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AINDA EXISTE FASCISMO NO SÉCULO XXI?

RESUMO: O presente ensaio pretende explorar o Fascismo ao pormenor, ou


seja, aborda o tema da origem do fascismo, a estratégia linguística do fascismo, o
impacto desta ideologia política na psicologia, o impacto deste regime político na
Europa e especificamente em Portugal, a obra de José Saramago que aborda esta
temática e por fim, concluísse o tema com uma reflexão de Jason Stanley.
O período pós-Primeira Guerra Mundial na Itália é reconhecido por ser a época em que
o fascismo nasceu. Esta ideologia foi organizada por Benito Mussolini, que iniciou a
sua carreira política em um núcleo socialista. Mussolini criou o “Fasci Italiani di
Combattimento” (FIC) formado pelas classes conservadoras da época. A ascensão de
Mussolini na sociedade italiana foi, de facto, gigantesca, pois ele foi empossado como
primeiro-ministro e foi autorizado pelo rei a convocar uma nova base de governo em
1922. A partir desse momento, Mussolini realizou diversas ações que o levaram a
controlar totalmente o Estado italiano.

Palavras-chave: Fascismo; Mussolini; Censura; Partido Nacional Fascista; Política;


Nacionalismo

Francisca Calado (20220502)


INTRODUÇÃO
Este ensaio pretende aprofundar conhecimentos de forma a estimular a
capacidade de resposta às seguintes questões: Qual foi o objetivo de Mussolini ao criar
os “Fasci Italiani di Combattimento”? O que foi o fascismo em Portugal? Que impacto
têm os Direitos Humanos nesta era tão obscura?
Estes são alguns tópicos abordados neste ensaio académico, visto que são tão
impactantes para o esclarecimento deste tema, o Fascismo.
O período após a Primeira Guerra Mundial na Itália é conhecido como o período
em que o fascismo nasceu. Essa ideologia foi organizada por Benito Mussolini, que
iniciou sua carreira política no núcleo socialista. A ascensão de Mussolini na sociedade
italiana foi verdadeiramente gigantesca quando ele foi empossado como primeiro-
ministro.
Jason Stanley enfatiza a ideia do fascismo como uma estratégia de linguagem
que funciona entre as pessoas e para vários objetivos políticos que exigem operação
contínua. A linguagem precisa de marcadores, fronteiras distintas, para que a identidade
do alvo da política fascista tenha efeito e resultados.
Jason Stanley analisa a era Trump nos Estados Unidos e aborda a política de nós
e deles como típica dos regimes fascistas. Umberto Eco analisa os regimes fascistas na
Europa com a visão de que existem certas características típicas do que ele chama de
fascismo perpétuo. Robert Paxton caracteriza o fascismo enfatizando o culto à violência
e ao militarismo.
O autor Jason Stanley descreve os 10 pilares do fascismo e discute como o
mesmo funciona. São eles: passado mítico, propaganda, anti-intelectualismo,
irrealidade, hierarquia, vítimas, lei e ordem, ansiedade sexual, Sodoma e Gomorra e
arbeit macht frei.
O primeiro pilar é o passado mítico, que consiste em evocar um passado distante
e glorioso. Isso remonta ao clássico fascismo italiano com Mussolini, onde os iguais
eram considerados fortes
A poesia neorrealista foi essencial para aproximar as pessoas com suas vozes
