Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Apontamentos para Uma Abordagem Sociologica Do Tema Da Corrupção No Ensino Médio
Apontamentos para Uma Abordagem Sociologica Do Tema Da Corrupção No Ensino Médio
Niterói, RJ
2023
MARCOS ROBERTO RIBEIRO DE FREITAS
Niterói, RJ
2023
MARCOS ROBERTO RIBEIRO DE FREITAS
BANCA EXAMINADORA
_____________________________________________
Prof. Dr. André de Holanda Padilha Vieira (Orientador) – UFF
_____________________________________________
Profa Dra Carolina Zuccarelli Soares – UFF
_____________________________________________
Profa Ma. Adriane Pereira Gouvea – UFRJ
Niterói, RJ
2023
Dedico este trabalho especialmente aos meus pais Márcia Vianna Ribeiro de Freitas e Carlos
Roberto Bernardes de Freitas. Sem vocês nada disso seria possível.
AGRADECIMENTOS
RESUMO
O debate sobre corrupção é tema recorrente e ponto nevrálgico na sociedade ao longo dos
tempos. Além de estar previsto em nosso código penal o crime de corrupção, temos
observado, em tempos recentes, uma crescente discussão acerca do tema em matérias de
jornais, como argumento em campanhas políticas, e até mesmo em produções da indústria
cultural. Dessa forma, motivado tanto pela necessidade de uma compreensão mais crítica
sobre o assunto, quanto pela compreensão de que há uma deficiência em abordagens sobre
este tema no âmbito do Educação Básica, surge o interesse de estudarmos de forma
sociológica as características do fenômeno da corrupção nas maneiras em que ele se apresenta
no mundo social, bem como o interesse de contribuir com uma proposta capaz de servir como
referencial para os docentes da área. Assim, o presente trabalho busca propor recursos
didáticos para a abordagem sociológica da corrupção no contexto da Sociologia enquanto
disciplina escolar do Ensino Médio. Com isso esperamos contribuir para a formação
continuada dos docentes da área de Ciências Humanas e Sociais Aplicadas, preencher lacunas
em recursos didáticos sobre o tema e facilitar o desenvolvimento da imaginação sociológica
sobre corrupção pelos estudantes do ensino médio, colaborando assim, para que seja
alcançado o objetivo fundamental de formar cidadãos com pensamento crítico.
The debate on corruption is a recurring theme and a sore point in society over time. In
addition to the crime of corruption being foreseen in our penal code, we have observed, in
recent times, a growing discussion about the subject in newspaper articles, as an argument in
political campaigns, and even in cultural industry productions. In this way, motivated both by
the need for a more critical understanding of the subject, and by the understanding that there
is a deficiency in approaches to this subject in the scope of Basic Education, there is an
interest in studying in a sociological way the characteristics of the phenomenon of corruption
in ways in which it presents itself in the social world, as well as the interest in contributing
with a proposal capable of serving as a reference for teachers in the area. Thus, the present
work seeks to propose didactic resources for the sociological approach of corruption in the
context of Sociology as a high school subject. With this, we hope to contribute to the
continuing education of teachers in the area of Applied Human and Social Sciences, fill gaps
in didactic resources on the subject and facilitate the development of sociological imagination
about corruption by high school students, thus collaborating to achieve the fundamental
objective of forming citizens with critical thinking.
1 INTRODUÇÃO........................................................................................................12
2 CIÊNCIAS SOCIAIS, CORRUPÇÃO E O ENSINO DE SOCIOLOGIA NO
ENSINO
MÉDIO.....................................................................................................................14
2.1 Ciências Sociais e Ensino de Sociologia no
Brasil...............................................15
2.2 A concepção Educação e Sociologia presente no PNLD
(2021).........................19
2.2.1 Educação e Cidadania no PNLD
(2021)................................................................19
2.2.2 A Sociologia no PNLD
(2021)..............................................................................23
2.3 Os parâmetros atuais do Ensino de Sociologia: BNCC, PCN+ e
OCN.............24
3 SOBRE SENTIDOS E PRESSUPOSTOS: SOCIOLOGIA, ATIVIDADE
DOCENTE E PROCESSO DE ENSINO-
APRENDIZAGEM............................................29
4
METODOLOGIA.....................................................................................................34
4.1 Sugestão de textos de referência sobre o
tema......................................................37
4.2 Sobre o desenvolvimento da linguagem adequada e a adequação à realidade
dos estudantes..........................................................................................................................39
5 PROPOSTA DIDÁTICA PARA A ABORDAGEM SOCIOLÓGICA DO
TEMA CORRUPÇÃO NO ENSINO
MÉDIO...................................................................................41
5. 1 A abordagem introdutória...................................................................................41
5.2 Eleições de 1960: O caso Jânio
Quadros..............................................................43
5.3 Fernando Collor de Melo: O caçador de marajás..............................................47
5.4 MBL contra o Partido dos
Trabalhadores...........................................................49
6 CONSIDERAÇÕES
FINAIS...................................................................................54
REFERÊNCIAS..........................................................................................................55
14
1 INTRODUÇÃO
ausência de propostas educacionais e recursos didáticos que permitam aos estudantes obterem
referencial teórico adequado para refletir acerca de um fenômeno social tão presente, se
apresenta para nós como uma lacuna que deve ser preenchida.
Objetivamos então construir, em diálogo com a Constituição Federal, com os
Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio e as Orientações Curriculares, um
breve e propositalmente limitado respaldo teórico-metodológico que colabore com a
abordagem do tema corrupção em sala de aula.
16
(2012), o que se pode observar nesses casos em particular é uma divisão em abordagens que
se distinguem por, pelo menos, duas agendas. A primeira é a abordagem pela chamada teoria
da modernização, que “parte de uma perspectiva evolucionista da sociedade, tomando como
pressuposto uma grande dicotomia entre tradição e modernidade” (Filgueiras, 2012, p 300).
Seria então uma abordagem estrutural funcionalista que entende o fenômeno da corrupção
como um “defeito”, um desequilíbrio que ocorre em certos momentos em que as organizações
do sistema político acabariam por gerar as condições ideais para o surgimento das práticas
tidas como corruptas. Neste caso, o que se observa é a modernização enquanto um processo
universalizante pelo qual as sociedades deverão passar. A superação das formas tradicionais
de organização, ou seja, a complexificação da organização social, a adesão à economia de
mercado, seriam a chave para a resolução da questão da corrupção.
