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COPYRIGHT © 2021 EDITORA CABANA VERMELHA;
COPYRIGHT © 2021 LÉO LUZ

DIRETORA EDITORIAL: ELAINE CARDOSO


EDITORA CHEFE: ELAINE CARDOSO
EDITORA ASSISTENTE: MARI VIEIRA
REVISÃO: ELAINE CARDOSO
CAPA: ELAINE CARDOSO
DIAGRAMAÇÃO E PROJETO GRÁFICO: ELAINE CARDOSO

Esta obra foi revisada segundo o


Novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa.
É proibida a reprodução total e parcial desta obra, de qualquer
forma ou por qualquer meio eletrônico, mecânico, inclusive por
meio de processos xerográficos, incluindo o uso da internet, sem
permissão expressa da autora (Lei 9.610 de 19/02/1998).

1 ª EDIÇÃO

EDITORA CABANA VERMELHA


CNPJ: 36.211.382/0001-40
WWW.EDITORACABANAVERMELHA.COM

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“Mas como eu começo depois do fim
O som da porta batendo atrás de mim
Minha vida se parte em pedacinhos pequenos
O que restou, o que dizer, pra quem ligar, aonde ir?”

Depois do Fim, Leoni

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“En mí nada se apaga ni se olvida”
Si tu me olvidas, Pablo Neruda

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Introdução
Não adianta reclamar de spoiler, tampouco adianta
ficar achando que o título é uma pegadinha. Este livro
é sobre um amor que não deu certo mesmo. E sabe por
quê? Porque este é um livro baseado em uma história
real. E histórias reais têm finais reais, não de contos de
fadas. Neste livro há cartas reais minhas para a Anna,
textos que eu escrevi para ela e publiquei em alguns
lugares, bilhetes que trocávamos por e-mail diariamente
e notas que eu escrevi para pontuar melhor a história.
Aqui você não vai ler nossas brigas, nem nossas
intimidades. Não é um livro de fofoca, é um livro sobre
um ponto de vista, um lado, um livro com tudo o que

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foi escrito por uma das partes de uma relação para a
outra - antes, durante e depois do relacionamento ter
terminado – até hoje.
Mas por que escrever algo tão pessoal, tão
autobiográfico, de uma maneira tão rasgada e
expositiva?
Bom, tudo é autobiográfico em algum aspecto. E,
hoje, dia 25 de dezembro de 2017, pensar em reunir
esses textos me soa como um expurgo necessário,
um desses rituais bobos que a gente adora fazer para
fingir que superamos as coisas. Como vocês podem
ver, foi uma história difícil de superar, tendo em vista
que foram dezenas de textos e cartas ao longo de três
anos, sem que ela tenha lido, até onde eu saiba, nem um
sequer. Só para botar isso para fora na impossibilidade
de explodir um posto de gasolina com uma bazuca ou
de jogar um carro de uma ribanceira.
Ainda se fala ribanceira?
Ribanceira essa que, se ainda se falar ribanceira hoje
em dia, eu rolei, rolei, rolei e caí lá no fundo, cavei mais
um pouquinho e decidi publicar para me livrar disso
de vez. E porque acho que esses textos podem ajudar
muitas pessoas a cuidarem mais da pessoa amada, a
valorizar mais, a tentar mais, a ser mais paciente, coisas
nas quais eu nunca fui muito bom. Espero que você,

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leitor ou leitora, goste, se divirta, não chore demais
e, pelo amor de Deus, não fique me shippando com a
Anna porque, além de brega, pode nos trazer problemas
se, quando da publicação deste livro, eu estiver casado
com a Margot Robbie ou com a Nathália Dill. Elas são
ciumentas que só o cão.

Nota 01: Isso tudo é mentira, minha agente que me


mandou escrever isso. A verdade é que eu pensei que,
já que essa história me fez sofrer tanto e me deu tanto
prejuízo com terapia, remédio e indenizações, pelo
menos ela agora pode me dar algum dinheiro. Sem falar
que o tipo Escritor Decadente Ainda Apaixonado pela
ex, vai ser super tendência esse ano.

Nota 02: Se, quando do lançamento deste livro, eu


estiver casado ou namorando, seja alguma das suas
supracitadas seja outra pessoa, gostaria de informar
à minha cara metade que este livro não é tão verdade
assim, escritor adora se fazer de sofrido para vender
livro. Talvez até eu comece a beber para virar alcoólatra
antes dos quarenta.

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Agradecimentos
Ao cupido, esse grande filho da puta que começou
isso tudo, naquele maldito dia de verão em que eu fui
almoçar naquele igualmente maldito restaurante e, me
apaixonei à primeira vista pela Anna antes da comida
chegar na minha mesa.
À Anna, porque se ainda estivéssemos juntos e se
eu não tivesse te amado tanto e sofrido tanto eu não
escreveria esse livro, não teria ficado milionário e
não estaria, nesse momento, em um castelo na França
relendo este agradecimento brega e falso.
À minha autopiedade, que me permitiu afundar
completamente em uma fossa que durou cinco anos,

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me fez perder dezenas de mulheres incríveis, muitos
amigos, recusar trabalhos maravilhosos e resultou neste
livro lamurioso e patético.
A todos os amigos, amigas e a todas as pessoas a
quem eu chateei falando sem cessar sobre a Anna,
choramingando e me lamentando em seus ouvidos.
Vocês foram sempre muito compreensivos comigo. Ou
fingiram muito bem, eu não ligo.

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Prólogo
Tem uma coisa muito injusta que acontece na
primeira vez que alguns casais dizem “eu te amo”.
Na maioria dos casos, experiência própria, um casal é
formado por alguém que diz “eu te amo” pela primeira
vez e alguém que diz “eu também” da primeira vez.
Não sejam o “eu também” da pessoa que vocês amam.
Não deixem que a pessoa que você ama tenha na
memória que a primeira vez que você lhe disse “eu te
amo” foi respondendo com um “eu também”. Eu acho
que fui o “eu também” bem poucas vezes. E já ouvi “eu
também” algumas. Mas a Anna, ah, a Anna, eu lembro
como se fosse ontem a primeira vez que ela disse “eu te
amo”. Se eu ficar quietinho ainda consigo ouvir a voz
dela. Foi um “te amo”, resignado, entredentes. Como
quem diz “tá bom, tá bom, eu te amo, e agora?”.

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 O “eu te amo” da Anna para mim, foi dito setenta e
quatro dias depois de nos conhecermos. Três dias depois
de dizer que não queria me ver nunca mais, cinco dias
depois de dizer que estava apaixonada por mim, vinte
e um dias depois de dizer que só queria sexo comigo,
quarenta dias depois de dizer que não queria namorar
ninguém, cinquenta e dois dias depois de dizer que
nunca me namoraria, setenta dias depois de dizer que
não faríamos sexo de novo, setenta e quatro dias depois
de dizer que nunca faríamos sexo, setenta e quatro dias
depois de dizer que nunca mais ficaríamos, e setenta
e quatro dias depois de eu ver aquela menina linda
sentada na mesa com a mãe dela e ir lá puxar assunto.
    First things first.
Você leu certo. Nós nos conhecemos, saímos, ficamos
e dormimos juntos um dia depois de nos conhecermos.
E eu me apaixonei neste mesmo dia. Essa era a nossa
tônica, mais intensos que trânsito de São Paulo para
a praia em feriado que começa quinta-feira. E, nesse
mesmo período, ela disse que não sairíamos, depois que
não ficaríamos, depois que não transaríamos, depois
que não transaríamos de novo, que não namoraríamos,
que nunca nos separaríamos, e aqui estamos. Onde
estamos? Ah, desculpa. Bom, se você está aí achando
que eu estou escrevendo essa história de amor com a

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Anna aqui do meu lado, me fazendo cafuné e morrendo
de rir de como eu me retrato nessa história, bom, você
não poderia estar mais enganado. Eu estou em casa,
jogando videogame, com um bloqueio criativo há dois
anos, sem dinheiro, quase sem amigos, sem trabalho,
com três gatos e morrendo de pena de mim mesmo.
Mas no começo a gente sempre acha que vai ser pra
sempre, né?!

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Nota 1:
Nada de
casalzinho
Se eu fosse escrever uma comédia romântica, eu não
conseguiria pensar em nada tão, digamos, improvável
como a história que eu vou contar para vocês. Ele
almoçava no bar da piscina do prédio dela, sozinho.
Entre uma checada no e-mail e uma bufada para
reclamar do calor, ele a viu entrando na área do bar. Ela
era linda: magra, cabelos avermelhados, branca, com
um sorriso tão lindo e espontâneo que você até olha ao
redor procurando as câmeras — ninguém sorri assim
naturalmente. Quase ninguém, porque ela sorri.
Prosseguindo: ela entra na área do bar e ele
automaticamente se muda de lugar para poder ficar de
frente para ela. Enquanto ela almoça com a mãe na mesa

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do lado, ele só pensa que precisa, de qualquer maneira,
puxar assunto com ela. Até que ela e a mãe começam
a falar sobre um cachorro que elas adotaram e que está
dando problema. Era o que ele precisava: um assunto
que ele dominava. Com um “Olha, desculpa me meter
no assunto de vocês, mas…” ele puxou papo com ela e,
em dez minutos, estavam falando sobre relacionamentos
passados, hipocondria e futuro profissional. A conversa
fluiu tanto e eles se deram tão bem que piadas como
“nossa, você é minha alma gêmea” ou “meu Deus, a
gente tem que se casar” foram feitas algumas vezes ao
longo do papo. Da parte dos dois.
Ele ia ajudá-la a encontrar um lar para o pequeno
cupido peludo e problemático e logo combinaram
uma ida ao cinema. Ele, de férias, e ela, cheia de
compromissos. Demoraram quatro dias até conseguirem
se encontrar, mas nesse meio tempo se falavam
diariamente por mensagem. Além de absurdamente
bonita e charmosa, ela era inteligente, engraçada, bem-
humorada e carinhosa. Durante quatro dias, pelo menos
sessenta e quatro vezes ao dia, ele ficava preocupado de
ela querer somente a sua amizade. Até que esse medo
se concretizou. Durante uma das trocas de mensagens,
ela disse: “É bom ficar claro no nosso sincericídio que a
única coisa que eu gostaria que você esperasse receber

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em troca é minha amizade, viu?!”. Foi aquele cruzado
de esquerda que você toma e nem sabe de onde veio, só
se lembra de repente acordar no chão, babando.
Foi mais que um balde de água fria, foi um balde
de água morna no verão do Rio de Janeiro. Ele já
começava a tirar o time de campo e se resignar em
serem somente amigos, mesmo assim, manteve o plano
de levarem o cachorro para o abrigo e depois irem
ao cinema. Cachorro entregue, ao filme. Ele trouxe o
assunto à tona e ela, charmosa e sincera que só ela,
disse calmamente que não estava numa fase de se
relacionar com ninguém, que estava focada no trabalho,
na faculdade, e que quando ela namora ela se desliga de
todo o resto. Desligar aquela menina linda de tudo era o
que ele mais queria.
Mas foi aí que os Deuses das comédias românticas
entraram em ação: durante o jantar, antes do cinema,
conversaram durante horas, sobre os mais diversos
assuntos. E ele desconfiou que ela estava chegando
mais perto, parecia mais interessada. Mas depois do que
ela disse, ele nem ousou achar que aquilo significasse
algo. Acabaram de jantar e foram ao cinema. Lá, ele,
em um arroubo de coragem, confidenciou que queria
beijá-la. Três vezes. Ela rechaçou. Mas ele percebeu
que ela rechaçou de forma hesitante, sem convicção.

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Até que, durante o filme, ele a beijou e ela o beijou de
volta. Por alguns instantes, não houve filme nem gente
ao redor. Se beijaram com vontade e com carinho
durante longos minutos. A menina que há uma hora
não queria se relacionar com ninguém, agora lhe
mexia nos cabelos e segurava seu rosto carinhosamente
enquanto o beijava.
Saíram do cinema e o receio dele de que aquilo fosse
acabar lá dentro do cinema não se concretizou: andaram
abraçados, se beijaram na escada rolante, antes de
entrar no carro e durante todo o caminho de volta. Com
direito a cafuné e mãos dadas. Ela continuou reticente e
avessa a relacionamentos e tentando controlar o futuro:
“Amanhã nós vamos no bosque fotografar, mas não
vamos ficar de casalzinho, tá”, decretou ela, segundos
antes de lhe dar um longo e carinhoso beijo e um
abraço apertado. Ele comentou que escreveria sobre a
comédia romântica dos dois e ela parece ter gostado da
ideia, uma vez que deu várias sugestões, uma sucessão
de “quando você escrever sobre a gente…”. E ele
prometeu escrever.
E escreveu.
Mas nada de casalzinho.