silenciadas pelo regime. O avanço da censura e a criação da PIDE trouxeram mais medo
a quem escrevia literatura. A resistência da literatura às expressões de ódio e violência
em defesa do humanismo e do multiculturalismo foi o foco dos primeiros romances de
Saramago.
O que é o Fascismo?
O período pós-Primeira Guerra Mundial, na Itália, foi bastante conhecido por ter
sido o tempo onde nasceu o Fascismo. Esta ideologia foi organizada por Benito
Mussolini, que começou a sua carreira política num núcleo socialista, mas acabou por
ser expulso por ter publicado um artigo que defendia a participação de Itália na Primeira
Guerra Mundial, em 1914, que era um pensamento completamente contrário às
ideologias socialistas italianas, durante um período de crise social em 1919. (Silva,
2008)
Como consequência de ter desenvolvido um discurso nacionalista muito forte e
ter ganho muitos apoiantes, Mussolini criou os “Fasci Italiani di Combattimento” (FIC)
formado por classes conservadoras da época, que se autonomeavam como “fascistas”
desde 1915, surgindo o Partido Nacional Fascista. A palavra “Fasci” refere-se a um
símbolo do Império Romano, símbolo esse que consistia num feixe de hastes de madeira
com um machado no centro. A ideia dos fascistas era ter todo o poder de Itália a partir
da via eleitoral, mas também pelo meio de atos violentos contra os opositores,
particularmente contra os socialistas que eram o partido concorrente. A violência era
deveras utilizada pelos fascistas contra os socialistas e foi bastante apoiada pelas
diversas camadas da sociedade italiana, visto que o objetivo era intimidar e enfraquecer
o socialismo como movimento social e político. (Zetkin, 2009)
A ascensão de Mussolini na sociedade italiana foi drástica visto que foi
empossado primeiro-ministro e foi autorizado pelo rei a convocar uma nova base de
governo, em 1922. (Zetkin, 2009)
A partir desse momento, Mussolini realizou várias ações que o levaram a
controlar totalmente o Estado Italiano e, por ser uma ideologia política com tamanha
grandeza, serviu de inspiração para vários movimentos em toda a Europa. (Silva, 2008)
Mas, afinal, o que é o fascismo e como se pode identificar este regime político?!
Para ajudar a compreender mais sobre este conceito e de como identifica-lo, é correto
organizar algumas das muitas características que expliquem o fascismo clássico, ou
seja, o fascismo italiano: é um sistema político baseado no uni partidarismo, no qual o
próprio partido é a única força politica atuante; o culto ao líder do partido era muito
importante, visto que se defendia que era o único que conseguia solucionar os
problemas da nação; o Estado tinha o controlo total da economia, da politica e cultura; a
mobilização das massas a partir de retórica populista; a exaltação de valores tradicionais
e a critica a tudo o que era taxado como “moderno”; o desprezo pelos valores liberais; a
existência de um regime de censura; o estatismo, o nacionalismo ou racismo, como
objetivo moral do Estado; o desprezo por valores coletivistas, como o socialismo e o
comunismo; e o ataque à politica tradicional. (Silva, 2008) (Barreto, n.d.)