Por outro lado, uma segunda abordagem surgida a partir dos anos 1980 começa a
ganhar adesão e tornar-se hegemônica. Esta perspectiva volta-se para a teoria da escolha
racional, conduzindo a aproximação da ciência política ao tema corrupção a partir de um
cruzamento desta com as ciências econômicas, “em que pesam mais as preferências
individuais dos agentes, conforme sua racionalidade e sua capacidade de acumular utilidade, e
os contextos de decisão que influenciam essas preferências.” (Filgueiras, 2012, p. 303). É
neste sentido que nossa pesquisa sustenta a preocupação em não reproduzir um imaginário
onde o conceito de corrupção aparece como algum tipo de disfunção política.
Não pretendemos, no presente trabalho, encontrar uma forma de definir um
determinado conjunto de práticas. Buscamos demonstrar distintas possibilidades de
enquadramento teórico das diversas práticas relacionadas ao fato estudado, em formas
complementares de conceituação do fenômeno da corrupção propostas pelas ciências sociais.
Sendo, como vimos, o conceito algo polivalente, pretendemos construir sugestões de
abordagens do tema – em razão de sua relevância no debate público e para a Educação Básica,
em particular – de modo que seja possível, com as devidas mediações, tratá-lo no âmbito
educacional escolar.
histórica da intermitência da Sociologia na Educação Básica, para que seja possível situar a
relevância de uma proposta educacional voltada para o ensino de Sociologia abordando a
questão da corrupção.
O ensino de Sociologia no Brasil sofreu, ao longo do século XX, com diversos
períodos de ausência da disciplina na grade curricular da Educação Básica e, em cada período,
a presença ou ausência da Sociologia nos informa quais eram os valores sociais dominantes
acerca do papel da educação, e do papel da Sociologia na educação. Podemos tomar como
exemplo a Reforma Benjamin Constant, ocorrida no final do século XIX. A reforma, que
inaugura o ingresso da Sociologia no ensino escolar, ocorre em um contexto de efervescência
de um ideário mais voltado para a valorização do pensamento científico e, consequentemente,
do conhecimento sociológico. Isto se explica pelo fato de que o, que trouxe consigo ideias e
valores que ganham protagonismo no debate político e que acabam por nortear a reforma
educacional (Cartolano, 1994).
Outro período histórico em que podemos notar essa correlação entre valores
dominantes e institucionalização da Sociologia no sistema escolar é o período da ditadura
civil-militar brasileira entre 1964 e 1985. A primeira Lei de Diretrizes e Bases, promulgada
em 1961, já continha em si a possibilidade da criação da disciplina Organização Social e
Política do Brasil e, posteriormente, a disciplina Educação Moral e Cívica. Ao observarmos
este período de ausência da Sociologia como disciplina, encontramos novamente um contexto
em que uma concepção de educação – e, novamente, uma concepção do papel da Sociologia
na educação – alcança espaços de poder e desloca a disciplina escolar Sociologia para um
lugar de menos privilégio.
Por fim, temos o período democrático posterior à ditadura civil-militar que se inicia na
década de 1980 do século XX e se estende até os dias atuais. Um período que celebra a
elaboração de uma Constituição “cidadã” que buscava avançar em direção à cidadania e à
dignidade da pessoa humana. Mais uma vez nos encontramos diante de um momento histórico
marcado por transformações nas representações sociais da sociedade brasileira em diversos
aspectos e, como não poderia deixar de ser, também no que se refere à educação. É nesse
contexto que, de acordo com Santos (2021), ocorrerá o que costumam chamar de “Reinserção
Gradativa da Sociologia no Ensino Médio” a partir do fim da obrigatoriedade do ensino
profissionalizante.
As discussões sobre cidadania que ocorrerão ao longo da década de 1990 irão
colaborar para que a Sociologia afirme sua posição enquanto uma disciplina que possui
19
intermitência da Sociologia como disciplina escolar tem causado problemas para a produção
de materiais didáticos e mesmo para formação dos docentes.
O momento atual acaba por criar uma situação ainda mais perversa que as situações
de ausência total da disciplina na grade curricular. Isto porque com a reforma de 2017 a
Sociologia não está estabelecida como disciplina obrigatória, mas também não foi
completamente descartada, de modo que aparecerá de maneira transversal dentro do universo
de conteúdo contemplado pela área de conhecimento “Ciências Humanas e Sociais
Aplicadas”. A proposta de um produto educacional voltado para Sociologia cumpre, também,
a função de reafirmar o lugar da Sociologia como uma disciplina que tem métodos de
investigação próprios e um objeto muito singular, capaz de permitir aos discentes o exercício
da cidadania. Assim, parte-se da concepção de que a educação tem como finalidade preparar o
homem para a vida social, de modo que essa desenvolva nos indivíduos habilidades e
capacidades físicas e intelectuais que são requisitos essenciais para o exercício da vida social
e política na coletividade – tendo a Sociologia papel fundamental nesta realização.
Outra problemática que surge quando nos dispomos a refletir sobre a trajetória da
Sociologia no Brasil está relacionada à formação dos professores e a confecção dos materiais
didáticos e de apoio. Em sua argumentação, Santos (2021) corrobora com nossa alegação
acerca da relação entre o pensamento dominante de um período e seu reflexo na organização
da educação. Neste caso, mais especificamente, naquilo que se refere aos conteúdos presentes
nos livros didáticos de Sociologia.
Com isso, nos deparamos com três questões fundamentais acerca do trabalho docente
em Sociologia na Educação Básica: a primeira, relacionada à concepção de educação em
vigor, e consequentemente à atribuição da disciplina de Sociologia no ensino médio; a
segunda é sobre a formação dos professores de Sociologia neste contexto de intermitência; e a
terceira com relação a produção de material didático. Nosso trabalho terá como objetivo
produzir um produto educacional capaz de colaborar com a afirmação da Sociologia enquanto
disciplina escolar demonstrando que esta é uma ciência capaz de produzir, com a devida
mediação, o estranhamento e desnaturalização (Brasil, 2006) necessários para uma
compreensão objetiva de fenômenos sociais complexos – tal qual a corrupção. Além disso,
diante da relevância do tema e das próprias dificuldades enfrentadas pela Sociologia – por
todas as razões já tratadas – em produzir materiais didáticos e de apoio aos docentes, o
trabalho busca cumprir o papel de contribuir para o preenchimento das lacunas relacionadas
21
ao exercício docente (como material de apoio) e referentes aos conteúdos presentes nos livros
didáticos de Sociologia.
