Relação Entre A Microbiota Oral e o Desenvolvimento Do Câncer de Boca

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Brazilian Journal of Health Review 1

ISSN: 2595-6825

Relação entre a microbiota oral e o desenvolvimento do câncer de boca

Relationship between oral microbiota and the development of oral


cancer

Relación entre la microbiota oral y el desarrollo del cáncer bucal

RESUMO
Os microrganismos na cavidade oral influenciam a incidência e o desenvolvimento de
tumores, podendo servir como biomarcadores em estudos sobre câncer bucal. Objetiva-
se investigar as evidências disponíveis na literatura sobre a relação entre a microbiota
oral e o câncer de boca. Realizou-se uma revisão integrativa, incluindo artigos em
português, espanhol e inglês, das bases de dados BVS e PubMed, com exclusão de
duplicatas, opiniões, reflexões e editoriais. Ao final, 14 estudos foram incluídos. Os
resultados revelaram consenso entre várias espécies bacterianas na carcinogênese, com
níveis mais altos de Peptostreptococcus, Fusobacterium, Prevotella, Porphyromonas,
Veillonella, Haemophilus, Rothia e Streptococcus em amostras de carcinoma de células
escamosas (CCE), enquanto Actinomyces, Sutterella, Stenotrophomonas, Anoxybacillus
e Serratia foram observados em níveis mais baixos. A disbiose da microbiota oral
associou-se fortemente à carcinogênese e ao CCE. O tabagismo reduziu a diversidade
bacteriana e modificou a composição, favorecendo R. mucilaginosa, Streptococcus
salivarius e S. mitis. Bactérias periodontais como P. gingivalis, P. intermedia e F.
nucleatum foram consideradas essenciais para o desenvolvimento do CCE oral. Níveis
mais altos de Porphyromonas, Solobacterium, P. melaninogenica, Fusobacterium,
Leptotrichia e Lautotropia foram detectados no líquen plano oral, enquanto
Haemophilus, Leptotrichia, Campylobacter, Rothia mucilaginosa e Fusobacterium
foram mais prevalentes em leucoplasia. Candida albicans foi a espécie fúngica mais
comum, e o HPV o vírus mais identificado. Conclui-se que a relação complexa entre
microbiota oral e câncer bucal destaca a importância de se investigar mais as interações
presentes. Estudos apontam que a disbiose oral está associada ao Carcinoma
Espinocelular (CEC).

Palavras-chave: câncer de boca, microbioma, microbiota.

ABSTRACT
Microorganisms in the oral cavity influence tumor incidence and development,
potentially serving as biomarkers in oral cancer studies. The aim is to investigate
available evidence regarding the oral microbiota's relationship with oral cancer. An
integrative review was conducted, encompassing articles in Portuguese, Spanish, and
English, from BVS and PubMed, excluding duplicates, opinions, reflections, and
editorials. Ultimately, 14 studies were included. Results showed consensus among
various bacterial species in carcinogenesis, with higher levels of Peptostreptococcus,
Fusobacterium, Prevotella, Porphyromonas, Veillonella, Haemophilus, Rothia and
Streptococcus in squamous cell carcinoma (SCC) samples, while Actinomyces,
Sutterella, Stenotrophomonas, Anoxybacillus and Serratia were observed at lower
levels. Oral microbiota dysbiosis strongly correlated with SCC and carcinogenesis.
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Smoking reduced bacterial diversity, favoring R. mucilaginosa, Streptococcus


salivarius and S. mitis. Periodontal bacteria like P. gingivalis, P. intermedia and F.
nucleatum were considered essential for SCC development. Higher levels of
Porphyromonas, Solobacterium, P. melaninogenica, Fusobacterium, Leptotrichia and
Lautotropia were found in oral lichen planus, while Haemophilus, Leptotrichia,
Campylobacter, Rothia mucilaginosa and Fusobacterium were more prevalent in
leukoplakia. Candida albicans was the most common fungal species, and HPV was the
most identified virus. It is concluded that the complex relationship between oral
microbiota and oral cancer emphasizes the importance of further investigating present
interactions. Studies indicate oral dysbiosis is associated with Squamous Cell
Carcinoma (SCC).

Keywords: oral cancer, microbiome, microbiota.