A Linguagem Fascista como estratégia


A estratégia é um conceito que provem da antiguidade e, por consequência da
tradição. A compreensão da noção de estratégia insere-se em diversas áreas como na
administração, na economia, na comunicação social, na política, entre outras, com uma
variedade de definições e finalidades. Neste tema, a finalidade da estratégia é o
dinamismo em que se apresenta como um “meio para atingir um fim”. (Bustamante,
n.d)
Quando Jason Stanley apresenta o livro Como Funciona o fascismo – a política
do “nós” e “eles”, o título brada tanto pelo como quanto pelo funcionar. A política
vinculada ao funcionar relaciona-se com a exposição de como conquistar o objetivo e o
interesse de modo amplo e, de preferência, rápido. Para uma política funcionar é
necessário utilizar a linguagem, de modo a tracejar a mesma como estratégia e não
como um recurso rude, comum no dia a dia. (Bustamante, n.d)
Jason Stanley enfatiza a ideia de fascismo como uma estratégia de linguagem,
pois o fascismo tende a ser analisado pelo filósofo de modo universal, passível de ser
em qualquer lugar do mundo, e não histórico, ou seja, acontece em qualquer momento e
não somente em um período histórico cronológico: “Nos últimos anos, diversos países
de todos os cantos do mundo foram acometidos por uma espécie de nacionalismo de
extrema-direita. A lista inclui Rússia, Hungria, Polônia, Índia, Turquia e Estados
Unidos. A tarefa de generalizar em torno de tal fenômeno é sempre problemática, já que
o contexto de cada país é sempre único. Mas essa generalização é necessária no
momento atual. Escolhi o rótulo “fascismo” para qualquer tipo de ultranacionalismo
(étnico, religioso, cultural), no qual a nação é representada na figura de um líder
autoritário que fala em seu nome” (STANLEY, 2018, p. 7). (Bustamante, n.d)
É importante considerar que, no primeiro quartel do século XXI, há uma
intensificação do nacionalismo de extrema-direita em diversos países e, com isso, a
linguagem na tática dessas políticas tem de ser verificada: “Meu interesse neste livro
está na política fascista, sobretudo nas táticas fascistas como mecanismo para alcançar
poder. Quando aqueles que empregam essas táticas chegam ao poder, os regimes que
eles praticam são, em grande parte, determinados por condições históricas específicas.
O que aconteceu na Alemanha foi diferente do que aconteceu na Itália. A política
fascista não conduz necessariamente um estado explicitamente fascista, mas é perigosa
de qualquer maneira” (STANLEY, 2018, p. 7).
Quando se concebe o fascismo de modo universal e não histórico, a linguagem
transforma-se na estratégia central, pois possibilita estar sempre em movimento e em
alteração. Esta dimensão apresenta-se por várias facetas: “A política fascista inclui
muitas estratégias diferentes: o passado mítico, propaganda, anti-intelectualismo,
irrealidade, hierarquia, vitimização, lei e ordem, ansiedade sexual, apelos à noção de
pátria e desarticulação da união e do bem-estar público. Embora a defesa de certos
elementos seja legítima e, às vezes, justificada, há momentos na história em que esses
elementos se reúnem num único partido ou movimento político, e esses momentos são
perigosos” (STANLEY, 2018, p. 8).
Ou seja, a linguagem funciona entre as pessoas e a vários fins políticos em que
requer um funcionamento contínuo. Como consequência a linguagem precisa de marcas,
fronteiras diferenciais para que a identidade do alvo da política fascista tenha efeito e
resultado. (Bustamante, n.d)

Direitos Humanos em tempos sombrios


Autores como Jason Stanley (2019), Umberto Eco (2018) e Robert Paxton
(2007) ajudam-nos a entender o carácter fascista de vários governos. (Barroco, 2022)
Stanley analisa a era Trump, nos Estados Unidos, abordando a política de “nós”
e “eles” como típica de regimes fascistas cujas características são variadas, como por
exemplo: a referência a um passado mítico, valorizado em função da família patriarcal e
de seus valores, como a autoridade do pai; o anti-intelectualismo; a defesa da lei e da
ordem; a desarticulação do bem-estar público; a ansiedade sexual; a exclusão de grupos
sociais minoritários e a sua desumanização e/ou extermínio precedido de ataques
retóricos; a divisão da população entre “nós e eles”; e o nacionalismo. (Barroco, 2022)
Umberto Eco analisa os regimes fascistas na Europa, considerando que existem
certas características típicas do que ele denomina “fascismo eterno”, como por exemplo:
o culto à tradição; a recusa da modernidade, ou seja, a ilustração e a razão são vistas
como princípios de depravação moderna, podendo definir-se como irracionalismo; o
irracionalismo supõe o culto à ação pela ação, negando a reflexão; negação do espirito
critico, pois ele supõe o desacordo, visto que para o fascismo o desacordo é traição; a
negação da diferença e da diversidade, por isso, o fascismo é racista por definição; o
fascismo surge da insatisfação individual ou social, isto é, uma das características
típicas dos fascismos históricos é o chamamento às classes médias frustradas por
alguma crise económica, assustadas pela pressão dos grupos sociais subalternos; o
nacionalismo e a xenofobia; a negação da paz, porque a vida é uma guerra constante; o
elitismo aristocrático e militarista; o culto a um herói e o culto da morte; a projeção da
vontade de poder a questões sexuais, como o machismo, a intolerância com as mulheres
e com a homossexualidade; e o populismo qualitativo, ou seja, os indivíduos não têm
direitos. O líder coloca-se como seu intérprete. (Barroco, 2022)
Robert Paxton caracteriza os fascismos salientando o culto à violência e ao
militarismo, a crença de que a salvação da pátria requer a eliminação dos inimigos
internos por meio da mobilização permanente e o uso da identidade nacional através de
uma conceção agressiva de corpo social. (Barroco, 2022)

