Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
TCC Sacerdocio Universal Do Cristao
TCC Sacerdocio Universal Do Cristao
Resende – RJ 2019
DIEGO DE OLIVEIRA PEREIRA
Resende – RJ 2019
AGRADECIMENTOS
Depois de uma longa jornada, sinto-me realizado ao escrever estas linhas. Muitas
foram as dificuldades enfrentadas para se chegar até aqui, mas em todo o tempo tive a certeza
de que Deus estava guiando os meus passos e me protegendo de mim mesmo. Certamente se
não fosse o cuidado e a proteção Dele, nada disso seria possível.
Ainda cabe mencionar minha digníssima mãe, que sempre foi um incentivo a não
desistir dos meus sonhos e sempre demonstrou com a sua própria vida que desistir não é
opção. Por mais dificuldades que a vida nos ofereça, continue tentando. Um dia se consegue
equilibrar em cima da bicicleta e quem sabe até ganhar uns trocados com isso!
Minha querida e amada esposa, parte fundamental deste projeto. Se não fosse por você
não teria as condições de terminar tão árdua missão. Obrigado por todas as vezes que você
assumiu a casa, a e as nossas filhas (uma vez que começamos nesta jornada com a Isabell e
terminamos com a Isabell e a Déborah). Obrigado por todas as vezes que você saiu com as
meninas para que eu pudesse ficar em casa sem os barulhos que são inerentes das crianças,
por todas as vezes que foi deitar sozinha, entendendo que era necessário que eu ficasse mais
umas horas na frente do computador. Por entender minha ausência nestes três anos e por
nunca ter jogado nenhum peso a mais em cima dos meus ombros. Este trabalho é a nossa
vitória.
Minhas filhas lindas, Isabell e Déborah. Vocês nunca atrapalharam o projeto, vocês
são o projeto. Se o estudar teologia for simplesmente para fazer com que vocês estendam as
verdades das Escrituras, já terá valido a pena. Apesar das dificuldades de se trabalhar, estudar
e ter que criar filhos, digo que não me arrependo nenhum pouco do privilégio que é ser pai de
vocês. Mesmo que em alguns dias a Déborah tenha descumprido o acordo… Mas, faz parte!!!
Agradeço a minha família em geral, base para toda a minha formação social,
espiritual, psicológica. Aos meus irmãos, meus sobrinhos, tios e tias, meu muito obrigado.
Minha avó, Dona Ruth, aquela que me introduziu nos caminhos do Jesus. Faltarão palavras
para tamanha gratidão…obrigado vovó!
Meus sogros que sempre me apoiaram e me ajudaram em tudo aquilo que esteve ao
alcance deles. Costumo dizer que não tenho sogro e sogra e sim um
segundo pai e uma segunda mãe. Obrigado, cunhadas e concunhado, a vocês, um grande
beijo.
Aos amigos que me pastorearam e que tão de perto me acompanharam nesta
caminhada. Aqueles que direta e indiretamente fizeram e fazem parte do meu
amadurecimento espiritual e pessoal. Àqueles que sempre me indicavam boas literaturas em
promoção, além de muitos conselhos vindos de Deus (Fabrício Areias) ou mesmo a simples e
amorosa convivência e preocupação, como a demonstrada no primeiro aniversário em que
passei em Resende (Franklin e Bruna). Amo vocês.
Uma menção especial aos amigos e irmãos de classe, que juntos desenvolvemos uma
amizade que ficará marcada na minha vida. Obrigado por toda a compreensão e por terem me
pastoreado nestes momentos em que estivemos juntos, em especial ao meu amigo mais
chegado que um irmão, Guilherme, que no momento mais crucial do seminário, pode me
ouvir e me aconselhar segundos os padrões bíblicos. Ainda bem, porque se tivesse usado a
psicologia seria um grande problema, uma vez que psicologia não é ciência e psicólogo não é
gente!
Aos irmãos da Igreja Batista Central em Resende por terem investido em minha
família, por terem nos recebido com tanto carinho e amor. Por terem cuidado de nós e nos
abraçado com tanto amor. Ao pastor Luciano Cozendey e família, pois vocês foram peça
principal neste amor que a igreja despejou em nós. Muito obrigado por toda a consideração,
amor, carinho e pastoreio no tempo em que tivemos juntos. Vocês moram em nossos
corações.
Todos os professores que desenvolveram tal nobre tarefa com o fim único de nos fazer
pessoas melhores. Muito obrigado. Vocês marcaram minha vida. Mas, cabe ao Pr. Roosevelt
um agradecimento muito especial. Obrigado por não estar preocupado em apenas lecionar
para nós. Obrigado por nos mostrar na prática o que livro nenhum consegue demonstrar.
Obrigado por, mesmo sem ser dono da cadeira, ter ministrado “teologia pastoral” para nós.
Obrigado por cada devocional, cada exortação, cada momento que o senhor se colocou à
disposição para nos ouvir, tanto em sala de aula como no seu gabinete. Obrigado por me
pastorear, por não ter se esquecido o que é o seminário e por ter nos ensinado como deve ser a
vida de um pastor.
Cabe mencionar minha nova igreja, Peniel em Resende, obrigado por nos receber, por
nos amar e cuidar de nossa família. Obrigado por todo esforço para
viverem de forma bíblica, contextualizando sem deixar que a igreja se pareça com o mundo.
Obrigado ao Pr. Acyr, por aceitar o desafio de me ajudar a concluir o trabalho final.
Mesmo sem tempo e com diversas atividades, sempre foi muito solícito e preocupado com a
qualidade do mesmo. Certamente, sem a ajuda do senhor não teria condições de terminar esta
pesquisa.
Pastor Jean, não teria como o senhor não estar presente nestas linhas. No momento
mais crucial desta batalha, só tenho a agradecer, ao senhor e a sua família, por me cederem
este notebook, uma vez que o meu computador resolveu me abandonar nos minutos finais
deste jogo.
DEDICATÓRIA
Dedico este trabalho a Deus, autor e consumador da minha fé. Quem tem me mantido em pé
e todos os dias têm demonstrado o Seu amor a mim.
Dedico à minha querida mãe, exemplo de persistência e grande responsável pelo meu amor
aos estudos e pela minha formação moral.
Dedico à minha esposa, mulher que Deus, em mais uma demonstração do Seu cuidado para
comigo, me abençoou e tem sido minha companheira de caminhada, apoiando-me em
todos os meus projetos.
Dedico às minhas filhas, respostas de orações e que deixaram o nosso mundo mais feliz.
Dedico ao meu orientador, Pr Acyr de Gerone Junior, o senhor marcou minha vida com
tamanha ajuda.
Dedico a todos os professores do Seminário Teológico Batistas das Agulhas Negras, que
direta ou indiretamente fazem parte deste projeto.
Dedico aos meus irmãos seminaristas, saímos juntos, chegamos juntos.
“Não basta ter luz na mente, é preciso ter fogo no
coração”.
Hernandes Dias Lopes
RESUMO
Esta doutrina foi fundamental na história da igreja pós-reforma, pois, com o passar dos
tempos e, principalmente, com a ascensão da Igreja ao poder político, por volta de 313 d.C.
esta foi sendo deixada de lado, ganhando a igreja uma estrutura hierárquica/institucional cada
vez maior, a ponto de haver um surgimento separatista entre clérigos e leigos. Esta separação
caminhou com a história da igreja no decorrer dos séculos, mas foi revisada pelos
reformadores, tais como Lutero, Calvino e seus sucessores. Eles ensinaram aos cristãos, de
forma geral, a responsabilidade que estes tinham diante de Deus e dos homens. Um estudo
detalhado deste período revela a importância desta doutrina, como pode ser visto nas palavras
de René Padilla:
Para muitos estudiosos da Reforma Protestante do século XVI, as ênfases centrais
desse movimento foram cinco: só Cristo (solus Christus), só a Bíblia (sola
Scriptura), só a graça (sola gratia), só a fé (sola fide) e só a glória de Deus (soli
Deo gloria). Todavia, há boa base para afirmar que, além dessas ênfases
fundamentais, os reformadores também reservaram um lugar de destaque para uma
doutrina que (por razões que daremos mais adiante) poderia ser considerada a
Cinderela tanto da Reforma clássica como do movimento evangélico no tempo
presente. Refiro-me à doutrina do sacerdócio de todos os crentes, também chamado
de sacerdócio universal ou comum (PADILLA, 2012).
