uma pessoa não-crente também vai dar sentido ao seu mundo e à
forma como conflitos são geridos. Não se trata de uma forma de compreensão negativa ou positiva, mas que pode se basear na ciência ou em
outros fatores importantes para a pessoa.

Migrações e Religião

Assim como outras situações de transição, como casamento, nascimento e morte, a migração também pode ter significado religioso para muitas
pessoas. E, no trabalho em SMAPS, pode ser que você se depare com esses significados. É preciso compreender como cada pessoa vai narrar seu
processo de migração.

Como vimos em aulas anteriores, a concepção de saúde/doença pode variar de cultura a cultura, o que pode ser influenciado também pelo
sistema de crenças ligadas à religião e religiosidade.

As migrações poderão impactar na religiosidade da pessoa migrante, inclusive sendo uma estratégia de defesa cultural ou até mesmo atenuando
pressões religiosas, por exemplo quando algumas migrantes muçulmanas relatam que iniciaram a utilizar o véu no Brasil, de modo a afirmar
suas identidades e valores culturais (Zaia, 2006).

Nas práticas de trabalho em SMAPS, é muito importante lembrarmo-nos do papel dos rituais no bem-estar das populações migrantes.

Em SMAPS, os rituais não são apenas religiosos. Pode haver outros tipos de rituais (como o casamento civil,
não religioso) que também são ritos de passagem que têm impacto na identidade de uma pessoa.

Os rituais religiosos podem ser fonte de vínculo com o local de origem ao mesmo tempo que trazem conexão com o novo local, já que podem
oferecer um espaço seguro e reconfortante para expressão de emoções, memórias e afetos significativos, incluindo experiências dolorosas.

Ainda, sabemos que o desenvolvimento de redes sociais de apoio no território para o qual se migra é um fator importante de bem-estar. Tais
redes, muitas vezes, são redes formadas a partir do pertencimento a uma mesma religião ou do compartilhamento de uma mesma visão a
respeito da religiosidade.

A religião pode facilitar esse processo por meio de contatos sociais, rituais e festas religiosas, podendo gerar apoio socioeconômico através de
ajuda financeira e oportunidades de trabalho.

Pode ser, também, que as crenças ou a religião que a pessoa migrante professe não seja tão conhecida no país de destino, seja marginalizada, ou
simplesmente tenha uma ritualística diferente se comparada ao local de origem, dificultando a integração da pessoa no âmbito religioso.

É preciso também considerar que, muitas vezes, as pessoas podem não seguir nenhuma das religiões dominantes do local de onde provêm. Elas
podem ser pessoas ateias, agnósticas ou simplesmente não se interessarem pelo tema. Pode acontecer que uma pessoa migrante tenha este tipo
de perfil e chegue a um ambiente altamente religioso, inclusive um ambiente com predominância de uma religião diferente da dominante no seu
país de origem. Portanto, este elemento de diferença também deve ser registado como parte das suas identidades. Todos esses aspectos também
devem ser respeitados e considerados no âmbito do trabalho em SMAPS.

Importante levar em conta que nem sempre a comunidade de acolhida é receptiva em relação às práticas religiosas. Isso pode impactar grupos
migrantes vinculados a essa religião a se manterem em grupos fechados e distantes.

Saiba Mais +
A unidade sobre interculturalidade (Unidade 3) aprofunda mais nesses processos relacionados à integração.

IR PARA UNIDADE

Em um sentido positivo, a religião tem algumas funções no processo migratório, de acordo com o capítulo 5 do Guia da OIM em Saúde Mental e
Atenção Psicossocial:

Confirmação social e satisfação das necessidades emocionais e cognitivas;

Ser rede de apoio financeiro e material;

Ser rede de apoio comunitário, proporcionando interação social e pertencimento;

Ser fonte de vínculo com o local de origem.

Desse modo, em um momento de tantas perdas, como vimos na aula anterior, a participação da pessoa migrante em espaços religiosos, que
compartilham as mesmas crenças, pode fazer com que a pessoa migrante se sinta parte de um grupo, que pode oferecer suporte emocional e
apoio econômico.

Aspectos práticos na consideração das religiões na saúde mental e apoio psicossocial de


migrantes

Pode ser que você tenha uma religião. Pode ser que não. Pode ser que você trabalhe em uma instituição que preste serviços em SMAPS para
pessoas migrantes e que tenha um caráter religioso. Pode ser que você tenha a mesma religião da instituição, pode ser que não. Ainda, pode ser
que tanto a instituição em que você trabalha, a sua própria religião e as experiências de religiosidade das pessoas migrantes para quem você
presta assistência sejam diversas.

Ao mesmo tempo que devemos considerar a importância da religiosidade na promoção de saúde e bem-estar e encorajar a participação em
rituais e cerimônias que conectem as pessoas migrantes às próprias tradições, é importante respeitar as diversidades de crenças.

Ainda, é importante nos atentarmos ao fato que mesmo rituais semelhantes podem ter relevância diferente em diferentes culturas, já que
dependem do contexto cultural e, assim, expressões religiosas de um mesmo cânone podem ser diferentes.

É importante que as equipes de SMAPS tenham pessoas cuja função seja aprender as crenças religiosas e espirituais, as narrativas, os ícones
sagrados, as representações, rituais e festividades do grupo que estejam trabalhando.
Imagine propor uma festa de integração comunitária com muita comida e bebida ao meio-dia para uma população muçulmana no dia que se
inicia o Ramadã? Além da atividade ter grandes chances de fracasso em seu propósito, a ação poderá até ter efeitos contrários na integração, já
que um aspecto importantíssimo da religião desse grupo será desconsiderado.

Como vimos, um ambiente religioso acolhedor pode ser uma excelente rede social que vai dar suporte, senso de comunidade e identidade para as
pessoas em situação de migração.

Como viemos trabalhando, desenvolver competências interculturais é fundamental para realizar um atendimento em SMAPS livre de
estereótipos, preconceito e discriminação, inclusive relacionados à saúde mental, religiões e religiosidade.

Afinal, não é incomum ver situações que reproduzem preconceito e discriminação em relação a algumas religiões, como religiões de matriz
africana e o islamismo.

Além desse aspecto, é importante que profissionais, independentemente do tipo ou do nível de especialidade das ações em SMAPS que
desempenhem, não entendam as expressões religiosas como patologias ou comportamentos “primitivos”.

É preciso conectar o tema das religiões com as aulas passadas, tanto em relação aos aspectos interculturais, cultura, identidade, como já falamos,
como também à noção de saúde.

Como vimos, as noções de saúde e doença podem variar muito de cultura a cultura e a espiritualidade e crenças religiosas impactam muito nesse
processo.

Assim, é importante levar em consideração práticas culturais, saberes tradicionais, religiosos e espirituais no trabalho em SMAPS, sem
negligenciá-los em nome de um purismo das ciências médicas e ocidentalizadas.

Muitas culturas fornecem explicações e práticas de cura com base espiritual, divina e/ou religiosa para questões de saúde, inclusive de saúde
mental. A não compreensão deste fato pode resultar na falta de identificação de problemas numa determinada população, bem como na não
abordagem de uma possível barreira no acesso a cuidados de saúde mental.

Segundo o mapeamento da OIM das organizações da sociedade civil que prestam assistência em SMAPS, uma das estratégias de enfrentamento
adotadas pelas pessoas migrantes para lidar com as demandas de estresse psicológico, muitas vezes relacionados ao processo de migração,
ancora-se nas crenças religiosas e também na medicina tradicional, entre outras.

Ao mesmo tempo, deve-se ter o cuidado de não minimizar a importância de um atendimento especializado em saúde mental em casos que
precisam de uma avaliação de especialistas, acreditando que a religião, sozinha, será suficiente.

É importante observarmos sempre como a nossa própria religiosidade afeta nosso olhar perante o mundo e, consequentemente, nosso trabalho
em SMAPS.

Isso vale também se você não tiver religião ou não considerar aspectos religiosos importantes na sua vida pessoal, ok? Porque pode impactar a
maneira como você oferece apoio para uma pessoa migrante que tenha a religiosidade como parte central da vida, principalmente se tiver uma
cultura muito diferente da sua.

Uma postura intercultural é, portanto, fundamental.

Os exercícios e perguntas da Unidade 3, sobre a abordagem intercultural, podem te auxiliar muito no desenvolvimento de uma postura
atenta e acolhedora a como as pessoas migrantes que você atende vivem e narram suas experiências de vida, inclusive relacionadas às
experiências religiosas.

Religião e Serviços em SMAPS para população migrante no Brasil


Estudar as religiões e formas de expressão da religiosidade em diferentes culturas é muito importante num trabalho intercultural, como falamos.
Ainda mais em um país como o Brasil, com bastante diversidade nas religiões e expressões de religiosidade.

Este tema se torna ainda mais importante quando percebemos que muitas das organizações da sociedade civil que prestam assistência a pessoas
migrantes, inclusive em SMAPS, são ligadas a instituições religiosas.

A atuação dessas instituições no Brasil é muito importante, na medida em que preenchem um espaço vazio pelas políticas públicas de saúde,
como apresentamos na aula 2, sobre a rede de saúde mental.

Muitas das instituições de viés religioso não buscam a conversão das pessoas atendidas e oferecem serviços independentemente da fé da pessoa
migrante atendida.

