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1ª Edição
— Claro.
— Estarei por aqui durante cinco dias para
perder a dignidade antes de retornar ao Brasil.
Podemos combinar algo.
— O quê? — pergunto.
— Bebê...
— Estou arrependido.
DIAS DEPOIS
— Paula, Jacinta minha saudade pelo telefone — Lucca diz,
e eu começo a rir como uma boba.
— Olá, bebê Lucca. Como foi seu dia de trabalho?
— Cansativo. Quando vai me deixar conhecer Henrico? —
pergunta.
— Não é tão simples, Henrico tem dificuldade em socializar.
— Eu garanto que ele vai socializar comigo. Vamos lá, me
deixe conhecer o garoto. Farei amizade com ele, podemos levá-lo
para passear, fazer programas especiais onde tenha inclusão, tenho
pesquisado muito depois que me disse sobre ele. Estou ansioso. —
Esse homem é muito surreal!
— Em breve, tudo bem? Prometo a você.
— Não gosto de ser enrolado, Paula. Jacinta minha fúria pelo
telefone, e espere só eu a pegar. — Isso me faz sorrir amplamente.
DIAS DEPOIS
— Realmente quero conhecer Henrico — Lucca diz,
enquanto andamos pelo shopping após termos ido em mais de 10
lojas até eu encontrar o vestido ideal.
— Você irá conhecê-lo, bebê Lucca. — Sorrio, parando na fila
do cinema. Ele simplesmente sai me puxando para outro lado e eu
descubro que ele tem um cartão fidelidade VIP no cinema. Somos
os primeiros a entrar para ver o filme e ainda somos servidos dentro
da sala do cinema.
— Isso é muito próspero — digo rindo.
— Viu? Sou o melhor amigo que você poderia ter. Jacinta
isso, Paula.
Não beijamos, não transamos, não trocamos carícias. Essa
noite decidimos ser apenas bons amigos apreciando a companhia
um do outro.
PS: Eu me apaixono um pouco mais a cada dia.
3 MESES DEPOIS
O meu dia foi tão exaustivo, mas estar recebendo um carinho
e um sorriso gostoso do meu filho é reconfortante.
Hoje mal tive tempo de trabalhar. O dia foi em função dele.
Henrico tem um pouco de dificuldade de locomoção, tanto nas
perninhas, quanto nos bracinhos e nas mãozinhas. Por conta disso,
fazemos vários tratamentos que ajudam na estimulação. Hoje ele
teve aula de música, natação e fisioterapia. Mas, há também
tratamentos que são domiciliar e são feitos por uma terapeuta
ocupacional. Felizmente, meu pequeno já está adaptado às
atividades. Entretanto, a parte que ele mais gosta é da terapia
ocupacional.
A tia Nanda (como ele mesmo diz), terapeuta, é um anjo da
guarda que trabalha com ele de uma maneira leve e divertida, o
acompanha quase diariamente. Todos os dias eu aprendo um pouco
com ela e sou grata por tanto carinho e dedicação. Fernanda
trabalha com as habilidades motoras que auxiliam meu pequeno a
desenhar, segurar objetos de maneira correta, diferenciar cores,
formas, tamanhos, a ser um pouco mais independente na hora de
escovar os dentinhos. Ajuda também em relação a ele se relacionar
com as demais pessoas, a usar o corpo como meio de
comunicação, resolver problemas, brincar, motricidade, integração
sensorial... a lista é gigantesca e até parece impossível uma criança
absorver todas essas coisas. Porém, meu bebê absorve muito bem
e todos os dias consigo ver avanços significativos. Não apenas pelo
acompanhamento que ele recebe da Nanda e dos demais
profissionais; eu não serei modesta, sou uma excelente mãe,
daquelas bem participativas e cem por cento envolvida em todas as
atividades do meu filho. Quando todas as atividades encerram, há
apenas nós dois e esses momentos a sós são considerados por
mim os mais importantes. É onde deixo de lado todo o stress diário,
me desligo do trabalho, das redes sociais e me dedico
exclusivamente a ele.
Além disso, recentemente um outro anjo da guarda entrou em
nossas vidas. Um anjo da guarda muito lindo e muito bebê também.
Lucca.
Eu e Lucca nos tornamos grandes amigos... gigantes...
íntimos... realmente íntimos... grandes amigos gigantes íntimos
realmente íntimos que transam sempre que possível e que não se
desgrudam muito. Há dias que saímos apenas para tomar um
sorvete, realmente como amigos, sem nem rolar um beijinho. Mas
há outros... há outros em que nos pegamos como canibais famintos
em qualquer lugar. É muito maravilhoso, mas eu estou
absurdamente apaixonada pelo meu melhor amigo e tento conciliar
o sentimento da melhor forma possível, levando sempre pelo lado
da amizade.
Não tem como não se apaixonar. Aliás, acho que é
humanamente impossível uma mulher conviver com Lucca e não se
apaixonar. O homem faz as coisas mais improváveis e consegue o
impossível. Ele se tornou o segundo grande melhor amigo de
Henrico. Eu me lembro o dia que ele simplesmente surgiu na porta
da minha casa sem nem mesmo avisar. Foi exatamente duas
semanas depois que voltamos de Las Vegas. Ele estava muito
insistente sobre conhecer Henrico, e eu muito relutante. Ele tentava
me passar confiança, dizendo que sabia o que estava fazendo e o
universo que estava habitando, mas... eu apenas tinha todos os
medos do mundo. Foi então que ele teve a excelente ideia de surgir
na minha porta, com uma sacola gigante. Eu quis matá-lo pela
primeira vez, mas ele é um bichinho audacioso e sagaz;
simplesmente invadiu minha residência e foi direto no alvo: Henrico,
que estava sentado no tapete da sala completamente cabisbaixo por
conta do pedaço de merda chamado Pablo.
Eu fiquei de pé observando e rezando para todos os santos.
Foi então que Lucca tirou de uma sacola um kit de pinturas bastante
legal e começou a desenhar toda turma do Toy Story. No início,
Henrico não cedeu às investidas delicadas de Lucca. Porém, após
alguns minutos, como num passe de mágica, meu filho
simplesmente começou a brincar com ele e minha boca foi ao chão.
Eles criaram suas próprias regras; Lucca ficava por conta dos
desenhos e Henrico por conta da pintura. Depois daquela noite, os
encontros entre os dois se tornaram mais frequentes e Henrico
simplesmente o tem em um patamar altíssimo.
O homem é apaixonado pelo meu filho, a ponto de mandar
mensagens ou ligar todos os dias de manhã e à noite. De manhã
perguntando se Henrico dormiu bem, a noite perguntando como foi
o dia de Henrico. Pelo amor de Deus! Lucca faz mais pelo meu filho
do que o próprio pai, isso é chocante.
Enfim. Estou apaixonada, mas não há stress sobre isso. Não
é algo que eu quero fugir, tampouco quero me jogar de cabeça. É
apenas um sentimento gostoso, que faz meu coração bater mais
forte sempre que possível, mas que não me causa surtos. Tudo
bastante saudável. Não acho que estamos no melhor momento para
entrarmos em um relacionamento, embora o que estamos tendo
seja quase isso. Mas, a maneira leve que estamos conduzindo tudo,
que conseguimos separar os momentos em que precisamos apenas
da amizade e os momentos em que precisamos de mais que isso,
está sendo benéfica aos dois. Não há cobranças entre nós, não há
discussões, só existe a parte boa e isso é tão gostoso de se viver.
Não precisamos rotular algo que começou a tão pouco tempo.
Lucca ainda tem os demônios dele, e eu ainda tenho os meus.
Então, o melhor que estamos fazendo por nós mesmos é conduzir
as coisas com essa calmaria gostosa onde a amizade está acima de
tudo.
O mais lindo de tudo isso é deitar todas as noites sabendo
que ele estará por mim sempre que eu precisar e eu estarei por ele.
— Bebê vida, hora de tomar banho para dormirmos bem
gostosinho — digo ao meu pequeno, e recebo um carinho em meu
rosto. — Tudo para mim.
— Mamãe.
— Amor da mamãe. — Sorrio. — Você é a minha vida toda,
pequeno gafanhoto. Agora deixa de preguiça e vamos tomar um
banho, fazer uma massagenzinha e dormir bem grudadinho.
Fazemos exatamente isso. Primeiro eu dou banho em meu
pequeno. Em seguida, me pego sorrindo quando ele se deita de
bruços, aguardando a massagem noturna que sempre faço em suas
costas e suas perninhas. Após eu contar uma historinha, ele
adormece e suspiro em pleno contentamento. Vencemos mais um
dia e fizemos grandes progressos.
Apago o abajur e minutos depois meu celular vibra. Sorrio ao
ver o nome de Lucca brilhar na tela.
— Hello! — Atendo baixinho e me levanto, indo para a sala.
— Hello! Como meu garoto está? Já dormiu?
— Sim, dormiu tem pouquinho tempo.
— Então abre a porta para eu te dar um beijo — ele ordena, e
eu fico boquiaberta até ouvir uma batida na porta.
A abro para encontrar um advogado muito destruído de
cansaço.
— Sua gravata está devidamente correta — brinco, puxando-
o e fecho a porta.
— Porra! Você me recebe vestida assim mesmo?
