Você está na página 1de 22

24/09/2018 O reerguimento da Rússia, os EUA/OTAN e a crise da Ucrânia: a Geopolítica da nova Ordem Mundial

Confins
Revue franco-brésilienne de géographie / Revista franco-brasilera de geografia

25 | 2015 :
Número 25

O reerguimento da Rússia, os
EUA/OTAN e a crise da Ucrânia: a
Geopolítica da nova Ordem
Mundial
Le retour de la Russie, les États-Unis / OTAN et la crise en Ukraine: géopolitique du Nouvel Ordre Mondial
The new uplifting of Russia, the US / NATO and the crisis in Ukraine: the Geopolitics of the New World Order

W M C

Resumos
Português Français English
Este texto examina aspectos importantes do cenário internacional deste início do século 21 do
ponto de vista da geopolítica, com destaque para o processo em curso de reerguimento da Rússia
como Grande Potência. A abordagem articula conhecimentos da geografia regional, geopolítica,
história e teoria das relações internacionais e procura concentrar-se na análise de aspectos
relevantes da trajetória russa, desde o período czarista, passando pelo socialismo no âmbito da
URSS, o declínio após 1991, o reerguimento a partir de 2000 e a atual política e estratégia de
poder regional e mundial, na qual são destacadas suas rivalidades com os EUA/OTAN e os
conflitos com a Ucrânia. Além da análise desse percurso, procura compreender o modo particular
de atuação das grandes potências em sua incessante luta para manter e ampliar parcelas do poder
mundial, especialmente nas duas últimas décadas. Enfatiza, ao mesmo tempo, o notável
renascimento da perspectiva geopolítica e da sua contribuição para desvendar a complexa trama
de relações da política internacional no contexto da atual transição de uma Ordem Mundial para
outra, aqui preliminarmente designada como tripolar.

Ce texte examine des aspects importants de la scène internationale en ce début de 21e siècle du
point de vue géopolitique, mettant en évidence le processus de retour de la Russie comme grande
puissance. L'approche combine la géographie régionale, la géopolitique, l'histoire et la théorie des
relations internationales et cherche à se concentrer sur l'analyse des aspects pertinents de
l'histoire russe, de la période tsariste, via le socialisme de l'URSS, la déclin d'après 1991, le retour
à partir de 2000 et la stratégie de pouvoir politique régional et mondial actuelle, qui sont mis en
évidence dans sa rivalité avec les États-Unis / OTAN et le conflit avec l'Ukraine. En plus de
l'analyse de ce parcours, il cherche à comprendre le mode d'action particulier des grandes
puissances dans leur lutte constante pour maintenir et agrandir des aspects de leur puissance
mondiale, surtout dans les deux dernières décennies. Il souligne dans le même temps la
renaissance remarquable du point de vue géopolitique et sa capacité à démêler le réseau

https://journals.openedition.org/confins/10551#text 1/22
24/09/2018 O reerguimento da Rússia, os EUA/OTAN e a crise da Ucrânia: a Geopolítica da nova Ordem Mundial
complexe des relations internationales de la politique dans le contexte de la transition actuelle
d'un ordre de monde à l'autre, préalablement désigné comme tripolaire.

This paper examines important aspects of the international scene in the early 21st century from a
geopolitical point of view, highlighting the process of return of Russia as a great power. The
approach combines regional geography, geopolitics, history and theory of international relations
and seeks to focus on the analysis of relevant aspects of Russian history, from the Tsarist period,
via the socialism of the USSR, the decline after 1991, the return from 2000 and the current
regional and global political power strategy, which is highlighted in its rivalry with the US /
NATO and the conflict with Ukraine. In addition to the analysis of this journey, it seeks to
understand the particular mode of action of the great powers in their constant struggle to
maintain and extend aspects of their world power, especially in the last two decades. He points at
the same time to the remarkable revival of ther geopolitical point of view and its ability to
untangle the complex web of international relations policy in the context of the current transition
from one world order to another, previously designated as tripolar.

Entradas no índice
Index de mots-clés : géopolitique, politique internationale, grande puissance, retour de la
Russie, crise de l'Ukraine, nouvel ordre mondial, conflits et guerres
Index by keywords : geopolitics, international politics, great power, Russia's new uplifting,
Ukraine crisis, new world order, Conflicts and War
Índice geográfico : Rússia, Ucrânia
Índice de palavras-chaves : geopolítica, política internacional, grande potência, reerguimento
da Rússia, crise da Ucrânia, nova ordem mundial, guerras e conflitos

Texto integral

Visualizar a imagem
Créditos : http://voyage.gentside.com
1 O renascimento da geopolítica clássica como inspiradora de estratégias nacionais,
rivalidades e conflitos envolvendo, sobretudo, as grandes potências com impactos em
praticamente todas as regiões e povos do mundo é um dos aspectos destacáveis da
transição em curso em direção a uma nova ordem nas relações internacionais.
2 A restauração da Rússia como grande potência com projeção regional e mundial e os
rumos dominantes da sua estratégia de poder e de influência na política internacional,
como o formidável reaparelhamento das forças armadas, a recente reaproximação com
a China, a calculada movimentação que visa contrastar a hegemonia dos EUA/OTAN e
a ousada e ostensiva intervenção política e militar na atual crise da Ucrânia, são
processos e eventos emblemáticos das aceleradas mudanças do mundo deste início do
século 21 e que nos inspiram a examiná-los pondo em relevo as concepções da antiga e
sempre renovada geopolítica.
3 Neles se expressam elementos e padrões de comportamento característicos das
antigas, emergentes ou restauradas grandes potências quando protagonistas de
disputas em torno dos seus valores e interesses nacionais assentados nos seus
respectivos territórios e áreas de domínio, controle ou influência. Expressam, ao
mesmo tempo, a complexidade das eras de transição de uma ordem mundial para outra
e neste caso da bipolaridade para a multipolaridade ou polaridades ainda indefinidas.
Trata-se de eventos envolvendo fricções, tensões, crises e conflitos impulsionados pela
competição de largo espectro por hegemonia e pelos movimentos por afirmação
política, emancipação, autonomia e soberania de estados, nações, nacionalidades e

https://journals.openedition.org/confins/10551#text 2/22
24/09/2018 O reerguimento da Rússia, os EUA/OTAN e a crise da Ucrânia: a Geopolítica da nova Ordem Mundial

comunidades políticas em países, territórios, fronteiras, regiões e províncias, que têm se


desenvolvido em praticamente todas as escalas e fímbrias do espaço político mundial.
4 Na crise da Ucrânia, regional stricto sensu, mas de alcance global pela força com que
projeta externamente seus impactos, veio à superfície o modo particular de conceber e
por no terreno a política internacional que vigorou durante séculos e que teve seu
apogeu no período de predomínio dos impérios (a Era dos Impérios de Hobsbawm),
em que os antagonismos e as guerras expressaram a face violenta da luta pelo poder.
Ademais, embates políticos e confrontos militares em que territórios e regiões são
objeto e fonte do poder dos estados e ocupam, portanto, o centro das estratégias
nacionais dos antagonistas.
5 Em outros termos, e ainda que isso desperte sentimentos de perplexidade (e mesmo
de repúdio) em parte da comunidade dos estudiosos e da opinião pública internacional,
a crise em tela expõe a retomada do secular caminho trilhado pelas grandes potências
para manter ou aumentar suas reservas de poder, pondo em movimento a diplomacia e
a máquina de guerra para fazer valer seus interesses nacionais nas disputas de todas as
escalas, isto é, nas suas relações de vizinhança e alhures tendo como objetivos o
domínio, o controle ou a influência e, no limite, a conquista e a anexação de territórios.
6 Na transição em curso para uma nova Ordem Mundial a emergência de novos polos
de poder e o notável engajamento da comunidade internacional em torno da paz e a
cooperação tem moldado um ambiente internacional que favorece o otimismo dos
liberais e construtivistas da teoria das relações internacionais do início dos anos 1990 -
ou do imediato Pós-Guerra Fria -, como Francis Fukuyama e James Rosenau1. Daí o
crescimento da condenação e do repúdio à modalidade de política fundada na pura
disputa pelo poder que caracterizou período remoto da história e que estaria segundo
eles em declínio e em vias de ser superado por novos valores e meios de resolução de
conflitos. Tratar-se-ia, portanto, de esforço coletivo na construção de arranjos
institucionais e de mecanismos que assegurassem o relacionamento entre os Estados
pautado pelo multilateralismo e por um conjunto previamente acordado de normas
consuetudinárias e, cada vez mais, formalmente jurídicas, inscritas no Direito
Internacional.
7 No contra fluxo dessa corrente em prol da paz e a cooperação, entretanto, os eventos
de setembro de 2001 e especialmente aqueles desta segunda década do século 21, com a
ampliação e o agravamento dos conflitos em todas as escalas são um claro sintoma da
tendência geral de deterioração do ambiente político internacional, que tem sido
marcado cada vez mais pela incerteza, a insegurança e os riscos globais. A rigor, os
antecedentes dessa deterioração encontram-se no imediato pós Guerra Fria com a
invasão do Iraque pela coalizão militar organizada sob os auspícios da ONU e liderada
pelos EUA. Seguiram-se diversos eventos como a crise dos Bálcãs no contexto do
desmantelamento da Iugoslávia com enfrentamentos armados entre grupos nacionais
da Sérvia, Croácia, Bósnia-Herzegovina e Kosovo e a posterior intervenção militar dos
EUA/OTAN, além dos diversos conflitos no Chifre da África e na África subsaariana,
incluindo práticas de genocídio como os de Ruanda e Burundi. Também os primeiros
sinais do profundo antagonismo envolvendo as potências ocidentais (e especialmente
os EUA) e o movimento islâmico radical com seus inúmeros episódios de violência, tais
como os atentados terroristas ao World Trade Center em Nova York (1993) e às
embaixadas norte-americanas do Quênia e do Iêmen (1998).
8 Ocorre, contudo, que nos processos de transição de um período histórico para outro,
o novo tende a manifestar-se enredado ao velho, isto é, as típicas modalidades de
conflitos e violência da ordem global, como os atentados terroristas e a atuação das
milícias (a guerra irracional de que fala John Keegan) têm convivido ou
compartilhado a arena da política e da guerra com os eventos característicos da antiga
ordem e os seus clássicos antagonismos e rivalidades entre Estados-Nações e,
particularmente, as Grandes Potências em suas disputas por influência e poder
travadas nas escalas dos países, das regiões e do mundo.
9 Daí porque as crises da Geórgia, em 2008, e em especial esta em curso da Ucrânia,
nas quais estão diretamente envolvidos os EUA, a OTAN e a Rússia nos remete ao
universo da velha geopolítica do início do século 20 e às concepções de Halford
Mackinder – o mais importante dos pais fundadores da geopolítica - com a sua
https://journals.openedition.org/confins/10551#text 3/22
24/09/2018 O reerguimento da Rússia, os EUA/OTAN e a crise da Ucrânia: a Geopolítica da nova Ordem Mundial