Diante de tal relevância, este trabalho procura mostrar como a compreensão correta do
sacerdócio universal dos crentes, apresenta contribuições teológicas, eclesiais e bíblicas
fundamentais para a maturidade dos cristãos.
Isto posto, o presente trabalho tem como objetivo geral apresentar de que forma a
compreensão do sacerdócio universal de todos os crentes pode contribuir com a prática da
vida cristã e com a realidade da igreja evangélica atual, tendo como
benefício o crescimento espiritual à medida que os cristãos aprendem e desempenham seu
papel sacerdotal tanto dentro, quanto fora da igreja.
É notório que os protestantes atuais, em sua maioria, não aprenderam com a história e
caminham a passos largos para o esquecimento do tema em comento. Isto pode ser visto na
cosmovisão dos cristãos e na forma de ser da igreja hodierna, uma vez que ainda é nítida a
separação entre os religiosos e os leigos, sendo aqueles os responsáveis pelo desenvolvimento
religioso das comunidades, enquanto estes se comportam apenas como espectadores ou meros
executores de ordens.
Também é percebido uma valorização da figura pastoral e da comunidade de fé em
níveis antibíblicos, sendo que tal enaltecimento se dá pelos próprios pastores, mas também
pelos seus seguidores resultando em disparates cristãos tais como: a oração do pastor é mais
forte, nesta igreja reside a benção de Deus, o pastor é o ungido do Senhor, ou seja, colocando
a igreja ou o pastor no lugar de Jesus Cristo, mediador entre Deus e os homens.
Assim, dentre outras, a doutrina do sacerdócio universal é uma valiosa ferramenta a
fim de ajudar homens e mulheres no crescimento espiritual, tanto no sentido vertical
(relacionar-se com Deus), quanto no sentido horizontal (relacionar-se com o próximo).
Portanto, buscou-se reunir informações com o propósito de responder ao seguinte problema
da pesquisa: De que maneira a compreensão do sacerdócio universal do cristão pode
contribuir com a prática da vida cristã e com a essência das igrejas contemporâneas?
O que motivou a realização desta pesquisa foi entender que, mesmo após a reforma
protestante do século XVI, que em 31 de outubro de 2019 completa 502 anos, a doutrina do
sacerdócio universal do cristão ainda não é compreendida por muitos cristãos.
Corrobora com o exposto a afirmativa de George (1994, p.96):
A maior contribuição de Lutero à eclesiologia protestante foi a sua doutrina do
sacerdócio de todos os cristãos. Contudo, nenhum outro elemento de seu ensino é
tão mal compreendido. Para alguns, isso significa apenas que não há mais
Sacerdotes na igreja; é a secularização do clero. Dessa premissa, alguns grupos,
notadamente os quacres, defenderam a abolição do ministério como ordem distinta
dentro da igreja. Mais comumente, as pessoas acreditam que o sacerdócio de todos
os cristãos implica que cada cristão é seu próprio Sacerdote, e, assim, possui o
“direito do julgamento privado” em assuntos de fé e doutrina. Ambos os casos
constituem perversões da intenção original de Lutero. A essência de sua doutrina
pode ser expressa numa única frase: todo cristão é Sacerdote de alguém, e somos
todos Sacerdotes uns dos outros.
Com isto, faz se necessário uma análise sobre tal assunto com o intuito de, sem ter a
pretensão de esgotar o tema, trazer luz a um ensinamento bíblico tão importante para a vida e
a saúde da igreja, externados no serviço e obediência a Deus e na comunhão entre os irmãos.
A abordagem teórica, como seguir-se-á, assume uma perspectiva bíblica reformada, ao tentar
compreender a relação histórica entre a doutrina apresentada e as práticas desenvolvidas pela
comunidade cristã ao longo dos tempos, problematizando estas duas vertentes.
O estudo será desenvolvido através de pesquisa bibliográfica, onde se buscará o
entendimento de diversos teólogos, tanto nomes históricos, como contemporâneos, sobre o
assunto, tais como Martinho Lutero, João Calvino, Timothy George, Franklin Ferreira, dentre
outros.
A fim de trazer luz ao método utilizado para o presente trabalho, Gil (2010, p.29- 31)
explica de forma clara a principal finalidade da pesquisa bibliográfica, ele diz que “a pesquisa
bibliográfica é elaborada com base em material já publicado. Tradicionalmente, esta
modalidade de pesquisa inclui material impresso, como livros, revistas, jornais, teses,
dissertações e anais de eventos científicos”, completando ainda, que em algum momento de
um trabalho acadêmico, será feito o uso de tal pesquisa.
Fonseca (2002, p.32) segue a mesma linha ao ensinar que:
A pesquisa bibliográfica é feita a partir do levantamento de referências teóricas já
analisadas, e publicadas por meios escritos e eletrônicos, como livros, artigos
científicos, páginas de web sites. Qualquer trabalho científico inicia-se com uma
pesquisa bibliográfica, que permite ao pesquisador conhecer o que já se estudou
sobre o assunto. Existem porém pesquisas científicas que se baseiam unicamente na
pesquisa bibliográfica, procurando referências teóricas publicadas com o objetivo de
recolher informações ou conhecimentos prévios sobre o problema a respeito do qual
se procura a resposta.
Vaux (2003) também menciona que o sacerdócio não pode ser visto como uma
vocação, e sim como uma função. Assim, a terminologia de sacerdócio pode ser entendida
como a investidura do Sacerdote no cargo, ou seja, o exercício propriamente dito da função
sacerdotal. Andrade (1996) define como a investidura
sacrea amparada pela designação divina, que capacita um homem a interceder, diante de
Deus, pelos demais.
Logo, o entendimento que se tem é o de que a partir do momento em que a figura do
Sacerdote recebe, de forma explícita, uma responsabilidade divina, surge o sacerdócio.
Com a explanação do conceito de sacerdócio, dois pontos devem ser descritos para a
continuidade da construção do raciocínio sobre o assunto. O primeiro é a figura de
Melquisedeque que, segundo a história narrada em Gênesis, foi um Sacerdote do Deus
altíssimo, exercendo um tipo sacerdócio distinto, ou seja, não se confundindo com os
Sacerdotes patriarcas, mas também ocupando uma posição que ainda não tinha sido
estabelecida para o povo de Israel (Gn 14:14-21 e Hb 7:11). Por mais que existam diversas
opiniões sobre essa passagem misteriosa, a certeza é que o escritor de Gênesis narra
Melquisedeque como sendo um Sacerdote oriundo de Deus, e o escritor de Hebreus ratifica tal
entendimento, inclusive demonstrando que este sacerdócio era uma tipologia que aponta para
o sacerdócio de Cristo.
O outro fator a ser considerado é o ponto de partida para o sacerdócio entre os hebreus.
Se antes os Sacerdotes estavam inseridos no sistema patriarcal e de primogenitura, após
Moisés receber as leis do Senhor, com as instruções de como deveria ser a vida e o culto
religioso de Israel, o cenário mudou. Para alguns estudiosos, este evento marca o início do
próprio sacerdócio, uma vez que o povo, ao se deparar com o evento estrondoso ocorrido no
monte, suplica a Moisés para que ele seja o mediador entre eles e Deus. O mesmo
entendimento tem o pastor Isaltino, como se vê:
A função do Sacerdote foi pedida pelo próprio povo. Lemos em Êxodo 20.18- 19:
“Vendo-se o povo diante dos trovões e relâmpagos, e do som da trombeta e do
monte fumegando, todos tremeram assustados. Ficaram à distância e disseram a
Moisés: “fala tu conosco, e ouviremos, Mas que Deus não fale conosco, para que
não morramos”. O povo reconheceu a necessidade de um intermediário da
comunicação entre o divino e o humano. O sacerdotalismo em Israel pode ser datado
a partir daqui (ISALTINO, 2019, p.1).
No entanto, há uma fala divina digna de ser analisada, que se encontra no livro de
Êxodo 19:5-6. Nesse texto, é possível perceber uma antecipação daquilo que, a partir de
Cristo, seria conhecido como: a doutrina do sacerdócio universal de todos aqueles que creem.
