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INTRODUÇÃO
Pensando criticamente sobre geopolítica
Gearóid Ó Tuathail
Todos os conceitos têm histórias e geografias e o
termo “geopolítica” não é exceção. Cunhada
originalmente em 1899 por um cientista político sueco
chamado Rudolf Kjellen, a palavra “geopolítica” teve
uma longa e variada história no século XX, indo muito
além do seu significado original no trabalho de Kjellen
para significar uma preocupação geral com a
geografia e a política (geopolítica). -política). Encontrar
uma definição específica de geopolítica é
notoriamente difícil, pois o significado de conceitos
como geopolítica tende a mudar à medida que
mudam os períodos históricos e as estruturas da
ordem mundial. A geopolítica é melhor compreendida
em seu contexto histórico e discursivo de uso. Nos
primeiros anos do século XX, Kjellen e outros
pensadores imperialistas entendiam a geopolítica
como aquela parte do conhecimento imperial
ocidental que tratava da relação entre a terra física e a
política. Associado mais tarde ao notório objectivo da
política externa nazi deLebensraum(a busca de mais
“espaço vital” para a nação alemã), o termo caiu em
desuso entre muitos escritores e comentaristas após a
Segunda Guerra Mundial (O'Loughlin, 1994). Durante
os últimos anos da Guerra Fria, a geopolítica foi usada
para descrever a competição global entre a União
Soviética e os Estados Unidos pela influência e
controlo sobre os estados e recursos estratégicos do
mundo. O antigo secretário de Estado dos EUA, Henry
Kissinger, ajudou quase sozinho a reavivar o termo na
década de 1970, utilizando-o como sinónimo do jogo
das superpotências da política de equilíbrio de poder
que se desenrolava no mapa político global (Hepple,
1986).
Desde então, a geopolítica tem desfrutado de um renascimento de
interesse em todo o mundo, à medida que decisores de política externa,
analistas estratégicos, gestores transnacionais e
os académicos têm lutado para dar sentido à dinâmica
do mapa político mundial. Uma razão pela qual a
geopolítica se tornou popular mais uma vez é que ela
lida com visões abrangentes do mapa político
mundial. A geopolítica aborda o “quadro geral” e
oferece uma forma de relacionar a dinâmica local e
regional com o sistema global como um todo.
Enquadra uma grande variedade de dramas, conflitos
e dinâmicas dentro de uma grande perspectiva
estratégica, oferecendo um ponto de vista olímpico
que muitos consideram atraente e desejável. Além
disso, embora seja inevitavelmente textual, promove,
no entanto, uma forma de pensar espacial que
organiza diferentes actores, elementos e locais
simultaneamente num tabuleiro de xadrez global.
Tem um prestígio global multidimensional – global
tanto num sentido geográfico (mundial) como
conceptual (abrangente e total) – eparece mais visual
do que verbal, mais objetivo e distanciado do que
subjetivo e ideológico. Além disso, a geopolítica
interessa a certas pessoas porque parece prometer
uma visão invulgar sobre a direcção futura dos
assuntos internacionais e a futura configuração do
mapa político mundial. Muitos decisores e analistas
recorrem à geopolítica em busca de visões de bola de
cristal do futuro, visões que vão além da confusão
turva do imediato para oferecer vislumbres de um
futuro onde as divisões do conflito e da cooperação
são claras. Num mundo cada vez menor e acelerado,
de intensa compressão tempo-espaço forjada pelas
revoluções das telecomunicações e pela globalização
das redes e redes económicas, o desejo por
perspectivas que ofereçam “insights intemporais” é
mais forte do que nunca. Em suma, em tempos pós-
modernos complexos, as visões geopolíticas e os
visionários parecem prosperar.
2 GEARÓID Ó TUATHAIL
Nos dias de hojenovoordem mundial, as
especificações da relação pós-Guerra Fria entre
geografia, poder e ordem mundial variam
consideravelmente à medida que os visionários
geopolíticos competem entre si para delimitar uma geopolítico, documentando o entrelaçamento das visões
“nova geopolítica”. Para alguns, o fim da Guerra
Fria permitiu a emergência de uma nova ordem
geopolítica dominada por questões e questões
geoeconómicas, um mundo onde a globalização da imperiais desta época tivessem filosofias geopolíticas
actividade económica e os fluxos globais de
comércio, investimento, mercadorias e imagens
estão a refazer os Estados, soberania e a estrutura
geográfica do planeta. Para outros, a “nova
geopolítica” descreve um mundo dominado já não
por lutas territoriais entre blocos concorrentes,
mas por problemas transnacionais emergentes
como o terrorismo, a proliferação nuclear e o
conflito de civilizações. Para outros ainda, a relação ordem mundial e um complexo de discursos e práticas
da política com a Terra é mais importante do que
nunca, à medida que os Estados e os povos
luta para lidar com as questões ambientais dos Estados Unidos e da União Soviética.
degradação, esgotamento de recursos, transnacional
poluição e aquecimento global. Para o
intelectual e decisor político com mentalidade
ambiental, a “nova geopolítica” não é
geoeconomia, mas sim política ecológica ou
ecopolítica. Claramente, existem muitas visões
concorrentes da “nova geopolítica”.