formidável ideia-síntese de que o espaço político (mais propriamente o espaço


geopolítico) mundial é imensa arena em que grandes e médias potências se fortalecem e
se contrastam em termos de poder político e militar, agrupam-se e reagrupam-se em
alianças de todo tipo e, não raro, confrontam-se continuamente para disputar o poder
mundial.
10 Em suma, a predominância de concepção e estratégia que tem raízes na geografia,
isto é, nos territórios e suas fronteiras, regiões e lugares e, principalmente, suas
populações, infraestruturas, redes de circulação, recursos naturais e outras
virtualidades do tipo que integram e podem contribuir para fortalecer o poder do
Estado expresso no âmbito interno e na sua projeção externa2.
11 Tudo indica, portanto, que a particularidade histórica do atual quadro político
mundial é o choque e, por vezes, o amálgama entre essas duas tendências dominantes
que atuam ora nas bordas, ora no centro da espessa trama na qual se movimenta a
política entre as nações e demais atores da cena internacional. De um lado, a
abrangente globalização que vai muito além da economia e que se desenvolve junto (ou
imbricado) à tendência de descentralização do poder político - um sistema cada vez
mais policêntrico – e ao revigoramento do direito internacional e das instituições
multilaterais em prol da solução pacífica para os conflitos.
12 De outro, e esta é a perspectiva aqui enfatizada desde o início, a recorrência de um
padrão clássico e bastante familiar aos geopolíticos e realistas da Teoria das Relações
Internacionais que têm se mantido firmes na concepção geral de que a política
internacional move-se essencialmente pela atuação dos estados nacionais e, sobretudo,
das grandes potências, na defesa dos seus interesses e no aumento das suas reservas de
poder, um padrão geral que explicita um sistema político em permanente busca pelo
equilíbrio de poder3.

Em direção à Ordem Mundial Tripolar


13 É nesse quadro de jogo de espelhos entre o velho e o novo que se inscreve o processo
em curso da restauração da posição de grande potência da Rússia. No esforço de
recuperação do tempo (e do espaço) perdido, sua política estratégica atual de natureza
essencialmente geopolítica impulsiona movimentos na direção de dois objetivos
principais. Na frente ocidental, contrastar e conter duramente os EUA/OTAN em suas
políticas de expansão/contenção em direção ao leste e, no limite, manter ou
reconquistar para a sua órbita de influência direta a Ucrânia, as três ex-Repúblicas
Soviéticas do Báltico (Lituânia, Letônia e Estônia), a Moldávia, parte do Cáucaso
(Geórgia e Armênia) e o Ártico com suas cobiçadas jazidas de petróleo e gás e as novas
rotas interoceânicas.
14 Na sua projeção para o Leste, esse ativismo russo se expressa, sobretudo, por um
acentuado esforço de aproximação com a China, país com o qual tem história marcada
pela alternância entre períodos de cooperação (como o fundamental apoio russo à
revolução chinesa entre 1946 e 1949) e rivalidades, neste caso envolvendo graves
disputas fronteiriças nos anos 1960. Esse longo ciclo de relações envolveu diversos
tratados (o primeiro é de 1689) e na sua etapa atual, claramente tendendo à
convergência entre os dois países, consolidou-se com o acordo de demarcação de
fronteiras em 1991 que estabeleceu a partilha dos territórios em contenda e com o
Tratado de 2004 que estabeleceu as fronteiras comuns, a sua desmilitarização e os
direitos de circulação e comércio4.
15 Na sua estratégia na frente ocidental, a Rússia projeta manter ou retomar sua
presença combinando diplomacia, dissuasão e ação militar em suas antigas áreas de
influência, isto é, a Europa Oriental e o Báltico e, ao sul, o Cáucaso no qual utilizou a
força militar com a invasão da Geórgia em 2008 seguida da incorporação de facto das
suas províncias da Ossétia do Sul e Abkházia. Dentre esses movimentos recentes,
entretanto, o que melhor ilustra a determinação do país de seguir o caminho traçado
para retomar sua posição de grande potência - e o que mais tem despertado a atenção
da comunidade internacional - é a sua sistemática ingerência na política interna da

https://journals.openedition.org/confins/10551#text 4/22
24/09/2018 O reerguimento da Rússia, os EUA/OTAN e a crise da Ucrânia: a Geopolítica da nova Ordem Mundial

Ucrânia e nesse caso em explícita confrontação com o Ocidente, a cooptação e o apoio


militar aos insurgentes de ascendência russa das províncias orientais do país e,
finalmente, a integração (do seu ponto de vista) ou a anexação (do ponto de vista
ocidental) da Criméia, em março de 2014.
16 É preciso considerar, entretanto, que além da retomada da proeminência da Rússia, o
olhar sobre a geopolítica do século XXI deve deter-se no exame da rápida ascensão da
China à posição de grande potência, país que tem a segunda maior economia e que é o
líder das exportações do mundo e que nos últimos anos tem intensificado seu ativismo
diplomático na escala global. Além do mais, é notória sua disposição para arranjos de
cooperação comercial e econômica em geral e preferencialmente no seu Entorno
Regional, que têm se ampliado rapidamente com o comércio, os investimentos diretos e
a influência política em mais de uma dezena de países da África e da América Latina
nos últimos anos.
17 Na Ásia de Sudeste e na Ásia-Pacífico essa ofensiva tem assumido natureza mais
claramente político-estratégica ou geopolítica de tipo clássico, isto é, a face agressiva de
grande potência que recorre à dissuasão militar ou ao uso da força, se necessário, na
defesa do que considera seus legítimos interesses nacionais.
18 Essa modalidade de expressão de poder da grande potência é observável tanto nos
seus antigos contenciosos, como são os casos do Tibete (sua colônia de fato) e Taiwan
(país a que ainda denomina de “Província Rebelde”), como nas suas mais recentes
reivindicações territoriais no espaço marítimo, a exemplo das disputas que mantém
com o vizinho Japão em torno das Ilhas Senkaku5 e com o Vietnã, Filipinas, Malásia,
Taiwan e Brunei tendo como alvo o Arquipélago de Spratly no Mar da China
Meridional, no contexto da complexa definição das respectivas Zonas Econômicas
Exclusivas e os decorrentes direitos de exploração das comprovadas jazidas de petróleo
e gás da região.
19 Observando esse quadro ainda que em seus traços mais relevantes, tudo indica que é
do outro lado do mundo e no imenso Bloco Euroasiático que será disputada a grande
contenda genuinamente geopolítica de escala global nas próximas décadas. Na frente
oriental desse bloco, a China será capaz de romper o cerco (o “colar de pérolas”) que
expressa plenamente a vigência do poder marítimo que lhe é imposto pelos EUA e seus
aliados ocidentais e asiáticos? Na frente ocidental, a Rússia será capaz, com suas
antigas e renovadas reservas de poder, capaz de romper as linhas da poderosa
contenção que lhe é imposta pela ação coordenada dos Estados Unidos e seus aliados
europeus agrupados na OTAN?
20 O quadro na escala do mundo sugere, também, que nessa reconfiguração geopolítica
em curso o processo de maior expressão e com poder de influência nas próximas
décadas são os vigorosos movimentos de aproximação entre a Rússia e a China, que
tem se processado primeiro pela criação de um ambiente propício à convivência
pacífica para em seguida desdobrar-se em direção a uma aliança abrangente ou mais
propriamente estratégica das duas grandes potências. Como visto, solucionados seus
antigos contenciosos no início dos anos noventa, o processo de aproximação avançou
em abrangência e profundidade com a criação da Organização para a Cooperação de
Xangai em 2013 (integrada pela China, Rússia, Cazaquistão, Quirguistão, Tadjiquistão e
Uzbequistão), um mecanismo de concertação de conteúdo marcadamente econômico,
mas que também abrange compromissos de natureza político-estratégica e
especificamente militar6.
21 Esse ativismo marcado pelas relações de cooperação entre os dois países na
atualidade também se expressa na celebração de novos arranjos comerciais bilaterais,
sendo o mais vistoso deles, o recentemente firmado Acordo Energético envolvendo o
fornecimento à China de 38 bilhões de metros cúbicos de gás por ano ao longo de trinta
anos7.
22 Caso venha a consolidar-se a formidável - e poucos anos atrás improvável - aliança
entre as duas grandes potências euroasiáticas, que além de países-baleia, contam com
vantagens comparativas e competitivas derivadas dos seus territórios, recursos
naturais, populações, infraestrutura, poder econômico e força militar, o mundo assistirá
pela primeira vez à formação de um imenso e poderoso Bloco Eurasiano capaz de
confrontar, nos anos que seguem, o até então incontrastável poder político e militar da
https://journals.openedition.org/confins/10551#text 5/22
24/09/2018 O reerguimento da Rússia, os EUA/OTAN e a crise da Ucrânia: a Geopolítica da nova Ordem Mundial

aliança liderada pelos EUA, formado pela OTAN (no Ocidente) e ancorado nos acordos
bilaterais de segurança com seus mais tradicionais aliados da Ásia e do Pacífico, casos
do Japão, Coréia do Sul, Singapura e Austrália8.
23 Em suma, é a vigência da antiga e agora revigorada rivalidade entre o Poder
Terrestre e o Poder Marítimo neste início do século XXI, cuja natureza é sistêmica e de
larga escala e está moldando a nova Ordem Mundial na qual a repartição do poder
político e militar entre as grandes potências a configura cada vez mais como Tripolar.