RESUMEN
Los microorganismos en la cavidad oral influyen en la incidencia y desarrollo de
tumores, siendo biomarcadores en estudios sobre cáncer bucal. Este estudio investiga la
relación entre la microbiota oral y el cáncer de boca. Se realizó una revisión integrativa,
incluyendo artículos en portugués, español e inglés, de las bases de datos BVS y
PubMed, excluyendo duplicados, opiniones, reflexiones y editoriales. Se incluyeron 14
estudios. Se observó consenso entre varias especies bacterianas en la carcinogénesis,
con niveles más altos de Peptostreptococcus, Fusobacterium, Prevotella,
Porphyromonas, Veillonella, Haemophilus, Rothia y Streptococcus en muestras de
carcinoma de células escamosas (CCE), mientras que Actinomyces, Sutterella,
Stenotrophomonas, Anoxybacillus y Serratia estuvieron en niveles más bajos. La
disbiosis oral se asoció fuertemente con la carcinogénesis y el CCE. El tabaquismo
redujo la diversidad bacteriana y modificó la composición, favoreciendo a R.
mucilaginosa, Streptococcus salivarius y S. mitis. Bacterias periodontales como P.
gingivalis, P. intermedia y F. nucleatum fueron esenciales para el desarrollo del CCE
oral. Se detectaron niveles más altos de Porphyromonas, Solobacterium, P.
melaninogenica, Fusobacterium, Leptotrichia y Lautotropia en el liquen plano oral,
mientras que Haemophilus, Leptotrichia, Campylobacter, Rothia mucilaginosa y
Fusobacteria fueron más prevalentes en la leucoplasia. Candida albicans fue la especie
fúngica más común, y el VPH fue el virus más identificado. Se concluye que la
compleja relación entre la microbiota oral y el cáncer bucal subraya la necesidad de
investigar más las interacciones presentes. Estudios indican que la disbiosis oral está
asociada con el Carcinoma Espinocelular (CEC).

Palabras clave: cáncer bucal, microbioma, microbiota.

1. INTRODUÇÃO

O câncer da cavidade oral é uma das neoplasias malignas mais comuns [1].
Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), ele é 13º câncer mais frequente em
todo o mundo. A incidência global de câncer do lábio e da cavidade oral é estimada em
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377.713 novos casos e 177.757 mortes em 2020 [2]. A sua etiologia é multifatorial e
está relacionada a fatores genéticos, epigenéticos, habituais e microbianos, que
frequentemente variam com regiões geográficas ou grupos étnicos [3].
Seus fatores de risco incluem tabaco e álcool, inflamação crônica, radiação
ultravioleta (UV), vírus do papiloma humano (HPV) ou infecções por Candida,
imunossupressão, predisposição genética e dieta [4]. Foi evidenciado que a associação
de tabagismo, consumo excessivo de álcool e falta de higiene oral, eleva a probabilidade
de desenvolvimento de câncer bucal, devido à presença de inflamação crônica e
infecção [5]. Além disso, a existência de infecção bacteriana emerge como uma das
principais razões por trás da inflamação crônica, favorecendo o aumento da proliferação
celular, mutagênese, ativação de oncogenes e angiogênese, fatores que conduzem ao
surgimento do câncer oral [6]. Esses elementos desempenham um papel crucial na
patogênese do câncer, influenciando a microbiota residente que é responsável pela
manutenção do equilíbrio no ambiente oral [7].
O microbioma oral é uma das comunidades microbianas mais importantes do
corpo humano, destacando-se como uma das cinco áreas prioritárias de pesquisa do
Projeto Microbioma Humano (PMH), junto com a cavidade nasal, vagina, intestino e
pele [8]. Inclui trilhões de microorganismos como bactérias, fungos, arqueas e vírus que
habitam um hospedeiro específico. Esses microrganismos podem ter efeitos benéficos
ou deletérios em seu hospedeiro [9]. O equilíbrio entre o hospedeiro humano e a
microbiota são importantes para função normal do corpo humano. Se a sua homeostase
for distorcida e algumas bactérias patogênicas se tornarem mais prevalentes na região,
podem então ocorrer as doenças [10].
Viu-se que algumas bactérias específicas foram reconhecidas como tendo
correlação com carcinomas espinocelulares orais (CECOs), foram detectados níveis
significativamente mais elevados em suas amostras, incluindo Streptococcus sp.,
Peptostreptococcus sp., Prevotella sp., Porphyromonas gingivalis, Capnocytophaga
gingivalis, Prevotella sp., Fusobacterium sp. e Veillonella sp. [10, 11, 12]. Portanto, os
micróbios orais podem refletir a saúde humana, pois certos estados de saúde parecem
estar relacionados à composição das bactérias orais, e a destruição da comunidade
microbiana está relacionada a doenças sistêmicas [8].
Diante dessa perspectiva, torna-se evidente que microrganismos presentes na
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cavidade oral exercem uma influência direta na incidência e no desenvolvimento de