Ao compilarmos pela primeira vez um Leitor de
Geopolítica, tentamos recolher os exemplos mais
esclarecedores da antiga e da nova geopolítica, da
geopolítica histórica do início do século XX, bem como
da nova geopolítica multidimensional do final do
século XX. Um simples contraste entre uma
geopolítica antiga e uma nova ou uma geopolítica
clássica e contemporânea, no entanto, é inadequado
como meio de compreender a heterogeneidade dos
discursos geopolíticos tanto no passado como no
presente. Respeitando a importância das dimensões
históricas da geopolítica, mas desejando também
transmitir adequadamente as contestações históricas
e contemporâneas em torno da geopolítica,
compomos um Leitor de cinco partes, duas das quais
abordam a geopolítica historicamente e duas das
quais tratam da geopolítica de hoje, enquanto o a
seção final aborda a resistência à geopolítica tanto
histórica quanto contemporânea. Inevitavelmente,
devido aos limites do espaço, tivemos que deixar de
fora certas leituras, perspectivas e
rivalidades geopolíticas regionais, uma decisão que não
significa que consideremos a sua importância marginal.
A Parte 1 do Leitor é a mais curta em termos de
leituras. Aborda as origens imperialistas do pensamento
geopolíticas com a estratégia imperialista e o pensamento
racista supremacista branco no período que antecedeu a
Segunda Guerra Mundial. Embora todas as potências
marcadas por atitudes e crenças racistas, optámos por
nos concentrar na rivalidade fundamental entre o Império
Britânico e o Estado alemão no início do século XX, uma
rivalidade que esteve no cerne da Primeira Guerra
Mundial. e II.
A Parte 2 aborda a geopolítica da Guerra Fria,
documentando as origens, consequências e eventual
passagem da Guerra Fria como uma estrutura de
geopolíticas. Novamente, optamos por focar na
rivalidade principal, desta vez entre o
Na Parte 3 fornecemos uma introdução aos
debates geopolíticos sobre a natureza e o significado
da “nova ordem mundial” que foi oficialmente
proclamada como tal pelo Presidente Bush durante a
crise do Golfo e a subsequente guerra contra o Iraque
em 1990-1991. Dado que o fim da Guerra Fria deixou
efectivamente os Estados Unidos como a única
superpotência remanescente, concentrámo-nos em
tentativas centradas nos EUA para dar significado a
esta “nova ordem mundial”.
A Parte 4 é dedicada exclusivamente à geopolítica
ambiental. Com a destruição da floresta tropical a
continuar inabalável, os níveis de poluição em muitas
cidades a atingir novos níveis perigosos e a destruição
do ozono atmosférico a ocorrer a taxas alarmantes, a
política de como a Terra é (ab)usada e gerida é agora
mais importante do que nunca. As leituras que
escolhemos fornecem uma introdução às muitas lutas
políticas sobre a natureza, o significado e a causa das
mudanças ambientais contemporâneas.
A Parte 5 é uma seção inovadora dedicada ao
tema da resistência e da geopolítica. Embora
enfatizemos a natureza essencialmente
contestada dos discursos geopolíticos ao longo
das outras partes do livro e incluamos muitas
leituras críticas dentro deles, sentimos que era
importante documentar o lado muitas vezes
negligenciado ou ignorado da geopolítica.
 PENSANDO CRÍTICAMENTE SOBRE GEOPOLÍTICA 3

Dado que, como veremos, grande parte da
geopolítica no passado estava preocupada com a
expansão imperialista e com as lutas ideológicas
entre estados territoriais concorrentes, sentimos
que era importante reconhecer e documentar a
tentativa de muitos intelectuais críticos e
movimentos sociais ao longo da história de resistir
à “geopolítica internacional de cima” dos Estados
hegemónicos e afirmar, em oposição, a sua própria
“geopolítica de baixo” localizada. Dado que a
geopolítica tem sido durante muito tempo uma
prática militarista monopolizada pelas elites
estatistas, políticos conservadores e “especialistas”
geopolíticos, é importante que ampliemos o
debate e consideremos as muitas vozes diferentes
– direitos civis das minorias, pós-coloniais,
indígenas, feministas, sindicalista, etc. - opondo-se
à compreensão e prática dominantes da
geopolítica por parte dos “estadistas” da política
externa e dos chamados “homens sábios” (Enloe,
1990; Isaacson e Thomas, 1986). Finalmente, o
leitor conclui com uma reflexão sobre as diversas
dimensões da geopolítica como conhecimento e
poder no final do século XX.
um olhar anti-geopolítico (Dodds, 1996; Ó
Tuathail, 1996a).
Informar e organizar o Leitor como um todo é
uma visão crítica da geopolítica, perspectiva que
passou a ser conhecida como “geopolítica
crítica” (Ó Tuathail, 1996b). Definida de forma
concisa, a geopolítica crítica procura revelar as
políticas ocultas do conhecimento geopolítico. Em
vez de definir a geopolítica como uma descrição
não problemática do mapa político mundial, trata a
geopolítica como um discurso, como uma forma
cultural e politicamente variada de descrever,
representar e escrever sobre geografia e política
internacional. A geopolítica crítica não pressupõe
que o “discurso geopolítico” seja a linguagem da
verdade; antes, entende-o como um discurso que
procura estabelecer e afirmar as suas próprias
verdades. A geopolítica crítica, por outras palavras,
politiza a criação de conhecimento geopolítico por
intelectuais, instituições e estadistas praticantes.
Trata a produção do discurso geopolítico como
parte da própria política e não como uma descrição
neutra e distanciada de uma realidade
transparente e objetiva (Dodds e Sidaway, 1994).