No Brasil, o mapeamento da OIM sobre as organizações da sociedade civil que prestam assistência em SMAPS relevou que quase metade das
instituições que participaram da pesquisa são religiosas ou relacionadas a organizações de fé (26 de 53), de maioria católica, como podemos ver
na imagem abaixo:

Gráfico 1. Organizações respondentes por natureza (%)

Organizações religiosas

ONGs

Universidades

Associações

Comitês

Mista
Fonte: OIM, 2021a.

Ainda, o mapeamento mostrou que as instituições disseram que buscam a compreensão da organização sociocultural e religiosa das pessoas
migrantes atendidas como forma de adaptação cultural e enfrentamento às dificuldades em função de questões culturais.

Assim, compreender as religiões das populações atendidas aproxima as organizações do entendimento das visões de mundo e a de saúde/doença
pelos grupos a fim de prestarem assistência adequada.

Afinal, como falamos, a religião e as crenças espirituais são uma das estratégias principais adotadas por pessoas migrantes para o cuidado em
saúde mental. O gráfico abaixo, do mapeamento da OIM, mostra isso:

Gráfico 2. Outras Estratégias de enfrentamento e cuidado em saúde mental e bem estar utilizadas por pessoas migrantes e refugiadas
Fonte: OIM, 2021a

Relembramos que muitas das demandas em saúde mental relatadas pelas organizações, como sintomas psicossomáticos, ansiosos e
depressivos e as situações como perdas, isolamento e experiências traumáticas podem não estar relacionados com patologias, mas podem ser
dificuldades temporárias de lidar com tensões anormais, muitas vezes relacionadas a questões de integração socioeconômica e o estresse
mental relacionando a esses processos.

Considerações do Comitê Permanente Interagências (IASC)


As diretrizes do IASC (2007) trazem uma lista de ações de resposta mínima em saúde mental e apoio psicossocial em emergências humanitárias
que incluem ações que considerem a religião, religiosidade e crenças das pessoas migrantes.

A lista de ações 5.3 do IASC traz ações específicas no apoio e mobilização da comunidade a fim de “Facilitar as condições para práticas culturais,
espirituais e religiosas de recuperação da comunidade”. Essa lista pode ser muito útil para projetos que visem prestar assistência a pessoas
migrantes e famílias que não precisem necessariamente de cuidados especializados.

Saiba Mais +
Acesse o IASC em português. Na página 106, você encontrará a lista 5.3 para cuidados não especializados. Para saber
mais sobre cuidados tradicionais especializados, a lista é a 6.4, página 135.

LER O IASC

As ações principais de base comunitária listadas no IASC (2007) incluem:

Contato com lideranças religiosas e espirituais sobre práticas que podem apoiar as comunidades quando passam por
momentos difíceis;

Ter sensibilidade ética com práticas culturais, espirituais e religiosas que ferem os direitos humanos;

Aprender sobre os mecanismos locais de enfrentamento e apoios culturais, religiosos e espirituais;

Compartilhar com colegas e outras instituições sobre questões e práticas culturais e religiosas, evitando danos à comunidade,
por exemplo, por desrespeito a rituais religiosos importantes.

Aspectos importantes sobre direitos humanos, religiões e migrações


É imprescindível que se lembre que a liberdade de culto é um direito humano. É preciso que as pessoas migrantes saibam disso. Inclusive,
assegurado na Constituição (Brasil, 1988):

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros
residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos
seguintes: (...)

VI - é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na
forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias;
VII - é assegurada, nos termos da lei, a prestação de assistência religiosa nas entidades civis e militares de internação coletiva;

VIII - ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar
para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei;

Reforce esse aspecto com as pessoas que você atende, especialmente se elas praticarem uma religião que costuma ser estereotipada e alvo de
comentários preconceituosos.

Outro ponto importante para a atuação prática é reconhecer que, em nosso país, ainda vemos notícias de situações de violência cometidas contra
algumas religiões.

Essa violência pode estar relacionada com xenofobia, como a violência motivada por aversão ao Islamismo, chamada também de islamofobia, e
com o racismo religioso, como violência motivada por aversão a religiões de matriz africana, como o Candomblé, no Brasil.

Migrantes podem experienciar pela primeira vez violência de viés religioso no Brasil.

Saiba Mais +

Luta contra intolerância religiosa também é trabalho da Defensoria.

Relatório de Islamofobia no Brasil

Liberdade religiosa ainda não é realidade': os duros relatos de ataques por intolerância no Brasil

Racismo religioso cresce no país, prejudica negros e corrói democracia

Mulheres são maioria das vítimas de islamofobia no Brasil

A intolerância religiosa na visão de mulçumanos que vivem na periferia de São Paulo

Islamofobia: ‘o que oprime mulçumanas no Brasil não é o lenço’, diz pesquisadora da USP

Intolerância Religiosa: mulçumanos e judeus são alvo de preconceito

Ainda, pode ser, que alguma das pessoas migrante para quem você preste assistência tenha migrado para fugir de perseguições por motivos
religiosos (como mencionamos na unidade 1, perseguição por motivos religiosos é incluída na determinação do status de refúgio).

Também é relevante notar que alguns migrantes podem vir de contextos em que as religiões são uma fonte de poder, opressão e até violência. Por
isso, é preciso notar que a religião também pode ser uma referência de poder e de controle social, e que a utilização de práticas religiosas como
recurso para o SMAPS deve ser feita tendo em conta uma boa compreensão da forma como uma determinada prática religiosa se relaciona com a
população migrante para qual as intervenções serão desenhadas.

Outra situação que merece atenção se refere a pessoas migrantes que migram para fugir de dinâmicas de poder em relação a algumas religiões
em determinados contextos. Por exemplo, migrantes da comunidade LGBTQIA+ de países de origem altamente conservadores que podem não se

sentir à vontade para revelar as suas necessidades reais de saúde mental se os serviços estiverem a ser oferecidos por uma organização ou ponto
de vista religioso.

Para finalizar, gostaríamos de reconhecer que pode ser um grande desafio levar em consideração visões de mundo diferente das nossas,
especialmente no trabalho. Atender uma pessoa migrante que tenha uma visão de mundo diferente da nossa, especialmente quando essa visão
envolve uma interseção entre espiritualidade e política que gera práticas nocivas a grupos marginalizados é um desafio complexo.
Nesse ponto, é muito importante o respeito pela diversidade, pelas crenças e pela espiritualidade. Ao mesmo tempo, é válido ter uma postura
crítica para não reforçar práticas que violem as normas de direitos humanos (IASC, 2007).

DI R E T O A O PO N T O

Espiritualidade, religião e religiosidade podem são múltiplas e diversas e tratam de um aspecto cultural importante que impacta a
identidade das pessoas. Muitas culturas fornecem explicações e práticas de cura com base espiritual, divina e/ou religiosa para
questões de saúde, inclusive de saúde mental. A não compreensão deste fato pode resultar na falta de identificação de problemas
numa determinada população, bem como na não abordagem de uma possível barreira no acesso a cuidados de saúde mental.

O processo migratório pode ter um significado religioso e a migração poderá impactar na religiosidade, reforçando expressões
religiosas como forma de defesa cultural ou atenuando pressões religiosas. Ainda, pode ser que uma pessoa ou família migre fugindo
de perseguições por motivos religiosos.

É importante compreender que rituais religiosos podem ser muito importantes para o bem-estar das populações migrantes. Ainda,
fazer parte de uma comunidade religiosa pode ser importante como rede de suporte emocional e econômico, como lugar de
interação social e vínculo com o local de origem. Por outro lado, é importante notar que alguns migrantes buscam escapar de
dinâmicas de poder ligadas a certas religiões em contextos específicos, como aqueles da comunidade LGBTQIA+, que, podem
hesitar em revelar suas necessidades reais de saúde mental se os serviços forem oferecidos por uma organização ou perspectiva
religiosa.

A liberdade de culto é um direito humano e, no Brasil, a liberdade religiosa é assegurada na Constituição. É preciso que as pessoas
migrantes saibam disso, especialmente se professam uma fé que é constantemente alvo de violências como xenofobia e racismo.

O que fazer:

Considerar as vivências de espiritualidade, religiosa ou de religiosidade das populações com que você trabalha na hora de
propor atividades de base comunitária.

Levar em consideração a sua própria religiosidade e prestar atenção como ela afeta o seu trabalho.

Focar nas competências interculturais e manter abertura às diversas visões de saúde e de doença.

Reforçar com as pessoas migrantes que, no Brasil, temos leis assegurando a liberdade religiosa.

O que evitar:

Utilizar as próprias vivências religiosas como norma ou exemplo para guiar o trabalho em SMAPS.

Subestimar a importância das redes de apoio de base religiosa no bem-estar das pessoas migrantes, excluindo lideranças
religiosas em práticas que podem apoiar comunidades que passam por situações difíceis.

Subestimar a compreensão das necessidades de saúde mental a partir de um ponto de vista religioso e/ou fornecer explicações
religiosas/divinas para sintomas de saúde mental que possam exigir cuidados especializados.
Referências

Publicações da OIM:

OIM (2021a). Assistência em Saúde Mental e Atenção Psicossocial à População Migrante e Refugiada no Brasil - A Rede de Apoio da Sociedade Civil. Brasília: OIM.

OIM (2021b). Manual sobre salud mental y apoyo psicosocial con base comunitaria en emergencias y desplazamiento. Genebra: OIM.

OIM (2022). Guia em Saúde Mental e Atenção Psicossocial para População Migrante e refugiada no Brasil. S. Dantas, C. L. de Santana, & M. Zaia (orgs). Brasília:
OIM.

Outras Fontes:

Amatuzzi, M. (Org.). (2005). Psicologia e espiritualidade. Paulus.