2.2 A concepção de Educação e Sociologia no PNLD (2021)
O recorte desta pesquisa não abrange a análise de trajetória dos conteúdos produzidos
ao longo dos anos, com suas variações, ausências, ênfases entre outros aspectos. E mesmo
uma análise sobre os conteúdos presentes nos livros didáticos aprovados pelas leis e diretrizes
vigentes demandaria uma investigação aprofundada e, consequentemente, mais custosa em
termos tempo e investimento intelectual.
Para realização deste trabalho optamos pela análise, especificamente, do Edital de
convocação nº 03/2019 (Brasil, 2021) para o processo de inscrição e avaliação de obras
didáticas, literárias e recursos digitais para o programa nacional do livro e do material didático
PNLD 2021. Este documento oficial tem por objeto convocar interessados em participar do
processo de aquisição de obras didáticas, elucidando os critérios burocráticos para
participação dos interessados bem como as especificações acerca do tipo de material que
deverá ser submetido para avaliação.
recorte em três perspectivas, outras podem coexistir e concorrer, de forma que não devemos
entender a predominância de uma perspectiva como supremacia dela.
Portanto, é curioso notar como os valores que se manifestam logo nas primeiras linhas
do primeiro parágrafo do Anexo III se aproximam da descrição feita por Maia (2014) acerca
da perspectiva liberal de educação, onde a cidadania em si perde destaque. Segundo a autora,
essa concepção liberal tende a valorizar mais a defesa, a proteção dos direitos privados, em
detrimento da formação voltada para a virtude, para a construção de uma boa sociedade
através da educação cívica e o comprometimento com a coisa pública. Partindo da concepção
apresentada, podemos notar como o texto que se apresenta no início do Anexo III representa
uma coordenada para localizarmos, com alguma precisão, a nossa posição nesse campo de
batalha.
Como não poderia deixar de ser, e já que argumentamos insistentemente em como
esses documentos expressam disputas no campo das ideias, é notável observar que logo no
parágrafo posterior do referido edital, encontramos a reafirmação das finalidades do ensino
médio estabelecidas na Lei de Diretrizes e Bases de 1996 (Brasil, 1996) reiterando o artigo 2°
e a finalidade do preparo para o exercício da cidadania. Nossa intervenção se dá, então, na
produção de material de Sociologia cuja perspectiva sobre o papel da própria disciplina, e da
educação como um todo, diverge da perspectiva liberal que se expressa no edital 03/2019, já
que este é publicado na sequência da aprovação da reforma de 2017. Porém, conforme vimos,
o próprio edital evidencia que perspectivas distintas podem coexistir; e a predominância de
uma ou de outras é resultado das vitórias ou derrotas nas disputas políticas, sejam ideológicas
ou concretas – ocupando posições de poder dentro do Estado.
Após as considerações gerais sobre as características e objetivos do ensino médio, o
Anexo III do edital 03/2019 passa a discutir aspectos mais formais para critério de avaliação
das obras submetidas para aprovação. Os critérios se subdividem em: critérios eliminatórios
comuns; critérios eliminatórios referentes ao respeito a legislação, às diretrizes e as normas
oficiais relativas a Educação; critérios referentes a observância aos princípios éticos
necessários à construção da cidadania e ao convívio social republicano; referentes a coerência
e adequação da abordagem teórica-metodológica; referentes a correção e atualização de
conceitos, informações e procedimentos; adequação e pertinência das orientações prestadas ao
professor; observância às regras ortográficas e gramaticais da língua na qual a obra tenha sido
escrita; qualidade do texto e adequação temática; quanto a qualidade dos materiais digitais; a
presença de Temas Contemporâneos Transversais (TCTs).
24
O último item citado nos é especialmente caro, pois acreditamos que a temática da
corrupção, pelas razões já mencionadas, se enquadra na categoria de temas contemporâneos
transversais; especialmente pelo fato de que esse campo de estudos nas ciências sociais é
tratado pela Sociologia, antropologia e ciência política; que por sua vez estão em diálogo com
outras disciplinas como História e Geografia. Porém, para finalidade do presente capítulo,
optamos por nos deter na análise do item 2.1.2: “Observância aos princípios éticos necessários
à construção da cidadania e ao convívio social republicano”.
Ao tratar dos princípios que devem ser observados para construção da cidadania, o
Anexo III do edital elenca um total de 10 (dez) princípios que, segundo o enunciado do item
2.1.2.1, estão alicerçados no marco legal especificado no item 2.1.1. Ao observarmos os dez
princípios caracterizados no tópico em questão realizamos uma categorização baseada no
objetivo que cada um desses princípios busca colaborar para que seja alcançado. Pudemos
encontrar, em linhas gerais, quatro objetivos que se expressam a partir dos princípios
descritos: (1) preocupação com a ausência de preconceitos e discriminação, (2) promoção do
pluralismo, (3) promoção do pensamento crítico e, por último, mas não menos importante, (4)
preocupação ética.
No que se refere à preocupação com a ausência de preconceitos e discriminação, a
alínea que, em seus termos, expressa tal objetivo é alínea “a”. Isto por quê ela descreve de
forma quase exaustiva que o material a ser proposto precisa estar livre de todo tipo de
preconceito e discriminação, listando o maior número possível de formas de discriminações
que podem ser postas em prática.
As demais alíneas compõem o conjunto de princípios voltados para a promoção do
pluralismo. Em primeiro lugar, a promoção do pluralismo quanto as ideias, valores, crenças,
pensamentos da sociedade brasileira representado pelas alíneas “b” e “c” que tratam do
respeito a diversidade religiosa, política e ideológica. Na sequência, as alíneas “d”, “e”, “f”,
“g” dizem respeito a promoção do pluralismo voltado para o respeito e valorização daqueles
sujeitos considerados minorias sociais no Brasil, como negros e indígenas, a comunidade
LGBTQIAPN+, e mulheres; visando uma promoção positiva desses sujeitos, sua herança
cultural, sua história, seus papéis na participação social. A alínea “h” semelhante às anteriores
sintetiza os princípios relacionados aos grupos sociais citados anteriormente, mas convida a
pensarmos, nos mesmos termos, outros povos e países. Posteriormente a alínea “i” irá tratar
da promoção do pensamento crítico, observando que os materiais didáticos a serem
produzidos devem promover uma argumentação teoricamente informada por um saber
25
científico adaptado para um saber escolar. E por fim, a alínea “j” exprime a promoção de uma
preocupação ética, já que trata de exigir que o material submetido para avaliação esteja isento
de imagens e ou textos que contenham qualquer tipo de violência sem a justificativa
pedagógica necessária.
