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OS COMPANHEIROS DE ULISSES

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O rei d’Ítaca, havia dez anos, “A taça empeçonhada
Rumo incerto nas ondas errava; Remédio encerra em si;
Chega um dia com os sócios à plaga, E a vossa cura, ó sócios,
Em que a filha de Apolo reinava. Eu vo-la trago aqui.

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Deu-lhes Circe um licor deleitoso, Quereis, meus bons amigos,
Que, de todo, os privou da razão; Voltar à espécie antiga?
Perdem d’homens a forma e o semblante, Falai, e o seu desejo
De animais tomam vulto e expressão; Cada um bem claro diga”.

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Ei-los – ursos, leões elefantes; Responde o rei das selvas,


Uns têm corpo de grande craveira; Supondo que rugia:
Há meões, há de marca pequena, “Perder garras e juba?
Por exemplo: a mesquinha toupeira. Tão tolo eu não seria!

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Mas o filho do grande Laerte Posso com estas presas


Suspitou do enganoso licor; A postas reduzir
E, aplicando as lições da prudência, A quantos temerários
Escapara do laço traidor. Me ousarem agredir.

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Com seu garbo de herói, nobre gesto, Rei sou – voltando a homem,
Sedução da melíflua palavra, Também volto a soldado!
Infundiu na princesa um veneno Pra ser simples vassalo,
Mais sutil, que nas veias lhe lavra. Não val’ mudar de estado”.

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Uma deusa diz tudo o que sente. Ulisses, surpreso, dirige-se ao urso:
Circe presa do herói se confessa: “Irmão, que figura! Que feio que estás!
E em tirar desse amor bom partido Tens pelos hirsutos, medonha dentuça,
O finório de Ulisses se apressa. E, no entanto, já foste bonito rapaz!”

7 15

Conseguiu que seus Gregos pudessem Regouga-lhe o bruto: “Não vês que sou urso?
À roubada figura volver; Eu tenho o feitio que Deus dar-me quis,
“Mas duvido – pondera-lhe a Deusa – Quem acha dos homens mais bela a figura?
Que hoje queiram à troca aceder. Quem é que da nossa te arvora em juiz?

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Ide, pois; perguntai a esses bichos Gentil ursazita, meu novo deriço,
Se desejam ser homens de novo”. Não tem tão mau gosto; prefere-me assim.
Vai Ulisses, sem perda de tempo, Oh! Deixa-me; vai-te, prossegue o teu rumo
Arengar deste modo a seu povo: Se – sob este aspecto – não gostas de mim.
17 Fazendo o papel de lobos,
Eu vivo contente, sou livre e não sinto Perdendo os foros de gente?
Tirar-me o sossego, pensão, nem cuidado;
Por isso respondo, bem firme e bem claro: 25
Rejeito a proposta; não mudo de estado”. Eu penso, por fim de contas,
Que, malvado por malvado,
18 Melhor é lobo, que gente.
Confuso, o príncipe grego, Não quero mudar de estado”.
Vai propor ao lobo a troca,
E os brios do antigo sócio 26
Com estas frases provoca: À igual proposta,
Que o rei formula,
19 Responde acorde
“Estou pasmo, é, camarada, Toda a matula.
Porque aos ecos pregoeiros
Conta uma linda pastora 27
Que lhe comeste os carneiros! Tornar-se em homens,
Quem diz? Não querem.
20 Ser sempre feras
Quem diria! Tu, que outrora, Todos preferem.
O rebanho lhe salvaras;
Tu, que foste exemplo e tipo 28

De qualidades tão raras! Matar a fome,


Seguir o instinto,
21 Vagar das selvas
Abandona estas florestas; No labirinto;
Volta aos teus; comigo vem!
Despe essa pele nojenta; 29

Volve a ser homem de bem!” Eis as delícias


D’estulta grei,
22 Surda a incentivos,
Uiva o lobo: “Ai, que vai torta! Rebelde à lei;
Já se viu maçada igual!
Quem és tu, que ousas tratar-me 30
De carniceiro animal? Julgam ser livres
Nas solidões,
23 Cevando, a soltas,
Quem deste modo me increpa Brutais paixões.
Pouparia as ovelhinhas?
Se eu homem fosse, as poupara, 31

Menos, que as feras daninhas? Curto bestunto


De bichos bravos
24 Dos próprios vícios
Por uma palavra, às vezes, São mais que escravos.
Não vos matais mutuamente,
Exercício:

1) Procure, com a ajuda de um dicionário, o significado das palavras em negrito e, caso


encontre mais de um significado, escolha o que melhor se adequa ao sentido do texto.
Anote os significados encontrados no caderno.
2) Leia atentamente o texto todo.
3) Copie no caderno as estrofes de 1 a 8.
4) Escreva um parágrafo contando com suas palavras o que aconteceu nas estrofes de 1
a 8.
5) Copie no caderno as estrofes de 9 a 13.
6) Escreva um parágrafo contando com suas palavras o que aconteceu nas estrofes de 9
a 13, especialmente o argumento do leão para recusar voltar a ser gente.
7) Copie no caderno as estrofes de 14 a 17.
8) Escreva um parágrafo contando com suas palavras o que aconteceu nas estrofes de 14
a 17, especialmente o argumento do urso para recusar voltar a ser gente.
9) Copie no caderno as estrofes de 18 a 25.
10) Escreva um parágrafo contando com suas palavras o que aconteceu nas estrofes de 18
a 25, especialmente o argumento do lobo para recusar voltar a ser gente.
11) Copie no caderno as estrofes de 26 a 31.
12) Escreva um parágrafo contando com suas palavras o que aconteceu nas estrofes de 26
a 31, deixando claro a conclusão do poema.
13) Responda:
a. Os três animais são imagens de três tipos de pecado. A quais pecados você
acha que estavam presos o leão, o urso e o lobo?
b. Qual é a moral da história?

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