Brasil. (1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília.

Geertz, C. (1989). A interpretação das culturas. LTC.

Grom, B. (1994). Psicología de la religión. Herder.

Inter-Agency Standing Committee (IASC, Comitê Permanente Interagências). (2007). Diretrizes do IASC sobre saúde mental e apoio psicossocial em emergências
humanitárias. Tradução de Márcio Gagliato. Genebra: IASC.

Valle, E. R. (1998). Psicologia e experiência religiosa. Loyola.

Zaia, M. (2006). O véu não cobre pensamento [Dissertação de Mestrado, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo]. Fonte:
https://tede2.pucsp.br/handle/handle/2015

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Unidade 3 - Saúde Mental e Atenção Psicossocial nas migrações de populações


indígenas

Olá! É muito bom ter você em nosso curso Saúde Mental, Atenção Psicossocial e Interculturalidade nas Migrações.

Essa é a terceira unidade do segundo módulo, se você ainda não conferiu as aulas anteriores, sugerimos que comece por elas.

Para participar da aula de hoje, você não necessariamente precisa acessar uma aula anterior. Porém, muitas vezes, fazemos menção a tópicos de
lições anteriores, já que os conteúdos são interconectados. Se você já concluiu a aula 5 sobre Religiões, Religiosidade e Saúde Mental e Atenção
Psicossocial da População Migrante, vai perceber muitas conexões com a aula de hoje!

Na aula de hoje, vamos falar sobre migrações de populações indígenas e aspectos a serem considerados no trabalho em SMAPS com povos
originários que migraram para o Brasil.

Ao final dessa aula, nós teremos:

1. Apresentado considerações para a definição da identidade indígena;

2. Discutido sobre migrações de povos indígenas;

3. Apresentado desafios e sugestões na atuação em SMAPS com populações indígenas.

O conteúdo dessa aula foi adaptado de publicações anteriores da IOM, principalmente:

Guia em Saúde Mental e Atenção Psicossocial para a População Migrante e Refugiada no Brasil

Guia SMAPS OIM Brasil

Cap. 7: Populações Originárias e Migrações: História, Cultura e Mobilidade.


Autoria: Pablo Quintero
Boa Aula!

Introdução

O Brasil é um país que acolhe muitos povos indígenas que migraram para o Brasil, a maioria da Venezuela.

Saiba Mais +
Para saber mais sobre os deslocamentos de populações indígenas no Brasil, a OIM disponibiliza um observatório interativo
da população indígena do fluxo Venezuelano.
Essas informações podem ser muito úteis no trabalho com populações indígenas da Venezuela que estão em situação de
migração no Brasil.

IR AO OBSERVATÓRIO

A atenção em SMAPS para povos indígenas em situação de migração precisa de uma atenção cuidadosa. Como vamos ver, existem especificidades
no trabalho em SMAPS tanto no que diz respeito aos povos originários, quanto do próprio processo de mobilidade em que esses povos se
encontram.

É imprescindível que profissionais, sobretudo trabalhando em SMAPS, não reproduzam ideias essencialistas em relação aos povos indígenas.
Por isso, iniciaremos pelas principais definições.

Definições
Populações indígenas, também chamadas de povos originários, são grupos que possuem o próprio arcabouço histórico-cultural, que pode ser
bem diferente das sociedades nacionais, já que se ligam às ancestralidades e história compartilhada anteriores à colonização europeia no que
hoje é o continente americano.

Assim, a herança cultural dos povos indígenas e suas atualizações ao longo dos séculos ocupa e reproduz formas de vida no continente
americano, de modo diverso e heterogêneo.

Desse modo, é importante observarmos que cada nação indígena vai possuir uma estrutura cultural própria, incluindo idiomas, costumes,
espiritualidade e sistemas de saúde próprios.

Ao falarmos de sociedades indígenas, falamos de formações culturais múltiplas e, portanto, toda a discussão sobre cultura feita na primeira aula
é fundamental para esta aula!

Como dissemos na aula 1, a cultura tem a ver com as formas de agir e pensar, aos sentidos e significados compartilhados por um grupo de
pessoas e inclui as concepções do que é certo e errado, que são transmitidas de geração a geração - embora se adapte com o passar do tempo,
sendo mutável.
Como temos evidenciado ao longo das nossas aulas, falar de identidade é extremamente importante ao considerarmos a saúde mental,
especialmente se tratando das populações migrantes. Isso não será diferente ao considerarmos a saúde mental das populações indígenas.

Os povos indígenas constituem minorias étnicas e demográficas e são, historicamente, alvo de estereótipos e preconceitos, não só no Brasil,

mas também em outros países. Por exemplo, muitas vezes grupos indígenas são alvo de objetificação, vistos como selvagens, constantemente
representados seminus e sem contato com tecnologia moderna.

Identidade Indígena
É importante evidenciar que a identidade indígena vem, principalmente, através do autorreconhecimento enquanto parte de uma sociedade
indígena ou grupo étnico indígena.

Assim, a identidade indígena é, sobretudo, coletiva: quando uma pessoa se identifica como indígena e é
reconhecida coletivamente como pertencente a um grupo indígena.

Como mostra o capítulo 7 do Guia da OIM em SMAPS, há outros fatores que podem fazer parte dessa identidade, mas não caracterizam necessária
ou obrigatoriamente o pertencimento a uma comunidade indígena:

falar uma língua indígena

morar em uma terra indígena

usar roupas tradicionais indígenas

fenótipo

O traço fenotípico não é relevante para algumas sociedades indígenas, inclusive, alguns povos vão estabelecer relações de parentesco não
exclusivas com sua própria etnia e, assim, pessoas de diversos fenótipos podem partilhar a cultura e identidade indígena desses grupos.

Falar uma língua indígena também não evidencia a identidade indígena, principalmente porque muitos povos originários já não falam suas
línguas próprias, muitas vezes em decorrência dos processos coloniais e um privilégio das línguas dos colonizadores.

Da mesma forma, falar uma língua indígena, por si só, não torna uma pessoa parte de uma sociedade indígena.

Um ponto que já mencionamos é o da diversidade cultural dos povos indígenas.

Ao pensar na cultura das populações originárias, podemos perceber que algumas possuem um núcleo comum, como famílias ou troncos
linguísticos (por exemplo o tronco linguístico Tupi-Guarani, que abrange grupos étnicos no Brasil, Argentina, Paraguai e Bolívia).

Mesmo assim, esse fator não faz com que essas etnias, cujas línguas derivam do Tupi-Guarani, sejam culturalmente homogêneas, mas significa
dizer que algumas características culturais podem ser semelhantes, incluindo valores e costumes, que transcendem fronteiras de países.
Esse ponto é extremamente importante, já que vai impactar alguns costumes dos povos originários, inclusive nos deslocamentos internacionais.

Povos originários e migrações

Talvez você nunca tenha parado para pensar que a maioria das pessoas tem uma residência fixa e que as sociedades contemporâneas se baseiam
nesse fato. Por exemplo, é muito provável que, na maioria dos cadastros que você faça, no banco, centros de saúde etc., te peçam um endereço
fixo.

Isso é padrão e norma nas sociedades contemporâneas, mas não é universal e, no mundo todo existem sociedades que se organizam de outro
modo, deslocando-se de tempos em tempos para aproveitar os recursos desses ambientes. Esse é o caso de algumas populações originárias da
América Latina.

Na América Latina, é possível observar dois padrões relacionados à mobilidade humana, como evidencia Guia da OIM em Saúde Mental e Atenção
Psicossocial:

Mobilidade vinculada a Matrizes Culturais



Trata-se do deslocamento em um espaço comum, relacionado a terras ancestrais.

Aqui, não falamos de fronteiras nacionais formais e essa mobilidade nos territórios, que são considerados e reivindicados como próprios, pode ultrapassar
fronteiras dos Estados.

Membros da etnia Mbyá-Guarani, por exemplo, estão em diversas aldeias e comunidades fixas em terras indígenas no Brasil, Argentina e Paraguai, mas possuem
uma organização social que permite uma mobilidade dentro de seus territórios ancestrais em diferentes períodos da vida, e reivindicam a possibilidade de livre
circulação pelas fronteiras desses três países (Ladeira, 2008).

Nesse caso, não estamos falando de “grandes mudanças” e processo de perdas, como temos visto ao longo dos capítulos anteriores ao falarmos dos processos de
migração. Indígenas da etnia Mbyá, que se deslocam seguem em seus territórios ancestrais, com seus parentes, mesmo que cruzem fronteiras internacionais
formais.

Mobilidade vinculada aos deslocamentos forçados



São padrões de mobilidade mais recentes que não possuem relação com características intrínsecas às matrizes culturais, como vimos acima.

Na maioria das vezes, tal deslocamento ocorre em consequência de processos violentos, falta de recursos, expropriação arbitrária de territórios ancestrais
indígenas.

A migração de populações indígenas venezuelanas para o Brasil, na grande maioria das vezes, está vinculada a esses processos violentos.

O relatório da OIM e do Ministério da Cidadania (2021) sobre o deslocamento de indígenas da Venezuela no Brasil mostra que a maioria das respostas de indígenas
sobre as motivações de migrarem ao Brasil deve-se à: situação econômica/social, insegurança alimentar, dificuldade em acessar serviços de saúde e
medicamentos, situação de desemprego e a crise na Venezuela, de modo geral.

Acesse o relatório da Matriz de Monitoramento de Deslocamento (DTM) Nacional sobre a População Indígena Refugiada e Migrante
Venezuelana.
É importantíssimo diferenciarmos as populações indígenas que possuem uma dinâmica social de mobilidade das populações indígenas que
tiveram que se deslocar por outros motivos, considerando as diversidades das populações indígenas.