De forma explícita, Deus convida seu povo a uma vida de obediência irrestrita à sua Lei. O
cumprimento de tal mandamento não só traria bênçãos para eles, como também faria deles
homens e mulheres que abençoariam
outros povos, caracterizando, assim, uma nação sacerdotal, onde todos os privilégios e
responsabilidades da função seriam inerentes a todo o povo hebreu. Todos fariam a mediação
entre os povos pagãos e o Deus de Israel.
Sobre o tema, Carriker comenta:
Se Deus é o agente e a origem da missão, ele não trabalha sozinho. Seu instrumento
é um povo específico. A missão também é a tarefa da igreja que, por sua vez, é
derivada então da missão de Deus. Deus escolhe um povo específico como
instrumento da sua missão. Elegeu um povo, Israel, no Velho Testamento e com este
fez uma aliança peculiar a fim de que este fosse a sua testemunha no meio das
nações (Gênesis 12.3; Êxodo 19.5-6; Efésios 3.10; 1 Pedro 2.9-10). A eleição de
Israel, antes de denotar qualquer favoritismo exclusivista de Deus, teve um propósito
inclusivo de serviço missionário para as nações. Quando não cumpria este propósito,
Israel era julgado através das mesmas nações para as quais ela deveria ter dado
testemunho e deveria ter sido uma benção (CARRIKER, 1992).
Além da função de entregar os oráculos divinos, a Bíblia relata que também eram
atribuições dos Sacerdotes o ensino da Torá e o serviço do altar, com destaque para a questão
do sacrifício. Em relação ao ensino, esta responsabilidade foi delegada por Deus a este grupo.
Estes homens deveriam guiar o povo israelita sobre as determinações divinas, instruindo-os a
viverem de acordo com a Torah. Outro destaque relacionado às responsabilidades do
ministério sacerdotal de Arão, ou aarônico, era o de fazer sacrifícios a Deus. E por mais que o
senso comum coloque esta função como a principal no ofício sacerdotal, as linhas dos textos
canônicos parecem demonstrar que seria na verdade uma atribuição secundária, já que o
próprio ofertante deveria abater seu sacrifício (Lv 1:5; 3:2,8,13; 4:24,29,33), estando
excluído, contudo, do contato com o altar, encargo este pertencente ao Sacerdote, de seu
direito de o imolar (Lv 1:14-15; 5:8).
Em suma, o que se entende é que o Sacerdote ocupava uma posição de mediador
entre Deus e o homem, assunto este que será exposto no capítulo seguinte. O que se vê no
Antigo Testamento são alguns tipos de sacerdócios apresentados, mesmo que
carecendo de compreensão posterior por se tratarem de tipos ou figuras, que terão sua total
compreensão com o advento do Novo Testamento, no ministério de Jesus. A partir dEle,
Sumo Sacerdote eterno (Hb 7), uma releitura será feita na história do sacerdócio iniciado
em Israel, uma vez que Jesus cumpriu com todas as exigências da Lei, e estando nEle,
o homem não tem mais a necessidade de nenhum semelhante para fazer a mediação
entre ele e Deus, assumindo assim todos os privilégios e responsabilidades que estavam
restritos a um
grupo específico de pessoas.
Pedro tem esse entendimento do tema, e fazendo alusão à passagem de Êxodo, escreve
em sua primeira carta que em Cristo há o cumprimento total daquilo que fora dito aos
israelitas (1 Pe 2.9), dando total compreensão do sacerdócio universal do cristão, que Andrade
(1996, p.221) define do seguinte modo:
sacerdócio UNIVERSAL – Do lat. Sacerdotium + universalis, geral). Prerrogativa
concedida por Cristo Jesus aos que nele creem de, por intermédio de seu sacrifício
na cruz, entrar à presença de Deus sem a necessidade de qualquer mediador terreno.
Logo, será possível perceber que desde a gênese da história hebraica um conceito
se desenvolve até os dias atuais: Deus chamando o homem para relacionar-
se com Ele de forma direta, tal qual foi no Éden. No entanto, devido ao pecado original, o
homem perdeu este privilégio, tendo a necessidade de que homens separados fizessem esta
mediação, mas apenas de forma figurativa, já que, devido à natureza humana, não haveria
condições de relacionar-se com Deus, segundo os padrões estabelecidos por Ele. Estes
homens deveriam expressar em suas vidas os mais altos padrões de santidade e obediência, e
não só isso, também deveriam instruir outros homens a viverem de tal forma, bem como
compadecerem-se daqueles que se afastaram de Deus, e levá-los novamente à presença do
Altíssimo. Isto se deu de forma completa na pessoa de Jesus, visto que Deus escreveu a
história de modo que ela apontasse para o seu Filho, Sumo Sacerdote que cumpre de uma vez
por todas as exigências da Lei divina, permitindo à igreja neotestamentária uma posição
sacerdotal diante de DEle e do mundo.
3. OS DIVERSOS TIPOS DE Sacerdote NA BÍBLIA
Como se constatou até aqui, o Sacerdote é uma figura central no Antigo Testamento,
principalmente pelo fato de que a ele era confiado diversos atos de mediação e de serviço a
Deus e ao povo. Contudo, como também se constatou, a função sacerdotal não é rígida. Tanto
o Sacerdote quanto o sacerdócio foram se desenvolvendo aos poucos, de forma progressiva,
por todo a Escritura Sagrada. Portanto, para se apreender melhor sobre tal perspectiva
importa-nos conhecer um pouco mais sobre os diferentes tipos de sacerdócios, bem como a
figura sacerdotal que os permeiam.
Em cada tempo e contexto, a história bíblica apresenta-nos atos, funções e
responsabilidades bem específicas a cada tipo sacerdotal, desde o modelo mais incipiente, isto
é, o sacerdócio Patriarcal, até o modelo pleno e perfeito, ou seja, o sacerdócio de Cristo,
gerando, assim, implicações importantes para o sacerdócio Universal de todo cristão.
3.1. Sacerdócio Patriarcal
O primeiro tipo de Sacerdote que a Bíblia nos apresenta é aquele que foi exercido
pelos chefes das famílias, os patriarcas (como eram conhecidos). Apesar de não fazer menção
ao termo “Sacerdote” em específico, certo é que estes homens representavam o povo diante de
Deus na entrega de ofertas, e dessa forma, estariam fazendo a mediação entre Deus e seus
familiares.
Noé pode ser apontado como um Sacerdote nesse modelo, uma vez que depois das
águas do dilúvio terem abaixado, ele, representando toda a sua família, ofereceu um
holocausto a Deus, tendo sua oferta sido aceita, conforme se vê no texto abaixo:
Então disse Deus a Noé: - Saia da arca, você, a sua mulher, os seus filhos e as
mulheres dos seus filhos. Faça sair também todos os animais que estão com você,
tanto aves como gado, e todo animal que rasteja sobre a terra, para que povoem a
terra, sejam fecundos e nela se multipliquem. Saiu, pois, Noé, com os seus filhos, a
sua mulher e as mulheres dos seus filhos. E também saíram da arca todos os
animais, todos os animais que rastejam, todas as aves e tudo o que se move sobre a
terra, segundo as suas famílias. Noé levantou um altar ao Senhor e, tomando de
animais puros e de aves puras, ofereceu holocaustos sobre o altar (GÊNESIS 8:15-
20 NAA)
Uma vez que a palavra holocausto pode ser definida como sendo um sacrifício feito a
Deus de forma que o sacrificante estava se dedicando completamente e, dentre as atribuições
do Sacerdote estavam o oferecer holocaustos e o se consagrar ao Senhor, pode-se assim
destacar em Noé a atitude de uma posição sacerdotal.
Outro a desempenhar um papel idêntico, e com mais semelhança à figura do
Sacerdote, foi Jó:
Os filhos dele iam às casas uns dos outros e faziam banquetes, cada um por sua vez,
e mandavam convidar as suas três irmãs a comerem e beberem com eles. Quando se
encerrava um ciclo de banquetes, Jó chamava os seus filhos e os santificava;
levantava-se de madrugada e oferecia holocaustos segundo o número de todos eles.
