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Praia de nudismo em Salvador,


Shangrilá marcou início dos anos 80
JOÃO GABRIEL GALDEA FEBRUARY 13, 2022

40+

Estudantes da Ufba chamaram a atenção ao criarem reduto naturista na


encosta do Corredor da Vitória; relembre
Empata moda: assim pode ser definida, sem cobrir as vergonhas, uma
reportagem do Correio da Bahia publicada em 30 de julho de 1980, que
desnudava um recém estabelecido point de naturismo em plena região
central de Salvador. A tal modinha muderninha, que o jornal definiu como
“banho de mar nos trajes de Adão e Eva”, fora lançada por estudantes da
Universidade Federal da Bahia (Ufba), os quais batizaram a praia de
nudismo, improvisada na encosta do Corredor da Vitória, de Shangrilá.

O nome fazia referência a um local paradisíaco descrito no livro ‘Horizonte


Perdido’ (1933), de James Hilton, mas que o jornal preferiu comparar a um
point do nudismo nada ficcional, na costa francesa. “Descendo pouco mais
de cem degraus, a partir do Corredor da Vitória, em pleno centro da cidade,
você pode chegar a Shangrilá, uma espécie de paraíso para gente muito
escolhida: uma praia onde você pode ficar tão à vontade como só em Saint-
Tropez. Todo mundo literalmente nu à luz do sol baiano”, dizia uma
primeira reportagem, que parecia estar num ponto equidistante entre a
denúncia e a galhofa.
“Um grupo de jovens universitários, descontentes com o mundo como
todo jovem que merece este nome, procura mudar em versos o sistema.
Um jeito muito à vontade de fazer Riviera ao sol baiano, que não respeita
inverno para quem gosta de tirar a roupa toda”, comentava o texto,
assinado pelo repórter Alberto Sobral.

A turma do desbunde não era lá muito volumosa, mas com a bunda de fora,
captada pela repórter fotográfica Sônia Carmo, parecia multidão. “Shangrilá.
Nome de mar, local ainda disputado por meia dúzia de homens e mulheres
para a prática do nudismo. Pouca gente sabe que em plena área da Vitória,
por trás do Restaurante Universitário, está uma belíssima ponta de mar,
voltada para o Iate [Yacht] Clube da Bahia, frequentada, especialmente, por
estudantes universitários e, a partir de hoje, naturalmente, por curiosos”.
O grupo, destacava a matéria, “era restrito — mais parecendo uma família”,
e se divertia “sem roupa, apreciando a Ilha de Itaparica (à frente), a praia da
Gamboa (à direita) e o Iate Clube (à esquerda)”. Ao citar Itaparica, lembra
que, “antes da classe média invadir a região através dos loteamentos”,
também rolavam relatos de peladões circulando por lá, assim como em
Arembepe.

Contra o tédio das aulas


O motivo para o grupo se retar, tirar a roupa e ficar nu também chega a ser
analisado pelo repórter, num ensaio de mergulho sociológico na praia dos
peladões. “Como a repressão é grande nessa província e nada que bula com
os padrões da moral da sociedade tupiniquim fica sem uma resposta, a
rapaziada, antes frequentadora assídua do Porto ou do Farol da Barra, passa
a utilizar a praia de Shangrilá. Inicialmente tomando banho e pescando, em
meio a conversas sobre o tédio das aulas, a falta de estímulo para o estudo e
as perspectivas do mercado de trabalho, o grupo de homens e mulheres
curtia o sol”, anotava a reportagem intitulada ‘A Riviera é na Vitória: todo
mundo nu na praia’.
Os papos astrais que rolavam por lá também foram reportados: “Em
Shangrilá não há possibilidade de repressão intelectual, política, sexual
qualquer que seja. A confraternização é geral. O amor é a palavra de ordem.
Os jovens mantêm o simbolismo da pureza. Em Shangrilá não há espaço
para discussões estéreis, voláteis. Os intrusos são rechaçados, tanto por não
possuírem ‘cabeça’ para acompanhar o ritmo natural da coisa, como pelo
fato de se tornarem, em função da primeira característica, pessoas
indesejáveis”.

Prova da pureza de intenções da turma, defende o repórter, foi uma tentativa


malograda de intercâmbio entre “os poetas do Shangrilá” e gente com
segundas intenções, que chegavam em embarcações.

“Se existe tanta pureza e lirismo em Sangrilá, já começam a aparecer


‘coisas’ no local. Um só exemplo são as lanchas, que partindo da Iate
Clube, nos dias de orgias, ancoram no local, solidarizando-se com a
rapaziada pelada. A confraternização ainda não foi incorporada pelos
grupos”.
Fim do sonho
Quase uma semana depois, o Correio voltou ao lugar e não achou mais
ninguém para contar a história — ao menos sem roupa. Numa segunda
reportagem, publicada em 4 de agosto, e intitulada ‘Shangrilá acabou?’,
afirma que “uma noção de defesa da privacidade em praia pública fez com
que os poetas nudistas de Shangrilá perdessem a desinibição com que foram
registrados pela imprensa.”

“No fim de semana a praia estava praticamente deserta e os poucos


frequentadores usavam tímidos biquínis e sungas, além de uma certa
agressividade contra os supostos invasores de seu paraíso-para-iniciados”,
neste caso, os jornalistas.

“Desde a semana passada que os jovens universitários frequentadores de


Shangrilá abandonaram a praia. Os poucos que apareceram preferiram o
biquíni e a sunga e nem o topless foi tentado. A revolta era geral,
principalmente depois que alguns curiosos representantes de órgãos de
imprensa do sul do País invadiram o paraíso, tentando saber detalhes da
pequena colônia de nudismo”, diz o texto, dando a dimensão que a história
ganhou.

Sem se identificar, um funcionário do Restaurante Universitário contou que


o Shangrilá passou, da noite para o dia, a ter um acesso muito grande de
curiosos. “A praia era quase que desconhecida e a moçada ficava à vontade,
sem perturbar ninguém”, relembrou, em tom de lamentação.

Ele contou ainda que o nudismo no Shangrilá já acontecia há algum tempo


e de forma natural.

“Eles não faziam isto para aparecer, do contrário preferiam um local


público. O fato dos rapazes ficarem nus não provocava bagunça. Era tudo
muito natural”, analisou o funcionário.

Apesar da disponibilidade dele, entre os frequentadores, o ambiente era de


revolta com os jornalistas, “principalmente depois da reportagem publicada
no Correio da Bahia.” Mas passada a zanga, comentaram o que aconteceria
depois de alguns dias: “os caretas em breve esquecerão tudo e nós voltaremos
a nossa tranquilidade”.
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