Para o caso da Sociologia enquanto disciplina escolar, podemos argumentar em favor
de sua especificidade que, muito mais que a ausência de preconceitos e discriminações, a
Sociologia tem papel de trabalhar no ambiente escolar todas as referidas questões de maneira
adequada já que os princípios da Sociologia, enquanto disciplina escolar, buscam promover a
desnaturalização e o estranhamento. Assim, notamos que a presença da disciplina Sociologia
na Educação Básica é, por si só, uma maneira de afirmar os princípios estabelecidos como
critério de avaliação do material didático que deseja ser aprovado para utilização na Educação
Básica. Os critérios que analisamos no Anexo III do edital 03/2019 expressam de uma
maneira geral o que se espera, ou melhor, qual é a ideia vigente hoje sobre uma educação
voltada para cidadania, seus princípios e os objetivos que, aparentemente, intenta atingir.
Ainda assim, todos os critérios referem-se as disciplinas do ensino médio de maneira geral;
passemos então a analisar o que o edital expressa especificamente acerca da produção de
material didático de Sociologia.
temas afeitos aos princípios éticos necessários à construção da cidadania e ao convívio social
republicano devem ser assegurados. Podemos observar que o objetivo máximo é a
"construção da cidadania", porém os caminhos a serem tomados para que esse objetivo seja
alcançado ficam em aberto. Isso faz sentido, já que a área de conhecimento de Ciências
Humanas e suas Tecnologias comporta um número amplo de disciplinas (Sociologia,
Filosofia, história, geografia) que irão mobilizar estratégias teórico-metodológicas próprias,
específicas do seu campo do saber, para atingir tal objetivo.
Toda descrição dos critérios que se apresenta no item 1.4.1 aponta para essa
generalidade que, ao definir o objetivo e permitir que cada disciplina siga seu próprio
percurso teórico, didático e metodológico para alcançá-lo, não engessa a atuação de cada
disciplina além de permitir certa permeabilidade entre elas. No entanto, não podemos
esquecer que o edital analisado é fruto de uma concepção acerca da educação que se torna
oficial a partir da publicação da Lei 13.415, de 16 de fevereiro de 2017 (Brasil, 2017)). Ao
passo que a generalidade anteriormente mencionada apresenta, também, um lado perverso já
que cada uma das disciplinas que podem ser contempladas dentro da área de concentração
Ciências Humanas e Sociais Aplicadas, pode ter sua relevância diluída dentro do material
didático apresentado. Conforme bem observado por Castro (2019), a referida lei faz menção à
obrigatoriedade das disciplinas português e matemática, porém, ao tratar de educação física,
arte, Sociologia e Filosofia, a lei diz que tais disciplinas deverão ser "obrigatoriamente
incluídas" nos estudos e práticas do ensino médio.
Diante desse cenário, reiteramos mais uma vez a situação de disputa de legitimidade
na qual a Sociologia se encontra, pois apesar de não ter sido excluída da grade curricular da
escola básica, a perversidade da reforma de 2017 coloca a Sociologia (e outras disciplinas) em
situação colateral, como complemento, adição e não como uma disciplina dotada de
especificidade científica para tratar de um objeto específico. É nessa lógica que, insistimos,
ganha relevância o presente projeto, seja porque a intermitência da Sociologia na Educação
Básica cria uma dificuldade na produção de materiais didáticos e de apoio para docentes desta
disciplina específica; seja porque a corrupção, enquanto um fenômeno social, é objeto de
investigação científica dessa área do conhecimento que já possui larga produção sobre esse
tema; mas, talvez, mais importante, pelo fato de que a produção de material de didático ou de
apoio para disciplina de Sociologia é, além de uma prática pedagógica, uma prática política
no sentido somar-se à disputa pela legitimidade da disciplina Sociologia na Educação Básica.
27
Por fim, mas não menos importante, discutiremos brevemente a concepção do ensino
de Sociologia presente nos documentos legais que regulam o ensino da disciplina. Os
documentos analisados são a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), as Orientações
Educacionais Complementares aos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN+) e as
Orientações Curriculares Para o Ensino Médio. O objetivo desta última seção não é o de
minuciar os sentidos, seja da educação como um todo ou apenas da disciplina Sociologia,
mas, acima de tudo, assegurar o diálogo e o devido enquadramento entre a presente proposta
didática e a legislação em vigor.
Iniciaremos pela BNCC, documento cujo objetivo é o de regular não apenas os
currículos de todas as Unidades Federativas, mas também as propostas pedagógicas
apresentadas por todas as escolas, públicas ou privadas (Brasil, 2018). O documento em
questão divide-se basicamente em três grandes seções: uma introdutória, que discorre sobre o
arcabouço legal sob o qual se constituiu o próprio documento, além do estabelecimento dos
fundamentos pedagógicos utilizados em sua elaboração; uma segunda seção voltada para a
apresentação da estrutura do próprio documento "de modo a explicitar as competências que
devem ser desenvolvidas ao longo de toda a Educação Básica e em cada etapa da
escolaridade" (Brasil, 2018, p. 23); e a última seção, focada no Ensino Médio e as
especificidades de cada uma das áreas do conhecimento que compõem a etapa do Ensino
Médio. Nossa leitura focará na seção “5.4 Ciências Humanas e Sociais Aplicadas”.
Uma característica importante na redação da BNCC é a ausência de delimitação
específica de temas e objetos para cada disciplina. O documento tem caráter generalista e, ao
discorrer sobre as competências que se espera que sejam desenvolvidas ao longo do ensino
médio, no que se refere a ciências humanas, o faz a partir de categorias fundamentais que
devem ser trabalhadas em sala de aula tais como "tempo", "espaço", "território", "fronteira",
"indivíduo", "sociedade", "natureza" etc. Tais categorias formam também o conjunto de
conceitos estruturadores que irão se articular com um segundo conjunto de competências e
que, por sua vez, se articulará com um terceiro conjunto: o conjunto das habilidades. Essa
forma de apresentação é consoante com a reforma de 16 de fevereiro de 2017 (Brasil, 2017)
na medida em que não enfatiza a especificidade da disciplina como detentora de um conjunto
de questionamentos e métodos próprios para a observação e análise de objeto específico.