Pois Jó pensava assim: “talvez os meus filhos tenham pecado e blasfemado contra
Deus em seu coração”. Jó fazia isso continuamente (JÓ 1:4-5 – NAA)
Mais uma vez é visto um líder da família fazendo a mediação entre os membros da
casa com o próprio Deus. Ainda, em semelhança à história de Noé, outro ponto está
relacionado ao holocausto oferecido. Como se percebe, aqui há o detalhe do texto sagrado
ressaltar explicitamente que a preocupação do patriarca era a de santificar os seus filhos,
considerando a hipótese de que eles tivessem transgredido algum mandamento de Deus. Não
se pode esquecer que ambos os personagens estavam inseridos em um contexto distante do
das leis de Moisés. Schultz (1977, p.39) tem o mesmo entendimento, ao dizer que “antes dos
tempos mosaicos, as oferendas usualmente eram apresentadas pelo chefe de uma família, que
oficialmente representava seus familiares no reconhecimento e adoração a Deus!.
Não há muitos detalhes sobre esse tipo de sacerdócio e nem mesmo é apropriado o uso
dessa expressão neste período da história, já que a instituição do sacerdócio, propriamente
dita, será em eventos posteriores, que serão analisados mais à frente. Portanto, reitera-se que o
uso do termo, dentro deste contexto, é anacrônico. Contudo, ainda assim, é bem evidente que
o conceito já estava inserido no âmago do povo que fora escolhido por Deus.
3.2. Um Tipo de Cristo e o sacerdócio Universal - Melquisedeque
Após estas referências à figura sacerdotal, a Bíblia ainda menciona o aparecimento de
Melquisedeque (Gn 14), onde há a expressa menção que o mesmo era Sacerdote do Deus
altíssimo, mesmo sem fazer parte da história do povo hebreu – que tem início em Abrão. Essa
figura misteriosa dá o indício de um novo tipo de sacerdócio que se revelaria com o passar do
tempo, sendo certo que ele era um arquétipo daquilo que se revelaria em Cristo, conforme é
ensinado pelo escritor aos hebreus (Hb 7). O livro de Gênesis 14.18-24 detalha o encontro
entre Melquisedeque e Abrão:
Porque este Melquisedeque, que era rei de Salém, Sacerdote do Deus Altíssimo, e
que saiu ao encontro de Abraão quando ele regressava da matança dos reis, e o
abençoou. A quem também Abraão deu o dízimo de tudo, e primeiramente é, por
interpretação, rei de justiça, e depois também rei de Salém, que é rei de paz; sem
pai, sem mãe, sem genealogia, não tendo princípio de dias nem fim de vida,
mas sendo feito semelhante ao Filho de Deus, permanece Sacerdote para sempre.
Considerai, pois, quão grande era este, a quem até o patriarca Abraão deu os dízimos
dos despojos. E os que dentre os filhos de Levi recebem o sacerdócio têm ordem,
segundo a lei, de tomar o dízimo do povo, isto é, de seus irmãos, ainda que tenham
saído dos lombos de Abraão. Mas aquele, cuja genealogia não é contada entre eles,
tomou dízimos de Abraão, e abençoou o que tinha as promessas (HEBREUS 7:1-6 –
ACF, grifo nosso).
De um lado está Abrão, homem escolhido por Deus, para que através dele todos os
povos da Terra fossem abençoados, representando até o presente momento o sacerdócio
patriarcal e, do outro lado, um rei Sacerdote, sem genealogia, que nada se tem sobre sua
origem, não pertencente ao povo hebreu, mas, o que a Bíblia diz de forma bem clara é que ele
era Sacerdote do Deus Altíssimo, abençoando a Abrão por meio de uma mediação entre este e
Deus. O entendimento de Milt Rodriguez (2015, paginação irregular) reforça tal ideia ao
afirmar que:
O sacerdócio segundo Melquisedeque é eterno e cumpre o pensamento de Deus para
o Seu propósito. Somente um sacerdócio eterno poderia fazer isso. Já que o
propósito do Pai é encher todas as coisas de Cristo, Ele precisaria de um sacerdócio
que fosse baseado na vida de Seu Filho amado.
Arão é chamado para ser Sumo Sacerdote e seus filhos são chamados para o
auxiliarem como Sacerdotes (dando início a uma clara hierarquia entre os cargos), pois desta
forma haveria uma adoração ordenada de acordo com os padrões de Deus, mesmo estando os
israelitas no deserto. Esta escolha era para ensinar ao povo como seria a aproximação a Deus,
sendo a santidade essencial para a comunhão com o mesmo. Os pecados do povo deveriam
ser expiados por sangue, através do sistema de sacrifícios; sistema este que só poderia ser
exercido pelos Sumos Sacerdotes, ou seja, Arão e seus descendentes.
Packer, Merrill e Tenney (1988, p.106) dizem a respeito que:
A esta altura, na história de Israel, passou a existir um sacerdócio ordenado. De
acordo com a ordem de Deus (Êx 28:1), Moisés consagrou seu irmão Arão e aos
filhos deste como Sacerdotes. Estes homens vinham da tribo de Levi. Deste ponto
até aos tempos intertestamentários, o sacerdócio oficial pertenceu aos levitas.
Moisés estabeleceu distinção entre Arão e seus filhos, pois ele ungiu Arão como
“Sumo Sacerdote entre seus irmãos” (Levítico 21:10). Ele distinguiu o ofício de
Arão dando lhe vestes especiais (Êxodo 28:4, 6,39; Levítico 8:7-9). Com a morte de
Arão, as vestes e o ofício passaram para Eleazar, seu irmão mais velho (Números
20:25-28).
Diversas eram as funções estabelecidas para este cargo e todas elas apontavam para
algo futuro; por mais que as pessoas naquela época não tivessem este entendimento. Toda a
vida religiosa de Israel passaria pelo encargo exercido por
estes homens, o que demonstra quão importante era o trabalho de Arão e de sua
descendência.
A este respeito, Ferreira (2002, p.204) comenta:
Deus estabelece os Sacerdotes na história do povo de Israel com a escolha de Arão e
seus filhos (cf Ex 28.1), e como tais, eles deveriam servir como mediadores entre
Deus e os homens, como Sacerdotes e representantes de um Deus Santo, eles
participavam da santidade do tabernáculo e tinham que seguir os padrões rigorosos
da pureza ritualista impostas por Deus (cf Lv 21.1- 22.16). Além dos seus deveres
cerimoniais – tais como: oferecer sacrifícios e cuidarem do lugar de adoração – eles
atuavam ainda como juízes (cf Dt 17.8-13), dispensavam bênçãos (Nm 6.22-27),
apresentavam oráculos (Nm 27.21) e ensinavam a lei divina ao povo (Dt 33.10). Os
Sacerdotes a priori
deviam ser os responsáveis pela verdadeira religiosidade do povo, a fim de que o
culto prestado a Deus fosse legítimo e sem mácula.
O que cabe ressaltar sobre o sacerdócio de Arão, é que além dos variados deveres,
os de maior destaque estavam relacionados à entrada no santíssimo lugar, só permitido ao
Sumo Sacerdote, à instrução da lei de Deus e ao ministério sacrificial. Através dele, o povo e
os próprios Sacerdotes, começariam a desenvolver uma mentalidade de como deveria ser o
relacionamento Deus-homem-pecado; onde havia a necessidade do sangue para a purificação
(Hb 9:22). Como descreve as Escrituras, este sangue deveria ser de um inocente, no caso
um animal. A este respeito, diz
Habershon (1957, p.60):
O sangue dos sacrifícios — primeiramente do boi, e depois do bode — era aspergido
nela no dia da expiação. Os querubins olhavam para aquele sangue, e o olhar de
Deus repousava sobre ele; e, por causa do sangue, podia aceitar o povo. Era uma
expiação, ou tampa de cobertura; pois o próprio Deus não olha através do sangue
precioso. E um a tampa totalmente suficiente para o nosso pecado, de modo que
lemos; “Naquele dia o Sacerdote fará expiação por vocês, a fim de purificá-los, a
fim de estejam puros dos seus pecados diante do Senhor”. Pode ser dito a respeito
deste tipo, o que foi dito na páscoa: “Quando eu vir o sangue, passarei por cima de
vocês”. Em cada caso, o sangue era para ser visto por Deus somente; pois ninguém
podia entrar no Lugar Santíssimo senão o Sumo Sacerdote, e mesmo ele, somente
nessa única ocasião.