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CARTA 1

eu não
preciso de
você
Eu não preciso de você. Eu preciso perder a barriga,
preciso de um ferro de passar roupas e preciso mandar
lavar o carro. Mas de você eu não preciso. Talvez até eu
precise me vestir melhor, usar um corte de cabelo mais
moderno e comprar papel higiênico — está acabando.
Mas, definitivamente, eu não preciso de você. Mas eu
quero você. Um diabético não deseja a insulina. Eu não
adoro meu remédio da tireoide que eu tenho que tomar
todos os dias. Mas eu preciso dele. E um diabético
precisa da insulina. Ambos por não termos opção.

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Eu não preciso que você me entenda como ninguém
nunca me entendeu, nem que você me acalme como
você sempre faz, muito menos preciso daquele carinho
no pescoço que você faz sempre quando me beija,
como se você fosse a minha esposa e eu um soldado
que passou dez anos em uma guerra do outro lado do
mundo e voltou sem uma perna. Mas eu quero que você
me entenda, me acalme e me beije desse jeito. Sempre.
Eu não preciso conversar com você por horas
todos os dias, nem deitar no seu colo e ganhar cafuné.
Tampouco preciso ouvir você falar apaixonadamente
sobre teatro por horas e horas. Mas conversar com
você, ganhar cafuné e ouvir você falar — linda! —
sobre teatro por horas a fio é o que eu mais quero nesse
momento. Não por necessidade, porque se fosse isso,
não importaria o que eu sinto, seria somente algo que
eu preciso. Eu poderia, hoje por exemplo, ficar em casa
sem fazer nada. Mas eu preferiria sair para passear com
você. A minha vida sem você não seria impossível. Eu
não ia morrer nem virar um ermitão nas montanhas.
Mas com você a minha vida seria muito mais divertida,
não há como negar isso.
O meu remédio para ansiedade tem quase o mesmo
efeito que você: me acalma, me deixa menos impulsivo
e menos ansioso. Mas eu não queria ter que tomá-lo. Já

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você, se pudesse eu tomaria você de quatro em quatro
horas, cinco vezes por dia, e o efeito seria sobremaneira
melhor que o do remédio. O remédio não fica com os
olhos fechados por vários segundos depois que me beija
nem fala com voz doce quando precisa me dar uma
bronca. Dizer que eu preciso de você seria minimizar
todo o bem que você me faz. Seria como dizer que eu
preciso de um remédio ou de camisas novas. Poder ser
quem eu sou de verdade, sem ter que disfarçar nada nem
esconder nem um pedacinho, é algo que eu nunca havia
experimentado. E admito que é bem melhor do que
eu imaginava que pudesse ser. E viver isso não é uma
questão de necessidade. É uma questão de liberdade,
de paz de espírito. A paz de espírito que você me traz
quando me faz carinho enquanto eu dirijo e quando
fala, ao final de toda mensagem: “Fica bem”. Não a paz
de espírito que eu preciso. Mas a paz de espírito que eu
quero. Assim como quero você.

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texto 1:
amizade
descolorida
Anna e Luiz Fernando (Lufe) se conheceram
abruptamente. Lufe achou Anna linda na rua e deu
uma de personagem do Humphrey Bogart (ou do
Justin Timberlake, para os mais novos): puxou assunto
na cara de pau. Foram ao cinema e ficaram no dia
seguinte. E nos outros dias que se seguiram. Se davam
bem de uma maneira assustadora: ela o entendia com
toda a sua ansiedade. Ele a entendia no auge das suas
dúvidas e da sua mania de controle. Ele adorava ouvi-
la falar apaixonada sobre teatro e vê-la irritada porque
algo saiu dos seus planos. Três dias depois, ocorreu o
seguinte diálogo:

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— Amanhã você vai fazer o que? — Perguntou Lufe
— Por quê?
— Porque eu tenho uma reunião em Niterói. Pensei
em você ir comigo e a gente passear no Parque da
Cidade.
— Passear? Melhor não, Lufe.
— Ahn? Por quê?
— Porque isso é muito casalzinho. A gente não tá
ficando.
— Não? Curioso, eu podia jurar que foi com você
que eu fiquei todos os dias nos últimos cinco dias.
— Foi, mas a gente não “tá ficando”. Nós somos
amigos e estamos fazendo sexo. Não confunde.
— Amigos? A gente se conhece não faz nem uma
semana. A gente ficou no dia que a gente se conheceu.
Não tem como eu confundir porque nós não éramos
amigos antes.
— Sim, mas agora nós somos. Eu não quero me
relacionar com ninguém esse ano, quero focar no meu
trabalho. Você acabou de terminar um namoro.
— Bom, desculpa se você interpretou errado, mas
eu não te chamei pra ir a Niterói comigo pra eu te pedir
em casamento lá. Era só pra gente passear em um lugar
bonito, legal.
— Então. Casais passeiam em lugares bonitos,
legais. Nós não somos um casal.

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— Tá bom então. Se você quiser fazer alguma coisa
de noite, me fala e vai lá em casa.
— Tá.
Lufe voltou da reunião umas oito da noite. Mandou
uma mensagem para Anna, que disse que não queria
fazer nada pois estava de mau humor. Depois de algum
tempo, ele a convenceu e ela foi até a sua casa. Ele
precisava trabalhar um pouco e, durante umas duas horas
em que ele precisou escrever no escritório, ela dormiu
no sofá. Quando ele acabou, foi lhe fazer companhia no
sofá. Ficaram e fizeram sexo. Foi a primeira vez deles.
E foi, sem exagero nenhum, o melhor sexo da vida dos
dois. Encaixaram, com o perdão do trocadilho, de uma
maneira incrível. Ela passou 24h na casa dele, sem
sair nem para comer. Fizeram sexo mais de oito vezes
durante esse período, e ambos se levaram às estrelas.
Foi, além de inesperado, inacreditável.
No dia seguinte, almoçaram na casa dela e passaram
a tarde juntos lá. No fim do dia, ocorreu o seguinte
diálogo:
— Vamos jantar fora? — Convidou, como sempre.
— Não. — Ela respondeu, seca.
— Que? Por que não?
— Porque não. A gente tá junto há muito tempo.
— E daí? Não parecia que estava ruim esse tempo
todo que estivemos juntos.

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— Não tava ruim, mas a gente tá junto há tempo
demais.
— Bom, tá. Quer que eu vá embora?
— Quero.
Se segurando para não deixar transparecer sua
insatisfação e irritação, ele pegou suas coisas e saiu.
Na porta, enquanto ela fechava, ele tentou falar para ela

bil
parar de se preocupar com as coisas. Mas ela fechou a
porta na sua cara.
Algumas horas depois, após uma mensagem de texto
malcriada de Lufe, reclamando da “portada” na cara,
ela respondeu, pediu desculpas e saíram para lanchar.
Lancharam e, à noite, ela saiu com amigas, ele também.
No dia seguinte ela ainda estava mal-humorada, mas
depois do almoço foi até a casa dele. Enquanto ele
assistia ao jogo do seu time, ela dormia no sofá. E o
padrão se repetiu: ela acordou e eles fizeram aquele
mesmo sexo sublime por horas e horas e voltaram a
dormir.
Lufe acordou a tempo de observar Anna dormindo
por mais alguns minutos, até que ela acordou.
— Dorme aqui. — Pediu ele.
— Não. — Ela respondeu, blasé como só ela sabia ser.
— Por quê? Estamos juntos há muito tempo?
— Lufe, nos últimos dois dias a gente passou mais de
quarenta horas juntos.

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— E?
— E que tá me irritando um pouco.
— Eu tô te irritando?
— Não, a situação.
— Estar com um amigo que você gosta, que você
curte conversar, e que o sexo é ótimo, isso te irrita?
— Não, o que me irrita é a gente estar junto há muito
tempo.
— Tá, e aí? A gente então vai fazer sexo só às quartas
e sextas? Só nos fins de semana, pra não te irritar?
— Babaca!
— Porra, Anna, eu não te entendo. Você está irritada
porque fez sexo dezenas de vezes nos últimos dois dias,
com um amigo que adora você e com quem você se dá
super bem!
— EXATAMENTE! Só que esse meu amigo que me
come tão bem me adora DEMAIS. Não é só sexo pra
ele.
— E pra você é?
— É.
— Pra você seria fácil parar de ficar comigo?
— Seria — Mesmo sendo Anna uma ótima atriz, se
ela mentiu nessa frase, ela merece um Oscar. Um não,
dois.
Lufe ficou sem saber o que dizer. Quis mandar ela
se foder. Quis dizer que não era mesmo só sexo pra

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ele. Quis dizer que era, sim só sexo. Quis dizer tudo.
Não disse nada. Ela se vestiu, lhe deu um ardente e
carinhoso beijo, e falou, impávida como ela sabia ser
quando queria:
— Melhor a gente não ficar mais. Podemos ser só
amigos, não tá funcionando assim.
— Só amigos? Nós nunca fomos só amigos.
— Mas é melhor. Beijo, se cuida.
E como ela fazia sempre, falou, se virou e foi embora,
sem deixá-lo falar. Ele achava que ela fazia isso com
medo de que ele pudesse falar algo que a fizesse mudar
de ideia. Mas na verdade ela só não queria mais ouvir
nada mesmo, já estava decidida. E foi embora. E ele
ficou. Seriam só amigos.
Se viram apenas três vezes nos quatro meses que
se seguiram. Duas sem querer, e uma porque ela pediu
para que ele lhe tirasse uma dúvida com relação a um
filme que ele gostava. Pareciam estranhos. Nessas três
vezes, a tensão entre elas era enorme, quase palpável.
Como diria a frase brega do narrador do Max Payne,
a tensão no ar era tão grande que era possível cortá-la
com uma faca. A conversa não fluiu. Não estavam à
vontade.  Em vinte minutos, falaram o que tinham para
falar e foram embora.
Hoje, um ano e meio depois, ela namora um advogado,
e só se veem fins de semana. Tiveram problemas: ele

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teve uma amante e não lhe dá muita atenção, além de
ser, nas palavras dela para as amigas, “careta demais na
cama. Mas tá bom, não tem problema”. Ele demonstra
sono quando ela fala apaixonada sobre teatro e reclama
que ela quer mandar em tudo o tempo todo.  Ele teve,
nesses 18 meses, duas namoradas. Está começando um
relacionamento — o seu décimo segundo — com uma
garota onze anos mais nova. Ela fuma, odeia Beatles e
detesta conversar sobre cinema. Ela também não tem
nenhuma paciência com a sua ansiedade e com seu
déficit de atenção, e reclama que ele é “tarado demais!
Parece que só pensa em sexo”. Mas não tem problema.
Ela agora já decidiu se abrir para um relacionamento, e
ele encontrou alguém que não queira só sexo. Não tem
problema.

Lufe acordou a tempo de observar Anna dormindo


por mais alguns minutos, até que ela acordou. Ele a
fitava se lembrando do sonho que acabara de ter. Ela
se mexeu, murmurou algo, se aninhou nele, puxou seus
braços ao seu redor e esfregou a cabeça no peito dele,
como que para garantir que ele estava ali.
— Vai fazer o que hoje? — Ela perguntou
Lufe pensou por alguns segundos. Hesitou, pensou,

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repensou, e decidiu dizer que tinha trabalho a fazer, que
eles poderiam jantar e depois ele poderia levá-la para
casa. A absoluta falta de hesitação por parte de Anna e
o fato de ela nem sequer ter cogitado se oferecer para
dormir lá, foram a prova de que ele havia tomado a
decisão certa. Dessa vez, um sonho o livrara de fazer
mais uma besteira.

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bilhete 1:

Vamos ao cinema de noite? Quero ver Mad Max, tão


falando bem pra caramba! Se for ruim a gente sai e vê
outro, ou sei lá!
Vamos no cinema de
noite?
P.S.: Eu te perdôo por não terQuero
me dadover
bomMad
dia ainda
às oito e vinte e cinco
Max,da tão
manhã. Amarbem
falando é perdoar
pra as
atrocidades do ser amado.
caramba! Se for ruim a
gente sai e vê outro, ou sei
lá!
P.S: eu te perdôo por não
ter me dado bom dia ainda
às oito e vinte e cinco da
manhã. Amar é perdoar as
atrocidades do ser amado.