Voltado para produzir e trabalhar competências e habilidades em diversas disciplinas como
28
ensino médio em 2008 e que o PCN+ foi elaborado em 2002, pode-se observar que desde o
retorno da obrigatoriedade da disciplina que os parâmetros orientam como os docentes podem
tratar dessa questão. Assim, reforça-se mais uma vez a importância de que professores de
Sociologia estejam aptos para levar o debate sociológico sobre corrupção para a sala de aula.
Enfim, trazemos para o debate o conteúdo das Orientações Curriculares de 2006
(Brasil, 2006), documento também produzido antes da Lei 11.684/2008 e que tem por
finalidade orientar a prática docente. O documento referente às ciências humanas também é
composto por uma parte introdutória com discussões sobre as transformações no ensino
médio já em um contexto distinto do PCN+. Reforça a necessidade de uma educação para a
cidadania, colocando-a como uma tarefa de toda sociedade e considera equivocada a
interpretação da BNCC, que tende a diminuir a importância da presença da Sociologia no
ensino médio como disciplina (Brasil, 2006).
Nas OCN, a Sociologia ganha destaque no sentido de ser capaz de produzir
"desnaturalização" e "estranhamento". O documento enxerga na Sociologia a possibilidade de
enfrentar em sala de aula discussões sobre questões que costumam ser tratadas a partir de
argumentos naturalizadores (Brasil, 2006), como é o caso do assim chamado “jeitinho
brasileiro”, muitas vezes utilizado para essencializar práticas consideradas corruptas. Nesse
sentido, mais uma vez, nossa proposta se ajusta à concepção de Sociologia presente em outra
norma regulatória da prática docente. Além da já citada "desnaturalização", as OCN associam
a disciplina de Sociologia – mas não apenas esta – a outro papel importante a ser
desempenhado, o "estranhamento". O documento advoga por uma disciplina que seja capaz
de romper com o rebaixamento nas explicações científicas dando destaque especial para
situações nas quais há popularização dessas explicações através dos meios de comunicação
que, muitas vezes, as acabam submetendo a processos que não conseguem conservar o rigor
original (Brasil, 2006). Tanto a "desnaturalização" quando o "estranhamento" são papeis
cumpridos pela disciplina Sociologia na medida em que produz nos estudantes a
"desfamiliarização" com relação a explicações mais imediatas para os fenômenos observados.
Portanto, uma proposta que traga um fenômeno tão presente na divulgação midiática,
presente nos discursos de caráter eleitoral, debatido por organizações civis é de extrema
importância para a realização de um projeto político e pedagógico verdadeiramente
interessado na promoção da cidadania, bem como para a afirmação da do mérito e do
prestígio da Sociologia enquanto disciplina escolar.
31
modos de despertar interesse nos estudantes para o tema ou conteúdo tratado com
pretensão de garantir a aprendizagem (Leite, 2017 p.56)
Ao ser levado a sala de aula na forma de conteúdo de ensino, este saber sistemático é
adaptado e transformado em conhecimento escolar. Um dos diferenciais do
conhecimento científico e do conhecimento escolar é a sua forma de apresentação. O
conhecimento a ser ensinado em sala de aula é um saber didaticamente adaptado
para a atividade educativa. (Dominguini , 2008, p.8)
Traduzido do original em francês pelos autores: “Un contenu de savoir ayant été designe comme
savoir à enseigner subit dés lors un ensemble de transformations adaptatives qui vont le rendre apte
à pendre place parme les objets d’enseignement. Le travail qui d’un objet de savoir à enseigner fait un
objet d’enseignement est appelé la transposition didactique”.
36
proposta de intervenção, focada em dar ferramentas aos educandos para que possam refletir
acerca dos fenômenos sociais ao seu redor de maneira crítica e teoricamente informada.
4 METODOLOGIA
Além da pergunta “para quê?”, que busca dar sentido àquilo que é ensinado em sala de
aula, também se faz fundamental perguntarmos “como ensinar”. É indispensável, assim,
resgatar a importância da metodologia da aula para o ensino de Sociologia.
Intentando estar em acordo com uma prática pedagógica vocacionada para uma
perspectiva libertadora e humanizadora (Freire, 2005) o presente trabalho busca colaborar
com os docentes de Sociologia para que se distanciem das “receitas de bolo” ou “muletas”
pedagógicas nas quais, muitas vezes, os livros didáticos são transformados por aqueles
docentes cujas práticas objetivam meramente cumprir um conteúdo programático.
Colabora com nossa proposta a afirmação de Pereira (2015), ao dizer que as propostas
freireanas mantêm relação íntima com o ensino de Sociologia na Educação Básica, já que
ambas comungam da indispensável criticidade, tanto para compreensão como para
intervenção na realidade social
Como pudemos observar anteriormente, e de acordo com as concepções presentes em
documentos como a BNCC e o PNC+, a Sociologia – enquanto disciplina escolar - pretende
ser uma análise científica das relações sociais, dos processos sociais; um objetivo fundamental
de uma metodologia do ensino de Sociologia deve ser o de dar caráter científico ao produzir
um processo de sistematização do conhecimento. Tal objetivo se apresenta como algo
desafiador na medida em que a BNCC está organizada a partir da articulação entre conceitos
estruturadores – respectivos de cada área do conhecimento - e eixos temáticos, que se
desdobrarão no desenvolvimento de competências e habilidades. O desafio se dá no fato de
que o desenvolvimento das habilidades e competências - por exemplo - de análise,
identificação, compreensão, caracterização etc. podem ser desenvolvidas a partir de
metodologias e epistemologias distintas. Conceitos como "tempo" e "espaço" podem nortear
eixos temáticos específicos que servirão de base para o desenvolvimento de habilidades como
"analisar as relações de produção, capital e trabalho em diferentes territórios, contextos e
culturas" (Brasil, 2018 p. 558). A análise de relações de produção, capital e trabalho não é um
método exclusivo de uma única disciplina; a história é capaz – a partir de seus próprios
paradigmas científicos – de servir de ferramenta para o desenvolvimento dessa habilidade,
assim como a geografia, a Sociologia e a Filosofia.