Percebe-se nas linhas expostas os princípios básicos que estavam de acordo com o
entendimento judaico em relação ao Sumo Sacerdote e que tinham se cumprido em Jesus,
dando-lhe autoridade para desempenhar tal posição e montada a base para a confiança de todo
aquele que se aproximaria dEle. Contudo, o sacerdócio de Cristo é superior ao de Arão e de
todos os Sumos Sacerdotes, quer sejam anteriores ou posteriores a ele, uma vez que diferente
destes, em Cristo não se achou pecado durante o seu ministério terreno, como se vê abaixo:
Porque nos convinha um Sumo Sacerdote como este, santo, inculpável, sem mácula,
separado dos pecadores e exaltado acima dos céus, que não tem necessidade, como
os outros Sumos Sacerdotes, de oferecer sacrifícios todos os dias, primeiro, por seus
próprios pecados, depois, pelos do povo; porque fez isto uma vez por todas, quando
a si mesmo ofereceu. Porque a lei constitui homens sujeitos a fraquezas como
Sumos Sacerdotes, mas a palavra do juramento, que foi posterior à lei, constitui o
Filho, perfeito para sempre (HEBREUS 7:26-28 – NAA)
Vocês, porém, são geração eleita, sacerdócio real, nação santa, povo de propriedade
exclusiva de Deus, a fim de proclamar as virtudes daquele que os chamou das
trevas para a sua maravilhosa luz (1 PEDRO 2:9 – NAA).
Essa é uma quebra do paradigma sacerdotal do Antigo Testamente que só existe por
causa de Cristo. A partir do entendimento exposto por Pedro, é apresentado o último tipo de
sacerdócio que este trabalho se propõe a analisar: o sacerdócio real de todos os cristãos. Para
tanto, será de grande valia olhar mais detalhadamente para os versículos citados acima.
De início, deve-se notar o paralelo feito por Pedro entre o Sacerdote e os sacrifícios.
Como já comentado, era o Sumo Sacerdote que tinha este privilégio. Mas a partir de, e em
Jesus, todos têm acesso ao local da adoração (Mt 27:51).
Assim, o caminho da adoração não é mais exclusivo de uma classe de pessoas;
suplantando, assim, os sacrifícios judaicos. O homem, tanto judeu quanto gentio, que outrora
era pecador, pode-se aproximar de um Deus que é santo (Rm 12:1-2).
No versículo nove, Pedro faz uma aplicação do texto de Êxodo capítulo dezenove,
versículos cinco e seis, sob a ótica de Cristo. Em primeiro lugar, tal qual aconteceu com Israel
(Is 43:20b-21), aqueles que estão em Cristo foram escolhidos
por Deus e isto não se deu por mérito humano (Jo 15:16), mas unicamente pelo amor que
Deus pelos escolhidos (1 Jo 4:9). A eleição não se dá por obras humanas, e sim por graça
divina, e isto foi visto tanto em Israel como na igreja.
Também é possível entender que todo cristão não é apenas um Sacerdote, mas, sim,
um Sacerdote real; ou seja, pertencente ao corpo de reis (Ap 1:6; 5:10) que exercem o ofício
sacerdotal, pertencentes ao Rei dos reis e introduzidos no Reino dele. Horton (1974, p.31)
comenta que:
Tais expressões (1 Pe 2.9) faziam parte da promessa feita por Deus a Israel no Sinai.
Se tivessem ouvido sua voz e guardado sua aliança, estas coisas seriam verdades
para eles (Êx 19.5,6). Mas, devida a sua desobediência, estas relações e ministérios
nunca chegaram a ser cumpridos na íntegra.
Fez-se necessária a Nova Aliança para conduzir judeus e gentios a um novo corpo.
Sob a Lei, somente algumas pessoas eram separadas como Sacerdotes. A massa do
povo, que não era descendente de Arão, não tomava parte no ministério do templo.
Mas sob a graça, todos os crentes fazem parte do sacerdócio. O cristão não precisa
de ninguém, somente de Jesus, para lhe dar acesso ao Santo dos santos, à presença
de Deus (Hb 10.19,20).
Essa é uma mudança crucial. Afinal, a partir de agora, a mediação não é mais humana.
Cristo é o mediador e agora, qualquer crente em Jesus, pode ter acesso ao Pai. Além disso,
Pedro ressalta que estes Sacerdotes são de propriedade exclusiva de Deus, sendo preservados
por Ele e tendo como função anunciar ao mundo as maravilhas feitas por Deus, tal qual foi o
objetivo inicial para Israel; ou seja, ser benção para todas as nações.
A este respeito, diz Shedd (1993, p.45-46):
Esses filhos do Rei não devem viver ociosamente nem exultar com a glória de sua
honra. Antes, são vocacionados para o ministério pontificial (do latim, ponte,
“mediador”). A missão sacerdotal de Israel na velha aliança que Deus constituiu
como nação foi a de servir de ponte entre o Todo-Poderoso e as nações do mundo
(Êx 19.6). Hoje, todos os que participam do sacerdócio em virtude de sua adoção na
família real de Deus devem servir mediante a intercessão (a ponte da oração),
mediante a evangelização (a ponte da comunicação), mediante o serviço (a ponte da
realização) e mediante demonstração do amor de Deus na prática.
Para além do contato direto com Deus, o cristão é um privilegiado. Ele é chamado a
participar da obra de Deus em testemunho a todas as pessoas e nações. O crente em Jesus é
chamado ao serviço a Deus e às pessoas, assim como eram os levitas. Contudo, este conceito
sacerdotal na figura de Cristo foi esquecido, ao longo dos tempos, por alguns durante toda a
história da igreja cristã. Ainda assim, conforme seu bom propósito, Deus levantou homens
piedosos em determinados tempos para que pudessem ressaltar tal importância. É claro
que, neste caso, falamos dos
reformadores, que se debruçaram sobre esta importante doutrina bíblica na tentativa de
corrigir diversos equívocos cometidos por muitos que não aplicaram o sacerdócio universal
do cristão a partir da pessoa de Jesus Cristo.
4. O SACERDÓCIO UNIVERSAL DOS CRENTES – UMA PERSPECTIVA
TEOLÓGICA E HISTÓRICA
Para além das narrativas bíblicas delineadas acima, importa perceber como o assunto
foi desenvolvido na história da igreja. Como dito há pouco, tal doutrina foi, paulatinamente,
sendo ignorada pela igreja da época. E é somente no período da Reforma que o sacerdócio
universal dos crentes emerge com força e vigor, mudando, de forma significativa, os
caminhos da igreja. Por isso, é de fundamental importância apreender como o assunto foi
tratado pelos reformadores.
4.1 Lutero e o sacerdócio, a Retomada da Concepção: “De Alguns Para Todos”
Depois de passar de perseguida para perseguidora, a igreja cristã adentrou em um
período tido por alguns como período das trevas. E foi, exatamente neste período, mas
propriamente, na Idade Média, que foi desenvolvida plenamente a ideia do sacerdócio
clerical. Tal conceito, distante do que se propunha a partir de Cristo, era concebido por meio
de uma classe distinta, entre Sacerdotes e leigos. Os clérigos, em sua posição hierárquica,
foram dotados de dignidade e direitos especiais, se afastando completamente daquilo que fora
ensinado por Jesus e fora vivido amplamente pela igreja primitiva; ou seja, que todos os
cristãos são Sacerdotes, membros de um mesmo corpo, com funções distintas. Esta ideia se
entranhou de tal maneira na igreja de modo que aqueles que ousassem pensar de forma
diferente estariam sujeitos a severas punições.
Contudo, alguns homens redescobriram princípios básicos que foram abandonados, e
confrontaram de forma veemente as doutrinas ensinadas pela Igreja Católica Apostólica
Romana. Dentre os vários nomes que se insurgiram e mais se destacaram neste cenário, estão
Martinho Lutero e João Calvino.