— Eu estava deitada com meu filho, já pronta para dormir —
justifico. — Minha calcinha é de avó e nem estou sexy.
— Você é sexy só de respirar. Poderia estar de fralda e ainda
seria sexy, agora vem aqui — diz, me oferecendo seus braços e eu
vou. É bonitinho quando ele deita a cabeça em meu ombro e cheira
meu pescoço. Eu até faço um cafuné em seus cabelos. — Estou
morto! Saí do escritório só agora. Já passou das onze?
— Quase onze. Você mora ao lado do escritório, doutor. O
que está fazendo em outro bairro?
— Vim buscar um beijo — explica. — Ei, eu não poderia ser
advogado de jeito nenhum — ele diz em um tom sério,
demonstrando cansaço real.
— Por quê?
— Porque não consigo processar o tanto que eu quero te
beijar agora! Aooo Paula, Jacinta meu desejo! — Sorri, me pegando
em seus braços e nos rodando. — Essa foi boa, hein?
— Foi excelente, bebê Lucca — concordo rindo. — Você
definitivamente tinha que ser militar.
— Militar?
— Sim, porque só você faz sentido na minha vida. Aooo bebê
Lucca, seu pau me cutuca!!! — eu praticamente grito, e então
lembro que meu filho está dormindo. Lucca simplesmente devora
minha boca antes mesmo que eu possa me arrepender de ter
gritado. Um senhor beijo que me faz chorar por todos os lados,
perder o sentido da vida e retomar apenas quando ele se afasta.
Pela madrugada...
— Pronto! Agora posso ir embora e dormir! Amém, Paula
Jacinta, sua gostosa.
— Eu devo ser gostosa mesmo, para você sair da Barra só
para vir me dar um beijo — brinco, beijando seu pescoço.
— Eu topava uma foda, mas há uma coisinha muito linda
roubando meu lugar na cama. Diga a ele que tio Lucca deixou um
beijo.
— Direi. — Sorrio.
— Como será seu dia amanhã?
— Tenho uma audiência as dez, Henrico ficará com minha
mãe porque tem terapia. Também tenho uma audiência às três da
tarde. Amanhã definitivamente será um dia caótico.
— Almoça comigo?
— Como amigo? — pergunto, arrumando sua gravata.
— Não, quero você de sobremesa.
— Meio dia?
— Perfeito. Te pego de meio dia às duas. Aooo potência
desenfreada — brinca, e beija minha testa. — Boa noite, Diabinha.
— Boa noite, bebê Lucca.
Às onze da manhã recebo uma vaga mensagem de Lucca
cancelando o nosso encontro.
Preocupada, tento ligar para ele e não obtenho sucesso em
nenhuma das tentativas.
— Apaixonadinho você me deixou. Apaixonadinho você me
deixou. Apaixonadinho você me deixou. Vem ficar perto aqui do seu
pretinho — cantarolo, dançando com a secretária do escritório, que
ri e não entende porra alguma. — Aoooo Cecília, bom dia!
— Bom dia, senhor Lucca — ela diz desnorteada.
— Alguém está muito animado essa manhã — Victor surge
dizendo. — Aposto que teve um sexo quente e suado.
— Não tive, my brother! — digo, abraçando-o. — Como estão
as crianças e a princesa safadinha?
— Estão bem, graças a Deus! — responde sorrindo. — E a
tal Paula?
— Ei, vamos ali na padaria tomar café da manhã? Aí
conversamos melhor — sugiro.
— Só se você me mostrar uma foto dela.
— Não! — exclamo com firmeza.
— Por que diabos você não deixa ninguém ver a mulher?
— Porque ela é minha!
— Vá tomar no cu, Lucca. Melinda também é minha e nunca
a escondi. Não... peraí... agora que registrei. Ela é SUA em que
sentido? Porque até ontem era sua “amiga” — ele diz fazendo aspas
no ar.
— Ela é minha amiga... MINHA. — Ele revira os olhos.
— Você se supera na possessividade. Sou casado, o que
acha que vou fazer se vê-la? Retardado!
— Ok. Eu mostro.
— Ah nem fodendo que você vai mostrá-la para Victor e não
vai mostrá-la para mim! Eu também estou indo nesse café da
manhã! — Ava surge descompensada, e segura eu e Victor pelas
mãos. — Vamos crianças!
— Era uma conversa apenas entre homens — explico
zoando.
— Sou mais macho que muito homem, então relaxa. Finge
que tenho uma piroca de 50 centímetros, grossa e veiuda.
— Que merda, Ava! — Victor a repreende, enquanto ela ri.
Entramos no elevador e em seguida caminhamos rumo à
padaria. Eu peço uma fatia de red velvet com recheio de ninho e um
frapuccino de caramelo. Victor e Ava me acompanham nessa
comilança e embalamos uma conversa sobre Paula. Pense em dois
irmãos chatos? São eles.
— Vamos lá, mostre logo a foto da mulher — Victor pede, e
sem chance de escapar dessa, pego meu celular e vou em busca de
uma foto que não seja proibidona. É... em alguns momentos capturo
uns cliques mais ousados, porque a mulher sabe ser quente,
principalmente ao acordar. Ela também tem fotos minhas bem
ousadas, tipo da minha bunda tatuada.
Quando encontro a foto ideal, entrego o celular aos dois.
— TOMAR NO MEU CU! — Ava grita para todos ouvirem.
— É... — Victor diz. — Porra!
— Aoooo Melinda! — Ele começa a rir das minhas palavras.
— Sério que você está com ciúmes de mim? Eu amo minha
esposa e ela é a coisa mais linda desse mundo, mas... que mulher
linda, cara. Puta merda! Linda pra caralho mesmo. Um sorrisão.
— Essa mulher é uma afronta! — Ava diz suspirando. —
Acho que a odeio por ser tão linda. Apesar de que, ela dá uma boa
disputa com Dandara... Dandara beira ao absurdo tamanha
perfeição. Seu gosto é indiscutível, irmãozinho — ela dispara a falar,
só então se dá conta. — Ok, falei merda, não é mesmo?
— Sim — Victor confirma.
— Tudo bem, desculpa. Não foi por mal.
— Quero pedi-la em namoro, mas estou com medo —
desabafo, precisando de um apoio moral neste momento.
— Medo? — Ava e Victor perguntam juntos.
— Estou sozinho há muito tempo, mas ela não. Tenho receio
de estar atropelando as coisas, mas eu quero mais do que o que
estamos tendo, embora esteja excelente. Estou um pouco louco por
ela e apaixonado pelo filho dela. Pensei muito, e quero ir além, bem
além. Paula não é apenas um rosto bonito, é uma mulher incrível
pra caralho, mega esforçada, dedicada, carinhosa, espirituosa,
engraçada. Ela é fantástica e tem sido difícil manter apenas a
amizade.
— Um pouco louco... sei — Ava debocha como se tivesse
cinco anos de idade.
— Você se lembra do que nosso pai sempre nos ensinou? —
Victor pergunta.
— Ele sempre nos ensinou tantas coisas — comento rindo.
— O NÃO todos nós já temos, agora é correr atrás do SIM.
Se é o que você quer, tem que seguir em frente e ir em busca do
SIM, sem medo — ele explica.
— Concordo com Victor — Ava diz. — Você deve saber o que
existe entre vocês. Pense em tudo que construíram durante os
meses que estão nessa amizade que não é amizade nem aqui, nem
na China. Pense em como ela te trata, no quanto ela demonstra
sentimentos, dá para captar a essência e ter mais ou menos a ideia
da resposta dela.
— Mas quero fazer algo diferente — confesso. — Quero
passar um final de semana com ela em algum lugar legal e então
fazer o pedido. Como ela tem Henrico, nossos encontros são um
pouco difíceis. Eu gostaria de uns dois dias a sós, para nos
curtirmos um pouco. Vocês têm alguma indicação?
— Bom, eu posso dar uma sugestão? — Victor pede.
— Sim.
— Eu a levaria para a Ilha, para começar logo com sorte —
ele diz sorrindo. — O que começa lá, sempre dá muito certo.
— Caso queira algo diferente, em Petrópolis tem várias
pousadas legais, inclusive uma onde nossos pais se hospedaram
quando se reencontraram. Eu já estive nela com Gabriel, num
momento caótico. Mas, lá é lindo.
— Também fui com Melinda em uma pousada em Petrópolis,
linda e aconchegante, com cachoeira e tudo mais. Bem romântica.
— Acho que gostei da ideia da Ilha — comento, imaginando
toda uma cena. Dá para preparar algo legal lá... — Na verdade, a
Ilha parece ideal.
— É isso! Estou tão feliz por vê-lo bem, seguindo em frente.
Nossos pais estão loucos para conhecer Paula. Estamos todos
felizes, Lucca. Você merece ser feliz, irmãozinho, e essa mulher
parece saber exatamente o que fazer para colocar sorrisos em seu
rosto. — Ava segura minha mão, com os olhos cheios de lágrimas.
— Eu a odeio por ser tão linda, mas eu a amo por ser especial.
— Pessoalmente é mais linda — digo, e ela faz uma careta.
— Bom, agora vamos ao trabalho! Irei almoçar com Paula e
ficarei ausente umas duas horinhas. Preciso adiantar algumas
coisas.