SMAPS e povos indígenas

Para as sociedades indígenas, o que chamamos de “bem-estar” e, também “saúde mental”, é relacionado com o coletivo e tem profunda relação
com os territórios em que vivem, com o mundo espiritual, visões de mundo particulares, inclusive relacionadas à “noção de pessoa”, corpo e
mente (FIOCRUZ, 2020).

Desse modo, muitas vezes, o conceito de “saúde mental” não faz muito sentido para as populações indígenas (FIOCRUZ, 2020).

No Brasil, as políticas de Atenção à Saúde Mental Indígena falam mais em “bem-viver” e “saúde psicossocial”.

Saiba Mais +

Para se aprofundar mais nesse tema, sugerimos o conhecimento sobre as leis orientam as políticas de saúde aos povos indígenas do Brasil, Política Nacional de
Atenção à Saúde dos Povos Indígenas (PNASPI), Lei nº 3.156/99, o Subsistema de Atenção à Saúde dos Povos Indígenas (SasiSUS) - Lei nº 9.836/99 (Lei Arouca),
as Políticas de Saúde Mental Indígena, Portaria nº 2759/2007.

É importante compreender o que cada povo indígena compreende como fator de “adoecimento” (FIOCRUZ, 2020), inclusive psíquico, assim
como os fatores de promoção da saúde psicossocial.

Vale destacar que violências e violações historicamente sofridas pelos povos indígenas os expõem a vulnerabilidades que vão impactar na saúde
psicossocial. Lamentavelmente, isso vale tanto para os povos indígenas brasileiros quanto para indígenas que migraram para o Brasil.

Desse modo, ao pensar em SMAPS para populações indígenas é fundamental ampliar o conceito de “saúde mental”, de modo a integrar o social,
cultural, cosmológico como dimensão a serem consideradas (FIOCRUZ, 2020), além da territorialidade e da coletividade.

Outro ponto que merece destaque é que todas as sociedades vão incluir sistemas de saúde não alopáticos, ou seja, que não são serviços de saúde
mental convencionais, biomédicos e ocidentais, muitos deles são baseados em tradições indígenas e, pode ser que sejam o principal método de
prestação de serviços de saúde em algumas comunidades (IASC, 2007).

Pode ser também, como no caso de migrantes no Brasil, inclusive indígenas, que essas populações tenham a possibilidade de acessar serviços de
saúde do SUS, mas prefiram a ajuda local e tradicional para resolverem suas questões de saúde, inclusive de saúde mental.

O atendimento vindo dos conhecimentos ancestrais pode fazer mais sentido para quem busca apoio em saúde, em especial porque pode ser mais
aceitável e menos estigmatizante, além de ser potencialmente eficaz (IASC, 2007).
Tais práticas podem ser conduzidas por lideranças religiosas e/ou espirituais, que podem fazer uso de ervas, substâncias naturais, manipulação
física, rituais que lidem com o mundo espiritual etc. (IASC, 2007). Portanto, alguns dos temas debatidos na aula anterior, sobre religiões e
religiosidade, são bem importantes para as nossas discussões na aula de hoje.

Atendimento à população indígena migrante - desafios e boas práticas

É muito importante que profissionais que prestam assistência a populações indígenas, inclusive indígenas migrantes no Brasil, utilizem
ferramentas interculturais em suas práticas, como temos visto ao longo desse curso.

Os modos de vida, noções de saúde, doença, bem-estar e as concepções sobre a existência devem ser considerados no trabalho em SMAPS de
todas as populações, sobretudo povos indígenas. Essas noções podem ser muito diferentes das nossas próprias concepções e, uma vez que as
populações indígenas são diversas entre si, não são homogêneas.

Ao buscar atendimento em saúde, o primeiro contato de indígenas se dá, sobretudo, na atenção básica, nas UBS - o “postinho” -, UPAs e
hospitais, e, pode ser, que esse seja também o primeiro contato com os saberes médicos.

A depender de como é essa experiência de primeiro contato, o “choque cultural’ pode ser bem difícil e, em alguns casos, pode se tornar uma
experiência traumática.

Para pensar:

Por exemplo, imagine que você está enfrentando uma situação ligada à saúde ou
situações desafiadoras na vida, que te causam dor e preocupação - como podem ser
alguns casos que nos levam a buscarmos atendimento em saúde mental.

Agora, imagine que você está em um contexto muito diferente do seu, que possui
diferentes conceitos de saúde e doença e tem um modo de oferecer cuidado em saúde
que são diversos das práticas e tratamentos de saúde que você conhece.

Ao buscar ajuda em um centro que oferece cuidados, você recebe atendimento por uma
pessoa que te orienta a fazer coisas que não fazem o menor sentido para você e que
podem ser, inclusive, bem estranhas à sua cultura. Justo quando você busca apoio,
cuidado e orientação, se sente ainda com mais preocupação, confusão e desamparo.

Esse pode ser o caso de um atendimento em saúde que não se orienta por competências
interculturais. E é um ponto de atenção ao pensarmos em oferecer serviços em SMAPS às
populações indígenas.
Para indígenas migrantes, é muito importante que se compreendam suas especificidades em termos de identidade indígena e, também, pelo
próprio processo de migração.

Por exemplo, ao trabalhar com uma etnia indígena venezuelana, pode ser que essa a pessoa que precisa de cuidados não fale espanhol, nem
português, apenas a língua indígena. Do mesmo modo, se a pessoa adquiriu o idioma espanhol ao longo da vida, é importante entender que tal
competência linguística não se trata, muitas das vezes, de uma fluência tal qual a língua materna.

Assim, as questões linguísticas são um desafio ainda maior, comparando o trabalho com pessoas Venezuelanas não-indígenas cuja língua
materna é o espanhol.

No mapeamento da OIM das organizações da sociedade civil que prestam assistência em SMAPS, as barreiras linguísticas constituíram os
maiores desafios e barreiras ao atendimento. A língua falada pelos indígenas da etnia Warao, foi citado como um dos mais desafiadores, já que
muitas vezes as pessoas indígenas só falam warao, não tem domínio do espanhol, o que gera maior desafio na prestação de serviços para esse
grupo.

Se você já trabalha com populações migrantes, sabe o quanto as documentações de regularização migratória são um tema importantíssimo, que
pode gerar muita apreensão às pessoas migrantes, sobretudo se estão em situação irregular ou ainda estão esperando uma decisão de seus
processos migratórios.

Do mesmo modo, questões relacionadas à documentação também vão afetar migrantes indígenas.

Não é incomum que indígenas estejam em situação de vulnerabilidade em seus próprios locais de origem, o que pode impactar na ausência de
documentação exigida pelo país de migração (como identidade, passaporte, carteira de vacinação, documentos escolares etc.), o que pode ser
fonte de conflito nas fronteiras e nos processos de regularização no Brasil.

Como já mencionamos, a postura intercultural é fundamental no trabalho com as populações indígenas que estão em situação de migração no
Brasil para criar respostas em saúde que sejam culturalmente apropriadas. Esse é já um ponto importante na promoção do bem-estar dessas
populações.

Na aula passada, quando falamos sobre espiritualidade, religiões e religiosidade, mencionamos o quão desafiador pode ser considerar visões de
mundo diferente das nossas ao realizarmos nosso trabalho.

Pode ser que ao trabalhar com populações indígenas você se depare com situações desafiadoras nesse sentido, não apenas em relação à

espiritualidade, mas também a algumas dinâmicas sociais e concepções de saúde que podem parecer estranhas e até conflitantes com os
protocolos de saúde aprendidos em seus anos de formação profissional.

Nesse sentido, reforçamos o que foi falado em aulas anteriores: é preciso ter abertura para as diversidades culturais e levá-las em consideração
no trabalho em SMAPS.

Ao mesmo tempo, é necessário adotar uma postura crítica para não reforçar práticas que violem as normas de direitos humanos contra a vida e
dignidade de pessoas e grupos, muitas vezes marginalizados (IASC, 2007).

Boas Práticas
Ao trabalhar com populações indígenas, é importante reconhecer (FIOCRUZ, 2020):

As capacidades da própria comunidade em identificar e utilizar seus recursos;

1
1
2 As perspectivas comunitárias sobre os processos de adoecer, sofrer e curar e as estratégias para lidar com esses processos;

3 As práticas comunitárias como parte de um sistema cosmológico que precisa ser conhecido e reconhecido.

As diretrizes do IASC sobre Saúde mental e Apoio Psicossocial em Emergências Humanitárias (2007) listam uma série de ações para ajudar
profissionais que atuam em SMAPS a obterem informações sobre os sistemas de saúde locais, indígenas e tradicionais e, quando apropriado,
estabelecer sistemas de colaboração.

Para ter acesso à lista completa, busque a Lista de Ações 6.4 no IASC (2007). Link.

É importante estabelecer parcerias com as lideranças indígenas, inclusive aquelas lideranças responsáveis pela cura / cuidado dentro da
comunidade indígena.

Nesse sentido, o IASC (2007) sugere que uma colaboração com as pessoas responsáveis pela medicina tradicional, como pessoas curandeiras,
pode oferecer um maior entendimento sobre as formas como questões relacionadas à saúde mental são expressas e tratadas na comunidade,
melhorar os encaminhamentos, e melhor a relação com a comunidade.