Lutero era um monge agostiniano, alemão, e teve sua vida totalmente mudada quando
entendeu que a salvação do homem se dava pela fé em Cristo Jesus e não necessitava das
penitências ou das obras, conforme era ensinado pelos Sacerdotes de sua época.
Depois desta grande descoberta, e envolto em grandes crises contra o sistema religioso
dominante da época, Lutero se dispôs a refutar todas as doutrinas que eram vividas e
incentivadas pela Igreja romana, mas que eram conflitantes com a Bíblia.
George (1994, p.145), fazendo um paralelo entre a igreja primitiva e a igreja medieval,
comentou em relação à ceia, algo que traduz o contexto vivido por Lutero:
Até a época da reforma, entretanto, esse rito sofrera um desenvolvimento tão
drástico que dificilmente seria reconhecido como o mesmo evento. Em primeiro
lugar, tornara-se “clericalizado”. Em vez de um ato de adoração com a participação
de toda a igreja, a missa passou a ser uma tarefa especial realizada pelo clero
ordenado. A Eucaristia continuava a ser celebrada a cada domingo, mas a
congregação não mais participava, a não ser na Páscoa. Como a missa era função do
Sacerdote e não do povo, o latim tornou-se a língua da liturgia em lugar da língua do
povo. Naquelas raras ocasiões em que o povo participava, davam-lhe apenas pão,
sendo que o vinho ainda permanecia reservado para os Sacerdotes.
Para Lutero, portanto, a ênfase está na premissa de que todos os cristãos são
Sacerdotes, todos tem os mesmos privilégios e direitos e todos tem livre acesso a Deus. A
distinção se dá apenas no ofício de cada um, afinal, cada pessoa é chamada de alguma forma,
para algum propósito específico. Alguns no ministério da Palavra, outros em sua própria
vocação. Contudo, todos igualmente Sacerdotes de e em Cristo, em serviço a Deus e ao povo
de Deus.
Alguns tratados foram escritos por Lutero durante a guerra que se instalou entre ele e o
papa, representante maior da Igreja romana. E no terceiro destes, em defesa
de suas fortes convicções teológicas, o monge agostiniano escreveu o livreto intitulado “Da
Liberdade Cristã”, de poucas páginas, mas tido como um dos melhores escritos do
reformador.
Nele, Lutero não defendia uma liberdade cristã que conduzisse ao ócio, mas sim uma
liberdade bíblica, atrelada à pessoa de Cristo.
Lessa (2017, paginação irregular) diz:
A ideia principal do opúsculo consiste no princípio de que o cristão é senhor de
todas as coisas, tudo lhe está sujeito e, em virtude da fé, a ninguém se submete. Por
outro lado, em virtude do amor, é servo de todos e sujeito de cada um. As duas
virtudes constituem a vida do cristão, uma o prende a Deus, a outra ao próximo. É a
doutrina de São Paulo. Imitar a Cristo deve ser o ideal do cristão.
Com estas palavras, é nítido ver o compromisso que Lutero tinha com as Escrituras, e
o papel que o sacerdócio de todos os cristãos teve na cosmovisão do reformador. Assim como
eram os Sacerdotes dos tempos da antiga aliança, os cristãos, em Cristo, estão em uma
posição de privilégio, onde podem se achegar a Deus para servi-Lo, e também tendo por
obrigação levarem outros a esta posição de graça. Lutero deu seguimento a uma grande guerra
doutrinária ao se opor de forma contundente às práticas antibíblicas, tidas como normais na
sociedade da Idade Média.
O que se percebe no contexto em que o reformador viveu, é que de um lado existiam
homens sedentos por poder e lugar de destaque, e estes encontraram na religião e nos
conceitos caducados do sacerdócio uma oportunidade para exercerem o domínio sobre os
demais.
No entanto, por outro lado, encontravam-se pessoas totalmente dispersas das mais
nobres doutrinas bíblicas.
Da mesma forma como o povo hebreu clamou para que Moisés fosse o mediador entre
eles e Deus, ao que parece, esta prática ainda se encontrava arraigada nos corações daqueles
que, em Cristo, foram postos em outro nível de relacionamento com Deus. O que se sabe é
que Lutero foi aquele que desferiu duros golpes; contudo, outros ainda tiveram que percorrer
o mesmo caminho na tentativa de consolidar uma doutrina que foi se tornando turva com o
passar dos anos na história da igreja cristã.
4.2. Calvino: Nas Pegadas de Lutero; nas Pegadas de Jesus
Outro importante nome do período da Reforma foi João Calvino (1509-1564). Um
pouco posterior a Lutero, pode-se dizer que ele deu segmento à visão que estava sendo
estabelecida pelo alemão no contexto religioso da época, sendo Calvino, considerado pelos
estudiosos, um reformador da segunda geração.
Apesar de nunca terem tido contato pessoal, alguns historiadores afirmam que Calvino
foi um dos maiores discípulos de Lutero, como se vê nas palavras de Pelikan (1968, p.79),
citado por George (1994, p.166):
Os dois reformadores nunca se encontraram pessoalmente. Ainda assim, Lutero
elogiou alguns dos primeiros escritos de Calvino que lhe haviam sido enviados.
Calvino, por sua vez, chamou Lutero de seu “pai muito respeitável” e
posteriormente declarou: “Nós o consideramos um extraordinário apóstolo de
Calvino, por meio de cujo trabalho e ministério, acima de tudo, a pureza do
evangelho foi restaurada em nossa época”. Ao contrário de Zuínglio, Calvino
nunca declarou ser teologicamente independente de Lutero. Mesmo assim, não foi
um simples imitador de Lutero.
Assim como Lutero, João Calvino teve uma límpida compreensão sobre o sacerdócio
universal dos cristãos. E este entendimento se deu pela alta compreensão que teve de Cristo.
A este respeito, George (1994, p.215) comenta:
Pois Cristo sozinho faz todas as outras coisas subitamente desaparecerem. Portanto,
não há nada que Satanás mais tente fazer do que levantar névoas para obscurecer
Cristo; pois ele sabe que dessa forma o caminho está aberto para todo tipo de
falsidade. Assim, o único meio de manter e também restaurar a doutrina pura é
colocar Cristo diante de nossos olhos, exatamente
como ele é, com todas as suas bênçãos, para que seu poder possa ser
verdadeiramente percebido.
Seguindo a forma de pensar da visão reformada que se instalara na época, Calvino via
o sacerdócio universal dos cristãos como algo que expunha a relação íntima entre o crente e
seu Deus, sem a necessidade de nenhum outro nome, a não ser o de Jesus. Longe de negar a
validade dos ministros e líderes ordenados, o que permeava o pensamento do reformador era
os abusos que normalmente eram inerentes a esta classe religiosa. Dessa forma, Calvino não
apenas se opunha ao clericalismo dominante, como também chamava os cristãos para a
responsabilidade de uma vida digna diante de Deus, sendo isso tanto uma responsabilidade
como um grande privilégio.
Em sua principal obra, Institutas da Religião Cristã, João Calvino (1536, p.255, vol.2)
atrela Cristo ao sacerdócio universal, uma vez que este só pode ser exercido devido à
condição sacerdotal daquele, como pode ser visto:
Agora Cristo exerce a função de Sacerdote, não só para que, mercê da eterna lei de
reconciliação, nos torne o Pai favorável e propício, mas ainda para que nos admita à
participação de tão grande honra [Ap 1.6]. Ora, que em nós mesmos somos
depravados, todavia Sacerdotes nele, oferecemos a Deus a nós mesmos e a tudo que
é nosso e entramos livremente no santuário celeste, para que sejam agradáveis e de
bom odor à vista de Deus os sacrifícios de preces e de louvor que de nós procedem.
E até este ponto se estende essa afirmação de Cristo: “Por causa deles a mim mesmo
me santifico” [Jo 17.19], porquanto, banhados de sua santidade, até onde consigo
nos consagrou ao Pai, nós que, de outro modo, cheiramos mal diante dele, lhe
agradamos como se fôssemos puros e limpos, aliás, até mesmo santos.