Cada seção do Reader contém uma introdução
abrangente às leituras que se seguem. Estas
introduções situam as leituras no seu contexto
histórico e geográfico e discutem o seu significado
na história da política internacional e da ordem
mundial. Sempre que possível, tentamos incluir
leituras que comentam e/ou criticam diretamente
umas às outras. Desta forma, você poderá apreciar
a natureza essencialmente contestada das leituras
e dos textos geopolíticos. Para prosseguir este
objectivo, optámos também por ilustrar o Leitor
com imagens e cartoons políticos que são eles
próprios “textos geopolíticos” de natureza
graficamente visual. Algumas dessas imagens são
perturbadoras, enquanto outras são o tipo de
A fim de ajudá-lo a pensar criticamente sobre as
dimensões multifacetadas e fascinantes da
geopolítica, desejamos delinear dois “métodos de
estudo” que os geopolíticos críticos aplicam no
estudo da geopolítica. Cada um desses “métodos”
o ajudará a desenvolver uma compreensão mais
profunda das leituras que compõem este volume.
Eles fornecem uma estrutura conceitual para
avaliar os argumentos e afirmações feitas nas
leituras. Irão também reforçar o argumento central
que este leitor procura apresentar, nomeadamente
quea produção de conhecimento geopolítico é uma
atividade política essencialmente contestada. A
geopolítica, em suma, tem a ver com política!

imagens humorísticas que revelamGEOPOLÍTICA, DISCURSO E ansiedades e

investimentos psíquicos não reconhecidos que muitas vezes motivam a teoria e a
“ESPECIALISTAS”

prática geopolítica. Os melhores destes cartoons, como os de Tony Auth, Steve Bell e
Matt Wuerker (1992), são actos de transgressão que põemfrancês
O filósofo em causa asFoucault
Michel relaçõesafirmou certa
dominantes de poder, verdade e conhecimento. vezEm que
contraste comdo
“o exercício o olhar
poder olímpico
cria perpetuamente
do geopolítico, eles implantam conhecimento e, inversamente, o conhecimento
induz constantemente efeitos de poder” (Foucault,
1980:52). Ao longo de suas muitas obras históricas
e filosóficas desafiadoras, Foucault
4 GEARÓID Ó TUATHAIL
procurou documentar como as estruturas de poder na
sociedade (os militares, a polícia, os médicos e os
sistemas judiciais, por exemplo) criam estruturas de
conhecimento que justificam o seu próprio poder e
autoridade sobre as populações sujeitas. Os militares,
por exemplo, explicam e justificam o seu poder na
sociedade promovendo um discurso sobre a
“segurança nacional”, um discurso no qual afirmam
ser autoritários e especializados. Este discurso
importante e em constante mudança, por sua vez,
como sugere Foucault, induz os seus próprios efeitos
de poder. Se a maioria dos “especialistas militares”
proclamarem o seu acordo de que “nós” precisamos
de controlar esta região ou comprar esse sistema de
armas para “salvaguardar a nossa segurança
nacional”, então há uma boa probabilidade de que as
instituições militares do Estado recebam recursos
aumentados de recursos políticos. líderes para novas
missões e novos sistemas de armas. Isto nem sempre
acontece, claro, porque outros “especialistas” podem
discordar dos militares ou de outras instituições e
interesses podem protestar contra as grandes
quantias de dinheiro gastas nos militares à custa de
necessidades sociais prementes. segurança social”
frequentemente entra em conflito com o discurso de
“segurança social” de outros intelectuais e grupos de
interesse. Controlar o significado do conceito de
“segurança” – definindo-o repetidamente em termos
militares e não sociais, por exemplo – através do
controlo do discurso dominante sobre o mesmo,
torna-se, portanto, um meio extremamente
importante de exercer o poder dentro de um Estado.
Monopolizar o direito de falar com autoridade sobre
“segurança” em nome de todos – a capacidade de
evocar o “interesse nacional” ou um “nós” universal –
está no cerne da prática do poder. O exercício do
poder, observou Foucault com astúcia, está sempre
profundamente entrelaçado com a produção de
conhecimento e de discurso.
A ideia de geopolítica esteve implicada em
muitas estruturas diferentes de poder/
conhecimento ao longo do século XX (ver Tabela
1). Mesmo antes de o termo geopolítica ter sido
cunhado, vários intelectuais importantes
escreveram sobre a influência da geografia na
condução da estratégia global no final do século
XIX. O historiador naval americano Alfred Mahan
(1840–1914), por exemplo, escreveu sobre a
importância da geografia física – massa
territorial e características físicas
em relação ao mar - no desenvolvimento do poder
marítimo através da expansão dos estados no seu
estudo clássico A influência do poder marítimo na
história,que foi publicado pela primeira vez em 1890
(Mahan, 1957). O caminho para a grandeza nacional,
não surpreendentemente para o oficial naval
profissional Mahan, passou pelo expansionismo naval.
O geógrafo alemão Friedrich Ratzel (1844–1904)
também escreveu sobre a importância da relação
entre o território ou solo e a nação no
desenvolvimento da força imperial e do poder
nacional. Em seu livroGeografia Política(1897), Ratzel,
que foi profundamente influenciado pelo darwinismo
social, considerava o Estado um organismo vivo
envolvido numa luta pela sobrevivência com outros
Estados. Tal como um organismo vivo, o Estado
precisa de se expandir constantemente ou enfrentar a
decadência e a morte. O darwinismo social de Ratzel
celebrava a nação alemã e o solo alemão como
superiores a todos os outros. A Alemanha,
argumentou ele, deveria expandir-se às custas de
estados (organismos) “inferiores” para garantir mais
Lebensraumou espaço vital para si.