— Em qual restaurante vão? — a espertinha da minha irmã
pergunta e sorrio.
— Nenhum. Vou levá-la em um lugar.
— Ai... casal iniciante é um saco! — ela protesta, mas acaba
rindo.
Estou há cinco minutos olhando uma montagem com três
fotos que acabei de receber em um envelope sem remetente. Nesta
montagem há duas fotos de Dandara grávida e a foto de um
menino. Abaixo delas está escrito UMA LEMBRANÇA PARA
LUCCA ALBUQUERQUE.
Não compreendo o motivo para alguém me mandar algo
assim. Por que eu iria querer fotos de Dandara grávida? Foda-se ela
e o que ela fez da vida dela. Não me interessa mais, embora isso
aumente ainda mais minha mágoa em relação a ela. Dandara foi
embora sem deixar respostas, sem expressar sentimentos, e agora
eu descubro que ela é mãe. Fantástico!
Fico de pé e vou até a sala de Victor. Jogo a foto em cima da
mesa, diante dele, e ele franze a testa.
— O que é isso? — pergunta analisando.
— É o que eu gostaria de saber.
— Dandara grávida. Por que alguém te mandaria isso?
— Eu também gostaria de saber. — Me acomodo em uma
cadeira e Victor analisa a foto melhor. Ele olha para mim em alguns
momentos e balança a cabeça negativamente.
— Eu preciso te dizer algo, mas espero que não surte. É
apenas uma hipótese.
— Diga.
— Essa criança deve ter em torno de dois anos de idade,
talvez pouco mais. Faz quase três anos que Dandara foi embora.
Tipo, 2 anos e muitos meses.
— Sim, por volta disso — concordo.
— Concorda que é estranho você receber isso?
— Claro que é, não tem por que eu receber isso — afirmo.
— E se esse garoto for seu filho e isso for um aviso? — Meus
olhos se arregalam e eu pego a foto. Analiso apenas o garoto. Ele
é... uma mistura de Dandara com alguém.
— Dandara não estava grávida — digo, colocando a foto
sobre a mesa novamente.
— Ou ao menos você não sabia. Foi estranho a forma como
ela te deixou.
— Foi, mas eu duvido muito que ela me esconderia um filho.
Ela não seria capaz de algo dessa grandiosidade. — Seria? Esse
menino... não sei não. Se não me engano, lembro dela ter dito que o
desembargador não podia ter filhos. Será que ela tinha um outro
homem além de mim? Ou será que Victor está certo? Esse garoto
seria meu filho? Eu espero do fundo do meu coração que não seja,
porque eu juro por Deus, se ela teve coragem de me esconder um
filho, eu vou destrui-la impiedosamente e não terá argumento no
mundo que vá me impedir.
— Gosto muito de Dandara, Lucca, mas eu não duvido de
nada mais. Foi tudo realmente estranho.
— Vamos lá. Ela passou por um relacionamento abusivo, eu
ofereci minha mão e ela a soltou. Então, no seu casamento, nos
demos uma segunda chance. Chance que vale ressaltar que eu
disse que seria a última. Vivemos três meses juntos, eu dando todo
suporte do mundo a ela, e toda nossa família fazendo o mesmo. Ela
simplesmente foi embora mais uma vez, e, me desculpe Victor, não
há justificativa, seja lá qual tenha sido o motivo havia dezenas de
pessoas por ela, dezenas. Até mesmo vô Arthur. Vendo essa foto,
eu não posso seguir por esse caminho de ter um filho. Eu prefiro
acreditar que fui corno e que ela foi embora por ter outro. Esse
garoto não é meu filho.
— Ele se parece com você.
— Não se parece.
— O garoto se parece com você! — insiste. — Eu acho que
isso foi mais como um aviso. Você não receberia essa informação à
toa, após tanto tempo. Deveríamos investigar isso, posso pedir ao
Mário.
— Não faz sentido algum — digo. — Não sei se quero
investigar isso.
— Deveria querer pelo simples fato de tudo soar estranho
demais. Vamos fazer isso apenas por desencargo de consciência.
— Essa merda altera meu humor significativamente. Fico de pé,
pego a foto e sorrio.
— Fale com Mário, mas reze também. Se a sua suposição for
verdade, a porta do inferno vai se abrir e não será bonito.
Saio da sala de Victor e desmarco meu almoço com Paula.
Decido ir para casa dormir na tentativa de acalmar os ânimos. Não
quero encontrar Paula quando estou um pouco descompensado.
Em casa, corto a montagem e rasgo as duas partes que
contém Dandara. Fico apenas com a foto do garoto e me perco
tentando buscar respostas enquanto olho para ele.
Não é meu filho.
— Ponderei isso, mas não quis acreditar. Não tenho ligação com o
ocorrido, mas acho que sou uma boa isca para chegarem até Lucca e
consequentemente à Samuel e Dandara — digo ressentida.
— É exatamente isso e você ter a consciência é algo muito
importante, Paula. Estamos lidando com uma pessoa influente, poderosa
e sem escrúpulos. Precisamos ser cuidadosos agora, e é por isso que
Lucca foi insistente em contratarmos seguranças para você. Sei que
trabalha, que precisa sair de casa, um deles sempre estará te
acompanhando e o outro ficará aqui fora do prédio, para garantir a
segurança de Henrico. Sei que é ruim, que é uma situação chata,
principalmente por você não estar ligada ao ocorrido, mas ficaria feliz se
aceitasse isso pelo menos até a poeira abaixar. Lucca precisa estar em
BH com o filho, e sabemos que ele está desesperado pelo que pode vir a
afetar você.
— Você é o motivo.
— De?
— Te conto na viagem que faremos quando a poeira abaixar. —
Uma viagem...
— De preferência em uma praia isolada da civilização.
— Cuidarei disso.
— Ok, bebê Lucca. Nos falamos depois. Espero que sua
paudurecência matinal tenha sido controlada — brinco.
— Vou controlá-la agora, me mande uma foto dos seus seios. —
Dou uma gargalhada, e ele ri também. — Brincadeira, não precisa. Há
muitas fotos suas aqui em meu celular. Basta olhar para uma delas.
Aoooo Paula, Jacinta a imaginação fluir. Se cuide, princesa. Eu... Ei, você
não respondeu minha mensagem sobre saber que é a minha namorada.
— Não sei nada sobre isso, mas ficarei feliz o dia que debatermos
sobre.
— Aooo chão moiado, Paula. Você pisa no meu coração assim.
Vou te processar por abandono de incapaz.
— Lucca Albuquerque, chega de distrações matinais. Preciso
arrumar o café do meu bebê e me arrumar para trabalhar. Há uma
audiência complicada essa tarde.
— Ok. Por favor, cuide-se, por favor, por favor mesmo — pede.
— Prometo.
— Não lembro de ter dito que qualquer pessoa poderia vir comigo
— rebato.
— Não tenho nada a perder. Não tenho filhos, não tenho mulher,
estou de férias, e sou médico. Você pode precisar de um médico. Quero
ver sair daqui sozinha, meritíssima. A não ser que atire em um de nós ou
em todos, você não está indo sozinha. — Humberto desgraçado!
— Eu não acho legal que qualquer um dos dois vá — Victor diz. —
Parece que todos estão ficando loucos. Dandara, você está sendo
impulsiva. Está colocando tudo em risco.
— É isso que estou dizendo, mas, quando sou eu a falar, Dandara
pensa que estou destilando ódio ou qualquer merda — Lucca comenta se
aproximando. — Pode por favor abaixar a porra do seu topete,
meritíssima?
— Sou juíza, já lidei com casos horríveis, não quero entrar para as
estatísticas, tampouco quero que qualquer um de vocês entre. — O
celular dele toca e ele recusa a ligação. Em seguida é o celular de Victor.
— Lucca, Paula está me ligando em chamada de vídeo. — Isso
deixa todos em estado de alerta. Eu quero fechar meus olhos e gritar, algo
de errado está acontecendo com aquela mulher e eu serei massacrada
por Lucca...
Quando Victor atende, Lucca parece querer morrer, porque no
vídeo a tal Paula está amordaçada e com as mãos presas atrás de uma
cadeira. Eu reconheço o local e sei que é o porão da casa onde eu e
Diógenes morávamos. Não espero mais um segundo, roubo a chave de
um carro qualquer em cima da mesa e saio.
Estou em um porão, bastante luxuoso por sinal, tentando me
manter equilibrada, lutando contra o enorme desespero que quer
tomar conta de mim. Eu sou boa em ser racional quando precisa e
estou tentando usar apenas a racionalidade agora. É preciso frieza
em situações como essa, não que eu tenha passado por algo assim
antes, mas, definitivamente, não posso ficar gritando, dificultando o
que já está difícil. Acho que se eu não relutar será melhor para mim
e para a situação como um todo.
Não vou dizer que não estou morrendo de medo. Há tantos
medos em mim agora. Medo por Henrico, pelos meus pais, por
Lucca, por Samuel, até mesmo por Dandara. Estou com dó dela,
para falar a verdade. A mulher deve estar arrependida de todas as
maneiras possíveis e mal deve estar conseguindo lidar com a culpa
nesse momento. Espero que Lucca não esteja despejando sua fúria
sobre ela, porque acho que a mulher já está com uma carga muito
pesada de culpa sobre si mesma.