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Nota 2:
começo
do
fim
Era um dia normal.
Eu acordei cedo, tomei café, trabalhei e saí para
almoçar no restaurante da piscina do prédio ao lado
do meu. Como fazia há meses desde que vim morar
aqui. Pedi minha comida, sentei e, de repente, eu tive
uma epifania. Era a Anna, entrando no restaurante com
a mãe dela. Deus do Céu, eu nunca tinha visto uma
mulher mais bonita na minha vida. E não é exagero
poético nem fruto da paixão, a Anna era realmente
deslumbrante. Ruiva — e eu nem gosto de ruivas,
magrinha, tão branca que tinha até umas sardas.  E leve,
despreocupada, quase flutuando. Depois soube que é só
o jeito dela, e que se tem uma coisa que ela não estava
era despreocupada. Bom, elas entraram e se sentaram
na mesa do lado da minha. Era pra ser, não era? Não 37

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importa se só tinha duas mesas vagas, cinquenta por
cento de chances.
      Mas a beleza dela não era só beleza física. Ela
era deslumbrante, mas tinha algo mais. Algo que faria
qualquer homem achar que ela é demais pra ele. Que
faria um cara normal achar que ela só se interessaria
por caras fortões, que faria um fortão achar que ela só
se interessaria por galãs de novela, que faria um galã
de novela achar que ela só se interessaria por galãs de
Hollywood, que faria o George Clooney achar que ela
só se interessaria por ganhadores de um Nobel, e que
faria o ganhador de um Nobel achar que uma mulher
daquela nunca se entregaria a um mortal. E ainda assim,
só a um Deus de primeiro escalão, nada de Mercúrio
nem Hércules. Uma beleza que faria o próprio Zeus se
transformar em um cisne para seduzi-la, sob o risco de
ouvir um sonoro “não”. E essa mulher linda se sentou
ao meu lado e começou a falar sobre um dos meus
temas preferidos — cães. Em poucos minutos eu havia
me metido na conversa e, uma hora depois, a mãe dela
foi embora e éramos só nós três: eu, ela e meu devaneio
de saber se ela poderia ir comigo à uma igreja no dia
seguinte para a gente se casar.
Depois de alguns minutos de conversa, imbuído
do espírito de Eros com a autoconfiança do Rodrigo

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Santoro, a convidei para o cinema e, de pronto, ela
aceitou. Até você, caro leitor, sabe que tem algo errado
aí. Fácil demais. Mas eu, já apaixonado e desvairado,
não vi. Fomos embora e, no dia seguinte, minutos
depois de entrar no carro, ouvi um claro e sonoro “eu
não vou ficar com você”. Admito que foi como um
soco no rim, tirou meu fôlego completamente. A partir
desse momento, pela primeira vez, aconteceu algo
que se repetiria muito ao longo da nossa história: no
momento em que eu parei de tentar e relaxei, ela se
interessou. Fomos jantar antes do cinema e, durante o
jantar, a percebi perto demais, aberta demais, sorrindo
demais. A não ser que eu tivesse me tornado o amigo da
vida dela em 24 horas, a ideia de não ficar comigo não
estava tão à mostra quanto antes.
Algumas horas depois, no cinema, Anna se aninhou
no meu ombro e eu, imbuído de mais coragem do que
sensatez, a beijei. Eu esperava um tapa, um grito, uma
ligação para a polícia. Mas o que a Anna fez, naquele
exato momento, foi o começo da minha desgraça: ela
me beijou de volta, com a mão acarinhando a minha
nuca, e sorrindo. Merda! Aquele beijo, aquele carinho,
aquela entrega, aquilo ali decretou o começo do fim da
minha tranquilidade, mas também marcou o início de
alguns dos melhores meses da minha vida. Bom, não só

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aquilo. Termos ido para a minha casa e feito o melhor
sexo das nossas vidas também conta. Também conta
o fato de eu já estar, naquele momento, ridiculamente
apaixonado por ela. O abraço depois do sexo, o jeito
que ela olhava fixo nos meus olhos, tudo contribuía
para o final feliz que eu esperei a minha vida toda. Mas
dessa vez o tombo ia ser maior. E ainda assim, eu não
conseguia parar e subir.

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texto 2:
não é ele
Não é ele. Ele não é o cara. O filme é nosso, não
dele.  Ele é só um figurante que vai se interessar por
você no segundo ato para que as pessoas achem que
nós não vamos ficar juntos. Ele é só um figurante que
no final o roteirista vai fazer ficar com alguma menina
qualquer só para ele não terminar sozinho, mas para
aprender a não tentar e meter entre o casal principal.
Não é ele, vai por mim, eu sei o que eu estou
falando, eu sou roteirista. Ele não vai entender quando
você falar que a Sophia Coppola estava péssima em O
Poderoso Chefão 3. Não vai mesmo! Na verdade, ele
não vai dar um pio enquanto vocês estiverem revendo
os três filmes. Nem uma fofoca de bastidor, nem uma
curiosidade.

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Quem quer um namorado que vê filme quieto?
Não é ele. Ele vai gostar de qualquer bobagem do
cinema francês, vai falar que gosta do Almodóvar e
de Azul é a cor mais quente só pra parecer cult, mas
duvido ele destrinchar os planos de Platoon ou dos
filmes do Robert Altman com você. Duvido. Aliás, ele
nunca vai ter coragem de falar que o Almodovar é um
chato em muitas das vezes. Não é ele, sério, vai por
mim que eu sei o que estou falando. Não é ele. Quando
vocês conversam sobre as suas diferenças não toca Let’s
Call The Whole Thing Off. Quando ele chega de manhã
mal-humorado porque um filho da puta quase bateu no
carro dele e você entra na sala, a luz não muda e nada
fica em câmera lenta.  Com a gente fica, não reparou
não? Repara só da próxima vez.
Vocês nunca tiveram uma primeira conversa tão
espirituosa e engraçada como a nossa. Nem eu teria
escrito melhor. Talvez o Woody Allen. Ou o Tarantino
se houvesse um defunto no chão. E as nossas conversas
sobre o amor, a vida e tudo o mais? O coração dele
não vai chegar perto de explodir quando receber um
e-mail ou uma mensagem sua. E prova de amor não é
aprender a surfar ou a gostar de teatro pra te agradar.
Prova de amor é ir à praia morrendo de medo do mar
e ficar sentado na areia, lendo, reclamando do sol, do

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vento e da areia, mas esquecer até as crianças gritando
quando você sair do mar com esse sorriso ridículo de
lindo, molhando meu jornal todo.
Não é ele mesmo, olha a ficha do filme. Nossos
nomes aparecem primeiro. O dele vem depois do da
sua melhor amiga, do meu melhor amigo, da minha ex-
namorada que tentou me matar, da sua mãe e até da
moça que faxina aqui em casa. Ele só não é figurante
porque tem fala! Nos créditos ele vai aparecer como
“namorado 1”! Vocês nem vão ter uma música-tema no
disco da trilha sonora do filme. Não vai tocar Wonderfull
Tonight quando vocês estiverem voltando para casa
depois do primeiro jantar de vocês. Duvido que ele já
tenha pesquisado na internet quanto tempo de voo é até
a Califórnia só pra te chamar pra passar férias lá e ficar
morrendo de medo de ficar tanto tempo dentro de um
avião desde agora. É sério, sem ser tendencioso, não
é ele. Vai por mim.  O casal principal é um no qual
ele é um romântico inveterado e ela não acredita mais
no amor. Eu e você. Não é ele, eu sei o que eu estou
falando. Não é ele, somos nós.

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bilhete 2:
Para de se preocupar, tá? Eu te amo demais.
Como antes, muito mais que antes. Só tenho
andado muito preocupado com o fato de eu só
ter mais um mês de “emprego”, e eu penso nisso
24h por dia e acabo te dando menos atenção. Só
isso mesmo.
Eu te amo e eu ainda sou absurdamente
apaixonado por você, e vou ser pra sempre. E só
penso em morar com você logo, vem?
Eu te amo. Beijos! (Não é uma carta, é só um
emailzinho, :) )

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CARTA 2

o primeiro
fim
Essa semana que passamos longe foi um pouco
confusa pra mim. Me fez perceber que eu sinto a sua
falta mais do que como só uma amiga, mas isso ainda
é confuso. Me fez sentir falta da sua companhia, do
seu sorriso falando de teatro, dos seus pés no meu
colo enquanto reclama da vida. Me fez sentir falta do
nosso sexo, do nosso pós-sexo onde nós dois estamos
acabados e em êxtase. Me fez sentir falta do que o
nosso sexo causa, tanto em mim quanto em você. Me
fez sentir falta de te ouvir falar: “ninguém nunca me
comeu desse jeito”, enquanto eu sorrio feito criança
elogiada pela professora na reunião de pais e alunos, na

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frente de todo mundo. Me fez sentir falta do seu cafuné
que me acalma e da sua calma que me irrita.
Foi péssimo passar uma semana sem poder reclamar
de nada pra você, sem ouvir de você como eu sou chato
e resmungão, sem o seu olhar que quase me atravessa e
das suas unhas nas minhas costas quando eu estou dentro
de você, como se você estivesse pedindo pra eu não sair
de você nunca mais. E acredite, por mim eu não sairia.
Acordar sete dias sem a sua cara de espanto seguida por
um prazer absurdo e repentino porque acordou com a
minha mão dentro da sua calcinha é péssimo. Escrever
sem você sentada na minha mesa, linda, nua, cantando
Ana Carolina com os olhos fechados é a pior maneira
de escrever. Terminar uma cena e não ter você para se
meter e querer mudar tudo o que eu fiz não tem a menor
graça.
É a pior sensação do mundo estar sentado calmamente
vendo TV ou escrevendo e não ver você entrar correndo
pela porta, esbaforida, porque tinha uma lagartixa na
porta da sua casa e você não conseguiu entrar, e Deus!
Agora vai ter que dormir aqui! E você dorme mesmo,
linda, enroscada em você mesma, que nem uma criança
que dorme debaixo da cama pra esquecer os trovões lá
fora. Não poder planejar viagens com você, passeios e
não poder ficar feliz em saber o quanto você se daria

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bem com meus amigos, isso é horrível. E, egoistamente,
espero que esses dias tenham sido tão ruins para você
quanto foram para mim.

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CARTA 3

deixa
Títulos não me importam. Não me importa ser o
“Meninas, esse é o Lufe, meu namorado”, tampouco eu
almejo ser o “ah, o Lufe, o cara que eu fico”. Os títulos
e as convenções pouco importam desde que, entre nós,
o que temos seja claro e honesto. Eu não te quero como
troféu, tampouco quero sê-lo para você (a não ser que
exista alguém no mundo que goste de troféus magrelos,
barrigudos e com o nariz torto). Eu só quero que você
me deixe ser, para você, o que realmente importa, não
o que parece importar. Me deixa ser seu porto seguro,
o abraço para onde você corre quando tudo tá uma
bagunça. Me deixa ser a segurança que você sempre
achou que nunca fosse querer.

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Me deixa ser seu alento, seu amigo, seu apoio. Me
deixa ser aquele pensamento que nos acalma quando o
resto da nossa vida sai dos trilhos. Me deixa ser quem
te ajuda a esquecer os trilhos. Me deixa, de uma vez por
todas, ser a parte com trilha sonora fofa, fotografia em
cores pastéis e em câmera lenta da sua vida. Me deixa
ser a rede que permite que você pule e voe entre os
trapézios, porque sabe que eu vou estar aqui aconteça
o que acontecer. Aliás, me deixa ser o “aconteça o que
acontecer”.
Me deixa ser o “foda-se essa gente chata, pelo
menos o Lufe vai estar me esperando em casa”, ou o
“depois de três horas de trânsito eu não vejo a hora de
chegar em casa e ouvir o Lufe falando que nem uma
metralhadora engasgada”. Deixa. Eu quero ser o seu
esconderijo secreto, a sua casa na árvore, eu quero ser
a mesa grande que você corre para baixo dela quando
tá tempestade. Me deixa aprender com você, e ensinar,
me deixa achar que, como sempre, eu estou cuidando
de você, quando na verdade quem cuida de mim é você.
Me deixa ser o arrepio da mensagem no celular,
o sorriso quando você me vê de longe. Me deixa ser
aquele amorzinho calmo e tranquilo que se satisfaz só
em ficar perto, e aquela paixão avassaladora que não
se satisfaz só em ficar perto. Deixa eu ser o arrepio

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na espinha quando você diz que está se apaixonando
por mim. Deixa eu ser quem vai morrer de rir do seu
nervosismo de um dia dizer que me ama. Deixa eu
ser o “mas” quando você pensar “que merda, tá tudo
dando errado. Mas…”. Me deixa a sua certeza de
um abraço carinhoso, de uma tarde tranquila, de uma
conversa gostosa. Deixa eu ser o “talvez” em “talvez
ficar sozinha não seja tão bom” ou em “talvez seja
legal ter um relacionamento”. Enfim, deixa eu ser a sua
metáfora clichê, o seu farol na tempestade, o seu oásis
no deserto, o seu bote salva-vidas. Deixa.