O Fascismo através da ótica psicológica


No livro “Como funciona o fascismo: A política do “Nós” e “Eles” o autor Jason
Stanley elenca 10 pilares do fascismo e discorre sobre como funciona e o processo por
trás de cada um. São eles: passado mítico, propaganda, anti-intelectualismo, irrealidade,
hierarquia, vitimização, lei e ordem, ansiedade sexual, sodoma e gomorra e arbeit macht
frei. (de Souza, Freitas, Lara, 2021)
O primeiro pilar é o passado mítico, que consiste em evocar um passado distante
e glorioso: remonta o fascismo clássico italiano com Mussolini, onde os iguais eram
vistos como fortes, formando uma ilusão de uma base de apego seguro para se estruturar
um todo. Tal ilusão inclui uma ideia pouco elaborada e nostálgica de que as glórias de
um passado helénico formam os indivíduos no presente e que os mesmo compartilham
destas glorias no presente. Essa distorção ótica permite que o passado tenha
profundidade para abrigar a “glória” e apaziguar as consequências de uma guerra
cultural. Como diz um grande psiquiatra “Outra forma bem conhecida de expressão dos
arquétipos é encontrada no mito e no conto de fadas. Aqui também, se trata de formas
cunhadas de um modo específico e transmitidas através de longos períodos. O conceito
de “archetypus” só se aplica indiretamente às représentations collectives, na medida em
que designa apenas aqueles conteúdos psíquicos que ainda não foram submetidos a
qualquer elaboração consciente” (Jung, C. G., 1976, p.25). (de Souza, Freitas, Lara,
2021)
Ou seja, se aplicarmos ao pilar do “passado mítico” o conceito de arquétipo
como um elemento amplamente difundido e pouco elaborado conscientemente,
podemos deduzir que ele tem estrutura simbólica suficiente para ser evocado em massa,
solidificando-se como um arquétipo: o arquétipo helíaco de um passado glorioso. O
líder evoca esse símbolo de união através do tradicionalismo, e este pode apresentar
características de pureza distintas, como por exemplo teocrático, racista ou mesmo
cultural porém sempre chauvinista. (de Souza, Freitas, Lara, 2021)

O Fascismo na Europa
O fenômeno do imperialismo foi decisivo para a tomada do poder pela extrema
direita em várias nações europeias, isso pois acreditava-se que para o avanço do
capitalismo em cada nação era necessária a dominação de outra nação, por meio da
colonização. (Costa, 2019)
A Alemanha não possuía colônias ultramarítimas e a solução estava na anexação de
territórios. Por conta do atraso na revolução industrial alemã e em sua unificação estatal,
gerou-se um ambiente propício para o fortalecimento da ideologia pangermânica.
(Costa, 2019)
Arendt explica com clareza essa formação ideológica que criou o ambiente
propício para a expansão do nacionalismo nocivo dentro dos países europeus, que
evidentemente estavam em desorganização étnica e social após a Primeira Guerra: “As
nações da Europa central e oriental, que não tinham possessões coloniais e mal podiam
almejar a uma presença no ultramar, decidiram então que “tinham o mesmo direito à
expansão que os outros grandes povos e que, se não [lhes] fosse concedida essa
possibilidade no além-mar, [seriam] forçados a fazê-lo na Europa”. (ARENDT, 2012,
p.314) (Costa, 2019)
Inglaterra e França utilizaram-se desse mesmo discurso para explorar os
continentes africano e asiático de forma desumana, e assim o fizeram durante muito
tempo, justificando suas políticas externas como forma de levar “civilização” aos povos
considerados por eles “primitivos”. O imperialismo utilizou-se da ciência em favor de
uma ideologia em prol da escravidão africana e diminuição da importância de outros
povos para afirmação de sua supremacia. O conceito de nacionalismo para os estados
fascistas vai além do símbolo nacional e o sentimento pátrio. (Costa, 2019)

