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“Carregado de tristeza, o entardecer demora anos. A noite vem de longe, cansada; tomba tão
vagarosamente que o mundo parece que vai ficar para sempre naquela magoada penumbra. Lá vêm
figurinhas dobradas pelos atalhos, direito às casas tresmalhadas da aldeia. Nenhuma virá até à venda falar
um bocado, desviar a atençao daquele poente dolorido. São ceifeiros, exaustos da faina, que recolhem.
Breve, a aldeia ficará adormecida, afundada nas trevas. E António Barrasquinho, o Batola, não tem
ninguém para conversar, não tem nada que fazer. Está preso e apagado no silêncio que o cerca.”
Este conto relata a solidão da velhice nos povos do interior, como sendo o caso de Batola, o
chapeirão redondo, pobre, sozinho e sempre a beber vinho, e da sua mulher, uma senhora bastante
diferente dele, alta e robusta, que abre a venda de manhã e atende todos os fregueses. Batola era um
homem baixo, carrancudo, que passa os seus dias sentado no banco em frente à venda, onde só
apareciam ceifeiros, já cansados e exaustos da faina, que recolhem para as suas casas. Era uma rotina,
uma solidão imensa.
No meio da sua monotomia desolada, Batola recorda o seu amigo, o velho Rata, a sua única
companhia, um mendigo que se suicidara.
Numa tarde, ouviu-se um motor, coisa que não se ouvia à muito tempo na aldeia. Era um carro,
com dois homens, um de fato de ganga e outro muito bem vestido. Era um vendedor e o seu motorista,
que pararam em frente à venda de Batola para pedir uma bilha de água. Puseram-se à conversa e é então
que, o vendedor pede a Calcinhas, o motorista, para tirar a “caixa” do modelo pequeno. Um rádio
rádio. Este
diz-lhe que quando quisesse, podia ouvir musica toda a noite e todo o dia, canções, fados e guitarradas, e
até noticias da guerra.
Batola, surpreendido e apaixonado pelo aparelho, pondera comprá-lo, mas a sua mulher diz-lhe
que se o fizer, ela sai de casa. É uma escolha que ele tem de fazer. O vendedor, apressado, sugeriu-lhes
que, se ao prazo de 1 mês não o quisessem, poderiam devolvê-lo a preço zero. A mulher concordou, e
apartir daquele dia, todos se reuniam para ouvir as canções, comentar as noticias de ultima hora, e assim
por diante.
O velho Batola, antes sozinho e vivendo uma vida em que as horas passavam devagar, renasceu.
Acordava cedo para vender coisas aos fregueses e fazia notar a sua vivacidade, a sua vontade de saber
mais. Nunca algo deste género tinha acontecido na aldeia. Por contradiçao, a sua mulher, refugiou-se em
casa, e ninguém soube dela durante o mês inteiro. O tempo passou tao rapido, que o final do mês chegara
e Batola tivera se esquecido de tentar convencer a mulher.
O conto termina com Batola, a guardar o aparelho e a sua mulher, ternuramente, a dizer-lhe
“Olha… Se tu quisesses, a gente ficava com o aparelho. Sempre é uma companhia neste deserto.”
Este conto ajuda-nos a ter um pequeno vislumbre de como era viver a informação (e algum
entretenimento) antes do advento da televisão. E de como a solidão, pessoal ou de uma
comunidade, podia ser de certo modo confortada por um simples aparelho
aparelho.
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Ana Silvestre
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