As ações principais sugeridas pelo IASC (2007) incluem:

Diagnóstico de situação na comunidade, para identificar os principais sistemas de cura, seus significados, aceitação e função
na comunidade, inclusive identificando quem faz acompanhamento emocional na comunidade;

Buscar compreender os costumes do local, ler a bibliografia pertinente disponível;

Estabelecer boa comunicação com as lideranças de cura nas comunidades, demonstrando respeito pela função da pessoa
curandeira e perguntar como sua função foi afetada pela migração;

Incentivar a participação das lideranças locais nas sessões de treinamento e de informação.

Realizar campanha de saúde nas línguas locais e levando em consideração a cultura indígena é muito importante. Deixamos, como exemplo, um
vídeo elaborado pela OIM sobre prevenção da COVID-19 para o povo Warao.
COVID-19: Aviso de prevenção para os indígenas Warao

No trabalho em SMAPS, é relevante encontrar formas de equilibrar a abordagem tradicional com a medicina ocidental, especialmente nos casos
mais graves de saúde e saúde mental, por exemplo, naqueles que requerem uso de medicações. Ao lidar com situações como essa, é preciso
respeitar as crenças e a visão do mundo da pessoa e, ao mesmo tempo, prestar cuidados baseados em evidência, principalmente quando tais
intervenções são necessárias para salvar vidas.

Organismos que trabalham com prestação de serviços de saúde para povos indígenas podem ser uma fonte importante de colaboração e parceria.

O IASC (2007) apresenta algumas formas úteis de colaboração ativa com sistemas tradicionais que são significativos para a maioria da população
e não são prejudiciais, que incluem:

Convites para consultas;

Treinamento Conjunto;

Encaminhamento recíproco de pacientes (ex.: estresse, ansiedade e angústia existencial podem ter bons resultados quando
tratados pela abordagem tradicional e tratamentos de transtornos mentais graves e epilepsia podem ter melhor resposta por
tratamento alopático);

Oferta de tratamento e clínicas conjuntas (ex.: responsáveis pela cura tradicional aprendem a monitorar pacientes psicóticos
com medicações de longo prazo, providenciar locais para os pacientes ficarem enquanto recebem tratamento convencional e
práticas tradicionais de relaxamento e massagem podem ser incorporadas na prática alopática).

DI R E T O A O PO N T O

O reconhecimento pessoal como indígena e a aceitação coletiva pela comunidade indígena são os elementos que determinam a
identidade indígena. Nesse contexto, não importa qual língua a pessoa fale, onde resida (seja em aldeias, terras indígenas, centros
urbanos ou em outro país), quais são seus traços fenotípicos ou como a pessoa se veste para a determinação de sua identidade
indígena.
Existem populações indígenas que tem uma dinâmica de mobilidade entre seus territórios ancestrais, que podem ultrapassar
fronteiras formais dos Estados. Ainda, há povos indígenas que tiveram que se deslocar ao Brasil por outros motivos, ligados a
migrações forçadas devido a situações de vulnerabilidade em seus países de origem. Muitos povos originários venezuelanos se
deslocam ao Brasil de maneira forçada.

Pode ser que o conceito de “saúde mental” não faça muito sentido aos povos indígenas. O bem-estar e a saúde psicossocial podem
ser termos que façam mais sentido, englobando a relação indígena com a comunidade, a natureza e a espiritualidade. Esses são
aspectos importantes na elaboração de estratégias em SMAPS para essa população.

É preciso pensar em respostas em SMAPS que façam sentido cultural para as populações indígenas. Nesse sentido, pode ser muito
apropriado um diálogo mais estreito com as lideranças indígenas no desenho de respostas em SMAPS para essa população,
encontrando formas de equilibrar a abordagem tradicional com a medicina ocidental, especialmente nos casos mais graves de saúde
e saúde mental. Ao lidar com situações como essa, é preciso respeitar as crenças e a visão do mundo da pessoa e, ao mesmo tempo,
prestar cuidados baseados em evidência, principalmente quando tais intervenções são necessárias para salvar vidas.

O que fazer:

Buscar compreender as especificidades das populações indígenas em termos de identidade indígena e, também, relacionadas
ao processo de migração.

Buscar compreender os costumes das populações indígenas com quem trabalha, ler a bibliografia pertinente disponível e
conversar com as lideranças locais sobre a cultura e possíveis parcerias na elaboração de estratégias em SMAPS.

Buscar entender as concepções relacionadas aos processos de adoecimento, sofrimento e cura e as estratégias comunitárias
para lidar com esses processos.

O que evitar:

Acreditar que todas as populações indígenas são iguais e simplesmente considerar que as concepções culturais de saúde,
doença, bem-estar, espiritualidade, costumes etc. são as mesmas para todos os povos indígenas.

Estereotipar as identidades indígenas, reproduzindo preconceitos.

Criar respostas em saúde que não sejam culturalmente apropriadas à sociedade indígena e não ter uma postura intercultural.

Referências

Publicações da OIM:

OIM (2021a). Assistência em Saúde Mental e Atenção Psicossocial à População Migrante e Refugiada no Brasil - A Rede de Apoio da Sociedade Civil. Brasília: OIM.

OIM (2021b). Manual sobre salud mental y apoyo psicosocial con base comunitaria en emergencias y desplazamiento. Genebra: OIM.

OIM (2021c). Matriz de monitoramento de deslocamento (DTM) nacional sobre a população indígena. Brasil, Ministério da Cidadania. Brasília: OIM.

OIM. (2022a). Guia de Comunicação Intercultural. Aloatti, M. (org.), Brasília: OIM.

OIM (2022b). Guia em Saúde Mental e Atenção Psicossocial para População Migrante e refugiada no Brasil. S. Dantas, C. L. de Santana, & M. Zaia (orgs). Brasília:
OIM.
Outras Fontes:

Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ). (2020). Saúde Mental e Atenção Psicossocial na Pandemia COVID-19: Povos Indígenas no Contexto da Covid. Brasília,
Brasil: FIOCRUZ. Acesso em 22 de 07 de 2023, disponível em https://www.fiocruzbrasilia.fiocruz.br/wp-
content/uploads/2020/05/cartilha_povos_indigenas.pdf

Inter-Agency Standing Committee (IASC, Comitê Permanente Interagências). (2007). Diretrizes do IASC sobre saúde mental e apoio psicossocial em emergências
humanitárias. Tradução de Márcio Gagliato. Genebra: IASC.

Ladeira, M. I. (2008). Espaço geográfico Guaraní-Mbya: Significado, constituição e uso. Edusp.

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Unidade 4 - Gênero, Migrações e Interseccionalidades

Olá! É muito bom ter você em nosso curso Saúde Mental, Atenção Psicossocial e Interculturalidade nas Migrações.

Essa é a quarta unidade do Módulo 2 do curso e, se você ainda não conferiu as unidades anteriores, sugerimos que comece por elas.

Na aula de hoje, vamos falar sobre gênero e migrações, abordando a importância em considerar a interseccionalidade no trabalho em SMAPS.

Ao final dessa aula, nós teremos:

1. Definido sexo, gênero e discutido sobre o patriarcado e seu impacto na sua saúde
mental;

2. Feito considerações sobre gênero e migração;

3. Discutido sobre discriminação de gênero e violência baseada em gênero (VBG).

O conteúdo dessa aula foi adaptado de publicações anteriores da IOM, principalmente:

Guia em Saúde Mental e Atenção Psicossocial para a População Migrante e Refugiada no Brasil

Guia SMAPS OIM Brasil

Cap. 4: Gênero e Migração. Autoria: Sylvia Dantas e Crislene Brito

Boa Aula!
Gênero e patriarcado

Ao longo das nossas aulas, vemos o quanto a saúde mental se relaciona com fatores socioculturais.

Gênero faz parte da formação da identidade humana e o jeito como nossas sociedades lidam com questões de gênero vai impactar a saúde mental
de todas as pessoas.

Gênero é um construto relacional e tem a ver com papeis e relações que são socialmente construídas e incluem traços de personalidade, atitudes,
comportamentos, valores, poder, e influência que são atribuídos a homens e mulheres, cirando diferenciações.

As noções de gênero estão profundamente enraizadas nas diversas culturas, mas também são mutáveis ao lingo do tempo, variando dentro de
cada cultura e entre elas.

Um dos pontos mais importantes ao falarmos de gênero é entender que nas sociedades patriarcais há uma diferença de poder, acesso e controle
a recursos de modo que a propriedade, descendência e tomada de decisões estão sob domínio masculino.

Outro ponto relevante nas sociedades patriarcais tem a ver com o binarismo de gênero, entendendo que existem dois sexos e dois gêneros:
macho/fêmea ou masculino/feminino. As relações binárias não são complementares, mas suplementares (Segato, 2012).

Desse modo, tudo o que não é relacionado ao macho/masculino é visto como inferior, gerando objetificação e poder em relação aos corpos que
não correspondem ao macho/masculino, criando imposições a partir do olhar masculino e desumanizando quem sai das normas desse olhar
dominante.

Desse modo, o patriarcado é um sistema que organiza o poder masculino sobre o feminino, de modo a manter e recriar a dominação masculina e
a subordinação feminina, reforçando a ideia de que o feminino tem menos valor e é inferior.

Aqui, é importante diferenciarmos sexo e gênero.

Muitas vezes, esses conceitos são confundidos e até mesmo entendidos como sinônimos pelo senso comum. Mas não, não são sinônimos.

Sexo
O sexo é designado no nascimento pelo saber médico, a partir de características biológicas, como genitais, hormônios e cromossomos.