Os escritos de Mahan e Ratzel não eram incomuns.
Como veremos na Parte 1, o tema do expansionismo
imperial também foi central nos escritos de Halford
Mackinder, Karl Haushofer, Adolf Hitler e outros.É no
discurso imperialista que a geopolítica emerge pela
primeira vez como conceito e prática. No início do
século XX, a geopolítica é uma forma de poder/
conhecimento preocupada em promover o
expansionismo estatal e em assegurar impérios.
Todos os principais geopolíticos eram imperialistas
brancos conservadores do sexo masculino que
procuravam, à sua maneira, explicar e justificar o
expansionismo imperial através do seu próprio estado
nacional particular ou, como eles e outros
frequentemente o denominaram, a sua “raça”. Como
bem se pode imaginar, os escritos desta casta de elite
de homens estavam repletos da arrogância do
império e do excepcionalismo nacional: o seu país
representava o zénite da civilização; seu modo de vida
era superior ao dos outros; seus ideais eram os ideais
de toda a “humanidade” ou humanidade. Os
geopolíticos consideravam-se donos do globo. Eles
pensavam em termos de continentes e traçavam
estratégias em termos mundiais, rotulando enormes
áreas do globo com nomes como “heartland” e
“rimlands” (Spykman, 1942). Presentes também
estavam vários

tabela 1Discursos de geopolítica
argumentos supremacistas, por vezes expressos
abertamente, mas mais frequentemente assumidos
tacitamente: a suposta supremacia “natural” dos homens
sobre as mulheres; a raça branca sobre outras raças;
Civilização europeia sobre civilizações não europeias. Uma
forma particularmente virulenta deste sexismo, racismo e
chauvinismo nacional entrelaçados foi a ideologia do
Partido Nazista na Alemanha, que celebrava visões
idealizadas da “masculinidade ariana”, ao mesmo tempo
que perseguia e difamava o que construía como
“bolchevismo judaico”. Neste caso, o poder do discurso
tornar-se-ia assassino, uma vez que aqueles que estavam
encurralados na categoria “bolchevismo judaico” foram
inicialmente perseguidos e mais tarde enviados para a
morte em campos de concentração e fábricas de morte
como Auschwitz (Mayer, 1988).
A eclosão da Guerra Fria entre os Estados
Unidos e a União Soviética proporcionou um
PENSANDO CRÍTICAMENTE SOBRE GEOPOLÍTICA 5
novo contexto para a produção de poder/
conhecimento geopolítico no pós-guerra.É no
discurso da Guerra Fria que a geopolítica
amadurece tanto como teoria como prática.
Enquanto a geopolítica imperialista do início do
século XX tendia a enfatizar a influência
condicionante ou determinante da geografia física
na política externa e na estratégia global, a
geopolítica da Guerra Fria que veio a ser produzida
em torno dos EUA e do antagonismo soviético
entrelaçou tão estreitamente a geografia com a
ideologia de que era difícil separar os dois. Halford
Mackinder descreveu parte da massa terrestre
russa como o “coração”, uma região geográfica e
territorial, mas para George Kennan, o arquitecto
da política americana de “contenção” da União
Soviética no pós-guerra, a Rússia nunca foi
simplesmente um território, mas constantemente
6 GEARÓID Ó TUATHAIL
ameaça crescente (Leitura 6). A própria terminologia
geográfica usada para descrever o mapa mundial era
também uma descrição da identidade e da diferença
ideológicas. O Ocidente era mais do que uma região
geográfica; era uma comunidade imaginária de
estados democráticos que supostamente
representava os mais elevados padrões de civilização
e desenvolvimento. Mesmo potências historicamente
“orientais”, como o Japão e a Coreia do Sul, faziam
parte deste “Ocidente” imaginário e simbólico. A União
Soviética foi representada como uma “potência
oriental”, a imagem espelhada do Ocidente. Foi, na
visão crua influenciada pelo cinema do presidente
Ronald Reagan, “o império do mal”. As regiões e os
povos da Europa Oriental eram conhecidos como
“bloco oriental”. Dizia-se que todos os estados com
governos comunistas pertenciam ao “Segundo
Mundo”, o que contrastava com o “Primeiro Mundo”
que era, claro, o Ocidente.
Em distinção tanto do Primeiro como do Segundo
Mundo, especialistas em ciências geopolíticas e sociais
de países capitalistas e comunistas definiram um
chamado Terceiro Mundo de países pobres e em
desenvolvimento a partir do resto heterogéneo que
não se enquadrava em nenhum dos campos. Distinto
não só pelo seu tradicionalismo e significado era marginal (Halberstam, 1972).