Formação territorial da Rússia e sua


projeção geopolítica
24 Um aspecto notável da história da Rússia é o amálgama da sua evolução social,
econômica, política e cultural com a particular configuração e formação do território
nacional e o modo como isso se desdobra interna e externamente na geopolítica. Em
outros termos, a longa trajetória da sua constituição enquanto Estado-Nação moderna -
contrastando com as dos seus congêneres europeus – é marcada por um complexo
quadro de processos superpostos e interconectados, no qual a construção e a
consolidação do Estado praticamente se confunde com a expansão e a configuração do
seu território. Por isso, e neste caso abstraindo suas respectivas particularidades
históricas, certamente que a Prússia, mas também a Rússia, são os arquétipos do que
podemos aqui denominar de Estado Territorial ratzeliano.
25 Nesse sentido, isto é, o da proeminência da dimensão geopolítica na sua formação
nacional, a história russa assemelha-se menos a seus congêneres europeus ocidentais e
mais à trajetória típica dos chamados Países Baleia, casos dos EUA, Brasil, Índia e
China. Neles podemos identificar o que seria uma espécie de imperativo territorial que
tende a moldar sua formação histórica como um todo, processo este que se expressa
notadamente por expansões territoriais sucessivas a partir de um núcleo inicial e no
mais das vezes marcadas por apropriações, conquistas, domínios, ocupações e a
posterior consolidação das fronteiras nacionais.
26 Essa modalidade histórico-geográfica de evolução nacional-territorial é
particularmente notável, pois ela expressa a vigência de uma forma especificamente
imperial que tende a sobrepor-se aos demais traços das trajetórias desses países e isso
se expõe cabalmente no caso russo. É justamente esse imperativo territorial que o
geopolítico russo Alexandr Dugin, um dos teóricos da atual restauração do poder do
país, destaca na sua formação histórica:

“A partir do século XV os russos emergem no panorama da história mundial como


uma “civilização da Terra” e todas as linhas de força geopolítica fundamentais da
sua política externa passam desde esta altura a estar sujeitas a um único
objetivo: a integração do Heartland, o fortalecimento da sua influência na zona do
Nordeste da Eurásia, a afirmação da sua identidade perante seu adversário mais
agressivo....o mundo anglo-saxônico, a Civilização do Mar”9

Figura 1 – O Império Czarista Russo

https://journals.openedition.org/confins/10551#text 6/22
24/09/2018 O reerguimento da Rússia, os EUA/OTAN e a crise da Ucrânia: a Geopolítica da nova Ordem Mundial

http://www.maquetland.com/v2/images_articles2/images/5_1689_1900.gif
27 O processo de formação nacional-territorial russo tem seu ponto de partida na
segunda metade do século XV, sob o comando do Imperador Ivan III, quando este põe
fim ao domínio do Império Mongol, na região que passa a ter Moscou como sua capital
esta se constitui no núcleo original para a posterior expansão do seu ecúmeno
geopolítico10.
28 Esta trajetória de expansão territorial ganha intensidade, sobretudo, nos reinados de
Pedro o Grande (1682-1725) e Catarina a Grande (1761-1796) e é caracterizada por
diversos elementos de singularidade que a diferenciam ainda mais das demais
experiências imperiais (ou imperialistas) da Europa. O primeiro e mais importante é
que desde o início tratou-se da formação de um Estado nacional transicional e
ambivalente, pois posicionado territorialmente na imensa e estratégica região entre a
Europa e a Ásia.
29 No período que vai de meados do século XVII ao final do século XIX o Estado russo
expandiu continuamente suas fronteiras, primeiro em direção ao Oeste até o litoral do
Mar Báltico, um movimento que se fez à custa de conflitos com a Polônia e a Suécia11.
Em seguida, e principalmente ao longo do século XIX, expandiu-as em direção ao Sul e
ao Leste, alcançando primeiro a Ásia Central e, em seguida, os confins da Eurásia já na
borda do Oceano Pacífico e, nesse estágio, teve que confrontar-se inicialmente com a
Mongólia e posteriormente com a China e o Japão.
30 A segunda característica peculiar desse processo é que ainda que se refiram de modo
geral à forma dominante de expansão dos impérios, há distinções de uma perspectiva
propriamente geopolítica que devem ser enfatizadas. Enquanto os mais poderosos
impérios europeus – casos de Inglaterra e França – focaram a sua expansão territorial
nos séculos dezoito e dezenove fazendo uso do que Alfred Mahan denominaria mais
tarde de Poder Marítimo, estendendo seus domínios na África, Ásia e na América, a
Rússia o fez a partir de experiência baseada essencialmente no Poder Continental ou
Terrestre, na acepção de Halford Mackinder.
31 O terceiro aspecto destacável no processo de consolidação desse imenso império
decorre justamente da sua particular posição nessa enorme massa terrestre entre a
Europa e a Ásia. Até meados do século XVIII, quando seus governantes ainda definiam
como principal horizonte estratégico a expansão e consolidação dos seus domínios
sobre os territórios europeus, a Rússia assemelhava-se nos seus traços gerais às demais
experiências históricas do período no continente, inclusive porque nessa trajetória teve
que enfrentar a resistência de outras potências que com ela disputavam as mesmas
áreas de influência12.
https://journals.openedition.org/confins/10551#text 7/22
24/09/2018 O reerguimento da Rússia, os EUA/OTAN e a crise da Ucrânia: a Geopolítica da nova Ordem Mundial

32 Desde então, o percurso histórico do país tendeu a expressar essa sua natureza
transicional e ambivalente que o induz a adotar uma recorrente estratégia tipicamente
pendular nos processos de expansão imperial. Em sua faceta ocidental, o país assumia
plenamente sua condição de potência europeia, quando fixava seu olhar na direção do
Ocidente e dele incorporava não só a cultura, o modo de vida e até os sistemas
burocráticos de gestão pública, como também os projetos de hegemonia – ou coloniais -
no continente e fora dele13.
33 Esse processo de europeização que iniciara no século XVI com Ivan, o Terrível, teve
notável impulso sob o comando de Pedro, o Grande, no século seguinte, e de Catarina, a
Grande, a partir do início do século XVIII. Essa trajetória em direção ao Oeste deu-se,
sobretudo, durante o reinado de Pedro I, autoproclamado Czar (em alusão aos
imperadores romanos) e que foi de fato o criador do que seria conhecido como o
Império Czarista russo. Primeiro, com a criação de São Petersburgo no Golfo da
Finlândia, para a qual é transferida a Capital do país, viabilizando assim sua estratégia
de criar uma “porta para a Europa” pela qual pudesse intensificar suas interações com
seus vizinhos ocidentais. Segundo, com as guerras de expansão e as vitórias sobre o
Império Turco-Otomano e a Suécia e as anexações da Lituânia, Estônia e Letônia no
Báltico. Conquistas significativas que moldaram a Rússia Moderna e a definiram como
império europeu de fato.
34 Essa tendência tem continuidade durante o reinado de Catarina II, que além da
conquista da Criméia e a consolidação dos territórios do Báltico e do Cáucaso, mantém
o ímpeto colonizador de Pedro I com a extensão dos seus domínios para a Sibéria e o
Ártico e para além dos Urais em direção à Ásia Central e o Extremo Oriente. Nesse
percurso, e comportando-se neste aspecto específico à semelhança dos impérios
coloniais da França e da Inglaterra e, em certa medida, da Prússia, o Império Russo
atribuiu-se papel “civilizador” no processo de incorporação seguido de abrangente
política de russificação dos territórios e dos “povos bárbaros” da Ásia (os “não
europeus”), definindo-os de fato como os seus “territórios coloniais”14.
35 Por outro lado, a faceta oriental da sua natureza ambivalente impulsionou-o na
direção dos territórios meridionais tendo como rumo, primeiro, o Grande Cáucaso,
onde contrastará ali o tradicional domínio do Império Turco-Otomano e, em seguida, o
leste e o norte com o Volga-Urais, a Sibéria e o Ártico. Em seu avanço em direção à Ásia
Central e Meridional e mais especificamente quando atinge o Afeganistão, confronta ali
o domínio e a influência do Império Britânico nas fronteiras ocidentais dos territórios
da Índia colonial que então incluíam o atual Paquistão. Na progressão rumo ao Leste,
alcança o Extremo-Oriente e o Pacífico, definindo assim os confins do seu ecúmeno
político-territorial e consolidando formidável expansão territorial simbolizada pela
instalação da cidade litorânea de Vladivostok em 1860, centro portuário comercial e
base da sua frota naval do Pacífico. Finalmente, na passagem do Século XIX para o XX,
confrontar-se-á nessa região com o Japão - a potência marítima emergente da Ásia do
Pacífico - com o qual entrará em guerra em 1905 na disputa pelas ilhas Sakalina e da
qual sairá derrotado e perderá não apenas o arquipélago como também Vladivostok,
territórios que só serão retomados em 1945, com o fim da Segunda Guerra e a derrota
japonesa.
36 No final do século XIX o Império formava um poderoso Estado continental
dominando imensa massa terrestre com mais de 10 mil km de extensão no sentido
Leste-Oeste, cuja coluna vertebral mais emblemática é a formidável ferrovia
Transiberiana, concluída em 1901 e que interliga de fato o Báltico ao Pacífico (e
posteriormente a China). Define-se assim a configuração geopolítica fundamental da
grande potência que emergirá da Revolução Soviética de 1917 e que representará
cabalmente uma nova modalidade de poder mundial, isto é, a conjunção de um sistema
político de novíssimo tipo e ultracentralizado – o estado socialista - com o poder
terrestre na sua mais eloquente expressão.

Figura 2 – A Rússia e a Ferrovia Transiberiana


Fonte: http://transsiberian.info/

37 Encerrada a Guerra Civil com a vitória dos bolcheviques, em 1922 é constituída a


União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, integrada pela Federação Russa e mais de
https://journals.openedition.org/confins/10551#text 8/22
24/09/2018 O reerguimento da Rússia, os EUA/OTAN e a crise da Ucrânia: a Geopolítica da nova Ordem Mundial