tumores. Essa influência se dá por meio da regulação de citocinas e vias específicas, que
estimulam tanto a formação, a heterogeneidade e a metástase de tumores quanto a
resposta modular imune que se estabelece entre os tumores e o organismo [13, 14].
Os micróbios orais desempenhando esse papel têm o potencial de servir como
biomarcadores valiosos para estudos sobre cânceres orais, possibilitando a detecção
precoce do seu desenvolvimento [15, 16]. Dessa forma, uma compreensão aprofundada
da relação entre a microbiota oral e o desenvolvimento de câncer de boca desempenhará
um papel significativo no diagnóstico, tratamento e prognóstico desses pacientes.

2. OBJETIVOS

Investigar as evidências científicas disponíveis na literatura sobre a relação da


microbiota oral e o desenvolvimento do câncer de boca.

3. METODOLOGIA

Este estudo trata-se de uma revisão integrativa da literatura. Com o propósito


de nortear um embasamento teórico sólido, foi formulado o seguinte questionamento:
Qual a relação entre a microbiota oral e o desenvolvimento do câncer de boca?
Levando essa pergunta em consideração, foi realizada uma busca ampla e diversificada
a partir do estabelecimento de critérios para inclusão e exclusão de estudos.
O levantamento bibliográfico foi realizado em novembro de 2023. Foram
incluídos artigos publicados nos últimos 5 anos (2018-2023), disponíveis na íntegra, nos
idiomas português, espanhol e inglês, buscados nas seguintes bases de dados: Biblioteca
Virtual de Saúde (BVS) e PubMed. Não foram considerados artigos repetidos, artigos
de opinião, de reflexão e editoriais. As informações foram localizadas através dos
descritores em inglês Microbiota e Oral Cancer, com o auxílio do operador booleano
AND.
Inicialmente, foram encontrados 87 artigos na base de dados PubMed e 88 na
Biblioteca Virtual de Saúde (BVS). Foram considerados os seguintes critérios de
elegibilidade: foram incluídos 1) artigos cujo foco principal era o papel da microbiota
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para o desenvolvimento/surgimento do câncer de boca; 2) artigos com dados/resultados


sobre câncer de cavidade oral. Foram excluídos 1) artigos com resultados que
relacionaram a microbiota presente na cavidade oral apenas durante e para a
evolução/progressão do câncer, e não para o desenvolvimento/surgimento da doença; 2)
artigos que demonstraram apenas dados/resultados sobre câncer de cabeça e pescoço
(por exemplo, neoplasias de faringe, orofaringe, laringe, cavidade nasal e seios
paranasais, regiões do neurocrânio etc.), sem a presença de dados sobre a cavidade oral
propriamente.
Após avaliação dos critérios de elegibilidade e leitura de todos os títulos e
resumos, 29 estudos foram selecionados para leitura na íntegra, a fim de confirmar se
estavam em conformidade com os critérios estabelecidos e se respondiam à pergunta
norteadora. Após a análise, 14 artigos foram incluídos neste estudo.

4. RESULTADOS

Os 14 artigos incluídos no estudo foram selecionados conforme fluxograma


disposto na Figura 1. As evidências científicas encontradas foram sintetizadas no
Quadro 1, que dispõe os principais resultados dos estudos integrados nessa revisão.

Figura 1. Fluxograma para inclusão dos artigos na revisão

Fonte: Elaborado pelos autores


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Quadro 1. Síntese de evidências.


Estudo (ano) Principais resultados

Os microbiomas do C. albicans, Streptococcus alpha hemolyticus,


Mallika, L. et al. Pseudomonas aeruginosa, Klebsiella, Leptotrichia, S. salivarius, Coliformes,
(2020) [17] Helicobacter pylori, HPV 16, 18, vírus Epstein-Barr, HSV 6 e da microflora
mucosa foram associados à carcinogênese.