Diversos são os aspectos nos dias atuais que comprovam tal afirmação, tais como: o
sentimento de obrigatoriedade de se estar na igreja aos domingos, aos invés de um desejo de
se estar em comunhão com os irmãos para adorarem a Deus; a visão de que o pastor, ou líder,
é dotado de “mais unção” do que os demais membros da igreja; a concepção de que se pode
viver de forma isolada dos demais membros da igreja, dentre outros tantos. Como se constata,
o tema é amplo e abrangente. Diante disso, resta claro que não é possível, no presente
trabalho, abordar todas as implicações inerentes a esta visão teológica obscurecida ou
reducionista. Sendo assim, será tratado, à luz do que já foi exposto, aqueles que são
percebidos como mais perniciosos para uma vida cristã sadia.
O ponto de partida está relacionado à mediação entre o homem e Deus. Como já visto,
com base no estudo do sacerdócio universal, chegou-se ao entendimento de
que somente Jesus Cristo é o mediador entre Deus e o homem. Esta é a verdade
neotestamentária que mudou o sacerdócio para sempre. No entanto, não parece ser esta a
forma de se pensar da maioria dos cristãos atuais, uma vez que, ainda há, mesmo que de
forma velada, a errônea concepção de que os líderes eclesiásticos, em especial os pastores,
serem aqueles que ocupam tal posição diante de Deus. A discussão sobre este ponto ganha
contornos mais alarmantes quando os próprios líderes advogam para si este lugar de
superioridade, revivendo os tempos mais sombrios da história cristã, determinando uma
explícita e equivocada separação entre duas classes de crentes, isto é, clérigos-Sacerdotes e
leigos. Na obra “O que estão fazendo com a igreja”, Augustus Nicodemus trata sobre esta
questão a afirmar que:
Esta visão distorcida da obra de Cristo resulta em alguns danos significativos. Dentre
outros, pode se destacar que o primeiro dano é que o “leigo”, ao assumir tal propositura, deixa
de desfrutar e desenvolver um relacionamento íntimo com o seu Deus. Parece-nos que estes
liderem tencionam desenvolver crentes imaturos, limitados em sua fé, que dependem
constantemente de que alguém os carregue, de um clérigo interceda por ele. Há, de fato, um
muro de separação entre tais classes, onde o sacerdócio é aquele que fala com Deus e o
“leigo” é aquele que depende de tal mediação. Dessa forma, algumas promessas bíblicas,
como aquelas encontradas em Mt 28:20 e 1 Co 3:16, que foram feitas a todos os cristãos, não
são vividas em sua forma plena. As Escrituras evidenciam que qualquer mediação que não
seja a de Cristo, por meio de seu Espírito, não é necessária. Desta forma, se resgata o
princípio reformador Solo Christus. O sacerdócio universal concede, para aqueles que estão
em Cristo, acesso ao santíssimo lugar, um local que outrora era destinado a poucos homens,
mas que atualmente não é cabível mais este tipo de entendimento. Esta
intimidade com Deus é baseada na concepção clara da remissão dos pecados e na salvação
obtida através de Jesus Cristo.
Assim como o Sumo Sacerdote tinha confiança para entrar na presença de Deus,
depois de ter feito o sacrífico em seu próprio favor, os cristãos atuais devem crer e viver os
benefícios do sacrifício único realizado por Jesus, o Sumo Sacerdote perfeito, a fim de
perdoar todos aqueles que se aproximam Dele, fazendo-os inculpáveis perante Deus, como diz
o escritor aos Hebreus (4.16): “Portanto, aproximemo-nos do trono da graça com confiança, a
fim de recebermos misericórdia e encontrarmos graça para ajuda em momento oportuno”.
Através do sacerdócio universal o homem deixa de receber aquilo que merecia, a punição
pelos seus pecados, e recebe aquilo que ele não merecia, o amor e a bondade de Deus.
Misericórdia e graça.
Dentro destas afirmações encontra-se uma das principais teses defendidas por Lutero e
que deve ser vivida por todos aqueles que entendem a doutrina do sacerdócio universal: a
salvação se dá somente pela fé em Jesus e esta dádiva restaura o relacionamento entre o
homem e Deus, uma vez que houve um rompimento deste no Éden (Gn. 3). Aqueles que
entendem estes conceitos expressam no caminhar cristão a verdade relatada em Gálatas 4.7:
“Assim, você já não é mais escravo, porém filho; e, sendo filho, também é herdeiro por
Deus.”
E como filho, todo homem tem a garantia de uma vida de intimidade com o seu pai,
não necessitando de rituais religiosos ou cerimônias externas para que esta convivência possa
ser expressa. Contudo, muitos são os cristãos que, ainda hoje, acreditam na necessidade de
rituais, de lugares santos e homens mediadores para terem seus pecados perdoados, vivendo
desta forma uma vida presa às correntes da religião, e ainda assim, sem nunca terem
desfrutado de uma vida real com Deus. Para estas pessoas, Deus é apenas um Ser
transcendente, negando, desta forma, por seus estilos de vida totalmente discrepantes com o
conceito da doutrina do sacerdócio universal, a imanência Dele, o Deus conosco, o Emanuel
(Mt 1:23). Este é o entendimento de Kivitz (1995, p.60), quando trata em seu livro sobre a
questão do discipulado:
Discipular não consiste em fazer com que alguém se envolva com atividades
religiosas, como cultos, classes para estudos bíblicos e eventos diversos.
Discipular é compartilhar a vida, é envolver-se em um relacionamento pessoal, à luz
da palavra de Deus, para que o Espírito Santo encontre espaço e recursos para
transformar o estilo de vida completo dos discípulos. Cristãos maduros, satisfeitos
na alma em razão do seu relacionamento com Jesus é a proposta do Novo
Testamento a respeito da vida cristã. Veja que o apóstolo Paulo salienta que "todas
as coisas contribuem para o bem daqueles são chamados segundo o seu propósito".
Mas qual é este propósito? A resposta está no versículo seguinte: " serem conformes
a imagem do seu Filho" (Rm 8.28,29).
Certamente não é possível viver uma vida da forma que o autor apresentou, se o
conceito do sacerdócio universal não estiver bem enraizado nas mentes daqueles que fazem
parte da igreja. O cristão deve viver e ser cada dia mais orientado a desfrutar de um estilo de
vida de intimidade com Deus, que transcenda às expressões externas religiosas. O louvor e a
adoração a Deus não estão mais restritos a um lugar, a um dia, a algumas pessoas. O
sacerdócio a partir de Jesus libertou os cristãos para terem uma vida completamente diferente
disso tudo. E este princípio está diretamente relacionado com uma função de grande
importância na vida do Sacerdote, qual seja, o louvor e a adoração a Deus.
O princípio é que toda igreja agora adora e canta a Deus diretamente; toda
congregação exalta a Deus, é o sacerdócio rela que adora a Deus. No VT a adoração
era através de alguém, mas agora é Cristo que nos leva a Deus desfazendo a barreira.
Quem está em Cristo tem acesso direto ao Pai. Quanto mais perto de Cristo, menor a
necessidade de sombras e tipos. Quando Cristo chega as sombras são dissipadas.
Contudo, não se pretende com tais afirmações subtrair a importância que um líder tem
no contexto do corpo de Cristo. Para tanto, pastorear, ensinar, presidir, pastorear, entre
outras tarefas eclesiais, são, igualmente, dons e ministérios
concedidos aos cristãos (Cf. Rm 12:3-8, Ef 4:7-13). Sendo assim, para que a função de
liderança pastoral não seja erroneamente exercida, faz-se necessário evocar o sacerdócio de
todos os crentes, relembrando aos filhos de Deus que todos foram chamados para viverem
uma vida de forma que o nome de Deus seja glorificado (1Co. 10.31). Calvino teve esta
preocupação, de não desvalorizar a figura pastoral, como se vê nas palavras de George (1994,
p.241):
Mas por que os pastores são tão importantes para a igreja? “Por acaso todos não têm
a oportunidade de ler as Escrituras por si mesmas?”, perguntava Calvino. Sim, mas
os pastores tinham de cinzelar ou dividir a Palavra, “como um pai /repartindo o pão
em pequenos pedaços para alimentar seus filhos”. Os pastores devem ser
completamente ensinados nas Escrituras, para que possam instruir corretamente a
congregação na doutrina celeste.