uma dezena de províncias que se tornarão repúblicas socialistas soviéticas, num total de
14 (após as anexações da Lituânia, Estônia e Letônia em 1940 no contexto do acordo
Ribbentrop-Molotov) e um total de sessenta nacionalidades oficialmente reconhecidas.
Formou-se com isso um imenso território com 22 milhões Km² desde o Báltico,
passando pelo Cáucaso, a Ásia Central e a Sibéria, até os confins da Ásia do Pacífico. É
nesse período que a Antiga Rússia, agora U.R.S.S., atinge o ápice do seu processo de
consolidação política e geopolítica e, sob o comando de Lênin e depois de Stalin, o
ultracentralizado Estado Soviético persegue a todo custo o pleno uso das forças de
coesão nacional-territorial mediante a implantação de abrangentes redes de controle,
vigilância e gestão no imenso território multiétnico e multi-regional sob seu domínio.
38 Ao mesmo tempo, Moscou promove um vigoroso processo de russificação em todos
os seus domínios com as suas dezenas de povos, retomando de forma ampliada
processo similar posto em prática durante o reinado de Catarina, a Grande. Além disso,
e apesar de ter sido formalmente assegurada pela Constituição de 1936, a autonomia
das repúblicas soviéticas e demais “regiões autônomas” da Federação Russa não era
efetiva. Afinal, a natureza essencial da centralização imposta pelo regime instalado em
Moscou não se resume à sua dimensão política ou seu correspondente sistema de
gestão, mas estende-se para as outras esferas relevantes da vida social, como a cultura
em geral, a exemplo da imposição da língua russa como idioma oficial, a proibição do
exercício religioso e a propagação maciça dos valores e práticas definidos pelo partido
único.
39 Além disso, e mediante os conhecidos Planos Quinquenais, a URSS procura a todo o
custo superar seu atraso em relação ao Ocidente capitalista, notadamente no que se
refere à precariedade da sua agricultura e às insuficiências nos estágios mais avançados
da estrutura industrial, além do fato de que esse esforço de superação era claramente
impulsionado pelo seu objetivo estratégico mais importante, isto é, de tornar-se
rapidamente uma Superpotência capaz de rivalizar com as potências ocidentais e
destacadamente os EUA. O período da acelerada modernização foi deflagrado pelos
dois primeiros planos (1927-1936) que priorizaram o transporte ferroviário e a
construção de grandes hidroelétricas na Sibéria Oriental, a expansão da agricultura
mecanizada na Ucrânia (40 milhões de hectares de solos cultiváveis), nos Urais e na
Sibéria Oriental e o desenvolvimento da indústria de bens de produção (siderurgia,
metalurgia, química e petroquímica) e de máquinas e equipamentos em geral15.
40 Especialmente no caso do forte impulso à industrialização, o processo foi beneficiado
pelas descobertas de enormes reservas de petróleo e gás, além de importantes jazidas
de carvão e de minérios como o ferro, manganês, alumínio, níquel e urânio, bastante
concentrados nos Urais (a mais importante região industrial do país durante a Segunda
Guerra), mas também distribuídos pela Sibéria Oriental, Cazaquistão e Azerbaijão.
41 Durante os anos 1930 Moscou também prioriza o povoamento do Extremo-Oriente,
isto é, a Sibéria Oriental e as regiões do rio Amour e da borda do Pacífico, cuja
imensidão contrastava com o fraco povoamento e o baixo nível de desenvolvimento. Até
o início dos anos 1940 essas regiões receberam um contingente com cerca de dois
milhões de imigrantes livres atraídos pelos programas de atração do governo (salários
diferenciados e benefícios), 500.000 militares e cerca de 300.000 prisioneiros16.
42 Esse esforço modernizante foi crucial para enfrentar e derrotar a invasão alemã na
Segunda Guerra, ainda que essa vitória tenha sido obtida à custa de estimados 20
milhões de mortos, entre civis e militares, a quase destruição da agricultura e de muitas
das suas cidades e de pesados danos à sua infraestrutura em geral. A heroica resistência
e a contraofensiva das forças armadas soviéticas à invasão nazista a partir de meados de
1944 e a sua entrada triunfal em Berlim em maio de 1945, inaugura um novo ciclo de
consolidação e expansão do poder do país. Daí porque antes mesmo do final da guerra,
na Conferência de Yalta (fevereiro de 1945), Stalin explicitou enfaticamente suas
exigências nas partilhas da Europa centro-oriental e do Báltico.
43 Cristalizada a derrota alemã, a partilha entre os vencedores foi formalizada na
Conferência de Potsdam (julho de 1945), pela qual ficou acordado que ficaria na órbita
da U.R.S.S. o domínio (ou a influência direta) de praticamente todos os países da
Europa de Leste – desde a porção oriental da Alemanha - e dos Bálcãs, nos quais
incentivou e apoiou a implantação de estados socialistas alinhados com Moscou.
https://journals.openedition.org/confins/10551#text 9/22
24/09/2018 O reerguimento da Rússia, os EUA/OTAN e a crise da Ucrânia: a Geopolítica da nova Ordem Mundial

Ademais, estendeu na região sua abrangente rede de controle especificamente militar


através do Pacto de Varsóvia.
44 Enfim, no alvorecer dos anos 1960 o país já mostrava (e propagandeava) ao mundo
os sinais eloquentes da sua ascensão à posição de superpotência econômica e militar.
Conquistara terreno em setores estratégicos, tais como a implantação de sistema
universalizado de educação de base e universitário e centros de pesquisas avançadas, a
estruturação de um parque industrial de ponta (em especial o complexo tecnológico-
militar), o domínio de tecnologias sofisticadas como a aeroespacial e a nuclear, pesados
investimentos na capacitação das forças armadas para que tivessem condições
operacionais de atuação em todo o mundo e, sobretudo, tornou-se capaz de assegurar o
desenvolvimento, a produção e a posse de imenso arsenal de armas nucleares com seu
indiscutível poder de dissuasão.
45 Sob todos os pontos de vista, portanto, uma potência mundial com capacidade
suficiente para contrastar o poder dos EUA e de consolidar uma nova ordem mundial
então marcada pela bipolaridade e o permanente clima de tensões e de riscos
associados à Guerra Fria.
46 Ressalte-se, entretanto, que as tensões e riscos de escala mundial alimentados por
essa acelerada trajetória soviética à posição de superpotência não se limitaram, no
período, ao seu antagonismo com os EUA, seu principal rival como é notório. No final
dos anos sessenta também se acentuaram suas rivalidades com a China, a outra grande
potência socialista em ascensão e sua vizinha asiática com a qual compartilha mais de
4.000 km de fronteiras.
47 Como visto, na sua expansão em direção ao Pacífico na segunda metade do século
XIX, a Rússia afetara interesses e reivindicações do Japão e da China nesses territórios
do Extremo-Oriente e a URSS atuou fortemente na sua ocupação civil e militar após os
anos 1930. No contencioso sino-soviético em tela, a área-pivô das disputas abrange o
sudeste da região do Rio Amour, próxima a Vladivostok (a base da frota naval soviética
do Pacífico) e da tríplice fronteira China-URSS-Coréia do Norte.
48 Fracassadas as tentativas de saída diplomática para o conflito, as duas grandes
potências decidem utilizar a força militar e deslocam para as regiões fronteiriças
comuns suas respectivas tropas (por volta de 800.00 combatentes russos e 600.000
chineses) e no auge das tensões, em 1969, chegaram a enfrentar-se por diversas
ocasiões envolvendo baixas de cada lado. É certo, entretanto, que não se trataram ali de
combates abertos ou generalizados envolvendo o grosso das tropas, inclusive porque
ambas as partes sabiam que um agravamento radical nessas circunstâncias poderia, no
limite, desembocar na tragédia da guerra total e do confronto nuclear. O nível das
tensões só foi reduzido após o encontro dos chanceleres dos dois países em Pequim,
ainda que as divergências perdurassem até 1991 (ano da derrocada soviética), com a
assinatura do tratado bilateral sobre as fronteiras.
49 Henry Kissinger, Secretário de Estado norte-americano e artífice (ao lado de Chu En
Lai, seu contraparte chinês) da surpreendente reaproximação dos EUA com a China
celebrada no acordo diplomático de 1972, em seu livro sobre o tema17, considera que o
agravamento desse quadro de disputas e tensões sino-soviéticas foi fator decisivo para
impulsionar os dirigentes chineses na direção desse acordo com a superpotência
ocidental, o arquirrival da União Soviética.
50 Em suma, são eventos relevantes porque estão imbricados no complexo processo de
conformação do quadro histórico e geopolítico de grande significado para o mundo
contemporâneo (as raízes da Ordem Tripolar a que aludimos no início?) e que se
expressou em escalas e desdobramentos diversos que vão desde disputas e escaramuças
fronteiriças até o antagonismo visceral e o realinhamento entre grandes potências até
então rivais. Também relevantes, porque neles as três grandes potências
movimentaram-se sempre tendo em vista a conquista de vantagens estratégicas de
longo curso, isto é, seus respectivos projetos de futuro no mundo.

https://journals.openedition.org/confins/10551#text 10/22
24/09/2018 O reerguimento da Rússia, os EUA/OTAN e a crise da Ucrânia: a Geopolítica da nova Ordem Mundial

O colapso da União Soviética, declínio e


reerguimento da Rússia
51 Após três décadas de modernização acelerada e com notáveis progressos materiais
em praticamente todas as esferas da economia e da sociedade (infraestrutura,
educação, ciência e tecnologia, indústria pesada, metal-mecânica e militar e o avançado
complexo aeroespacial), tem início a partir dos anos oitenta um acentuado ciclo de
declínio do país. As fragilidades do modelo econômico soviético (exclusivamente
estatal, planejado e centralizado) foram expostas e suas consequências no rebaixamento
dos padrões gerais de desenvolvimento e de bem-estar social da população tornaram-se
visíveis, especialmente quando confrontados àqueles alcançados pelos seus rivais
capitalistas e industrializados do Ocidente, especialmente os Estados Unidos,
Alemanha (ocidental), França e Inglaterra e, no Extremo-Oriente, o Japão.
52 No final dos anos oitenta revelava-se cabalmente para o mundo - e especialmente
para o Ocidente - o grave quadro de crise estrutural da economia soviética, cujas
maiores mazelas eram a ineficiência do setor agrícola com a consequente escassez de
alimentos, a baixa produtividade da indústria em geral, as pesadíssimas despesas em
Segurança & Defesa, o acanhado setor exportador e, sobretudo, a ausência de
segmentos industriais competitivos na área dos bens de consumo duráveis e não
duráveis que fossem capazes de atender à imensa demanda do mercado nacional (140
milhões de habitantes apenas na Rússia).
53 À profunda crise econômica somou-se um curto e intenso ciclo de crise política que
desaguou no colapso do governo e do regime após as frustradas tentativas de reformas
de inspiração liberalizante na economia e na política sob a liderança de Gorbachev
(Glasnost e Perestroika)18. Tem início assim o acelerado movimento de
desmoronamento dos pilares do socialismo soviético com a queda do muro de Berlim
em 1989 e dos governos socialistas dos países que gravitavam na sua órbita de
influência, culminando em 1991 com a dissolução da União Soviética. A antiga Rússia
perde desse modo o controle e a influência não apenas nos países das suas regiões
circunvizinhas (as ex-Repúblicas Socialistas tornam-se independentes), bem como de
toda a Europa Centro-Oriental e dos Balcãs, processo no qual foi emblemática a
absorção da Alemanha Oriental pela Alemanha Federal.
54 A década que se seguiu ao colapso foi de difícil transição e marcada por profunda
crise da economia que além dos problemas estruturais apontados, também foi
impactada pelo encolhimento do país que envolveu os processos de independência de
13 repúblicas e respectivos territórios que somavam cerca de cinco milhões de Km². Os
impactos econômicos foram amplos e variados e abrangeram, por exemplo, as ricas
jazidas minerais e petrolíferas do Azerbaijão, Cazaquistão e Turcomenistão e as
extensas e férteis terras agrícolas da Ucrânia. Seu status quo político-estratégico
também foi duramente afetado, pois seu sistema de Segurança & Defesa foi mutilado, já
que diversos dos seus dispositivos militares (incluindo arsenais nucleares e bases de
lançamento de mísseis) restaram espalhados nos territórios das novas repúblicas
independentes, com as quais teve de encetar negociações, caso a caso19.
55 A criação da CEI – Comunidade de Estados Independentes no final de 1991,
integrada pela maioria dos países formadores da ex-URSS (as três repúblicas bálticas
não aceitaram participar), foi uma tentativa de Moscou de minorar os impactos
econômicos e preservar parte da influência política perdida no seu antigo espaço de
domínio. Mas naquele contexto de atabalhoada transição seu fôlego era curto, e a força
dos movimentos centrífugos estimulados pelos seus rivais ocidentais nas jovens nações
no oeste e no leste das suas fronteiras minou drasticamente a eficácia dessa
organização.
56 Foi uma conjuntura de crônica turbulência política, essencialmente porque se tratava
de implantar um sistema de governo assentado em pressupostos jurídicos e políticos e
institucionais radicalmente distintos do anterior. Em outros termos, o desafio de
transitar de um regime centralizador e autoritário para um liberal-democrático e que
fosse capaz, ao mesmo tempo, de impulsionar a mudança do antigo sistema socialista