O estudo destacou a influência das funções microbianas no surgimento do


Sarkar, P. et al. CEC, com associação significativa entre HPV-16 e câncer. A correlação entre
(2021) [18] gêneros bacterianos e vírus oncogênicos sugere a influência da disbiose no
câncer oral.

Vyhnalova, T. et Muitos microrganismos, como P. gingivalis, F. nucleatum e C. albicans,


al. foram implicados na carcinogênese oral devido a suas ações pró-
inflamatórias. Além disso, os genes virais E6 e E7 do HPV estão fortemente
(2021) [19] ligados ao desenvolvimento do câncer.

Inflamação crônica e disbiose promovem microrganismos na leucoplasia


oral, como Fusobacterium, Leptotrichia, Campylobacter, Rothia e C.
Saikia, P. J. et al.
albicans. HPV está ligado ao CEC. Streptococcus spp, Veionella spp e
(2023) [20]
Staphylococcus aureus produzem metabólitos cancerígenos na carcinogênese
oral.

Chattopadhyay,
P. gingivalis e F. nucleatum induzem a produção de citocinas inflamatórias,
I; Verma, M;
proliferação celular e inibição da apoptose, invasão celular e migração
Panda,
através de alterações genômicas nas células hospedeiras.
M. (2019) [6]

Níveis mais elevados de Porphyromonas, Solobacterium, P. melaninogenica,


Tuominen, H;
Fusobacterium, Leptotrichia e Lautotropia foram detectados no líquen plano
Rautava, J.
oral. A leucoplasia abriga mais Haemophilus, Leptotrichia, Campylobacter,
(2021)
R. mucilaginosa e Fusobacteria, com níveis mais baixos de Firmicutes. São
[10]
necessários mais estudos sobre a microbiota oral em eritroplasias.

Fusobacterium e Prevotella foram predominantes em pacientes com lesões


Ganly, I. et al. pré-malignas, sendo Prevotella o principal contribuinte para genes pró-
(2019) [21] inflamatórios, junto com Alloprevotella, Fusobacterium, Veillonella e
Porphyromonas.
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O acetaldeído (ACH) desempenha papel crucial no câncer oral, sendo gerado


Smedra, A; pela degradação do álcool na mucosa, no microbioma oral e na própria
Berent, bebida alcoólica. Espécies como Neisseria, S. salivarius, S. gordonii, S.
J. (2023) [22] intermedius, S. mitis, R. mucilaginosa, Prevotella e C. albicans, podem
produzi-lo..

Pignatelli, P. et
al. Fusobacterium nucleatum e Porphyromonas gingivalis apresentam
mecanismos de inflamação que desempenham papel na carcinogênese.
(2022) [23]

Certos gêneros bacterianos, como Porphyromonas e Streptococcus, estão


Pratap Singh, R.
associados às células do sistema imunológico no ambiente tumoral, podendo
et al. (2023) [24]
modular o ambiente imunológico e influenciar o desenvolvimento do câncer.

Herreros- Fusobacterium é mais comum em pacientes com CECO e na sobreposição de


Pomares, CECO e leucoplasia verrucosa proliferativa (LVP), indicando associação com
A. et al. (2023) lesões avançadas de câncer oral. Campylobacter é mais frequente em
[25] pacientes com LVP e LVP+CECO.

Saxena, R. et al. O tabaco sem fumaça reduz a diversidade microbiana. Streptococcus é mais
(2022) [26] prevalente em não usuários e no tecido saudável de pacientes com CECO. V.
dispar e R. mucilaginosa são marcadores potenciais para disbiose oral.

Bactérias anaeróbicas ligadas ao tabaco predominam na saliva, indicando


Kushwaha, S. S. desequilíbrio na flora oral. Bactérias aeróbicas são mais comuns em
et al. (2021) [27] fumantes, sugerindo influência do tabagismo na composição microbiana.
Streptococcus spp são mais prevalentes em não fumantes, mostrando
diferenças na microbiota com base no hábito de fumar.

Microrganismos como Alloprevotella sp, Streptococcus sp, S. anginosus e S.


Stasiewicz, M;
mitis aumentam o risco de câncer oral, especialmente o CECO. O HPV
Karpinski, T.
também aumenta esse risco. Candida albicans está presente em lesões pré-
(2022) [28]
cancerígenas como leucoplasia e líquen plano oral.