Erros do passado interferem diretamente no presente, é isso
que estou aprendendo, e acho que todos estão aprendendo
também. Eu espero de coração sair ilesa dessa história, e torço para
que Lucca e todas as demais pessoas saiam também.
Diógenes é um monstro. Ele queria que eu o levasse até
Lucca, mas tudo que sei é que Lucca está em Belo Horizonte, isso
me custou um tapa forte no rosto e um puxão de cabelos que está
doendo até agora. Estou me apegando ao fato de que poderia ser
pior, mas talvez, conforme as horas forem passando, se torne um
pesadelo maior.
Há algumas horas o monstro ligou para Lucca pelo meu
celular e eu imagino o terror que tudo virou. Não sei do paradeiro
dos meus seguranças, nem sei como tudo isso aconteceu. Tive que
andar pelo fórum com a naturalidade de uma mulher coberta de
plenitude, quando realmente estava indo para algo terrível.
Estou com fome, com sede, meu estômago está uma
bagunça e meu corpo está dolorido por inteiro. Estar na mesma
posição por horas seguidas é horrível o bastante, uma cadeira de
ferro horrível, dura... Diógenes está pessoalmente cuidando de mim,
sentado em uma outra cadeira, com os abraços apoiados em uma
mesa e me encarando o tempo todo. Estamos sustentando o olhar
um do outro, e eu não recuo nessa guerra silenciosa. Eu sou capaz
de escutar o som dos meus batimentos cardíacos, não há um único
ruído e isso é um tanto quanto aterrorizante.
Sou prisioneira desse monstro e não faço ideia de quanto
tempo isso durará. Nas poucas vezes que ele desvia o olhar, eu
aproveito para tentar retirar a corda que está mantendo meus pulsos
presos atrás da cadeira. O aperto não está forte e sinto que com
muita concentração serei capaz de soltar. Em minha mente começo
a travar um plano, caso eu consiga me livrar, mas o plano não é
bom de qualquer forma. Eu nunca me imaginei agredindo alguém ou
até mesmo matando. Não faz meu perfil. Talvez nem mesmo
naquele banheiro eu teria conseguido atirar em Diógenes; ao menos
não para matar.
O infeliz fica de pé e começa a caminhar em minha direção.
Isso deveria me dar medo, mas, ao invés disso, sinto repulsa, um
nojo capaz de me fazer vomitar.
Ele retira o pano horrível que está me mantendo amordaçada
e eu percebo ainda mais a secura em minha boca.
— Você é tão sem graça — ele diz. — Está com sede?
— Sim.
— Fome?
— Sim.
— Talvez eu possa pedir algo.
— Tipo uma prisão de luxo — debocho. — Tratamento
diferenciado.
— Pode não parecer, mas eu não me sinto confortável tendo
que tomar atitudes extremas — argumenta. — Infelizmente na vida
muitas vezes os justos pagam pelos pecadores.
— Eu sei o que Dandara fez com você, Lucca me contou. Sei
que deve ter sido doloroso, mas... matar uma criança por conta
disso não é justo. Acho que você deveria superar o ocorrido e seguir
sua vida. Há tantas mulheres no mundo, por que vai destruir sua
vida por conta de um erro do passado?
— Você sabe o que é dar tudo de si para uma mulher e ser
cruelmente enganado? Sabe o que é a mulher chegar diante de ti e
dizer na maior cara de pau que está grávida de um filho seu e você
saber que essa possibilidade é impossível? Eu provavelmente teria
a perdoado se ela me contasse a verdade, eu poderia até mesmo
ter assumido a criança... porque eu era um tolo apaixonado por
aquela mulher — ele fala com muito ressentimento, e eu
compreendo que deve ter sido difícil, mesmo assim não justifica ele
querer matar Samuel ou Dandara. — Ela me usou para crescer por
conta de uma obsessão insana, uma fome doentia pelo poder. Ela
mentiu para mim desde o início.
— Eu realmente compreendo você, Diógenes. Mas é algo a
ser superado, uma vingança vai destruir sua própria vida, todas as
possibilidades que ainda existem. O garoto não tem culpa pelos
erros do passado da mãe. Ninguém tem culpa. E Dandara... sei que
as atitudes dela não foram honráveis, mas acredito que só ela saiba
o que sentiu lidando com o preconceito descabível, só ela sabe a
dor que sentiu e em que a dor foi capaz de transformá-la. Cada um
lida com os acontecimentos de uma maneira diferente. A maneira
que ela escolheu foi sim errada, mas... — Ele me dá outro tapa na
cara que faz meu pescoço virar rapidamente para a esquerda.
Lágrimas queimam meus olhos, e eu luto para segurá-las.
— Você está defendendo a mulher que é a responsável por
você estar nessa situação e a responsável por um monte de
pessoas estarem correndo riscos nesse minuto — esbraveja. —
Você é estúpida.
— Só estou tentando te mostrar que não vale a pena. Que
essa situação não tem nem mesmo a perspectiva de ter um final
feliz. Acho que a vida já castigou Dandara o bastante. Você deveria
apenas deixá-la em paz, deixar Samuel em paz. O que uma criança
de dois anos fez de mal a você? Nada. Ele é só um bebê.
— Pare de falar ou vou me arrepender de ser bonzinho! —
ameaça, e se vira pegando seu celular e digitando incansavelmente.
Suspiro frustrada, cansada, com dores até os ossos. Fecho meus
olhos e faço uma oração silenciosa enquanto tento me desvencilhar
das cordas. Quando termino, passo a observar melhor o local e
todas as possibilidades que ele oferece. Há uma arma sobre a mesa
onde Diógenes estava, e outra arma em sua cintura. Não há objetos
cortantes. Nesse porão há apenas uma janela de vidro, pequena.
Talvez eu consiga passar por ela, ou talvez minha bunda fique
agarrada.
Isso parece algum tipo de cena de filme, na verdade de livro,
com menos ação do que teria em um filme. Ser refém em um
porão... isso é algo que nunca imaginei viver. Meus pais devem
estar desesperados e eu espero que Lucca tenha entrado em
contato com eles para poder avisá-los de que as coisas deram
errado.
A única coisa que me faz chorar é lembrar de Henrico. Eu só
queria meu filho, queria dormir grudada nele e não soltá-lo nunca
mais. Tenho tanto medo de que coisas ruins aconteçam a ele. Meu
garotinho não tem culpa alguma de nada, ele é apenas um anjo,
perfeito de todas as maneiras possíveis, é metade de mim e dono
de todo o meu coração. Eu suportaria perder muitas coisas, mas
jamais suportaria se qualquer coisa ruim o afetasse.
Eu sinto um aperto tão forte no meu coração, ao mesmo
tempo em que me sinto fraca, incapaz. A onda de tristeza nubla
minha força, mas eu luto para conseguir me manter firme. Odeio me
sentir indefesa. Vou remexendo a corda em meus pulsos, agora com
mais força já que o monstro está distraído. Calculo em minha mente
a maneira como terei que ser exatamente precisa se quiser sair
dessa sem danos.
Quando ele volta a olhar para mim, detenho meus
movimentos.
— Você é durona, não mesmo? Estou extremamente
decepcionado. Amaria te ver chorando, relutando em desespero —
diz rindo. — É, parece que ninguém virá em defesa da linda
donzela. Acho que você não é tão importante para o seu namorado.
Dandara deve ter jogado sua magia sobre ele, aquela mulher é
poderosa, capaz de dobrar todos os homens e colocá-los sob seus
pés. Ela arquiteta e engana pessoas muito bem. — Ele solta uma
risada aguda que faz meu sangue ferver de ódio, é então que
consigo me desfazer da corda e sorrio internamente, mesmo
temendo pelo que estou indo fazer.
Diógenes se vira para voltar à mesa e eu sou rápida ao ficar
de pé, pegar a cadeira e dar um forte golpe que o faz cair
desacordado. Levo minhas mãos à boca, chocada com meu feito.
Eu espero de verdade não o ter matado, na verdade, estou rezando
para isso não ter acontecido. Não quero viver carregando o peso de
uma morte em minhas costas.
Preciso agir rápido, por isso caminho até ele, pego a arma
em sua cintura, os celulares meu e dele, e a arma que está sobre a
mesa. Uma das armas escondo em minhas costas, presa pela calça
jeans e a outra coloco no meu bolso da frente.
Sei que o filho da mãe pediu algo pelo telefone e que alguém
está vindo trazer. Tento puxá-lo, escondê-lo, porém o peso dele é
muito mais do que sou capaz de aguentar. Pego a cadeira, me
escondo próximo à porta e me preparo para golpear quem quer que
esteja vindo até nós. Demora um pouco até que um homem surja, e
ele não dura dez segundos antes que eu dê uma cadeirada nele,
fazendo-o cair também.
Me sinto em uma cena de Control Strike, caminhando
cuidadosamente, olhando para todos os lados em busca da próxima
vítima, porém, agora estou com uma arma de fogo em mãos e não
mais uma cadeira. Estou ignorando todas as dores e seguindo como
um assassino em série.
Dentro da casa parece não ter ninguém, mas, pela janela,
vejo pelo menos cinco homens armados do lado de fora, no jardim.
