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Universidade Federal Fluminense

Curso: Licenciatura em Ciências Sociais

Turno: Noite

Disciplina: Histórica Contemporânea II

Professor: Denise Rollemberg.

Aluno: Marcos Roberto Ribeiro de Freitas.

1) Em 1974, Renzo de Felice publicou o volume da sua monumental biografia de


Benito Mussolini:
Mussolini Il Duce, I, Gli anni del consenso [Os anos do consenso]. 1929-1936,
Turim: Einaudi, 1974.
O volume tratou do período denominado pelo historiador de anos do consenso:
1929 (Acordo de Latrão) – 1936 (fim da Guerra da Etiópia).
A publicação causou grande impacto, gerando muitas críticas à sua
interpretação, segundo a qual os italianos, durante esse período, haviam se
acomodado à ditadura de Mussolini.
Com base nos textos indicados (ver abaixo) e nas aulas, discuta a tese de Renzo
de Felice.
(Entrevista sobre o fascismo. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1988.
__________ e Emílio Gentile. A Itália de Mussolini e a origem do fascismo. São
Paulo, Ícone, 1988)
O autor Renzo de Felice traz para o debate, em sua discussão, a tese de que o
fascismo na Itália não se abateu sobre a população como uma grande imposição
cruel e brutal, mas sim como um movimento de viés ideológico que com a condução
magistral de Mussolini, conquistou os corações da massa italiana.

O fascismo como movimento de massas.

A Itália do pós-guerra (A Grande Guerra) passa por um processo de


desenvolvimento econômico e crescimento populacional, muito acelerado. Esse
desenvolvimento suscita na sua população uma necessidade de participação maior
na esfera pública, no jogo político italiano. Ocorre uma espécie de socialização
política do país; movimentos como o movimento socialista e o movimento católico
entram em cena para darem conta de representar as camadas da sociedade que
ficaram de fora do crescimento italiano (Resorgimento). Nessa dinâmica
efervescente da sociedade italiana surge, também, um descontentamento com o
Estado liberal, que abre espaço para o desenvolvimento de uma nova cultura –
especialmente entre os mais jovens – que propunha, a partir da manifesta
insatisfação, uma ruptura com o estado atual das coisas, e vislumbrava uma guinada
da Itália à um futuro promissor. Esse imaginário político comportava também, a
ideia de que para que a nação italiana conseguisse alcançar esse futuro glorioso,
seria necessário um “novo homem”, um “novo italiano”, um “homem do futuro”.
Esse homem seria aquele que nascido e adaptado à sociedade industrial, seria capaz
de conduzir o país ao futuro esperado. Essa cultura de massa se transforma em
movimento político – especialmente no movimento nacionalista e no sindicalismo
revolucionário – que trouxeram consigo essa noção de Itália idealizada, inserindo na
consciência coletiva mitos heróicos, e o valor absoluto da nação. Em razão de sua
divergência absoluta com o estado atual das coisas, esses movimentos eram em
essência antiparlamentares, antidemocráticos, anti-socialistas, antipacifistas, anti-
humanitários, anti-reformistas. Para esses movimentos era necessária a superação da
democracia liberal para que fosse realizada plenamente uma reconciliação entre o
indivíduo e a massa; era preciso fazer com que o italiano se sentisse parte de “algo
maior”.
O totalitarismo fascista.
O Estado fascista, depois de estabelecido como tal se pretende a dar continuidade ao
mito ideológico e aos anseios da população, que foram fatores importantes para que
o próprio Estado fascista viesse a existir. Como expressa Emílio Gentili

“(...) a política de massa fascista teve uma intrínseca atitude pedagógica


voltada à socialização das idéias e dos comportamentos da massa segundo os
próprios ‘valores’.”

Segundo o autor, o partido era chamado de “O Grande Pedagogo”, refletindo a sua


característica e incutir no coração dos italianos, em todas as instâncias o
sentimento de pertencimento, necessário para que houvesse o consenso. Mussolini
fez o papel de grande líder carismático que conduzia esse processo. O partido teve
liberdade para se “infiltrar” nas instancias mais capilares da sociedade italiana, e
modificar e criar representações como rituais de massa; ou fascistizar o
comportamento dos italianos no espaço público. O regime fascista, produto do
movimento fascista desejava que a massa participasse ativamente da “revolução
fascista” e trabalhou para que isso acontecesse buscando transformar as
representações coletivas dos italianos e fazendo com que criassem, entre si, laços
de solidariedade baseados em valores, ideias, mitos.