Diante dessas justificativas científicas questionáveis, o antissemitismo prosperou


de forma rápida na Alemanha, sofrendo poucas resistências internas, e quando a
máquina mortífera alemã começou a ser utilizada, outras democracias europeias não
estavam preparadas para combater uma nação muito disposta em alcançar o domínio
internacional. Nesse sentido, Hanna Arendt apura as mazelas originadas a partir da
estrutura social de classes e nos dá a dimensão do problema causado pelo fim do
absolutismo e a formação das nações modernas: “A conquista do Estado pela nação foi
facilitada pela queda da monarquia absoluta e pelo subsequente surgimento de classes.
O monarca absoluto devia servir aos interesses da nação como um todo e ser expoente e
prova visível da existência de tal interesse comum. O despotismo esclarecido baseava-se
no que disse Rohan: “Os reis comandam os povos e o interesse comanda os reis”.
Abolidos os reis, esse interesse comum corria o perigo de ser substituído por um
permanente conflito entre numerosos interesses de classes e por uma luta pelo controle
da máquina estatal, ou seja, por uma guerra civil permanente. O único laço comum que
restava aos cidadãos do Estado-Nação, sem um monarca que simbolizasse a essência do
grupo, era origem comum. Assim, num século em que cada classe e cada segmento da
população eram dominados por interesses próprios, o interesse da nação como um todo
era supostamente garantido pela origem comum, que encontrou sua expressão
sentimental no nacionalismo.” (ARENDT, 2012, p.323) (Costa, 2019)

O Fascismo Português
“Às almas dilaceradas pela dúvida e o negativismo do século, procurámos
restituir o conforto das grandes certezas. Não discutimos Deus e a virtude; não
discutimos a Pátria e a sua História; não discutimos a autoridade e o seu prestígio; não
discutimos a família e a sua moral; não discutimos a gloria do trabalho e o seu dever.”
(CRUZ, Manuel Braga da, O Partido e o Estado no Salazarismo, Lisboa, 1988)

Em 28 de maio de 1926, um golpe de Estado promovido pelos militares


preparou o fim da república liberal e parlamentarista, instituída dezasseis anos antes.
Oliveira Salazar é chamado em 1928 por uma ditadura militar para restaurar as finanças
e quatro anos depois é Presidente do Conselho. Cargo que ocupou até 1968. (Tessadori,
2014)

O Estado Novo não deixou de ter um projeto totalizador para a sociedade


portuguesa. Recorreu a processos e estruturas político-institucionais características dos
modelos fascistas, em particular o italiano. Embora condenasse o totalitarismo dos
Estados fascistas contemporâneos, para Salazar assumiu um aspeto violento e pagão.
(Tessadori, 2014)

Assim, o Estado Novo monopolizou a vida política em torno do partido


único – a União Nacional, enquadrou as atividades económicas, sociais e culturais numa
organização corporativa, eliminando as associações que não se integrassem na esfera do
Estado, utilizou a censura prévia à imprensa, teatro, cinema, rádio e posteriormente à
televisão visava questões políticas, militares, morais e religiosas. Os censores foram os
responsáveis por proibir a divulgação de palavras e imagens “subversivas” à ideologia
do Estado Novo. A polícia política, a Polícia Internacional e Defesa do Estado (PIDE),
distinguiu-se por prender, torturar e matar opositores ao regime, obrigava os servidores
públicos a provar sua lealdade ao regime por meio de um juramento.