https://journals.openedition.org/confins/10551#text 11/22
24/09/2018 O reerguimento da Rússia, os EUA/OTAN e a crise da Ucrânia: a Geopolítica da nova Ordem Mundial

para uma economia de mercado, isto é, capitalista. Após dois séculos e meio, estava em
curso mais uma tentativa de ocidentalização ou europeização da velha Rússia que
impactaria não apenas o universo da cultura e da burocracia como ocorreu durante sua
afirmação como potência imperial, mas agora em um sentido mais abrangente e
profundo, isto é, ideológico e político.
57 A reviravolta na configuração geopolítica do poder mundial decorrente do colapso do
Pacto de Varsóvia e do drástico encolhimento da influência russa teve como
contrapartida principal o fortalecimento estratégico-militar dos EUA e seus aliados
ocidentais que se consubstanciou no revigoramento da OTAN, cuja estratégia principal
passou a ser o alargamento do seu espaço de atuação direta e indireta até as últimas
fronteiras dos antigos territórios da ex-União Soviética. E essa expansão ocidental
sobre as regiões e países lindeiras da Rússia não se restringiu ao campo especificamente
estratégico-militar, como é sabido.
58 Com sua institucionalização em 1994, a União Europeia inicia vigoroso processo de
expansão no Continente, passando de 15 Estados-membros em 1990 para 25 em 2004
(total de 28 em 2013), durante o qual integrou praticamente todos os antigos países
socialistas do Leste Europeu, com destaque para as três repúblicas do Báltico (Lituânia,
Letônia e Estônia) que faziam parte da URSS. Além disso, a expansão do seu raio de
ação ainda se faz mediante acordos e bilaterais com os países da região, como os
Tratados de Livre-Comércio celebrados com a Ucrânia, a Geórgia e a Moldávia em
meados de 2014, ou o ultrassensível pacote de ajuda financeira à Ucrânia no início da
sua turbulenta crise com a Rússia.
59 Da sua parte, a OTAN deu curso à sua estratégia de alargamento a partir de 1999 no
qual também incorporou a maior parte dos países do Leste Europeu e, portanto, da
órbita do antigo Pacto de Varsóvia20. Sob esse aspecto, os casos que melhor ilustram o
grave e potencial quadro de fricções que se estabeleceria nas relações dos EUA/OTAN
com a nova Rússia com a consequente deterioração das condições de segurança
europeia, foram a incorporação das mencionadas três repúblicas Bálticas, os ostensivos
convites à Geórgia e à Ucrânia para ingressarem na organização e a decisão de instalar
uma base de lançamento de antimísseis na Polônia. Além disso, os EUA/OTAN
estenderam essa estratégia de contenção ou confinamento do país para suas antigas
repúblicas e províncias situadas em direção ao sul, no Cáucaso e ao sudeste, na Ásia
Central. Utilizando-se da tradicional influência da Turquia nas duas regiões e,
sobretudo, após a invasão do Afeganistão pelos EUA/OTAN em 2001, abriu-se caminho
para a aproximação com Azerbaijão, Turcomenistão e Uzbequistão, países com os quais
foram estabelecidos acordos visando à exploração conjunta de petróleo e gás das ricas
jazidas da região do Mar Cáspio, ao lado da construção de oleodutos e gasodutos
atravessando o território turco (e não o russo) e, a partir daí, seu fornecimento à
Europa ocidental e aos EUA.
60 Em síntese, são movimentos combinados e de largo espectro inspirados pela
indisfarçável estratégia ocidental de fincar seus marcos nos confins do Leste Europeu e
nas circunvizinhanças da Ásia Central e assim conter e confinar o máximo possível o
atual e potencial poder de influência russa nos limites do seu território, isto é, a
Federação Russa stricto senso.

Figura 2 – Expansão da OTAN

https://journals.openedition.org/confins/10551#text 12/22
24/09/2018 O reerguimento da Rússia, os EUA/OTAN e a crise da Ucrânia: a Geopolítica da nova Ordem Mundial

Master, J. (ed.), Council on Foreign Relations, february 27, 2015.


61 Período amargo para a história do país, pois ao lado desse encolhimento
generalizado, sobreveio também a ameaça associada aos riscos de fragmentação do
território nacional e de graves turbulências nas suas relações de vizinhança. Sob esse
aspecto, dentre todas as regiões da Federação Russa e do seu entorno regional, o
Cáucaso – ou o Grande Cáucaso – estratégica região situada entre o Mar Negro e o Mar
Cáspio (com suas ricas jazidas de petróleo e gás) e que abrange quatro ex-Repúblicas
Soviéticas (Rússia, Geórgia, Azerbaijão e Armênia), é certamente aquela que mais
expressou e ainda expressa as consequências dos duros impactos do colapso da União
Soviética seguido por pelo menos uma década de acentuado declínio econômico e
político russo. Tais são os casos dos movimentos separatistas-independentistas no seu
próprio território como os da Tchetchênia (o mais importante) e do Daguestão, os
atritos e choques frontais com a Geórgia envolvendo o separatismo pró-Rússia das
províncias de Abkházia e Ossétia do Sul, os conflitos fronteiriços entre o Azerbaijão e a
Armênia em torno de Nagorno-Karabakh e a mobilização de dispositivo militar para a
defesa desta face à potencial ou real ameaça da Turquia, aliada dos EUA, membro da
OTAN e seu arqui-inimigo.
62 Se a década de 1990 foi o período crítico dessa trajetória de crise e declínio da Rússia
pós-soviética, o início do novo século (e milênio) marca simbolicamente o ponto de
inflexão em direção à restauração do seu antigo poder de player global, um ganho de
posição que se deveu, sobretudo, à brusca mudança de rumos na política interna com a
chegada de Vladimir Putin ao poder em 2000. Líder carismático forjado nos quadros de
dirigentes do regime soviético ele tornou-se Primeiro-Ministro no governo de Boris
Yeltsin e adquiriu notoriedade quando coordenou a invasão militar da Chechênia,
reprimiu duramente ali o movimento separatista de inspiração islâmica e “pacificou” a
província submetendo-a ao rígido controle de Moscou. Eleito presidente no ano
seguinte, inicia seu longo período à frente do poder russo em sucessivos governos -
alternando-se com Dmitri Medvedev nas posições de Presidente e de Primeiro-Ministro
- que seus críticos internos e externos qualificam de centralizadores e autoritários e
durante os quais o Kremlin posiciona no topo das prioridades nacionais o esforço de
reconstrução do país e a restauração do seu status de grande potência.
63 Como bem assinalado pelo prestigiado geógrafo russo Vladimir Kolossov, a ascensão
de Putin e seu engajamento em prol dessa inflexão da trajetória do país, também
estimulou o movimento liderado por grupo de geógrafos e políticos nacionalistas,
antiliberais e antiocidentais que se tornariam os epígonos da doutrina geopolítica
clássica do período imperial – e revivida na URSS dos anos 1920 e 1930 - que
identificam a potência da Grande Rússia dos Czares e Soviética com a sua natureza
essencialmente territorial-continental e euroasiática e, nas dimensões da ideologia e da
política, estatista, centralizadora e autoritária. Para ele, após o colapso da União
Soviética esse movimento centrou-se no objetivo de resgatar o papel - ou o destino - do
https://journals.openedition.org/confins/10551#text 13/22
24/09/2018 O reerguimento da Rússia, os EUA/OTAN e a crise da Ucrânia: a Geopolítica da nova Ordem Mundial

país como fator de “estabilidade da Eurásia”, retomando assim sua posição de um dos
polos do “sistema geopolítico global”, concepção que expressa, ao mesmo tempo, “uma
ideologia, uma corrente de pensamento e um movimento político”21.
64 Essa inflexão nos rumos do país também é examinada criticamente por André Filler
que destaca, sobretudo, a restauração do fervor nacionalista em torno do novo líder
(especialmente na mídia) e a defesa de uma espécie de destino manifesto da nação
russa, assentado na sua “vocação milenarista” e na condição de “herdeira da URSS”,
rumo à retomada da sua posição como “polo de gravitação mundial”, enfim, os
ingredientes mais importantes da “doutrina” de Putin, explicitada por ele em seu
discurso de Munique, em 200722
65 Sob a liderança de Putin o país empreende grande esforço de reconstrução
econômica, no qual foi beneficiado pela elevação dos preços do petróleo e gás e das
commodities em geral. No caso do gás, especialmente, o país ocupa a posição de maior
fornecedor da Europa e este é escoado em uma densa rede de pipelines desde os
campos da Sibéria e o governo de Moscou sabe que a forte dependência europeia desse
combustível é fator crucial em conjunturas de crise como o atual. Na direção do Leste,
os recentes acordos celebrados com a China envolvendo o fornecimento de grande
volume de petróleo e gás em gigantescos pipelines (em fase de construção) têm
despertado a atenção do Ocidente pelo seu forte conteúdo geopolítico23.
66 O país também tem elevada competividade na produção de material bélico de todos
os tipos e níveis tecnológicos (é o segundo maior exportador do mundo) e esse seu
estratégico e lucrativo setor tem sido impulsionado não apenas pelas vultosas
aquisições recentes do governo na sua estratégia de reaparelhamento das forças
armadas, como também pelo reaquecimento do mercado internacional desse segmento
desde setembro de 200124.
67 Da perspectiva geopolítica, entretanto, o mais relevante nessa empreitada é a
retomada do crucial objetivo estratégico nacional que é o de conter por todos os meios -
e se necessário confrontar militarmente - os avanços dos EUA/OTAN e seus aliados
ocidentais e orientais na direção das suas tradicionais áreas de influência geopolítica,
isto é, seu Entorno Regional Estratégico, especialmente nas fronteiras das ex-
Repúblicas Soviéticas do Báltico, do Cáucaso e da Ucrânia e a intensa mobilização
diplomática e militar que visa dissuadir os EUA/OTAN do seu projeto de instalar
mísseis balísticos de interceptação na Polônia.
68 O governo passou também a dispensar atenção especial ao grupo de províncias e
regiões de países integrantes da antiga União Soviética, nas quais ainda vivem
aproximadamente 25 milhões de russos25 (cerca de metade disso nos países da Ásia
Central) e, em alguns casos, essas “minorias” estariam enfrentando hostilidades e
constrangimentos da parte das populações e dos governos. Em determinados casos,
como a Criméia e as províncias orientais da Ucrânia ou as rebeladas províncias da
Geórgia, esses conflitos constituem importante fator de desestabilização dos governos
locais, tendendo a desdobrar-se em movimentos separatistas de maior envergadura
que, segundo dirigentes dos países que as abrigam e boa parte dos analistas ocidentais,
seriam sistematicamente estimulados e apoiados por Moscou.