37
Como vimos anteriormente, a seleção dos textos e dos conceitos que serão transpostos
didaticamente para os estudantes é parte importante para elaboração da transposição didática
propriamente dita. Assim sendo, para o cumprimento do objetivo geral da nossa proposta,
uma brevíssima revisão das formas como as ciências sociais apreendem o fenômeno da
corrupção se faz necessária, de forma que possa dar ao docente um ponto de partida para
elaboração autoral de uma proposta didática, bem como referenciais para seu posterior
aprofundamento no tema em questão. Os textos de referência deverão servir de base para a
discussão de três casos: a eleição de Jânio Quadros em 1960; a Operação Lava Jato; e a
atuação recente do Movimento Brasil Livre, em oposição ao Partido dos Trabalhadores.
Bezerra (2018) em seus estudos sobre corrupção, reforça como que apesar do conceito
de ser global, as práticas geralmente associadas ao conceito podem ser distintas entre si. Logo,
o que observamos é que, se o conceito é histórico, cultural e, também, jurídico; “as denúncias
a respeito de quais práticas são corruptas e a avaliação sobre sua gravidade estão
condicionadas aos contextos nos quais são julgadas e aos critérios adotados” (Bezerra, 2018,
p. 26).
Ao realizar um levantamento visando encontrar as principais questões para as quais os
estudos sobre corrupção têm se voltado, o autor encontrou:
Nosso interesse está em como a corrupção torna-se viável como um discurso que
articula reivindicações de ilegitimidade ou ilegalidade, independentemente do contexto;
utilizando uma perspectiva mais relacionada a problemática da definição do conceito. Todo o
rol de problemas de pesquisa levantado por Bezerra (2018) pode ser objeto de aula, mas é
importante lembrar que muitas pesquisas sobre o tema são realizadas por pesquisadores de
outras áreas, como é o caso das ciências econômicas (Filgueiras, 2012). Assim sendo, nossa
40
proposta é a de apresentar aos estudantes como o conceito de corrupção pode ser mobilizado
em diferentes contextos para classificar determinadas práticas; o que nos ajuda em nossa
proposta já que objetivamos utilizar como exemplos situações distintas em contextos
históricos distintos, mesmo que restritos ao cenário brasileiro. Ao tratarmos do caso Jânio
mostraremos como a corrupção é utilizada para acusar um governo, enquanto no caso Collor –
enquanto caçador de marajás – o mesmo conceito viabiliza-se para classificar o funcionalismo
público. Distintamente dos casos anteriormente citados, o Movimento Brasil Livre mobiliza o
conceito para classificar um partido político.
Já no trabalho de Dieter Haller e Chris Shore (2005) podemos encontrar uma
abordagem voltada para o que a Antropologia tem refletido, desmistificando a ideia de que o
fenômeno da corrupção é característico de sociedades, ou países, em desenvolvimento.
Distanciando-se também das perspectivas normativas atreladas a teoria da modernização. Os
autores esforçam-se em demonstrar que a corrupção está presente em todas as sociedades
capitalistas, colocando-se a pergunta sobre em que medida a corrupção pode ser quantificada
(partindo dos índices econômicos internacionais), e refletindo sobre a que tipo de prática a
categoria corrupção costuma ser aplicada.
Bourdieu (2014) e Gupta (2012) podem colaborar para a compreensão da forma como
determinadas práticas, muitas vezes classificadas como corruptas, podem ser pensadas como
práticas que produzem uma representação acerca do Estado. Enquanto por outro lado, outro
ponto importante a ser considerado diz respeito a uma consequência decorrente do fato da
corrupção ser um conceito que pode ser atribuído a um conjunto de práticas variáveis no
tempo e no espaço. Se a corrupção pode ser lida como uma categoria que dá sentido a um
conjunto de práticas que envolvem múltiplos agentes, em distintos lugares no tempo e no
espaço, ela acaba por ensejar um problema para o próprio cientista social. Isso porque a
definição do objeto é constituída e reforçada pelos usos dos cientistas sociais e por diversas
instituições como: administrações, empresas, coletividades locais, organizações sociais
(Lenoir, 1996). Estamos diante de representações preestabelecidas do objeto em questão, de
forma que incorremos no risco de sermos induzidos a apreendê-lo, defini-lo e concebê-lo de
acordo com tais representações.
Outra preocupação com relação à dificuldade em definir o conceito de corrupção, é o
fato de que o termo possui uma valência negativa (Muir; Gupta, 2018); de forma que as
pessoas em diversos contextos podem mobilizá-lo para identificar e condenar problemas
sociais de todo tipo. Assim, a polivalência da categoria corrupção – a capacidade de dar
41
sentido a práticas distintas, realizadas por agentes distintos, em diferentes contextos - fica
evidente enquanto característica capaz de explicar a sua eficácia como mecanismo de crítica e
de condenação.
Esses foram alguns exemplos de textos e perspectivas teóricas no campo das ciências
sociais que podem ser levados em conta para a elaboração de uma proposta didática que tenha
por objetivo trabalhar o tema da corrupção. O presente trabalho não tem por objetivo esgotar -
porque impossível - todo o corpo teórico sobre o tema, mas dar aos docentes algumas pistas
de como cientistas sociais tem se debruçado sobre essa questão. Mais importante que
discorrer sobre todo rol de abordagens teóricas, debates e definições é a seleção de textos que
irão servir de material bruto (saber científico) para a construção de um saber escolar e a
reflexão sobre como tais textos podem ser adaptados, trabalhados para que façam sentido para
os estudantes.
Dubet (1997, p.225) afirma que os “alunos são adolescentes completamente tomados
pelos seus problemas de adolescentes e a comunidade dos alunos é “por natureza” hostil ao
mundo dos adultos, hostil aos professores”; e que em face a essa questão existe a necessidade
de constantemente, permanentemente estar trazendo-os para dentro do “jogo”; convencendo-
os, persuadindo-os e assim por diante. Para isso, é importante o professor conhecer a realidade
dos estudantes, o que torna a experiência de permitir que esses mesmos estudantes elaborem
seus roteiros para trabalhar questões vistas em sala de aula, um caminho prático para alcançar
parcialmente esse conhecimento. As experiencias que os alunos vivenciam no dia a dia da
escola tornam-se objeto de investigação no contexto de produção do conhecimento escolar.
O desenvolvimento da linguagem compatível com os alunos do ensino médio é a etapa
crucial do processo visto que, se ausente, todo o trabalho proposto se reduzirá a mera
apresentação aos estudantes de um vislumbre dos debates que ocorrem no campo acadêmico
sem causar-lhes nenhum tipo de afetação, sem que o debate tenha real significado para eles.