O que pode se apreender de tudo isto é que o pregador ou o pastor, entre outras
funções de perfil de liderança constituem um dom ou ministério dentre os outros que são
concedidos por Deus para a igreja. É por isso que o conceito paulino é de que, na verdade,
aquele que pastoreia é nada mais nada menos que um servo (1 Coríntios 4:1-2). Diante da
doutrina do sacerdócio universal do cristão, todos somos um em Cristo, salvos por Ele, para
servir a Ele e ao povo de Deus, por que “somos membros uns dos outros”, porém, “com
diferentes dons, segundo a graça que nos foi dada” (Rm 12:5,6)
5.3. A Igreja e o Sacerdócio Universal: um Alcance Interno e Externo
Por fim, mas não menos importante, está o dano na esfera do convívio em
comunidade, tanto com os de dentro da igreja como com os de fora dela. A primeira análise
recai sobre aqueles que são membros do corpo de Cristo. Como Lutero defendeu, o
sacerdócio só pode ser vivido em sua íntegra quando é feito para Deus e para o próximo.
Quando o cristão compreende o sacerdócio universal ao qual está inserido, ele
consequentemente vive uma vida madura em comunidade. Este amadurecimento pode ser
externado de várias formas, mas principalmente pelo cuidado para com o próximo, uma vez
que esta também era uma das funções sacerdotais. Este cuidado é expresso na instrução da
Palavra de Deus, nas admoestações, na ajuda, dentre outros mais. Tais cuidados são
evidenciados nos inúmeros mandamentos de reciprocidade contidos no Novo Testamente. Por
diversas vezes as Escrituras ordenam o amor, o acolhimento, o suporte, o perdão, a
admoestação, a intercessão, o consolo etc. de forma recíproca.
O poder, a graça salvadora, conferidos por Deus aos que creem não pode ser
aprisionado ao âmbito do privado, nem ao individual, o que acarretaria, no primeiro
caso, dissociação de seu caráter comunitário e, no segundo, usurpação e dominação.
O ministério da Palavra é sempre público e, como tal, comunitário. Trata-se, pois, de
um pleno poder comum ao povo de Deus. Nem mesmo os apóstolos enquanto
líderes da igreja cristã da primeira hora apresentaram-se como representantes do
ministério cristão. Serviço à Palavra constitui em ação exortativa compulsória, um
ter de ser, cabendo a todos os que com esta se encontram vinculados. [...]Na ocasião
em que os apóstolos Pedro e João foram levados diante das lideranças sacerdotais
judaicas a explicar suas ações e sua proclamação do evangelho de Jesus Cristo,
tendo respondido a estas que não podiam “deixar de falar das coisas que vimos e
ouvimos”, fica evidente em sua reação que não se encontravam ancorados em sua
própria autoridade, antes na daquele que o Novo Testamento apresenta como sendo
o Sumo Sacerdote (At 4.10-12).
Por consequência, pode ser visto que o princípio da função pretérita do Sacerdote
estabelecido no Antigo Testamento, qual seja, a responsabilidade para com os professantes da
mesma fé, permanece inalterada. Só que agora, não é só a responsabilidade de uma pessoa
apenas, mas, de todos, por meio de um sacerdócio não mais exclusivista, mas, universal.
Para com os de fora da igreja, talvez esteja aqui o maior problema da falta de
compreensão da doutrina estudada, afinal, o sacerdócio dos que creem instiga para que se leve
pessoas que estão distantes de Deus para um caminho de reconciliação com Ele. Deus propôs
aos homens, tal qual foi em toda a história narrada nos livros do Antigo Testamento, para que
eles fossem bênçãos para todos os povos que estavam distantes dEle. Por isso, o chamado que
foi feito para o povo no deserto (Êx 19) continua verdadeiro para a Igreja atual. É através da
igreja, que vive uma vida sacerdotal, que o mundo verá a forma que Deus projetou para o ser
humano viver, pois vivendo desta forma, onde quer que se esteja, ali se estará preocupado em
glorificar a Deus, seja no trabalho, em casa, na faculdade ou mesmo em momentos de lazer.
Fischer (2018, p.57) completa tal compreensão ao afirmar que:
Aquele que recebe ensino não consegue deixar de ensiná-la e, nisto que faz será
sempre um Sacerdote em serviço. Tal dinâmica, que não deve ser cerceada por
ninguém, ocorre na família, nas ruas, nos ambientes de trabalho e nos lugares de
reunião da igreja. Todos os que conhecem a mensagem do evangelho de Cristo são
interpelados pelo Espírito Santo a também anunciá- la; trata-se de testemunho
público, isto é, não feito à revelia e às escondidas da comunidade em seu todo,
mesmo que ocorra em espaços onde se encontrem apenas poucas pessoas.
Os cristãos não foram chamados para viverem uma função sacerdotal que tem fim em
si mesma. “Deus amou o mundo,” alerta João em seus escritos, e este amor deve ser
demonstrado para todos aqueles que vivem como filhos pródigos, rejeitando a Deus, vivendo
suas vidas de forma inconsequente. Para isso, necessário se faz a compreensão do estilo de
vida que todo cristão foi chamado a viver, isto é, uma vida sacerdotal, sacerdócio este vivido
em Jesus, onde não há mais separação entre lugares santos e profanos. Os cristãos precisam
reavivar, com urgência, esta doutrina tão importante para que tenham condições de anunciar
as maravilhosas obras de Deus, como Pedro admoestou em 1 Pedro capítulo dois, versículo
nove.
6. CONCLUSÃO
Em pesquisas futuras, serão abordados temas mais específicos que tenham relação
íntima como o sacerdócio universal, visto ser de grande abrangência o estudo realizado e com
desdobramentos em várias áreas, tendo como principais a eclesiologia, a teologia pastoral, o
evangelismo, igreja e a sociedade. Todas elas com uma correlação muito específica com o
sacerdócio obtido para todos os cristãos que se encontram em Jesus Cristo. Por ora, nosso
desejo é de que a igreja contemporânea
possa olhar para as Escrituras, assim como fez a igreja primitiva e a igreja que se reformou,
para que, a partir da Palavra de Deus, ela possa viver uma vida cristã coerente, biblicamente
sadia e doutrinariamente correta. Para tanto, não há como viver tal realidade sem que a
doutrina do sacerdócio universal de todo aquele que crê seja exercida nas igrejas e de forma
prática na vida dos crentes em Jesus. Que assim fazer a diferença neste mundo, como geração
eleita, como sacerdócio real, de propriedade exclusiva de Deus, a fim de proclamar as virtudes
daquele nos chamou das trevas para a sua maravilhosa luz (1 Pe 2:9).
BIBLIOGRAFIA
BÍBLIA Sagrada: Nova Versão Transformadora. 1ª. ed. São Paulo: Mundo Cristão, 2016.
BUCKLAND, A.; WILLIANS,. Dicionário Bíblico Universal. São Paulo: Vida Nova,
2010.
CALVINO, J. As Institutas. Tradução de Waldyr Carvalho Luz. Clássica. ed. São Paulo:
Cultura Cristã, v. 4, 2018.
CALVINO, J. As Institutas. Tradução de Waldyr Carvalho Luz. Clássica. ed. São Paulo:
Cultura Cristã, v. 2, 2018.
FERREIRA, F.; MYATT, A. Teologia Sistemática. São Paulo: Vida Nova, 2002.
GEORGE, T. Teologia dos Reformadores. 1ª. ed. São Paulo: Vida Nova, 1994.
PACKER, J.; TENNEY, M.; WHITE JUNIOR, W. Vida Cotidiana nos Tempos
Bíblicos. São Paulo: Vida, 1988.
PFEIFFER, C.; VOS, H.; REA, J. Dicionário Bíblico Wycliffe. 4ª. ed. Rio de Janeiro:
CPAD, 2000.
RICHARDSON, D. O Fator Melquisedeque: O Testemunho de Deus nas Culturas por
Todo o Mundo. São Paulo: Vida Nova, 2008.
SPROUL, R. C.; NICHOLS, S. O Legado de Lutero. São José dos Campos: Fiel, 2017.
Não Paginada.
THEMUDO, V. Lutero: Sua Vida e Sua Obra. 1ª. ed. Brasília: Monergismo, 2017. Não
Paginada.