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“If I needed someone to love
You’re the one that I’d be thinking of
If I needed someone
If I had some more time to spend
That I guess I’d be with you my friend
If I needed someone
Had you come some other day
Then it might not have been like this
But you see now I’m too much in love”

If I needed someone, The Beatles

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bilhete 3:
Tô vendo a nossa viagem, posso pesquisar
pra irmos dia 23 e voltarmos dia 26, que é
domingo? Chegamos cedo, você dorme cedo
e eu te levo cedo na aula, fechado? Ou de
repente a gente larga tudo, fica por lá e não
volta nunca mais. Se você preferir essa opção
só avisa pra eu mandar alguém buscar os
gatos e meus Woody Allens. Beijos!

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texto 3:
eu queria um
futuro,
ela queria um
presente
Dentre mortos e feridos, salvaram-se todos. No meio
do turbilhão que foi o período compreendido entre nos
conhecermos e o dia da fatídica briga onde paramos
de nos falar — neste período aprendi muito com ela.
E talvez a mais difícil de aprender e aplicar na minha
vida tenha sido a irritante e inspiradora mania que
ela tem de tentar ver o lado bom de coisas que talvez
não tenham sido tão boas. Ela tem três tatuagens no
corpo — uma feita após o término de cada um dos

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três relacionamentos que ela teve. Admito que é uma
ideia que, até pouco tempo atrás, me era absurdamente
estranha. Mas hoje faz sentido. Para alguém como eu,
que não se furta a se entregar a paixões, porém não se
furta a sofrer por elas, sequer pensar em algo assim
seria impossível.

Mas eu comecei a tentar pensar assim. E é por isso


que hoje, apesar de tudo, eu assumo, sem nenhum
remorso ou vergonha: Ela me faz falta. Foi pouco
tempo, mas a falta é muita. E é uma falta presente, que
se manifesta o tempo todo, em todos os lugares, que
pula para me assombrar escondida detrás de qualquer
pensamento ingênuo e aparentemente inócuo. Logo eu,
um romântico dramático que pensa como o Vinicius
de Moraes, que, ao indagado pelo amigo Tom Jobim,
que, depois de nove casamentos, quantas vezes ele
ainda pretendia se casar, respondeu: “Quantas vezes
for preciso”. Eu me apaixonarei quantas vezes for
preciso. Mas eu, assim como o poetinha, sofro. Pois, o
parafraseando novamente, sei que “todo grande amor
só é bem grande se for triste”. Logo eu, que guarda até
hoje luto de relacionamentos findos há dez, doze anos,
logo eu, tentando ver o lado bom de algo que se findou.
Logo eu.

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Mas eu vejo. Vejo que ela me faz falta. Me faz falta
o futuro que poderíamos ter tido, diferente de todos
os futuros que eu já tive e de todos os futuros que eu
viria a ter. Me faz falta o presente que vivemos, mesmo
quando eu já estava no nosso futuro, e ela, no passado.
Eu queria um futuro, ela queria o presente. Mas o
presente não era suficiente para mim, e o futuro era um
lugar distante demais para que ela sequer se preocupasse
com isso. Me faz falta a confusão que ela causava na
minha cabeça sendo sexual quando eu era fofo, e sendo
fofa quando eu era sexual. Me faz falta ver em seus
olhos, o exato oposto do que ela me dizia. Me faz falta
ela se aninhando no meu peito cinco minutos depois
de dizer que estávamos “casalzinho demais”. Me faz
falta a extrema felicidade dela, felicidade essa que não
só nunca experimentei como nem consigo imaginar
como é. Me faz falta a diferença entre nossos pontos de
vista sobre o amor: o dela, racional, sempre mantendo
o amor-próprio, respeitando a individualidade. O meu,
uma ventania que entra pela janela e derruba tudo,
que ama o ser amado mais que a si mesmo, irracional,
burro, raivoso, que sofre, mas que prefere sofrer que
não amar.
Me faz falta, ela, musa alegre, otimista e leve, ter
se interessado por mim, o prosador com alma de poeta

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romântico, que perde mais tempo construindo mundos
imaginários e idealizando pessoas do que vivendo no
mundo real com as pessoas de verdade. Me faz falta,
inclusive, ela tentar me tirar da minha caverna. Me faz
falta o simples fato de ela ter se proposto a entrar na
minha caverna, correndo o risco de, como realmente
aconteceu, ser vítima de um dos perigos escondidos nas
trevas das pedras do fundo da caverna. E ela foi vítima.
Algumas vezes. Me faz falta a calma desinteressada
com que ela me perdoou depois de eu ter cometido
verdadeiras atrocidades. Eu cometeria uma injustiça
aqui se não citasse que muitas mulheres já perdoaram
minhas atrocidades. Mas nunca em tão pouco tempo.
Me faz muita falta o eu que eu era com ela, o ela que
ela era com comigo, e me faz muita falta o nós que nós
éramos juntos. Me faz falta o olhar misto de espanto e
alívio que ela me lançava a cada vez que se lembrava
que tinha encontrado alguém que, em uma escala
muito maior e, arrisco dizer, pior, refletia a própria
personalidade dela. Não me faz nenhuma falta vê-la
perceber, aos poucos, o quão difícil é conviver com
alguém assim. Mas me faz muita falta o esforço que ela
fazia para tentar me ajudar. Me faz falta demais vê-la
chegando na minha casa para assistir um simples filme
ou me ajudar a arrumar a casa, e somente vê-la indo

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embora dois dias depois. Me faz falta receber dela um
convite para um sorvete, almoço ou cinema, algumas
horas depois de ouvi-la reclamar que estávamos juntos
demais.
Me faz falta, pasmem, a confusão que me causava
tentar adivinhar o que ela pensava e sentia, e o turbilhão
que era dentro de mim tentar perceber nela, mesmo
com negativas verbais contrárias, fagulhas de paixão.
Me faz uma falta danada o olhar dela me procurando
no meio de dez mil pessoas em um ensaio de escola
de samba. Me faz falta a admiração sincera que ela
tinha por mim, e o interesse com o qual ela me ouvia
dissertar durante horas sobre qualquer assunto idiota.
Ouvi-la dizer que, mesmo estando brigada comigo,
chorou muito ao receber as minhas flores, é uma coisa
da qual eu sinto muita falta. Mas o que mais me faz
falta é ouvi-la dizer, depois de uma semana sem me ver,
que sentiu saudades de mim e que sentiu a minha falta,
quando eu não tinha a menor ideia de que faria falta. E
essa parte final me faz falta principalmente porque isso
não vai mais acontecer.

PS: Deixo aqui duas poesias do Poetinha que fazem


todo sentido.

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“(…)
Louco amor meu, que quando toca, fere
E quando fere vibra, mas prefere
Ferir a fenecer — e vive a esmo

Fiel à sua lei de cada instante


Desassombrado, doido, delirante
Numa paixão de tudo e de si mesmo.”

(Vinicius de Moraes, Soneto do Amor Maior)

Tomara

Que você volte depressa


Que você não se despeça
Nunca mais do meu carinho
E chore, se arrependa
E pense muito
Que é melhor se sofrer junto
Que viver feliz sozinho

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Tomara

Que a tristeza te convença


Que a saudade não compensa
E que a ausência não dá paz
E o verdadeiro amor de quem se ama
Tece a mesma antiga trama
Que não se desfaz
E a coisa mais divina
Que há no mundo
É viver cada segundo
Como nunca mais…

(Vinicius de Moraes, Tomara)

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CARTA 4

eu preciso
de você, sim.
Anna,

Há algumas semanas eu escrevi que não precisava de


você. Mas como a capacidade de admitir que cometeu
um erro é a virtude dos sábios, e a modéstia passa longe,
eu admito: eu estava errado. Eu preciso de você sim. Só
perceba que precisar não significa ser dependente. Eu
preciso comer legumes — o que eu solenemente não
faço há trinta e cinco anos. Eu preciso beber mais água
e comer menos fritura, tampouco faço nenhuma das
duas coisas. A gente precisa do que nos faz bem, e eu
preciso de você.

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Eu preciso de você pra me acalmar quando eu estiver
agitado, e pra me agitar quando eu estiver calmo demais.
Eu preciso ouvir a sua voz irritada com o mundo inteiro
me falando, no telefone, “tô com saudade, quero te ver
logo”, como se eu fosse um oásis no mar de problemas
e chatices da sua vida. Eu preciso de você pra cuidar
dos problemas que eu não tenho e invento, eu preciso
ouvir que você quer que eu cuide de você, que eu não
me afaste. Eu preciso da sua calma pra fazer ficar tudo
bem um minuto depois de termos uma discussão.
Eu preciso da sua mão no meu cabelo, mesmo
sabendo que você está doida pra falar que meu cabelo
tá uma merda. Eu preciso te ouvir dizer que gosta de
mim, que me adora, porque eu sei o quanto significa pra
você dizer isso. Eu preciso de você dizendo que quer
dormir na minha casa só pra ganhar cafuné. Eu preciso
muito de você dizendo que não quer fazer mais nada,
só ficar comigo. Às vezes eu realmente preciso que nós
não façamos nada e só fiquemos um com o outro. Eu
preciso do seu carinho, do seu sorriso bobo quando você
passa horas falando apaixonadamente sobre teatro e só
percebe depois que eu estava o tempo todo sorrindo, te
achando linda e admirando a sua paixão. Aí, nessa hora,
eu preciso do seu sorriso abaixando a cabeça e olhando
de soslaio pra baixo.

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Eu preciso das suas ideias aparentemente simples no
meu trabalho, e eu preciso da sua reação de espanto
quando eu dou uma boa ideia pra algo relacionado aos
seus estudos, afinal, eu não sou o maior fã de teatro
do mundo. Eu preciso de você pra tirar a minha vida
monótona dos trilhos, pra me fazer começar a fazer um
trabalho importante na véspera porque nós passamos
cinco dias grudados. Mas como eu vou resistir aos
seus “Tô com saudades” ou “vai pra casa, toma banho
e volta pra cá!”? não dá pra resistir, e nem eu quero
resistir. Eu preciso do frio na barriga que antecede você
dizer que gosta de mim e sentiu a minha falta, quando
nos encontramos e você está irritada com outra coisa,
e eu não sabia se ia levar um soco na cara ou um longo
e carinhoso beijo. E geralmente eu ganho o beijo. Eu
preciso de você pra me fazer voltar pro caminho, e pra
me fazer perder o rumo quando o caminho está chato
demais. Eu preciso acordar às seis e meia da manhã
e me oferecer pra te levar na faculdade, só pra te ver
feliz por não ter se atrasado. Eu preciso que você me
chame pra tomar café da manhã na faculdade com
você, quando eu achava que nós dois ainda éramos algo
clandestino pra isso.
Eu não como verdura, não bebo água o suficiente,
não levo agasalho quando tá frio. Não dirijo com

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cautela, não escovo os dentes cinco vezes por dia, não
bebo menos refrigerante. Eu não ando de bicicleta,
não faço exercícios e vejo TV de perto. Mas de você
eu preciso de verdade. Mesmo tentando me obrigar
a comer verdura, a dirigir com cuidado, a andar de
bicicleta e a fazer exercícios.

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CARTA 5

o pior casal
do mundo
A gente tem tudo pra dar errado. Absolutamente tudo.
Em uma lista de compatibilidade com todas as pessoas
que você já ficou, eu ficaria atrás de bêbados que você
ficou só uma vez e ex-presidiários que você pode ter
ficado em uma noitada sem saber do passado deles. E
a recíproca é verdadeira. A gente tem tudo e mais um
pouco pra dar errado. Somos dois grossos, irritadiços,
queremos estar sempre certos, perdemos a cabeça com
facilidade, somos impulsivos, somos ciumentos (eu
sempre fui, você ficou agora), nos ofendemos com
facilidade, e isso tudo foi só o que eu lembrei de cabeça
agora à uma da manhã.