Pessoas que têm características sexuais, como órgãos e glândulas sexuais e padrão cromossômico) não se enquadrando nas normas binárias
médicas e sociais para corpos de “fêmeas” ou “machos” são definidas como intersexo, um grupo de pessoas que costuma experienciar estigma
e discriminação relacionados a esse fator. (ABRAI, s.d.).

Em muitos países, a certidão de nascimento inclui apenas o sexo feminino ou masculino. Outros países, possuem algumas outras opções como a
não inclusão dessa informação ou a inclusão de um outro tipo de assinalação, como “sexo ignorado” no Brasil.

Saiba Mais +
Veja uma notícia sobre a facilitação do registro de bebês intersexo: CNJ aprova regra para registro de crianças com sexo
ignorado.
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Gênero
Gênero diz respeito a uma construção social criada a partir de imagens, atributos e expectativas em relação aos sexos, variando ao longo do
tempo e nas culturas.

Portanto, gênero não é inato e ninguém nasce com determinados comportamentos e jeitos por conta do sexo assinalado no nascimento, mas o
gênero vai se constituindo a partir das relações sociais.

Outro ponto importante é que cada cultura possui suas próprias construções sobre gênero, com várias distinções entre papeis de gênero em

diferentes culturas (Dias & Coelho, 2016).

Identidade de Gênero
A identidade de gênero é um conceito muito importante também ao debatermos gênero.

Identidade de gênero, de acordo com os princípios de Yogyakarta (2007), diz respeito da experiência interna e individual do gênero de cada
pessoa, que pode ou não corresponder ao sexo atribuído no nascimento, que vai incluir o senso pessoal do corpo e como essa pessoa vai
expressar o gênero através de comportamentos, trejeitos, vestimentas etc.

Muitas vezes, o senso comum entende que sexo e gênero são a mesma coisa e generaliza as vivências de pessoas cuja identidade de gênero e
sexo atribuído no nascimento correspondem (ex.: pessoa que se identifica como mulher e que foi identificada como do sexo feminino ao
nascer). Quando esse alinhamento existe, dizemos que a pessoa é cisgênero.

Mas, há pessoas transgênero, ou seja, que apresentam uma identidade de gênero diferente daquela assinalada ao nascer (ANTRA, s.d.) (ex.:
pessoa que se identifica como mulher e que foi identificada como do sexo masculino ao nascer).

Outra importante identidade de gênero, especialmente no contexto latino-americano, é a identidade travesti. Ou seja, “uma construção de
gênero feminina, oposta à designação de sexo atribuída no nascimento, seguida de uma construção física, de caráter permanente, que se
identifica na vida social, familiar, cultural e interpessoal, através dessa identidade.” (ANTRA, s.d.).

Essas não são as únicas, rígidas ou exclusivas formas de se identificar com o gênero que, como dissemos,
pode variar no tempo e nas culturas.

Outro conceito importante que vale ser diferenciado é o de orientação sexual.

Orientação Sexual
A orientação sexual é entendida, segundo os princípios de Yogyakarta (2007), como a capacidade que cada pessoa ter uma profunda atração
emocional, afetiva ou sexual por indivíduos de gênero diferente, do mesmo gênero ou de mais de um gênero, assim como ter relações íntimas e
sexuais com essas pessoas.
O patriarcado está muito relacionado com a heterocisnormatividade. Ou seja, uma organização social que se baseia nas imposições de padrões de
sexo, gênero e sexualidade entendendo a heterossexualidade e a cisgeneridade enquanto padrão e que identifica vivências e identidades não
heterossexuais e não cisgêneras como “desviantes” da norma.

O fracasso em reconhecer isso leva a uma vulnerabilização desses grupos, que são constantemente expostos a estereótipos, preconceito e
discriminação.

Processos de heterossexualização compulsória, entre outras violências, forram marcantes nos processos coloniais (Fernandes, 2019) e seguem
ainda sendo a norma nas sociedades patriarcais.

Como traz Judith Butler (2014), gênero não é fixo e é o mecanismo pelo qual a produção do masculino e feminino se manifesta.

Assim, gênero faz parte de uma construção social e muitas culturas não possuem uma visão binária de gênero, mas sim com categorias mais
fluidas e complementares. Por exemplo, muitos povos originários reconhecem mais de dois gêneros em suas sociedades e, inclusive, pessoas
transexuais, como classificamos na nossa sociedade, possuem papéis importantíssimos como lideranças espirituais em diversas culturas.

Saiba Mais +
Antes da chegada dos cristãos europeus, nativos norte-americanos reconheciam 5 gêneros.

LER NOTÍCIA

Na sua própria cultura e, de modo ainda mais acentuado, ao trabalhar com outras culturas, você poderá perceber como gênero opera e cria
comportamentos que são mais ou menos valorizados.

Papéis de Gênero
Ao falar de gênero, entramos num tópico mais voltado a comportamentos esperados de cada gênero em uma dada sociedade. Ou seja, os papéis
de gênero.

Papéis de gênero vão variar tanto dentro de cada cultura quanto de uma cultura a outra, considerando também outros determinantes como
classe, orientação sexual, raça, etnia, religião, período histórico etc.

Ou seja, trata-se de expectativas de comportamentos, carreiras profissionais, divisão de tarefas na comunidade e na família, características

pessoais e o que é socialmente visto como apropriado a cada gênero dentro da cultura.

Em geral, culturas patriarcais possuem um olhar tradicional que restringem o papel das mulheres à esfera privada, como atividades domésticas e
no cuidado da casa e dos filhos e ao homem é reservada a esfera pública, sendo responsável pelas provisões financeiras.

As sociedades patriarcais concebem traços binários de personalidade. Desse modo, o que é ligado à racionalidade, independência,
individualidade, agressividade, lógica, assertividade e dominação é visto como tipicamente masculino, enquanto traços ligados à emotividade,
dependência, cuidado do outro, intuição, expressividade e submissão são tidos como tipicamente femininos.

Importante destacar que as sociedades patriarcais entendem que as atividades ditas femininas tendem a ter um menor valor social, como o
cuidado com a casa, filhos e familiares, inclusive sendo muitas das vezes trabalho não remunerado.
Por outro lado, o patriarcado entende as atividades vistas como masculinas como dignas de maior valor. O homem é visto como liderança das
decisões da comunidade e da família.

Saiba Mais +

Há muitas autoras feministas que se debruçam sobre o patriarcado e o trabalho feminino, como, por exemplo, Silvia Federici, Angela Davis, bell hooks, Rita
Segato, etc. Sugerimos que busque o trabalho dessas e tantas outras mulheres.

Em uma perspectiva de papéis de gênero igualitários, ao contrário de uma mentalidade patriarcal, características de personalidade que são vistas
como inerentes a um gênero são partilhadas, bem como as responsabilidades financeiras e domésticas e o encorajamento na carreira.

É fundamental que, ao falarmos em gênero, não entendamos apenas as questões relacionadas ao feminino, feminilidades e feminismos. É muito
importante também pensarmos sobre as masculinidades e seus efeitos.

Por exemplo, o relatório da Organização Pan Americana de Saúde (2019) sobre masculinidades nas Américas aponta como características
conservadoras relacionadas à negação de emoções, fragilidades, dúvidas, entre outros fatores, vão impactar na saúde mental dos próprios
homens, além de causar impacto às pessoas ao redor deles, como familiares, amizades, especialmente mulheres e crianças.

Saiba Mais +
Você pode ler um resumo do relatório no site da OPAS, em português.

LER RESUMO

Outro ponto relevante é o de não pensar gênero e papéis de gênero de modo etnocêntrico, ou seja, generalizando as concepções de nossa própria

cultura em relação a esses termos.

Nesse sentido, não se deve atribuir às pessoas identidades de gênero com as quais não se sentem confortáveis, com base nas categorizações
ocidentais de gênero.

Pode ser que, ao trabalhar com pessoas migrantes, você se dê conta das diferenças de papéis de gênero na sociedade, ou seja, o que é visto como
comportamento aceitável ou não a partir das marcações de gênero.

Você pode notar que essas diferenças aparecem, por exemplo, em modos de interação - por
exemplo, como homens e mulheres se cumprimentam entre si e entre um gênero e outro?
Podem se tocar? Se olhar? Há um jeito diferente de cumprimentar uma pessoa de outro
gênero - ou até mesmo em comportamentos proibidos em lei? Há restrição de algum
comportamento - ou até mesmo direito para mulheres e comunidade LGBTQIA+?
Interseccionalidades

A interseccionalidade vai nos mostrar como algumas características se sobrepõe e interagem na vida das pessoas.

Esse é um conceito especialmente interessante ao pensarmos em vulnerabilidades e opressões, inclusive opressões relacionadas ao gênero.

Como vimos, o patriarcado vai criar uma desigualdade de gênero, privilegiando o gênero masculino em detrimento às identidades de gênero
femininas e gênero diversas.

Quando pensamos em questões de gênero vamos ver que, se formos pensar em opressão de
gênero, por exemplo, é muito importante levar em consideração outros marcadores sociais.
Por exemplo, vamos pensar nos seguintes perfis de mulheres:

Mulher, nascida e criada no Brasil, mora no Brasil, é de classe média alta, sem
deficiência, é branca. Tem 15 anos.

Mulher, nascida e criada no Brasil, mora no Brasil, é de classe média alta, sem
deficiência, é negra. Tem 30 anos, é lésbica.

Mulher, nascida e criada no Brasil, mora no Brasil, é de classe baixa, é uma pessoa com
deficiência visível, é indígena. Tem 86 anos.