subdesenvolvimento, o Terceiro Mundo era As guerras da Coreia, do Vietname e das
conceituado como uma zona de competição entre o
Ocidente e o Oriente e um objeto distinto de estudo
nas ciências sociais do pós-guerra (Pletsch, 1981). Nos
diversos estados do Terceiro Mundo, certas regiões
geográficas tornaram-se zonas de competição feroz e
de estratégias geopolíticas. “Especialistas” geopolíticos
de ambos os lados avaliavam e pesquisavam
constantemente o valor estratégico de regiões como o
Médio Oriente, o Corno de África, a África Austral, a
Indochina, as Caraíbas e a América Central. A
geopolítica tornou-se um jogo de política de
superpotências jogado em todo o mapa mundial. Uma
nova arrogância da Guerra Fria desenvolveu-se em
Washington e Moscovo, à medida que os seus
especialistas geopolíticos concorrentes designavam
espaços do mundo como pertencentes a “nós” ou a
“eles”, ao “mundo livre” em oposição ao “mundo
totalitário” no discurso. da geopolítica ocidental da
Guerra Fria, às “democracias populares” em oposição
ao “Ocidente capitalista e imperialista” no discurso da
geopolítica soviética da Guerra Fria. Tanto os
americanos como os soviéticos estavam preocupados
com a “queda” do
certos estados ao inimigo. Este medo foi
particularmente agudo nos Estados Unidos após a
chamada “queda” da China para o campo soviético em
1949 e rapidamente gerou a histeria anticomunista do
macarthismo “dentro dos Estados Unidos”. O que isto,
por sua vez, ajudou a produzir foi a “teoria do
dominó”, uma forma de raciocínio geopolítico que
conceptualizava os Estados como nada mais do que
dominós potencialmente em queda num grande jogo
de superpotências entre o Oriente comunista e o
Ocidente capitalista. A teoria do dominó marcou a
apoteose da geopolítica da Guerra Fria como um tipo
de poder/conhecimento que ignorava completamente
as características geográficas específicas dos lugares,
povos e regiões. Países complexos como o Vietname
não eram mais do que “apostas” abstractas num jogo
de poder geopolítico global (Leitura 8). A tragédia do
triunfo deste tipo de discurso na cultura política dos
EUA – um triunfo tornado possível pelo macarthismo
que destruiu as carreiras de muitos dos melhores
“especialistas regionais” dos EUA no Vietname e na
China – foi que terminou com os EUA e outros
soldados ocidentais lutando por um lado numa
sangrenta guerra civil num país sobre o qual sabiam
muito pouco e cuja verdadeira estratégia estratégica
subsequentes guerras centro-americanas
patrocinadas por Reagan na década de 1980 são
exemplos vívidos dos “efeitos de poder” e das
consequências assassinas do discurso da geopolítica
da Guerra Fria. O mesmo pode ser dito das
intervenções soviéticas na Hungria em 1956, na
Checoslováquia em 1968 e no Afeganistão em 1979.
Como consequência do fim da Guerra Fria no início
da década de 1990, a política internacional passou por
uma crise de significado. A velha luta definidora entre
um Ocidente capitalista e um Oriente comunista já
passou. Nenhuma luta abrangente e definidora da
política internacional tomou o seu lugar. Muitos
especialistas, no entanto, tentaram definir o que
afirmam ser os contornos essenciais da nova ordem
mundial.É no discurso sobre a nova ordem mundial
que a geopolítica está a ser renovada e reespecificada
como abordagem e prática.Antes mesmo da
dissolução da União Soviética, especialistas
intelectuais como Francis Fukuyama e Edward Luttwak
ofereceram diferentes visões da nova ordem mundial
pós-Guerra Fria. Oferecendo uma versão do final do
século XX do
 PENSANDO CRÍTICAMENTE SOBRE GEOPOLÍTICA 7

Com a arrogância ocidental de longa data em relação ao foco e preocupação consideráveis, uma
resto do mundo, Fukuyama afirmou que a humanidade externalidade objectivada que necessita de estudo
estava a chegar ao “fim da história”, pois o liberalismo e gestão e um sistema dinâmico que é a fonte de
ocidental estava a triunfar na maior parte do planeta. Os muitos dos nossos mais recentes discursos de
atuais estados ocidentais estavam no auge da história; a ameaça e perigo. Entrelaçada com muitas outras
maior parte do resto do mundo estava, finalmente, questões como o desenvolvimento, o crescimento
percebendo isso (Leitura 13). Em contraste com a visão populacional e as estruturas de desigualdade no
idealista do Ocidente e do resto de Fukuyama, Edward mundo, a questão da “natureza” tornou-se o
Luttwak previu um mundo onde os estados, como “problema do ambiente”, enquanto a escala deste
entidades territoriais, continuariam a competir entre si, problema – inicialmente local e nacional – foi
embora agora em conflitos geoeconómicos e não conceptualizada como global. Novo objecto de
geopolíticos (Leitura 14). Ele enfatizou os conflitos discursos que não existiam há algumas décadas, o
comerciais entre os Estados Unidos e o Japão de uma “ambiente global” é agora objecto de consideráveis
forma que sugeria uma nova linha de divisão entre o esforços de investigação científica no mundo
Ocidente (Estados Unidos) e o Oriente (Japão) em industrializado avançado, de conferências
desenvolvimento nos assuntos mundiais. transnacionais e estatutos jurídicos e dos mais
A visão de Luttwak da geoeconomia é fortemente recentes discursos sobre o global por uma casta
visões geoeconómicas estatistas, mas outras, sublinham a importância dos intelectuais que podemos descrever
como o declínio relativo dos Estados e a importância dos “geopolíticos ambientais”.Está dentro
fluxos e instituições transnacionais.discursos sobre a mudança ambiental global que
“Liberalismo transnacional” ou “neoliberalismo” a relação entre a terra e o humano dentro da
é uma doutrina que sustenta que a globalização do
tradição geopolítica está a ser renegociada e
comércio, da produção e dos mercados é um
uma nova “geopolítica ambiental” está a ser
desenvolvimento necessário e desejável nos
criada.Tal como outros discursos geopolíticos,
assuntos mundiais (Agnew e Corbridge, 1995). É
este domínio relativamente novo do
mais notavelmente articulado (com vários graus de
conhecimento tem os seus próprios sistemas
entusiasmo) pelos líderes dos estados
específicos de especialização, instituições de
industrializados do Grupo dos Sete (G7) (Canadá,
governação, castas de intelectuais “verdes”,
França, Alemanha, Itália, Japão, Reino Unido e
visões perspectivistas do globo e relações de
Estados Unidos) e por “especialistas” económicos
poder. Como demonstram as leituras da Parte 4,
neoliberais. ”No Fundo Monetário Internacional
a definição, a delimitação e as dimensões
(FMI), no Banco Mundial e na Organização Mundial
geográficas do “problema ambiental global” são
do Comércio (OMC). Em contraste com o
essencialmente contestadas. O conhecimento
optimismo sobre a globalização articulado pelos
do “ambiente global” nunca é neutro e isento de
neoliberais, o cientista político neoconservador
valores. Muitas das medidas propostas para
americano Samuel Huntington sublinha o poder
abordar a degradação e a poluição ambientais
dos blocos geoculturais transnacionais sobre os
globais reflectem interesses adquiridos e
fluxos geoeconómicos transnacionais na sua visão
do futuro da ordem mundial. Huntington
protegem certas estruturas de poder que estão
argumenta que antigos blocos civilizacionais profundamente implicadas na criação e
sustentam os assuntos mundiais. Obscurecidos perpetuação de problemas ambientais.