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Tudo o que a gente se dá bem nas brincadeiras, em
gostos e hobbies, a gente se dá mal quando brigamos e
discutimos. Em poucos meses juntos nós já brigamos
mais do que já brigamos com todos os nossos ex
juntos — e olha que eu já tive nove ex-namoradas,
três bem brigonas. Sua impulsividade te faz terminar
a conversa, sair de perto e seu orgulho não te deixa me
procurar de novo, me dando a impressão de que, se eu
não te procurar, nunca mais vamos nos falar. Minha
impulsividade faz não querer te ver nunca mais às
vezes, quando brigamos, mas a minha falta de orgulho
obtida com a idade faz com que essa vontade dure
muito pouco, e logo eu me arrependo das bobagens
que eu falo e te ligo. Você sempre atende disposta a
esquecer tudo, sem o rancor que é uma das minhas
maiores caraterísticas.
Nós não somos um casal de novela, que tem tudo
em comum e não briga nunca. Nós não somos como
os namorados das suas amigas, que parecem irmãos de
tanto que se dão bem. Nós não somos assim. Nós temos
tudo pra dar errado, as apostas contra a gente devem
pagar mais do que uma luta minha contra o Anderson
Silva. Mas nós não vamos dar errado. Porque nós não
vamos deixar. Eu já briguei muito mais que isso por
pessoas que eu sabia que não valeriam a pena — e não

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valeram, no fim. Eu já briguei muito mais que isso pra
tentar resolver problemas que não tinham solução. Eu
já engoli meu orgulho por pessoas que me amavam e
se preocupavam comigo muito menos do que você me
ama e se preocupa. Por isso a gente não vai dar errado.
Porque nós não vamos deixar.
Eu vou tentar até não poder mais. Você é a pessoa
mais incrível que eu já conheci, de várias maneiras
diferentes. Ninguém nunca me tratou tão bem e me
amou tanto quanto você me trata e me ama. Ninguém
nunca pareceu ter tanta vontade de me agradar e me
fazer feliz como você. E é por isso que nós vamos dar
certo. Nós só não vamos dar certo se você não quiser.
Aí eu tiro meu time de campo e só tenho que torcer para
que você seja infeliz, miserável e solitária sem mim,
até perceber que me quer de volta. E se não perceber,
torcer para que você seja feliz sem mim. Um pouquinho
só, mas feliz. Mas nós vamos dar certo exatamente
por isso: nós dois somos muito mais legais e felizes
juntos. Sem mim, você não é tão engraçada e é muito
mais enfezadinha e briguenta. Sem você eu sou muito
mais chato, ranzinza e menos calmo e tranquilo. Nós
podemos até ser o pior casal do mundo, mas nós vamos
ser o pior casal mais feliz do mundo.

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bilhete 4:

Olha que curioso, eu só te escrevi uma carta até


hoje. Aqui vai a segunda. Bom, por mais estranho que
possa parecer, nós estamos no nosso momento de maior
estabilidade, o que quer que isso signifique. Estamos
nos entendendo, você está se abrindo mais comigo,
nós gostamos um do outro, nós gostamos e queremos
estar um com o outro. E estamos tentando ajustar
as coisas. Pode dar certo, pode não dar, mas o mais
importante é que, pela primeira vez, estamos tentando
seguir na mesma direção (por mais que eu tenha mais
pressa para chegar, heheheh). E nós estamos leves, sem
pressão, sem cobrança, nos vendo por que queremos,
muito, pouco, do jeito que queremos.
As diferenças entre nós são normais. Eu te amo, eu
sou monogâmico, logo, a relação que eu projeto com

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você e com qualquer pessoa é essa, uma relação normal,
monogâmica. Mas não deixa isso te assustar. A gente se
ajusta, a gente se acerta. Nós gostamos demais um do
outro, não vamos nos preocupar com sombras de um
futuro que pode nunca chegar do jeito que pensamos.
Eu só quero estar com você, o resto é resto, o resto se
ajeita, o resto a gente vê na hora.
Você fala que eu vivo o futuro, mas você também.
A diferença é que eu penso muito em um futuro que eu
quero que aconteça: ficar com você, ter você do meu
lado, estar ao seu lado. Já você pensa muito um futuro
que você tem medo de que aconteça: ficar comigo, me ter
ao seu lado, estar ao meu lado. E se apaixonar por mim.
E querer ter um relacionamento “normal”. Você pensa
demais nisso, quando nós sequer temos algum tipo de
relacionamento. Eu entendo que a única experiência à
qual você se entregou totalmente foi muito traumática.
Eu entendo, mas entenda também que eu fui amado por
dez mulheres que me muitas vezes só me suportavam.
Que estava comigo apesar do que eu sou, só porque eu
sou um porto seguro. Dez mulheres para as quais era
questão de tempo me trocarem por alguém “normal”.
Logo, se você não sabe se relacionar, imagina eu.
Imagina a minha cabeça pensando que, se você aceitar
ficar comigo, eu posso estragar tudo pela décima

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primeira vez. Imagina a minha cabeça em ter você
um dia apaixonada por mim. Em ouvir que você me
ama. Mas em vez de me retrair e tentar fazer com que
isso não aconteça, eu estou tentando desde domingo
passado me esforçar ao máximo possível para não
cometer os mesmos erros e repetir os mesmos acertos.
Em vez de não querer tentar com você com medo de um
futuro que eu já vivi, eu quero exatamente tentar com
você, para fazer o futuro que eu sempre quis fazer. Eu
sinto no seu olhar, no seu toque, eu sinto em você que
você quer estar comigo, que você gosta de mim, que
você quer mesmo tentar estar comigo.
Eu sei que é fácil para mim falar esse tipo de coisa,
mas tenta não ter medo de repetir a experiência com o
seu ex. Eu sou uma pessoa diferente dele, você é uma
pessoa completamente diferente do que era na época,
e nós dois juntos somos diferentes de vocês dois juntos.
Eu te amo, eu quero ficar com você pro resto da minha
vida, por mais que isso te assuste. E eu te amo do jeito
que você é, indo dormir puta comigo e me mandando
uma mensagem gargalhando na manhã seguinte.
Pulando no meu colo no carro meia hora depois de ter
me negado um beijo. Eu te amo assim, eu te amo por
isso, e, o mais importante, eu te amo além disso tudo.
E eu te amo, e isso é o mais importante, pelo que eu

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sou quando estou com você. Não o que eu fui e nos
causou dor, mas pelo que eu sou quando percebo que
você gosta de mim, quando você faz carinho no meu
cabelo, quando você faz planos de viagens e piadas
com “imagina se a gente casasse” ou “imagina nossos
filhos”. Mesmo sendo piadas, e eu sei que são, é ótimo
te ver fazendo piada com um futuro que te assusta tanto.
E a gente tá tentando, e a gente tá indo bem. Pode não
dar em nada, pode ser que você venha morar comigo
antes do fim de semana, pode ser que a gente brigue,
pode ser que você queira se casar rápido porque você
quer casar no frio e ainda falta muito para o inverno
do ano que vem. Pode ser que aconteça qualquer coisa,
mas, como eu disse lá em cima, pela primeira vez nós
dois estamos caminhando na mesma direção, sem que
você me empurre para fora do caminho, e sem que eu
puxe você pra andar do meu lado. O que nós temos que
fazer agora é pensar no presente. Eu preciso parar de
pensar no futuro que eu quero, e você tem que parar de
pensar no futuro que te assusta. Porque um dia, quando
um dos dois virar presente, a gente se ajeita.

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São Demais Os Perigos Desta Vida

São demais os perigos desta vida


Pra quem tem paixão principalmente
Quando uma lua chega de repente
E se deixa no céu, como esquecida

E se ao luar que atua desvairado


Vem se unir uma música qualquer
Aí então é preciso ter cuidado
Porque deve andar perto uma mulher

Deve andar perto uma mulher que é feita


De música, luar e sentimento
E que a vida não quer de tão perfeita

Uma mulher que é como a própria lua:


Tão linda que só espalha sofrimento
Tão cheia de pudor que vive nua

(Vinicius de Moraes)

Com todo o amor que cabe no meu peito, do seu,


Lufe.

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nota 3:
o segundo
fim?
Eu estava certo. Éramos o pior casal do mundo. Não
por sermos um casal ruim, pelo contrário, mas pelo
potencial que tínhamos. Sabe aquela história de que a
mãe cobra mais o filho que tem potencial do que o filho
burro? Nós éramos o filho inteligente, com potencial.
Éramos o filho que a mãe esperava que seria juiz, que
o pai esperava seria médico, que a avó sonhava em ver
padre, mas que cresce, vira alcoólatra, se droga e, aos
cinquenta anos, vive de dar pequenos golpes em idosos
e gringos. Esperavam mais de nós, entendem? Nós
esperávamos mais.
Mas, do mesmo jeito que eu terminei escritor e não
juiz, engenheiro ou padre, como queriam meus pais

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e minha avó, eu e a Anna terminamos terminados.
Desculpem, tenho um fraco por jogos de palavras.
Enfim, terminamos. Oito meses que passaram mais
rápido que corredor queniano. E tudo terminou de
maneira melancólica, com gritos, brigas, acusações e
promessas e ameaças de nunca mais nos encontrarmos.
E aquele fim foi só o começo do meu fim pessoal.
Depois de dois ou três meses aliviado, “livre” daquele
relacionamento que, de maravilhoso foi a excruciante
em algumas semanas, eu desabei e percebi a besteira
que havia feito. Mas a vida não é um filme do Woody
Allen. Pelo menos não a minha, e se a da Anna for, eu
fui um coadjuvante que se achou protagonista.

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CARTA 6

onde foi que


nos perdemos?
Não existem mudanças a longo prazo. Toda e qualquer
mudança acontece, ou pelo menos se concretiza,
em um estalo. Algo acontece e você se apaixona, se
desapaixona, quer casar, comprar uma vitrola. Nunca
é aos poucos. Então, onde a gente se perdeu? Em um
dia você estava fazendo um vídeo cantando pra mim no
carro, no outro você estava inventando coisas horríveis
sobre mim para os seus amigos. Em um dia eu estava
te mandando oitenta rosas, no outro eu joguei o celular
do outro lado da sala para não te atender mais. Onde foi
que a gente se perdeu, me fala?

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Era tudo tão bom, quando era bom. Quando era ruim,
era péssimo, mas a gente conseguia lidar. Quando foi que
paramos de conseguir? Quando foi que nós desistimos
de tentar lidar ou de poupar o outro? Qual foi o exato
momento em que abrimos mãos dos nossos planos de
termos filhos e uma casa na praia? Você sabe? Quando
foi que passamos a ser apenas um número de telefone
bloqueado e um nome que nunca deve ser mencionado,
em vez de continuarmos sendo a primeira pessoa que o
outro queria falar de manhã e aquela pessoa que só de
falarem em seu nome já nos causava um arrepio bom?
Onde foi parar aquela você fofa, meiga e boba, e
aquele eu romântico, gentil e paciente? Cadê? Quando
foi que eles foram substituídos por essa montanha
de mágoa, ódio, ofensas e desdém? Você consegue
lembrar da gente feliz? Da gente correndo de praia
em praia pra tentar tirar uma foto em cada uma delas?
Você consegue se lembrar da minha cara no momento
em que você falou “sei lá, acho que tô apaixonada por
você’? Eu consigo, mas não consigo achar a esquina
que dobramos errado. A porta que entramos quando
deveríamos ter entrado na outra. Não consigo identificar
o momento em que aquela sensação boa de ver seu
número me ligando foi substituída pela ansiedade ruim
do medo de encontrar com você na rua. Quando a gente

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entra em um trecho chuvoso da estrada, é sempre difícil
se lembrar de quando dirigíamos ao sol. Mas o que me
incomoda é não ter conseguido evitar a chuva.
Quando foi que nos perdemos?

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CARTA 7

uma carta sem


título que quase
não foi escrita
“I paint a picture of the days gone by
When love went blind and you would make me see
I’d stare a lifetime into your eyes
So that I knew that you were there for me
Time after time you were there for me”

Eu pensei mil vezes antes de escrever isso. Comecei na


minha cabeça, parei, comecei no papel, rasguei, comecei
aqui no computador, deletei. Mil vezes. Por uma penca
de motivos. Você provavelmente vai ignorar, você ainda
deve ter raiva de mim, você está feliz sem mim, e o maior
motivo de todos: eu não tenho nenhum contato seu.