Figura 2 – O Grande Cáucaso e suas nacionalidades

https://journals.openedition.org/confins/10551#text 14/22
24/09/2018 O reerguimento da Rússia, os EUA/OTAN e a crise da Ucrânia: a Geopolítica da nova Ordem Mundial

Fonte: John O’Loughin – University of Colorado at Boulder, 2007


69 Como assinalado anteriormente, o Grande Cáucaso é a região hot point para a Rússia
nessas duas décadas de declínio sucedido pela restauração da grande potência. A região
é caraterizada pelo seu notável mosaico de nacionalidades e pela predominância do
islamismo que inspira e impulsiona seus diversos movimentos autonomistas ou
separatistas, sendo o da Tchetchênia o mais conhecido e explosivo deles, mas que
envolve também Daguestão, Ossétia do Norte, Karatchaievo, Ingúchia na Rússia e a
Ossétia do Sul e a Abkházia na Geórgia. Ali também se encontram três novas repúblicas
de grande importância estratégica na reconfiguração geopolítica regional em curso –
Geórgia, Armênia e Azerbaijão - que se tornaram independentes com o fim da URSS e
desde logo passaram a ser sistematicamente assediadas pelos EUA e seus aliados
europeus, envolvendo ajuda econômica e militar bem como negociações visando à
implantação de rede de pipelines para o escoamento de petróleo e gás do Mar Cáspio ao
Mar Negro e ao Mediterrâneo e o ingresso da Geórgia na OTAN, a exemplo da Ucrânia.
70 Os movimentos separatistas no Cáucaso do Norte intensificaram-se, sobretudo,
durante o período da profunda crise russa iniciado em 1991 e é notório que o da
Tchetchênia foi o mais importante deles. Na guerra deflagrada em 1994 os rebeldes
declararam a independência da república e em 1996 expulsaram as tropas russas de seu
território e essa vitória estimulou diversos movimentos similares nas repúblicas e
províncias vizinhas e, com isso, tornara-se claro que pairava sobre o país a grave
ameaça da fragmentação generalizada nessa região. Após a série de violentos atentados
dos rebeldes contra diversos alvos militares e civis em Moscou e outras localidades em
1999, o governo russo rearticula-se e suas tropas desencadeiam violenta e abrangente
ofensiva militar para retomar o controle da república, incluindo o prolongado cerco à
capital, Grozny, com a derrota final das tropas rebeldes em maio de 2000. Como
diversos observadores internacionais comentaram na época, uma operação militar que
deve ser caracterizada como massacre de fato, dado o elevado saldo de vítimas entre os
combatentes rebeldes e a população civil.
71 O segundo e mais importante dos conflitos na região foi a guerra da Geórgia, em
2008, envolvendo as províncias separatistas da Ossétia do Sul e Abkházia e a invasão
do país por tropas russas em agosto desse ano. Essas duas províncias iniciaram seus
movimentos em 1991, logo após a o colapso da URSS e a independência da Geórgia,
marcados por diversos confrontos armados entre tropas rebeldes e do governo central.
No início de agosto de 2008 os separatistas da Ossétia do Sul deflagram violenta
ofensiva militar contra tropas e civis georgianos da província e em escala menor o
mesmo ocorre na Abkhazia e, desde logo, ambos os movimentos contam com o
estímulo e o apoio da vizinha Rússia. Em 7 de agosto as tropas georgianas invadem a
Ossétia do Sul e no dia seguinte tem início a intervenção militar russa com forças
terrestres e aéreas ao país a pretexto de defender o direito dos rebeldes da província à
sua independência e de assegurar a paz na região. Ao mesmo tempo, a marinha russa
https://journals.openedition.org/confins/10551#text 15/22
24/09/2018 O reerguimento da Rússia, os EUA/OTAN e a crise da Ucrânia: a Geopolítica da nova Ordem Mundial

promove o desembarque de tropas na Abkházia, no litoral do Mar Negro, em apoio aos


rebeldes locais e assume seu controle.
72 Derrotada militarmente, a Geórgia perde suas duas províncias e pouco pode fazer
além de protestos formais e das manifestações de condenação da União Europeia e dos
EUA/OTAN à invasão do seu território pelas tropas russas. Na sequência dos acordos
celebrados entre os dois países em meados de agosto, as duas províncias proclamam
suas respectivas independências e a partir daí, além de contar com a proteção de tropas
militares in loco, passam a integrar de fato a órbita política e econômica da Federação
Russa.

O conflito com a Ucrânia e os


EUA/OTAN e a anexação da Criméia
73 Deste o colapso da União Soviética e o fim da Guerra Fria a Ucrânia, pelo seu
significado histórico e posição peculiar na antiga e nova configuração geopolítica,
tornou-se alvo prioritário ou território pivô nesse novo ambiente de fricções entre a
OTAN expandida em direção ao leste e a movimentação da Rússia nos últimos anos
para restaurar seu poder na região. A singularidade histórica da Ucrânia para os russos
é indiscutível, já que estes consideram seu território como parte do hard core do
nascimento e da evolução da Rússia moderna desde o século XIII. Além disso, é
conhecida a importância do país pela sua destacada produção agrícola e o
desenvolvimento industrial, sobretudo na sua porção oriental (as áreas fronteiriças com
a Rússia), ao lado da sua posição estratégica para o escoamento do gás da Sibéria em
direção à Europa Ocidental pela rede de pipelines que atravessam o país.
74 Essa sua posição de área pivô também se expressou no imediato pós Guerra Fria, por
ocasião da implementação dos acordos com os EUA visando à desnuclearização da
Europa de Leste, já que o país concentrava importante arsenal nuclear no âmbito do
antigo Pacto de Varsóvia. Esse jogo de influências EUA/Rússia também teve impactos
diretos na política interna do país, pressionando seus governos especialmente nas
questões internacionais e polarizando-o fortemente na ação dos partidos e do
parlamento e nas preferências eleitorais da população.
75 O presidente Viktor Yanukovich, eleito em 2010, era claramente aliado de Moscou e
por isso enfrentava forte oposição interna e hostilidades externas da parte dos governos
ocidentais. O auge da crise política foi em novembro de 2013 quando o presidente se
recusou a assinar um acordo com a União Europeia envolvendo pacote de ajuda
financeira em torno de US$ 15 bilhões, preferindo firmar acordo semelhante com a
Rússia que incluiu substancial redução no preço do gás importado. Essa decisão
deflagrou forte oposição no parlamento e uma onda de protestos da população que
culminaram em violentas manifestações que tomaram as ruas e praças de Kiev. Após
semanas de confrontos em que o governo mobilizou tropas e forças paramilitares para
reprimir a multidão, finalmente o presidente acaba sendo destituído pelo parlamento
em 23 de fevereiro de 2014.
76 Como consequência do que qualifica de Golpe de Estado, Moscou estimulou seus
aliados ucranianos, especialmente os do sul e do leste do país onde vivem por volta de
sete milhões de russófonos, para que deflagrem forte movimento de contestação ao
novo governo. Ainda em fevereiro o governo russo fez aprovar no Parlamento lei
específica que o autorizou a adotar medidas destinadas a dar proteção aos “cidadãos
russos” da Ucrânia, incluindo eventual intervenção militar. O conflito se agravou com a
mobilização de milhares de manifestantes combatentes organizados em brigadas
paramilitares fortemente armadas e apoiadas pela Rússia. Nessa escalada dos conflitos
o primeiro episódio de destaque é a derrubada do prefeito de Sebastopol, na Criméia e
em seguida a tomada da capital da província, Simferopol, cuja população é
majoritariamente pró-Rússia.
77 O rumo dos acontecimentos indicava que estava em curso um forte movimento
separatista visando na prática proclamar a independência da Criméia, para
posteriormente integrá-la à Rússia. Em 27 de fevereiro, grupos paramilitares ocupam a
https://journals.openedition.org/confins/10551#text 16/22
24/09/2018 O reerguimento da Rússia, os EUA/OTAN e a crise da Ucrânia: a Geopolítica da nova Ordem Mundial

presidência e o parlamento da província, hasteando em ambos os edifícios a bandeira


russa, escolheram seu novo “primeiro ministro” e decidiram pela convocação de um
referendo “nacional” sobre o futuro político da região tornada independente.
78 Do ponto de vista do Ocidente, tratava-se pura e simplesmente de processo de
anexação de parte do território ucraniano pela potência vizinha, um flagrante atentado
à integridade territorial e à soberania ucraniana e grave violação do direito
internacional. O novo governo ucraniano e seus aliados europeus apelaram ao Conselho
de Segurança da ONU para denunciar a ofensiva russa e de seus grupos rebeldes
aliados. Ao mesmo tempo, a Rússia promove forte mobilização das suas tropas
terrestres ao longo das fronteiras com o país e há inúmeras denúncias da parte
ucraniana acusando as forças armadas rivais de promoverem, além do fornecimento de
armamentos, a sistemática incursão de grupos militares ao seu território.
79 Como previsto, em 10 de março o novo parlamento da Criméia aprovou a declaração
da independência da província e a sua integração à Federação Russa. No dia 16 desse
mês, foi realizado um referendo junto à população da província, no qual 96,8% dos
votos foram favoráveis à independência e à adesão à Rússia26. Ainda nesse mês o
parlamento russo formalizou mediante lei específica a integração formal da Criméia.
Novamente no terreno do simbólico, o marketing político do governo de Vladimir Putin
soube explorar ao máximo o fato de que há exatos 250 anos o Império Russo sob o
comando de Catarina, a Grande, havia conquistado a Criméia na sua expansão em
direção ao Oeste. Ademais, a reconquista representa um troféu para a velha/nova
geopolítica russa, pois lhe assegura agora o controle absoluto da sua estratégica base
naval de Sebastopol que lhe franquia passagem para as “águas quentes” do Mar Negro e
através de Dardanelos e do Estreito de Bósforo, para o Mediterrâneo.