De fato a tese de Renzo de Felice toca em um tema sensível, mas que nos faz
refletir – Cientistas Sociais, Historiadores, e outros – quanto até que ponto a
sociedade se tornou fascista através da repressão. Seu argumento não nega a
existência de forte repressão, porém expõe que a dialética de representações
sociais criadas pela sociedade italiana e pelo estado fascista funcionou com mais
eficiência para a homogeneização das consciências italianas, que a repressão em
si.
2) Desenvolva a citação abaixo:
“ O novo regime não hesitava em empregar muitas formas de repressão contra
seus inimigos declarados, mas também buscava o consentimento e o apoio do
povo toda hora. Como tento mostrar neste livro, o consentimento e a coerção
estiveram inextricavelmente entrelaçados durante a história do Terceiro Reich,
até certo ponto porque a maior parte da repressão e do terror foram usadas
contra indivíduos específicos, minorias e grupos sociais pelos quais o povo tinha
pouca simpatia. A coerção e o terror eram altamente seletivos e não se
abateram de maneira universal sobre o povo alemão”.
(Robert GALLATELY. Apoiando Hitler. Consenso e coerção. Na Alemanha
nazista. Rio de Janeiro, Record, 2011, Introdução, p.22).

O texto de Robert Gallately, enfatiza a participação ativa da sociedade alemã no


regime nazista. Primeiramente é preciso destacar que esse apoio dado aos nazistas
não foi algo gratuito. A sociedade alemã estava com o moral baixo, haviam perdido
a guerra sofrido sanções duras dos países vencedores. Havia uma insatisfação latente
com a República de Weimar, que em sua proposta democrática tinha dificuldades
em trazer uma certa paz social, tendo que lidar com os conflitos constantes entre as
diferentes correntes político-ideológicas que disputavam espaço na Alemanha
naquele tempo. Quando toma o poder, Hitler coloca em curso seu plano de ação,
mas sem abrir mão de trazer para si a aprovação do corpo social alemão. Uma de
suas primeiras ações é buscar uma espécie de restauração da ordem da Alemanha
pré Grande Guerra – valores, segurança, estabilidade econômica - mesmo com o
uso da brutalidade das SAs. Ao iniciar a chamada “Batalhar por Empregos”, Hitler
consegue produzir um estado de empregabilidade que restaura a esperança dos
alemães por dias melhores. Cabe ressaltar que, nas palavras do autor

“(...) Outras medidas do governo combinavam economia e ideologia, como a


introdução de empréstimos para casamentos, concedidos a casais fiscamente
aptos e “racialmente corretos.”

Isso nos ajuda a perceber que a ideologia estava sendo inserida na sociedade em
conjunto com as ações para ganhar a aprovação popular.
Em seu texto, Gallately nos apresenta diversas situações em que é possível notar a
boa recepção da sociedade ao projeto de poder nazista. Chama a atenção, por
exemplo – dentre os muitos exemplos e situações mencionados no texto – o fato de
que o partido nazista não precisou fazer um grande expurgo entre os empregados da
polícia, melhor dizendo, é possível notar que o quadro de funcionários de policiais
na Alemanha não enfrentaram problemas de consciência para colocarem em prática
a violência e a arbitrariedade exigida pelo partido. Gallately menciona que os
“integrantes do quadro da polícia e da Justiça tinham simpatia pela abordagem
nazista e ficaram felizes em fazer parte de um regime que queria combater o crime e
dar à polícia mais poder para operar da maneira que achasse mais apropriada.”
Um outro fato marcante, foi o verdadeiro “caça as bruxas” que o partido nazista
iniciou para tentar eliminar a “ameaça comunista”, a vigilância, a repressão e as
penas para aqueles acusados como comunistas, cresceram de forma violenta. Muitos
grupos de comunistas foram prontamente julgados e sentenciados à morte. O que
assusta é a observação de que a sociedade estava consciente desses fatos, os jornais
não escondiam essas informações. Obviamente havia toda uma forma de fornecer
essa informação mas ela estava lá. A ideia de que haviam inimigos do regime que
precisavam ser destruídos foi disseminada e também foi amplamente aceita.
Como um último exemplo, trazido pelo autor, no caso da perseguição aos judeus, o
texto enfatiza que tal perseguição não se deu de imediato. Os judeus tiveram seus
direitos civis sistematicamente retirados pouco a pouco, enquanto mais uma vez a
sociedade alemã observava sem aparentar incomodar-se.
Tiramos como lição, do texto de Robert Gallately, que assim como na Itália fascista,
a Alemanha nazista utilizou de recursos além da violência para conseguir conquistar
a aprovação das massas. Enquanto na primeira o Estado transformou o modo como
os italianos se enxergavam como indivíduos, fazendo com que pensassem-se parte
de um “todo” e utilizou a forte repressão para conter os que se recusavam a se
envolver no Estado fascista; na Alemanha Hitler soube utilizar a solução para
necessidades imediatas alemãs, e aliá-la a criação de novas representações, o que fez
com que mesmo a população sabendo do uso de forte repressão violenta praticado
pelo regime nazista, mantivesse seu apoio ao governo até o seu último momento.

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