pela Guerra Fria, estão a emergir mais uma vez
como linhas de ruptura de um choque de
INTELECTUAIS, INSTITUIÇÕES E
civilizações entre o Ocidente e o resto (Leitura 19).
IDEOLOGIA
Coexistindo com estes discursos sobre a nova
ordem mundial estão discursos relacionados e
conjuntos de especialistas que abordam as políticas de Ao especificar a geopolítica tal como a temos dentro de

mudança ambiental. Inicialmente uma questão pouco formações discursivas mais amplas – discurso

preocupante, o “meio ambiente” emergiu ao longo das imperialista, discurso da Guerra Fria e discursos sobre a

últimas décadas como objeto de preocupação. nova ordem mundial e a mudança ambiental global –
8 GEARÓID Ó TUATHAIL
notámos a importância dos chamados “especialistas” na
especificação e proclamação de certas “verdades” sobre a
política internacional. Os processos pelos quais certas
figuras intelectuais se tornam “especialistas” e são
promovidas ou certificadas como tal por instituições como
os meios de comunicação social, a academia e o Estado,
enquanto outras vozes e perspectivas intelectuais são
marginalizadas, variam consideravelmente ao longo do
tempo e no espaço. Na maioria dos casos, estes processos
são bastante complicados, envolvendo factores como a
escolaridade e a socialização, o género e as redes sociais,
o local, a personalidade e as crenças políticas. Como
ferramenta crítica para pensar sobre estas questões, o
triângulo formado por intelectuais, instituições e
ideologia é algo que se deve ter em mente quando se
pensa em geopolítica como poder/conhecimento (ver
Figura 1). Vamos considerar cada ponto deste triângulo
em detalhes.
A prática da política há muito que produz os seus
próprios intelectuais, aqueles teóricos e antigos
profissionais que escreveram e continuam a escrever
livros sobre “como fazer” sobre política internacional.
Um dos mais famosos livros de “como fazer” é
figura 1Geopolítica como poder/conhecimento
MaquiavelO príncipeno qual ele descreve uma série
de práticas (muitas delas bastante criminosas) que
o príncipe deveria seguir se desejasse permanecer
no poder. Esta literatura de “conselhos ao príncipe”
é a especialização deintelectuais de política,aqueles
intelectuais que oferecem regras normativas e
imperativas para a condução da estratégia e da
política pelos governantes do estado. Os
intelectuais da arte de governar adoptam uma
abordagem teórica de “resolução de problemas”,
tomando as instituições existentes e a organização
do poder estatal tal como as encontram e
teorizando a partir da perspectiva destas
instituições e relações de poder. O seu objectivo
não é mudar a organização do poder dentro de um
Estado, mas aumentar e facilitar o seu bom
funcionamento (Cox, 1986). Em estados
dominantes como a Grã-Bretanha durante o século
XIX e os Estados Unidos após a Segunda Guerra
Mundial, os intelectuais da política são os
funcionários que pensam estrategicamente tendo
em mente os interesses do Estado e abordam os
seus problemas de “gestão hegemónica”.

Ao longo dos anos, a literatura produzida por
intelectuais de política aspirantes, estabelecidos e
reformados tornou-se uma indústria editorial por
direito próprio, com numerosos livros e revistas todos
os anos dedicados ao debate sobre a conduta da
política. Dentro desta comunidade de “solucionadores
de problemas” para o Estado, algumas figuras são
normalmente promovidas, representadas e tratadas
como “mestres estrategistas” ou “eminências
cinzentas” pela indústria editorial e pelos meios de
comunicação de massa. Uma dessas figuras é Henry
Kissinger, outro chefe de Kissinger, o ex-presidente
Richard Nixon. Um político que ganhou destaque nos
Estados Unidos como um cruzado anticomunista ao
lado de Joseph McCarthy, Nixon ansiava pela aceitação
como um “estadista sénior” da sociedade política e dos
meios de comunicação dos EUA, especialmente dada a
desgraça da sua demissão da presidência. Para atingir
este fim, Nixon produziu regularmente livros e artigos
geopolíticos nos quais pontificava sobre a política
internacional e o que o actual presidente precisava de
fazer. Apesar dos seus crimes (tanto nacionais como
internacionais), Nixon alcançou um sucesso
considerável, tornando-se conselheiro ocasional do
Presidente Bush e até do Presidente Clinton. Seus
livros também foram amplamente lidos por
diplomatas e jornalistas influentes.
