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O ENSINO DO TEXTO:

DA LEITURA À
PRODUÇÃO
JOÃO WANDERLEY GERALDI (Por tos de
Passagem)
Neste item, meu objetivo é refletir sobre outra parte do "conteúdo de ensino", sempre
presente nas atividades de sala de aula de língua portuguesa: o texto, quer como objeto
de leitura, quer como produto da atividade discente.

O ponto de vista que defenderei é que esta presença (do texto) pode corroer a
identidade atual do professor de língua portuguesa.

A questão que vai nos ocupar é: como se concilia, na atividade escolar do ensino de
língua portuguesa, a presença do texto - um objeto que aponta tanto para o fechamento
quanto para a abertura de sentidos - com as funções ideológicas de reprodução
social?
DEFINIÇÃO OPERATÓRIA DE TEXTO
Estabeleço algumas delimitações necessárias à reflexão que pretendo desenvolver, por
isso o conceito a que chego vale para o contexto desta discussão.
Como quadro de fundo, lembremos que um texto é o produto de uma atividade
discursiva onde alguém diz algo a alguém.

Um texto é uma sequência verbal escrita, formando um todo


acabado, definitivo e publicado.
Temos de falar em compreensão de um texto, e não em reconhecimento de um sentido
que lhe seria imanente, único.

Neste sentido, por mais paradoxal que possa parecer, um texto significa sempre uma
coisa, mas esta coisa não é sempre a mesma.

Um texto:
a) se constrói numa relação entre um eu e um tu;
b) opera com elementos que, sozinhos, são insuficientes para produzir um sentido fixo;
c) inevitavelmente tem um significado, construído na produção e na leitura, resultado das
múltiplas estratégias possíveis de interpretação compartilhadas por uma comunidade
lingüística, a que apelam tanto autor quanto leitor.
d) diferentes instâncias de uso da linguagem operam com diferentes estratégias de
produçâo e compreensão de textos;
e) as comunidades linguísticas não são homogêneas (antes pelo contrário, na nossa
sociedade se debatem interesses antagônicos) e, portanto, operam tanto com diferentes
conjuntos de noções (sistemas de referências) quanto com diferentes formas de construção
de enunciados.
Mesmo com a predominância do ensino gramatical ("o verdadeiro conteúdo do ensino"
das aulas de português), o texto aparece, embora como um modelo, em vários
sentidos:

I. Objeto de leitura vozeada (ou oralização do texto escrito):


II. Objeto de imitação: o texto era lido como modelo para a produção de textos dos
alunos
III. Objeto de uma fixação de sentidos : o significado de um texto será aquele que a leit

Estas três formas de inserção do texto na atividade de sala de aula são suficientes para
mostrar como tornar uno que, por princípio, poderia levar à pluralidade. Fixa-se a
dinamicidade; torna-se produto pronto, acabado, o que era possibilidade.
PARA REFLETIR

O texto se oferece sempre como uma tensão entre as leituras que lhe são previstas e as
leituras que, imprevistas, podem ser construídas.

Considerando o aluno e cada um deles em particular como sujeito leitor ou como sujeito
autor de seus textos, ser professor já não pode mais ser o exercício puro e simples
da capatazia (ou o exercício da gerência). É ser do aluno um interlocutor ou mediador
entre o objeto de estudos (no caso, o texto) e a aprendizagem que se vai concretizando
nas atividades de sala de aula.
DA REDAÇÃO A PRODUÇÃO DE TEXTOS
Alerta sobre uma realidade escolar: há muita escrita e
pouco texto. Em razão disso, o autor faz uma pertinente
distinção entre produção de textos e redação: nesta,
produzem-se textos para escola; naquela produzem-se
textos na escola (GERALDI, 1997b, p.137).
Redação
Estuda-se a forma em detrimento do conteúdo (correção do
texto visa apenas aos seus aspectos gramaticais).
Aulas baseadas em manuais de técnicas de redação.
Sem atividade prévia para a produção escrita.
Não há trabalho de reescrita dos textos.
O destinatário do texto é o professor.
Os textos são fruto de uma atividade de reprodução. O aluno
apenas cumpre instruções.
Os textos valem nota. Há uma nota máxima a ser alcançada.
Só se estudam os modelos narração/ descrição/ dissertação.
A linguagem é um instrumento de comunicação.
O aluno aprende a fazer redação para se dar bem nas provas.
Produção de textos
Estuda-se a relação entre forma e conteúdo (correção do texto propõe um diálogo com o aluno).
Aulas baseadas em livros de teoria textual.
Exposição oral de conceitos e debate de ideias como atividade prévia de qualquer produção escrita.
Encara-se a reescrita como fundamental no processo de autoavaliação do texto.
Ao longo do ano, as melhores produções são fotografadas e publicadas em um blog; ou os alunos corrigem
os textos dos colegas; ou são elaborados textos que terão destinatários reais – além dos muros da escola,
entre outras ideias.
O aluno assume um compromisso com o que diz.
Os textos são encarados como um exercício da cidadania do aluno. Parte-se da premissa que sempre é
possível melhorar (o foco vai além de alcançar a nota máxima).
São estudados diferentes gêneros e tipologias textuais.
A linguagem é uma forma de interação entre sujeitos.
O aluno aprende a produzir textos para:
- interpretar melhor os vários discursos com os quais tem contato em seu dia a dia;
- refinar seu olhar crítico;
- saber como interagir no mundo por meio de sua palavra.
PARA SUSTENTAR AS QUESTÕES SOBRE A PRODUÇÃO DE TEXTOS NA ESCOLA, PARTIR-
SE-Á DO QUE SUSTENTA GERALDI (1997, P. 137) QUE DIZ QUE:

Por mais ingênuo que possa parecer, para produzir um texto (em qualquer
modalidade) é preciso que:
a) se tenha o que dizer;
b) se tenha uma razão para dizer o que se tem a dizer;
c) se tenha para quem dizer o que se tem a dizer;
d) o locutor se constitua como tal, enquanto sujeito que diz o que diz para quem
diz […];
e) se escolham as estratégias para realizar (a), (b), (c) e (d). (GERALDI, 1997, p.
137)
Considero a produção de textos (orais e escritos) como ponto de partida (e ponto de
chegada) de todo o processo de ensino/aprendizagem da língua. e isto não apenas por
inspiração ideológica de devolução do direito à palavra às classes desprivilegiadas,
para delas ouvirmos a história, contida e não contada, da grande maioria que hoje
ocupa os bancos escolares. sobretudo, é porque no texto que a língua –objeto de
estudos –se revela em sua totalidade quer enquanto conjunto de formas e de seu
reaparecimento, quer enquanto discurso que remete a uma relação intersubjetiva
constituída no próprio processo de enunciação marcada pela temporalidade e suas
dimensões. (GERALDI, 1997b, p. 135).
Embora não se refira explicitamente ao conceito de gênero discursivo, a
proposta de Geraldi (1997b) sinaliza um ensino de produção textual com
foco em gêneros, porque preconiza um ensino no qual a língua é interação
e como tal pressupõe atividade verbal que conduza a isso. Tal fato pode ser
comprovado quando o autor sugere algumas práticas possíveis para ensino
de produção de textos na escola, tendo por base o esquema interlocutivo
(GERALDI, 1997b, p. 162-165), descrito a seguir :
1) Definição dos interlocutores: a escola como
instância pública de uso da linguagem pode
definir um projeto de produção de textos com
destinação a interlocutores reais ou possíveis.
2) Razões para dizer: a sustentação do projeto
está condicionada ao envolvimento dos
integrantes, os quais devem encontrar uma
motivação interna ao próprio trabalho a executar,
para que este não se torne uma mera tarefa a
cumprir.
3) Ter o que dizer: o ato de produzir texto não
como uma reprodução dos saberes escolares,
mas como transformação do “vivido particular,
somado a outros vividos particulares revelados
por seus colegas que requerem a reflexão e a
construção de categorias para compreender o
particular no geral em que se inserem”
(GERALDI, 1997b, p. 164).
4) A escolha de estratégias: a seleção ou a
construção das estratégias tanto em função do
que se tem a dizer quanto das razões para dizer
a quem se diz. momento em que se dará a maior
contribuição do professor-interlocutor, que
sugere, questiona, testa o texto do aluno como
leitor e aponta os possíveis caminhos para o
aluno dizer o que deseja dizer na forma que
escolheu.
O leitor/produtor de textos é um ser consciente do
que a escrita pode acarretar sobre o indivíduo e
sobre a sociedade como um todo. Nesse sentido,
o ato de escrever traz consequências sociais,
políticas, culturais, econômicas, cognitivas,
linguísticas, seja para o grupo social em que seja
introduzida a escrita, seja para o indivíduo que
aprenda a usá-la (SOARES, 2006, p.17).

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