Tomando o próprio Movimento Brasil Livre como uma referência nesse sentido,
podemos observar como o movimento conseguiu conduzir as vozes das ruas, nas
manifestações de 2013 a 2015 mobilizando a linguagem dos chamados memes da internet
para informar - à sua maneira – a população, mais especialmente os jovens, sobre questões
42
relacionadas à corrupção. Em seu trabalho sobre a atuação do MBL durante das manifestações
ocorridas entre 2013 e 2015, Souza (2019) relata o sucesso do Movimento Brasil Livre em
utilizar memes, ora para detratar a presidenta Dilma Roussef, ora para associar o presidente
Luiz Inácio Lula da Silva à corrupção. Com olhar atento para tal fenômeno, os docentes em
Sociologia podem – e devem – aprender com urgência a mobilizar uma linguagem que seja
atrativa e que dialogue com o contexto no qual os jovens estudantes estejam inseridos.
Entendemos que podemos incluir no repertório metodológico de adequação da
linguagem a utilização de imagens (meme, cartum, charge, etc.) que constituam
representações sociais acerca do fenômeno sobre o qual queremos trabalhar. Ademais, esta
acaba por ser outra grande oportunidade para o docente na área de Sociologia, já que por mais
que a utilização de imagens seja algo bem constituído e largamente utilizado por outras
disciplinas como língua portuguesa, história e geografia, a utilização de charges ainda é algo
pouco utilizado na disciplina Sociologia (Domingues, 2017 p.26). Seja para utilização tópica
em sala de aula ou presente no material didático a ser elaborado, concluímos que é essencial a
busca - na medida das condições materiais objetivas de cada sala de aula, cada escola, cada
turma - pelo uso de recursos visuais que facilitem o acesso do estudante ao tema que
desejamos trabalhar, pois 1) se alinha com o entendimento proposto pela BNCC, no que se
refere a "engajar os alunos nas aprendizagens", 2) e coloca o docente de Sociologia na
posição de disputar o espaço e a legitimidade da disciplina em sala de aula.
Assim sendo, o caminho metodológico do presente trabalho busca reproduzir aquilo
que sugere: construir uma abordagem acerca de um determinado tema a partir de uma seleção
de textos, que por sua vez precisarão ser adequados à linguagem escolar e que buscará
materiais e recursos para melhor refinamento e adequação desta mesma linguagem,
objetivando produzir nos estudantes a sensação de que o saber que estão aprendendo tem real
significado para o exercício da sua cidadania.
43
5. 1 A abordagem introdutória.
partir da contribuição de Bezerra (2018) acerca das três formas mais gerais de classificação
compilada pelo autor Arnold Heidenheimer. Esse recorte é importante pois ajuda a organizar
o pensamento do estudante, facilitando o desenvolvimento das habilidades de analisar e
contextualizar as situações a partir de um referencial sintético e de fácil compreensão.
Na sequência, o professor deverá expor na lousa o comentário de Bezerra acerca de
Heidenheimer, as três formas gerais de classificação e suas respectivas definições. A
definição legalista seria aquela que entende a corrupção como um fenômeno que surge no
exato momento em que o funcionário público ou privado se desvia dos deveres formais de seu
cargo em busca de um ganho individual. Já a definição centrada no mercado entende a
corrupção como fenômeno que surge quando a utilização do cargo público ou privado tem por
objetivo a maximização do ganho pessoal. Por fim, a definição centrada na ideia de bem
público entende a corrupção como aquela prática que viola o interesse comum em prol da
preocupação com ganhos particulares (Bezerra, 2018 p.27).
Após a exposição, o docente proporá uma atividade com duração de 10 a 15 minutos.
Ainda na lousa irá expor duas situações hipotéticas com o objetivo de avaliar se os estudantes
avaliar cada situação a partir das possibilidades de classificação apresentada anteriormente.
Exemplos de situações hipotéticas a serem elaboradas pelo professor:
1) João é morador do bairro da Tijuca, no Rio de Janeiro. Há muitos anos tem sido
atendido pelo provedor ConAction, uma empresa privada já há muito bem
estabelecida na zona norte do Rio de Janeiro. No último mês, João passou a
enfrentar problemas graves de conexão em sua internet, não conseguindo solução
apesar das muitas reclamações. O atendimento da ConAction sugeriu que João
fizesse uma atualização do seu equipamento técnico para que sua conexão
funcionasse melhor. Ao receber a visita de um assistente técnico designado pela
empresa para avaliar as condições de instalação do novo equipamento, João
abordou o funcionário da empresa oferecendo ao trabalhador uma quantia para que
o ajudasse a fazer com que todo processo – da aquisição à instalação do novo
equipamento – fosse acelerado. O funcionário aceitou a proposta de João ao passo
que o problema dele se resolveu em poucos dias.
que entende a corrupção como aquela prática que viola o interesse comum em prol da
preocupação com ganhos particulares.
Nesse ponto, o professor deverá apresentar o ponto de vista teórico de Akhil Gupta e
Sarah Muir (2018), dois antropólogos, cuja percepção sobre a natureza do fenômeno da
corrupção é aquela que a entende como um produto político composto por um conjunto de
representações a ele associado. Portanto, existe também a possibilidade de a classificação das
definições de corrupção ter uma definição baseada na opinião pública, constituindo assim um
quarto tipo de classificação a ser acrescentado aos três anteriormente estudados. (Bezerra,
2018)
O docente poderá então apresentar o "jingle" de campanha do candidato à presidência
Jânio Quadros:
Varre, varre, varre vassourinha!
Varre, varre a bandalheira!
Que o povo já 'tá cansado
De sofrer dessa maneira
Jânio Quadros é a esperança desse povo abandonado!
Jânio Quadros é a certeza de um Brasil, moralizado!
Alerta, meu irmão!
Vassoura, conterrâneo!
Vamos vencer com Jânio!2
A partir desta apresentação o docente deverá sugerir como atividade que os estudantes
pesquisem na internet jingles de campanha que mencionem a questão da corrupção. O
objetivo da atividade é que os alunos consigam identificar no jingle escolhido qual é o sentido
com o qual o termo corrupção está sendo associado. O termo está sendo utilizado para acusar
quem, para classificar quais práticas? O professor poderá avaliar assim a capacidade de
reflexão crítica dos estudantes quanto a origem dos discursos e seus destinos quando trata-se
acusar grupos, organizações, agentes e até mesmo ideologias como corruptos.