É preciso agir com inteligência, por isso começo a vasculhar os
cômodos, para encontrar um lugar onde eu possa ficar segura e
talvez conseguir fugir. Encontro um escritório no primeiro andar e
me tranco dentro dele, quase morro de susto quando alguém coloca
uma arma em minha cabeça. Tento fazer um golpe, mas paro
quando ouço a voz:
— Merda! Barbie!
— Como você está aqui? — pergunto, virando-me para
Dandara.
— Eu quem deveria perguntar isso.
— Eu desmaiei Diógenes e um capanga, mas eles podem
acordar a qualquer momento — digo. — Precisamos sair daqui.
— Você não o matou? — pergunta em tom discriminatório.
— Não sou uma assassina. Eu tenho certeza de que estaria
desmaiada se tivesse matado alguém.
— Eu odeio você ainda mais — ela diz.
— Enfie seu ódio no cu, meritíssima. Eu quero sair desse
inferno, meu filho está correndo riscos e o meu primeiro assassinato
será se algo tiver acontecido com ele.
— Seu filho está bem, seguro, em BH com toda sua família.
— Isso tanto me tranquiliza quanto me deixa em choque.
— Como?
— Cale a boca, Barbie moda e magia, não é o momento para
questionamentos. Anda, precisamos matá-lo! — Essa mulher é
doida!
— Eu não vou matar ninguém, querida Dandara. Não mato
nem mesmo uma barata. Não sou fresca, porém, não sou
assassina. Se você quer matar alguém, vá em frente, não sou
obrigada a acompanhá-la, principalmente porque você não gosta de
mim. Isso aqui, meritíssima, não é uma cena de As Panteras
Detonando. Não sou a Dylan, você não é a Madison.
— Deus! Cale a boca! — Eu me calo e vou dar um jeito de
sair daqui. A deixo próxima à porta e vou até as janelas, buscar uma
maneira de escapar. Não vou esperar que Diógenes acorde ou que
qualquer um dos capangas deem conta de algo saiu dos trilhos.
Um dos celulares vibra em meu bolso. É o do Diógenes e há
uma mensagem de um dos seguranças perguntando pelo
segurança que foi levar comida até nós. Me acomodo na cama e
respondo:
— Solicitei que ele ficasse aqui para eu poder dormir um
pouco. Podem se dispersar. Parece que o plano falhou. — Digito
e Dandara se aproxima.
— Que merda você está fazendo?
— Resolvendo a merda que você me colocou. O segurança
mandou mensagem para o celular de Diógenes, estou respondendo
como se fosse ele.
— Você não é tão burra, Barbie.
— É engraçado, não é mesmo? Você se sentia inferior
quando sofria preconceitos, quando ouvia pessoas falando de você.
Por que diabos você faz o mesmo? Eu entendo o motivo de me
chamar de Barbie, isso também é uma espécie de preconceito,
meritíssima.
— Parece que Lucca te contou muito sobre mim.
— Eu e Lucca somos amigos, acima de todas as coisas —
informo. — Sinto muito pelo que passou em sua juventude, mas não
faça com os outros o que você odiava que faziam com você. —
Pisco um olho para ela e fico de pé. — A Barbie aqui está tentando
achar a melhor solução para nos livrar desse pesadelo. — Um som
de tiro me faz arregalar os olhos.
— Lucca! — Dandara diz desesperada, e outros sons
surgem.
— O que devemos fazer? — pergunto desesperada, e ela vai
até a janela.
— Vem — me chama, abrindo a janela e nós duas pulamos
para a parte de trás da casa. Parecemos duas criminosas, é
horrível. — Seja esperta, Paula. Se algo acontecer com você eu sou
uma mulher morta — diz baixinho.
— Se eu morrer ...
— Se você não morrer por eles, eu mesma te mato. Será que
incapaz de calar a boca?
— Estou nervosa — confesso, e outro disparo acontece. Não
sei como, mas Diógenes surge armado diante de nós.
— Olha quem chegou! — ele diz sorridente. — Eu não sei
qual das duas deve morrer primeiro. A puta chefe ou a putinha loira
que me deu uma cadeirada.
— Você deve morrer primeiro, certamente — Dandara diz
sorrindo, e eu estou gelada, com a arma apontada para ele. Eu sinto
que ele vai matá-la, porque ele está mirando a arma na direção
dela. Não sei se sou capaz de permitir... não sei o que fazer Deus!
Não sou uma assassina!
— Por tudo que me fez passar, Dandara. Eu vou matar você
e vou matar seu filho em seguida — ameaça, e assim que ele
destrava a arma eu atiro em seu braço. Diógenes cai de joelhos no
chão e grita de dor. Eu sinto minhas pernas ficando bambas.
— Fuja, Paula... — ela grita quando um outro homem surge.
Não posso deixá-la merda... não posso. Quando dou por mim, estou
dando o segundo tiro e o terceiro... Ela me puxa e saímos correndo.
— Odeio você... heroína desgraçada.
— É recíproco — grito de volta para ela. — Você é incapaz
de agradecer?
— Você roubou Lucca de mim.
— Você o deixou. Não roubei ninguém de você, idiota! — Eu
vou matar... Deus me dê forças.
— Era para sermos uma família.
— Então por que foi embora? — questiono, enquanto
corremos.
— Você não sabe de nada.
— Então pare de falar merda e me acusar de coisas que não
fiz. Eu não tenho culpa se você o deixou, não tenho culpa se não
são uma família.
— Você não faria qualquer coisa para proteger seu filho? —
pergunta.
— Faria, principalmente contar com a ajuda do homem que
amo. Dois lutando é melhor que apenas um, prova disso é o que
acabou de acontecer conosco. Se você estivesse sozinha estaria
morta. — Ela para de correr e se vira de frente para mim. Nós
vamos nos matar, isso é certeza.
— Fácil falar, não é mesmo? Mulher maravilha!
— Fácil fugir, não é mesmo? Mulher de aço! Fugir é para os
fracos, meritíssima. Os fortes encaram os problemas de frente.
— Vocês estão indo brigar? — Ouço a voz de Victor.
— Não fale o que você não sabe! — Dandara me ameaça.
— Então encare as consequências dos seus atos sem se
revoltar com quem nunca fez nada contra você. Eu entendo que
goste de Lucca, mas foi você quem colocou o ponto final quando o
deixou. Não vou me sentir mal porque vocês não estão juntos,
porque não vão criar o filho sob o mesmo teto. Tampouco vou abrir
mão dele, não sou burra! Não destruí família alguma, porque eu
jamais seria capaz. Eu o amo e se tiver que lutar com você eu vou,
meritíssima! — Ela avança sobre mim, e eu deixo a arma cair para
avançar sobre ela. Ela agarra meus cabelos, eu agarro os dela. O
único problema é que estou fraca e não estou podendo dar o meu
melhor, por isso estou saindo perdendo nessa luta. Por sorte
Humberto a tira de cima de mim.
— Eu odeio você!
— É recíproco! — grito, enquanto Victor me ajuda a ficar de
pé. Há um festival de policiais espalhados pela casa e um Lucca
desesperado surge. Um soluço escapa de mim assim que o vejo e
assim que seus braços sustentam meu corpo.
— Diabinha... — Ele chora. — Me deixe ver você, meu amor.
Está tudo bem? Aquele desgraçado tocou em você?
— Bebê Lucca, estou viva — digo, agarrada a ele. — Eu tive
medo de algo acontecer e não ter dito que eu...
— Ela salvou a minha vida, Lucca. Satisfeito? Ela atirou em
dois homens para me salvar — Dandara diz chorando, cortando as
minhas palavras. — Ela é a super heroína da história. A super
heroína que salvou a vilã!
— Pare com isso — peço, me afastando de Lucca. — Por
favor. Estamos esgotadas. Não existem heroínas, nós duas nos
salvamos. Está tudo bem agora, isso é tudo que importa.
— Não fui eu quem a salvei, Lucca — Dandara diz a ele, e
cai de joelhos ao chão, chorando. — Ela é melhor que eu... e eu o
perdi. — Minhas lágrimas disparam ainda mais, sentindo a dor
dessa mulher.
— Ela precisa de você — digo a Lucca.
— O quê?
— Ela apenas precisa de você.
Eu também preciso....
— Não — digo a Paula. — Não vou deixá-la. Você precisa de
mim também e eu preciso de você, há mais pessoas ali por ela,
Paula. — Minha Diabinha está abatida, destruída, e eu não vou
deixá-la. Passei por horas de terror, desesperado por medo de
qualquer coisa ruim acontecer com ela. Não sou nem capaz de
soltá-la agora, quem dirá me afastar. Por sorte, Humberto e Victor
pegam Dandara no chão e a levam para fora.
Desde que descobrimos sobre Paula, fiquei com Dandara o
tempo todo, principalmente porque ela saiu de casa como uma
louca. Foi como uma cena de filme ter que perseguir minha ex e
fazê-la parar ainda no condomínio. Depois disso fretamos um voo e
quando chegamos no Rio já havia policiais preparados para nos
ajudar. Dandara é mesmo influente, com uma ligação ela conseguiu
organizar uma operação, mas há coisas mal explicadas nessa
história. Ela poderia ter usado a influência no passado e eu quero
entender sobre isso em algum momento. Além disso, ela conseguiu
fugir e chegou aqui antes.