Mulher, nascida na Bolívia, mora no Brasil, é de classe baixa, sem deficiência. Tem 35
anos, é transgênero.

Pense em cada uma dessas mulheres. Você consegue reconhecer as diferentes vivências e
opressões que elas podem experienciar, mesmo sendo todas do gênero feminino?

Você consegue perceber como os marcadores relacionados a local de origem, classe,


deficiência, raça e etnia, idade, sexualidade, identidade de gênero etc. vão influenciar as
vivências e opressões dessas mulheres?

É pensando nesse entrelaçar de fatores que molda as experiências humanas que entendemos a análise da interseccionalidade como fator
essencial ao discutirmos gênero.
Assim, questões de gênero se entrelaçam com outros fatores de subordinação, em estruturas de poder e hierarquias sociais indissociáveis
(Collins, 2015).

Inclusive, uma série de fatores referentes aos processos de migração vai impactar essas vivências.

É importantíssimo levar em consideração a interseccionalidade ao pensarmos gênero para evitar universalizações e caracterizações que são mais
específicas a um grupo de mulheres: em geral brancas, de elite, nacionais, sem deficiência, heterossexuais, cisgênero.

Por exemplo, questões que costumeiramente estão relacionadas ao “ser mulher”, como a feminilidade, docilidade, delicadeza, dependência,
emotividade etc. são estereótipos do gênero feminino que, muitas das vezes, não fazem sentido para mulheres racializadas, especialmente

negras, sejam elas brasileiras ou migrantes.

Portanto, é necessário sempre compreender as articulações entre as situações de subalternização enfrentadas por mulheres, e outras
identidades subalternizadas, considerando nacionalidade, religião, idade etc. Isso é essencial para o trabalho em SMAPS nas migrações.

Como salienta Carla Akotirene (2019), a interseccionalidade é muito importante ao analisar diversos mecanismos de opressões e criarmos
estratégias para enfrentá-los. É fundamental entendermos que em algumas situações podemos estar numa situação de opressão e, em outras,
podemos ter o papel de uma pessoa opressora.

Saiba Mais +
O que é interseccionalidade e qual sua importância para a questão racial? | Nexo Políticas Públicas.

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Gênero e migração

Muitas vezes, quando pesquisamos sobre gênero e migração, nos damos conta de um dado quantitativo importante: a “feminização da
migração". Se, antes, o fenômeno migratório era visto como masculino e havia pouca visibilização da participação das mulheres, os números
atuais mostram cerca de metade da população migrante é composta por mulheres (UN General Assembly, 2019).

Contudo, importante que, ao falarmos de gênero não nos concentremos apenas nos dados quantitativos sobre número de mulheres que migram.

Como temos visto, gênero tem uma natureza relacional e foi observado uma tendência em, ao falar sobre gênero e migração, as pesquisas se
concentrarem mais em migração feminina do que o caráter relacional de gênero em si (Carling, 2005).

Apesar de existirem poucos dados sobre a diversidade de gênero das populações migrantes, os desafios relacionados a gênero também fazem
parte das etapas do processo de migração como um todo, motivando as saídas, o modo como acontece o deslocamento, para onde se migra e os
desafios na migração de retorno.

É muito importante não ter um olhar “neutro” em relação ao gênero ao analisarmos fenômenos migratórios. Quando isso acontece, podemos

cair no risco de generalizar experiências de alguns grupos, em geral, deixando de lado os grupos mais vulnerabilizados, como é o caso do gênero
feminino e gênero diversa.
Como temos visto, o processo migratório põe em questão os modos como as pessoas se veem e veem a própria cultura, impactando na própria
identidade e criando uma necessidade de se negociar valores, representações, imagens, padrões no processo de integração ao novo local.

Esse é o processo de aculturação psicológica de migrantes, processo no qual “gênero” é uma dimensão importantíssima a ser considerada,

como falamos na aula 3.

Assim, cada pessoa terá, com base em sua cultura, suas visões de gênero, que serão contrastadas com as definições de gênero da cultura para
onde se migrou.

Como vimos na aula 4, é fundamental levarmos em consideração as relações familiares na promoção ou dificultação do bem-estar, considerando

tanto o processo migratório como os aspectos relacionados a gênero - seja no país de origem, no deslocamento, no país de destino e até mesmo
no retorno.

Por exemplo, pode ser que o processo migratório impacte nas visões tradicionais de gênero. Esse pode ser um fator de conflito, mas, também,
pode ser um fator de promoção de saúde quando regras muito estritas de gênero são aliviadas na nova cultura e fazem sentido para a pessoa e/ou
família migrante.

Como é evidenciado no capítulo 4 do Guia da OIM em Saúde Mental e Atenção Psicossocial, os papéis de gênero são a principal fonte de conflito
nas dinâmicas familiares influenciadas pelo processo migratório. Por exemplo, quando o homem é o maior provedor financeiro no país de
origem e, no país de destino, a mulher é quem encontra maior inserção econômica.

Como vimos na aula sobre famílias, as famílias são como um conjunto de relações internas e externas, e que mantém um equilíbrio. Portanto,
uma mudança em uma pessoa da família vai exigir que todo o sistema familiar se reorganize, de modo a reestabelecer um equilíbrio.

Papéis e identidade de gênero são fortemente influenciados pelos processos migratórios de indivíduos e grupos e essas mudanças relacionadas a
questões de gênero são repletas de afetos, que podem gerar um sofrimento e, portanto, portanto precisam de espaço para aparecer.

No trabalho em SMAPS, isso significa não negar esses impactos e dar espaço para que essas diferenças possam ser faladas, expressadas e

elaboradas. Inclusive, falar sobre como os processos de migração e a maior autonomia que algumas mulheres podem ter ao migrar ao Brasil
podem ser entendidas como uma ameaça à identidade masculina.

É importante conversar sobre isso e reelaborar essas noções de masculinidade, que impactam negativamente tantos os homens quanto a família
de modo geral.

Falar sobre esses assuntos pode ser uma forma de prevenção de violência baseada em gênero (VBG), especialmente quando há uma possibilidade
de construção de outras narrativas de gênero, que sejam menos opressoras.

Como mostram o capítulo 4 do Guia em SMAPS da OIM, pesquisas mostram como migrar para uma sociedade menos patriarcal do que a de
origem pode impactar que as mulheres demandem novos arranjos nas relações, que sejam mais favoráveis a elas.

Temas como os de saúde e direitos sexuais e reprodutivos também são muito importantes ao pensar nas pessoas migrantes e são
importantíssimos nessa temática de gênero, já que podem variar muito em relação aos locais de origem e destino.

A periodicidade dos exames, como são feitos, sejam eles exames de rotina ou mais específicos, como pré-natal pode variar consideravelmente.

Você se lembra da história da Sara? Nós a contamos em aulas anteriores, mas traremos aqui um trecho:
E ST UDO DE C A SO

Sara tem 25 anos e é de origem afegã. Chegou no Brasil há um ano e meio com a família, seu pai, Ahmad, e sua mãe, Samira, fugindo do
Talibã.

[...] Há alguns dias, sente desconforto vaginal, com coceiras e corrimento com cheio forte e cor verde/amarela. Ela ainda não falou com
sua mãe sobre o que está acontecendo, porque não quer assustá-la. Também não gostaria de ir ao médico. Ela não sabe onde teria que ir,
se seria atendida e quanto custariam para sua família os serviços médicos.

Ainda, sente medo de ser tratada mal em uma consulta. Toda vez que ela pensa em buscar ajuda por conta própria, treme só de pensar em
ser atendida por um homem. Ela sabe que não se sentiria à vontade e não contaria realmente o que está acontecendo caso fosse atendida
por um médico. [...]

Sara é de origem afegã e tem sentido desconfortos e ela deve buscar uma profissional da ginecologia. Na história, ela contava que tinha receio de
buscar ajuda porque não gostaria de ser atendida por um homem.

Esse é um ponto muitíssimo importante já que, em algumas culturas e religiões, mulheres devem ser consultadas apenas por mulheres. É muito
importante ter atenção a esses fatores na hora de desenhar estratégias SMAPS, considerando esses comportamentos esperados de cada gênero.
Muito especialmente, quando intervenções serão feitas apenas com pessoas de diversos gêneros e com culturas que apresentam códigos
específicos de interação entre gêneros diversos.

Outro ponto importante em termos de saúde e direitos sexuais e reprodutivos tem a ver com o parto. As formas como o ato de dar à luz é

entendido vai variar nas culturas. Por exemplo, para alguns povos originários das américas, o parto deve ser feito de cócoras e em quatro apoios,
e o desprezo por essas concepções pode ser entendido como uma violência obstétrica.

Importante nos atentarmos sempre, ao falar de gênero e migração, nas questões interseccionais, como falamos anteriormente.

O perfil étnico-racial pode facilitar ou dificultar o processo de aculturação e integração. Mulheres racializadas no Brasil, por exemplo, podem

encontrar dificuldades semelhantes às enfrentadas por mulheres negras e indígenas em nosso país, com maior invisibilização,
hipersexualização, com ofertas de trabalho mais ligadas a trabalhos servis.

Questões de gênero e étnico-raciais também vão impactar na integração dos homens.

Homens adultos, sozinhos, de um país considerado menos desenvolvido são, muitas vezes, vistos com desconfiança, como se fossem uma

ameaça, potencial assediadores etc., especialmente se trata-se de um homem racializado.

Um homem migrante racializado poderá ter olhares menos receptivos da comunidade de acolhimento, inclusive se comparados aos processos
de acolhimento de uma mulher não racializada, e, portanto, seus possíveis sentimentos de solidão e desemparo precisarão ser considerados no
trabalho em SMAPS.