Fonte: Elaborado pelos autores

5. DISCUSSÃO

Sabe-se que a microbiota oral é composta por múltiplas espécies de


microrganismos, tais como bactérias, fungo e até mesmo vírus. Para determinar a
correlação entre o câncer oral e a microbiota da região é necessário estabelecer quais
são as vias de danos aos tecidos orais e seu potencial carcinogênico, juntamente com a
identificação de patógenos que estão mais comumente presentes nesse processo [29].
Os danos teciduais causados por fungos, especialmente Candida albicans,
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iniciam-se após uma disbiose na região, muitas vezes devido à diminuição da eficácia
imunológica. A produção de protease aspártica digere o epitélio superficial, permitindo
a entrada nos tecidos subjacentes. O Candida também pode iniciar a proliferação
celular, possivelmente levando à expansão clonal de células geneticamente alteradas
[30].
Algumas espécies bacterianas, como a P. gengivalis, desempenham um papel
significativo no câncer ao induzir a invasão celular. Ela pode produzir cisteína
proteinase, retendo o receptor PAR2 e clivando a pró-enzima de MMP-9, convertendo-a
em sua forma ativa. A MMP-9 desintegra a membrana basal e a matriz extracelular,
promovendo a migração e invasão de células tumorais, facilitando a metastização e
contribuindo para o desenvolvimento e progressão do câncer [31].
Em relação ao HPV, sua infecção inicial na camada basal ocorre em três
processos principais: replicação por plasmídeo, replicação vegetativa e replicação
produtiva. Esses eventos promovem mudanças nos queratinócitos, integração do
genoma viral às células hospedeiras e perturbação dos mecanismos de controle celular,
impulsionando o desenvolvimento do câncer [32].
Nos artigos analisados, existe uma concordância entre os gêneros bacterianos
sugeridos como participantes no processo de carcinogênese. Níveis notavelmente mais
elevados de Peptostreptococcus, Fusobacterium, Prevotella (especialmente P.
melaninogenica), Porphyromonas, Veillonella (principalmente V. parvula),
Haemophilus, Rothia e Streptococcus foram identificados em amostras de CECO [4, 6,
10, 18, 19, 20, 21, 22, 23, 24, 25]. Enquanto isso, gêneros como Actinomyces,
Sutterella, Stenotrophomonas, Anoxybacillus e Serratia foram encontrados em níveis
reduzidos nas lesões de CECO em comparação com os respectivos controles saudáveis
[18].
Foi estabelecida uma significativa correlação entre o microbioma oral e lesões
potencialmente malignas [10, 20, 21]. Níveis elevados de Porphyromonas,
Solobacterium, P. melaninogenica, Fusobacterium, Leptotrichia e Lautotropia foram
identificados no líquen plano oral [10]. Adicionalmente, em casos de leucoplasia, foram
observados maiores índices de Haemophilus, Leptotrichia, Campylobacter, Rothia
mucilaginosa e Fusobacterium [10, 20, 21]. Prevotella também foi notado em níveis
abundantes em pacientes com lesões pré-malignas, desempenhando um papel crucial no
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enriquecimento de genes pró-inflamatórios [21].