— Eu nunca vi alguém tão desestruturada na vida antes —
Paula diz chorando. — Ela precisa de ajuda. Só está perdida, sem
conseguir lidar com todas as coisas, todos os riscos, lidar com o fato
de que o perdeu. Ela precisa de ajuda psicológica, Lucca e precisa
de pessoas a apoiando. Ela é mãe do seu filho e precisa do seu
apoio.
— Eu compreendo isso, e vou ajudá-la. Mas, Paula, deixe de
pensar nos outros agora e pense em si mesma. Você acabou de
passar por algo pesado, precisa de cuidados.
— Eu quero meu filho. — Ela chora me abraçando
novamente. — Achei... achei que ele sofreria consequências...
— Seus pais, ele e até mesmo o Pablo que nasceu pelo cu
estão em BH, na chácara da minha família. Estão bem, em
segurança. Não vamos poder ir para lá agora, você precisa de
cuidados e precisará depor.
— O que vai acontecer com Diógenes? Eu dei um tiro nele.
Foi horrível. Dandara estava tão fragilizada, Lucca. Ela tinha uma
arma apontada para ele e não conseguiu atirar. Ele iria matá-la e ela
não reagia, eu precisei reagir por ela, ou nós duas... — Estou
preocupado com Dandara. Ela tinha a ideia fixa de matar Diógenes
e não conseguiu reagir.
— Vamos deixar isso para depois? Você precisa ser
examinada, comer, tirar essas roupas, tomar um banho relaxante. —
Ela balança a cabeça positivamente, e eu a levo até uma das
ambulâncias que estão paradas na frente da casa. Dandara está em
uma delas, por isso, enquanto Paula é examinada, eu vou até ela.
— Eles deram um calmante a ela — Humberto explica. — Ela
está muito abalada, parece inacreditável vê-la assim. Paula te disse
algo?
— Apenas que Dandara estava com uma arma apontada
para Diógenes e não conseguiu atirar, não conseguiu reagir. Vou
deixar as duas descansarem disso, e depois terei uma conversa
com cada uma. Elas terão que depor, mas isso é impossível agora.
— Victor já disse ao delegado. Vá descansar com Paula,
cara. Eu e Victor cuidaremos da Dandara — o agradeço e volto para
Paula. Com a claridade dentro da ambulância consigo ver uma
marca vermelha do lado direito de seu rosto, que agora está uma
mistura de palidez com vermelho. A vejo conversando com uma
médica, insistindo para ir embora. Depois de muita insistência ela é
liberada e eu peço o motorista que me trouxe até aqui para nos
levar ao meu apartamento.
— Eu deixei minha bolsa... pode pedir a Victor para pegá-la?
— pede, e envio uma mensagem para Victor solicitando.
Quando chegamos em meu apartamento, a primeira coisa
que Paula pede é algo de comer. Ela bebe tanta água, sinônimo da
sede que passou por horas.
— Só há congelados. Lasanha, meu amor, pode ser? Se
quiser eu posso tentar conseguir algo, o problema é que ainda são
seis da manhã — argumento.
— Eu amaria uma lasanha congelada — responde, dando um
sorriso fraco e eu odeio essa tristeza em seu rosto.
Coloco a lasanha no micro-ondas e me sento de frente para
ela na mesa de jantar.
— Quer me contar como foi?
— Sim — ela diz, segurando minha mão por cima da mesa.
— Fiquei horas perdidas amordaçada e presa num porão. — Olho
para os pulsos dela e há enormes vergões causados pela corda. —
Diógenes ficou sentado de frente para mim, a uma certa distância.
Ficamos apenas nós dois lá e foi ele quem me amarrou, por sorte.
Desde que ele me prendeu eu percebi que com um esforço maior
talvez eu conseguiria me livrar da corda e assim foi. Fiquei
esperando que ele se distraísse e a todo momento eu tentava um
pouco — explica. — Eu tive que ser de uma frieza extrema, Lucca e
fui. Houve um momento em que ele quis me oferecer água e
comida, e ele disse algumas coisas sobre Dandara, cheio de
amargura. Disse que teria criado o filho dela se ela não tivesse
mentido para ele, disse uma série de fatores. Tentei argumentar com
ele, dizendo que Samuel não deveria pagar por isso, que a própria
vida ia cobrar os feitos da Dandara, tentei usar uma psicologia que
nem mesmo conheço. — Ela sorri um pouco. — Ele me deu alguns
golpes no rosto, revoltado pelo fato de eu estar tentando defender
Dandara. E, quando se virou de costas eu conseguir soltas minhas
mãos. Fui rápida pegando a cadeira e o golpeando, ele caiu
desmaiado no chão, foi horrível, mas precisei fazer isso com um dos
capangas dele também.
"Desarmei Diógenes, mas não lembrei de desarmar o
capanga maldito. Fugi por dentro da casa, me tranquei em um
quarto e Dandara estava lá. Discutimos, eu enviei mensagem para
os capangas como se fosse Diógenes, foi tipo As Panteras, mas não
éramos as panteras. — Franzo a testa.
— Panteras?
— É, As Panteras Detonando, do filme. — Sorrio. — Quando
pulamos pela janela, corremos um pouco e logo encontramos
Diógenes. Ele disse que mataria nós duas, tanto eu, quanto
Dandara estávamos com armas apontadas para ele, mas ele ia
matá-la primeiro, antes de vir até mim. Havia muita certeza e muito
ódio no olhar dele, e Dandara parece ter sofrido um apagão por
alguns segundos ou talvez ela quisesse morrer, Lucca. Há essas
duas opções conflitando em minha mente. Quando ele destravou a
arma, eu precisei atirar... — Caralho! — Eu dei um tiro no braço
dele, e outros dois capangas surgiram. Eu dei um tiro em cada um
deles, e aí Dandara reagiu, me puxando para corrermos. E aí...
— E aí?
— Nós brigamos — diz envergonhada.
— Brigaram?
— Rolamos no chão... eu me sinto envergonhada por isso,
mas porra... que mulher difícil! Passamos por um monte de merda e
ela gritando que eu tirei você dela. Eu joguei algumas coisas na cara
dela no calor do momento. Não me orgulho, Lucca. Não sou mulher
de rolar no chão com outra, principalmente por conta de um homem,
mesmo que eu o ame. Mas a adrenalina estava demais. Antes de eu
conseguir me soltar da cadeira, sentia que estava prestes a
desmaiar. Depois, quando me soltei, parece que uma fera tomou
conta de mim. A adrenalina foi no alto e... dei tiros em três homens,
briguei com Dandara. Surtei, eu acho.
— Você apenas se defendeu e defendeu Dandara. Se uma
das duas não tivesse tomado partido, as duas estariam mortas
provavelmente. Então, você não surtou, você se defendeu, salvou a
pele de vocês.
— Lucca, a possibilidade de Dandara querer morrer está me
assombrando. Não acho que ela teria coragem de se matar, mas ela
teria coragem de ficar na mira de uma arma e pedir para apertarem
o gatilho. Ela está sofrendo muito com tudo isso. Você consegue
enxergar? — Suspiro.
— Consigo, Paula. Mas, o que posso fazer? Estou tentando
ter um bom relacionamento com ela e já solicitei um
acompanhamento psicológico, porque sei que ela precisa muito, até
eu estou precisando. Porém, a única coisa que posso oferecer a ela
é a minha amizade, a minha dedicação para ajudá-la. Eu não sinto
nada por Dandara mais, foram dois anos sem nem mesmo vê-la.
Sentia mágoa, mas estou tentando reverter isso. Estou tentando
voltar a sentir carinho, retomar a admiração, porque ela é uma
mulher incrível. Eu sei que ela é incrível, mas não a amo — explico.
— Eu não sou louca de estar falando num sentido de um
envolvimento emocional, senhor Lucca. — Sorrio agora, porque ela
até mesmo levantou o tom de voz. — Eu disse no sentido de
precisar de ajuda apenas.
— Oh, bom! Pensei que estivesse me empurrando, me
convencendo a dar uma terceira ou quarta chance para Dandara.
— Nem fodendo! — exclama, e eu vou buscar a lasanha,
juntamente com uma latinha de refrigerante. Fico observando-a
comer e sinto um enorme alívio por todos terem saído ilesos desse
inferno. Acho que nunca tive tanto medo. Medo por acontecer algo
com Dandara e nosso filho ficar sem a mãe, medo de acontecer
algo com Paula e eu perdê-la, medo de Henrico perder a mãe, medo
de tudo. Não desejo para ninguém viver isso.
Sei que Victor já entrou em contato com nossa família toda e
com a família de Paula, mas, mesmo assim, me pego enviando
mensagens para eles, dizendo que estamos bem.
Quando Paula termina de comer, colocamos a louça na pia e
vamos tomar banho. Primeiro escovamos os dentes, em seguida
começo a preparar um banho relaxante para nós dois. Enquanto
coloco a banheira para encher, ela se despe e prende os cabelos
em coque engraçado. Acho que enquanto a marca vermelha não
sair do seu rosto, vou sentir dor todas às vezes que olhar.