Posteriormente, o acesso às principais empresas privadas foi também


condicionado por critérios de natureza política. Obrigou os funcionários do setor
público a jurar que apoiariam o regime. Também os forçou a participar de comícios
políticos, controlava o tempo livre dos trabalhadores por meio de uma entidade estatal
(Federação Nacional para Alegria no Trabalho, FNAT). A FNAT oferecia atividades
lúdicas e “educativas” pautadas na moral oficial, a Legião Portuguesa destinava-se a
defender “o património espiritual da Nação”. No início da década de 1940, contava com
cerca de 20.000 membros, tanto mais que sua filiação era obrigatória para determinados
cargos públicos. Já a Mocidade Portuguesa, matrícula obrigatória para os alunos do
ensino básico e secundário, pretendia incutir-lhes os valores nacionalistas e patrióticos
do Estado Novo. Controlou o ensino, especialmente ao nível primário e secundário, com
a depuração política dos corpos docentes e a adoção de “livros únicos” oficiais que
veiculavam os valores do Estado Novo. Apos a revisão constitucional de 1935, o ensino
público ficou vinculado aos “princípios da doutrina e moral cristãs”. Imprimiu uma
orientação oficial à cultura e às artes, divulgando valores estéticos e ideológicos
modelares e promovendo grandiosas celebrações históricas através do Secretariado da
Propaganda Nacional (SPN). Impôs um poder político personalizado na figura do
Chefe, intérprete supremo do interesse nacional. A mística fascista do Estado e da
Nação totalitários encontrou eco perfeito em Salazar. Ditador e chefe indiscutível do
Estado Novo, Salazar governava o país como se fosse um feudo. Considera-se o líder da
Nação, julgando-se o mais apto para governar. (Tessadori, 2014)

O Romance de José Saramago

A grande e decisiva arma é a ignorância. É bom, dizia Sigisberto no seu jantar de


aniversário, que eles nada saibam, nem ler, nem, escrever, nem contar, nem pensar, que
considerem e aceitem que o mundo não pode ser mudado, que este mundo é o único
possível, tal como está, que só́ depois de morrer haverá́ paraíso [...] (Saramago, J., 1980)

José Saramago, o único escritor em língua portuguesa a ganhar o Prémio Nobel


da Literatura, traçou o percurso da história portuguesa e a sua relação direta com a
sociedade moderna. A sua literatura humanista é capaz de demonstrar como os laços
históricos influenciam diretamente a realidade objetiva do povo português. (Costa,
2019)