Esses são fatores que impactarão na saúde mental de homens e mulheres migrantes, sendo fundamental o olhar interseccional ao analisar o
processo de acolhimento e ao criar programas focados na integração.
Novamente: gênero, raça e etnia, além de outros marcadores da identidade, precisão ser analisados em
conjunto tanto na análise dos fenômenos quanto na criação de estratégias em SMAPS.

Em resumo, vemos como gênero, enquanto construção social e parte da identidade individual das pessoas, pode se associar a vulnerabilidades
que migrantes encontrarão durante o processo migratório, o que gera necessidades de proteção específicas.

Tais vulnerabilidades podem estar intrinsecamente relacionadas à identidade de gênero de uma pessoa ou pode adicionar um viés que
necessitará resposta de proteção de direitos específicas. Um olhar cuidadoso com relação a gênero no desenvolvimento de atividades em SMAPS
é, portanto, fundamental.

Discriminação e violência baseada em gênero (VBG)

A violência baseada em gênero (VBG) é um termo que engloba qualquer ato feito contra uma pessoa com
base no gênero. Ela inclui violência física, sexual, psicológica etc., que podem ocorrer de modo público ou
privado (IASC, 2015).

A discriminação de gênero é uma das causas da violência de gênero (VBG) e contribui para a invisibilização desse tipo de violência (IASC, 2015).

A VGB vai marcar narrativas migrantes em diversas etapas da migração, seja como fator determinante para fugirem do local de origem, seja por
estarem sujeitas à VGB nos deslocamentos, e no local de destino.

Nenhum país do mundo conseguiu alcançar a igualdade de gênero. Pelo menos, ainda não.

Mesmo aqueles países que vendem uma imagem de si como igualitários podem encobrir situações de violência a fim de que isso não
comprometa suas imagens de “desenvolvimento” e “exemplo”.

É importante que se considere que a VBG acontece em todos os locais e é um fenômeno subnotificado ao redor do mundo, muitas vezes por
conta da pressão social para as mulheres não desfaçam a família e, também, por um sentimento de culpa e medo de represálias.

Ainda, pode ser que não haja serviços especializados ou pouca confiança nos serviços disponíveis, impunidade e desconhecimento em relação
aos benefícios de buscar ajuda apropriada em casos desse tipo (IASC, 2015).

A subnotificação, no caso da população migrante, também ocorre por desconhecimento das leis internas, medo de xenofobia e preconceito,
além de dificuldades linguísticas (Guagliano, 2021).

Desse modo, ao trabalhar com populações migrantes, especialmente em situações humanitárias, deve-se assumir que a VBG acontece como um

grave problema e criar ações para enfrentá-la, mesmo que não se tenha evidências de casos concretos (IASC, 2015).

Saiba Mais +
A violência baseada em gênero viola uma série de direitos humanos básicos e algumas formas de VBG são crime. No Brasil,
a Lei Maria da Penha é referência global de lei na proteção das mulheres contra a violência doméstica.

LER NOTÍCIA

Importante lembrar que há muita diferença nas leis de país a país na proteção da VBG e migrantes podem ter mais ou menos proteção em relação
a VBG. Pode ser que no seu trabalho com pessoas migrantes você note isso.

Assim, é importante evidenciar que as políticas e leis de proteção, inclusive aquelas específicas paras as mulheres, como é o caso da lei Maria da
Penha, não são exclusivas para brasileiras. Mulheres migrantes no Brasil também estão protegidas por essa lei.

Uma intervenção em SMAPS é fornecer informação confiável sobre este tópico, incluindo direitos e onde
encontrar serviços. Assim, é importante que, em caso de violência de gênero, sobreviventes saibam onde e
como obter ajuda.

O número 180, destinado a denúncias e orientações, é gratuito e sigiloso. Ele também atende brasileiras no exterior. Em caso de emergência, a
pessoa migrante deve ligar para o 190, o número da polícia.

Dique 180 (informações)

Como apontamos anteriormente, o patriarcado tem a ver com desigualdades nas normas de masculinidade e feminilidade. Existem formas de
violência contra meninos e homens que possuem em sua raiz motivação de gênero, por exemplo, violência sexual em conflitos armados com o
propósito explicito de reforçar normas de gênero que vão “feminilizar” o adversário (IASC, 2015).

Se trata de uma violência contra homens e meninos que como pano de fundo a ideias construídas socialmente sobre o que é considerado ser
homem e como um homem deve se portar e, na enorme maioria das vezes, é perpetrada por outro homem (IASC, 2015).

Há ainda mais subnotificação desses tipos de caso, especialmente porque há medo de estigma relacionado aos padrões de masculinidade, que
afirmam que homens não podem demonstrar vulnerabilidade, não podem chorar etc. (IASC, 2015).

Há alguns países que podem até criminalizar homens sobreviventes com base em leis discriminatórias em relação às pessoas LGBTI+.

É preciso nos lembrarmos que práticas discriminatórias de gênero e orientação sexual podem ser um dos principais fatores decisivos para a
migração. Inclusive, até mesmo para o reconhecimento do status de refúgio (UNHCR, 2012).

O Brasil registrou, entre 2010 e 2018, 369 solicitações de refúgio por pessoas que relatam forte temor de perseguição em seus países de origem,

por motivos relacionados à orientação sexual e/ou identidade de gênero (ACNUR, s.d.) e em 2023 adotou rito simplificado para reconhecimento
de status de refúgio de pessoas LGBTI+ vindas de países que aplicam pena de morte ou prisão por conta de identidade LGBTI+. Para saber mais,
acesse aqui.
A comunidade LGBTQIA+ tem risco aumentado de sofrer VBG devido a desigualdades de gênero e poder dentro de suas famílias e na sociedade
como um todo (UN Human Rights Council, 2011).

Muitas vezes, a homofobia e transfobia não são apenas a causa da violência, mas fator de dificuldade para que sobreviventes de VBG que são

LGBTQIA+ tenham acesso a suporte, principalmente em países que criminaliza suas identidades (IASC, 2015).

Deste modo, podemos considerar que meninas, mulheres, e comunidade LGBTQIA+ possuem vulnerabilidade aumentada de sofrerem VBG
(IASC, 2015).

Ao falar de VBG, precisamos considerar questões relacionadas ao consentimento.

O consentimento informado é voluntário e expresso de modo livre. Quem consente tem um entendimento
claro dos fatos, implicações dos atos e das suas consequências e deve saber que podem exercer o ato de
negar fazer qualquer coisa que não queira e não deve sofrer nenhuma coerção ao dar seu consentimento,
sendo o consentimento livre de persuasão (IASC, 2015).

O combate da VBG é um dos compromissos assinados pelos países membros da ONU no Pacto Global para as Migrações (UN General Assembly,
2019).

Além disso, a regularização migratória é, portanto, fator de proteção crucial contra VBG, incluindo tráfico de pessoas para fins de exploração
sexual.

DI R E T O A O PO N T O

Gênero faz parte da formação da identidade humana e o jeito como nossas sociedades lidam com gênero impacta a saúde mental de
todas as pessoas. O patriarcado e sua noção binária de gênero, baseia-se numa relação de poder na qual o que é masculino tem mais
valor e tudo o que é relacionado às identidades femininas têm menos valor.

É muito importante sempre considerar a opressão de gênero através de uma análise interseccional. Ou seja, considerando que as
opressões se somam, e questões referentes à raça, etnia, classe, origem etc., precisam ser incluídas no olhar sobre gênero. Assim,
evitam-se caracterizações que falam mais de um grupo específico, por exemplo generalizando questões de gênero a experiências
específicas de mulheres brancas, de elite, nacionais, sem deficiência, heterossexuais, cisgênero.

Gênero é uma construção social e parte da identidade individual das pessoas, pode se associar a vulnerabilidades que migrantes
encontrarão durante o processo migratório, o que gera necessidades de proteção específica. Tais vulnerabilidades podem estar
intrinsecamente relacionadas à identidade de gênero de uma pessoa ou pode adicionar um viés que necessitará resposta de proteção
mais específicas. Um olhar cuidadoso com relação à gênero no desenvolvimento de atividades em SMAPS é fundamental.

A discriminação de gênero é uma das causas da violência de gênero (VBG). A VBG acontece em todos os espaços e é subnotificada,
portanto, é muito importante realizar ações de enfrentamento a ela mesmo que não se tenha conhecimento de um caso concreto.
Meninas, mulheres e comunidade LGBTQIA+ são os grupos que tem maior risco de sofrerem VBG. É muito importante que
migrantes saibam como e onde encontrar ajuda em caso de violência de gênero, como as leis brasileiras específicas, como a Lei
Maria da Penha.
O que fazer:

Compreender as articulações entre as situações de subalternização enfrentadas por mulheres, e outras identidades

subalternizadas, considerando nacionalidade, religião, idade etc.

Considerar questões de gênero no desenho e execução de atividades em SMAPS.

Criar estratégias para prevenir e enfrentar a violência baseada em gênero (VBG), fornecendo informação confiável sobre este
tópico, incluindo direitos e onde encontrar serviços.

O que evitar:

Fazer análises de gênero que não considerem as interseccionalidades ou que sejam etnocêntricas.

Ignorar as masculinidades ao pensar sobre gênero.

Pensar que os entendimentos sobre gênero, incluindo violência de gênero, acontecem de modo semelhante em diferentes
culturas e países.

Referências

Publicações da OIM:

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