A observo nua e quase perco a capacidade de respirar. Ela
sorri e se acomoda na banheira, faz um sinal para eu me juntar a ela
e retiro minhas roupas. Me acomodo na banheira e minha diabinha
me abraça forte, deitando sua cabeça em meu ombro; parece
exausta física e psicologicamente.
— Você é tão bonito, bebê Lucca — sussurra.
— Você é tão linda, Paula. Por dentro e por fora. Sua beleza
interior é tão grande, que deixa a exterior ainda mais reluzente. —
Ela sorri.
— Tive medo de que algo ruim acontecesse. Medo por não
ter te falado antes.
— Falado o quê? — pergunto.
— Que eu te amo — diz, levantando a cabeça e olhando em
meus olhos. — Eu te amo. — A beijo de surpresa e ela ri com os
lábios grudados aos meus.
— Você é motivo — digo sorrindo. — Não sei a quanto tempo
te digo isso, mas, desde a primeira vez sempre foi um "eu te amo"
disfarçado.
— Você é o motivo então... — ela diz sorrindo.
— Somos o motivo um do outro — concordo, passando as
mãos em seu rosto. — Quero me casar com você. Dessa vez para
valer. — Ela abre a boca em choque e eu acho que também estou
em choque agora. Quero me casar com essa mulher. Ela é o
motivo!
Não sei mais onde colocar todas as flores que Lucca está me
mandando. Já recebi mais de 15 buquês e daqui a pouco terei que
sair do meu escritório para caber tudo. Tudo isso porque estou
magoada e não liguei para ele ontem a noite quando cheguei em
casa. Na verdade, eu estava tão exausta psicologicamente, que voei
nos braços do meu irmão e dormi agarrada a ele como pedra.
Há muito acontecendo em um curto intervalo de tempo. Volta
da Dandara, sequestro, pedido de casamento, Pablo resolveu ser
mesmo um cara que nasceu pelo cu, preciso colocar Henrico em
uma escolinha e estou me cagando. Mesmo com a ajuda dos meus
pais, me sinto meio perdida, e como se estivesse depositando sobre
eles uma carga que é minha. Me tornei pai e mãe do meu filho e
tenho medo do futuro, quando Henrico questionar sobre o pai.
Tenho medo de que ele cresça traumatizado, medo de não dar
conta sozinha, é muita responsabilidade e a vida voando na
pressão, tudo rápido demais. Em alguns momentos sinto vontade de
fugir e ficar num local isolado por pelo menos cinco dias, sozinha.
Não sei como dar conta de conciliar trabalho, filho, noivo, todas as
atividades do meu filho, adaptação... Acho que atingi o meu limite de
forma que pequenas coisas estão ganhando uma proporção
gigantesca dentro de mim. Não sou a mulher maravilha, embora eu
esteja tentando dar conta de tudo. Para completar, tenho que lidar
com Dandara. Sei que ela está perdida, que é sozinha, que precisa
do apoio de Lucca, mas PORRA! EU SURTEI VENDO-A
AGARRADA A ELE! Eu, que nunca quis matar ninguém, quis matá-
la e nem é para tanto. Confio em Lucca, merda!
Estou magoada, mas não sei o que falei que fez Lucca
acreditar que estou magoada num nível extremo. As flores apenas
não param de chegar e todas elas com bilhetinho pedindo
desculpas. Esse homem é louco!
Quando dá meu horário de ir almoçar é que o nível de
loucura aumenta. Eu mal saio do edifício, e sou cercada por dois
homens: um com um violão e o outro responsável pela cantoria. Não
sei como não saio correndo, simplesmente começo a rir porque ele
se superou nessa. Misericórdia, eu vou matá-lo! O cara está
cantando Raça Negra e um monte de pessoas estão parando na rua
para olhar a vergonha que estou pagando no débito. Eu taco o foda-
se e começo a cantar o refrão junto. Só faltou uma garrafa de pinga,
aí a brincadeira ficaria perfeita. Até danço com o cantor que me
rodopia e me pega em seus braços enquanto dou gargalhadas.
Talvez eu seja louca.
O mel do seu beijo tem o gosto do amor
Me leva junto com você, me leva junto com você
Meu bem, eu te peço, não me deixe só
Me leva junto com você, me leva junto com você
Ninguém te pertenceu
Ninguém te ama como eu
Não deixe o sonho terminar
Meu coração é o seu lugar
Meu corpo é todo seu
O seu calor me aqueceu
Não deixe a chama se apagar
Meu coração é o seu lugar
Quando ele termina a música, eu peço mais uma.
— Cheia de manias para finalizar? — peço, e o moço ri.
— Ok, é a saideira! — informa, e começa a cantar. Quando
dou por mim, há geral cantando no meio da rua, incluindo eu.
Deus, eu vou matar o Lucca com força! Se antes eu estava
mal-humorada, agora estou no auge do contentamento.
Então me ajude a segurar
Essa barra que é gostar de você
Então me ajude a segurar
Essa barra que é gostar de você
Hiê!
Didididiê
Didididiê
Ê ê ê Didididiê
Uma chuva de pétalas de rosa começa e eu levo minha mão
à boca. Eu só queria entender como ele conseguiu fazer tudo isso.
É um grande exagero, mas não consigo parar de rir. No final do
"show" eles me entregam uma caixa com um cartão em cima e vão
embora. Agora sim eu fico com vergonha, e simplesmente saio
andando apressada até o restaurante onde almoço.
Me acomodo na mesa de sempre, peço um suco e abro a
caixa. Há pelo menos 30 testes de gravidez e eu me pego
impactada, até mesmo esfrego minha testa. Se eu digo para esse
homem que estou grávida, o que ele será capaz de fazer?
Tenho a péssima ideia de abrir o cartão enquanto tomo o
suco de canudinho. Assim que leio, eu me engasgo a ponto de a
garçonete vir esmurrar minhas costas.
“Aoooo Paula, Jacinta minha ansiedade! Te dei uma
chuva de pétalas de rosas, agora me dá uma chuva de xixi,
deixe os testes e o chão moiado! Pense com carinho, coração.
Bebê Lucca, o amor da sua vida, sim senhora!”
Ok. Quando me acalmo, peço a minha comida e uma música
começa a tocar no restaurante. Uma música que me faz começar a
rir sozinha, é uma sofrência sem fim. Pego meu celular e ligo para
Lucca, ele atende já se desculpando.
— Aooooo Paula, tô sofrendo demais nessa vida. Me
perdoa.
— Lucca, você está ficando louco? Tem ideia do que está
fazendo? — pergunto, tentando não rir.
— Não sei, porque você disse adeus!
— Eu não disse adeus, Lucca! — rebato.
Lucca...
Acho que devo estar ficando repetitiva de tanto elogiar esse
homem, mas como não fazer? Ele está aqui, cuidando de mim, após
ter controlado uma crise horrível do meu filho. Está aqui agindo
como pai de Henrico, como o meu marido, sem nem mesmo ser. Ou
talvez ele seja, talvez Deus tenha o enviado para ser tudo isso e um
pouco mais.
O meu filho o chamou de pai após ter dado uma crise real por
conta do verdadeiro pai. É algo que preciso assimilar e tentar
compreender. O que foi que levou Henrico a chamá-lo de papai? Há
tanto em minha mente, e é cansativo demais ficar pensando.
Preciso manter Pablo afastado de uma vez por todas, porque estou
ficando com medo por mim e por Henrico. Hoje em dia o que mais
vemos nos noticiários é agressões contra mulheres, ex-maridos, ex-
companheiros, loucos matando por nada, sem pensar nas
consequências. Há uma ordem de restrição, mas ele parece não
querer segui-la e isso me amedronta. Sei que ainda hoje preciso
fazer uma denúncia sobre isso, mas, a questão é que... se ele
tivesse conseguido entrar, será que eu estaria bem agora? Será que
Henrico estaria bem? O que teria acontecido?
Por mais cuidados que tenhamos, o pior sempre pode
acontecer inesperadamente, como ocorreu dele aparecer hoje.
Infelizmente estou achando melhor abandonar a minha carreira
neste momento e me manter segura, por Henrico e pelo bebê em
meu ventre. É algo que preciso conversar com Lucca, já que vamos
morar juntos. Eu preciso estar segura agora e preciso preservar
Henrico mais do que nunca.
Estou sentada na bancada do meu banheiro enquanto Lucca
prepara a banheira. Enquanto o observo, as lágrimas caem dos
meus olhos. Elas misturam dor e gratidão, e é impossível acreditar
que dois sentimentos tão diferentes podem fazer parte de mim
agora. A dor física é porque Henrico me machucou, e dói a minha
alma por vê-lo envolvido no mais completo desespero.
Minha cabeça e meu couro cabeludo estão doendo, meus
braços estão gritando de dor devido aos chutes e a toda força que
precisei fazer em alguns momentos para tentar conter a fúria do
meu pequeno. Lucca chegou praticamente no fim da crise. Há
objetos quebrados na sala, uma bagunça completa.
Henrico já teve muitas crises, mas nenhuma delas foi tão
fodida quanto essa. Por um momento eu quis apenas morrer,
apenas para não o ver tão desesperado. Ver meu filho tendo uma
crise tão horrível, fez com que eu me sentisse incapaz de ajudá-lo.
