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Os marcos da morte por COVID-19 nas capas de jornais brasileiros

The milestones of death by COVID-19 on the covers of Brazilian newspapers

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A proposta traz à reflexão a representação de importantes marcos de morte por COVID-
19 no Brasil a partir de momentos específicos da pandemia, sendo: 100 mil, 200 mil,
300 mil, 400 mil, 500 mil e 600 mil mortos no Brasil em razão da doença. Os números
são manchetes de capas nas datas de 9 de agosto de 2020; 8 de janeiro de 2021, 25 de
março de 2021, 30 de abril de 2021, 20 de junho de 2021 e 9 de outubro de 2021.
O jornalismo pontua o ritmo das mortes em marcos que colocam seus leitores
frente a frente com a doença e a morte. Considerado um assunto negativo, a morte quase
sempre tem lugar para ocupar espaço em primeiras páginas, seja por desastres naturais
ou em decorrência de violência ou os acidentes. No entanto, na pandemia, a presença
tornou-se pauta diária desde a confirmação do primeiro óbito em razão da doença.
Diariamente consórcios jornalísticos anunciam a soma de óbitos registrados no país,
numa tentativa de mapear o número de vítima fatais do coronavírus.
Ao longo do período de pandemia, várias foram as primeiras páginas dedicadas a
assuntos relacionados à doença, no entanto, alguns marcos temporais tiveram atenção
mais detalhada por parte do jornalismo, especialmente ao romper barreiras de números
considerados impactantes em decorrência da doença. Ao mesmo tempo em que
cumprem seu papel de informar a população sobre os fatos, os jornais também forçam
seus leitores a entrarem em uma relação direta com o a morte e o morrer.
Com manchetes estampadas em suas primeiras páginas, qualquer leitor se vê
confrontado e diretamente com esse morrer a partir do momento em que o assunto, em
determinados momentos, ocupa todo o espaço da página. Mesmo os internautas que
optam pela leitura on-line desses conteúdos produzidos pela mídia jornalística não
ficam distantes dessas capas: presentes em redes sociais e também com websites, essas
capas muitas vezes são reproduzidas por outros internautas ou mesmo outros blogs ou
portais de notícias, resultando em distintas formas de receber esse mesmo conteúdo.
A partir dessa percepção, passamos a acompanhar como os jornais O Estado de
Minas, O Estado de S. Paulo, Folha de S.Paulo, O Globo, Extra, Meia Hora de
Notícias e O Dia transformaram em notícias a quebra de barreiras nos números de
mortos no Brasil. Importante destacar que os jornais selecionados para esse recorte
representam dois segmentos distintos do fazer jornalístico: a imprensa de referência e a
imprensa popular. AMARAL (2006) aponta importantes diferenças entre os dois
segmentos do jornalismo impresso, em especial no que tange ao chamado “valor-
notícia”. Enquanto a mídia de referência tem com prioridade notícias que envolvam
indivíduos importantes, tenham impacto sobre a nação e envolva muitas pessoas, a
mídia popular traz como principais critérios a capacidade de entretenimento, a
proximidade geográfica ou cultural com o leitor e, ainda, a capacidade de simplificação
dos fatos.
Apesar dessa distanciação no que tange aos principais critérios de
noticiabilidade, o evento “mortos pela COVID”, de certa forma, unifica as pautas nas
datas já referenciadas. Porém, o evento apresenta construção distintas, o que nos
permite enriquecer o debate acerca do assunto.
Partimos, então, de uma análise dessas capas no que tange a todos seus
elementos de composição (textos, cores, imagens, diagramação) para compreender
como a narrativa dos números crescentes de mortos é criada por essas publicações.
Recorremos, para fins de análise, a COLLARO (2007), CHARAUDEAU (2012),
GUIMARÃES (2003). Nesse aspecto, as análises recorreram a todos elementos gráficos
utilizados pelas publicações para retratar a morte nesses cinco momentos da pandemia,
tais como cores, diagramação, textos, fotografias ou ilustrações. Assim, consideramos
todos recursos disponíveis para os editores no momento de fazer dos números um
acontecimento capaz de afetar seus leitores.
Considerando que o jornalismo é parte integrante do tecido social, está inserido
na sociedade e “congrega os múltiplos dispositivos através dos quais a sociedade produz
e faz circular suas informações e representações”. (FRANÇA, 2012, p.11-12), lado a
lado, as capas selecionadas criam uma sequência narrativa que buscam não só informar
a respeito do número crescente de mortos, mas tece-se uma possível busca por eleger
responsáveis por essas mortes a partir da construção dessas primeiras páginas que,
mesmo separadas por lapsos temporais, acionam a memória de seus leitores de forma
cíclica tão logo os números são atualizados.
Recorremos, também, CERTEAU (1998), para quem a forma de descrição do
cotidiano interfere na maneira de ser e como cada uma dessas pessoas irá atuar no
mundo. As manchetes colaboram nessa construção de como o cotidiano é percebido por
seus leitores, o que demonstrariam as intenções da publicação a partir da seleção das
imagens, cores e textos que compõem suas primeiras páginas. Trata-se da representação
de um “mundo possível” onde a doença é sinônimo de morte certa, já que, num curto
período de prazo, o salto nos números presentes em suas manchetes é exponencial.
Nas primeiras páginas dos jornais selecionados, nas datas do recorte, podemos
apontar que em em suas manchetes principais os números cada vez maiores de mortos
trazem como ponto comum a crítica política direcionadas à condução do presidente da
República Jair Bolsonaro sobre as questões da Pandemia no Brasil. A crítica está
evidente em toda construção das capas, em especial, nos discursos e imagens escolhidas
para estampar a situação. Se, por um lado, a crítica política é tradicional em veículos de
referência, os jornais populares passam também a exercer esse papel nesses momentos –
deixando os eventos de entretenimento de lado – e, dentro de sua capacidade de
simplificação para seu público-alvo, apresentam críticas mais contundentes do que os
próprios jornais de referência.
Para isso, utilizam-se de capas “pôsteres” e discursos incisivos onde a crítica ao número
de mortos se explicita. Lado a lado, jornais de referência e populares constroem uma
narrativa, onde tem-se a representação de um “mundo possível” onde a doença é
sinônimo de morte certa em razão da inabilidade política, já que, num curto período de
prazo, o salto nos números presentes em suas manchetes é exponencial.

AMARAL, M. (2006). Jornalismo Popular. São Paulo: Editora Contexto.


COLLARO, A. (2007). Produção Visual e Gráfica. São Paulo: Summus Editorial.
CERTEAU, M. (1998). A invenção do Cotidiano. Rio de Janeiro: Vozes
GUIMARAES, L. (2003). As cores na mídia. São Paulo: Annablume.
FRANÇA, V. (2012). Na mídia, na rua – narrativas do cotidiano. Belo Horizonte:
Autêntica.
CHARAUDEAU, P. (2006). O Discurso das Mídias. São Paulo: Contexto.

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