A resistência antifascista de José Saramago foi importante para recuperar a


relevância dos direitos humanos e alcançar a emancipação humana face a um mercado
que dominava a Europa. Naquela época, havia mais preocupação com o mercado
comum do que com o bem-estar dos diferentes povos que se precisavam unir. Em
discurso pronunciado no banquete do Prémio Nobel, o autor comenta: “Nestes
cinquenta anos não parece que os governos tenham feito pelos direitos humanos tudo
aquilo a que, moralmente, quando não por força de lei, estavam obrigados. As injustiças
multiplicam-se no mundo, as desigualdades agravam-se, a ignorância cresce, a miséria
se alastra. A mesma esquizofrénica humanidade que é capaz de enviar instrumentos a
um planeta para estudar a composição das suas rochas, assiste indiferente à morte de
milhões de pessoas pela fome. Chega-se mais facilmente a Marte neste tempo do que ao
nosso próprio semelhante” (SARAMAGO, 2013, p. 90).
A obra de Saramago é fundamental para refletir sobre a formação histórica de
Portugal. Mesmo depois da Revolução dos Cravos e de todas as mudanças sociais
provocadas pelos sucessivos governos de esquerda, não conseguiu lançar luz sobre o
período negro do Estado Novo. Saramago estabelece a sua permanente crítica aos
problemas de nação. A figura de Salazar como um Chefe de Estado comum, e não como
um Ditador dos mais duradouros na história mundial, e a ausência de imparcialidade da
reconstrução histórica facilitam a descaracterização do Estado Novo como movimento
fascista. O professor Luís Reis Torgal (2009, pp.301-302) esclarece: “Assim, pode-se
dizer que, apesar das acusações de “fascismo” que caracterizaram o discurso ideológico
dos críticos de Salazar e do Estado Novo, produzidas durante o regime e depois da sua
queda, haveria condições favoráveis para que, logo que passasse a “onda antifascista”
que acompanhou a revolução de Abril de 1974 e surgisse uma consciência crítica à
ainda jovem “democracia”, viesse ao de cimo um “branqueamento” de Salazar (que
nem sequer foi um “ditador” que assistiu à queda do regime e sim o seu sucessor,
Marcello Caetano) e do Estado Novo que tinha criado. E essa tendência seria ainda mais
evidente desde que aparecessem “narrativas”, mesmo que criticas, acerca da vida de
Salazar que, no seguimento de algumas edições, portuguesas ou estrangeiras, publicadas
no seu tempo sobre a sua intimidade, dessem conta da imagem de um “ditador”
paternal, aldeão, solitário, com os seus dramas sentimentais...De resto, quanto mais se
dá uma visão rural de Salazar – que ( a nosso ver) só́ em parte é verdadeira – mais
haverá́ tendência para criar um movimento de simpatia, que se transforma numa visão
forte de honestidade, normalmente posta em contraste com os divulgados “escândalos
da Republica”. Por isso, e devido à falta de um ensino solido sobre a história do Estado
Novo e do 25 de Abril e à não existência de um marco memorial forte e completo sobre
a história do salazarismo, existem condições favoráveis para que se conclua, no domínio
de uma história mais imagética do que cientifica, que o fascismo nunca existiu. (Costa,
2019)
Essa imagética social citada pelo professor dá espaço para interpretações
erróneas do que foi a repressão do regime, as mortes provocadas pela PIDE, as torturas
e outras práticas de um Estado de Exceção. Houve ataques e discurso de ódio contra
comunistas durante o Estado Novo. Houve ataques e discursos de ódio contra
comunistas durante o Estado Novo. A falta de enfrentamento da sociedade civil em
tempos sombrios a impede de enfrentar a verdade dos regimes totalitários. Voltar ao
passado da ditadura é fundamental para que os erros do passado não se repitam. Pode
ser uma forma de construir uma sociedade democrática baseada nos direitos humanos.
Ou seja, A poesia neorrealista foi fundamental para estabelecer os encontros do
povo com a voz abafada pelo regime. O avanço da censura estrita e a criação da PIDE
trouxeram mais medo a quem escrevia literatura. A resistência da literatura ao discurso
de ódio e à violência em defesa do humanismo e do multiculturalismo foi o foco dos
primeiros romances de Saramago. (Costa, 2019)