Naquele momento eu não sabia quem estava mais vulnerável, ele
ou eu, mas a minha vulnerabilidade pouco importava, precisei ser
forte, paciente, e deixei ele colocar para fora toda fúria. Tentar
impedi-lo apenas tornaria tudo muito pior. Henrico já teve convulsão,
já desmaiou, e eu juro que estava esperando por uma dessas duas
coisas quando Lucca chegou.
O que me faz crer que talvez ele seja um anjo, o meu anjo. O
homem que surge sempre nos momentos mais fodidos, desde o
primeiro dia... Quando serei capaz de agradecer? Eu só consigo
pensar em fazê-lo feliz, porque se existe alguém no mundo que
merece isso; esse alguém é ele.
Muitos teriam fugido, muitos achariam uma bagagem pesada
demais; uma bagagem que só diz respeito a mim, mas ele escolheu
permanecer desde o início. Desde Las Vegas deu indícios do
homem que era; prova disso foi ir até Los Angeles para conseguir
uma fantasia para uma criança que ele nem mesmo conhecia; o
meu filho. Um gentleman, um ser humano único, dono do coração
mais puro que já tive o prazer de conhecer. Lucca é aquele homem
que não importa o que você faça com ele, ele até pode ficar
magoado no início, mas, logo em seguida, vai guardar a mágoa no
bolso, vai te estender a mão e perdoar o que quer que tenha feito.
Lucca é aquele que vai te fazer rir até mesmo nos momentos
mais desesperadores. É aquele que parece uma criança, mas é
dono de uma maturidade surpreendente. Oscila entre um
adolescente maluco e um homem que desbanca qualquer outro.
— Pronto, Diabinha. Vem comigo — ele convida, me pegando
em seus braços.
Permito que ele retire todas as roupas do meu corpo e me
coloque dentro da banheira como uma garota de quatro anos. E
começo a chorar quando ele retira as próprias roupas, ficando
apenas de cueca, se senta do lado de fora banheira e começa a me
lavar cuidadosamente.
— Não faça isso não, por favor, meu amor. Você não sabe a
dimensão da dor que sinto quando te vejo chorar.
— Eu sei que não posso chorar, Lucca.
— Você pode sim, pode chorar em meus braços. Não tem
que ser forte o tempo inteiro, ninguém tem. Mas, me parte o coração
ver você chorar. — Eu toco em seu rosto perfeito, e me dói ver seus
olhos vermelhos porque ele chorou junto comigo, pegou a minha dor
e a dor de Henrico para ele.
— Ainda bem que você vive comigo, por que senão, como
seria essa vida?
— Sei lá, sei lá — ele responde, dando um sorriso. —
Aprendeu comigo, Diabinha?
— Essa música representa o que eu sinto.
— Eu gosto dessa música, nem só de sertanejo vive um
homem, Diabinha — diz sorrindo.
— Se há dores, tudo fica mais fácil, seu rosto silencia e faz
parar.
— Agora vocês serão meus para sempre, e eu não vou
permitir que qualquer coisa ruim aconteça a vocês. Não quero que
enfrente situações sozinha, principalmente estando grávida. Há um
bebê nosso aí, e você precisa viver uma gravidez tranquila. Temos
que proteger nossos pequenos, juntos, eu e você por eles. E, acho
que deveríamos marcar uma consulta apenas para saber se está
tudo realmente bem após o stress de hoje. Sou marinheiro de
primeira viagem, mesmo tendo Samuel, é a primeira vez que
acompanho uma gestação, tenho medo, Paula. Não quero perder
esse bebê.
— Não vai perder, não vamos. Esse bebê é bem forte, porque
é filho de duas pessoas bem fortes. Nada vai acontecer, eu tenho
certeza — falo, tentando tranquilizá-lo. — Embora eu tenha passado
por muito desespero minutos atrás, estou bem, não estou sentindo
nada que me faça ficar apreensiva em relação a gestação.
— Não me esconda se sentir qualquer coisa, ok?
— Não esconderei, bebê Lucca. Obrigada, meu amor.
Obrigada, obrigada e obrigada, Lucca! Eu amo você demais, e amo
esse bebê aqui com toda a minha vida. E não importa que ele nasça
com autismo, ele será perfeito como Henrico, e eu irei amá-lo como
amo meu pequeno.
— Nós seremos os melhores pais do mundo, Diabinha.
— Eu o mandei embora mais cedo porque cuidar das crises
de Henrico sozinha se tornou um costume — desabafo. — Eu nunca
tive um companheiro para segurar a minha mão ou a mão do meu
filho, e isso me fazia acreditar que era um fardo grande demais para
qualquer pessoa carregar por mim ou comigo. Me acostumei a agir
e a pensar dessa maneira. Porém, você sempre surge e enche de
luz os momentos mais sombrios, e eu sei que posso contar com
você, sei disso. Sei que com você ao meu lado eu sou capaz de
passar por tudo uma, duas três, quantas vezes forem necessárias.
— Que bom que você sabe disso, Diabinha.
— Por que vai ficar do lado de fora da banheira?
— Porque mesmo em momentos como esse, em meio ao
caos, eu sinto desejo por você e se eu entrar nessa banheira meu
pau vai sair correndo e entrar em lugares deliciosos e apertados. —
Isso me faz rir, porque estou imaginando o pau de Lucca correndo.
— Ouça, Henrico após as crises dorme muito?
— Sim. Ele ficou por um longo período sofrendo, então
esgotou toda energia. Não acho que ele vá acordar hoje, já é um
pouco tarde.
— Samuel está no meu apartamento com Victor. Não vamos
acordar Henrico para irmos para lá hoje, ele precisa se
recuperar. Eu vou buscar Samuel, tudo bem? Amanhã cedo
terminamos de arrumar tudo e iremos de vez para o meu
apartamento. Acho que Henrico vai ficar bem o encontrando pela
manhã. O que acha?
— Henrico ama Samuel e Sophie, é impressionante. De
todas as crianças, ele se apegou aos dois.
— Perfeito, então irei deixá-la por alguns minutos. Vou buscá-
lo, pegar algum lanche para nós, e logo estarei aqui — ele diz, me
dando um beijo na testa.
— Tudo bem — concordo. — Ei, não fique receoso. Eu amo
Samuel da mesma forma que você ama Henrico, embora ele tenha
uma mãe maravilhosa, eu serei uma boadrasta para ele.
— Eu sei que sim.
A GRANDE SACADA:
“— Consegui! Descobri! — Nicolas grita ao telefone o
bastante para eu afastar a merda do aparelho do ouvido. —
Búzios! Elas estão indo para Búzios!
— Joseph! É Búzios! — aviso.
— Eu não sei vocês, mas estou indo para lá. É mais fácil
o diabo surgir diante de mim que Dandara obter sucesso nessa
merda! — o garoto de açúcar avisa, e eu saio correndo.
Mal sabe ele que o diabo se chama Dandara, e que a
assessora dele se chama Paula.
Aooo Paula, Jacinta a treta chegando!
— Há duas opções: ou Maria Flor é sonsa ou ela quer
mesmo que eu descubra os planos dela. Eu voto na segunda
opção, porque de sonsa ela não tem absolutamente nada —
Joseph diz realmente sério olhando os últimos gastos do
cartão...”
Faz muitos anos desde que estive em uma boate. Quer dizer,
estive em uma com Nicolas, mas era de um estilo bastante diferente
dessa aqui. Aqui é tudo mais escuro, e a escuridão não é muito
bem-vinda agora.
— Não sei o que pensar. Você parecia triste essa tarde, fez
todo um esforço para uma despedida de solteira da Paula, esteve
em torno deles... eu não sei o que pensar. Preciso de um tempo.
— Sim.
— Sim, mamãe.
— Théo é bagunceiro.
— Théo é — concordo rindo. — Bom, filho, hoje vai haver um
casamento. Você nunca foi em um, não é mesmo?
— Uaaauuu!
— Eu vou mandar?
— Combinado, mamãe.
— Eu te amo e tenho muito orgulho do garoto incrível que é.
[1]
Big Shot, uma explosão de 49 metros de altura no topo do topo da torre,
proporcionando uma experiência de força G à medida que você desce de volta
para a barra de lançamento.
[2]
Você disse adeus quando eu disse olá!
[3]
Melhores amigas para sempre.
[4] O Canal da TURMA DA JOAQUINA exibe os shows, as aventuras e as novidades sobre a
essa lúdica Turminha. Nossa missão é produzir conteúdo que contribua para o exercício lúdico da
criançada e possibilite, também, a promoção de valores éticos centrada na convivência respeitosa
entre as diferenças. A TURMA DA JOAQUINA é formada por três cadelas vira-latas, um morcego, um
sapo e uma gatinha que perdeu uma patinha. A prioridade, são personagens
socialmente estigmatizados, mas que, uma vez unidos em nome da arte, evidenciam que seres
diferentes podem viver de forma pacífica e tornar a vida menos egoísta. A TURMA
DA JOAQUINA entende que as artes são importantes condutores para a construção de uma sociedade
mais humana e democrática, contribuindo, assim, para a consolidação de um mundo cada vez mais
justo.
[BB1]Dele quem? Matheus? Túlio? Lucca?