A geopolítica e os geopolíticos precisam ser
compreendidos no contexto da longa tradição da
literatura de “conselhos ao príncipe”. Historicamente,
os geopolíticos eram intelectuais da arte de governar
que enfatizavam o papel das restrições e
oportunidades geográficas na condução da política
externa. Embora muitos dos primeiros geopolíticos
gostassem de se considerar “científicos” e “objectivos”,
estavam longe de serem imparciais e apolíticos. Na
verdade, o oposto acontecia com mais frequência. Os
geopolíticos ansiavam por poder. Alguns académicos,
como Halford Mackinder, procuraram-no entrando no
sistema político, enquanto outros, como Karl
Haushofer, contentaram-se em ser professores e
conselheiros ocasionais de líderes políticos. Outros
geopolíticos, como diplomatas praticantes e decisores
de política externa, já ocupavam posições de poder.
Mesmo quando não estão em posições directas de
poder, os principais intelectuais da política externa
podem influenciar os debates e a agenda da política
externa a partir da sua posição na sociedade civil,
como
PENSANDO CRÍTICAMENTE SOBRE GEOPOLÍTICA 9
professores proeminentes, jornalistas e
comentaristas da mídia.
Os intelectuais, claro, não são pensadores
flutuantes na sociedade, mas pensadores inseridos
em certas estruturas institucionais e redes sociais de
poder, privilégio e acesso. Ao pensar criticamente
sobre a geopolítica, devemos considerar não apenas
os intelectuais, mas também as instituições e redes
sociais que lhes permitiram tornar-se intelectuais e
“especialistas” em geopolítica. Em muitos casos,
existem camadas de instituições interligadas
envolvidas: universidades, institutos privados de
investigação em política externa, grupos de reflexão,
meios de comunicação social e agências
governamentais. Para os primeiros geopolíticos
imperialistas, as principais estruturas institucionais
eram geralmente universidades e sociedades
científicas. Halford Mackinder, por exemplo, ganhou a
vida como um dos primeiros professores da disciplina
de geografia no Reino Unido. Sua carreira na
geografia foi possível graças à sua associação com a
Royal Geographical Society (RGS), um clube
exclusivamente masculino de exploradores e viajantes
estabelecido em Londres em 1830 que serviu como
local de encontro social e rede para o establishment
governante do Império Britânico.
Durante a Guerra Fria, geopolíticos proeminentes
eram geralmente associados e circulavam entre uma
variedade de instituições diferentes. George Kennan,
por exemplo, ganhou destaque como oficial de
carreira do serviço estrangeiro, passou a dirigir a nova
agência de Planeamento de Políticas do estado dos
EUA no pós-guerra e subsequentemente tornou-se
historiador académico e escritor profissional. Como
muitos membros do establishment da política externa
americana, ele se tornou membro do Conselho de
Relações Exteriores, um clube privado de reuniões de
banqueiros de Nova York estabelecido no início do
século XX que posteriormente se desenvolveu na
instituição quintessencial do establishment da política
externa no setor civil dos EUA. sociedade (Schulzinger,
1984). Nos anos mais recentes, muitos outros grupos
de reflexão privados sobre política externa e institutos
de estudos estratégicos foram estabelecidos, como a
Rand Corporation em Santa Monica, o Foreign Policy
Research Institute em Filadélfia ou a Heritage
Foundation em Stanford, cada um com as suas
próprias revistas e operações de publicação.
(Crampton e Ó Tuathail, 1996). Em quase todos os
casos, estas instituições privadas são
10 GEARÓID Ó TUATHAIL
a criação de poderosos indivíduos conservadores,
grupos de interesse e fundações, alguns com opiniões
e ambições bastante extremistas. Como seria de
esperar, estas instituições representam apenas os
interesses dos poderosos e privilegiados e não os dos
pobres e fracos. A perspectiva da política externa dos
banqueiros e dos empreiteiros da defesa será
articulada pelos intelectuais da arte de governar que
contratam; a perspectiva da política externa dos
camponeses ou dos assistentes sociais, não.
Este processo de selecção de certos intelectuais
como “especialistas” é, como se poderia suspeitar,
altamente político e politizado. Regra geral, as
instituições mais poderosas de qualquer Estado ou
sociedade tenderão a patrocinar os intelectuais que
defendem o mesmo ponto de vista ideológico que
eles. As ideologias são importantes, pois os Estados
são governados e mantidos juntos por certos sistemas
de crenças amplamente partilhados. Na sua forma
mais elementar, estes sistemas ideológicos de crença
incluem a adesão aos mitos “excepcionalistas
nacionais” comuns de um Estado e o apoio às
estruturas de poder existentes dentro de um Estado e
de uma sociedade (Agnew, 1983). Em geral, os
geopolíticos são geralmente chauvinistas nacionais
fortes e também conservadores entrincheirados. Pelo
menos historicamente, eles operaram e deram voz a
múltiplos discursos etnocêntricos ocidentais de poder,
articulando variações nacionais e pessoais de
supremacia racial, sexual e cultural em nome do
“senso comum”, da “razão” e de uma “perspectiva
objectiva” ( Haraway, 1991). A natureza específica da
sua visão ideológica do mundo, é claro, pode ser
bastante matizada. Halford Mackinder, Karl Haushofer
e George Kennan eram tipos muito diferentes de
intelectuais “nacionalistas”, mas também partilhavam
uma repulsa geral pela modernidade industrial,
embora as suas atitudes e argumentos sobre esta
questão fossem bastante distintos. No entanto, o
apoio geral aos estabelecimentos económicos e
culturais predominantes do próprio Estado e da
sociedade é comum à maioria dos geopolíticos.