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Nossos poucos amigos em comum jamais levariam esse
recado até você. Ficar no meio de uma briga nossa nunca
soou muito agradável para alguém. Mas os dois únicos
motivos que eu tinha para te escrever falaram mais alto.
Primeiro: eu ainda te amo. É a primeira vez que eu sequer
admito isso para mim mesmo, quanto mais escrever, mas
é verdade. E o segundo motivo é que, mesmo com tudo
o que fizemos um ao outro, mesmo depois de qualquer
briga horrível, nenhum de nós dois nunca foi orgulhoso
de deixar de procurar o outro, o que quer que tivesse
acontecido. Ligávamos, batíamos na porta um do outro,
mandávamos e-mails. Nossa vontade de se acertar sempre
foi maior que o orgulho. Mas eu não sei seu endereço.
Nem seu telefone. Nem sei onde fica a sua porta, ou já
teria batido lá.
Então eu estou escrevendo isso sem saber como vou
te entregar, se vou te entregar, como vou fazer para que
você leia isso. Não sei onde você trabalha, com quem
você anda ou se você ainda estuda. A única coisa que eu
sei é que a saudade de você não me deixa. Que a cada
dia que passa eu penso mais e mais que poderíamos ter
feito diferente, de outro jeito, menos “a gente”, mais
“a gente”. Escrever isso para você é mais complicado
que o normal porque faz quase dois anos. Não sei se
você superou, se esqueceu, se isso te assombra, se

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achou ótimo se livrar de mim, se você nem lembra meu
sobrenome, se você está louca pra me ligar, me ver,
pular no meu colo e passar um fim de semana naquela
pousada na Serra, sem brigar no caminho de volta nem
(os dois) jogarmos nada pela janela. Então eu vou só
falando, mas sem o risco de você me beijar e me fazer
calar a boca como você fazia quando eu não parava de
falar.
Eu estava vendo as nossas fotos. A gente era bem feliz
boa parte do tempo. As fotos aqui em casa, seu vídeo
cantando para mim no carro, as fotos nas praias. A gente
era bem feliz. Sabe, a gente devia ter olhado mais essas
fotos. A cada briga a gente devia ter parado e olhado
todas as fotos de novo. Mas a gente fazia o contrário, a
cada briga agíamos como se não existisse nada de bom
entre nós. E existia. Muito. Nós éramos dois pilares leais
e companheiros um para o outro. Entendíamos a parte do
outro que mais ninguém entendia, o que mais ninguém
aceitava. Talvez o clichê esteja certo e tenhamos sido um
para o outro a pessoa certa na hora errada. Ou a pessoa
errada na hora certa. Vai fazer dois anos e você ainda tá
aqui, sentada no chão do meu escritório, linda, cantando
enquanto eu trabalho. Fingindo que não reparou que
eu cochilei durante o filme. Me fazendo cafuné de
madrugada. Bagunçando meu cabelo enquanto eu dirijo.

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Sorrindo linda quando me via chegando, e sorrindo mais
ainda quando via meu sorriso.
No ano passado eu voltei a falar com pessoas que
eu achei que nunca mais fosse falar. Pessoas que me
fizeram mal, com quem eu briguei. Foi importante para
mim. Aí comecei a pensar em você, na gente. As pessoas
mudam. Você é muito nova e eu vou ser um adolescente
idiota para sempre. E você é uma pessoa muito melhor
que eu, nesse sentido, e eu sei que seu ódio dura menos
que o meu, que seu rancor dura menos que o meu. E
torço para que o seu amor por mim não tenha durado
menos que o meu por você. Porque o meu ainda tá aqui,
vendo você em todos os lugares, ouvindo a sua voz,
acordando de noite e sentindo você se aninhando em
mim feito uma menininha com medo do barulho do
trovão, olhando pro outro travesseiro sem você nele.
Sabe, é clichê, mas as coisas têm muito menos graça
sem você.
Almoçar na praia, viajar, ver filme. Eu tô com tanto
trabalho esse ano que tive até que negar uns dois,
você poderia imaginar? Quando a gente namorava,
eu, às vezes mal tinha dinheiro pra comer, e você me
chamava pra almoçar como se fosse por educação, pra
eu não perceber que era pra me ajudar porque eu não
tinha dinheiro pra comer mesmo. E você ficava aqui

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comigo, em casa, sem pedir pra gente sair porque sabia
que eu estava quebrado. E hoje eu tô cheio de trabalho,
mas não tenho você pra contar quando pego um novo,
não tenho você pra dividir minha alegria, não escuto
mais um “que bom, amor, não falei pra você rezar pro
seu anjinho da guarda?”. Então para que isso tudo? E
depois de você, não teve ninguém, nada. Tem uma frase
em Californication, que é o seguinte: uma namorada
do protagonista termina com ele falando que ele é um
escroto, um babaca, que ele “encanta” as mulheres
e depois não quer nada com elas, porque ele ainda é
apaixonado pela ex, e essa conversa é exatamente com
essa ex. Essa é a frase: “Hank, she´s right, you are
wonderful. You are. And when women get to know you,
off course they want more. But it´s kind of cruel let them
think they can have it, being kind and lovely, when really
it´s not more than a hologram.”. E sem você foi assim.
Ninguém teve mais que um holograma meu, ninguém
teve mais do que carinho, afeto. Ninguém chegou perto
do meu coração, ninguém chegou nem perto de ter o
Lufe que você teve, ninguém chegou perto de me fazer
querer ser o Lufe que eu queria ser e era com você.
Essa carta com certeza vai ganhar algum prêmio
mundial de uso de clichês, mas você completava a
minha vida. Não no sentido místico bobo de cara

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metade etc, mas no sentido de que eu sentia orgulho
de você, de como a gente se ajudava, de como eu via
você evoluir. Eu nunca me abri tanto com alguém como
me abri com você. Você sabe e viu coisas sobre mim
que meus melhores amigos nem sequer imaginam. Só
para você eu pedia colo, eu admitia o medo, só no seu
colo eu não era o escritor brigão que as pessoas têm
até medo de olhar torto e citar o nome em voz alta.
Com você eu era eu, sem amarras, sem receio, sem
julgamento. Talvez esse tenha sido o problema: eu fui
eu demais e achei que você ia segurar aquela barra para
sempre. Mea culpa. Eu estava tão ocupado mergulhado
em autopiedade e odiando a mim mesmo que eu achava
que você ia me salvar. Mas ninguém podia me salvar
da pessoa que era meu maior inimigo: eu mesmo. E a
recíproca foi verdadeira: eu não consegui te salvar de
você mesma. E pelo que eu tenho visto, parece que hoje
você já conseguiu. Eu ainda não, mesmo que você não
tenha perguntado nada.
Depois de você eu não me apaixonei mais. Até achei
que tinha me apaixonado, mas era só eu tentando me
livrar de você. Nem preciso falar que não consegui.
Como diria a canção, depois de você as outras são as
outras. Nunca ninguém me olhou como você me olhou
no dia do ensaio da escola de samba, o exato momento

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que você percebeu que estava apaixonada. Eu nunca
olhei para ninguém como eu te olhava dormindo sem
acreditar que você me amava de verdade, porque era
bom demais para ser verdade. Nós éramos bons demais
para sermos verdade. Quando não éramos ruins demais
para sermos verdade, claro. E a gente se perdeu. E você
me perdeu. E eu te perdi. Mas, no apagar das luzes, eu
perdi mais. Você era uma menina tentando lidar com
seus demônios internos. Demônios de uma menina
fragilizada por um relacionamento destrutivo que veio
antes. Eu devia ter entendido isso e ter tido paciência.
Você era uma namorada maravilhosa, uma companheira
extraordinária. E eu, eu ainda sou o mesmo sujeito
transbordando autopiedade e resignado com os próprios
demônios, os quais já não podem mais ser dominados,
então eu aprendi a pelo menos tentar conviver com eles.
Eu perdi mais. Muito mais. Tudo bem que você perdeu
os textos mais bonitos que alguém jamais vai escrever
melhores pra você, além da minha internacionalmente
famosa massagem nos pés que você adorava. Mas eu
perdi muito mais.
Mas não é por isso que eu admiti para mim mesmo
que ainda te amo. Não é pela perda, mas pela ausência.
Pela falta. Pela falta do que eu era com você, e pela
presença forte até demais de quem eu sou sem você. É

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por mais praias (eu nem acredito que estou escrevendo
isso), mais viagens, mais cumplicidade, mais “eu
nunca vou te abandonar”. E no final, fui eu quem
quis ser abandonado. Irônico, não? Eu estava com
tanta raiva que fiz de tudo para te afastar, e, mais uma
ironia, consegui. E, terceira ironia, tudo o que eu mais
queria agora era sair desse computador com essa dor
de cabeça do cacete que eu tô, chegar no quarto e ver
você dormindo no meu travesseiro, com a minha blusa.
Seria o primeiro dia do resto da minha vida. E da sua.
Porque eu não estou feliz sem você. Você está feliz sem
mim? Se não tá, não pensa em mais nada: bota meia
dúzia de roupas numa sacola, pega um táxi e vem, aqui
eu pago. Volta pra mim que dessa vez a gente vai ser o
que a gente sempre sonhou em ser, com casa na praia,
na serra, e deixando todo mundo com inveja da nossa
felicidade irritante de casal que não se desgruda e nunca
enjoa um do outro. Vem?

P.S.: eu estava relendo nossos e-mails. Eu era um
cavalo com você, um estúpido. Me perdoa.

P.P.S.: O quereres estares sempre a fim


Do que em mim é de mim tão desigual
Faz-me querer-te bem, querer-te mal

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Bem a ti, mal ao quereres assim
Infinitivamente pessoal
E eu querendo querer-te sem ter fim
E, querendo-te, aprender o total
Do querer que há, e do que não há em mim

P.P.P.S.: Lembra? Eu quero te dar florzinhas,


corações, beijos e noites em claro. Quero te engravidar,
quero me casar com você e quero nunca mais querer
outra mulher. Quero poder falar pra todo mundo que
você é o amor da minha vida sem que sintam pena
de mim por não estarmos juntos. Quero recomeçar,
dar outro primeiro beijo, outra primeira noite, outro
primeiro “eu te amo”, outro primeiro anel, outra
primeira conversa sobre ter filhos. Eu quero me dar
pra você de novo, mas pela primeira vez, e sem a parte
ruim que foi junto da primeira vez.

Ah, e o Ringo mandou dizer que está com saudades


e que não quer mais outra mãe sem ser você. E a
Chachá nunca mais aceitou ninguém na minha cama.
A culpa é sua. A gente te ama, volta pra gente, volta,
magrela?
Do ainda e para sempre seu,
Lufe

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bilhete sem
resposta 1:

Tava lendo nossos e-mails velhos, você morria de


medo de eu me interessar por alguém e te largar. Bom,
dois anos depois, eu tô aqui, não me interessei por
ninguém. Tão apaixonado por você quanto no nosso
auge, se é que tivemos um auge. Volta pra mim, magrela.
A gente vai ser feliz, você vai ser feliz como quando
estávamos juntos, eu vou ser feliz de novo. Eu sei que
você ainda pensa em mim. Eu sinto... Fala comigo, me
dá pelo menos a chance de falar com você...

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CARTA 8

não volta não

Não volta não. O amor não é tudo, talvez nem seja


o mais importante. Amor não mantém ninguém junto,
não constrói futuro, não alicerça uma relação. De que
adianta o amor transbordar de ambas as partes se outras
coisas fundamentais inexistem? Não volta não. Não
volta não porque nós somos uma lembrança muito
melhor do que éramos um casal. Somos uma projeção
ótima, mas uma realidade péssima. Éramos um futuro
promissor e maravilhoso, calcado em um presente
pesaroso e frágil. O futuro que todos enxergavam em
nós só existia nas nossas cabeças.

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Não volta não, viu. Fica por aí mesmo. É melhor
sermos o eterno casal perfeito no futuro do que
provarmos de uma vez que éramos uma grande farsa.
Mas se você voltar a gente corre o sério risco de termos
também a certeza de que você nunca foi tão infeliz
quanto foi comigo. É um risco que eu prefiro não correr.
Não volta não. A saudade do futuro que não tivemos
me faz mais bem do que a certeza do presente que nós
tivemos de verdade. Não volta não. Assim todo mundo
finge e acha que é feliz, o que, afinal de contas, é muito
melhor do que ter certeza de que se é infeliz.

Eu não te esqueci.