Considerações Finais
Com o decorrer do desenvolvimento deste ensaio académico adquiri
conhecimento pormenorizado sobre a existência de Fascismo desde o século XX até aos
dias de hoje.
Jason Stanley, professor na Universidade de Yale e autor de Como Funciona o
Fascismo, mostra como identificar o fascismo atual. No início do livro Stanley deixa
claras duas coisas. A primeira é que a política fascista, apesar de ser toxica de qualquer
das formas, não é necessariamente um Estado Fascista. E a segunda é que a atualidade
pode não ter a mesma aparência que tinha durante a década de 1960, mas que todos os
sinais de que um dia se chamaram de fascismo voltam a estar presentes na situação
internacional, na atualidade. (Harendt, 2019)
O problema do fascismo é que a partir deste conceito criamos um mito, e os
mitos são inatingíveis por definição, ou seja, nada pode ser comparado com os mesmos.
No entanto, lamentavelmente, o fascismo não tem nada de mitológico, ou seja, foi uma
realidade para milhões de pessoas durante o século XX e aqueles que passaram por esta
experiência contam que nos tempos onde vivemos têm muito a ver com aquilo que
existia nos momentos onde existiram os grandes desastres humanitários.
O livro é dividido em dez temas e explica a necessidade que o fascismo sempre
teve de o apresentar à nação como um passado mítico, fabuloso e adulterado. (Harendt,
2019)
No início da obra, Stanley invoca o movimento America First das décadas de
1920 e 1930 para explicitar a plataforma de eleição de Donald Trump, exatamente com
o mesmo lema e com um discurso semelhante em relação à imigração. O próprio
horizonte de Trump para fazer da América grande outra vez era a década de 1930,
precisamente o período de maiores políticas de pendor fascista. O autor clarifica o
conteúdo material da sua definição de fascismo: “(...) qualquer tipo de
ultranacionalismo (étnico, religioso, cultural), no qual a nação é representada na figura
de um líder autoritário que fala em seu nome. Como Donald Trump declarou em seu
discurso na Convenção Nacional Republicana em julho de 2016, “eu sou a sua voz”,
adiantando que a política fascista inclui muitas estratégias diferentes: o passado mítico,
propaganda, anti-intelectualismo, irrealidade, hierarquia, vitimização, lei e ordem,
ansiedade sexual, apelos à noção de pátria e desarticulação da união e do bem-estar
político” (Stanley, 2018). (Dias, 2022)
Um dos pontos mais importantes da obra de Jason Stanley é o passado mítico, ou
seja, a política fascista invoca um passado mítico da nação, seja religiosamente puro,
racialmente puro, culturalmente puro ou todos os itens juntos. Os políticos fascistas
dizem “naquele tempo não existia isso" ou "tudo era diferente, era melhor”, o passado
mítico é criado para que haja um vínculo de nostalgia entre ele e a política fascista.
Como se nos tempos antigos, seja qual for, não existissem vários dos problemas que
existem ainda hoje ou problemas até mesmo piores. A criação de um passado
"glorioso". É preciso criar um passado “mítico”, mesmo que esse passado nunca tenha
existido de fato. (Ramalho, 2019)

Referências:

 Barreto, B. (n.d.). Fascismo. Blog do Barreto |; Blog do Barreto. Retrieved


November 25, 2022, from https://blogdobarreto.com.br/tag/fascismo/
 Barroco, M. L. da S. (2022). Direitos humanos, neoconservadorismo e
neofascismo no Brasil contemporâneo. Serviço Social & Sociedade, 143, 12–21.
https://doi.org/10.1590/0101-6628.268
 Bustamante, J. F. C. (n.d.). Vista do A linguagem fascista como estratégia.
Opiniaofilosofica.org. Retrieved November 25, 2022, from
https://www.opiniaofilosofica.org/index.php/opiniaofilosofica/article/view/
1041/834
 Costa, R. R. (2019). Levantado do chão, de José Saramago: um romance
histórico sobre o fascismo em Portugal. Unb.Br.
https://repositorio.unb.br/bitstream/10482/35680/1/2019_RaracheRodriguesCost
a.pdf
 de Souza, E. S., Freitas, A. M., & Lara, L. M. (2021). Vista do O fascismo
através da óptica psicológica: uma revisão bibliográfica da estrutura. Org.br.
http://www.sprgs.org.br/diaphora/ojs/index.php/diaphora/article/view/338/260
 Dias, J. F. (2022). Como Funciona o fascismo: a política do “nós” e
“eles.” Joaoferreiradias.net. https://joaoferreiradias.net/blog/5752/
 Harendt, H. (2019, December 16). O fascismo explicado por Jason Stanley.
Hannah Arendt/Brasil. https://hannaharendt.wordpress.com/2019/12/16/o-
fascismo-explicado-por-jason-stanley/
 Ramalho, F. C. (2019). Como Funciona o Fascismo. JusBrasil.
https://ramalhofernando.jusbrasil.com.br/artigos/844629474/como-funciona-o-
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