Desafiar o etnocentrismo, o racismo e o sexismo dos
geopolíticos, tanto historicamente como hoje, é
perigoso, no entanto, pois muitos grupos procuram
congelar a investigação intelectual rotulando-a de
“politicamente correcta”. Ironicamente, são aqueles
que usam este rótulo que trabalham de forma
politicamente correcta no interesse dos poderosos,
pois procuram salvaguardar discursos
de poder – dos mitos excepcionalistas nacionais às
hierarquias raciais implícitas, ao etnocentrismo
civilizacional, ao universalismo irreflexivo e ao
patriarcado – de qualquer tipo de desafio e
escrutínio.
Nem todas as leituras recolhidas neste volume
são de geopolíticos conservadores e nacionalistas.
Uma figura alternativa ao intelectual da política é o
intelectual dissidente,o intelectual de espírito
crítico que está menos interessado em obter e
exercer o poder do que em desafiar as “verdades”
prevalecentes da geopolítica e das estruturas de
poder, da economia política e do militarismo que
elas justificam. Enquanto o intelectual da política
ou da geopolítica é um insider que quer estar ainda
mais dentro, o intelectual dissidente é um outsider,
alguém que normalmente desafia a ortodoxia
nacionalista dominante, em determinados estados
e sociedades. Em alguns casos, estes intelectuais
ganham uma certa celebridade mediática ou,
talvez mais precisamente, uma notoriedade devido
aos seus modos questionadores. O historiador
inglês EPTompson, líder da Campanha Britânica
pelo Desarmamento Nuclear (CND) no início da
década de 1980, foi vilipendiado tanto pelo seu
próprio governo como pela União Soviética pela
sua tentativa de pensar para além da lógica da
Guerra Fria de antagonismo mútuo e militarismo
que dominou a política no período pós-Segunda
Guerra Mundial e dividiu o continente europeu em
dois. A Guerra Fria, Thompson argumentou em
1982:
tornou-se um hábito, um vício. Mas é um hábito
apoiado por interesses materiais muito poderosos em
cada bloco: os estabelecimentos militar-industriais e
de investigação de ambos os lados, os serviços de
segurança e operações de inteligência, e os servidores
políticos destes interesses. Estes interesses
determinam uma grande (e crescente) alocação de
competências e recursos de cada sociedade;
influenciam a direcção do desenvolvimento económico
e social de cada sociedade; e é do interessedeestes
interesses para aumentar essa alocação e influenciar
ainda mais esta direcção (1982:169).
Entre os servidores intelectuais do complexo
militar-industrial desta época no Ocidente
estavam geopolíticos da Guerra Fria como
Henry Kissinger, Zbigniew Brzezinski, General
Alexander Haig e outros. Os argumentos de
Thompson ecoam os de outros dissidentes

figuras como o físico Andrei Sakharov na Rússia
– um cientista do complexo militar-industrial
soviético que mais tarde se tornou o seu
principal crítico – e o estudioso linguístico Noam
Chomsky nos Estados Unidos. Durante a Guerra
do Vietname, Chomsky foi um crítico feroz
daqueles que apelidou de “novos mandarins” no
estado de segurança nacional dos EUA, os
intelectuais militar-burocráticos que justificaram
e levaram a cabo a guerra dos EUA contra o
nacionalismo radical no Vietname e noutros
locais do Terceiro Mundo (Chomsky, 1969).
Ao longo deste volume, tentamos
deliberadamente ilustrar a natureza
essencialmente contestada do conhecimento
geopolítico, apresentando leituras que
comentam e criticam diretamente umas às
outras. Nosso objetivo geral é provocar o debate
e a reflexão sobre a política do conhecimento
geopolítico no século XX. A geopolítica, como
este volume deixa claro, não é uma forma
objetiva e científica de conhecimento. Trata-se
da operação do discurso e do poder/
conhecimento, e também de como os
intelectuais, as instituições e a ideologia criam
estruturas de poder dentro dos Estados. Muitas
vezes, no passado, a geopolítica foi tratada não
como um discurso, mas como uma descrição
imparcial e objectiva de como o mundo
“realmente é”. Ao desafiar esta abordagem
neste livro, procuramos tornar visíveis e
manifestas as relações de poder incorporadas
nos discursos geopolíticos. Para Foucault, onde
quer que haja poder, wi thindis
Isso é também háclaro que de
resistência.
resistir e que ele pode refletir de
os discursos geopolíticos são problematizados.
Dado que este objectivo intelectual e político é
central neste volume, é imperativo que
consideremos não apenas os discursos forjados
pelos poderosos, os hegemónicos e os
privilegiados, mas também os discursos contra-
hegemónicos daqueles que são marginalizados,
ignorados e silenciados por discursos
dominantes. Todos vivemos dentro de conjuntos
de poder, conhecimento e experiência. Adquirir
uma apreciação disto é o primeiro passo no
caminho para uma compreensão crítica dos
discursos da política egípcia que actualmente
enquadram as nossas próprias localizações,
identidades e mundos.
PENSANDO CRÍTICAMENTE SOBRE GEOPOLÍTICA 11
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