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CARTA 9

eu não te
esqueci
Nem por um segundo eu te esqueci. Nem durante
outro beijo, durante outra noite, durante outro abraço,
nem durante outros cafunés, durante outras palavras de
amor, outras brigas, muito menos durante outros planos.
Até porque, depois de você não houve outros planos.
Aliás, geralmente essas coisas funcionam para mim.
Beijos, abraços, sexos, noites, cafunés, planos, essas
coisas geralmente me fazem esquecer alguém bem
rápido. Bom, dessa vez não só não funcionou como
piorou. Nenhum beijo é o seu, nenhum abraço é o seu,
nenhum cafuné é o seu e nenhum futuro é o nosso.

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Nenhum futuro é o meu. Nenhum olhar de reprovação
pelos meus planos malucos é o seu, nenhuma DR
interminável como nós adorávamos é nossa, e nenhum
frio na barriga é o seu. Nenhuma ansiedade para ver se
a mensagem que chegou é sua é igual a que era com
você.
Sabe, sempre que eu vejo uma comédia romântica
eu penso nos coadjuvantes. Na amiga rejeitada pelo
mocinho, no cara abandonado no altar pela mocinha
para ficar com o herói. Será que eles achavam que o
filme era deles? Será que eles achavam que eram os
protagonistas? Com você, eu achei. Achei que o filme
era nosso, meu, seu, meu e seu. Mas não era, eu fui só
o coadjuvante legal que foi deixado e no final do filme
vai aparecer nas cenas pós-créditos se apaixonando
por alguém. Mas também pode ser que esta seja aquela
parte do filme em que um acha que é feliz sem o outro,
e o outro curte meses de fossa sem o outro. O da fossa,
no caso, sou eu.
Mesmo que o filme não seja nosso, nenhuma cena
vai ser como a nossa no Bosque, na praia, nenhuma
conversa séria e romântica vai ser como a nossa
no ponto de táxi, nenhuma cena mais quente será
como você pulando no meu colo no carro dentro do
estacionamento do Shopping, e nenhum primeiro

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beijo vai ser como o nosso, com você correndo para o
banheiro no exato segundo em que percebeu que queria
sim me beijar e não sabia o que fazer. Bom, era isso.
Caso você tenha vindo aqui bisbilhotar, saiba que foi
ótimo ser coadjuvante no seu filme e que, se no final,
o filme for nosso, você vai me pagar por ter feito eu
pensar esse tempo todo que era um coadjuvante que
nem tem nome. Bom, eu sugiro “Rapaz de brincos”,
“Garoto do Bosque” ou “menino apaixonado 03”.

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CARTA 10

uma carta para


alguém que não
vai ler
Eu sei que você não vai ler. Você trocou o telefone,
o e-mail, deletou o Facebook. Não temos amigos
em comum, nem ninguém vai te mostrar isso. Mas
eu preciso te falar umas coisas. Antes de mais nada,
que bom que você está bem. Apesar de tudo, eu me
preocupo e torço por você e pelo seu sucesso. Eu sei,
mesmo eu tendo falado mal de você, gritado e ficado
puto. Que bom que você está feliz e não está mais
sofrendo. Inclusive, quando eu pergunto sobre você
para as pessoas, eu não pergunto por fofoca nem por
raiva, eu pergunto por que eu, apesar de tudo, torço por
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você. Mesmo não parecendo, mesmo todo mundo ao
seu redor dizendo o contrário.
Nós nos fizemos muito mal. Eu fui um idiota, você
foi uma cretina, isso todo mundo sabe. Isso você
contou pra todo mundo, eu contei pra todo mundo.
Mas ninguém sabe o quanto nós nos fizemos bem. Eu
não contei pra ninguém, você não contou pra ninguém.
Ninguém sabe como nos ajudávamos mutuamente,
como nos apoiávamos, como entendíamos os demônios
interiores um do outro. Mas essa parte deveríamos
ter feito mais, porque foram esses demônios que nos
afastaram, que nos fizeram desistir um do outro e, pior,
que nos fizeram agredir e machucar um ao outro. Mas
nos fizemos muito bem, também. É muito doido, isso
tudo. Metade de nós tinha potencial para ser o melhor
casal de todos os tempos. Mas a outra metade tinha um
potencial incrível de provocar uma catástrofe — de
verdade — nas nossas vidas.
Tanto que, seis meses depois de todo aquele furacão,
a nossa conversa foi amistosa e bem-humorada. E,
por incrível que pareça, eu hoje só consegui ver a
nossa metade boa. Mesmo que, minutos antes de nos
encontrarmos, a metade que dominava a nossa cabeça
era a nossa metade ruim. Desculpa. Desculpa ter te
feito mal, desculpa por não ter tido mais paciência.

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Desculpa não ter segurado a onda quando você
precisou, e desculpa por você não ter segurado a onda
quando eu precisei. Desculpa por não ter sido o que
você achou que eu fosse, e desculpa por ter cobrado
que você fosse o que eu idealizava que você fosse.
Desculpa, principalmente, por não perpetrar e não levar
para sempre todo o ódio e o rancor que as pessoas — e
talvez você também — esperavam que eu carregasse
pra sempre. Nenhum de nós dois aguentou o esforço
mental que a metade ruim exigia. Desculpa por não ter
tentado mais. Eu torço por você, quero seu bem, e ainda
sinto carinho pela sua/nossa metade boa. Pela primeira
vez na vida eu estou deixando as coisas boas falarem
mais alto que as ruins. Fica bem, seja feliz, e, eu sei que
no fundo você sabe que tudo o que eu errei foi tentando
acertar, porque você também o fez. Se cuida. É como
eu te falei, eu estou ficando velho e mole. Espero que
eu não me arrependa disso.

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CARTA 11

eu não quero
mais esse amor

Sabe, Anna, esse deve ser o décimo “último texto”


que eu escrevo para você. Mas esse tem uma razão além
de mim simplesmente não conseguir enterrar você para
sempre dentro de mim. Ontem a minha terapeuta, que
não deve aguentar mais ouvir sobre você, me fez uma
pergunta que, por incrível que pareça, eu nunca havia
me feito: “Eu quero que você pense o que tornou a Anna
tão grande na sua vida, o que fez o relacionamento de
vocês suplantar todos os seus outros relacionamentos e
te assombrar até hoje. O que vocês tiveram de diferente?

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O que ela tem de diferente? Por que você supera tão
bem seus términos, mas, com ela, dois anos depois a
sua ferida ainda está tão aberta quanto no primeiro dia?
Pensa nisso?”.
Penso, Doutora, ô se penso. Para começar, a culpa.
A culpa de ter colocado tanta coisa na conta dela,
a culpa de ter deixado que causássemos tanta dor e
sofrimento um ao outro com meu instinto de combater
em vez de conciliar. A culpa de ter colocado em um
episódio de surto dela a responsabilidade por tudo o
que nosso relacionamento tinha de errado e que, em
sua maior parte, era minha responsabilidade. Todos os
problemas e questões que EU tinha, eu exigia que ELA
os identificasse e os resolvesse. Sabe, Anna, você foi
um dos meus relacionamentos de menor duração. Mas,
de todos, você é o que mais vai ficar dentro de mim.
Porque, talvez sem querer, talvez sem querer ferir a
minha masculinidade latina de escritor que não precisa
de ninguém e que cura coração partido bebendo uísque,
você me mudou, me fez ver meus erros e me deu, sem
eu perceber, a solução para muitos deles. E eu não vi
e não apliquei nada disso, e deu no que deu. E eu nem
bebo. Ainda dá tempo de começar?
Mesmo que nunca mais nos encontremos, mesmo
que, ao contrário do meu desejo interno, você nunca

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leia e nunca tenha lido nada disso que eu escrevo pra
você, mesmo assim você vai ter sempre um cantinho
aqui dentro só pra você. Sempre vai ter um pedacinho
seu aqui. E hoje, além de me arrepender, eu te agradeço
muito por isso. E me desculpo por ter colocado a culpa
de tudo em você. Eu nunca tive raiva de você. Sabe
o que dizem, que a raiva projetada no outro é quase
sempre a raiva que sentimos de nós mesmos. Por isso
eu parecia estar sempre bravo nas nossas brigas. Era
comigo mesmo. Eu nunca, nem por um segundo, te
odiei nem tive raiva de você. Nunca.
E essas linhas não são para pedir desculpas, nem
para pedir para você voltar. São para dizer que você
vai ser, para sempre, a minha maior história. Meu amor
maior, aquela dorzinha que, no frio, faz a gente lembrar
do tombo de bicicleta em Iguaba quando tínhamos
doze anos. E o mais estranho, para mim, claro, é que
você não precisa aceitar nada disso. Não estou te
dando opção, nem perguntando se você quer. Você vai
sempre ser A Anna. Sempre. Você vai ter meu amor
para sempre, mesmo que você não o queira. Mesmo
que você já tenha outro amor. Mesmo que outro te ame.
Onde quer que você esteja, com quem quer que você
esteja, o que quer que você esteja fazendo, você vai
ter esse meu amor para sempre. Porque eu não posso

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mais guardá-lo dentro de mim. Ele está passando da
validade e me fazendo mal. Atrasando a minha vida, a
minha felicidade. Me fazendo ficar preso no dia treze
de julho de dois mil e quinze, o último dia em que eu vi
o amor nos seus olhos. O último dia da gente. O último
dia verdadeiramente feliz da minha vida até hoje, dia
treze de fevereiro de dois mil e dezenove. Já que eu não
posso transmitir essa culpa para ninguém, pelo menos
ficar com o amor para você. Tira ele de mim, e pode
até reaproveitar. Só me livra dessa eterna sensação de
ter sido responsável por perder a coisa mais importante
que eu já tive na vida? Me xinga ou volta, mas tira isso
de mim.
Ainda e espero que por pouco tempo ainda seu, Lufe.

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CARTA 12

por que eu
sempre volto
para você?
Por que eu sempre volto para você? Por que diabos eu
sempre volto para você, Anna? A cada decepção amorosa
depois de você, e acredite, foram muitas, eu volto para
você. Volto pensando que, apesar de quase termos nos
matado, entendíamos um ao outro por sermos igualmente
fodidos e quebrados. E só por isso eu tendo a relevar
nossos erros e voltar para você, porque essa coisa toda
dói demais, viu? Sabe aquela frase do 1984, do Orwell,
onde ele falava que o Winston, em uma tradução livre
minha, não queria tanto ser amado quanto queria ser

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compreendido. Ser amado é fácil, mas ser compreendido
é que são elas.
Em um mundo onde ninguém relaxa, todos têm
medo de ter ciúmes, de perder o controle, de não agir,
ainda que falsamente, como um modelo de conduta, é
muito difícil não conseguir esconder ser alguém com
mais falhas que a barba do Che Guevara. Com você
eu podia ser idiota, inseguro, ciumento, ansioso, sem
que isso fosse usado contra mim, sem medo de ser
mal interpretado. Porque com eles, Anna, se eu não
esconder essas coisas elas voltam na minha cara como
uma pedrada no para-brisas a 100km/h, mas as pessoas
não tem culpa. Alguém que mora em um apartamento
não tem culpa em não poder adotar um Dogue Alemão.
Acontece.
E tem o verso do Leoni que fala que “só você sentiu
por mim o que nem eu sentiria. Você foi meu escudo,
e eu a própria covardia”. Eu não me amaria. Eu não
me aguentaria. Por isso a eterna esperança de encontrar
alguém melhor que eu, alguém que faria por mim algo
que eu mesmo não faria e, daí a minha covardia. Como
fui covarde com você e sigo sendo. E você, não por
virtude, mas por ser como eu, me entendeu e me amou
como eu não faria. Mas não importam seus motivos,
o que importa é que no seu colo eu era eu mesmo.

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Sem medo. Pode falar “eu avisei”, você tá certa. Sua
bravata de “você nunca mais vai encontrar alguém que
te aguente como eu” se provou uma verdade, e não só
uma bravata. Porque você sabia muito melhor que eu o
peso do seu fardo. E sabe o pior? Tirando isso a gente
era um casal péssimo, e mesmo assim eu ainda volto
pra você. Como um cachorro que dormia na chuva,
passava fome, mas pelo menos tinha um teto. É difícil
não encontrar mais um teto, sabia?