O material necessário para a utilização dessa etapa poderá ser a lousa, a caneta
hidrográfica, uma ou mais fotografias impressas do presidente Jânio associando-se ao símbolo
vassoura. A depender das condições objetivas da sala de aula, a utilização de equipamento
audiovisual para a ilustração através de charges e a reprodução do jingle do candidato Jânio,
são altamente recomendáveis, mas não necessariamente obrigatórias. O tempo previsto para
realização é de 50 minutos
Disponível em: https://www.letras.mus.br/jingles/1540660/. Acesso em: 19 jul. 2023.
49
A atividade pode ser ilustrada através de charges ou fotografias que colaborem com a
compreensão dos estudantes. A Figura 2 demonstra como apesar do distanciamento histórico
entre Collor e Jânio é possível fazer uma associação ao fato de ambos terem a corrupção
como elemento central de suas campanhas:
Criação do bolsa-família: http://portal.mec.gov.br/component/tags/tag/bolsa-
familia#:~:text=O%20programa%20Bolsa%2DFam%C3%ADlia%2C%20criado,crian%C3%A7as%20e%20
jovens%20na%20escola. Acessado em 19 de jul de 2023.
52
Para fins da sequência didática que estamos propondo o caso do MBL acrescenta um
elemento e se diferencia dos outros casos vistos anteriormente. Enquanto Jânio usava a
corrupção para realizar uma acusação de que os cargos do Estado estavam sendo utilizados de
maneira indevida; e Fernando Collor associava algumas funções do funcionalismo público a
privilégios, o MBL "essencializa" a corrupção na agremiação partidária e ao posicionamento
ideológico. Com relação a utilização de memes o MBL usou estratégia semelhante a que
viabilizou sua organização enquanto movimento. Souza (2019) explica que havia restrições
para os membros dos Estudantes Pela Liberdade no que se refere à participação e atuação nas
manifestações políticas que ocorriam no Brasil em 2013; para escapar dessa impossibilidade o
Movimento Brasil Livre é criado. No mesmo sentido, o Movimento Brasil Livre terceirizou a
agitação e propaganda nas redes sociais de maneira que se associou ou até mesmo adquiriu
páginas de produção de memes políticos – como no caso da página "Corrupção Brasileira
Memes" (Reis; Fantini, 2018)
Assim sendo o professor poderá trazer algumas imagens produzidas pela página citada
para ilustrar a atuação do MBL , como no caso das Figuras 3 e 4:
Figura 3 - A corrupção do PT
4
Escândalo da Enron: https://www.estadao.com.br/economia/o-escandalo-da-enron-saiba-o-que-esta-
acontecendo/
54
MBL contra o Partido dos Trabalhadores. SOUZA, Lucas Negreiros de. Regendo a
voz das ruas: as manifestações de 2013 e
2015 e a projeção do MBL. / Lucas
Negreiros de Souza ; Victor Rabello Piaia,
orientador. Niterói, 2019.
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS.
REFERÊNCIAS
BACHELARD, Gaston. A formação do espírito científico: Contribuição para uma
psicanálise do conhecimento. Tradução: Estala dos Santos Abreu. Rio de Janeiro.
Contraponto. 1996.
BEZERRA, Marcos Otavio. 2018. Corrupção: um estudo sobre poder público e relações
pessoais no Brasil 2ª ed. Rio de Janeiro: Papéis Selvagens.
BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Lei número 9394, 20 de dezembro
de 1996.
COSTA, Caio T. (org.). Somos ou estamos corruptos? São Paulo: Instituto DNA Brasil,
2006.
DARDOT, Pierre; LAVAL, Christian. A nova razão do mundo: ensaio sobre a sociedade
neoliberal. São Paulo: Editora Boitempo, 402 p, 2016.
FREITAS, Osires Vinicius Alves. O movimento Brasil livre. 2018. 1 CD-ROM. Trabalho de
conclusão de curso (bacharelado - Ciências Sociais) - Universidade Estadual Paulista Júlio de
Mesquita Filho, Faculdade de Ciências e Letras (Campus de Araraquara), 2018. Disponível
em: <http://hdl.handle.net/11449/203547>
Jânio Quadros é eleito, com promessa de acabar com a corrupção. Câmara é História. 2006.
Disponível em: https://www.camara.leg.br/radio/programas/274656-janio-quadros-e-eleito-
com-promessa-de-acabar-com-a-corrupcao-7-21/%3E%20Acessado%20em%2020/03/2022.
Acessado em 26 de jul. 2023
LEITE, Maria Cristina Stello. Os desafios de uma disciplina escolar: práticas docentes no
ensino de Sociologia. Cadernos da Associação Brasileira de Ensino de Ciências Sociais, p.
52-68, 2017.
LENOIR, Remi. Objeto Sociológico e o problema social. In: Champagne, P. et al. Iniciação à
prática Sociológica. Rio de Janeiro: Vozes, 1998, p.59-106.
MAIA, Angélica Araújo de Melo. Educação para a cidadania no ensino médio: uma
aproximação das articulações discursivas de alunos, docentes e documentos curriculares
no âmbito da Sociologia. 2014. Tese (Doutorado em Educação) - Universidade Federal da
Paraíba, João Pessoa, 2014.
MUIR, Sarah. & GUPTA, Akhil. Rethinking the anthropology of corruption: an introduction
to supplement 18. Current Anthropology 59, (Suppl 18), S4-S15. 2018.
NACIONAL, Jornal. Bolsonaro defende combate à corrupção e diz que se eleito não vai
trocar cargos por apoio. In G1 Eleições. <
https://g1.globo.com/politica/eleicoes/2018/noticia/2018/10/27/bolsonaro-defende-combate-a-
60
corrupcao-e-diz-que-se-eleito-nao-vai-trocar-cargos-por-apoio.ghtml> Acessado em
26/07/2023.
SOUZA, Lucas Negreiros de. Regendo a voz das ruas: as manifestações de 2013 e 2015 e a
projeção do MBL. / Lucas Negreiros de Souza ; Victor Rabello Piaia, orientador. Niterói,
2019.
VASCONCELLOS, Celso dos Santos. Para onde vai o Professor? Resgate do Professor
como Sujeito de Transformação. 8. ed. São Paulo: Libertad, 2001 (Coleção Subsídios
Pedagógicos do Libertad, v. 1), 205 p.
VICENTINO, Cláudio; DORIGO, Gianpaolo. História geral e do Brasil. São Paulo, SP:
Scipione, 2011. 303 p, il. color, 27 cm. ISBN 9788526278202 (broch.).