Figura 4 – As Províncias Russófonas da Ucrânia

Wikimedia Commons, 2015


80 Da sua parte, os EUA e a União Europeia decidiram adotar uma série de retaliações
sob a forma de sanções econômicas e políticas à Rússia, tais como a sua expulsão do
G8, a proibição da entrada em seus países para diversos dirigentes russos e a retenção
de ativos financeiros depositados nas suas redes bancárias.
81 . Na sequência desses conflitos e certamente encorajados pelos seus companheiros da
Criméia, outros grupos pró-Rússia deflagraram fortes movimentos separatistas nas
províncias orientais da Ucrânia, notadamente em Donetsk e Lugansk, nas quais os
rebelados também já as declararam “independentes” em referendos realizados em maio
e em seguida proclamaram as respectivas “repúblicas”. Segundo o governo ucraniano e
o comando da OTAN, esses combatentes receberiam não apenas armamento de todo
tipo e apoio logístico, como também apoio ostensivo da Rússia com tropas e

https://journals.openedition.org/confins/10551#text 17/22
24/09/2018 O reerguimento da Rússia, os EUA/OTAN e a crise da Ucrânia: a Geopolítica da nova Ordem Mundial

equipamentos pesados posicionadas nas fronteiras, isto é, um quadro próximo a uma


intervenção militar estrangeira de fato.
82 O agravamento do conflito nessas províncias orientais envolvendo intensos combates
entre tropas ucranianas e milícias separatistas, e o aumento da movimentação das
tropas russas na fronteira passou a envolver, de fato, o risco de conflito militar de
grandes proporções, visto que os EUA e a OTAN também decidiram movimentar-se
militarmente, deslocando tropas e aviação de caça para a fronteira ocidental da Ucrânia
e reforçando seus dispositivos em países vizinhos, como a Turquia, Romênia, Polônia e
Repúblicas Bálticas27.
83 O episódio mais destacado desses conflitos entre combatentes separatistas das
províncias orientais e tropas ucranianas foi a trágica derrubada do avião da Malaysian
Airlines, com 298 passageiros, próximo à fronteira entre os dois países. Segundo a
maioria dos observadores ocidentais essa aeronave teria sido alvo do disparo por
combatentes separatistas de sofisticado míssil terra-ar de fabricação russa. Esse evento
provocou grande comoção e repúdio na opinião pública internacional pela perda de
vidas de civis inocentes. Com isso, os EUA e a União Europeia recrudesceram a ofensiva
visando o agravamento das retaliações à Rússia sob a forma de sanções adicionais e a
adoção de medidas efetivas visando o apoio político e financeiro ao novo governo pró-
Ocidente da Ucrânia. A intensa movimentação diplomática em torno de uma saída
pacífica para o conflito contribuiu para que o governo aceitasse sentar-se à mesa de
negociações com os EUA/União Européia e a Ucrânia que resultaram na assinatura de
Acordo de Cessar-Fogo em 05 de setembro de 2014.
84 Pelo rumo das negociações em curso, tudo indica que neste momento encontram-se
congeladas as posições da Ucrânia com relação à sua integridade territorial formal após
a perda da Criméia, ainda que seu governo tenha pela frente o duríssimo desafio de
assegurar o máximo de coesão territorial-nacional face à inescapável providência de
ceder parcelas consideráveis de poder para suas províncias separatistas que clamam
por independência e que demonstraram cabalmente sua disposição de empregar a luta
armada para atingir seus objetivos.
85 Por outro lado, Moscou e seus aliados dessas províncias orientais sabem que as
condições da conjuntura atual não lhes são hoje tão favoráveis como em meados de
2014, no auge do movimento, quando detinham a vantagem da iniciativa e de fato
infligiram seguidas derrotas políticas e militares às forças nacionais ucranianas. A
reorganização da sua política interna (incluindo a nova eleição presidencial), a
intensificação da ofensiva militar no combate às milícias rebeldes e o decisivo apoio dos
aliados ocidentais permitiu-lhe recuperar parcela importante da capacidade de atuação
e de protagonismo nas iniciativas e negociações visando a superação da crise.
86 Tudo indica que à medida que ganha força a mobilização diplomática e a pressão da
comunidade internacional por uma solução negociada para o conflito, a tendência é que
os combates sejam drasticamente reduzidos. Essa tendência atual de arrefecimento do
conflito é ilustrada pelos acordos de cessar fogo e as negociações de paz (com o aval de
Moscou) entre o governo ucraniano e os rebeldes separatistas no início de setembro de
2014, que prevê, dentre outros pontos, anistia aos combatentes e troca de prisioneiros.
Outras iniciativas concretas importantes na direção de um acordo duradouro foram a
aprovação nesse mesmo mês pelo parlamento ucraniano de projeto de lei do Executivo
e da Emenda à Constituição do país em agosto de 2015 que estabelecem regime especial
de autonomia jurídico-política para as províncias orientais de “maiorias russas”.
87 Finalmente, e malgrado não dispormos ainda de avaliações e estudos
circunstanciados a respeito, pode-se preliminarmente concluir que da perspectiva dos
EUA e seus aliados europeus foi obtida vitória política (e geopolítica) significativa para
sua estratégia de largo espectro. Afinal, mantiveram a Ucrânia na órbita ocidental e, ao
mesmo tempo, com o pacote de sansões em vigor, promovem o isolamento diplomático
de Moscou em fóruns internacionais relevantes, quadro desfavorável que é agravado
pela grave crise econômica do país decorrente da acentuada queda das cotações dos
preços do petróleo e do gás.
88 Da parte da Rússia, em contrapartida, o congelamento do atual quadro lhe é
francamente favorável do ponto de vista da sua particular estratégia inspirada na
ancestral geopolítica do poder terrestre. Afinal, e ainda que seja compelida a renunciar
https://journals.openedition.org/confins/10551#text 18/22
24/09/2018 O reerguimento da Rússia, os EUA/OTAN e a crise da Ucrânia: a Geopolítica da nova Ordem Mundial

por ora às províncias orientais da Ucrânia, pode comemorar a conquista (ou a


reconquista) da estratégica Criméia e, de sobra, dá a clara demonstração ao Ocidente
(como em 2008 na Geórgia), de que não está disposta a baixar a guarda na defesa dos
seus interesses nas áreas de influência que considera seu tradicional Entorno Regional
Estratégico.

Considerações finais
89 A política internacional tem sido examinada atualmente pelas perspectivas de uma
miríade de antigas, novas e novíssimas disciplinas, abordagens e mesmo pontos de
vista, disponíveis em inumeráveis publicações acadêmicas de especialistas e da mídia
em geral. A geopolítica é um dos mais antigos desses campos de estudos e claramente,
no caso brasileiro, ela não é atualmente uma área de pesquisa que desperta grande
interesse da comunidade que se dedica a esses temas, sobretudo, no que diz respeito ao
meio acadêmico institucionalizado, tendência observável especialmente na geografia, o
berço da geografia política e da geopolítica.
90 Daí nossa firme disposição de retomar no presente estudo o esforço que se faz
necessário para realçar o modo particular da geopolítica de examinar a política
internacional, mediante um particular viés conceitual e analítico que procura iluminar
uma ou mais das suas faces – neste caso, as relações entre o território e o poder - do
nosso poliédrico e complexo objeto de estudo e que por vezes não são sobrelevadas
pelos estudiosos da área.
91 A escolha do tema da restauração da Rússia como grande potência e a sua intensa
movimentação na cena internacional atual foi proposital, pois ele nos permite explorar
desde as questões de maior abrangência e significado para os rumos dominantes da
política mundial – a escala da ordem global -, como as estratégias e padrões de atuação
de um ator de primeira grandeza vis-a-vis seus principais antagonistas, até o exame de
eventos e de suas repercussões em outras escalas, isto é, nacionais, regionais e locais.
92 Finalmente, esse ensaio também contribui para reforçar a posição geral que temos
procurado defender no meio acadêmico e fora dele, fundada basicamente na convicção
de que não existe política internacional sem geopolítica e, especialmente, geopolítica
sem geografia.

Bibliografia
Alexander, J., The Petrine Era and After, in Freize, G.L. (ed.), Russia, a History, Oxford
University Press, N. York, 1997.
Banuazizi, A. e Weiner, M., (ed.), The New Geopolitics of Central Asia and its Borderlands.
Indiana University Press, Indianapolis, 1994.
Bassin, M., Geographies of Imperial Identity, in Lieven, D. (ed.), The Cambridge History of
Russia, Vol. II (Imperial Russia, 1689-1917), Cambridge university Press, N. York, 2006.
Bin, Y., China-Russia Relations: “Western Civil War Déjà-Vu?”, in Comparative Connections, A
Triannual E-Journal on East Asian Bilateral Relations, May, 2014.
Cohen, S. B., Geopolitics of the World System. Roman & Littlefield Publishers, Boston, 2003.
Costa, W. M., Geografia Política e Geopolítica: discursos sobre o território e o poder. Hucitec-
Edusp, São Paulo, 1994.
Costa, W. M., Projeção do Brasil no Atlântico Sul: geopolítica e estratégia, in Revista Confins, Nº
22, 2014.
DOI : 10.4000/confins.9839
Dugin, A., A Geopolítica da Rússia Contemporânea, Versila, São Paulo, 2014, p. 3.
Filler, A., l’Identité Nationale Russe : anatomie d’une représentation, in Revue Hérodote,
(Dossier “Russie”), nº 138, 3º Trimestre, 2010.
Foucher, M., Obsessão Por Fronteiras. Radical Livros, São Paulo, 2009.
Fukuyama, F., The End of History and the Last Man. Free Press, New York, 1992.
George, P., Geografia da U.R.S.S., Difel, São Paulo, 1970.

https://journals.openedition.org/confins/10551#text 19/22
24/09/2018 O reerguimento da Rússia, os EUA/OTAN e a crise da Ucrânia: a Geopolítica da nova Ordem Mundial
Itoh, S., Russia Looks East: Energy Markets and Geopolitics in Northeast Asia. CSIS - Center of
Strategic and International Studies, Washington, 2011.
Kissinger, H., Sobre a China, Objetiva, São Paulo, 2011
Kolmann, N. S., Muscovite Russia: 1450-1598, in Freize, G. L. (ed.), Russia, a History, Oxford
University Press, N. York, 1997.
Kolossov, V., Les Représentations de l’Eurasie en Russie, in Foucher, M. (Directeur), Asies
Nouvelles, Belin, Paris, 2002.
Martin, J., From Kiev to Moscow: the beginnings to 1450, in Freize, G. L. (ed.), Russia, a History,
Oxford University Press, N. York, 1997.
Mukaiyama, Y., Deciphering China’s Assertiveness in Cross-Border Incidents: Lessons for the
Japanese Police. CSIS (Japan Chair Platform), September, 10-2012.
Rosenau, J., Governance without Government: Order and Change in World Politics.
(Cambridge Studies in International Relations), Paperback, New York, 1992.
Shvedov, V. e Gras, C., Extrême-Orient russe, une incessante (re)conquête économique, in,
Revue Hérodote, (Dossier “Russie”), nº 138, 3º trimestre, 2010.
SIPRI – Stockholm International Peace Research Institute. Annual Report, 2014.