Um dos estudos selecionados traz uma nova perspectiva acerca do impacto do
acetaldeído, também conhecido como etanol, no desenvolvimento do câncer de boca.
Nele, foram identificadas espécies bacterianas, como Neisseria seca, N. subflava,
Streptococcus salivarius, S. intermedius, S. gordonii, S. mitis, Enterococcus faecium,
Klebsiella pneumoniae, Rothia mucilaginosa e Prevotella histicola, e fúngicas, como
Candida albicans, C. glabrata, C. kefyr, C. parapsilosis, Saccharomyces cerevisiae e
Saccharomyces boulardii, que são capazes de gerar este composto [22].
Os autores também discutem acerca dos principais fatores relacionados ao
acúmulo de acetaldeído na boca, que são: (1) a produção de acetaldeído (ACH) pela
degradação do álcool consumido, mediada pela enzima álcool desidrogenase (ADH) na
mucosa oral; (2) a geração de ACH a partir da degradação do álcool ingerido pelo
microbioma oral; e (3) a presença de ACH proveniente da própria bebida alcoólica [22].
Normalmente, quantidades mensuráveis deste composto não são detectadas na
saliva humana. Contudo, o consumo de etanol e tabaco induzem seu acúmulo na
cavidade oral, podendo causar disbiose, inflamação e potencialmente lesões malignas
[22]. Levando isto em consideração, é crucial investigar a produção de acetaldeído pela
microbiota oral devido à sua forte ligação com o câncer de boca.
Nas publicações incluídas nesta revisão, foi observado que a disbiose do
microbioma oral, influenciada por fatores como genética, condições ambientais, hábitos
alimentares, higiene oral, Candida spp., doença periodontal, HPV e consumo de tabaco
e álcool, é frequentemente associada à carcinogênese e parece estar fortemente
associada ao desenvolvimento do CECO [6, 10, 18, 19, 20, 21, 22, 23].
Um dos grandes desafios que o Brasil e o mundo enfrentam é realizar o
controle dos fatores de risco envolvidos e ampliar as taxas de diagnóstico precoce da do
CECO [33]. Existe um consenso entre os autores de que a exposição prolongada ao
tabaco e seus derivados é amplamente reconhecida como uma causa significativa de
câncer bucal em todo o mundo [6, 10, 22, 26, 27].
Há uma notável mudança no microbioma oral em relação ao hábito de fumar.
Indivíduos que consomem produtos de tabaco apresentam taxas mais elevadas de
micróbios (61,6%), em comparação com o grupo controle, no qual a taxa é de 38,3%
[27]. O ato de fumar tem sido identificado como redutor da diversidade bacteriana (α
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diversidade), especialmente na mucosa bucal, e como modificador da composição


bacteriana, favorecendo R. mucilaginosa, Streptococcus salivarius e S. mitis [10]. Por
isso, a utilização de tabaco está relacionada ao desenvolvimento de infecções
oportunistas como a candidíase [34].
Em relação à periodontite, a desregulação da microbiota oral pode aumentar a
probabilidade de leucoplasia oral, embora os mecanismos não estejam completamente
compreendidos. Essa associação pode resultar em uma inflamação exacerbada,
propiciando a formação de um ambiente anaeróbico rico em componentes degradativos
dos tecidos [20, 21, 23]. Bactérias periodontais como P. gingivalis, P. intermedia e F.
nucleatum foram consideradas essenciais para o desenvolvimento do CECO [6, 10, l9].
De maneira semelhante, Prevotella e Pseudomonas, gêneros que demonstraram
aumento significativo em lesões cancerígenas, já foram observados como altamente
presentes em amostras de periodontite e CECO em comparação com controles
saudáveis [18,19]. Nesse contexto, pesquisas indicam que pessoas com periodontite têm
um aumento de 2 a 5 vezes no risco de desenvolver câncer em comparação com
indivíduos saudáveis, mesmo entre aqueles que nunca fumaram [10].
Na literatura encontrada, a Candida albicans foi a espécie fúngica mais
frequentemente identificada, enquanto o vírus mais comum foi o HPV [4, 17, 18, 19,
20, 22, 24]. Estudos relataram uma associação entre o HPV e o câncer oral, com ênfase
no subtipo HPV-16, o qual foi consistentemente identificado com maior frequência [19,
20]. Além disso, observou-se que a interação do HPV com respostas inflamatórias
desencadeadas por microrganismos periodontais pode contribuir para o início e
progressão do CEC de cabeça e pescoço, potencialmente incluindo o CECO [19].

6. CONCLUSÃO

A investigação da relação entre a microbiota oral e o câncer de boca destaca


um processo complexo que abrange diversos microrganismos, como bactérias, fungos e
vírus. Estudos apontam que a disbiose oral, influenciada por fatores genéticos,
ambientais, hábitos alimentares, higiene oral e condições específicas como periodontite,
Candida spp. e/ou HPV, está fortemente associada à carcinogênese, destacando sua
estreita ligação com o desenvolvimento do Carcinoma Espinocelular Oral. Compreender
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essas interações é fundamental para avanços nos campos de diagnóstico, tratamento e


prognóstico.
Além disso, a exposição prolongada ao tabaco e álcool, juntamente com a
presença do acetaldeído gerado por determinados microrganismos, evidenciou grande
influência no processo de desenvolvimento do câncer bucal. Tais resultados reforçam a
necessidade crítica de estudos mais aprofundados nessa área a fim de orientar
estratégias preventivas e terapêuticas de forma mais eficaz.

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