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Moreira de Acopiara .
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Lampião absolvido
Moreira de Acopiara

Reencontrei um amigo,
Por sinal um veterano,
Conversador, destemido,
Descendente de cigano,
Morador em Cabrobó,
No solo pernambucano.

Contou-me esse amigo que


Teve um dia um passamento
E conheceu outros mundos
Numa questão de momento;
Que por onde passou viu
Sempre grande movimento.

Desse passamento seu


Ele disse estar lembrado
Que foi bater no inferno,
E lá viu, em mal estado,
Um cabra de Lampião
Chamado Pilão Deitado.
E por mais de duas horas E disse que o julgamento
Dialogou com Pilão De Lampião foi assim:
Sobre os acontecimentos Deus soube que ele não fora
Ocorridos no sertão Somente um homem ruim
Entre trinta e trinta e oito, E disse: Se for verdade,
Acerca de Lampião. O quero perto de mim.

Disse esse amigo que achou Vou mandar interrogá-Io,'


O 'cabra' Pilão Deitado Pois pelo que estou sabendo
Padecendo nas caldeiras Foi ele um injustiçado
A mil anos condenado, E não o quero sofrendo.
Mas que Lampião já tinha Se ele provar que foi justo
Sido dali retirado. Virá para cá, correndo.

Que purgado tinha sido 'I E Deus mandou um dos anjos,


Pouco tempo no inferno, No qual muito confiava,
Que o seu tempo de purga Sabatinar Lampião
Acabou-se num inverno Pra ver o que se passava
E que agora está em paz Com o grande rei do cangaço,
Ao lado do Pai Eterno. No qual muito se falava.

E me disse ainda esse E indagou o anjo: Tu


Elemento meu amigo Foste um grande cangaceiro?
Que ouviu de Pilão Deitado No sertão onde atuaste
Naquele grande castigo Foste mesmo bandoleiro
Que Lampião não deixara Ou fizeste aquilo tudo
Por ali muito inimigo. Por seres aventureiro?

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Primeiro, vendo a desgraça,
Lampião respondeu: "Não!
Fiquei de cabeça tonta.
Eu sempre gostei de missa!
Assim resolvi fazer
Mas ainda muito jovem
Justiça por minha conta
Necessitei da Justiça
E assassinei aquela
Para punir uns aigozes,
Gentinha de pouca monta.
E ela me foi muito omissa.
Aí foi quando a Justiça
Na terra na qual nasci
Rebelou-se contra mim;
Muito contente eu vivia
Não ouviu meus argumentos,
Com meus pais e meus irmãos,
Disse que eu era ruim,
Mas, quando foi certo dia,
E os poderosos se uniram
Uns elementos roubaram
Desejando ver meu fim.
O que a gente possuía.
Diante desse dilema
Até então eu levava
Precisei me defender
Uma vidinha tranqüila,
E me escondi dos Milicos,
Sempre de casa pra roça,
Pois gostava de viver.
Sem encrenca, sem quizila,
Só que dali em diante
E aos domingos inda ia
Era matar ou morrer."
Olhar a feira, na Vila.
Lampião prosseguiu com
Eu nessa época nem
Inteligentes respostas:
Pensava em ser cangaceiro.
"Diga ao bom Deus que não fui
Mas vendo a justiça falha,
Homem de feias propostas,
Apesar de eu ser romeiro,
Não desrespeitei mulheres
Senti um abalo grande E nem matei pelas costas.
E me tornei justiceiro.
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E digo e posso provar:
Lutei muito por mudança! E foi assim que embarquei
Mas sem obter resposta . Nessa viagem sem volta,
Perdi de vez a esperança. Sabendo que essa cadeia
Mesmo assim respeitei sempre Quando prende não mais solta.
Velho, mulher e criança. Mas contra injustiças grandes
Qualquer homem se revolta.
Garanto que nesses três
Jamais encostei a mão. Mas quem enfrenta o poder
Por outro lado fuita Com certeza se destrói.
Do Padre Cícero Romão, Por isso eu me destruí,
A quem sempre visitava E é isso o que mais me dói.
Para uma confissão. Para alguns eu fui bandido,
Mas pra muitos fui herói.
Padre Cícero inclusive
Foi meu bondoso padrinho! Acho que não ser covarde
Com ele em meu coração Foi minha grande virtude,
Não me sentia sozinho. E embora tenha perdido
E mais! Só ele deixava A liberdade e a saúde
Suportável meu caminho. Não pude mudar o mundo,
Mas resisti quanto pude.
Meu ódio mortal foi contra
Grandes latifundiários, Não fui rebelde querendo,
Detratores dos direitos, Não merecia castigo.
Perversos e mercenários, Com quem comigo era bom
Coronéis embrutecidos Eu era bom e amigo.
E malditos sanguinários. Infelizmente o destino
Foi muito cruel comigo."
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Terminada a sabatina
O anjo disse: "No Céu
Tem um lugar pra você,
Que não considero réu."
E os dois para o Céu se foram
Protegidos por um véu.

Quem me contou isso tudo


Foi um bom pernambucano.
Tudo bem! Sei que ele era,
Apesar de veterano,
Um elemento esquisito,
Descendente de cigano.

Você pode acreditar,


Mas fique com um pé atrás.
Ou então vá ao inferno,
Fale lá com Satanás,
Procure Pilão Deitado
E não se discute mais.

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L
MOREIRA DE ACOPIARA é como Manoel
Moreira Júnior assina seus trabalhos.
Nasceu em 1961·, no município de Acopiara,
Ceará, onde viveu até os 20 anos de idade, entre os
trabalhos da roça, a leitura de bons livros, a
convivência com os cantadores repentistas da
região e a literatura de cordel.
Escreve desde adolescente e é autor de dezenas
de Cordéis. Transita pelo teatro, gravou um CD com
poemas de sua autoria e tem trabalhos gravados
por vários artistas, inclusive Jackson Antunes. Tem
três livros editados, dentre eles Ai Que Saudade
Que Tenho.

Fones: (011) 4072-2749 / 9201-7961


E-mail: m.acopiara@bol.com.br
www.moreiradeacopiara.hpg.com.br
Rua dos Jasmins, 148, casa 2,
09950-460 -Diadema SP
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ACOPIARA
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Preleita: SI1eiIa Diniz • 2000 • 2004

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