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texto 4:
um fantasma
onipresente
Eu te reconheci pela voz, acredita? Pela sua risada
que começa fina e falha no meio, tão gostosa. Te
reconheci pela voz e olhei para o lado a tempo de te
ver passar a menos de dois metros de mim. Que ironia,
nós que tantas vezes fomos um só, indissociável, hoje
somos tão distantes que estar a dois metros de você
quase me fez desmaiar. Me fez perder a força nas
pernas, perder o tino, o controle dos meus músculos,
dos meus neurônios dos quais eu tanto me orgulho.
Quando te vi eu quis me matar. Quis te matar. Quis

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matar todo mundo. Quis quebrar o bar inteiro. Quis
correr. Quis ir até você e falar “deixa de ser idiota, nosso
lugar é junto do outro, você é o amor da porra da minha
vida, vamos na sua casa pegar suas roupas que os gatos
estão com saudade de você”. Eu quis ir lá e gritar para
você me deixar em paz. Eu quis chorar. Eu quis tanto
chorar que quase não segurei. Inventei que precisava ir
em casa tomar meu remédio de ansiedade só para que
ninguém me visse chorar. Pra que ninguém soubesse
que eu chorei o caminho inteiro, no elevador, em casa e
durante o caminho de volta.
Fazia três anos que eu não te via. Quem chora por
alguém que não vê a três anos? Quem passa três anos
achando que aquela pessoa que se foi ainda é o amor
da sua vida? Que tipo de idiota tem um ataque de
ansiedade porque viu uma ex-namorada que, além de
não ver há três anos, o odeia? Merda, e você estava
tão linda. De preto, sentada em uma caixa de cerveja
vermelha, parecia que flutuava em cima da caixa.
Rindo do jeito que você ria comigo. Linda como você
era linda comigo. Só que sem mim. Enquanto meus
batimentos cardíacos foram a 175, você, alheia, era
feliz sem mim. Seguia sua vida. Talvez com o coração
batendo a 175 por outro cara. Sem nem saber que para
mim a sua presença foi algo tão doloroso. Não pela

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presença, mas pela indiferença.
Três anos e meio depois e eu ainda me sinto como da
primeira vez que você disse que me amava. Queria ter
ido lá, mas não tive coragem. Não tive coragem de ver
nos seus olhos a raiva que eu sei que você tem de mim.
Não quis arriscar de ouvir da sua boca o que eu já li em
mensagens, que você não me ama mais. Parece que o
tempo não faz tudo passar. Nem a sua raiva de mim,
nem meu amor por você.
Nem a minha autopiedade.

P.S.: cochilei cinco minutos no táxi e sonhei com


o que aconteceu, mas no sonho você sorria para mim.
Depois de três anos e meio eu ainda seria capaz de
descrever seu sorriso ao longo de páginas e páginas.
Será que um dia isso passa? Me ajuda a fazer passar,
por favor. De um jeito ou de outro, eu teria feito o
mesmo por você.

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CARTA 13

você nunca
existiu
Não se sinta tão importante com o que eu escrevo
sobre você, ou com o que eu já escrevi. Não vou ser
leviano e dizer que é tudo mentira. Mas nada é verdade.
Você nem existe, tá reclamando de que? Você não passa
de uma criação ególatra da minha cabeça de escritor que
acredita em finais felizes. Só. E, assim, você é e foi o
que eu quero e quis que você fosse. Não o que você foi
de verdade. Você não tem nada que reclamar quando
eu te retrato de um jeito que você não gosta e muito
menos ficar lisonjeada se eu te trato como uma pessoa
maravilhosa, porque é tudo invenção. Porque você não é
nada disso. A versão de você que eu descrevo nada mais

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é do que meu enorme ego tentando me convencer de que
eu me mantive tanto tempo apaixonado por uma pessoa
encantadora, maravilhosa, uma mistura de Julia Roberts
com Scarlett Johansson. Era só meu ego tentando
fazer eu me sentir menos idiota.
Se eu acho que eu não tenho defeitos? Ninguém
conhece tanto meus defeitos quanto eu mesmo, pode
ter certeza. Mas a história é minha. Minha versão, meus
fatos. Faça a sua própria versão de mim, fique à vontade.
Só percebe que eu nunca menti nem inventei nada sobre
você. Nem sobre a gente. Eu só romanceei. O egoísmo
de não querer fazer nada para ninguém de manhã virou
um suave mau humor matinal, charmoso até. Seu
incrível talento para ofender e machucar eu desenhei
como um sarcasmo um pouco acima da média, nada que
uma mocinha de comédia romântica não tenha. Nada
era mentira, eu só, digamos, transformei um cavalo em
uma zebra com umas listras brancas. Ou pretas. Não se
sinta mais importante do que uma árvore pintada por um
artista ou uma bucólica casinha no lago fotografada por
um fotógrafo. Assim como a árvore e a casinha, o que
chega às pessoas não é você, é o que eu quero que seja. E
quem quer ver um quadro de uma árvore podre ou uma
fotografia de uma casa caindo aos pedaços?

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texto 5:
o fim depois
do fim
Pareidolia. Sem ir ao Google, nas minhas palavras,
pareidolia é um efeito psicológico que faz com que
vejamos significados e formas onde eles não existem,
pelo simples de que queremos ver algo lá. A pareidolia
é o que nos faz ver um rosto na lua, bichos nas nuvens,
e é o que me faz ver um relacionamento maravilhoso
com você onde tudo o que existiu, de verdade, era
uma imensa e cruel disputa de egos, gritos, olhares
atravessados e brigas pela última palavra. O que me fez
perder o sono nos últimos tempos foi algo que nunca
aconteceu, alguém que não existe, que namorou com
uma versão de mim que também está longe de existir.

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Eu tentar ver o lado bom do nosso namoro é como
aquela piada do cara que perde a perna, vai triste contar
para o amigo, que o consola: “Pensa pelo lado bom,
agora você vai gastar só a metade com sapatos”. É um
lado bom que tanto nunca compensou o lado ruim que
nós não conseguimos suportar mais a presença um na
vida do outro. E por que, então, eu me prendi tanto
a isso, por três anos? Porque é isso que eu faço para
viver: eu crio finais felizes. Histórias com reviravoltas
que dão certo no final. E no auge da minha Síndrome
de Deus, achei que pudesse fazer o mesmo com a gente.
Mas era ego. Era só pelo orgulho do “a gente venceu
tudo e todos”. Mas porra, a gente não conseguiu vencer
nem a nós mesmos! O mundo nunca torceu por nós, o
mundo nem sabia que a gente existia, ninguém estava
nem aí. Nós só tínhamos que superar a nós mesmos. E
não conseguimos.

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texto 6:
me deixa em paz
Faz seis anos que a gente não se fala. Não é tempo
suficiente? Pra você foi. Mas pra mim, bom, eu preciso
que você me deixe em paz. Me deixa seguir, me deixa
viver como eu vivi durante 35 anos da minha vida:
sem você. Você seguiu, amou, desamou, ficou, largou,
namorou, e eu aqui, revendo o mesmo vídeo idiota de
você cantando mal pra mim de propósito, só porque
sabia que eu estava filmando. Relendo seus e-mails
dizendo “dorme bem e com seu anjo da guarda” ou
“fica calmo, isso vai passar, eu vou estar sempre do seu
lado”. Não vai. Não está.
Sabe o que eu queria? Eu queria te odiar tanto
quanto eu falo para as pessoas que te odeio. Eu queria

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me lembrar tanto das coisas ruins de nós dois quanto
eu digo para as pessoas que me lembro. Mas eu não
consigo. Eu penso numa briga que tivemos em dois
minutos você está no meu colo dizendo que nunca
mais vamos brigar. Eu só quero paz. Só. Eu ainda me
preocupo com você andando de ônibus onze da noite,
ainda me preocupo se você melhorou da depressão. Eu
só preciso que você me deixe em paz.
Todas são você. Tudo é você. Todas as flores são
para você. Ninguém é você. Nada é você. Nenhuma flor
é pra você. Me deixa em paz, porra! Não aguento mais
chegar em casa, dobrar o corredor e, por dois segundos,
te ver deitada no sofá com um dos gatos na sua barriga.
Não aguento mais estar longe do celular, ouvir ele
tocar e ter a esperança cretina de que seja você. Não
aguento mais comparar todas com você, e perceber que
eu e você éramos imbatíveis e que eu não consigo me
imaginar tão feliz sem você. Feliz com pessoas que
jogam, que maltratam, que não cuidam, que dizem uma
coisa querendo outra, que querem uma coisa dizendo
outra. Não como a gente. Não como você. Dá pra me
deixar em paz?
Eu não tô falando que quero você no meu sofá,
que quero que você me ligue. Eu só quero paz. E já
que não terei mais a paz que, boa parte do tempo,

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proporcionávamos um ao outro, que seja a paz sem
você. Comigo. Com outra. Com outras. Sem ninguém.
Que seja. Mas, principalmente, me deixa em paz. Mas
se voltar for nos trazer paz, eu já avisei ao porteiro que
pode deixar você subir direito. Não se preocupa em me
avisar, não vai ter outra aqui.

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CARTA 14

fim

Oi, Anna,
Hoje é dia vinte e dois de fevereiro de dois mil e
vinte. Quase dois anos depois que eu decidi juntar tudo
isso em um livro. Pois bem, juntei. O livro tem nome,
tem capa, mas falta um último texto. Estou há oito dias
travado neste último texto. E você sabe bem que eu
nunca travo. Mas travei. Como seria o último texto?
Fofo? Esperançoso? Libertário? Falando que ainda te
amo e pedindo para você voltar? Um texto sobre como
eu amadureci com essa história toda? Um texto fofo
levantando uma trégua? Ou um texto engraçado? Eu
não sei.

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O que eu sei é que este livro foi um expurgo mais
que necessário, um grito alto na janela sem se preocupar
com os vizinhos. Eu não te amo mais, tampouco quero
a gente de volta. Mas ainda dói. Sabe aquelas duas
costelas quebradas que eu tenho e que sempre doem
no frio? Então, dói assim. Amor é que nem costela
quebrada, mesmo se você se curar, nunca cura de
verdade e sempre dói um pouquinho se apertar forte.
Não sei o porquê. Meu palpite é culpa. Culpa de ter te
“abandonado”, não ter tentado mais, não ter te ajudado
mais quando você precisou.
Mas eu posso estar errado. Pode ser uma obsessão
(esta opção é bem viável, inclusive), pode ser teimosia,
pode ser charme de escritor apaixonado pela ex que
o odeia. Ou pode ser amor mesmo. Este eu, além de
achar que não é, torço para que não seja. E sabe por
quê? Porque, por mais que de vez em quando eu me
pegue imaginando em como nós seríamos hoje, com
cinco anos de namoro, eu sei que você não merece se
relacionar com alguém como eu. A Anna sorridente,
feliz, otimista e plena, não teria porque se relacionar
com um sujeito amargurado, consumido pela culpa e
pela auto piedade, pessimista, sem nenhuma esperança
ou fé, um sujeito que não aguenta a si mesmo. Não é tão
ruim quanto parece, acredite, mas é que as cicatrizes

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deixaram marcas altas demais para serem ignoradas.
Outras pessoas tentaram, e acho que você é capaz de
imaginar o resultado.
É difícil superar o receio de repetir os mesmos erros
e acabar machucando alguém e me machucando de
novo. É difícil vender o medo de depositar tudo o que
eu tenho, sou e anseio em alguém de novo, para no final
eu acabar escrevendo textos melancólicos, chorando, às
três da manhã enquanto, em algum lugar do mundo,
alguém te odeia e você nem sabe o porquê. E, bom,
não queria encher a sua bola desse jeito, mas você é um
fantasma grande demais. Difícil superar essa sombra.
Difícil não comparar o casal perfeito que a gente era
com qualquer outra pessoa com quem eu me envolva.
É difícil não ter medo de me tornar com alguém o
casal terrível que nós dois éramos. Mas cedo ou tarde
vai acontecer, um dos dois. Ou eu vou perceber que
essa sombra na verdade não é tão grande, que era tudo
exagero poético da minha cabeça viciada em romancear
as coisas.
Então é isso, este é o fim. Última carta. O último
texto do livro. As últimas linhas. As nossas últimas
linhas. Porque eu espero que, em alguns anos, eu pegue
este livro na minha estante, olhe para ele, folheie e
tenha até dificuldade de me lembrar do seu nome de

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verdade e morra de vergonha por ter escrito este livro
idiota. Estarei com a memória ruim, constrangido,
mas completamente livre de você. E, sem memória e
constrangido, eu vou estar feliz. Ou pelo menos mais
feliz do que sou agora. Mas não mais feliz do que fui
com você.
Mas nada é perfeito.

Do graças aos Deuses não mais seu, Lufe.

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