Notas
1 Fukuyama, F., The End of History and the Last Man, Free Press, New York, 1992 e Rosenau, J.,
Governance without Government: Order and Change in World Politics (Cambridge Studies in
International Relations), Paperback, New York, 1992.
2 Um exame exaustivo do que aqui é denominado de geopolítica clássica ou tradicional, encontra-
se em Costa, W. M., Geografia Política e Geopolítica: discursos sobre o território e o poder,
Hucitec-Edusp, São Paulo, 1992.
3 As diversas intersecções da Geografia Política com as principais escolas de pensamento da
Teoria das Relações Internacionais e, especialmente, com as obras mais destacadas dos pais
fundadores do realismo político são abordadas por Costa, W. M., Território e Política em Tempos
de Mudanças Globais, Tese de Livre-Docência, FFLCH-USP, São Paulo, 2005.
4 Esse notável movimento de aproximação entre os dois gigantes da Ásia após o início dos anos
1990 é destacado por Foucher, M., Obsessão Por Fronteiras, Radical Livros, São Paulo, 2009.
Uma das consequências dessas novas relações de cooperação entre a Rússia e a China é a
abertura das fronteiras nessas regiões comuns do Extremo-Oriente russo, incluindo a livre
circulação de mercadorias e pessoas e a criação de distritos especiais de comércio e de produção
industrial conjunta. Matérias da mídia de Moscou tem mencionado que devido ao acelerado
crescimento da economia do país vizinho nos últimos anos, estaria ocorrendo uma “invasão
chinesa” envolvendo levas de imigrantes e de mercadorias na região. Cf. Shvedov, V. e Gras, C.,
Extrême-Orient russe, une incessante (re)conquête économique, in Doissier “Russie”, Revue
Hérodote Nº 138, 3º trimestre, 2010.
5 A disputa por essas ilhas ocorre no contexto da retomada de antigas e profundas rivalidades
entre as duas potências asiáticas que remontam às invasões japonesas nos anos trinta e na
Segunda Guerra. O recrudescimento dessas rivalidades tem justificado movimentos recentes de
fortalecimento da aliança entre os EUA e o Japão (novo Tratado de Cooperação Militar foi
firmado neste ano) e um expressivo programa de investimentos na ampliação e modernização do
seu arsenal de guerra, tendo como focos a força naval e a aviação de caça. Ver a respeito
Mukaiyama, Y., Deciphering China’s Assertiveness in Cross-Border Incidents: Lessons for the
Japanese Police, CSIS (Japan Chair Platform), September, 10-2012.
6 Essa política de fortalecimento dos laços do país com a China e de ampliação da sua ação
diplomática com a Ásia e países emergentes de outros continentes também inspirou a criação dos
BRICS, em 2009, envolvendo, além dos dois países, a Índia e o Brasil e (a partir de 2011) a África
do Sul. Na reunião de cúpula de 2014, no Brasil, os cinco países decidiram criar um organismo
financeiro multilateral – o Novo Banco de Desenvolvimento – voltado para investimentos em
projetos de interesse nacional de países em desenvolvimento.
7 Esse atual estágio de relacionamento entre os dois países também se expressa no plano
simbólico, como nas recentes demonstrações públicas dos seus dois dirigentes nos Jogos
Olímpicos de Inverno de Sochi na Rússia, ou no inusitado evento após os Jogos, quando as
marinhas dos dois países promoveram a primeira manobra naval conjunta e justamente em
águas do Mediterrâneo. Sobre esse novo clima de relações, ver Bin, Y., China-Russia Relations:
“Western Civil War” Dèja-Vu?”, in Comparative Connections, A Triannual E-Journal on East
Asian Bilateral Relations, May, 2014.
8 Além do novo Tratado de Cooperação Militar com o Japão, assinado em de 2014, os EUA
também renovaram recentemente suas alianças militares com Austrália, Singapura e Filipinas.
9 Dugin, Aleksandr. A Geopolítica da Rússia Contemporânea, Versila, São Paulo, 2014, p. 3

https://journals.openedition.org/confins/10551#text 20/22
24/09/2018 O reerguimento da Rússia, os EUA/OTAN e a crise da Ucrânia: a Geopolítica da nova Ordem Mundial
10 Martin, J., From Kiev to Moscow: the beginnings to 1450, in Freize, G. L. (ed.), Russia, a
History, Oxford University Press, N. York, 1997
11 Essa expansão em direção ao Oeste ocorreu ao longo dos séculos XVIII e XIX e foi o resultado
de vitórias nas guerras travadas com a Suécia e a Polônia. Em 1721 formaliza as anexações da
Estônia e da Lituânia e em 1809 da Finlândia. Cf. Cohen, S. B., Geopolitics of the World System,
Roman & Littlefield Publishers, Boston, 2003
12 Entre o final do século XV e o final do século XVI a Rússia esteve envolvida em mais da metade
desse período em conflitos armados no Front Ocidental (ou europeu), nos quais teve que
enfrentar a resistência a esses avanços por parte da Suécia, da Polônia e da atual Lituânia. Cf.
Kolmann, N. S., Muscovite Russia: 1450-1598, in Freize, G. L. (ed), op. cit.
13 Cf. Alexander, J., The Petrine Era and After, in Freize, G.L. (ed.), op. cit.
14 Cf. Bassin, M., Geographies of Imperial Identity, in Lieven, D. (ed.), The Cambridge History of
Russia, Vol II (Imperial Russia, 1689-1917), Cambridge university Press, N. York, 2006.
15 Cf. George, P., Geografia da U.R.S.S., Difel, São Paulo, 1970
16 Cf. Shvedov, V. e Gras, C., Extrême-Orient russe, une incessante (re)conquête économique, op.
Cit.
17 Kissinger, H., Sobre a China, Objetiva, São Paulo, 2011
18 Cf. Costa, W. M., Geografia Política e Geopolítica: discursos sobre o território e o poder
(Temas e Problemas Contemporâneos), op. cit.
19 O potencial de conflitos entre a Rússia e seus vizinhos do Cáucaso e da Ásia Central logo após
o colapso da URSS, é tratado por Banuazizi, A. e Weiner, M., (ed.), The New Geopolitics of
Central Asia and its Borderlands. Indiana University Press, Indianapolis, 1994.
20 A OTAN foi criada em 1950 e reformulada em 1999. Neste ano ingressam nela a República
Tcheca, Hungria, Estônia, Romênia, Eslováquia, Bulgária e Eslovênia. Em 2009, Croácia e
Albânia e mantém tratados de cooperação com Geórgia, Azerbaijão, Cazaquistão e Moldávia. Esse
renovado ambiente de fricções entre os EUA/Otan e a Rússia na Europa tem contribuído para
aumentar o sentimento de frustação e de apreensão dos analistas e da população em geral que
julgavam ter superado o quadro de permanente ameaça do período da Guerra Fria. Ver a respeito
o Dossier que a Revista Hérodote preparou sobre o tema (“Vers Une Nouvelle Europe de L’Est?”),
n° 128, 1° trimestre 2008.
21 Kolossov, V., Les Représentations de l’Eurasie en Russie, in Foucher, M. (Dirécteur), Asies
Nouvelles, Belin, Paris, p. 357. Para Kolossov, o mais destacado dos líderes desse movimento é o
geógrafo e geopolítico Alekandr Dugin, que além de ter publicado obra importante nessa área -
(Fundamentos da Geopolítica: o futuro geopolítico da Rússia, 1997), lançou a Revista de
Geopolítica “Elementy”
22 Filler, A., L’Identité Nationale Russe: anatomie d’une représentation, in Hérodote, op. cit.
23 Cf. Itoh, S, Russia Looks East: Energy Markets and Geopolitics in Northeast Asia, CSIS -
Center of Strategic and International Studies, Washington, 2011
24 Segundo o relatório anual do SIPRI – Stockholm International Peace Research Institute, de
2014, a Rússia elevou substancialmente seus gastos militares a partir de 1999 e aprovou um
ambicioso programa de investimentos na modernização das forças armadas para o período 2011-
2020. Além disso, tem incrementado sua produção de equipamento militar e atualmente exporta
material bélico para um total de 52 países, dentre os quais se destacam China, Índia e Argélia e,
na América Latina, a Venezuela. Do total exportado, 28% são constituídos por material de
combate naval, aí incluída a venda de um Porta-Aviões para a Índia
25 Cf. Foucher. M., Obsessão por Fronteiras, op. cit.
26 Entre os argumentos dos separatistas pró-Rússia da Criméia que proclamaram a sua
independência é que, na verdade, essa província conquistara o status de autonomia desde as suas
origens. De fato, a província, então um território independente habitado pelos tártaros, havia
sido integrada pelo Império Russo em 1783, por Catarina II. Foi sob o governo de Joseph Stálin
que perdeu a autonomia que gozava dentro da Federação Russa (soviética), processo esse que foi
acompanhado pela deportação da maioria de sua antiga população de tártaros e a migração
maciça de russos para lá, de fato uma estratégia de russificação da província.
27 Observe-se que o enclave (a rigor um exclave) russo de Kaliningrado Oblast que sedia sua
frota naval do Báltico e o 11º Exército é uma ponta de lança das forças armadas do país
estrategicamente posicionada entre a Polônia e a Lituânia.

Índice das ilustrações


Título Figura 1 – O Império Czarista Russo

Créditos http://www.maquetland.com/v2/images_articles2/images/
5_1689_1900.gif
URL http://journals.openedition.org/confins/docannexe/image/10551/img-
https://journals.openedition.org/confins/10551#text 21/22
24/09/2018 O reerguimento da Rússia, os EUA/OTAN e a crise da Ucrânia: a Geopolítica da nova Ordem Mundial
1.png
Ficheiro image/png, 75k
Título Figura 2 – Expansão da OTAN
Créditos Master, J. (ed.), Council on Foreign Relations, february 27, 2015.
http://journals.openedition.org/confins/docannexe/image/10551/img-
URL
2.jpg
Ficheiro image/jpeg, 232k
Título Figura 2 – O Grande Cáucaso e suas nacionalidades
Créditos Fonte: John O’Loughin – University of Colorado at Boulder, 2007
URL http://journals.openedition.org/confins/docannexe/image/10551/img-
3.png
Ficheiro image/png, 840k
Título Figura 4 – As Províncias Russófonas da Ucrânia
Créditos Wikimedia Commons, 2015
URL http://journals.openedition.org/confins/docannexe/image/10551/img-
4.png
Ficheiro image/png, 130k

Para citar este artigo


Referência eletrónica
Wanderley Messias da Costa, « O reerguimento da Rússia, os EUA/OTAN e a crise da Ucrânia:
a Geopolítica da nova Ordem Mundial », Confins [Online], 25 | 2015, posto online no dia 09
novembro 2015, consultado o 24 setembro 2018. URL :
http://journals.openedition.org/confins/10551 ; DOI : 10.4000/confins.10551

Autor
Wanderley Messias da Costa
Professor Titular do Departamento de Geografia da USP e especialista em Geografia Política e
Relações Internacionais, wander@usp.br

Artigos do mesmo autor


Projeção do Brasil no Atlântico Sul: geopolítica e estratégia [Texto integral]
Publicado em Confins, 22 | 2014
O Brasil e a América do Sul: cenários geopolíticos e os desafios da integração [Texto
integral]
Publicado em Confins, 7 | 2009

Direitos de autor

Confins – Revue franco-brésilienne de géographie est mis à disposition selon les termes de la
licence Creative Commons Attribution - Pas d’Utilisation Commerciale - Partage dans les Mêmes
Conditions 4.0 International.

https://journals.openedition.org/confins/10551#text 22/22

Você também pode gostar